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Dr. Ulysses da Silva ENTREVISTA
Como começou a trajetória do senhor na atividade registral? Comecei a trabalhar em um cartório na cidade de Bauru, onde nasci, no 1º Ofício, que compreendia o tabelionato, o processamento cível e, também, o criminal. No início, meu trabalho era comprar selos, mas logo aprendi datilografia e passei a tirar cópias de escrituras, procurações e a funcionar como datilógrafo nas audiências criminais, mesmo sem habilitação. Gostava do serviço, mas, ganhava pouco. Certo dia, a Coletora Federal de Bauru, Sra. Leonilda Pinto, que era irmã do titular do 8º Registro de Imóveis de São Paulo, sabendo que eu era bom datilógrafo, me convidou para trabalhar em São Paulo. Aceitei e vim. Corria o ano de 1946. O cartório fora criado em 1.939 por Ademar de Barros e concedido a Paulino Eugênio Meyer, que mantinha seu cunhado, Oscar Fontes Torres, como Oficial Maior (hoje seria o substituto). Éramos 15 ou 16 funcionários, sendo eu, com 18 anos e os demais bem mais velhos. Apesar da diferença de idade, estudando muito, e contando com a ajuda de Oscar, fui emancipado, habilitado e passei a ser o encarregado do exame dos títulos para registro. Com o falecimento de Paulino, Oscar Fontes Torres foi nomeado titular, de acordo com lei estadual, que então vigorava, e eu passei a substitui-lo. Com o desenlace dele, mais tarde, e por
força da mesma lei, fui elevado a titular, depois da interinidade por alguns meses, tendo sido aposentado compulsoriamente em 1998, em virtude de entendimento judicial que nos considerava servidores públicos. Aproveitando sua vasta experiência, quais os casos mais curiosos presenciados pelo senhor? Uma de nossas preocupações, quando escrevíamos sobre a matéria registrária, era, sempre que possível, ilustrar o assunto técnico abordado com o relato de casos ocorridos ou mesmo, fictícios. O leitor os encontrará em dois volumes de nossa obra intitulada Registro de Imóveis – O Lado Humano, editados pelo editor Sérgio Antônio Fabris, de Porto Alegre, em parceria com o IRIB. Escolhi um deles para esta oportunidade que envolve assunto polêmico e enseja boa discussão. Aí vai: Aspecto polêmico, mesmo no seio do judiciário, sempre foi o relativo à força da cláusula de inalienabilidade, que implicava incomunicabilidade e, mesmo, impenhorabilidade, independentemente de serem adotadas de maneira expressa, como defendiam vários autores, entre os quais Sílvio Rodrigues, Washington de Barros Monteiro e Orlando Gomes. Felizmente, a polêmica seARISP JUS 3
renou e eventuais dúvidas se dissiparam com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o qual passou a dispor, em seu artigo 1.911, que: A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. Serenada a discussão em torno desse ponto, eis que surge outro a nos cutucar. E o inverso é admissível? Washington de Barros Monteiro já se referia à possibilidade de a cláusula de incomunicabilidade implicar a de inalienabilidade, porém, sem muita convicção. Hoje a tese preponderante é de que inexiste tal implicação.
Entrando, agora, no plano meramente especulativo, existe um caso que torna essa questão um prato cheio para quem gosta de uma boa discussão. Para torná-la mais atraente, vamos fazer um relato fictício, útil ao nosso propósito, e solicitar ao leitor que nos ajude a resolvê-la: Julieta, moça prendada, de poucas letras, filha única, casou-se com Erasmo, um advogado tido como um dos mais competentes de pequena cidade do interior. O progenitor da jovem, viúvo, era homem de negócios, proprietário de inúmeros imóveis, explicando, talvez, o motivo da preferência do causídico por uma mulher sem muitos atrativos. O casamento fora celebrado sob o regime da comunhão de bens, por imposição do noivo, 4
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contrariando a vontade do sogro. Sentindo a velhice chegar, o pai de Julieta desejava fazer-lhe doação de todos os seus bens imóveis, mas relutava porque não nutria nenhuma simpatia pelo genro. Ciente da antipatia do sogro, Erasmo disse-lhe que, se a intenção fosse evitar o ingresso dos bens doados no patrimônio comum do casal, que fizesse a doação com a cláusula vitalícia de incomunicabilidade. A sugestão foi aceita e lavrou-se a escritura. Algum tempo depois, não foi difícil a Erasmo convencer a esposa de que fora injustiçado. Afinal de contas, o regime patrimonial por eles adotado era o da comunhão universal, e a sugestão dada ao sogro foi com o propósito de não retardar a transferência
dos bens para ela. Considerava justo, por tal razão, diante da ida do velho desta para a melhor, que ela lhe passasse a metade dos referidos bens. - Como posso fazer isso? A cláusula de incomunicabilidade, por você mesmo sugerida, pode ser ignorada? Disfarçando sua esperteza, Erasmo respondeu que agora isso era possível, em face do disposto no art. 499 do Código Civil, segundo o qual “É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão”, licitude essa extensiva, obviamente, às doações.
Essa explicação convenceu Julieta. Acontece que, ao pretender a formalização da transmissão, o tabelião recusou-se a lavrar a escritura e suscitou dúvida ao seu juiz corregedor, sustentando a tese de que a cláusula de incomunicabilidade implicava, no caso, a de inalienabilidade. Além disso, acrescentou que a norma aludida referia-se apenas a bens excluídos da comunhão por força do regime patrimonial adotado no casamento, não se aplicando, portanto, ao caso. Considerou, ainda, inaceitável que o legislador tivesse tido a intenção de abrir uma porta de escape na lei, propiciando, com isso, meios para se anular um gravame imposto com a plena concordância da donatária. Subscrevendo a própria contestação, Erasmo, bom advogado, serviu-se dos seguintes argumentos: Ao referir-se a bens excluídos da comunhão, o legislador incluiu aqueles gravados com a cláusula de incomunicabilidade, aplicando-se, portanto, a norma contida no art. 499 do Código Civil. Embora venha a frustrar a intenção do doador de tornar incomunicáveis os bens doados, o fato é que a doação pretendida virá restabelecer a plenitude do regime da comunhão universal. Como diz Washington de Barros Monteiro, em sua conhecida obra, “Curso de Direito Civil – Direito de Família”, atualizada por Regina Beatriz Tavares da Silva, em 2007, já na 38ª edição, publicada pela Editora Saraiva: “O regime da comunhão universal consiste na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges…”
Não há nenhum segredo nesse conceito, bem conhecido, adotado por todos os demais doutrinadores, acrescentou Erasmo. E indagou: pode a vontade de pessoa estranha à sociedade conjugal provocar alteração nesse conceito, mesmo em ato de liberalidade, tornando incomunicáveis bens que deveriam, por força do regime adotado, comunicar-se? Já vimos a posição do notário, recusando-se a lavrar a escritura, e a argumentação dos suscitados, mas qual seria o entendimento do registrador? Registraria a escritura, caso fosse lavrada? A nosso ver, o caso envolve duas questões a resolver. A primeira, mais simples, relaciona-se com a legitimidade da imposição da cláusula de incomunicabilidade em plena vigência de um casamento celebrado sob o regime da comunhão universal. É certo que esse regime consiste na comunicação de todos os bens presentes e futuros, como afirma o legislador no art. 1667, mas, com as exceções do artigo seguinte, acrescenta de forma clara. E lá está, no inciso I, do art. 1668, entre as exceções previstas, aquela que exclui da comunhão os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar.
Não há, portanto, como negar a validade dessa exceção e, consequentemente, o direito de qualquer doador de impor gravames em seus atos de liberalidade, quando o beneficiado for casado sob esse regime de bens. A segunda questão, mais complicada, envolve o alcance da visão do legislador quando se refere a bens excluídos da comunhão. É inegável que os bens gravados com a cláusula de incomunicabilidade estão excluídos da comunhão, mas, terá sido intenção do legislador ir até esse ponto? Ou podemos inferir que a exclusão prevista é válida apenas quando determinada pelo regime patrimonial adotado? Paulo Luiz Neto Lobo, ao abordar esse aspecto da questão, na obra Comentários ao Código Civil, publicada pela Editora Saraiva, sob coordenação de Antônio Junqueira de Azevedo, afirma que, de fato, a exclusão estende-se a tais bens, acrescentando, porém, que a faculdade dada pela norma é a de venda para patrimônio particular de cada cônjuge e não para patrimônio comum. Maria Helena Diniz, em sua obra Código Civil Anotado, Editora Saraiva, 14ª edição, entende que a compra e venda entre cônjuges está proibida se o regime matrimonial for o da comunhão universal. Admite, porém, a venda quanto aos bens excluídos da comunhão, considerados particulares, como os mencionados nos arts. 1.668 e 1.659, o que inclui os gravados com incomunicabilidade. A obra Código Civil Comentado, de autoria de vários juristas, também editada pela Saraiva, 3ª edição, sob a coordenação do Ministro Cezar Peluso, confirma o parecer de Maria Helena Diniz e encerra com as seguintes palavras: A título ilustrativo, o marido pode comprar da esposa os bens que ela recebeu da herança paterna com cláusula de incomunicabilidade. Não deixam dúvida os autores citados quanto à possibilidade de transmissão entre cônjuges que objetive imóvel gravado com a cláusula de incomunicabilidade. Cautela, porém. As afirmações feitas são válidas apenas quando o imóvel negociado passar a constituir bem particular do adquirente, o que pode ser alcançado com numerário que se encontre fora do patrimônio comum do casal, como, por exemplo, o proveniente da venda de outro bem particular. Porque, se assim não for, o bem incomunicável entra para o patrimônio comum, o que é inadmissível. E, pior, anula um gravame imposto pelo doador ou testador, em ato de liberalidade, com a plena concordância da beneficiada, o que não é correto. Quais são as principais qualidades do bom registrador? Para ser um bom registrador, o funcionário tem que estudar Direito e aprofundar-se no conhecimento das nossas leis básicas, como a 6.015/73, a 4.591/64, os Códigos Civil e de Processo Civil, especialmente o primeiro, que é onde se encontram as ARISP JUS 5
normas, nas quais se assentam as disposições das leis registrais mais importantes. O constante acompanhamento das decisões judiciais, o respeito às normas da Corregedoria Geral da Justiça e a participação em encontros da classe ou em cursos, como os ministrados pelo Dr. Ricardo Dip, concorrem para o aprimoramento. Como o senhor vê o passado, presente e futuro do Registro de Imóveis? Antecedendo o surgimento do registro imobiliário, podemos dizer que, quando teve início a efetiva colonização do Brasil, em 1534, o Rei de Portugal, Dom João III, dividiu o país em “capitanias” ou “governanças” e as atribuiu, por meio de “cartas de doação”, a homens de sua corte e confiança, então chamados “capitães” ou “governadores”. Como vastas eram as capitanias, os capitães as dividiram em partes, denominadas “sesmarias”, e as distribuíram a pessoas cristãs, sem exigência de foro ou outro direito, salvo o dízimo de Deus à Ordem de Cristo. Chamadas “sesmeiras”, as pessoas beneficiadas detinham uma espécie de posse feudal e se obrigavam a explorar a terra por força das Ordenações Manuelinas. Longo período de tempo transcorreu até surgir a necessidade de regulamentar a aquisição das terras, iniciando-se aí, timidamente, a história do Registro de Imóveis. Vamos encontrá-lo, ainda em sua forma embrionária, na Lei 601, de 18 de setembro de 1850, e no Regulamento n. 1.318, de 30 de janeiro de 1.854, que passaram a legitimar a aquisição das terras pelo reconhecimento da posse perante o Vigário da Igreja Católica, daí o sistema ser conhecido como “Registro do Vigário” ou “Registro Paroquial”. Esse registro era meramente declaratório e tinha por objetivo apenas diferenciar o domínio particular do domínio público. Mais tarde, pela Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, regulamentada pelo Decreto n. 3.453, de 26 de abril de 1865, é que foi criado o registro imobiliário, com a função de transcrever aquisições imobiliárias e inscrever ônus reais, substituindo a Lei Orçamentária n. 317, de 21 de outubro de 1.843, que dispunha somente sobre a inscrição de hipotecas. Outras leis e decretos menos expressivos sucederam-se, introduzindo alterações e novos conceitos, inclusive adotando o “Registro Torrens”, até entrar em vigor, em 1º de Janeiro de 1917, o Código Civil. Regulamentando o disposto no Código Civil, quanto ao Registro de Imóveis, outros diplomas legais foram elaborados. Destacamos, entre eles, o Decreto 18.542, de 1928 e o Decreto 4.857, de 09 de novembro de 1939, modificado pelo de número 5.718, de 26 de fevereiro de 1940, que regulou a matéria registral por mais de trinta anos. Seguiu-se o Decreto-lei 1.000, de 21 de outubro de 1969, que introduziu alterações na legislação anterior e acabou sendo revogado. Várias modificações introduzidas por esse decreto-lei foram 6
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aproveitadas na lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada que foi pela Lei 6.216, de 30 de junho de 1975, a qual se encontra em vigor até os dias de hoje, embora já necessitada de algumas modificações. Com referência ao presente e futuro do registro imobiliário, podemos dizer que, pelo menos nas regiões mais adiantadas do país, o registro de imóveis desempenha com eficiência a sua função e preserva a segurança jurídica dos atos que pratica proporcionada pelos meios técnicos atualmente disponíveis. É de se reconhecer, entretanto, a necessidade de algumas alterações na Lei 6.015/73, particularmente no que diz respeito à segurança do acervo eletrônico. O que o senhor espera do Registro Eletrônico? Como se nota, o sistema de registro eletrônico veio para ficar, embora a Lei 6.015 continue sendo citada em livros. É certo, porém, que a escrituração deles vem mudando com o tempo e foi a criação da matrícula que abriu caminho para o primeiro avanço. Em São Paulo, com apoio da Corregedoria Geral da Justiça e, também, em outros centros urbanos, ela, a matrícula, adquiriu a forma de uma ficha de cartolina, o que permitiu a sua escrituração mecânica, sistema esse logo estendido aos indicadores pessoal e real. Com a introdução do computador, a escrituração foi agilizada e tornou-se possível o armazenamento eletrônico de todos os atos praticados, inclusive os anteriores à entrada em vigor da citada lei, criando-se, assim, um arquivo virtual, embora fichas e livros continuassem a ter vida material. Foi significativo esse avanço, mas existem, ainda hoje, cartórios em pequenas comarcas, lugares distantes, sem recursos, que insistem em escriturar os livros manualmente. Outros podem ter adotado o novo sistema, mas contam com equipamentos e programas falhos e inseguros. Aliás, mesmo nas comarcas bem servidas, há registradores que ainda não computadorizaram os atos anteriores à Lei 6.015, mantendo-os no ultrapassado sistema. Logo se vê que o atraso da legislação registral em relação aos progressos tecnológicos criou essa situação, amenizada, em parte, por iniciativa do Judiciário. Felizmente, a Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, alterada pelas Leis 12.249, de 2010, 12.424 e 12. 693, de 2012, regulamentada, parcialmente, pelos Decretos 7.429, de 2011, 7.795 e 7.825, ambos de 2012, criadora do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, dedicou os artigos de números 37 a 41 a essa importante matéria. De acordo com tais dispositivos, os serviços de registros públicos instituirão sistema de registro eletrônico, para cujo fim os documentos eletrônicos apresentados ou expedidos deverão
atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade do Governo Eletrônico). A adoção do novo sistema, agora sacramentada pela referida lei, passa a permitir a recepção de títulos e o fornecimento de informações e certidões também por meio eletrônico, conforme vimos no capítulo anterior desta obra, e torna obrigatória a inserção dos atos praticados na vigência da Lei 6.015 no sistema eletrônico dentro do prazo de até 5 (cinco) anos, a contar da publicação da lei 11.977, o mesmo devendo ser feito com os atos e documentos arquivados anteriormente à mesma lei. Merecedora de atenção no texto da lei é a disposição contida no art. 41, segundo a qual, a partir da implementação do novo sistema, os serviços de registros públicos colocarão à disposição do Poder Executivo Federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados. Para efeito de cumprimento das novas disposições legais, o legislador acrescentou um parágrafo ao art. 17 da Lei 6.015 determinando que o acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (internet), deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da aludida Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP. Em São Paulo, a Corregedoria Geral da Justiça baixou vários Provimentos, com alterações nas Normas de Serviço, três deles já mencionados no capítulo anterior desta obra com o objetivo de possibilitar a imediata adoção do novo sistema. O de n. 42 declara implantado o Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), integrado por todos os Oficiais de Registro de Imóveis do Estado de São Paulo, merecendo destaque os seguintes pontos relativos à recepção eletrônica de títulos e ao fornecimento de certidões e informações via internet, além dos que já foram focalizados no capítulo anterior; I – a finalidade do aludido serviço de registro eletrônico é desmaterializar procedimentos registrais, bem como promover sua interação com o Poder Judiciário, governos, empresas e cidadãos na protocolização e registro eletrônicos de títulos e no acesso às certidões e informações registrais. II – até que a Corregedoria Geral da Justiça regulamente a matéria, a escrituração eletrônica, sem impressão no papel, fica restrita aos indicadores pessoal e real, ao controle de títulos contraditórios, certidões e informações, o que significa que as matrículas e os lançamentos no Livro 3, embora escriturados eletronicamente, continuarão sendo impressos no papel; III – os documentos apresentados poderão ser arquivados em formato digital ou microfilmados, salvo quando houver exigência legal de arquivamento no original e houver sido produzido no papel, o que não impede, neste caso, a digitalização por meio de captura de imagem;
IV – todos os dados e imagens serão armazenados de forma segura e eficiente, que garanta fácil localização, preservação integridade e que atenda Plano de Continuidade de Negócio (PCN), mediante soluções comprovadamente eficazes de Recuperação de Desastre (DR – Disaster Recovery), dentre elas, testes periódicos; V – o arquivo redundante (backup) deverá ser gravado em mídia digital segura, local ou remota, com cópia ora do local da unidade do serviço em Data Center localizado no País, que cumpra requisitos de segurança, disponibilidade, conectividade; a localização física do Data Center e o endereço de rede (endereço lógico (IP), deverão ser comunicados ao Juiz Corregedor Permanente, assim como eventuais alterações; VI – facultativamente e sem prejuízo do armazenamento em backup, fica autorizado o armazenamento sincronizado em servidor dedicado ou virtual (private cloud) alocado em Data Center localizado no País, cujo endereço será igualmente comunicado ao Juiz Corregedor Permanente; VII – os documentos em meio físico apresentados para lavratura de atos registrais deverão ser devolvidos às partes, após sua microfilmagem ou digitalização. Ainda quanto ao ingresso do título, dispõe o art. 37 da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, resultado da conversão da Medida Provisória n. 459, de 25 de março do mesmo ano, criadora do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, que os serviços de registros públicos instituirão sistema de registro eletrônico. Essa iniciativa possibilita a recepção de títulos e documentos e, também, o fornecimento de certidões e informações por meio eletrônico ou via internet, estabelecendo o art. 38 que as cópias eletrônicas apresentadas ou expedidas deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP e à arquitetura e-PING – Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico, conforme regulamento. Para a implantação do novo sistema, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo baixou os Provimentos 1/2009, 4/2011 e 42/2012, instituindo o Portal Oficio Eletrônico - www. oficioeletronico.com.br – operado, mantido e administrado exclusivamente pela ARISP – Associação de Registradores Imobiliários do Estado de São Paulo, integrado, obrigatoriamente, por todos os Oficiais de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, que deverão manter acervo do Banco de Dados Light permanentemente atualizado. Entre os pontos focalizados nos aludidos provimentos, sobressaem os seguintes: I - poderão aderir ao Portal criado todos os entes e órgãos públicos, bem como entidades privadas que manifestem interesse por informações registrais, mediante celebração de convênio com a ARISP; II - a função do Portal é possibilitar o recebimento de conARISP JUS 7
sultas e o envio de respostas por meio aplicativo de Internet hospedado na Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados da ARISP, vedado o trânsito e a disponibilização de informações por correio eletrônico ou similar; III - o acesso ao Banco de dados light, por intermédio do Portal, coloca à disposição, em tempo real, do Poder Judiciário e das entidades mencionadas, informações sobre a existência de bens e direitos registrados nas respectivas Serventias; IV – a prestação de informações no formato eletrônico, a visualização de imagens de matrículas ou de outro documento arquivado, bem como a remessa de certidões, quando solicitadas por entidades privadas, dar-se-á na Central da ARISP, em seu endereço eletrônico www.arisp.com.br e estarão sujeitas ao pagamento de custas e emolumentos;
XI – o título eletrônico poderá ser apresentado direta e pessoalmente à Serventia registral em dispositivo de armazenamento de dados (CD,DVD, cartão de memória, pendrive etc.); XII – A Central operada pela ARISP possibilitará o acompanhamento pelo usuário, gratuitamente, da tramitação do título eletrônico pela internet, o que permitirá a visualização das etapas percorridas, mediante indicação do número do protocolo ou da senha de acesso; XIII – o sistema da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados da ARISP deverá contar com módulo para acompanhamento contínuo, controle e fiscalização pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo e Juízes Corregedores Permanentes das serventias registrais, criada, assim, a correição online.
V - tanto as requisições, como as certidões expedidas, serão assinadas digitalmente com a utilização de certificados digitais emitidos por autoridade certificadora oficial e credenciada, obedecidos os padrões estabelecidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil); VI – a criação do Portal não impede o fornecimento de informações pelos registradores diretamente aos interessados em terminal de autoatendimento, desde que seja operado e mantido exclusivamente nas dependências da Serventia; VII – os registros de imóveis poderão emitir e os tabelionatos de notas receber e arquivar certidões em formato eletrônico, por intermédio da ARISP, com as cautelas recomendadas; VIII – os registradores do Estado de São Paulo disponibilizarão serviços de recepção de títulos e fornecimento de certidões e informações por meio eletrônico; IX – o Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) será prestado aos usuários por meio de plataforma única na internet, que funcionará na Central operada pela ARISP; X – a postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos públicos ou particulares, elaborados por meio eletrônico, para remessa às serventias para prenotação ou exame e cálculo, bem como destas para usuários, serão efetivadas por intermédio da Central operada pela ARISP;
Complementando as informações acima, cumpre lembrar que a aludida Medida Provisória 459, presentemente convertida na referida Lei 11.977, já confirmava disposição contida da Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2005, que alterou o disposto no § 6.º do artigo 659 do Código de Processo Civil e passou a admitir a realização da penhora e de sua averbação por meio eletrônico. Aliás, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, através do Provimento 22 de 2012, introduziu alteração nas Normas de Serviço, focalizando a penhora online, estendendo a inovação ao arresto, à sua conversão em penhora, e ao sequestro de bens imóveis.
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Antes, a Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, já determinava ao magistrado comunicar, ao registro imobiliário, a decretação de indisponibilidade de bens, preferencialmente, por meio eletrônico. Insistindo nesse tema, o Provimento 11 de 2013, também baixado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, contém alguns dispositivos, com alterações nas Normas de Serviço, objetivando facilitar o registro de contratos celebrados no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV.
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INTRODUÇÃO
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A exigência de atendimento a certos requisitos legais para o parcelamento do solo urbano, conforme esclarece Miguel Maria de Serpa Lopes1, tem como origem histórica a necessidade de imposição de limites aos proprietários que a partir do século XIX passaram, na Europa, a dispor de seus imóveis, mediante divisão em lotes, para atender à demanda decorrente do aumento da migração do campo para as cidades e do desenvolvimento excessivo destas. No Brasil o loteamento foi inicialmente regulamentado pelo Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937. O Decreto-lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967 pretendeu equiparar o loteador ao incorporador, o que fez sem revogar o Decreto-lei 58/37. Atualmente o parcelamento do solo urbano é regulamentado pela Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979.
LOTEAMENTO URBANO Por José Marcelo Tossi Silva Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça no biênio 2013/2014. Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo nos biênios 2004/2005, 2008/2009 e de janeiro a abril de 2010. Juiz Auxiliar da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo (1997 a 1999). Professor do 1º e do 3º Cursos de Especialização em Direito Notarial e Registral ministrado pela Escola Paulista da Magistratura. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) na área de concentração Direito das Relações Sociais – Direito Civil. Especialista em Direito de Família pela Escola Paulista de Magistratura.
Além disso, cabe lembrar que a Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009 (Lei Minha Casa Minha Vida) introduziu relevantes mudanças no que se refere à regularização fundiária, matéria que, porém, será objeto de exposição distinta. A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), por sua vez, estabeleceu diretrizes gerais para a política urbana que tem no parcelamento do solo um de seus instrumentos PARCELAMENTO DO SOLO URBANO: CONCEITOS Os conceitos de loteamento e de desmembramento estão contidos na Lei nº 6.766/79, que em seu art. 2º, §§ 1º e 2º, dispõe: a) loteamento é “...a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”. b) desmembramento é “...a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros púbicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes”. c) Gleba: o loteamento e o desmembramento são feitos sobre uma gleba que consiste em área de terreno apta a receber o parcelamento do solo urbano. Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei a conceituam como: “...a área de terreno que ainda não foi objeto de parcelamento urbano regular, isto é, 1 Miguel Maria de Serpa Lopes, in Tratado dos Registros Públicos, Vol. III, Brasília: Brasília Jurídica, 1996, pág. 48/51.
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aprovado e registrado2”.
disponha que se trata de providência facultativa.
d) Lote: fixado o conceito de gleba, tem-se como lote o produto do fracionamento ocorrido que pode ser destinado à alienação pelo empreendedor.
A Lei nº 6.766/79 também traz o conceito de infraestrutura básica que: “... é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação” (art. 2º. § 5º);
A existência jurídica do lote como imóvel autônomo em relação à gleba parcelada decorre do registro do loteamento (art. 18 da Lei nº 6.766/79), consistindo a venda, a promessa de venda, a reserva de lote ou qualquer outro instrumento de que decorra a intenção de vender lotes em loteamento ou desmembramento não registrado crime qualificado (art. 50, § único, I, da Lei nº 6.766/79). A Lei nº 8.935/79, de forma incompleta, conceitua o lote como sendo o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos previstos no plano diretor ou lei municipal específica. A área mínima do lote é de 125m², com ao menos 5 metros de frente, salvo se tratar de loteamento para urbanização específica ou edificação de conjunto habitacional de interesse social previamente aprovado pelos órgãos competentes (art. 4º, II). Esse limite mínimo, porém, não impede o registro de sentença declaratória de usucapião ainda que o imóvel usucapido tenha área inferior3 (cf. AC 994.09.284744-6, TJSP, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro). e) Área remanescente: é a parte da gleba não abrangida pelo loteamento ou pelo desmembramento. O Manual de Orientação do Graprohab, que é órgão do Estado de São Paulo, conceitua área remanescente como: “...a porção territorial que integra área da gleba onde deverá ser implantado o loteamento, descrita na matrícula de registro de imóveis, mas que não faça parte da área loteada” (p. 54). Por não fazer parte da área parcelada deve-se tomar a cautela de não ser incluída no memorial descritivo e na planta como área sujeita ao parcelamento registrado. Também é de todo recomendável que uma vez registrado o parcelamento seja aberta matrícula própria para a área remanescente, embora o item 192.3 do Capítulo XX das NSCGJ4
2 Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, Como Lotear uma Gleba, 2ª ed., Campinas: Millennium, 2003, p. 2. 3 AC 994.09.284744-6, TJSP, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro, j. 25.2.2010, citado por Ricardo Dip, e outros, in Regularização Fundiária Urbana: Jurisprudência Paulista, São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 90/91, 4 Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Tomo II.
Nos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS), em que for autorizada menor infraestrutura, dela também farão parte as vias de circulação (art. 2º, § 6º, I). No que diz respeito à infraestrutura básica a que se refere o art. 2º, § 5º, prevê o art. 4º, I, da Lei nº 6.766/79 que: “...áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem” (art. 4º, I, da Lei nº 6.766/79). Contudo, a par da infraestrutura básica indicada em seu art. 2º, § 5º, o art. 18, V, da Lei nº 6.015/73 prevê que as obras de infraestrutura mínima do loteamento que são as vias de circulação, a demarcação dos lotes, quadras e logradouros, e as obras de escoamento das águas pluviais. Infraestrutura básica e infraestrutura mínima não se confundem, podendo o loteamento ser aprovado, conforme as posturas aplicáveis e somente com previsão de implantação de infraestrutura mínima. Nada impede, por sua vez, que essa infraestrutura seja posteriormente completada pelo Poder Público, ao longo do tempo. Uma vez aprovado o projeto de loteamento, as áreas de infraestrutura nele indicadas, que abrangem os espaços livres de uso comum, as vias e as praças, as áreas destinadas a edifício e equipamentos urbanos, bem como as áreas verdes, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, salvo se ocorrer caducidade da licença ou desistência do empreendimento (art. 17 da Lei nº 6.766/79). Registrado o loteamento, o domínio dessas áreas se transfere ao Município (art. 22 da Lei nº 6.766/79). LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO: DISPENSA REGISTRO ESPECIAL Ao lado do loteamento e do desmembramento as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo dispõem sobre hipóteses em que dispensado o registro especial do art. 18 da Lei nº 6.766/79 para o parcelamento do solo urbano nos casos em que a sua natureza demonstra que a finalidade da referida lei será alcançada independente do cumprimento de ARISP JUS 11
todas as formalidades nela previstas (itens 17 e 170.5 do Capítulo XX das NSCGJ).
vas e associações para aquisição de casa própria sem finalidade de lucro (item 172.1 das NSCGJ).
São as hipóteses de mero desdobro ou divisão em que inexistentes riscos aos adquirentes, ou em que não haverá venda de lotes em oferta pública.
O financiamento pelo SFH não afasta a necessidade do registro do art. 18 da Lei nº 6.766/79 quando o empreendimento for promovido por particular (item 172.2 das NSCGJ).
Para essas hipóteses, porém, sempre é necessária a prévia autorização do Município (item 170.6 do Capítulo XX).
Em todas essas hipóteses deve ser exigida a aprovação do Município para o conjunto habitacional (item 173.1, “e”, das NSCJG).
As NSCGJ também dispensam o registro especial do art. 18 quando o parcelamento for anterior à vigência da Lei nº 6.766/79, desde que devidamente comprovado (item 170, “e” e “f ”, do Capítulo XX), Essa norma não contraria o Art. 71 da Lei nº 11.977/09 que dispõe: “As glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979 que não possuírem registro poderão ter sua situação jurídica regularizada, com o registro do parcelamento, desde que o parcelamento esteja implantado e integrado à cidade”, podendo o registro ser feito sobre o todo, ou parcelas da gleba. Sobre os parcelamentos anteriores à Lei nº 6.766/79, é necessário considerar que o Decreto-Lei nº 58/37 obrigava os proprietários a promover a inscrição do loteamento antes do início das vendas quando pretendessem dividir seus terrenos para vendê-los em lotes mediante oferta pública e pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas (art. 1º).
PARCELAMENTO REGULAR, IRREGULAR E CLANDESTINO São regulares o loteamento e o desmembramento implantados mediante aprovação pelo Município, e pelo Estado ou outros entes quando necessário, com registro no Registro Imobiliário e execução das obras conforme o cronograma e o projeto aprovados. Parcelamento clandestino é o implantado, ou em processo de implantação, sem prévia aprovação do Poder Público. Parcelamento irregular é o que apesar de aprovado pelo Poder Público é implantado sem registro no Registro de Imóveis, ou é implantado em desacordo com a aprovação concedida, ou não é executado conforme o cronograma aprovado.
Nos demais casos, ou seja, quando o parcelamento não implicava na venda dos lotes com pagamento do preço em prestações periódicas, as plantas deveriam ser arquivadas no Registro de Imóveis competente, com transcrição da venda conforme apresentado o respectivo contrato.
A promoção de parcelamento irregular do solo urbano constitui crime contra a administração pública, sendo punível de forma qualificada a realização de parcelamento por quem não tem título legítimo de propriedade, ou omite de forma fraudulenta fato a ele relativo (art. 50, § único, II, da Lei nº 6.766/79).
Em razão disso, em se tratamento de parcelamentos daquela época é necessário que antes de exigir a regularização o Oficial de Registro verifique sobre a existência de planta do parcelamento regularmente arquivado em seu cartório, ou no que então era competente, pois não haverá, nesse caso, parcelamento irregular.
Incorrem nesses crimes quem de qualquer modo concorre para sua prática, incluídos os mandatários do loteador, o direito e o gerente de sociedade (art. 51 da Lei nº 6.766/79).
CONJUNTOS HABITACIONAIS
O parcelamento do solo urbano deve atender a requisitos de ordem urbanística e ambiental e requisitos de ordem jurídica distinta, os últimos visando a proteção dos adquirentes dos lotes.
As NSCGJ conceituam o conjunto habitacional como o parcelamento do solo urbano feito mediante alienação de unidades habitacionais já construídas pelo empreendedor (item 172.1 do Capítulo XX). No Estado de São Paulo esses conjuntos necessitam de autorização estadual quando implicam em abertura ou prolongamento de vias públicas (Decreto-lei 52.053/2007), e estão sujeitos ao registro do art. 18 da Lei nº 6.766/79 quando não promovidos por órgãos federais, estaduais e municipais, sociedades de economia mista com participação majoritária do poder público, que financiem habitações e obras conexas, ou fundações, cooperati12 ARISP JUS
REQUISITOS DO PARCELAMENTO
REQUISITOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS O art. 182 da Constituição da República prevê que a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público municipal, deve observar as diretrizes gerais fixadas em lei e tem por objetivo “...ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Em seu § 2º esse artigo dispõe sobre a função social da propriedade: “A propriedade urbana cumpre sua função social quan-
do atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Dispõe, ainda, sobre a obrigatoriedade de cidades com mais de vinte mil habitantes contarem com plano diretor como instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana (§ 1º), e sobre a possibilidade do Poder Público municipal dispor em lei específica sobre o parcelamento compulsório do solo urbano quando não edificado, subutilizado ou não utilizado, o que faz com consonância com o dever de se atender à função social da propriedade. O atendimento das normas urbanísticas e ambientais no parcelamento do solo urbano é requisito para a obtenção das licenças que ao Poder Público compete outorgar. Seu controle é feito na fase administrativa de aprovação pelo Município e de aprovação pelo Estado nas hipóteses em que exigida. Nos limites da qualificação, faz-se posterior controle pelo Oficial de Registro de Imóveis que deve exigir a apresentação das licenças necessárias para o registro do parcelamento do solo urbano. A aprovação do projeto de parcelamento pelas entidades de direito público competentes e o registro no Registro de Imóveis são obrigatórios tanto para o loteamento como para o desmembramento do solo urbano (art. 18 da Lei nº 6.766/79). PROJETO DE LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO O art. 12 da Lei nº 6.766/79 determina que o loteamento ou o desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal. O art. 13 da Lei nº 6.766/79 prevê que ao Estado compete disciplinar a aprovação do parcelamento (loteamento e desmembramento) pelos Municípios, nas hipóteses que relaciona: “I - quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal; II - quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal; III - quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m²”.
Aos Estados compete definir por decreto as normas a que devem ser submetidos os loteamentos e desmembramentos nas hipóteses do art. 13 da Lei nº 6.766/79, em que procurará atender às exigências urbanísticas do planejamento municipal (art. 15, e seu § único, da Lei nº 6.766/79). Além disso, aos Estados compete definir por decreto as
áreas de proteção especial indicadas no inciso I do art. 13, que são as áreas de proteção aos mananciais, ao patrimônio histórico, cultural, paisagístico e arqueológico conforme definido em lei estadual ou federal. Definidas essas áreas e disciplinadas, pelo Estado, as normas de aprovação pelo Município, em tese não haveria outra manifestação do Estado sobre o projeto de parcelamento. Contudo, o Estado de São Paulo mantém a exigência de aprovações separadas do Município e do Estado nos casos de projetos de: a) loteamentos para fins habitacionais; b) conjuntos habitacionais com abertura ou prolongamento de vias públicas; c) Projetos de desmembramentos para fins habitacionais com mais de 10 lotes não servidos por redes de água e coleta de esgoto (art. 5º do Decreto Estadual nº 52.053, de 13 de agosto de 2007). As aprovações pelo Estado de São Paulo para os parcelamentos habitacionais são realizadas por meio do Graprohab que se trata de grupo de que participam representantes de todos os órgãos estaduais com competência para análise dos projetos de parcelamento do solo e do condomínio, respeitada a atribuição de cada órgão (Decreto Estadual nº 52.053/2007). O art. 10 do Decreto Estadual nº 52.053/2007 dispõe que a aprovação final do projeto depende da unanimidade de todos os membros que integram o Graprohab, isso sem prejuízo do pronunciamento de eventual órgão ou entidade pública que não o integrar (art. 12). O item 186, “b”, das NSCGJ prevê a apresentação de autorização da CETESB para os loteamentos industriais, ou prova da dispensa da análise. O loteamento ou o desmembramento localizado em área de município integrante de região metropolitana deverá ser submetido à prévia da autoridade metropolitana (art. 13, § único, da Lei nº 6.766/79). Quando localizados em terrenos de marinha e nos casos de enfiteuse da União é necessária a aprovação do órgão público respectivo, assim como quando abrange área de preservação permanente (APP). A enfiteuse não impede o loteamento, mas deverá constar no Registro de Imóveis e obrigará os adquirentes dos lotes assim como obrigava o anterior proprietário da gleba. Em se tratando de parcelamento a ser implantado em zona de ARISP JUS 13
expansão urbana, é necessária também a averbação da lei municipal que incluiu o imóvel em zona urbana e prova da ciência ao INCRA mediante certidão por esse expedida ou comprovante do protocolo de sua cientificação (art. 53 da Lei nº 6.766/79 e itens 168, 168.1 e 168.II, das NSCGJ). Em qualquer hipótese, não se permite parcelamento do solo urbano: “I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; II - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção” (§ único do art. 3º da Lei nº 6.766/79).
O art. 12, § 3º, da Lei nº 6.015/73 dispõe que: “É vedada a aprovação de projeto de loteamento e desmembramento em áreas de risco definidas como não edificáveis, no plano diretor ou em legislação dele derivada”. O § 2º do referido artigo contém restrição para a aprovação de projeto de loteamento em municípios que integrarem cadastro nacional de municípios com áreas de suscetíveis a deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos correlatos. Conforme o Manual de Orientação do Graprohab, não são admitidos lotes e arruamentos em áreas de várzeas (que deverão ser consideradas como non aedificandi, com respeito das faixas de preservação em seu entorno) e não são admitidos sistemas de lazer em áreas verdes, ao passo que somente são admitidos parcelamentos em áreas aterradas com materiais nocivos, ou onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, depois da correção desses fatores. O parcelamento implantado em área de preservação permanente, porém, pode ser objeto de regularização fundiária de interesse social, pelo Município, quando a ocupação ocorreu até 31 de dezembro de 2007 e quando estudo técnico demonstrar que a regularização implicará em melhoria das condições ambientais (art. 54 da Lei nº 11.977/09). O art. 6º da Lei nº 6.766/79 dispõe sobre as providências preliminares à elaboração do Projeto de Loteamento, imputando aos Municípios com mais de 50.000 habitantes, que não tenham plano diretor em que já fixadas diretrizes de urbanização para a zona em que situado o loteamento, a incumbência de definir as diretrizes para o uso do solo, o traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamentos 14 ARISP JUS
urbanos e comunitários. Para essa finalidade, deve ser apresentada planta do imóvel com os requisitos definidos no referido artigo, dos quais cabe destacar a localização dos cursos de d’água, dos bosques, do arruamento contíguo a todo o perímetro com as áreas livres e equipamentos urbanos e comunitários já existentes no local e adjacências, o tipo de uso a que o loteamento se destina e as características das zonas de uso contíguas. O tipo de uso a que o loteamento se destina deverá, também, ser delimitado no contrato padrão de compromisso de compra e venda mediante fixação de cláusulas restritivas definindo, por ex., limite de construção, tipo de uso do lote e proibição de desdobro. Superada, ou inaplicável, a fase da orientação do traçado e das diretrizes, o projeto de loteamento deve ser apresentado à Prefeitura com os documentos referidos no art. 9º da Lei nº 6.766/79 que incluem a certidão atualizada da matrícula da gleba. A certidão da matrícula deve representar a situação jurídica atual da gleba, sob pena de serem consideradas insubsistentes as diretrizes fixadas e as aprovações subsequentes (art. 9º, § 3º), sem prejuízo das sanções cíveis e penais cabíveis, sendo crime qualificado promover o parcelamento sem título legítimo de propriedade do imóvel desmembrado ou loteado (art. 50, § único, II), exceto quando promovido o parcelamento pela União, Estado, Município ou entidades delegadas que apresentarão para registro o decreto de desapropriação publicado e a decisão de imissão de posse (art. 18, §§ 4º e 5º). PRAZOS O art. 7º, § único, da Lei nº 6.766/79 prevê o prazo de validade de quatro anos para as diretrizes fixadas pelo Município para o projeto de loteamento. O Manual de Orientação do Graprohab indica o prazo de dois anos para que o Certificado de Aprovação do empreendimento seja protocolado no Município visando a aprovação final do projeto de parcelamento, com possibilidade de requerimento de renovação do certificado após o decurso desse prazo. Aprovado o projeto de parcelamento pelo Município, tem o empreendedor o prazo de 180 dias para solicitar o registro do parcelamento ao Oficial de Registro de Imóveis, sob pena de caducidade da aprovação (art. 18 da Lei nº 6.799/79). O prazo de 180 dias é material, ou seja, tem início na data da aprovação do projeto, e em sua contagem exclui-se o dia do começo e inclui-se o do final, como esclarecem Vicente Celeste
Amadei e Vicente de Abreu Amadei5. Cuida-se de prazo decadencial, razão pela qual não é prorrogável ou passível de interrupção, mas o seu término será no primeiro dia útil subsequente caso seja precedido por data em que não houver expediente. Ocorrida a caducidade da aprovação municipal, pode o empreendedor solicitar nova aprovação pela Prefeitura iniciando-se, a partir dessa nova aprovação, outro prazo de 180 dias para o registro do loteamento. O art. 18, V, da Lei nº 6.015/73 prevê que, caso não anteriormente executadas com expedição de “termo de verificação” pela Prefeitura ou Distrito Federal, pode ser fixado pelo Município o prazo máximo de quatro anos para a execução de obras de infraestrutura que forem exigidas para o loteamento que, ao menos, deverão abranger as vias de circulação, a demarcação dos lotes, quadras e logradouros, e as obras de escoamento das águas pluviais. Essas obras e prazos constarão em cronograma aprovado pelo Município, podendo cada uma das obras ter prazo distinto, a ser estabelecido de forma escalonada. Além disso, com o cronograma será apresentado o instrumento de garantia para a execução das obras, em favor do Município. Contendo cronograma para as obras de infraestrutura, deve o Oficial de Registro exigir do loteador a apresentação do instrumento das garantidas dadas ao Município para sua realização, a fim de que sejam registradas, ou mencionadas no registro se não consistirem em garantia real sobre imóvel com registro de sua competência (item 187 do Capítulo XX das NSCGJ). Se for garantia real sobre imóvel de competência distinta, deve ser exigida prova do registro. Ao término do prazo para conclusão das obras, deverá o empreendedor apresentar “termo de verificação” pela Prefeitura Municipal atestando que foram realizadas, com implantação da infraestrutura prevista para o loteamento. Se o “termo de verificação” não for apresentado no prazo previsto para execução das obras, deverá o Oficial de Registro, no Estado de São Paulo, comunicar o fato à Prefeitura Municipal e ao Ministério Público, para as providências cabíveis (item 187.1 do Capítulo XX das NSCGJ). O art. 12, § 1º, da Lei nº 6.766/79, dispõe que a aprovação do parcelamento caduca se o projeto não for executado no prazo constante do cronograma de execução. 5 Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, ob. cit., p. 211.
A consequência dessa caducidade, contudo, não é o cancelamento do registro do loteamento, tanto que assim não previsto no art. 23 da Lei nº 6.766/79. Nesse caso, devem ser consideradas diferentes hipóteses, sendo uma a existência de lotes já comercializados e outra a inexistência de qualquer alienação ou promessa de alienação. Se não existir alienação ou promessa de alienação, ou se houver anuência da Prefeitura (ou Distrito Federal) e de todos os adquirentes de lotes, pode ser promovido o cancelamento do registro do loteamento, com autorização judicial, o que atinge diretamente a aprovação expedida (art. 23, I, da Lei nº 6.015/73). Se, porém, existirem lotes já alienados, ou compromissados à venda, a caducidade não atinge seus adquirentes e não produz efeitos em relação à preservação dos contratos que celebraram. Nessa situação, Vicente Celeste Amadei e Vidente de Abreu Amadei6 lembram que uma consequência é a de ficar o loteador proibido de comercializar novos lotes até obter nova aprovação municipal e apresentá-la ao Oficial de Registro. O loteamento aprovado, registrado e com obras não implantadas no prazo é irregular conforme os conceitos já expostos e, portanto, passível de regularização pelo loteador ou pelo Município. Diante disso, regularizado o loteamento, com apresentação do “termo de verificação das obras de infraestrutura” não há razão para que o loteador não possa retomar as vendas dos lotes, ressalvada a execução das garantias constituídas em favor do Município e o direito de valer-se de outros meios para se reembolsar das obras que tiver custeado caso as garantias sejam insuficientes. LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – PROCEDIMENTO DE REGISTRO O registro do parcelamento do solo urbano depende a apresentação de requerimento ao Oficial de Registro de Imóveis competente, em consonância com o princípio da rogação que vigora do Registro de Imóveis. Esse registro será efetuado na circunscrição em que situada a gleba, ou em todas, se for mais de uma, iniciando-se naquela em que existir maior área. Para cada registro deverá ser apresentada prova dos realizados nas circunscrições anteriores e a negativa de registro em uma das circunscrições importará em cancelamento dos demais, 6 Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, ob. cit., p. 218/220. ARISP JUS 15
competindo ao Oficial de Registro comunicar o fato aos outros oficiais. Se o motivo do indeferimento não se estender às outras áreas e houver nova aprovação municipal, poderá ser mantido o registro do loteamento da área não abrangida pela negativa numa das circunscrições. Ainda, nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição (art. 21 da Lei nº 6.766/79). Quando o imóvel for de propriedade de pessoa física bastará a anuência do cônjuge do empreendedor para o requerimento de registro do parcelamento, mas não para os posteriores atos de alienação dos lotes em que todos os proprietários deverão intervir (pessoalmente ou regularmente representados), com seus respectivos cônjuges se não forem casados pelo regime da separação de bens a que se refere o art. 1.687 do CC (art. 18, VII, da Lei nº 6.766/79). Se o imóvel for de propriedade de pessoa jurídica deve ser apresentado o contrato social, com suas alterações, ou o estatuto social com prova da ata da assembleia que elegeu a diretoria atual, para comprovar a regularidade da sua representação. Se a pessoa jurídica for representada por procurador o item 179 do Capítulo XX das NSCGJ prevê que o traslado do mandado deve ser atualizado pelo prazo de 90 dias. O mandatário que representar o proprietário do imóvel, em qualquer caso, deve ser constituído por instrumento público com poderes especiais para representar na solicitação de registro do parcelamento, e com poderes especiais e específicos para os atos de alienação dos lotes. O autor do parcelamento deve ser o proprietário da gleba a quem competirá celebrar os contratos de alienação dos lotes, por si ou representado por mandatário regularmente constituído. Não há, por óbvio, impedimento para o parcelamento do solo em imóvel objeto de condomínio voluntário, ou seja, que tenha mais de um proprietário, devendo todos, porém, anuir com o registro do loteamento e figurar como loteadores. O art. 18 da Lei nº 6.766/79 relaciona os documentos necessários para o registro do parcelamento do solo, o que faz também para garantia aos futuros adquirentes dos lotes que terão meio único e relativamente seguro para aquilatar os riscos do empreendimento e, portanto, aqueles que podem atingir os contratos que celebrarem. Ademais, o requisito da comprovação da aprovação do parcelamento pelo Poder Público implica na prévia análise e apuração do atendimento dos requisitos urbanísticos e ambientais, e o registro permite dar ciência aos pretensos adquirentes dos lotes 16 ARISP JUS
de que também em relação a essas licenças ficarão protegidos porque, em tese, está afastado o risco de ser o lote situado em área que não permita o uso conforme a finalidade do loteamento. Assim, por ex., poderá o adquirente do lote crer que o controle público da aprovação do parcelamento impede que seja implantado em área inutilizável por ter servido de aterro de produtos tóxicos, ou sanitário, ou por estar o lote em área de várzea, ou outra que impeça a destinação econômica esperada pelo adquirente. O adquirente, diante disso, poderá voltar-se contra o autor do parcelamento e contra o poder concedente da autorização eventualmente indevida para ressarcir-se dos danos que em razão disso sofrer. A responsabilidade do Oficial de Registro, por sua vez, é a que decorre do art. 22 da Lei nº 8.935/94, ou seja, causada por culpa ou dolo, sem prejuízo da sanção prevista no art. 19, § 4º, e da responsabilidade penal prevista no art. 52, ambos da Lei nº 6.015/73. O art. 18 da Lei nº 6.766/79 se refere ao prazo de 180 dias contados da aprovação Municipal do projeto de parcelamento, não contendo referido artigo referência às aprovações de outros entes federativos que devam manifestar-se. Porém, por questão de lógica, deve o empreendedor apresentar ao Oficial de Registro todos os documentos necessários ao registro do parcelamento, pois a qualificação deverá ser promovida no prazo de quinze dias previsto no art. 237-A da Lei nº 6.015/73 (ou 10 dias conforme o item 43 do Capítulo XX das NSCGJ, prazo que, apesar de prorrogável em outras hipóteses, no caso de parcelamento do solo não pode ultrapassar 15 dias). No Estado de São Paulo os documentos apresentados para registro do parcelamento, em seu original ou cópias autenticadas, devem ter suas folhas numeradas e rubricadas, com sua autuação em procedimento separado para cada parcelamento (item 176 das NSCGJ). A formação de um procedimento para cada parcelamento do solo é providência de inegável utilidade e mantém consonância com o art. 24 da Lei nº 6.766/79 que prevê que o processo de loteamento e os contratos depositados em Cartório podem ser examinados por qualquer pessoa e a qualquer tempo, independentemente de custas e emolumentos, ainda que a título de busca. São documentos previsto no art. 18 da Lei nº 6.766/79: “I - título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ 4o e 5º ; II - histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 (vintes anos), acompanhados dos respectivos comprovantes;
III - certidões negativas: a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel; b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos; c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública. IV - certidões: a) dos cartórios de protestos de títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos; b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos; c) de ônus reais relativos ao imóvel; d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos. V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras; VI - exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei; VII - declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento”.
Apresentada a certidão da matrícula da gleba, ou certidões da matrículas e transcrições até que completado o prazo de 20 anos, não é exigível outro título de propriedade ou histórico desses títulos, porque o registro do imóvel faz presumir o domínio em favor daquele indicado com essa qualidade. O prazo de 20 anos para as certidões não foi alterado pela legislação mesmo com a redução do prazo de usucapião de imóvel previsto no Código Civil para o máximo de 15 anos (art. 1.238 do CC). Sendo o loteamento implantado em vários imóveis do mesmo proprietário, com transcrições ou matrículas distintas, deverá ser promovida a unificação dos registros, salvo se o projeto englobar mais de uma área já seccionada por ruas, estradas ou outros bens públicos, hipótese em que o “processo” de registro será único, mas o registro deverá ser feito em cada uma das matrículas atingidas (itens 177 e 177.1 das NSCGJ). Deve haver perfeita correspondência entre a descrição do imóvel contida na certidão da matrícula e a contida na planta aprovada e no memorial do parcelamento, sendo necessária a prévia retificação caso assim não ocorra (item 178 das NSCGJ). A retificação cabível poderá ser do registro ou, eventualmente, da aprovação caso ao final se constate que o registro contém área distinta à da aprovação do parcelamento pelos órgãos públi-
cos, ou seja, que a totalidade da área projetada não corresponde à de domínio do empreendedor. Nessa hipótese, haverá devolução dos títulos apresentados para registro do parcelamento, para que o empreendedor promova as medidas cabíveis. Cabe lembrar, porém, que para a aprovação do projeto de parcelamento é necessária a apresentação de prova do domínio do imóvel, razão pela qual, embora se cuide de hipótese em tese possível, deve sua ocorrência ser considerada rara e poderá implicar em responsabilidade do empreendedor na forma do art. 9º, § 3º, e 10, ambos da Lei nº 6.766/79. Constando das certidões das matrículas ou transcrições ônus ou garantias reais em favor de terceiros, caberá ao Oficial de Registro verificar sua natureza e exigir as autorizações cabíveis, ou negar o registro se esses gravames impedirem a livre transmissão das áreas do loteamento. Havendo, por ex., servidão de passagem de linha de energia elétrica, deverá ser apurado na planta e no memorial que tal não prejudique os adquirentes dos lotes ou a destinação das áreas que serão transmitidas ao domínio público. Se a gleba ainda for objeto de transcrição, para o oportuno registro do parcelamento será necessária a abertura de matrícula, na forma do art. 176, § 1º, I, da Lei nº 6.015/73. Compete ao Oficial de Registro qualificar a totalidade dos documentos apresentados para o registro do parcelamento, nesses incluídas as certidões negativas e as certidões de protesto de letras e títulos e de distribuições cíveis, trabalhistas, e de ações penas. As certidões de tributos federais, municipais e estaduais relativas ao imóvel, de ações reais pelo período de 10 anos, e de ações penais por crimes contra o patrimônio e a Administração Pública devem ser negativas conforme o art. 18, III, da Lei nº 6.015/73. Quanto aos tributos, se o imóvel era rural há menos de cinco anos, o item 184 do Capítulo XX da NSCGJ determina a apresentação de Certidão Negativa de Débito de Imóvel Rural, expedida pela Receita Federal. As certidões positivas com efeito de negativa, expedidas pelo Município, não impede o registro conforme o item 184.1 do Capítulo XX da NSCGJ. Contudo, se no prazo do registro for apresentada impugnação com o fundamento de que aquela certidão perdeu sua validade porque reconhecida a exigência do tributo, nova certidão negativa deverá ser exigida do empreendedor que poderá, se o caso, provar que o tributo continua inexigível. A razão de ser da exigência dessas certidões negativas é que os tributos incidentes sobre o imóvel são de responsabilidade do proprietário, ou seja, a obrigação de pagá-los transmite-se aos adquirentes. ARISP JUS 17
Também porque atingirão os adquirentes é necessário que a certidão de ações reais ou pessoais reipersecutórias, sobre a gleba, sejam negativas. Havendo ação dessa natureza ainda não julgada em favor do empreendedor, mesmo que não registrada a citação, não pode ser promovido o registro do parcelamento. As ações penais que digam respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública, não julgadas em favor do empreendedor, de igual modo impedem o registro do parcelamento. A razão, novamente, é que a ação real, ou pessoal reipersecutória movida contra o empreendedor poderá levar à perda do domínio ou parte do domínio do imóvel, igual ocorrendo com as ações penais indicadas porque podem ensejar a declaração da perda do bem, ou sua constrição para garantir indenização. Essas certidões, assim como as do inciso IV do art. 18, devem ser extraídas em nome de todos os que foram proprietários no prazo de 10 anos, com seus respectivos cônjuges se casados (observado o regime da separação convencional de bens adotado na vigência do Código Civil de 2002), e abrangem, para a distribuição de ações, a Justiça Estadual e a Justiça Federal. O item 181 do Capítulo XX das NSCGJ dispõe que devem ser relativas ao local da situação do imóvel e aos domicílios onde os proprietários (atuais e pretéritos se houver) residiram nos últimos dez anos, e devem ser extraídas há no máximo seis meses. Tratando-se de pessoa jurídica, as certidões serão extraídas na comarca em que sediada, e as dos distribuidores criminais serão relativas aos seus representantes legais, salvo se constituídas por outras pessoas jurídicas quando as certidões deverão referir-se aos representantes legais destas últimas (item 181.2 do Capítulo XX das NSCGJ). Sendo positivas as certidões a que se refere o inciso III do art. 18 da Lei nº 6.766/79, deverá o autor do parcelamento apresentar as certidões esclarecedoras para comprovar que em razão de seu julgamento as ações indicadas não mais apresentam riscos aos adquirentes dos lotes. Sobre a impossibilidade de registro de parcelamento havendo certidão positiva de ações a que se refere o inciso III do art. 18 da Lei nº 6.766/79, cabe citar a Apelação Cível nº 1.114-60/Poá, do Conselho Superior da Magistratura do TJSP, de que foi relator o Des. Ruy Camilo. As certidões a que se referem o inciso IV do art. 18 da Lei nº 6.766/79, por seu lado, ensejam a negativa do registro do parcelamento se não for demonstrado que não acarretam riscos aos adquirentes dos lotes. 18 ARISP JUS
As certidões de protesto de letras e títulos, do local do imóvel e do domicílio do autor do parcelamento e de todos os que foram proprietários da gleba nos últimos dez anos, com seus cônjuges, impedem o registro se for apurada existência de protestos com valores que não possam ser suportados pelo restante do patrimônio livre do empreendedor, ao qual caberá essa prova. De igual modo ocorre com as certidões das ações pessoais e penais (por outros crimes) contra o autor do parcelamento, seu cônjuge, e os proprietários da gleba nos últimos dez anos. Essas certidões, de feitos cíveis e penais, devem ser extraídas na Justiça Estadual e na Justiça Federal, e acompanhadas de certidões ou documentos esclarecedores do desfecho ou estado atual da ação, bem como de seu objeto. O item 182 do Capítulo XX das NSCGJ dispensam a apresentação de certidões ou documentos esclarecedores se, desde logo, a certidão de distribuição comprovar que a ação não tem repercussão econômica, ou a ação real não tem relação com o imóvel objeto do loteamento. A inexistência de repercussão econômica para o loteamento é evidente em alguns casos, como ocorre com ação para declarar inexigibilidade de título de crédito emitido em favor do empreendedor. Igual não ocorre com certidão de ação em que promovida penhora do imóvel parcelado, pois grande o risco de atingir o adquirente de lote. As certidões indicadas no inciso IV do art. 18 da Lei nº 6.766/79, assim, devem ser qualificadas individualmente, competindo ao Oficial de Registro, no exercício do controle de legalidade, exigir as certidões ou documentos esclarecedores que forem necessários e verificar se os valores dos protestos e as ações existentes têm ou não possibilidade de repercutir no empreendimento, atingindo eventuais adquirentes dos lotes. O item 182.1 do Capítulo XX das NSCGJ autoriza que se o empreendedor for empresa de capital aberto o Oficial de Registro, a seu critério e no exercício da qualificação, autorize a substituição das certidões esclarecedores pelo Formulário de Referência previsto na instrução CVM 480, de 07 de dezembro de 2009, mas não autoriza a dispensa da apresentação das certidões indicadas no art. 18 da Lei nº 6.766/79. O inciso IV, “c”, da Lei nº 6.766/79 prevê que devem ser apresentadas certidões de ônus reais relativos ao imóvel. Os ônus e garantias reais decorrentes de atos inter vivos são constituídos pelo registro do respectivo título no Registro de Imóveis e, portanto, sua situação decorre, em princípio, das certidões das matrículas apresentadas para registro do parcelamento.
Esses ônus e garantias não devem ser de natureza que impeça que os adquirentes dos lotes lhes deem a destinação esperada, nem que impeça a transmissão das áreas destinadas ao Município, como, por exemplo, se dá com o usufruto, o direito de superfície em favor de terceiro etc. Se assim ocorrer, deve o titular do direito real apresentar, por meio de instrumento público, a anuência com o parcelamento e com a liberação do ônus, ou com sua liberação de forma que não prejudique o empreendimento. As onerações decorrentes de penhora, ou as anotações preventivas em razão do ajuizamento de ação de execução, devem ser averbadas na matrícula (ou transcrição) do imóvel para a que a alienação seja considerada em fraude à execução, ressalvada a hipótese do art. 792, IV, do CPC (ação que possa reduzir o devedor à insolvência). Contudo, no caso de parcelamento do solo urbano a concentração desses atos na matrícula não afasta a obrigação de apresentação das certidões de distribuição cível e criminal. LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – CONTRATO PADRÃO O exemplar do contrato padrão de promessa de compra e venda, ou de cessão ou de promessa de cessão a que se refere o art. 18, VI, da Lei n 6.766/79 é documento imprescindível para o registro do parcelamento do solo urbano. Trata-se de negócio jurídico típico, ou seja, em que todos elementos previstos em lei para a sua caracterização devem estar presentes, dentre os quais se encontram os indicados no art. 26 da referida lei (qualificação das partes, identificação do parcelamento, descrição dos lotes compromissados, preço, prazo, forma e local de pagamento, taxas de juros e multa decorrentes da eventual mora do comprador, indicação do responsável pelo pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote, e declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento suplementares da legislação vigente). A atividade de promover o parcelamento do solo urbano com a finalidade de alienação dos lotes caracteriza relação de consumo tutelada pelo Código Defesa do Consumidor. Por sua vez, a qualificação realizada com o registro do loteamento é ampla e abrange, em consequência, as cláusulas da minuta apresentada para o contrato padrão de compromisso de compra e venda. Nesse sentido, entre outros, o parecer apresentado pelo Des. Walter Rocha Barone no Proc. CG 73948/2008, e o parecer apresentado pelo Des. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, no Processo CG nº 1314/2003. As NSCGJ, em seu item 188 do Capítulo XX, dispõem: “O contrato-padrão não poderá conter cláusulas que contrariem as disposições previstas nos arts. 26, 31, §§ 1º e 2º, 34 e 35 da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, bem como na Lei nº 8.078 de 11
de setembro de 1990 (Código do Consumidor)”. Dentre as cláusulas do contrato padrão que merecem atenção do Oficial de Registro por terem potencial para impedir o registro podem ser citadas, como exemplo, as que preveem: 1) a possibilidade de resolução do contrato por iniciativa unilateral das partes, afastada a hipótese de inadimplemento, porque o compromisso de compra e venda, suas cessões e promessas de cessões são irretratáveis na forma do art. 25 da Lei nº 6.766/79; 2) a cobrança de multa moratória superior a 2%, por violação ao disposto no art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90); 3) a cobrança de multa decorrente de mora do compromissário comprador inferior a três meses, por violar o disposto no art. 26, V, da Lei nº 6.15/73; 4) a exigência de anuência do autor do parcelamento para a cessão do contrato de compromisso de compra e venda, ou a cobrança de taxa para essa cessão, por violar o disposto no art. 31, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.766/79; 5) a renúncia do compromissário comprador ao direito de receber indenização pelas benfeitorias que forem introduzidas sem violação de restrição urbanística decorrente de lei ou convencional (art. 34, § único, da Lei nº 6.766/79 e art. 51, XVI, do CDC). Por outro lado, obrigam melhor reflexão e análise individualizada as cláusulas que: 1) importem em violação do direito do consumidor mediante cláusulas que em tese possam violar o art. 51 do CDC e, portanto, ser consideradas nulas de pleno direito, hipóteses que devem ser avaliadas caso a caso por consistir referido artigo em norma aberta ao dispor que são nulas as cláusulas que restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual, e que são nulas as cláusulas que se mostrarem excessivamente onerosa para o consumidor considerados a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso; 2) contenham valor pré-fixado para retenção, a título de indenização na hipótese de resolução do contrato decorrente do inadimplemento do comprador, calculado em porcentagem do preço do imóvel ou do preço pago pelo compromissário comprador (art. 35 da Lei nº 6.766/79). Nesses casos, não se afasta a relegação para ação própria, contenciosa, da análise de cláusulas eventualmente prejudiciais aos adquirentes, cabendo anotar que se o pagamento tiver superado 1/3 do preço do imóvel deverá ser feita a restituição integral do valor pago ao compromissário comprador, razão pela qual cláusula contrária a essa disposição ARISP JUS 19
não poderá ser aceita (art. 35 da Lei nº 6.766/79). 3) contenha cláusula que obrigue o adquirente a se filiar em associação de moradores ou outra entidade equivalente (art. 5º, XX, da Constituição Federal). Sobre a filiação a associação de moradores, o Superior Tribunal de Justiça fixou o seguinte entendimento: (...) 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram”. 2. No caso concreto, recurso especial provido para julgar improcedente a ação de cobrança (REsp 1439163/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 22/05/2015).
O estatuto da associação, ou outra entidade equivalente, não pode ser depositado com o registro do loteamento ou registrado por Oficial de Registro de Imóveis, com a finalidade de suprir o registro, diante da competência exclusiva do Oficial de Registro de Títulos e Documentos. Existe divergência, por sua vez, no que tange à validade de cláusula em que transferida ao adquirente do lote a obrigação de pagar separadamente pelas obras de infraestrutura previstas na aprovação do loteamento. O art. 18, V, da Lei nº 6.766/79 prevê que compete ao loteador realizar as obras de infraestrutura previstas na aprovação do loteamento e o art. 26, V, que o contrato de alienação (compra e venda, promessa de compra e venda ou de cessão) deve conter a indicação do preço a ser pago, o que impediria a previsão de cobrança separada das obras de infraestrutura pendentes de realização. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já decidiu que não há vedação para que as despesas de implantação de obra de infraestrutura sejam custeadas pelos adquirentes dos lotes (REsp 191.907/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, j. 06/04/2004, DJ 24/05/2004, p. 276). Em tese, os custos dessas obras sempre serão repassados aos adquirentes dos lotes, pois a intenção de obter lucro é inerente à atividade do empreendedor do loteamento. A questão a ser considerada, contudo, é que o empreendedor cauteloso prevê os custos das obras de infraestrutura ao projetar o loteamento, e quando embutido no preço do imóvel esses custos são previamente conhecidos pelo adquirente. Porém, as normas do loteamento não contêm previsão para contratação da venda de lote com futura realização de obra a 20 ARISP JUS
preço de custo (como pode ocorrer com o condomínio), razão pela qual afigura-se abusiva a previsão contratual de que o adquirente arcará com os custos das obras de infraestrutura sem que antecipadamente fixado seu valor. Convém, por sua vez, lembrar que o § 2º do art. 51 do CDC dispõe que: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Contudo, em nenhuma hipótese se autoriza a aceitação de contrato padrão com cláusulas violadoras de normas de ordem pública quando a constatação da nulidade for realizada nos limites da qualificação pelo Oficial de Registro. Restrições urbanísticas convencionais: O art. 26, VII, da Lei nº 6.766/79 dispõe que o contrato padrão deve indicar as restrições urbanísticas convencionas do loteamento, supletivas da legislação pertinente, se existirem. Essas restrições são impostas pelo autor do loteamento e em geral visam atrair os adquirentes por garantir que será dado aos lotes uso compatível com aquele a que o loteamento se destina. Porém, o contrato padrão não pode revogar restrições urbanísticas legais mais gravosas, mas somente acrescentar restrições às já previstas na legislação específica. Assim, por ex., o contrato padrão não pode permitir a construção em limite superior ao autorizado para aquela zona na respectiva legislação, nem o uso do lote para finalidade distinta da autorizada por lei como, v.g., o uso comercial de imóvel em área estritamente residencial. Em parecer que apresentei no Processo CG nº 1095/2009 (Parecer nº 165/09), o entendimento então prevalente no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo sobre as restrições convencionais foi assim resumido: 1) a imposição de restrição urbanística convencional com o registro do loteamento não depende de prévia autorização municipal; 2) a restrição urbanística convencional prevista no contrato padrão arquivado com o registro do loteamento deve ser mais gravosa que a legislação então vigente, desde que não colida com norma de ordem pública; 3) a restrição perdura enquanto for compatível com a legislação que lhe seguir, não for regularmente revogada, ou não cair em comprovado desuso; 4) a autorização municipal para o desdobro do lote, não decorrente de legislação que tenha alterado as normas urbanísticas
para a zona em que situado, não revoga restrição convencional imposta com o registro do loteamento; 5) a incidência e a obrigação de respeitar as restrições urbanísticas, que têm a natureza de obrigação propter rem, decorre do arquivamento da minuta do contrato padrão com o registro do loteamento (REsp 302.906/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 26/08/2010, DJe 01/12/2010, e CSM, Ap. Civ. 44.565-0/0-Capivari, Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição). Reconhecia-se, na época, o dever do Oficial de Registro promover o controle dessas restrições. A orientação administrativa sobre os limites da atuação do Oficial de Registro no controle das restrições urbanísticas por parte do loteador e dos adquirentes do lote, contudo, alterou-se ao longo do tempo, dispondo as NSCGJ atualmente vigentes: “191. Todas as restrições presentes no loteamento, impostas pelo loteador ou pelo Poder Público serão mencionadas no registro do loteamento. Não caberá ao oficial, porém, fiscalizar sua observância”.
Diante disso, o controle das restrições urbanísticas deve ser promovido pelos adquirentes dos lotes, ou pelo loteador mesmo que já tenha vendido todos os lotes (art. 45 da Lei nº 6.766/79). Não há vedação para a substituição do contrato padrão arquivado com o registro do loteamento, mediante averbação de nova minuta de contrato, desde que: 1) não importe em alteração dos prazos para as obras de infraestrutura previstos no cronograma, ressalvada a autorização municipal com o novo prazo que em seu total, ou seja, somado ao prazo anterior, não poderá ultrapassar quatro anos previstos no art. 18, V, da Lei nº 6.766/79; 2) a alteração conte com a anuência unânime dos adquirentes dos lotes (Processo CG 2008/27313 - Parecer nº 183/2008-E, do Estado de São Paulo). LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – PROCEDIMENTO DE REGISTRO Não havendo exigência a ser formulada para o registro do parcelamento, ou seja, estando em ordem a documentação apresentada, incumbe ao Oficial de Registro promover a publicação de edital que contenha o resumo do ato (ao menos os nomes dos autores do parcelamento, indicação do imóvel a ser parcelado, finalidade do registro do parcelamento, ou seja, a venda de lotes, e prazo para impugnação), assim como pequena planta do loteamento, em três dias consecutivos, em jornal local ou, se não houver, em jornal da região.
O item 189 do Capítulo XX da NSCGJ prevê que a publicação será feita em três edições consecutivas se a circulação do jornal não for diária. Nas capitais o edital também será publicado no Diário Oficial (art. 19, § 3º, da Lei nº 6.766/79). A partir da última publicação do edital tem início o prazo de 15 dias para impugnação por terceiros (art. 19 da Lei nº 6.766/79), sendo admitida a legitimidade do Ministério Público para a impugnação (REsp 194.617/PR, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, j.16/04/2002, DJ 01/07/2002, p. 278). Oferecida impugnação, cabe ao Oficial de Registro intimar o requerente do parcelamento e o Município (ou Distrito Federal), para que se manifestem em 5 dias. Com a resposta, o procedimento de registro de loteamento, com a impugnação oferecida e a resposta do requerente do parcelamento e da Prefeitura (se oferecida), será encaminhado ao juiz competente que, após ouvido o Ministério Público que tem prazo de 5 dias para se manifestar, decidirá de plano ou após instrução sumária (art. 19, § 1º, da Lei nº 6.766/79). No Estado de São Paulo fixou-se a orientação de que a competência para apreciar a impugnação ao registro de loteamento é do Juiz Corregedor Permanente. Nesse sentido, entre outros, o parecer apresentado pelo Des. Roberto Maio Filho no Processo CG nº 32866/2010 (parecer 252/2010-E). Em igual sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça em ação em que a impugnação foi apreciada por juiz no exercício da função de corregedor permanente, como se verifica no REsp 1370524/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. em 28/04/2015, DJe 27/10/2015. Sendo apreciada pelo Juiz Corregedor Permanente, tem a impugnação oferecida ao registro de loteamento natureza administrativa, razão pela qual a decisão nela prolatada não impede o recurso à ação contenciosa. O art. 19, § 2º, da Lei nº 6.766/79 prevê, ademais, que o juiz remeterá os interessados às vias ordinárias se a matéria exigir maior indagação, ou seja, não puder ser resolvida na via administrativa. Por vias ordinárias entende-se qualquer ação contenciosa que for apta para a solução do litígio que existir entre o impugnante e o requerente do parcelamento do solo. Ressalva-se que a atribuição para o julgamento das impugnações e das suscitações de dúvidas em matéria extrajudicial não é tratada de maneira uniforme pelas diferentes leis de Organização Judiciária, havendo algumas que as conferem ao Juiz Diretor do Fórum e outras para magistrados distintos, razão pela qual a questão da competência deverá ser verificada conforme as norARISP JUS 21
mas vigentes em cada um dos Estados da Federação. A impugnação deve ser fundamentada, ou seja, indicar as razões que impedem o registro do parcelamento, e sua apreciação será realizada nos limites da qualificação atribuída ao Oficial de Registro de Imóveis e ao Juiz competente. No Estado de São Paulo, encontra-se sedimentado o entendimento de que a suscitação de procedimento de dúvida devolve ao Juiz Corregedor Permanente a qualificação do título por inteiro, razão pela qual pode afastar uma ou mais exigências efetuadas pelo Oficial de Registro, ou pode manter a recusa do registro do título em razão de outras matérias não apontadas pelo Oficial registrador (CSM, Ap. Civ. 024587-0/3, j. 06/12/95, Comarca de Itu, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga). Não há razão, diante disso, para impedir que o Juiz Corregedor Permanente aponte motivos impeditivos do registro do parcelamento distintos daqueles contidos na impugnação apresentada. A via administrativa, por seu turno, não é adequada para apreciar o mérito das licenças e aprovações concedidas pelos órgãos públicos, pois a qualificação não abrange eventuais vícios intrínsecos das aprovações, ou seja, não formais, que essas possam conter. Não apresentada impugnação, ou sendo rejeitada, o Oficial de Registro promoverá o registro do parcelamento que conforme o art. 20 da Lei nº 6.766/79 é feito por extrato, na matrícula da gleba, com uma indicação para cada lote, averbando-se as posteriores alterações, a abertura de ruas e praças, e as áreas destinadas a espaços públicos e equipamentos urbanos. A publicação do edital deve ser comunicada à Prefeitura Municipal (art. 19 da Lei nº 6.766/79), sendo de se entender que é conveniente a comunicação também do registro do parcelamento, para que o Município possa efetuar a fiscalização de sua implantação. No Estado de São Paulo, os itens 194 e 194.1 das NSCGJ preveem que não é necessária a repetição da descrição dos lotes na matrícula da gleba, sendo suficiente a elaboração de quadro resumido com indicação do número de quadras e quantidade de lotes em cada uma, abrindo-se ficha auxiliar para o controle de disponibilidade dos lotes, em que será anotado o número da matrícula aberta para cada um desses. Ainda, dispõem que é facultativa a abertura de matrículas para as áreas públicas (vias e praças, espaços livres e outros equipamentos urbanos), o que será feito por conveniência do serviço e sem ônus ou despesas para o interessado (itens 192 e 192.1 do Capítulo XX).
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Embora facultativa, se não houver solicitação, devem ser abertas matrículas para as áreas transmitidas ao domínio público quando houver solicitação do Município, sendo vedado o registro de alienação ou oneração dessas áreas sem a prévia averbação da desafetação e autorização para alienação promovida por meio de lei municipal (item 192.2 do Capítulo XX das NSCGJ). Por sua vez, se a gleba loteada não abranger todo o imóvel, o item 192.3 das NSCGJ autoriza a simples averbação da área remanescente, relegando para momento posterior a abertura de matrícula de acordo com a conveniência do serviço ou solicitação do interessado. Os registros dos contratos de alienação de lotes (compra e venda ou compromisso de compra venda) e das cessões serão efetuadas nas matrículas abertas para cada lote. EFEITOS DO REGISTRO A partir da data do registro do parcelamento passam ao domínio público municipal as vias e as praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos previstas no projeto e no memorial descritivo (art. 22 da Lei nº 6.766/79). Essas áreas, porém, ficam vinculadas à destinação prevista no projeto de loteamento desde a data em que for aprovado o loteamento, salvo se ocorrer a caducidade da licença ou desistência do loteador (art. 17 da Lei nº 6.766/79). Por sua vez, se irregular, ou seja, implantando sem o respectivo registro, pode o Município requerer em seu favor, ao Oficial de Registro, a abertura de matrículas para as áreas destinadas a uso público, fazendo-o mediante apresentação de: I) planta do parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município; II) declaração do Município de que o parcelamento se encontra implantado (art. 22, § único, da Lei nº 6.766/79). Essa disposição, introduzida primeiro pela Medida Provisória nº 514/2010 e depois pela Lei nº 12.424/2011, confirma anterior jurisprudência e entendimento administrativo no sentido de que nos loteamentos irregulares e clandestinos as áreas destinadas ao uso público têm seu domínio transmitido à Administração Pública por força da afetação ocorrida, pois ao loteador clandestino não é dado maior direito que ao loteador regular. Ademais, ocorrendo a execução do loteamento não aprovado não é possível ao loteador alterar a destinação das áreas públicas previstas no art. 4º, I, da Lei nº 6.766/79, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal (art. 43 da referida Lei). LOTEAMENTO E DESMEMBRAMENTO – CANCELAMENTO DO REGISTRO
Conforme o art. 23 da Lei nº 6.766/79, o cancelamento do registro do loteamento dependerá, sempre, de apreciação judicial e poderá ser efetuado a requerimento do loteador com anuência do Município (ou Distrito Federal). Havendo alienação, o cancelamento dependerá da anuência de todos os adquirentes dos lotes, do Município (ou DF) e dos Estados quando for o caso. A impugnação pelo Município ou pelo Estado somente poderá ser fundamentada na comprovada inconveniência para o desenvolvimento urbano ou na prévia realização de melhoramento na área loteada ou adjacências. Formulado o pedido de cancelamento do loteamento, será publicado pelo Oficial de Registro edital em que indicado o prazo de 30 dias para impugnação, contados da última publicação, com posterior remessa ao Juiz para homologação que será realizada após ouvido o Ministério Público e realizada vistoria do imóvel. O cancelamento a que se refere o inciso I do art. 23, ou seja, por decisão judicial, é o que decorre do julgamento de ação contenciosa, ou de decisão em procedimento administrativo, em que observado o contraditório, pelo reconhecimento de nulidade do registro de pleno direito. O cancelamento a requerimento do loteador, referido nos incisos II e III, está sujeito à homologação do Juiz Corregedor Permanente, ou do que for competente conforme as normas de organização judiciárias do respectivo Estado, e sempre será precedido de vistoria judicial para apuração da inexistência de adquirentes instalados na área (art. 23, § 3º). O cancelamento do registro de desmembramento também pode decorrer de decisão judicial ou requerimento do seu autor, desde que inexistentes alienações ou que apresentada anuência de todos os adquirentes dos lotes, sendo nesse caso também justificável a ciência ao Município, pelo Oficial de Registro, para que adote eventuais providências que considerar cabíveis. CANCELAMENTO REGISTRO
PARCIAL
OU
ALTERAÇÃO
DO
A alteração ou o cancelamento parcial do registro de loteamento dependerá da anuência de todos os adquirentes de lotes e aprovação pelo Município, ou Distrito Federal, com sua averbação no registro do loteamento mediante apresentação da planta e do memorial descritivo retificadores (art. 28 da Lei nº 6.766/79). A alteração também dependerá de autorização do Estado, ou outros entes competentes, quando necessária sua aprovação, e não poderá servir de instrumento para burla dos requisitos previstos para as autorizações por esses anteriormente concedidas.
CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA O contrato de compromisso de compra e venda de lotes para pagamento do preço em prestações, e suas respectivas cessões, podem ser celebrados por instrumento público ou particular, não havendo incompatibilidade dos arts. 26 da Lei nº 6.766/79 e 1.417 do Código Civil com a exigência de escritura pública para os demais contratos a que se refere o art. 108 do Código Civil. Celebrado pré-contrato, promessa de cessão, proposta de compra ou reserva de lote, ou qualquer outro pacto escrito de que decorra a intenção de alienação, a indicação do lote, o preço e o modo de pagamento, pode o credor notificar o devedor para concluir o contrato de compromisso de compra e venda, ou de cessão, em 15 dias, sob pena de registro do pré-contrato que terá as demais cláusulas regidas pela minuta do contrato padrão (art. 27, §1º, da Lei nº 6.766/79). Essa notificação será realizada pelo Oficial de Registro de Imóveis, que poderá valer-se do Oficial de Registro de Títulos e Documentos, e o registro dependerá da prova de que o requerente cumpriu sua prestação (pagamento de sinal ou outra pactuada) ou a ofereceu na forma devida (art. 27, § 2º). Os sucessores do autor do parcelamento, por ato causa mortis ou inter vivos, o sucedem em todas suas obrigações (art. 29 da Lei nº 6.766/79), e a falência ou insolvência de qualquer das partes não rescinde os contratos de compromisso de compra e venda, ou cessão, que tiverem anteriormente celebrado (art. 30). Ocorrendo sucessão do loteador (ou autor do desmembramento) por ato inter vivos, mediante alienação voluntária do imóvel parcelado, havendo lotes ainda não alienados, deverá o Oficial de Registro exigir a apresentação das certidões pessoais previstas no art. 18, III, “b” e “c”, IV da Lei nº 6.766/79, pois necessárias à proteção dos que pretenderem adquirir esses lotes. Não sendo apresentadas essas certidões, ou havendo ação que seria impeditiva do registro do parcelamento, deverá ser negado o registro da alienação do imóvel parcelado que, neste caso concreto, implica em cessão da posição contratual de loteador (ou autor de desmembramento). Importa observar, nesse ponto, que o art. 31, § 1º, da Lei nº 6.766/79 dispensa a anuência do loteador para a cessão do contrato de compromisso de compra e venda, mas não autoriza a cessão da posição contratual de loteador sem preenchimento, pelos adquirentes, dos requisitos do art. 18 da Lei nº 6.766/79, sendo que ao novo loteador competirá transmitir a propriedade dos lotes sem riscos aos adquirentes (antigos e futuros) e, mais, realizar as obras de infraestrutura que ainda estiverem pendentes.
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Os compromissários compradores e os cessionários podem consignar o valor da prestação do preço do compromisso que for recusada pelo loteador ou autor do desmembramento. Nesse caso o credor será constituído em mora mediante notificação pelo Oficial de Registro de Imóveis (que poderá valer-se do Oficial de RTD) para que receba as prestações em 15 dias, ou ofereça impugnação, sob pena de considerado efetuado o pagamento. O valor da prestação oferecida será depositado no Registro de Imóveis e somente poderá ser recusado o pagamento se o credor alegar inadimplemento (ou mora) do devedor e requerer a notificação desse para purgar a mora, sob pena de rescisão do contrato e cancelamento do registro (art. 33 da Lei nº 6.766/79). Uma vez pago o preço pactuado, o contrato de compromisso de compra e venda, as cessões e as promessas de cessões que forem acompanhadas da respectiva prova de quitação valerão como título para o registro da propriedade, na forma do art. 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79. O registro da transmissão do domínio do imóvel será efetuado em favor do compromissário comprador ou do cessionário com contrato registrado, em atendimento ao princípio da continuidade, devendo a prova do pagamento dizer respeito tanto ao preço devido ao loteador como ao devido ao cedente, podendo a quitação do valor da cessão estar contida no próprio contrato em que celebrada, ou decorrer da forma como realizada quando feita por trespasse no verso do contrato de compromisso em poder do cedente (art. 31 da Lei nº 6.766/79). No Estado de São Paulo existe o entendimento de que essa forma de registro da transmissão de imóvel loteado somente incide na primeira alienação do lote (independentemente do número de cessões dessa alienação). Incidindo o compromissário comprador ou cessionário em mora, para a rescisão do contrato o autor do parcelamento está obrigado a requerer ao Oficial de Registro de Imóveis que intime o devedor para purgar a mora mediante pagamento das prestações vencidas e das que se vencerem até a satisfação da obrigação, acrescida dos juros convencionados (que não podem superar os juros legais) e das custas da intimação. O pagamento deverá ser feito em até 30 dias contados da intimação (excluído o dia do início e incluído o do final, com sua prorrogação se não for dia útil). Não efetuado o pagamento, o Oficial de Registro de Imóveis expedirá certidão e o vendedor poderá requerer o cancelamento da averbação (art. 32, º 3º), ou seja, o cancelamento do registro do compromisso de compra e venda e de sua cessão em razão da resolução do contrato pelo inadimplemento do compromissário 24 ARISP JUS
comprador. As intimações que competem ao Oficial de Registro de Imóveis podem ser feitas por esse, por preposto que para essa finalidade nomear, ou por Oficial de Registro de Títulos e Documentos a quem solicitar a prática do ato, e deverão ser dirigidas a todos os adquirentes dos lotes e seus respectivos cônjuges, nos endereços das comarcas em que forem domiciliados, ou no endereço indicado no contrato ou no do lote se não forem encontrados, por se tratar de direito real. Não sendo encontrados, a intimação será por edital mediante três publicações consecutivas em jornal de circulação local e no Diário Oficial se o loteamento for situado na Capital (item 200 do Capítulo XX das NSCGJ). O pagamento do preço será feito ao Oficial de Registro de Imóveis que entregará o valor ao credor, contra recibo. Os itens 181.1 e 181.2 relacionam os requisitos mínimos da intimação (valor discriminado da dívida, com seus encargos; prazo para purgação da mora; valor do contrato; número e valor das parcelas já pagas). Pago mais de 1/3 do preço do contrato, esse fato será consignado na averbação do cancelamento e o imóvel somente poderá voltar a ser alienado se o autor do parcelamento comprovar a restituição do preço ao comprador, ou depositá-lo no Registro de Imóveis que promoverá a intimação do comprador para receber a quantia em 10 dias, sob pena de devolução ao depositante ou de depósito em instituição financeira se o comprador não for localizado (art. 35, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.766/79). As NSCGJ autorizam a resolução do contrato mediante intimação judicial dos devedores, desde que observados os mesmos requisitos para intimação previstos para sua realização no Registro de Imóveis e que tenha o Oficial de Justiça certificado que procurou os devedores em todos os endereços anteriormente citados. Além disso, o escrivão-diretor do Ofício de Justiça deverá certificar que não houve pagamento do preço devido (item 201 do Capítulo XX das NSCGJ), estando o procedimento de intimação judicial sujeito à qualificação pelo Oficial de Registro. Por se tratar de direito real, o item 196 do Capítulo XX das NSCGJ dispõe que o procedimento de rescisão por mora do compromissário comprador depende do registro do parcelamento e do contrato de compromisso, ou cessão. Sendo o loteamento irregular ou clandestino, ou seja, não estando regularmente registrado, é nula de pleno direito a cláusula de rescisão do contrato por inadimplemento do adquirente (art. 39 da Lei nº 6.766/79).
Em razão disso, em nenhuma hipótese poderá o autor de parcelamento não regularmente registrado pleitear a rescisão do contrato de compromisso de compra e venda, ou de sua cessão, pelo inadimplemento do comprador. Sendo o parcelamento clandestino ou irregular por falta de registro, ou pela não execução das obras de infraestrutura no prazo do cronograma, não pode o seu autor exigir o pagamento das parcelas dos contratos que celebrar sem antes promover a regularização. Os adquirentes, por sua vez, têm o direito de suspender os pagamentos das prestações restantes, notificando o loteador para suprir a irregularidade e depositando as prestações devidas no Registro de Imóveis competente que as manterá em contas bancárias que renda juros e correção monetária, com movimentação vinculada a autorização judicial (art. 38, § 1º, da Lei nº 6.766/79). Promovida a regularização do parcelamento mediante realização ou término das obras de infraestrutura previstas no projeto aprovado, ou no projeto de regularização, competirá a quem efetuou a regularização (Município ou loteador) solicitar judicialmente o levantamento dos depósitos feitos pelos adquirentes dos lotes (art. 38, § 3º, da Lei nº 6.766/79). A jurisprudência diverge sobre a obrigatoriedade, ou não, do Município promover a regularização de loteamento irregular ou clandestino. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu ser dever do Município ao julgar o AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 109.078-AC, de que foi relator o Min. Sérgio Kukina, j. 09 de agosto de 2016. O mesmo Superior Tribunal de Justiça, porém, também já entendeu que se trata de poder do Município que tem o dever de fiscalizar (REsp 1394701/AC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em 17/09/2015, DJe 28/09/2015). CONDOMÍNIO FECHADO E DE LOTES Não há vedação para que o Município, mediante legislação própria, autorize aos proprietários o fechamento da área parcelada e das respectivas vias de acesso, assumindo os proprietários o dever de prestar determinados serviços como os de limpeza e conservação das áreas livres, verdes ou de preservação permanente e de manutenção dos equipamentos de lazer. Esses parcelamentos, porém, continuam regidos pela Lei nº 6.766/79 e não se confundem com o condomínio edilício que é regido pelo Código Civil (arts. 1.331 a 1.358) e pela Lei nº 4.591/64.
Traço distintivo essencial entre ambos é que no loteamento as vias, praças, áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos têm o domínio transmitido ao Município com o registro do loteamento, o que também ocorre nos loteamentos fechados. No condomínio edilício, porém, o solo, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, que são utilizadas em comum pelos condôminos, são de propriedade dos condôminos (art. 1.331, § 2º, do CC), dispondo o º 3º do referido artigo que: “A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio”
Por sua vez, no loteamento cada proprietário é livre para construir em seu lote conforme lhe for conveniente, respeitadas as posturas municipais e as restrições convencionais do loteamento, não havendo vinculação do lote com o prédio exceto pela norma de que a acessão se incorpora ao imóvel. No condomínio edilício formado por casas, ao contrário, as unidades autônomas são constituídas em casas térreas ou assobradadas, como previsto no art. 8º, alínea “a”, da Lei n. 4.591/64, que dispõe: “em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades”. O Código Civil de 2002 não revogou o artigo 8º da Lei n. 4.591/64, que é especial, porque não regulou a matéria de forma completa, interpretação que é respaldada pelo artigo 31-A da Lei n. 4.591/64, com a redação dada pela Lei n. 10.931/2004 (posterior ao Código Civil de 2002) que prevê a possibilidade de constituição do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias que tenham por objeto os subconjuntos de casas referidos no artigo 8º da referida Lei. A melhor interpretação, ainda, é que essas distinções não se alteram pelo Decreto-lei nº 271/67, que pretendeu equiparar o loteador a incorporador, sendo nesse sentido o parecer apresentado pelo Des. Francisco Eduardo Loureiro no Processo 001536/96, da Comarca de Campos do Jordão, datado de 27/09/96. Diante disso, respeitados os entendimentos em contrário, não se mostra possível a instituição de condomínio edilício de lotes, ou condomínio de lotes sem vinculação das unidades autônomas à construção, regido pelos arts. 1.331 a 1.358 do CódiARISP JUS 25
go Civil e pela Lei nº 4.591/64, como decidido pelo Corregedor Geral da Justiça de São Paulo no Proc. CG 2014/00141294, em decisão prolatada em 13 de janeiro de 2016. Interpretação distinta, ao contrário, somente beneficiaria os empreendedores que ficariam livres do ônus de cumprir os requisitos da Lei nº 6.766/79 para o parcelamento do solo urbano, em especial os de transmitir aos Municípios o domínio das vias, praças, áreas livres e destinadas à instalação de equipamentos urbanos. Ademais, compete aos Municípios legislar sobre as áreas que deverão ser destinadas para instalação de equipamentos urbanos, espaços de lazer e áreas verdes nos loteamentos, e também legislar sobre a forma de ocupação do solo nos condomínios edilícios, sempre tendo em conta o plano diretor e as diretrizes urbanísticas que traçar. E não podem os loteadores optar pela constituição de condomínio edilício, em seu proveito exclusivo, para se furtar da transmissão de áreas ao Município nos casos em tipificada a existência de parcelamento do solo urbano, ou para burlar as normas que nesse incidirem.
da Magistratura que na Apelação Cível nº 72.365-0/7, de que foi relator o Des. Luís de Macedo, em que decidido: A qualificação registrária não é um simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso sim, de uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais), sempre feita à luz das normas cogentes em vigor.
Com fundamento neste acórdão, no Processo nº 2.588/00 foi aprovado pelo Desembargador Luís de Macedo parecer, da lavra dos então Juízes Auxiliares da Corregedoria Drs. Antonio Carlos Morais Pucci, Eduardo Moretzshon de Castro, Luís Paulo Aliende Ribeiro, Marcelo Fortes Barbosa Filho e Mario Antonio Silveira, em que ficou claro que após a publicação do v. acórdão prolatado na Apelação Cível nº 72.365-0/7, que teve força normativa, não era possível admitir o registro de título de transmissão quando pela análise dos elementos registrários, assim entendidos como os dados constantes das matrículas, o oficial registrador verificasse a implantação de parcelamento irregular do solo, a existência de fraude e de ofensa à legislação cogente.
Durante determinado período se disseminou a prática de implantar parcelamento do solo mediante uso do instituto do condomínio voluntário, ou comum, com venda de pequenas frações ideais de terrenos a diferentes pessoas que não mantinham entre si vínculos que pudessem justificar a compra do imóvel em conjunto, e com atribuição de área certa de terreno a cada fração ideal, o que se fazia para burlar as normas, cogentes, de parcelamento do solo urbano.
Além disso, para evitar a disseminação dessa prática, ou ao menos para advertir os adquirentes que o instituto do condomínio voluntário não autoriza a atribuição de metragem certa e de localização determinada de terreno para frações ideais do imóvel, o Des. Luis de Macedo prolatou, no Processo nº 2.588/00, decisão com força normativa que obrigava os Tabeliães de Notas do Estado de São Paulo: a) a não lavrar instrumento público que envolva alienação de parte ideal que possa caracterizar fraude à lei de parcelamento dos solos, ou b) insistindo as partes, incluir no instrumento público advertência que não está sendo transmitida a propriedade de área certa e localizada.
Não se tratava, assim, de condomínios voluntários regularmente formados.
Atualmente a matéria está regulada no item 171 do Capítulo XX das NSCGJ, assim redigido:
No decorrer do tempo essa questão foi tratada de forma distinta pelo E. Conselho Superior da Magistratura, existindo diferentes decisões em que ora admitido o registro (Apelação Cível nº 6.083-0, da Comarca de São Roque) e ora vedado (Apelação Cível nº 6.163-0,da Comarca de Amparo), ambas citadas na Revista de Direito Imobiliário ns. 19/20).
171. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipóteses de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis. 171.1. Para a comprovação da efetivação de parcelamento irregular, poderá o oficial valer-se de imagens obtidas por satélite ou aerofotogrametria.
FRAÇÕES IDEAIS
A grave situação decorrente da proliferação desses casos de parcelamentos irregulares do solo, porém, acabou por levar a Corregedoria Geral da Justiça a tomar medidas destinadas a impedir a difusão e a multiplicação desta prática (Processos CG 59.044/81, 2.588/00 e 8.505/00) e, ainda, a permitir, quando possível, que os interessados promovessem a regularização dos loteamentos e condomínios implantados de forma irregular. Igual preocupação foi demonstrada pelo Conselho Superior 26 ARISP JUS
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve negativa de registro de alienação de fração ideal feita com violação das normas previstas para o parcelamento do solo urbano, como se verifica no julgamento do Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança nº 9.876/São Paulo (98/0038544-4), de que foi relator o Ministro Ari Pargendler.
DECISÃO ADMINISTRATIVA
DECISÕES EM DESTAQUE
#1
REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA REGISTRAL – LOTEAMENTO – PROCESSO PENAL EM CURSO CONTRA EX-PROPRIETÁRIOS E EX-SÓCIOS RECENTES DA LOTEADORA, ACUSADOS DE PRÁTICA DE INÚMEROS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 333 C/C O ART. 69 DO CP) – ACUSADOS QUE CEDERAM AS QUOTAS SOCIAIS ÀS SUAS MULHERES – INCIDÊNCIA DO ART. 18, § 2.º, DA LEI Nº 6.766/1979 – INVIABILIDADE DO REGISTRO – INSUFICIÊNCIA DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO CULPABILIDADE PARA, NESTE PROCEDIMENTO, EXCLUIR O OBSTÁCULO LEVANTADO À INSCRIÇÃO – DESCABIMENTO DA INVOCAÇÃO DA LEI Nº 13.097/2015 PARA FINS DO REGISTRO REQUERIDO – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – RECURSO PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 000192665.2015.8.26.0236, da Comarca de Ibitinga, em que são partes é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado JARDIM EUROPA CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS LTDA.
Selecionadas por: Alberto Gentil de Almeida Pedroso
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram procedente a dúvida e deram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU. São Paulo, 4 de agosto de 2016. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 0001926-65.2015.8.26.0236 Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo Apelado: Jardim Europa Condomínios Residenciais Ltda Voto nº 29.489 REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida registral – Loteamento – Processo penal em curso contra ex-proprietários e ex-sócios recentes da loteadora, acusados de prática de inúmeros crimes contra a Administração Pública (art. 333 c/c o art. 69 do CP) – Acusados que cederam as quotas sociais às suas mulheres – Incidência do art. 18, § 2.º, da Lei nº 6.766/1979 – Inviabilidade do registro – Insuficiência da presunção constitucional de não culpabilidade para, neste procedimento, excluir o obstáculo levantado à inscrição – Descabimento da invocação da Lei nº 13.097/2015 para fins do registro requerido – Dúvida julgada procedente – Recurso provido.
O apelante, uma vez irresignado com o julgamento improcedente da dúvida (fls. 471/476), interpôs apelação, quando alegou o acerto do juízo negativo de qualificação registral, à vista dos processos pelos quais respondem Antonio Carlos Chapela Nores e Pedro Augusto do Nascimento Júnior, ex-sócios da loteadora e ex-proprietários do bem imóvel ARISP JUS 27
objeto do loteamento idealizado. Realça, em particular, que são acusados de crimes contra Administração Pública e, além disso, sustenta a inaplicabilidade da Lei nº 13.097/2015. Enfim, pretende a reforma da r. sentença, para obstar o registro do loteamento (fls. 482/492). Após o recebimento do recurso no duplo efeito (fls. 494), a apelada, com sua resposta recursal, ao reiterar sua impugnação anterior, aguarda confirmação da decisão questionada, porque ausente o risco de prejuízo aos futuros adquirentes dos lotes: invocou a Lei nº 13.097/2015, com a qual o art. 18 da Lei nº 6.766/1979 deve harmonizar-se, a teoria do diálogo das fontes, o novo princípio da concentração da matrícula e o patrimônio declarado por Antonio Carlos Chapela Nores e Pedro Augusto do Nascimento Júnior (fls. 497/517). Encaminhados os autos à E. CGJ, a Procuradoria Geral de Justiça propôs o desprovimento do recurso (fls. 525/528). Ato contínuo, considerando que a inscrição do loteamento envolve discussão sobre registro em sentido estrito, os autos foram enviados ao C. CSM (fls. 534). É o relatório. Ao recusar o registro do loteamento intencionado pela apelada Jardim Europa Condomínios Residenciais Ltda., o Oficial se escorou, precipuamente, no art. 18, III, c, e § 2º, da Lei nº 6.766/1979, em atenção à notícia de processos penais contra Antonio Carlos Chapela Nores e Pedro Augusto do Nascimento Júnior (fls. 329). Ambos foram coproprietários do bem imóvel objeto do loteamento idealizado, descrito na mat. nº 7.148 do RI de Ibitinga, até meados de 2012, quando, em conjunto com suas esposas, com Vladimir Coleone e Cleide da Costa Coleone, alienaram-no à loteadora, apelada (fls. 6/9 e 22/23), de cujo quadro social já participaram, cedendo, depois, suas quotas, conforme admitiram (fls. 338), às suas mulheres, Maria José de Oliveira Chapela Nores e Renata Christina D’Angelo do Nascimento, que, atualmente, são as sócias, ao lado de Vladimir Coleone (fls. 10/20). As ações penais promovidas contra Antonio Carlos Chapela Nores e Pedro Augusto do Nascimento Júnior versam sobre corrupção ativa, praticada em dez oportunidades, em concurso material, vale dizer, eles são acusados de cometimento de inúmeros crimes contra a Administração Pública (fls. 455/456). E isso, envolvendo recentes ex-proprietários do imóvel a ser loteado (cf. art. 18, IV, d, e § 1º, da Lei nº 6.766/19791 ) – que, no caso, para agravar, também são ex-sócios da loteadora, em cujo quadro social deixaram suas esposas –, basta para o juízo negativo de qualificação registral. A regra do § 2º do art. 18 da Lei nº 6.766/19792 deixa clara 1Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos: IV – certidões: d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos. § 1º – Os períodos referidos nos incisos III, alínea b e IV, alíneas a, e d, tomarão por base a data do pedido de registro do loteamento, devendo todas elas serem extraídas em nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel. 2 Art. 18. (...) § 2º – A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente. (grifei). 28 ARISP JUS
a impossibilidade de registro do projeto de loteamento ou de desmembramento, caso existentes processos que contemplem acusações por crimes contra o patrimônio e/ou contra a Administração Pública imputados a quem, nos dez anos que antecederam o pedido de registro de loteamento, foi titular de direitos reais sobre o imóvel a ser loteado. Nessa hipótese, pouco importa, para fins de ingresso do título no álbum imobiliário, eventual comprovação de que as ações penais não prejudicarão os adquirentes dos lotes e, particularmente, a demonstração de solvabilidade da loteadora, de seus atuais e ex-sócios, dos atuais e ex-proprietários da coisa. A constatação da existência dessas espécies de processos criminais, por si só, afeta, temporariamente, pelo menos, a idoneidade do empreendimento, que envolve elevadíssimos interesses relativos ao direito urbanístico e à oferta pública de lotes. Essa, inclusive, a justa compreensão do C. CSM: Apelação nº 4396/5, rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, j. 6.12.2005; Apelação nº 856-6/8, rel. Des. Ruy Camilo, j. 11.11.2008; Apelação nº 1.114-6/0, rel. Des. Ruy Camilo, j. 16.6.2009; Apelação nº 0008191-43.2012.8.26.0445, rel. Des. Renato Nalini, j. 10.12.2013; e Apelação nº 900000112.2015.8.26.0063, sob minha relatoria, j. 15.3.2016. Não há, aqui, aliás, ofensa alguma ao princípio da inocência, também conforme a tranquila jurisprudência administrativa deste C. CSM. A propósito, no julgamento da Apelação nº 38.678-0/6, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 31.7.1997, decidiu-se: ... essa imposição legal não ofende a regra constitucional que con-
sagra a presunção de inocência, insculpida no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal. Relembre-se o que antes já ficou consignado naquele julgado deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, que asseverou: “Inspirado no interesse maior, o coletivo, o público, nada impedia que a lei do parcelamento vedasse o registro de loteamento enquanto não deslindado feito penal da espécie mencionada”. Acrescentando ainda que: “Nem por isso, todavia, há afronta à presunção de inocência do acusado. Apenas se condiciona o registro do loteamento, a bem da segurança dos adquirentes, ao desfecho absolutório do processo”.
O registro do loteamento depende, portanto, de certidão criminal negativa, que demonstre inexistir pendência capaz de levar risco ao empreendimento imobiliário, cujos lotes deverão ser vendidos em oferta pública. Com essa exigência não se está afirmando a culpa dos que estejam sendo acusados desses delitos, antes que ocorra o trânsito em julgado, como aduziu a recorrente. Importante seja considerada a ratio legis, que, no caso, não leva em conta a culpa desses acusados, mas apenas procura cercar de cuidados o registro do loteamento urbano, com o claro escopo de assegurar o sucesso do empreendimento e de proteger os adquirentes das unidades imobiliárias. Para tanto, indispensável garantir que a atividade esteja confiada a quem não tenha contra si qualquer pendência que possa, de qualquer modo, ainda que no futuro, comprometer-lhe a idoneidade. Vale dizer que o registro não estará definitivamente impedido, mas apenas deixado para melhor oportunidade. Sobrevindo solução absolutória, poderá ser deferido. Sob outro prisma, neste ambiente administrativo, descaberia resol-
ver, mesmo incidentalmente, sobre a constitucionalidade da regra infraconstitucional invocada. No tocante ao tema, além do mais, os esclarecimentos de Vicente Celeste e Vicente de Abreu Amadei são oportunos: No que tange às certidões de ações penais, se positivas em relação a crimes contra o patrimônio e a crimes contra a administração pública, o registro do parcelamento ficará proibido; condenações criminais por outros ilícitos penais, entretanto, não obstam o registro. ... Saliente-se, por fim, que impedir o registro do parcelamento apenas em vista de processo-crime em curso não é “afronta à presunção de inocência do acusado”, pois “apenas se condiciona o registro de loteamento, a bem da segurança dos adquirentes, ao desfecho absolutório do processo” (Ap. Civ. 24.942-0/4-São Carlos, j. 30.10.95, rel. Des. Alves Braga, DOE 6.12.95, Cad. 1, p. 47. Sobre a matéria, ainda, CSM, Ap. Civ. 31.760-0/0-Porto Feliz3).
Em arremate, estéril se apresenta a evocação da teoria do diálogo das fontes; não aproveita, ao pretendido registro, o teor dos arts. 54, 55 e 56 da Lei nº 13.097/20154. Não tem relevância, para a situação enfrentada – que se refere à registrabilidade do loteamento –, a discussão, ora prematura, extemporânea, sobre a eficácia de negócios jurídicos futuros pertinentes à comercialização dos lotes, dependentes daquela inscrição, vedada, entretanto, in concreto, insista-se, pois, no contexto dos autos, sob a lógica de controle legal preventivo, presumidas a inidoneidade e a precariedade do empreendimento. Quero dizer: a questão da inoponibilidade de fatos e situações 3 Como lotear uma gleba: o parcelamento do solo urbano em todos os seus aspectos (loteamento e desmembramento). 3.ª ed. Campinas: Millennium, 2012. p. 291-292. 4 Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil; III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel. Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. (Vigência) Art. 56. A averbação na matrícula do imóvel prevista no inciso IV do art. 54 será realizada por determinação judicial e conterá a identificação das partes, o valor da causa e o juízo para o qual a petição inicial foi distribuída. § 1o Para efeito de inscrição, a averbação de que trata o caput é considerada sem valor declarado. § 2o A averbação de que trata o caput será gratuita àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. § 3o O Oficial do Registro Imobiliário deverá comunicar ao juízo a averbação efetivada na forma do caput, no prazo de até dez dias contado da sua concretização. § 4o A averbação recairá preferencialmente sobre imóveis indicados pelo proprietário e se restringirá a quantos sejam suficientes para garantir a satisfação do direito objeto da ação.
não inscritos (especificamente, no caso, dos processos penais) perante futuros e eventuais negócios jurídicos constitutivos, translativos ou modificativos de direitos reais sobre imóveis não se coloca. Os efeitos impeditivos advindos daqueles processos criminais, travando o registro do loteamento, cujas credibilidade e confiabilidade restam, ope legis, estioladas, independem de inscrição no fólio real. Porém, se fosse para chamar a doutrina preconizada pela interessada, sua incidência não a beneficiaria. O diálogo coerente, coordenado e sistemático (de complementariedade) por meio dela, então, proposto conduziria, diante da ratio comum que anima o § 2º do art. 18 da Lei nº 6.766/1979 e os arts. 54 e 55 da Lei nº 13.097/2015, voltada à proteção de terceiros adquirentes, à confirmação do empeço registral; jamais levaria à inobservância daquela norma (do § 2º do art. 18), ao seu esvaziamento, em técnica infensa à teoria lembrada. Posto isto, pelo meu voto, porque procedente a dúvida, dou provimento ao recurso. PEREIRA CALÇAS
DECISÃO ADMINISTRATIVA
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REGISTRO DE IMÓVEIS – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA – ARREMATAÇÃO DOS DIREITOS PERTENCENTES AOS DEVEDORES FIDUCIANTES – ASSUNÇÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL PELOS ADQUIRENTES – INTIMAÇÃO DESSES PARA FINS DE PURGAÇÃO DA MORA – PROCEDIMENTO HÍGIDO SOB O PRISMA REGISTRAL – AUSÊNCIA DE VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO REGISTRAL DA CONTINUIDADE – DESAUTORIZADO O CANCELAMENTO DA AVERBAÇÃO DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE – REJEIÇÃO DO PEDIDO NO AMBIENTE ADMINISTRATIVO – SENTENÇA CONFIRMADA – RECURSO DESPROVIDO. Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Ricardo de Carvalho Ferreira Alves e Mariana Antunes de Oliveira Ferreira Alves, inconformados com a r. sentença que prestigiou o procedimento registral do qual resultou a consolidação da propriedade imobiliária em nome do credor fiduciário Celso Noboru Shinohara1, requerem sua reforma com vistas ao cancelamento do av. 9 da mat. n.º 119.049 do 4.º RI desta Capital, pois, em síntese, afirmam que os genuínos devedores fiduciantes, Osvaldo Divino de Mattos e Rosilene Calderoni de Mattos, não foram intimados para purgação da mora2. Recebida a apelação como recurso administrativo3, a Procuradoria Geral de Justiça, enviados os autos à E. CGJ, opinou pelo seu desprovimento4. É o relatório. OPINO. Nada obstante o esforço argumentativo desenvolvido na peça recur1 Fls. 185-188 e 366-367. 2 Fls. 372-397. 3 Fls. 399. 4 Fls. 409-411.
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sal e as judiciosas ponderações expostas, a irresignação não admite acolhimento. Sob a ótica dos princípios e das regras que orientam o sistema registral, não houve erro de qualificação imputável ao Oficial, que, com acerto, após a intimação dos recorrentes5 e o decurso do prazo para purgação da mora, averbou a consolidação da propriedade do bem imóvel descrito na mat. n.º 119.049 do 4.º RI desta Capital em nome do credor fiduciário6, conforme bem reconhecido na r. sentença atacada. Com a arrematação dos direitos pertencentes aos devedores fiduciantes7, penhorados em processo de cobrança de despesas condominiais8, os recorrentes assumiram a posição contratual daqueles. Aliás, a aquisição foi feita com plena ciência da alienação fiduciária. Em suma, a propriedade fiduciária do bem imóvel continuou pertencendo ao credor fiduciário Celso Noboru Shinohara, que, contudo, por força da alienação (forçada) judicial, passou a ter novos devedores. A propósito, e ao que consta, ele não questionou a validade e eficácia da arrematação. A transferência dos direitos sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária sob titularidade dos devedores fiduciantes importou, naturalmente, a incorporação, pelos adquirentes, ora recorrentes, das obrigações próprias da propriedade fiduciária em garantia. Nessa linha, inclusive, segue a lição de Melhim Namem Chalhub9 . Aliás, o que vale, de acordo com o art. 29 da Lei n.º 9.514/199710, para a transmissão consensual, por iniciativa dos fiduciantes, aplica-se, com mais razão, à transferência judicial, coativa, realizada independentemente da anuência expressa do fiduciário. Ademais, depois da aquisição aperfeiçoada, com o preço levantado, em seguida, pelo credor condominial e (no tocante ao remanescente, descontado o crédito garantido pela penhora atrelada a uma reclamação trabalhista) pelos devedores fiduciários11, eram, eles, os recorrentes, os únicos interessado em adimplir a obrigação garantida pela alienação fiduciária. Os primitivos devedores fiduciantes, sem qualquer perspectiva de retomar a propriedade do bem imóvel, interesse algum, nisso, com efeito, tinham; é evidente. Por isso, não há dúvida, legítimas as intimações impugnadas, promovidas, para fins de purgação da mora, em nome deles, recorrentes. Em reforço, observo: no processo contencioso, antes das intimações questionadas e, logicamente, da consolidação impugnada, resolveu-se, em decisão monocrática, confirmada pelo E. TJSP12, que a arrematação abrangeu as obrigações inerentes à propriedade fiduciária13. No mesmo sentido foi o v. acórdão recentemente proferido no AI n.º 223401992.2015.8.26.0000, rel. Des. Paulo Ayrosa, j. 24.11.2015. Ainda que não definitivos, diante dos recursos interpostos, dirigidos ao C. STJ, são inegáveis os efeitos persuasivos derivados desses acórdãos, que não podem ser desconsiderados nessa via administrativa. Nesse ambiente administrativo, por fim, não cabe análise alguma sobre a avaliação judicial dos bens penhorados, o preço da alienação 5 Fls. 41-51 e 52-63. 6 Fls. 9-15 e 109-115, av. 9. 7 Fls. 9-15 e 109-115, r. 6 e av. 8. 8 Fls. 9-15 e 109-115, av. 5, e fls. 105-106. 9 Negócio fiduciário. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 246. 10 Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciário em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações. (grifei) 11 Fls. 353-354, 355-357, 362-363 e 364-365. 12 Fls. 66-70. 13 Fls. 64. 30 ARISP JUS
judicial e os levantamentos deliberados em favor do credor condominial e dos devedores fiduciantes. Agora, seguramente, e então ao reverso da compreensão do recorrente, o princípio da continuidade registral foi respeitado; hígido se apresenta o encadeamento dominial. Não houve saltos, interrupções, no encadeamento dos direitos e ônus reais. Por conseguinte, o cancelamento não se justifica. De todo modo, se a nulidade de pleno direito estivesse caracterizada, se configurado se encontrasse o erro de qualificação registral, descaberia, no atual estágio procedimental, diante do trâmite que se observou, determinar o cancelamento pretendido, que exigiria a observância prévia do contraditório e da ampla defesa, garantindo-se manifestação e participação processual plenas aos demais interessados, particularmente, ao credor fiduciário e àqueles que hoje figuram como proprietários do bem imóvel14 (art. 214, § 1.º, da Lei n.º 6.015/1973). Pelo exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo desprovimento do recurso administrativo. Sub censura. Luciano Gonçalves Paes Leme Juiz Assessor da Corregedoria Vistos. Aprovo o parecer do Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que ora adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça DJE 12/08/2016.
14 Fls. 9-15 e 109-115, r. 10.
DECISÃO ADMINISTRATIVA
#3
REGISTRO DE IMÓVEIS – INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA – NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DOS IMÓVEIS E INDIVIDUALIZAÇÃO DE SEU PREÇO – ESPECIALIDADE OBJETIVA – INSTRUMENTO PARTICULAR QUE, SALVO QUANTO À FORMA, DEVE CONTER TODOS OS REQUISITOS ESSENCIAIS DO CONTRATO A SER ELABORADO (ART. 462 DO CÓDIGO CIVIL) – HIPOTECA CEDULAR – NECESSIDADE DA ANUÊNCIA DOS CREDORES HIPOTECÁRIOS – ARTIGO 59, DO DECRETO LEI N. 167/67 – REGISTRO DO INSTRUMENTO PARTICULAR QUE DÁ AO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO – NECESSIDADE DE QUE A ANUÊNCIA CONSTE JÁ DO INSTRUMENTO E NÃO APENAS DA ESCRITURA - RECURSO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 000115704.2015.8.26.0189, da Comarca de Fernandópolis, em que são partes é apelante PAULO DE SOUZA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE FERNANDÓPOLIS. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU. São Paulo, 4 de agosto de 2016. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 0001157-04.2015.8.26.0189 Apelante: Paulo de Souza Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Fernandópolis Voto nº 29.496 Registro de Imóveis – instrumento particular de compromisso de venda e compra – necessidade de descrição dos Imóveis e individualização de seu preço – especialidade objetiva – instrumento particular que, salvo quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais do contrato a ser elaborado (Art. 462 Do Código Civil) – hipoteca cedular – necessidade da anuência dos credores hipotecários – Artigo 59, do decreto Lei N. 167/67 – registro do instrumento particular que dá ao compromissário comprador direito real de aquisição – necessidade de que a anuência conste já do instrumento e não apenas da escritura - recurso desprovido.
O apelante alega, em síntese, que o Instrumento faz menção às características essenciais dos imóveis, notadamente o número de suas matrículas. Diz que não há óbice em que o Instrumento refira-se a um preço global de venda dos três imóveis, bastando que se divida o valor em três, utilizando-se, como critério, a área de cada um. No que respeita à exigência da ciência do compromissário comprador acerca dos ônus incidentes sobre o imóvel, afirma que, embora ela não conste do Instrumento, sua existência é inegável. Por fim, sobre a anuência dos credores hipotecários quanto à alienação, ressalta que se trata de mero Instrumento Particular e não de Escritura Pública, razão pela qual a transmissão da propriedade não se faz nesse momento. A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso. É o relatório. O recurso não comporta provimento. A descrição insuficiente dos imóveis compromissados fere o princípio da especialidade objetiva. Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Reg de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro. Narciso Orlandi Neto, ao citar Jorge de Seabra Magalhães, lembra que “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 68).
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Fernandópolis.
Por esta razão, não se permite o registro de escritura pública ou instrumento particular que descreva o imóvel de forma diferente – ou deficitária - da que consta no registro de imóveis.
A negativa de registro de Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra deveu-se a cinco exigências, feitas na nota de devolução: completa descrição dos imóveis mencionados no Instrumento; atribuição de valores individuais aos imóveis, que se referem a três diferentes matrículas; juntada de certidão de casamento do compromissário comprador, a fim de esclarecer o regime de bens; necessidade de constar, do Instrumento, o conhecimento do compromissário comprador acerca dos ônus incidentes sobre o imóvel; necessidade de anuência dos credores hipotecários quanto à alienação.
O art. 176, § 1º, II, 3, da LEI Nº 6.015/73, arrola os elementos de identificação dos imóveis rural e urbano:
A exigência da juntada de certidão de casamento foi cumprida, mas postulou-se a suscitação de dúvida no tocante às quatro outras exigências. A sentença albergou o entendimento do Oficial.
a - rural, o código do imóvel, os dados constantes do CCIR, a denominação e suas características, confrontações, localização e área; b - urbano, suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e sua designação cadastral, se houver. Na hipótese dos autos – imóveis rurais – não basta a descrição de apenas parte dos elementos característicos. A especialidade objetiva, derivada de expresso texto legal, determina a completa congruência entre os elementos da matrícula e do título. No mesmo diapasão, exige-se o preço de cada imóvel, dado que cada um corresponde a uma matrícula. Novamente é a Lei 6.015/73 que o ARISP JUS 31
determina, ao rezar, no art. 176, §1º, III, 5, que deve contar, no Livro 2 (Registro Geral, destinado à matrícula dos imóveis), “o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver.” Ora, não cabe ao Oficial presumir o preço de cada um dos três imóveis compromissados, fazendo a divisão conforme a área de cada um, seja porque não há lei que o permita, seja porque os valores dos imóveis podem sofrer influência de uma série de variáveis que não somente a área de cada um. Não fosse apenas isso, o valor de cada imóvel tem influência direta no cálculo dos emolumentos devidos pelos registros. A exigência da ciência acerca da existência de ônus reais sobre os imóveis também decorre de norma. Cuida-se do Decreto n. 93.240/86, que, ao tratar dos requisitos para a lavratura de escrituras públicas, diz, no art. 1º, §3º: § 3º A apresentação das certidões previstas no inciso IV, deste artigo, não eximirá o outorgante da obrigação de declarar na escritura pública, sob pena de responsabilidade civil e penal, a existência de outras ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e de outros ônus reais incidentes sobre o mesmo. A regra vale para as escrituras e, via de consequência, para os instrumentos particulares de venda e compra, a teor do art. 462, do Código Civil, que reza: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.” Isso porque, à escritura pública, se bem vistas as coisas, remanesce apenas a função de, uma vez registrada, transmitir a propriedade. Mas todos os elementos do negócio estão, na verdade, já na promessa de venda e compra. Quanto à última exigência – anuência dos credores hipotecários -, vale ressaltar que prestigiada doutrina, destacando-se Orlando Gomes e José Osório de Azevedo Junior como seus defensores, vislumbra no compromisso de compra e venda, sem cláusula de arrependimento, um contrato preliminar impróprio. Diz José Osório, a respeito do compromisso de compra e venda: “Neste, as partes não se obrigam a uma nova manifestação de vontade e sim a reiterar, a reproduzir, a manifestação anterior, pois foi neste momento anterior que o consentimento foi dado de forma cabal e irreversível – motivo por que deste momento anterior devem ser considerados produzidos todos os efeitos concretos do ato. ... Assim é que a ‘escritura’ não se constitui em outro negócio jurídico, caracterizando-se – isto, sim – como um ‘ato devido’ que expressa o cumprimento da obrigação assumida no primeiro contrato (Compromisso de compra e venda, 6ª ed., São Paulo:Malheiros, 2013, p. 22/23). Logo, dada a vital importância do compromisso de venda e compra, não faz sentido afirmar que a anuência dos credores hipotecários – necessidade derivada do art. 59, do Decreto Lei n. 167/67 – poderá ser dada somente quando da lavratura da escritura. Aliás, uma vez registrada a promessa, adquiriria o promissário 32 ARISP JUS
comprador direito real de aquisição, a teor dos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, com possibilidade de execução forçada, esvaziando-se a exigência de anuência dos credores hipotecários. A circunstância já foi bem apreendida por este Conselho Superior da Magistratura, no julgamento da apelação n. 544-6/4: “O artigo 59 do Decreto-lei nº 167/67 estabelece que os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos por cédula de crédito rural não podem ser vendidos sem prévia anuência do credor, por escrito. E, por disposição contida no artigo 1.420 do Código Civil de 2002, as pessoas que não podem alienar também não podem empenhar, hipotecar ou dar em anticrese, assim como não podem ser dados em penhor, anticrese e hipoteca os bens que não podem ser alienados. Ao assim dispor criou o legislador garantia exclusiva em favor dos órgãos financiadores da economia rural, o que fez por meio de norma cogente, contida em lei especial que não foi revogada pelo Código Civil de 2002. Esta espécie de indisponibilidade relativa, também instituída por outras leis em favor dos detentores de hipotecas vinculadas à cédula de crédito à exportação (artigo 3º da Lei nº 6.313/75), cédula de crédito comercial (artigo 5º da Lei nº 6.840/80) e cédula de crédito industrial (artigo 51 do Decreto-lei nº 413/69), não conflita com as normas gerais estatuídas para a hipoteca no Código Civil de 2002, assim como não conflitava com as normas da mesma natureza contidas no Código Civil de 1916. Certo é que, no presente caso, houve tão só a promessa de venda e compra, mas esta, em sendo irrevogável e irretratável, uma vez registrada e quitada, conferirá direito real de aquisição a possibilitar posterior adjudicação compulsória, com fulcro nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, ‘verbis’: Artigo 1.417 - Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Artigo 1.418 - O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. O mesmo se depreende da leitura dos artigos 5º e 22 do Decreto-lei n° 58/37, bem como do artigo 25 da Lei nº 6.766/79. Atente-se para o decidido pelo E. Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 71.416.0/3-00: REGISTRO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA — Imóvel gravado com cédula de crédito comercial hipotecária. Necessidade da anuência prévia e expressa do credor. Aplicação do decreto-lei n° 413/69. Recurso a que se nega provimento. (...) O art. 51 do dec.-lei 413/69 regulamenta que ‘a venda dos bens vincu-
lados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por escrito’. O ato de registro do compromisso de compra e venda encontra previsão no art. 167, I, 9 da lei nº 6.015/73, por constituir ele um direito real, que se formaliza no fólio real para garantia do comprador. O instrumento particular de compromisso de venda e compra (...), ao contrário do que afirma a apelante, não é apenas uma cessão, ele transfere direitos sobre o imóvel, em consonância com sua cláusula nona, onde textualmente a apelante e os vendedores pactuaram que o compromisso é celebrado com ‘cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, não admitindo arrependimento unilateral’. O compromisso de venda não é verdadeiramente um contrato preliminar. Não é por diversas razões que completam a originalidade do seu escopo, principalmente a natureza do direito que confere ao compromissário. Tem ele, realmente, o singular direito de se tornar proprietário do bem que lhe foi prometido irretratavelmente à venda, sem que seja inevitável nova declaração de vontade do compromitente (‘Direitos Reais’, Orlando Gomes, Forense, 6ª ed., 1978, pág. 329). Portanto, diante do registro da cédula de crédito comercial hipotecária, o imóvel a ela ficou vinculado, permanecendo subordinado à prévia anuência do credor no caso de sua alienação.” Do exposto, tem-se que as exigências feitas pelo Oficial do Registro de Imóveis de Fernandópolis são todas pertinentes e decorrem de lei. Nesses termos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator
DECISÃO ADMINISTRATIVA
#4
“REGISTRO DE IMÓVEIS - CESSÃO DE DIREITOS DE AQUISIÇÃO DE BEM IMÓVEL - RECUSA FUNDADA NA FALTA DE RECOLHIMENTO DE ITBI - JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA NO STF E NO STJ NO SENTIDO DE QUE NÃO INCIDE ITBI SOBRE O COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA, PORQUE NÃO TRANSFERE O DOMÍNIO DO IMÓVEL - RACIOCÍNIO QUE TAMBÉM SE APLICA À CESSÃO DOS DIREITOS DO PROMITENTE COMPRADOR - RECURSO PROVIDO.” ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 002284324.2015.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que são partes é apelante OSNI DE OLIVEIRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, com observação. Vencido o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”,
de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU. São Paulo, 4 de agosto de 2016. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 0022843-24.2015.8.26.0554 Apelante: Osni de Oliveira Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santo André Voto nº 29.507 Registro de Imóveis - Recusa ao ingresso carta de arrematação Irresignação parcial - Dúvida prejudicada - Recurso não conhecido - Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação. Princípio da continuidade – Registro de compromisso de compra e venda – Necessidade de registro do instrumento anterior a fim de viabilizar o encadeamento dos títulos. Falta de comprovação da representação das empresas cedentes, ausência de qualificação da esposa do cessionário, falta de reconhecimento de firma das duas testemunhas e ausência de apresentação de certidão de valor venal do imóvel para o cálculo de custas e emolumentos - Óbices que decorrem respectivamente do artigo 1.060 do Código Civil, item 63 do Capítulo XX das Normas de Serviço, artigo 221, II, da lei nº 6.015/73 e artigo 7º da Lei Estadual nº 11.331/02 – Exigências mantidas. Trata-se de recurso de apelação interposto por Osni de Almeida contra a sentença de fls. 31/32, que manteve a recusa ao registro de instrumento particular de cessão e transferência de direitos, no qual constam como promitentes cedentes MF Construção e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Telles & Telles Desenvolvimento Imobiliário Ltda, como anuentes Emilton Tofanelli e Ângela Italiana Buffone Tofanelli e como cessionário Osni de Almeida. Sustenta o apelante, em resumo, que o registro do título que apresentou, ao contrário do que constou na sentença, não fere o princípio da continuidade (fls. 41/44). A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 57/58). É o relatório. O instrumento particular de cessão de direitos acostado a fls. 8/13 foi prenotado no Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Santo André em 16 de setembro de 2015 (fls. 19). A recusa ao registro, conforme nota devolutiva de fls. 19/20, ocorreu por sete motivos: a) ofensa à continuidade; b) falta de comprovação da representação das empresas cedentes; c) ausência de qualificação da esposa do cessionário; d) omissão no instrumento acerca da cientificação das partes da possibilidade de obtenção prévia de prova de inexistência ARISP JUS 33
de débitos trabalhistas em nome da vendedora; e) falta de reconhecimento de firma das duas testemunhas; f) não comprovação do pagamento do ITBI; e g) ausência de apresentação de certidão de valor venal do imóvel para o cálculo de custas e emolumentos. Ocorre que o recorrente, em seu recurso (fls. 34/35), impugnou apenas a primeira exigência, declarando expressamente que cumpriria oportunamente as demais (fls. 34). A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila, porém, no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a: A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei) Desse modo, prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede o exame - em tese - das exigências, a fim de orientar futura prenotação. a) Ofensa à continuidade. O óbice está correto. Consoante a matrícula nº 121.605 do 1º Registro de Imóveis de Santo André, a residência nº 1 do Residencial Aparecido Alberto Tizo é de propriedade de Ângela Italiana Buffone Tofanelli e Emilton Tofanelli. Assim, é inviável o registro de instrumento particular (fls. 8/13), por meio do qual terceiros (MF Construção e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Telles & Telles Desenvolvimento Imobiliário Ltda.), com a anuência dos proprietários (Ângela Italiana Buffone Tofanelli e Emilton Tofanelli) compromissam a venda do imóvel ao apelante. Aplica-se ao caso o artigo 195 da Lei nº 6.015/73: Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. Ora, se o imóvel permanece em nome de Ângela Italiana Buffone Tofanelli e Emilton Tofanelli, é imprescindível que, antes do ingresso no fólio real do instrumento de fls. 8/13, registre-se o título que transfere a propriedade do bem a MF Construção e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e a Telles & Telles Desenvolvimento Imobiliário Ltda. 34 ARISP JUS
Só assim preservar-se-á a continuidade registral. É certo que, juntamente com o instrumento de fls. 8/13, os interessados apresentaram o contrato acostado a fls. 14/16, por meio do qual Ângela Italiana Buffone Tofanelli e Emilton Tofanelli, para a quitação de três contratos de compromisso de compra e venda relativos a três imóveis, transferiram a propriedade do imóvel matriculado sob o nº 121.605 no 1º Registro de Imóveis de Santo André a MF Construção e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e a Telles & Telles Desenvolvimento Imobiliário Ltda. Esse contrato anterior, firmado em 2008, em tese, conservaria o princípio da continuidade. No entanto, salvo raras exceções (parte final do artigo 108 do Código Civil, artigo 89 da Lei nº 6.404/76, artigo 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79), em que se admite o uso de instrumento particular, a transferência da propriedade de bens imóveis se dá com o registro da escritura pública no registro imobiliário. Se por vício de forma o instrumento particular de fls. 14/16 não pode ser registrado, a consequência inevitável é a desqualificação do instrumento de fls. 8/13, porquanto, para a preservação do princípio da continuidade, o ingresso registral do segundo título dependia do registro anterior do primeiro. b) Falta de comprovação da representação das empresas cedentes. Tem razão o registrador também nesse ponto. Prescreve o artigo 1.060 do Código Civil: Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado. Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade. Desse modo, somente com a apresentação dos contratos sociais das empresas, comprovar-se-ia que Manoel Telles da Cruz tem efetivamente poderes para representar MF Construção e Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Telles & Telles Desenvolvimento Imobiliário Ltda. (fls. 8). c) Ausência de qualificação da esposa do cessionário. Essa exigência encontra amparo no item 63 do Capítulo XX das Normas de Serviço, que tem a seguinte redação: “63. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977”. Ainda que o item acima transcrito se refira ao proprietário, não há
motivo para que o detentor dos direitos de compromissário comprador – como ocorre na hipótese em análise (fls. 8/13) – seja tratado de modo diverso. A correta qualificação do titular de direito inscrito decorre do princípio da especialidade subjetiva e implica, de acordo com o item 63 do Capítulo XX das Normas, a obrigatória referência ao nome de seu cônjuge e ao regime de bens de seu casamento.
civil do promitente comprador - Exigências pertinentes não questionadas nem cumpridas - Irresignação parcial - Dúvida prejudicada - Comprovação do recolhimento do ITBI e anuência da credora hipotecária - Exigências descabidas - Tributo não incidente - Precedentes do STF e do STJ - Inaplicabilidade do parágrafo único do artigo 1.° da Lei n.° 8.004/1990 ao caso dos autos - Súmula n° 308 do STJ - Recurso não conhecido.” (Apelação n° 9000007-68.2011.8.26.0577, Rel. José Renato Nalini).
d) Omissão no instrumento acerca da cientificação das partes da possibilidade de obtenção prévia de prova de inexistência de débitos trabalhistas em nome da vendedora.
No entanto, tendo em vista que a transferência da propriedade somente poderia ocorrer mediante o registro de escritura pública[3] – instrumento esse que sequer foi lavrado e apresentado –, a comprovação do recolhimento do imposto de transferência não condiciona o registro do contrato de fls. 8/13, mas sim o do título cujo ingresso deve ser anterior.
Esse óbice, embora baseado nos itens 42 e 44, do Capítulo XIV das Normas de Serviço[1], não deve aqui ser analisado, uma vez que se trata de requisito necessário para a escritura pública, instrumento esse que, no caso em análise, sequer foi lavrado e apresentado.
g) Ausência de apresentação de certidão de valor venal do imóvel para o cálculo de custas e emolumentos.
e) Falta de reconhecimento de firma das duas testemunhas.
Com razão o Oficial.
Correta a exigência.
Prescreve a Lei nº 11.331/02:
Preceitua o artigo 221, II, da lei nº 6.015/73: Art. 221 - Somente são admitidos registro: (...) II - escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação; (grifei) Não tendo havido o reconhecimento das firmas das duas testemunhas que assinaram o instrumento (fls. 13), correta a devolução do título por essa razão. f) Não comprovação do pagamento do ITBI. Aqui se aplica o mesmo raciocínio utilizado no item “d” supra. A comprovação do pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis para o registro do título, exigência que emana do item 119.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço[2], é necessária somente nos casos em que há transferência de propriedade. É entendimento pacífico neste Conselho que não incide ITBI em contratos de compromisso de compra e venda e em cessões desses instrumentos. Nesse sentido: “REGISTRO DE IMÓVEIS - CESSÃO DE DIREITOS DE AQUISIÇÃO DE BEM IMÓVEL - RECUSA FUNDADA NA FALTA DE RECOLHIMENTO DE ITBI - JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA NO STF E NO STJ NO SENTIDO DE QUE NÃO INCIDE ITBI SOBRE O COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA, PORQUE NÃO TRANSFERE O DOMÍNIO DO IMÓVEL - RACIOCÍNIO QUE TAMBÉM SE APLICA À CESSÃO DOS DIREITOS DO PROMITENTE COMPRADOR - RECURSO PROVIDO.” (Apelação nº 1002630-12.2014.8.26.0587, Rel. Des. Xavier de Aquino, j. em 15/12/2015). “REGISTRO DE IMÓVEIS - Instrumento particular de contrato de promessa de venda e compra de unidade condominial a ser construída e outras avenças - Reconhecimento de firmas e informação sobre o estado
Artigo 7º - O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea “b” do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior: I - preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes; II - valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias; III - base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis. Nota-se que a apresentação de certidão do valor venal do imóvel negociado é imprescindível para o cálculo dos emolumentos decorrentes do registro. Isso ocorre porque, de acordo com o artigo acima transcrito, três valores devem ser comprados – dentre eles o valor venal – e o maior deles é utilizado para o cálculo dos emolumentos. Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso. Após, com cópia deste voto, abra-se expediente, no bojo do qual será analisada a conveniência da alteração dos itens 42 e 44, letra “s”, do Capítulo XIV das Normas de Serviço. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator VOTO (com divergência): 1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria. 2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de ARISP JUS 35
mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso. 3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vidç arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico. Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine. 4.Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia: “Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”). 5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal). 6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho. Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”. É, da veniam, meu voto de vencido. Des. RICARDO DIP Presidente da Seção de Direito Público [1] 42. O Tabelião de Notas deve cientificar as partes envolvidas de que é possível obter, nos termos do artigo 642-A da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT, nas seguintes hipóteses: a) alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo; b) partilha de bens imóveis em razão de separação, divórcio ou união estável. 44. A escritura pública, salvo quando exigidos por lei outros requisitos, deve conter: (...) s) referência, quando for o caso, ao cumprimento do item 42 deste capítulo das NSCGJ; [2] 119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, 36 ARISP JUS
inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais. [3] Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
DECISÃO JURISDICIONAL
#1
RECURSO APELAÇÃO CÍVEL - ALIENAÇÃO FIDUCUÁRIA EM GARANTIA - BEM IMÓVEL - LEI Nº 9.514/97 ) AÇÃO ANULATÓRIA DE PROCEDIMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE IMÓVEL. AUTOR, DEVEDOR-FIDUCIANTE, QUE INADIMPLIU CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO E DEU AZO A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DA CREDORA-FIDUCIÁRIA, QUE PRETENDE ANULAR O PROCEDIMENTO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL AO FUNDAMENTO DE QUE NÃO FOI INTIMADO ACERCA DA ALIENAÇÃO DO BEM A TERCEIRO E QUE SEU DIREITO DE DEFESA FOI VIOLADO. PRETENSÃO AINDA DE OBTENÇÃO DE REPARAÇÃO MORAL. 2) SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. 3) RECURSO VERSANDO SOBRE REVELIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E VÍCIO TOCANTE AO PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. 4) CONTESTAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PROTOCOLADA ELETRONICAMENTE COM PRAZO EM DOBRO, SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973, TEMPESTIVA. AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO OU LIMITAÇÃO LEGAL À ÉPOCA A IMPEDIR A ADOÇÃO DE PRAZO EM DOBRO PARA OS PROCESSOS ELETRÔNICOS. 5 ) PROCEDIMENTO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL ADOTADO PELA FINANCEIRA LÍCITO, POR ATENDER A TODOS OS DITAMES DA LEI Nº 9.514/97. IMPROCEDÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 400530223.2013.8.26.0248, da Comarca de Indaiatuba, em que é apelante VALDINEI COSTA MOREIRA (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados ITAÚ UNIBANCO S/A (ATUAL DENOMINAÇÃO DE BANCO ITAÚ S/A) e ODAIR ALAUNES BROTTO. ACORDAM, em 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores HUGO CREPALDI (Presidente) e CLAUDIO HAMILTON. São Paulo, 18 de agosto de 2016. Marcondes D’Angelo RELATOR Recurso de apelação nº 4005302-23.2013.8.26.0248. Comarca: Indaiatuba. 03ª Vara Cível. Processo nº 4005302-23.2013.8.26.0248. Prolator (a): Juíza Camila Castanho Opdebeeck.
Apelante (s): Valdinei Costa Moreira. Apelado (s): Itaú Unibanco Sociedade Anônima; Odair Alaunes Brotto. VOTO Nº 38.063/2016.RECURSO APELAÇÃO CÍVEL - ALIENAÇÃO FIDUCUÁRIA EM GARANTIA - BEM IMÓVEL - Lei nº 9.514/97 ) AÇÃO ANULATÓRIA DE PROCEDIMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE IMÓVEL. Autor, devedor-fiduciante, que inadimpliu contrato de financiamento imobiliário e deu azo a consolidação da propriedade em favor da credora-fiduciária, que pretende anular o procedimento de resolução contratual ao fundamento de que não foi intimado acerca da alienação do bem a terceiro e que seu direito de defesa foi violado. Pretensão ainda de obtenção de reparação moral. 2) Sentença de improcedência dos pedidos iniciais. 3) Recurso versando sobre revelia da instituição financeira e vício tocante ao procedimento extrajudicial de resolução contratual. 4) Contestação da instituição financeira protocolada eletronicamente com prazo em dobro, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, tempestiva. Ausência de exceção ou limitação legal à época a impedir a adoção de prazo em dobro para os processos eletrônicos. 5 ) Procedimento de resolução contratual adotado pela financeira lícito, por atender a todos os ditames da Lei nº 9.514/97. Improcedência. Sentença mantida. Recurso de apelação não provido. Vistos. Cuida-se de ação anulatória de procedimento extrajudicial de consolidação de propriedade de imóvel, objeto de garantia fiduciária (artigos 23 e seguintes da Lei nº 9.514, de 20 de setembro de 1997), movida por VALDINEI COSTA MOREIRA contra ITAÚ UNIBANCO SOCIEDADE ANÔNIMA e ODAIR ALAUNES BROTTO, sustentando o primeiro nomeado ter adquirido o imóvel descrito à folha 02 da inicial, valendo-se, para tanto, de financiamento bancário obtido com a primeira requerida, pelo qual se obrigou ao pagamento de R$ 52.000,00 (cinquenta e dois mil reais) de entrada e mais 300 (trezentas) parcelas mensais e sucessivas de aproximadamente R$ 704,46 (setecentos e quatro reais e quarenta e seis centavos). Diz ter inadimplido o contrato a partir do vencimento da 33ª (trigésima terceira) parcela contratual, dando azo a procedimento de execução contratual pela credora-fiduciária. Anota que, no entanto, sem lhe dar ciência do início do procedimento executivo, para que pudesse purgar a mora, levou o imóvel a leilão a leilão extrajudicial. Informa que realizados dois leilões sem licitantes, a credora lhe cientificou via telegrama e lhe outorgou quitação da dívida em aberto. Afirma ter sido feito nova tentativa de alienação por leilão extrajudicial, quando, então, o bem foi arrematado pelo segundo requerido, que, por sua vez, notificou-lhe para que desocupasse o imóvel. Explica que a partir de então passou a sofrer danos de ordem moral, pois além de ser pressionada para desocupar o imóvel sem ter podido se defender minimamente, passou a ser impedida pelo condomínio de adentrar na “sua própria casa”. Aponta vício quanto ao procedimento executivo. Busca a anulação da arrematação do imóvel, e, mais, pede antecipação de tutela para que seja mantida na posse do imóvel até o término da ação. Indeferido pedido de antecipação da tutela, restando mantida em sede de agravo de instrumento (folhas 95/96 e 187/194). Os requeridos apresentaram respostas, suscitando, em resumo, a legalidade do procedimento executivo extrajudicial ( folhas 21/142 e 197/229).
O arrematante, na oportunidade, formulou pedido contraposto de cunho possessório. Sobreveio então a respeitável sentença de folhas 474 usque 479, cujo relatório se adota, que: ( i ) julgou improcedentes os pedidos iniciais, por considerar legal e legítimo o procedimento extrajudicial de resolução contratual com alienação do imóvel em leilão extrajudicial; ( ii ) julgou improcedente o pedido contraposto, por inadequação da via eleita. Pela sucumbência, carreou à autora o pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência arbitrados em 10% ( dez por cento ) sobre o valor atualizado da causa favor dos patronos da parte contrária, cuja exigência deve observar as normas da gratuidade de justiça. Inconformada, recorre a autora objetivando a reforma do julgado ( folhas 482/492). Alega, em breve suma, que: (a) a instituição financeira é revel; (b) o procedimento executivo extrajudicial foi viciado, pois não lhe foi dado ciência da alienação do bem a terceiros depois de frustrados os 02 (dois) leilões anteriores, impedindo o seu direito de purgar a mora nos termos do artigo 26 da Lei nº 9.514/97; (c) a manutenção do contrato é viável, porquanto o segundo correquerido desistiu da arrematação no curso da lide. Pugna pelo provimento do recurso para que a sentença seja reformada e os pedidos iniciais julgados procedentes. Recurso devidamente processado e oportunamente respondido ( folhas 495/502 e 503/524 ), subiram os autos. Este é o relatório. A respeitável sentença recorrida foi proferida em 15 de outubro de 2015, disponibilizada no DJe em 06 de novembro de 2015 e publicada em 09 de novembro de 2015, primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização ( certidão à folha 481 ). O prazo recursal começou a fluir em 10 de novembro de 2015. Recurso de apelação tempestivo protocolizado em 24 de novembro de 2015 ( propriedades do documento de folha 482 ). Isento de preparo recursal, por ser a recorrente beneficiária da assistência judiciária gratuita. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso. A respeitável sentença recorriad não comporta o menor reparo. Discute-se, no caso, a licitude do procedimento de consolidação de propriedade resolúvel de imóvel dado em garantia fiduciária pelo autor VALDINEI COSTA MOREIRA em face de ITAÚ UNIBANCO SOCIEDADE ANÔNIMA (artigos 22 e seguintes da Lei nº Lei nº 9.514/97). Diz o autor que o procedimento de consolidação da propriedade plena em favor do credor-fiduciário foi viciado, pois o este não lhe cientificou da alienação do imóvel ofertado em garantia por leilão extrajudicial, permitindo assim que o correquerido ODAIR ALAUNES BROTTO arrematasse o bem sem que tivesse o direito de purgar a mora ou de se defender adequadamente. Não lhe assiste razão. De início, antes de se apreciar a questão central da lide, rechaça-se a alegada revelia da instituição financeira, pois sua contestação foi apresentada tempestivamente com suporte no artigo 191 do Código de Processo Civil de 1973 então vigente, que previa prazo em dobro para os casos de litisconsórcio com diferentes procuradores (artigo 229 do Código de Processo Civil atual). ARISP JUS 37
É certo que o artigo 229, § 2º, do atual Código de Processo Civil prevê a inaplicabilidade de prazo em dobro aos processos em autos eletrônicos. No entanto, referida disciplina não pode retroagir para prejudicar a parte que, sob a égide da lei antiga, tinha o direito de praticar o ato processual com prazo em dobro sem que houvesse qualquer limitação legal para tanto. Ao se deparar com o tema (aplicabilidade de prazo em dobro em processos eletrônicos), o Egrégio Superior Tribunal de Justiça assentou que a Lei nº 11.419 de 2006 ( dispõe sobre a informatização do processo judicial e alterações do Código de Processo Civil de 1973) não alterou ou criou qualquer exceção à disciplina do prazo em dobro então constante no artigo 191 do Código de Processo Civil de 1973; declarando a validade e eficácia da norma para se evitar grave insegurança jurídica e ofensa ao princípio da legalidade (REsp 1.488.590/PR, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 14 de abril de 2015). Na ocasião, o insigne Ministro Relator citou precisa lição doutrinária do professor FLÁVIO LUIZ YARSHELL a respeito do tema que merece ser transcrita, dada a sua precisão: “(...) Com a devida vênia, interpretação dessa natureza é equivocada e gera insegurança incompatível com o que legitimamente se espera do processo judicial. Regras sobre prazos são parte importante da disciplina da relação jurídica processual e, portanto, estão sujeitas ao princípio da legalidade. Se a lei que regulou o processo eletrônico nada estabeleceu a respeito, não é licito ao intérprete presumir regra que restrinja de prerrogativa até então vigente. As normas processuais sobre prazos? de cuja falta de observância podem decorrer prejuízos relevantes para as partes, sem falar na responsabilidade funcional dos advogados? devem ser interpretados à luz dos princípios constitucionais da segurança e da confiança legítima. Inteligência que simplesmente tenha por implicitamente derrogada a regra do art. 191 do CPC não se coaduna com tais postulados e, portanto, não se harmoniza com o conteúdo de devido processo legal (CF, art. 5º, art. 191 do CPC. Carta Forense de 2/4/2013” -).
Destarte, confirma-se a tempestividade da resposta da instituição financeira.
Quanto ao mais, é incontroverso no processo eletrônico que: (i) o devedorfiduciante inadimpliu o contrato de mútuo firmado com a instituição financeira requerida a partir do vencimento da parcela contratual de número 33 (trinta e três), de um total de 300 (trezentas) parcelas; (ii) devidamente constituído em mora, nos termos do artigo 26, § 1º, da Lei nº 9.514/97, não satisfez as prestações vencidas e vincendas com os encargos moratórios; (iii) a propriedade fiduciária se consolidou em favor da credora mediante averbação na matrícula pelo Registro de Imóveis, consoante previsão contida no artigo 26, § 7º, da Lei nº 9.514/97; (iv) houve duas tentativas de leilões extrajudiciais sem interessados no bem dado em garantia fiduciária, em atenção às disposições dos §§ 1º e 2º do artigo 27 da mencionada lei; (v) a credora expediu carta de quitação ao devedor, considerando a dívida extinta, com suporte no § 5º do artigo 27 da lei; (vi) o imóvel, foi então alienado ao arrematante em leilão público enquanto propriedade exclusiva da credora-fiduciária (Código de Processo Civil, artigo 374 e incisos). 38 ARISP JUS
Sendo assim, ou seja, atendidos todos os pressupostos legais para o procedimento de resolução contratual, não se verifica a alegada nulidade mencionada na petição inicial, consistente no impedimento do autor de purgar a mora e evitar o desapossamento do bem dado em garantia, haja vista que, intimado pessoalmente em 17 de abril de 2012 (folha 326), deixou transcorrer o prazo legal para purgar a mora no momento oportuno, dando azo à consolidação da propriedade em favor da credora. E a partir do momento em que o contrato foi resolvido e a propriedade consolidada em favor da credora, não havia mais nenhum vínculo jurídico a impor a ela o dever de informar a alienação do imóvel ao correquerido arrematante por intermédio de leilão extrajudicial, em especial porque nada mais poderia fazer para reverter a resolução contratual, já consolidada na ocasião. Destarte, não se vê qualquer mácula ao procedimento de resolução contratual adotado pela instituição financeira recorrida, porque em conformidade com todos os preceitos da Lei nº 9.514/97. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação do autor, nos moldes desta decisão. MARCONDES D’ANGELO DESEMBARGADOR RELATOR
DECISÃO JURISDICIONAL
#2
CIVIL. IMÓVEL RESIDENCIAL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL A PARTICULARES. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE LAUDÊMIO. LEI 9.636/98. IRREGULARIDADE FORMAL QUE NÃO ATINGE A ESSÊNCIA DO ATO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA NÃO PROVIDAS. RECURSO ESPECIAL Nº 1.590.022 - MA (2016/0066470-8) RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE: UNIÃO RECORRIDO: EMPRESA MARANHENSE DE ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS E NEGÓCIOS PÚBLICOS S/A - EMARHP ADVOGADOS: JOSÉ CARLOS ROLIM FERNANDO DA ROCHA SANTOS RAMOS E OUTRO(S) RECORRIDO: CARTÓRIO DE REGISTRO GERAL DE IMÓVEIS 1A CIRCUNSCRIÇÃO DE SÃO LUIS - MA RECORRIDO: JOAO DAMASCENO CUTRIM COSTA RECORRIDO: DEUSAMAR FERREIRA COSTA ADVOGADO: SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuida-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região assim ementado (fl. 206, e-STJ): CIVIL. IMÓVEL RESIDENCIAL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL A PARTICULARES. AUSÊN-
CIA DE PAGAMENTO DE LAUDÊMIO. LEI 9.636/98. IRREGULARIDADE FORMAL QUE NÃO ATINGE A ESSÊNCIA DO ATO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA NÃO PROVIDAS.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 44.316/SE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 18/02/2014).
1- Além de não comprovado o alegado prejuízo ao patrimônio público, a falta de pagamento do laudêmio previsto pela Lei n° 9.336/98 para transferência do domínio útil de imóvel residencial de propriedade da União, caracteriza mera irregularidade formal, não atingindo a essencialidade do ser convalidado com o saneamento posterior do vício.
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR. LICENCIAMENTO. OMISSÃO DO JULGADO REGIONAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE INVALIDEZ TOTAL E DEFINITIVA PARA O TRABALHO CASTRENSE. REFORMA INCABÍVEL. SÚMULA 7/STJ.
2 - Portanto, este não e o caso de decretação de nulidade do registro imobiliário, senão de execução posterior do laudêmio exigido em lei, com a conseqüente responsabilização dos titulares dos cartórios pelos eventuais prejuízos suportados pela recorrente. 3 - Apelação e remessa oficial que se negam provimento. Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 211-214, e-STJ). A parte recorrente alega violação do art. 535, II, do CPC e do art. 166, IV, do CC. Afirma que o acórdão é omisso, porquanto deixou de apreciar diversas questões de direito (fl. 226, e-STJ). Aduz que a EC 46/2005 não poderia atingir os direitos adquiridos da União sobre os imóveis registrados no cartório em seu nome (fl. 232, e-STJ). Sem contrarrazões. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.590.022 - MA (2016/0066470-8) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 16.5.2016. A irresignação merece parcial acolhimento. A parte recorrente sustenta que o art. 535, II, do CPC foi violado, mas deixa de apontar, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Assim, é inviável o conhecimento do Recurso Especial nesse ponto, ante o óbice da Súmula 284/STF. Cito precedentes: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. ARTIGOS INFRACONSTITUCIONAIS APONTADOS COMO VIOLADOS NÃO PREQUESTIONADOS. SÚMULA 211/ STJ. LAUDOS TÉCNICOS DIVERGENTES. VALORES EM DESCOMPASSO. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. Não se conhece da alegada violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil - CPC quando são apresentadas alegações genéricas sobre as suas negativas de vigência. Óbice da Súmula 284 do STF. (...)
1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC se faz de forma genérica. Aplica-se, assim, o óbice da Súmula 284 do STF. Precedentes do STJ. 2. A alteração das conclusões adotadas pela instância ordinária quanto à inexistência de invalidez total e definitiva para o trabalho castrense, tal como colocada a questão nas razões recursais, exigiria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1.341.229/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 17/2/2014).
Trata a presente demanda de pedido de anulação de contrato de compra e venda de imóvel entabulado e registrado pelos requeridos no Cartório do Registro Geral de Imóveis da 1ª Circunscrição de São Luis/MA sem o prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias. O acórdão recorrido não vislumbrou prejuízo ao patrimônio público, porque a irregularidade formal do contrato não atingiria a essencialidade do ato de compra e venda. Ademais, o valor devido do laudêmio poderia ser cobrado posteriormente através de Ação de Execução. Para melhor compreensão da controvérsia, transcrevo o art. 3º do Decreto-Lei 2.398/1987, que dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União, e dá outras providências, prequestionado implicitamente no acórdão vergastado. Art. 3o A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias. §1° As transferências parciais de aforamento ficarão sujeitas a novo foro para a parte desmembrada. § 2o Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio: I - sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPUque declare: a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos; b) estar o transmitente em dia, perante o Patrimônio da União, com as obrigações relativas ao imóvel objeto da transferência; e c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de ARISP JUS 39
não se encontrar em área de interesse do serviço público; II - sem a observância das normas estabelecidas em regulamento. Os bens públicos podem ser classificados como bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais. A diferença principal entre eles reside no fato de que as duas primeiras espécies possuem destinação pública, enquanto a terceira não a possui. Os terrenos pertencentes à União são bens públicos, apesar de os bens dominicais terem destinação precipuamente particular. Seguindo o escólio da ilustre professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que alerta em sua obra Direito Administrativo, 5ª edição, ed. Atlas, pg. 425, de que “o regime dos bens dominicais é parcialmente público e parcialmente privado”. Por isso, devemos ter consciência de que a sua natureza não é exclusivamente patrimonial, pois a Administração Pública não deseja apenas auferir renda, mas, também observar o interesse coletivo representado pelo domínio direto do imóvel. Conforme explicitado os bens dominicais possuem especificidades com relação à propriedade privada, que é regulada exclusivamente pelo Código Civil. Dentre elas, existe o direito de transferir onerosamente o domínio útil do imóvel mediante o pagamento de laudêmio, pois se trata, como dito alhures, de relação de natureza híbrida. Portanto, o contrato de compra e venda desses imóveis devem revestir formalidades sem as quais desnaturam a sua natureza jurídica. Não é somente o pagamento do laudêmio que diferencia essa espécie de transferência onerosa entre vivos, mas, e, principalmente, a autorização da união para a realização do negócio jurídico. Como se trata de bem público de interesse da União, ela deve acompanhar de perto, através da Secretaria de Patrimônio da União, a realização de sua transferência, pois, como dispõe a lei, pode ocorrer a vinculação do imóvel ao serviço público. A propósito: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEIS DA UNIÃO. TERRENO DE MARINHA. TAXA ANUAL DE OCUPAÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. TRANSFERÊNCIA DA OCUPAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIRO. CESSÃO DE POSSE. NÃO OPONÍVEL EM FACE DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO. PAGAMENTO. RESPONSABILIDADE DE QUEM FIGURA COMO OCUPANTE NO CADASTRO DA SECRETARIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO - SPU. 1. A controvérsia posta no recurso especial decorre da cobrança de crédito pelo não recolhimento da Taxa de Ocupação dos exercícios 1999, 2000 e 2001, referentes à imóvel da União (terrenos de marinha), efetuada originariamente pela Fazenda Nacional por meio de execução fiscal. O recorrente além de apontar divergência jurisprudencial acerca da interpretação dada pelo acórdão recorrido ao artigo 7º da Lei n. 9.636/98, a qual difere do entendimento esposado pela Tribunal Regional Federal da 4ª Região, alega violação do artigo 535 do CPC, ao argumento de que o Tribunal de origem incorreu em omissão quanto ao exame do artigo 7º da Lei n. 9.636/98, que eximiria o recorrente de responsabilidade pelo pagamento da dívida referente à taxa de ocupação. Para tanto aduz o seguinte: a) que não é proprietário da área da qual é cobrada a taxa de ocupação, mas sim a União, ocupando o referido imóvel até 1997, e que o atual ocupante é quem deveria arcar com o débito, em face da alienação do imóvel; 40 ARISP JUS
b) a taxa de ocupação cobrada não é espécie tributária, tendo natureza jurídica de preço público; c) que não há como transcrever o título de alienação junto ao Registro Geral de Imóveis uma vez que se trata de cessão de posse e não de domínio; e d) a transferência de responsabilidade pelo recolhimento da taxa de ocupação, independe de pagamento de laudêmio. 2. O Tribunal de origem sobre o tema em discussão assim se pronunciou: a) a Taxa de Ocupação tem como fato gerador o domínio útil dos terrenos de marinha e é exigida de quem detém os poderes inerentes à propriedade, sendo certo que a promessa de compra e venda não tem o condão de transferir a propriedade, o que, segundo disciplinam o art. 1.245 e seus parágrafos do Código Civil, se dá mediante o registro do título translativo perante o Registro de imóveis; b) o objeto do contrato de promessa de compra e venda é o imóvel sobre o qual incide a taxa exigida nos autos, não havendo notícia da transcrição no Registro de Imóveis do título translativo da propriedade, não há como deixar de reconhecer a responsabilidade do devedor, que a toda evidência, figura como real proprietário do imóvel; e c) a cláusula de transferência de responsabilidade dos créditos exeqüendos é inoponível em face da Fazenda Pública, porquanto as normas reguladoras da responsabilidade tributária são de ordem pública, portanto insuscetíveis de modificação pelas partes (art. 123, do CTN). (...) 4. Os terrenos de marinha são bens públicos que se destinam historicamente à defesa territorial e atualmente à proteção do meio ambiente costeiro, permitindo-se a ocupação por particulares, mediante o pagamento de taxa de ocupação e de laudêmio quando da transferência, em relação eminentemente pública, regida pelas regras do direito administrativo. 5. A responsabilidade de pagamento da referida a taxa nasce com a inscrição do terreno de marinha na Secretaria do Patrimônio da União (SPU), do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, responsável por seu registro, consoante preconiza o artigo 7º da Lei n. 9.636/98. A inscrição do terreno pela Administração Pública é o ato em que se define quem efetivamente aproveita o imóvel, e que se tornará obrigado ao pagamento da taxa de ocupação. A partir desse momento, não são oponíveis contra a Administração Pública o não aproveitamento do imóvel, negócios jurídicos, desocupação, senão pelo estreito caminho que leva à Administração a ciência da situação real do bem cujo poder-dever de administrar lhe compete. 6. O processo de inscrição de ocupação do imóvel junto à SPU guarda semelhança como o próprio registro de imóveis. Isso porque a Lei exige que antes de levada a transferência a registro, é imprescindível, além do pagamento do laudêmio, a ciência da Administração para que ela autorize a transferência. Feitas essas diligências, poderá o Cartório averbar a transferência e permitir que o adquirente altere a inscrição do registro na SPU. Só a partir daí o adquirente terá justo título para ostentar a situação de “ocupante de direito” do imóvel pertencente à União. Enquanto isso não ocorrer, permanecerá na inscrição do imóvel o antigo ocupante, podendo responder pelo adimplemento da taxa, caso dos autos. 7. A comunicação do negócio jurídico formalizado entre o ocupante e terceiro à SPU não se reveste de ato de mera formalidade, mas se constitui em medida de essencial importância e que produz efeitos jurídicos relevantes, uma vez que a União é a proprietária do terreno de marinha (artigo 1º, “a”, do Decreto-lei n. 9.760/46) e, nessa qualidade, deverá estar sempre a par e consentir com a utilização de bem que lhe pertence.
8. É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o título de propriedade do particular não é oponível à União nesses casos, pois os terrenos de marinha são da titularidade originária deste ente federado, na esteira do que dispõem a Constituição da República e o Decreto-lei n. 9.760/46. 9. Recurso especial não provido. (REsp 1.201.256/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 22/2/2011). Ademais, os Cartórios de Registro de Imóveis têm a obrigação de não lavrar nem registrar escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União sem a certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPU, sob pena de responsabilidade dos seus titulares. Por tudo isso, conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, dou-lhe provimento para declarar a nulidade do negócio jurídico de compra e venda do imóvel; consequentemente, condeno os recorridos ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em R$ 5.000,00, em conformidade com o art. 20, § § 3º e 4º, do CPC de 1973. E, por fim, determino que se oficie a corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão para que averigue a responsabilidade do titular do Cartório do Registro Geral de Imóveis da 1ª Circunscrição de São Luis/MA. É como voto.
DECISÃO JURISDICIONAL
#3
EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. Imóvel rural matriculado em gleba maior, com sucessivas alienações e transmissões hereditárias de partes ideais dentro do todo. Autores titulares de cessão de direitos hereditários sobre parte ideal, ainda não levada ao registro imobiliário. Impossibilidade de se postular a extinção apenas parcial do condomínio, em face de co-titulares de parte ideal, sem a citação de todos os demais condôminos da gleba maior. Próprio título dos autores sem comprovação de idoneidade. Cessão de direitos hereditários de fração ideal de imóvel rural por parentes colaterais de terceiro grau de condômino. Não foram apresentados inventários ou qualquer comprovação da titularidade dos direitos hereditários sobre o imóvel. Não se sabe com a indispensável dose de certeza se os colaterais de terceiro grau cedentes eram reais herdeiros do condômino. Autores supostamente esbulhados da posse certa em gleba de condomínio pro diviso. Inviabilidade de extinção do condomínio. Manutenção da sentença. Recurso não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000724241.2012.8.26.0082, da Comarca de Boituva, em que são apelantes ISABEL CRISTINA SOLFA GUISARD ROCHA, ISABELLA SOLFA GUISARD ROCHA, AYRAN SOLFA GUISARD ROCHA e KAYO SOLFA GUISARD ROCHA, são apelados ROSANGELE CARVALHO DE REZENDE CORREA, ANDRÉ GABRIEL CORREA NETO, CINTHIA PAULA CARVALHO CORREA e SAINT CLAIR
CARVALHO CORREA. ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CLAUDIO GODOY (Presidente) e CHRISTINE SANTINI. São Paulo, 13 de setembro de 2016 FRANCISCO LOUREIRO RELATOR Apelação Cível nº_ 0007242-41.2012.8.260082 Comarca: Boituva Juiz: Heloisa Helena Franchi Nogueira Lucas Apelante: Isabel Cristina Solfa Guisardi Rocha e Outros Apelado: Rosangele Carvalho de Rezende Correa e Outros VOTO Nº 29.937 EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. Imóvel rural matriculado em gleba maior, com sucessivas alienações e transmissões hereditárias de partes ideais dentro do todo. Autores titulares de cessão de direitos hereditários sobre parte ideal, ainda não levada ao registro imobiliário. Impossibilidade de se postular a extinção apenas parcial do condomínio, em face de co-titulares de parte ideal, sem a citação de todos os demais condôminos da gleba maior. Próprio título dos autores sem comprovação de idoneidade. Cessão de direitos hereditários de fração ideal de imóvel rural por parentes colaterais de terceiro grau de condômino. Não foram apresentados inventários ou qualquer comprovação da titularidade dos direitos hereditários sobre o imóvel. Não se sabe com a indispensável dose de certeza se os colaterais de terceiro grau cedentes eram reais herdeiros do condômino. Autores supostamente esbulhados da posse certa em gleba de condomínio pro diviso. Inviabilidade de extinção do condomínio. Manutenção da sentença. Recurso não provido. Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 268/271, que julgou extinta sem resolução de mérito a ação de extinção de condomínio proposta por ISABEL CRISTINA SOLFA GUISARD ROCHA E OUTROS em face de ROSANGELE CARVALHO DE REZENDE CORREA E OUTROS. Fê-lo a r. sentença, basicamente sob o fundamento de que não houve o registro da cessão de direitos hereditários na matrícula do imóvel. Acrescentou que inexiste notícia de inventário e partilha dos bens deixados pelo condômino de cujus. Portanto, não é possível aferir com certeza se os sobrinhos do falecido são titulares do direito cedido, havendo dúvidas quanto à eficácia da cessão. Destaca ainda a MM. Juíza a quo a impossibilidade de extinção de condomínio somente de fração ideal de imóvel rural, sem a participação de todos os demais condôminos no polo passivo da demanda. Quanto ao pedido de indenização suplementar de lucros cessantes, salienta a inexistência da causa de pedir e a falta de interesse processual. ARISP JUS 41
Os autores apelantes alegam, em síntese, que adquiriram 50% da acessão industrial imobiliária sobre a fração ideal de 2,949% de direitos hereditários em imóvel rural com área total de 12 alqueires. Aduzem a ocorrência de esbulho possessório por parte dos réus apelados, que os impediram de usar e fruir da casa conjuntamente adquirida em condomínio voluntário. Pugnam pela extinção do condomínio. Em razão do exposto e pelo que mais argumentam às fls. 277/284, pedem o provimento de seu recurso. O apelo foi contrariado (fls. 291/295). É o relatório. 1. O frágil recurso não comporta provimento. Segundo se depreende dos autos, em 07.06.1999, os autores apelantes adquiriram conjuntamente com os apelados direitos hereditários correspondentes à fração ideal de 2,949% do imóvel rural localizado no município de Iperó, Comarca de Porto Feliz, conforme escritura pública de cessão de direitos hereditários às fls. 13/14. Os apelantes ISABELLA SOLFA GUISARD ROCHA, AYRAN SOLFA GUISARD ROCHA, KAYO SOLFA GUISARD ROCHA conjuntamente com os apelados ANDRÉ GABRIEL CORREA NETO, SAINT CLAIR CARVALHO CORREA e CINTHIA PAULA CARVALHO CORREA adquiriram, em condomínio voluntário, a nua propriedade da fração ideal do imóvel rural acima descrito. Enquanto que a apelante ISABEL CRISTINA SOLFA GUISARD ROCHA e a apelada ROSANGELE CARVALHO DE REZANDE CORREA adquiriram o co- usufruto sobre a fração ideal. Aparentemente ambas as famílias entraram na posse direta do imóvel, incluindo nus proprietários e usufrutuárias. Na sequência, construíram duas casas de madeira, livremente utilizadas pelas partes de comum acordo. Ocorre, porém, que após os apelantes manifestarem desejo de alienar sua fração ideal, houve esbulho possessório por parte dos apelados. Requerem os autores a extinção do condomínio e subsequente alienação judicial do imóvel comum, com pedido cumulativo de indenização por perdas e danos. 2. Inviável o pedido de extinção de condomínio, e por mais de uma razão. Primeiro, porque não há sequer certeza e segurança da situação jurídica das partes em relação ao imóvel. Não se tem notícia de inventário ou arrolamento e partilha de bens do condômino Benedito Antunes Oliveira, legitimo proprietário da fração ideal de 2,494% do imóvel rural, conforme matrícula às fls. 15/17 dos autos. Evidente que por direito de saisine, aberta a sucessão com a morte do de cujus, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, 42 ARISP JUS
aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.575 do CC/02). Ocorre que, no caso concreto, os cedentes dos direitos hereditários são parentes de terceiro grau em linha transversal na vocação hereditária, e não se têm a exata noção dá existência, ou não, de classes anteriores na linha sucessória. Dizendo de outro modo, como não foi aberto, ou ao menos disso não se tem notícia, o inventário do condômino Benedito, persiste situação de incerteza se os sobrinhos cedentes de direitos hereditários eram os reais herdeiros. 3. Não fosse suficiente, a certidão da matrícula no. 20407 do Oficial de Registro de Imóveis de Porto Feliz (fls. 15/17dos autos) dá conta que o imóvel rural em questão tem área de superfície de 12,13 alqueires, e ao longo dos anos foi objeto de sucessivas alienações de partes ideais. Aparentemente foi o solo parcelado, mediante sucessivas alienações de partes ideais com posses localizadas, criando a figura de condomínio pro-diviso. Os condôminos são titulares de frações ideais, mas com posses localizadas dentro do todo. Sucede que não podem os autores, como pleiteiam na inicial, pedir a extinção do condomínio somente no tocante à pequena parte ideal de 2,949% sobre o todo, da qual são cessionários de supostos direitos hereditários, sem registro do título. A extinção do condomínio, como corretamente anotou a sentença, deve abranger a totalidade do imóvel, com inclusão de todos os condôminos como litisconsortes passivos necessários. Admitir o pedido inicial criaria contradição em termos: seria extinto o condomínio sobre parte ideal, o que não geraria aos autores domínio pleno sobre parte certa do todo. 4. O que se deduz da confusa situação descrita nos autos é que os autores almejam, na realidade, discussão sobre a posse exclusiva dos requeridos sobre parte ideal de condomínio pro-diviso. A solução do conflito não passa pela extinção do condomínio, como acima visto, mas sim no campo estritamente possessório. É certo que não há propriedade formal sobre o imóvel comum. É texto expresso dos artigos 1.228 e 1.245 do Código Civil que a propriedade imobiliária se adquire pelo registro, de natureza constitutiva. Disso decorre que, enquanto não regularizada a titularidade do domínio, a situação das partes não é de condomínio propriamente dito, mas, no máximo, de composse, ou de co-titularidade de direitos pessoais sobre o imóvel. O Tribunal de Justiça de São Paulo já admitiu, em oportunidades anteriores, a extinção de co-titularidade de direitos sobre coisa comum, ainda que sem domínio pleno formal. Porém, na fattispecie, além de não ser possível se afirmar ao certo se houve ou não transmissão da propriedade do imóvel aos cedentes, em vista de possíveis classes sucessórias anteriores, os autores não mais se encontram nem mesmo na posse do imóvel.
5. Em suma, por qualquer ângulo que se analise a questão a sentença se mostra correta, pois inviável a extinção do condomínio. Nego provimento ao recurso. FRANCISCO LOUREIRO Relator
DECISÃO JURISDICIONAL
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LOCAÇÃO DE IMÓVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE IMÓVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS PELOS VENDEDORES. ALEGAÇÃO DE DISTRATO E DE DEVOLUÇÃO DA POSSE PELA ADQUIRENTE. VENDA E COMPRA FIRMADA POR ESCRITURA PÚBLICA E DISTRATO POR INSTRUMENTO PARTICULAR. NÃO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. ARTIGOS 108 E 472 DO CC. POSSE ILEGÍTIMA DOS EMBARGANTES. PROVA TESTEMUNHAL. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. A VENDA DE IMÓVEL POR MEIO DE ESCRITURA PÚBLICA, EM OBEDIÊNCIA AO ART. 108 DO CC, ENSEJA QUE O DISTRATO SIGA A MESMA FORMA (ART. 472 DO CC), SENDO QUE A MERA ASSINATURA DE INSTRUMENTO PARTICULAR, AINDA MAIS SEM QUALQUER CANCELAMENTO DA AVERBAÇÃO DA VENDA NO REGISTRO IMOBILIÁRIO, NÃO TEM O CONDÃO DE DESFAZER O NEGÓCIO, INCLUSIVE, QUANTO À TRANSMISSÃO DA POSSE À ADQUIRENTE. RETOMADA DA POSSE PELOS VENDEDORES-EMBARGANTES QUE SE MOSTRA ILEGÍTIMA, O QUE ENSEJA A IMPROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. SE O DISTRATO SOMENTE PODERIA SER FEITO POR MEIO DE ESCRITURA PÚBLICA, A PROVA TESTEMUNHAL MOSTRA-SE IRRELEVANTE PARA DEMONSTRAÇÃO DE TAL FATO, PELO QUE NÃO SE HÁ DE FALAR EM CERCEAMENTO DE DEFESA. RECURSO DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n.º 001247379.2012.8.26.0072, da Comarca de Bebedouro, em que são apelantes FRANCISCO AMADO TRINDADE SANTANA e SIRLEI APARECIDA DOS SANTOS SANTANA, é apelado IRACEMA DIRCE MARTINS, ACORDAM, em 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ARTUR MARQUES (Presidente sem voto), MORAIS PUCCI E FLAVIO ABRAMOVICI. São Paulo, 12 de setembro de 2016. Gilberto Leme RELATOR
Apelação n.º 0012473-79.2012.8.26.0072 Comarca: Bebedouro Apelantes: Francisco Amado Trindade Santana; Sirlei Aparecida dos Santos Santana Apelada: Iracema Dirce Martins Juíza sentenciante: Vanessa Aparecida Periera Barbosa LOCAÇÃO DE IMÓVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE IMÓVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS PELOS VENDEDORES. ALEGAÇÃO DE DISTRATO E DE DEVOLUÇÃO DA POSSE PELA ADQUIRENTE. VENDA E COMPRA FIRMADA POR ESCRITURA PÚBLICA E DISTRATO POR INSTRUMENTO PARTICULAR. NÃO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. ARTIGOS 108 E 472 DO CC. POSSE ILEGÍTIMA DOS EMBARGANTES. PROVA TESTEMUNHAL. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. A venda de imóvel por meio de escritura pública, em obediência ao art. 108 do CC, enseja que o distrato siga a mesma forma (art. 472 do CC), sendo que a mera assinatura de instrumento particular, ainda mais sem qualquer cancelamento da averbação da venda no registro imobiliário, não tem o condão de desfazer o negócio, inclusive, quanto à transmissão da posse à adquirente. Retomada da posse pelos vendedores-embargantes que se mostra ilegítima, o que enseja a improcedência dos embargos de terceiro. Se o distrato somente poderia ser feito por meio de escritura pública, a prova testemunhal mostra-se irrelevante para demonstração de tal fato, pelo que não se há de falar em cerceamento de defesa. Recurso desprovido. VOTO N.º 17.445 Trata-se de recurso de apelação interposto à r. sentença de fls. 227/229 que rejeitou os embargos de terceiro, condenando os embargantes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que foram fixados em 10% do valor atualizado da causa, determinando-se o prosseguimento da execução. Apelam os embargantes, alegando que houve cerceamento de defesa, tendo em vista que pretendiam a oitiva de testemunhas para demonstrar a rescisão da venda e compra do imóvel, bem como sua boa-fé contratual. No mérito, argumentam que a venda e compra do imóvel penhorado foi desfeita em data anterior ao início da execução, sendo irrelevante a forma em que foi firmada. Recurso tempestivo, preparado e respondido. É o relatório. Infere-se do processado que a embargada Iracema Dirce Martins locou à Marfisa de Ricardo Rabello o imóvel localizado na Rua Visconde do Rio Branco n.º 821, na cidade de Bebedouro/SP, para fins residenciais, tendo os coexecutados Marilandy Ricardo Rabello e Sérgio Pereira figurado como fiadores. Alegando inadimplemento dos aluguéis vencidos a partir de 5.7.2011 e de outros encargos locativos, a locadora ajuizou, contra a locatária e os fiadores, execução de título extrajudicial (processo n.º 072.01.2011.009938-9000000-000). ARISP JUS 43
Sem o pagamento do débito, houve a penhora do imóvel de propriedade da coexecutada Marilandy Ricardo Rabello, situado na Rua Domingues Madeira n.º 32, na cidade de Bebedouro/SP, inscrito na matrícula n.º 25004, junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Bebedouro, o que foi reduzido a termo em 4.5.2012 (fl. 51 dos autos da execução). Diante disso, os embargantes opuseram os presentes embargos de terceiro, alegando que, embora conste da matrícula do imóvel a venda por eles realizada à co-executada Marilandy Ricardo Rabello, o negócio foi desfeito em 14.12.2010, ou seja, muito antes do ajuizamento da execução de título extrajudicial em 20.9.2011, pelo que pretende a liberação da penhora. Pois bem. Prescreve o art. 1.245 do Código Civil: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (caput). Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (§ 1.º). Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel (§ 2.º).” Infere-se do aludido dispositivo que, como nos atos inter-vivos somente se adquire a propriedade com o registro do título de transferência no registro de imóveis, enquanto não se der tal registro, continua o alienante como dono do imóvel, o mesmo ocorrendo em relação ao adquirente que, uma vez registrado como titular do domínio, somente perde tal qualidade com o cancelamento do aludido registro. É exatamente o caso dos autos em que os embargantes firmaram com a coexecutada Marilandy escritura pública de venda e compra do imóvel em questão em 28.5.2010 (fls. 20/21v.º), o que foi devidamente averbado no registro imobiliário em 2.6.2010 (fl. 15), pelo que passou ela a figurar como titular do imóvel. Note-se que a execução de título extrajudicial foi ajuizada em 20.9.2011 e a penhora realizada em 4.5.2012, sendo que nenhum cancelamento do registro da aquisição do imóvel pela coexecutada tenha sido anotado na matrícula do imóvel. Aliás, os próprios embargantes confirmam que tal anotação não foi feita, mesmo porque procederam à rescisão da venda e compra por instrumento particular justamente por falta de recursos para arcar com tais formalidades. Dessa forma, nos termos do § 2.º do art. 1.245 do CC, sem que tenha havido o cancelamento do registro da aquisição do imóvel, a adquirente, ora coexecutada, continua a ser havida como proprietária do bem. Não se ignora que, conforme preceitua o art. 1.046 do CPC/1973, aplicável ao caso, para caracterizar o direito defendido por meio de embargos de terceiro, não é preciso que fique comprovada a propriedade do bem, sendo possível a defesa do mero possuidor. No entanto, de se ressaltar que é imprescindível a legitimidade da posse defendida, o que não se infere no caso dos autos, tendo em vista que, uma vez transmitida a posse do bem à coexecutada em decorrência da venda do imóvel (fl. 20v.º), somente o distrato do negócio ensejaria a retomada da posse de forma legítima pelos embargantes, o que não se infere no caso dos autos.
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Isso porque, conforme bem observado pela Magistrada a quo, “o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato” (art. 472 do CC), que, no caso dos autos, exigia a escritura pública, tal como procederam as partes quando firmaram a venda e compra, seguindo os termos do art. 108 do Código Civil que preceitua: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país”. Assim, verificando-se a irregularidade do distrato firmado entre as partes por meio de instrumento particular , continua a coexecutada como legítima proprietária do imóvel, sendo que a retomada da posse pelos embargantes mostrou-se mesmo precária, pelo que de rigor o reconhecimento da improcedência dos embargos de terceiro por eles opostos. Por fim, de se consignar que, exigindo a lei a escritura pública para a efetivação do distrato, a oitiva de testemunha para confirmar tal ato mostra-se irrelevante, pelo que o julgamento antecipado da lide não ensejou cerceamento de defesa. Pelo meu voto, pois, nego provimento ao recurso. GILBERTO LEME Relator
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Ano II
No 9
Janeiro/2017
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