ARISP JUS #15

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Ano II

No 15

Julho/2017

Informativo jurídico especializado

ENTREVISTA Frederico Assad

O senhor entende ser viável o registro dos chamados “condomínio de lotes” ou dos “loteamentos fechados”? É possível apontar as principais distinções entre um instituto e o outro? Não tenho dúvidas de que a existência de condomínios horizontais de lotes ou mesmo condomínios urbanísticos (loteamentos fechados), sob a ótica conceitual do urbanismo1, não é positiva para o desenvolvimento e qualidade de vida nos espaços urbanos. Todavia, não é razoável que se ignore uma realidade que se coloca às claras e que decorre do aumento da violência urbana em todo o Brasil, causada, dentre outros fatores, da própria 1 Conforme precisa definição de José Afonso da Silva: “o urbanismo objetiva a organização dos espaços habitáveis visando à realização da qualidade de vida humana”, in Direito Urbanístico Brasileiro, 7ª Edição, pg. 31, Editora Malheiros, São Paulo.

omissão do Poder Público. Primeiramente, aqueles em melhor situação econômico-social e, posteriormente, a própria classe média, passaram nas últimas décadas a procurar a segurança (relativa) dos espaços fechados e monitorados. Essa sensação de segurança dos “guetos voluntários” tem um poder de atração irresistível às pessoas e é elemento que tem sido utilizado como meio de promoção do mercado imobiliário. Os condomínios horizontais são aqueles realizados em conformidade com o artigo 8º, “a” da Lei 4.591/642 , havendo para estes, no entanto, a necessária vinculação entre a fração ideal do terreno e a construção, com especificação das áreas de uso comum e de uso exclusivo. Esta é uma figura já referendada pelo sistema jurídico, cujo registro segue as regras da lei de incorporações. O arruamento e áreas livres permanecem como áreas de uso comum de propriedade dos condôminos. Os loteamentos fechados, por seu turno, são aqueles realizados nos moldes da Lei 6.766/79 com abertura, prolongamento, modificação ou ampliação de vias de circulação e um elemento a mais, a autorização para fechamento emitido pela municipalidade com base em legislação municipal prévia. Nesta modalidade, ao contrário do condomínio horizontal, as áreas livres e o arruamento passam para o domínio público que, por meio de concessão ou permissão transfere o direito de uso e dever de manutenção para os proprietários dos lotes. As duas modalidades de parcelamento do solo, “condomínios horizontais” e loteamentos fechados (ou condomínios urbanísticos), já são institutos bem conhecidos e aceitos pelo sistema jurídico, a despeito de opiniões abalizadas que os rejeitam, havendo poucas dúvidas acerca da possibilidade de ingresso no Registro 2 Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte: a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e, também, aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades; ARISP JUS 1


de Imóveis. A grande polêmica, no entanto, gira em torno do “condomínio de lotes”, assim denominado por ser um condomínio horizontal, em que não há vinculação no memorial de incorporação entre a fração ideal do terreno e construção. Com efeito, nessa modalidade de parcelamento de solo, há a partição da gleba em lotes e a eventual abertura de vias não transferidas para o município. Sobre loteamentos fechados e condomínios de lotes, o STF, em recente decisão, reafirmou a competência legislativa dos municípios para regulamentar tais modalidades de parcelamento de solo. Conforme acórdão proferido no RE 607940/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, foi aprovado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, por deliberação majoritária, tese com repercussão geral no sentido de que “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”. Ainda consta do referido acórdão que “é legítima, sob o aspecto formal e material, a Lei Complementar Distrital 710/2005, que dispôs sobre uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados” A análise detalhada da legislação distrital ratificada pelo referido acórdão do STF, que cria os Projetos Urbanísticos com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas – PDEU” permite a clara conclusão de que se trata de regramento destinado à implantação de condomínios de lotes. Não obstante, conforme o atual posicionamento do órgão sensório do Estado de São Paulo, não é possível o registro de parcelamento de solo na modalidade de “condomínio de lotes”, seja de lotes não edificados, sejam aqueles em que há tentativa de burla à necessária vinculação, com a inclusão de construções desproporcionais ao tamanho do terreno, vulgarmente conhecidos como “casinhas de cachorro”, conforme as balizas estabelecidas pela E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, reiteradas no processo CG 141.294/2014. 2

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Penso que o tema merece uma nova reflexão, não só por conta da decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal, mas, também, pela constatação de que o modelo já é uma realidade e está amplamente presente nas cidades, até pelas razões já ventiladas acima. Assim, a impossibilidade da regularização, ao invés de impedir o surgimento de novos condomínios, provoca a irregularidade do que já existe e ainda vai existir. Da forma como se encontra, há os condomínios já registrados irregularmente e os condomínios em que não se consegue a averbação de construções e, consequentemente, a obtenção de financiamento, uma vez que, para que as obras possam ser regularizadas, os condôminos encontram uma barreira por vezes intransponível, que é a anuência da totalidade dos titulares de frações ideais para fins de averbação da construção, prevista no artigo 43, IV, da Lei nº 4.591/1964. No contexto da regularização fundiária, o senhor entende que o registro da imissão provisória na posse substitui a desapropriação? Isto é, com exceção do título de legitimação de posse, de que outra forma poderá o ente público imitido provisoriamente na posse alienar a propriedade do imóvel regularizado? A imissão provisória na posse se dá com a declaração de urgência pelo Poder Público e depósito prévio do valor estimado para fins de indenização autorizado judicialmente. A alteração do artigo 167, I, 36 da Lei de Registros Públicos trazida pela Lei 12.424/2011 ampliou as hipóteses autorizadas de registro, antes limitada à execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda. Com efeito, é instituto que se vincula de forma indelével à desapropriação, cujo ingresso no fólio real lhe confere a potência da oponibilidade erga omnes, dado o aspecto publicístico do Registro de Imóveis. A despeito das críticas ao instrumento, sendo das mais abalizadas a da Professora Maria Sylvia Di Pietro, que afirma que há quebra da regra constitucional de indenização prévia e justa ao expropriado, penso que a imissão provisória na posse e o seu registro dão efetividade para a regularização fundiária, na medida em que permite que se dê urgência na regularização de assentamentos em que há


pessoas em situação de risco e na adoção de instrumentos que fomentam a presença efetiva do Estado. Acho que devemos voltar os olhos para o instituto especificamente para os casos de regularização fundiária de interesse social. Com efeito, o título de legitimação da posse, nos casos em que há a intervenção do Estado na propriedade privada para que esta cumpra a sua função social, é o título primário a ser outorgado aos ocupantes em situação de risco social e, após cinco anos, poderá ser convertida em propriedade plena (Art. 23 da MP 759/2017). Todavia, não há impedimento para a transmissão direta da propriedade aos ocupantes no âmbito da regularização fundiária, uma vez já instrumentalizada a desapropriação despindo-se do caráter provisório da imissão provisória, inclusive com a utilização do instrumento da legitimação fundiária (Art. 21 da MP 759/2017). Não se trata de matéria nova, eis que já prevista na Lei 6.766/79, art. 18, §4º e 5º desde 1999. O senhor considera a atual estrutura de informática, desenvolvida pelas diversas Centrais de Serviços de Registro de Imóveis Eletrônico, suficiente para atender às exigências do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico previsto na MP 759 ou do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – Sinter, criado pelo Decreto 8.764/16? Inicialmente, gostaria de pontuar que, em minha opinião, neste nosso mundo “pós-moderno” a utilização da tecnologia nas atividades humanas é aspecto essencial e elemento que traduz a busca por parte da sociedade da eficácia em todos os aspectos. Essa busca pela eficácia não é positiva de forma absoluta. Ela traduz imensas oportunidades, mas também contém um aspecto de desumanização preocupante. Vide as profissões substituídas por algoritmos. O desafio, ao menos para o Registro de Imóveis, é de que seja mantido o aspecto antropológico essencial da atividade, que é a qualificação registral, o “juízo prudencial” exercido pelo registrador sobre o título que representa um fato ou ato jurídico, que lhe é apresentado, e sobre o qual será dado o veredito sobre sua registrabilidabilidade ou não. Trazida esta primeira consideração, não podem ser

ignoradas as realizações das centrais de serviços compartilhados, com destaque para o pioneirismo da ARISP, que já na década de 90 trilhava os primeiros passos para a integração, primeiramente das unidades de serviço registral da Capital, posteriormente, todas as unidades do Estado de São Paulo. Merecem também destaque as centrais do Distrito Federal, Mato Grosso e Minas Gerais que alcançaram um razoável estágio de maturidade. Em tese, todas possuem a técnica necessária para atingir os objetivos contidos na Lei 11.977/2009. Todavia, no cadinho de normas que rege o registro eletrônico, não pode ser ignorado o provimento 47/2015 da Corregedoria Nacional da Justiça que estabeleceu as diretrizes gerais do registro eletrônico e, dentre outras considerações, estabeleceu que a prestação de serviços eletrônicos se desse de modo descentralizado por meio das centrais estaduais de serviços compartilhados. Dentre outros, o objetivo do referido provimento foi a universalização do acesso ao tráfego eletrônico de dados e títulos, além do estabelecimento de padrões de interoperabilidade para a integração do sistema de registro eletrônico de imóveis do país. Apartada a discussão sobre se foi ou não adotada a visão mais adequada para o registro eletrônico e, pessoalmente, acho que seria mais adequada uma central unificada, o modelo de centrais estaduais foi o escolhido quando da regulamentação e, desta forma, deve ser seguido. Hoje a arquitetura dos diferentes sistemas permite apenas a troca marginal de informações, sem integração, sem a interoperabilidade prevista no próprio provimento entre as diferentes centrais que poderia traduzir a máxima eficiência possível dos sistemas instalados. O trânsito de requisições envolvendo diferentes entidades exige o estabelecimento de especificações técnicas a serem seguidas pelas partes envolvidas, a fim de garantir a segurança do processo e a interoperabilidade dos dados entre as diferentes partes interessadas. Houve a tentativa, dentro de um contexto de autorregulamentação da atividade registral, para que se construísse uma coordenação entre as centrais como órgão interno do Instituto de Registro Imobiliário - IRIB, que foi a Coordenação Nacional das Centrais de Serviços Compartilhados, projeto aparentemente descontinuaARISP JUS 3


do no qual, de comum acordo, todas as centrais teriam assento de direito de manifestação. O contexto atual permite dizer que, sob o aspecto técnico, as centrais estão prontas para o atendimento das necessidades da sociedade e do Poder Público. Existem, no entanto, algumas nuvens no horizonte, que da, desde a ausência da uniformidade no tratamento da segurança dos dados entre centrais, à tentativa de captação do serviço por empresas privadas com finalidade econômica. Cumpre exclusivamente aos registadores tornar concreto, e em todo o Brasil, o comando do legislador. Uma vez que a regulamentação pelo Poder Judiciário criou a figura das centrais de serviços compartilhados, conforme o provimento 47 mencionado, cabe a estas tirar do mundo das ideias um registro exclusivamente eletrônico, até mesmo dando o próximo passo, que é a matrícula exclusivamente eletrônica. Já existem estudos sobre o tema na forma de trabalho apresentado ao Conselho Nacional de Justiça pelo Laboratório de Sistemas Integrados Tecnológico LSi-TEC, conforme contrato CNJ 01/2011, que deveria ser avaliado. Muito se fala sobre a ferramenta “blockchain” e da sua utilidade no incremento de segurança ao sistema de registro de imóveis eletrônico. O senhor entende possível aplicar essa ferramenta dentro da estrutura informatizada hoje em funcionamento ou se trata de ferramenta disruptiva? As pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre o que é o blockchain. De forma bem grosseira, é um banco de dados distribuído utilizado para manter de forma contínua registros, chamados blocos, de forma semelhante a um livro razão contábil. Sua característica mais marcante é a potencial segurança da informação contida nos blocos e na cadeia de transações, uma vez que os dados são distribuídos por diferentes “nós” da rede e eventual tentativa de fraude ou destruição da informação a tornaria inválida em relação às demais cópias distribuídas. Conforme importantes pensadores dos efeitos da tecnologia na sociedade, o blockchain tem potencial para ser o motor da nova revolução tecnológica, do mesmo modo que a internet em meados da década 4

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de 90. Com sérios riscos de estarem completamente errados, concordo com tal visão, mas acho que a tecnologia ainda demanda tempo para sua maturação. Para o sistema brasileiro de registro de imóveis ainda é ferramenta que pede o desenvolvimento de aplicações práticas, estando a dificuldade exatamente na característica da atividade registral de ser particular no exercício dos serviço público, ou seja, cada registrador é guardião exclusivo das informações que estão em seu poder. Não há, nos moldes atuais, como se pensar em um banco de dados compartilhado para todos os cartórios. Para que fosse possível a aplicação do blockchain para o registro de imóveis deveria se pensar em replicação recíproca dos dados em cada cartório. Aí seria possível pensar em segurança e inviolabilidade da informação. Os cartórios seriam nós da rede, com cópia dos dados criptografados de cada cartório. Mas aí, vem a pergunta, seria viável, até sobre o aspecto econômico? Ou poderia ser um meio de potencializar o serviço, dando a este capilaridade e poder computacional? Só no Estado de São Paulo seriam mais de 300 nós da rede. Acho, no entanto, que é uma tecnologia que não pode ser subestimada dado o seu potencial de renovar as relações jurídicas com ausência de um terceiro garantidor. Como o senhor interpretou o Provimento CG 19/2017, que estabeleceu novas regras para a contagem dos prazos dos serviços nos Registros de Imóveis? O referido provimento respondeu à dúvida corrente de notários e registradores sobre a aplicação dos artigos 15 e 219 do novo Código de Processo Civil, que alterou a forma de contagem dos prazos processuais. Esta é a norma posta e que deve se seguida. Com efeito, aplicam-se a todos os prazos, processuais ou de direito material, contagem sob a forma de dias corridos, conforme as razões trazidas à baila no Parecer 137/2017-E. Pessoalmente, concordo que o prazo previsto na lei de registros públicos deve ser contato em dias corridos, uma vez que a interpretação dos artigos 15 e 219 do novo CPC expressamente consigna que a contagem de prazo sob a forma de dias corridos é exclusiva aos processos judiciais, salvo omissão da lei, caso em que o


novo CPC deverá ser aplicado subsidiariamente. E a lei de registros públicos adotou o método de contagem em dias corridos, ainda na realidade de 1973, não havendo, portanto, a omissão necessária para aplicação dos mencionados dispositivos legais. No entanto, um ponto que merece reavaliação por parte da E. CGJ do referido parecer é o que adotou o entendimento de que os prazos estabelecidos pelas normas de serviço, inferiores aos legais, tais como aqueles dos itens 43 (dez dias para qualificação e registro) e 43.1 (cinco dias para documentos eletrônicos estruturados). Para a contagem de tais prazos é razoável que se utilizem dias úteis por duas importantes razões: em primeiro lugar, porque são inferiores aos estabelecidos na lei de regência dos registros públicos e, em segundo lugar, por tornar inviável o processo de registro nas unidades de serviço de pequeno porte. Para uma grande unidade, talvez, seja mais simples a estruturação dos processos internos para o atendimento (com dificuldade, ressalte-se) de tais prazos em dias corridos, mas e o pequeno cartório com dois ou três funcionários? A assimetria entre as unidades ainda é grande. Há que se considerar ainda que o elemento central do registro é o juízo de prudência. A busca contínua pelo meio mais eficiente para a realização das atividades é característica da sociedade técnica que estamos inseridos, mas seus efeitos têm que ser avaliados com cuidado para que se obvie a desconstrução do humano.

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A POSSIBILIDADE DE DESDOBRO DA MATRÍCULA IMOBILIÁRIA EM DESRESPEITO À RESTRIÇÃO CONVENCIONAL.

que iluminam simultaneamente os vizinhos internos (= coletividade menor) e os externos (= coletividade maior), de hoje como do amanhã. As restrições urbanísticoambientais, ao denotarem, a um só tempo, interesse público e interesse privado, atrelados simbioticamente, incorporam uma natureza propter rem no que se refere à sua relação com o imóvel e aos seus efeitos sobre os nãocontratantes, uma verdadeira estipulação em favor de terceiros (individual e coletivamente falando), sem que os proprietários-sucessores e o próprio empreendedor imobiliário original percam o poder e a legitimidade de fazer respeitá-las. (STJ, Resp. 302906 / SP, 2ª T., Min. HERMAN BENJAMIN, 26/08/2010)

A tensão jurídica existente entre a perpetuação da restrição convencional no tempo e as novas realidades fáticas do imóvel, da legislação municipal e da efetivação dos próprios direitos e garantias fundamentais entabulados na Constituição Federal merecem apreciação verticalizada sobre a questão.

Por Alberto Gentil de Almeida Pedroso INTRODUÇÃO O objetivo do artigo é provocar a reflexão sobre a viabilidade do desdobro da matrícula imobiliária em face das restrições convencionais impostas pelo loteador no momento da instituição e registro do empreendimento – em especial no tocante a metragem mínima do lote. De maneira geral, a imposição de restrição convencional objetiva “resguardar a qualidade urbanística do loteamento e garantir ao adquirente e aos demais proprietários de lotes o padrão do local e as características do empreendimento” (Proc. CGJ/SP n° 29/2006). As restrições urbanístico-ambientais convencionais conformam genuína índole pública, o que lhes confere caráter privado apenas no nome, porquanto não se deve vê-las, de maneira reducionista, tão-só pela ótica do loteador, dos compradores originais, dos contratantes posteriores e dos que venham a ser lindeiros ou vizinhos. O interesse público nas restrições urbanístico-ambientais em loteamentos decorre do conteúdo dos ônus enumerados, mas igualmente do licenciamento do empreendimento pela própria Administração e da extensão de seus efeitos, 6

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A análise proposta é exatamente sobre o caráter absolutista da limitação unilateral imposta pelo loteador à época da constituição do empreendimento frente à evolução do mundo, mais precisamente em relação à exigência mínima de metragem do lote. Não descartada a importância do prestígio ao sistema urbanístico idealizado pelo loteador à época da constituição do loteamento é indispensável que o Registro de Imóveis espelhe a situação fática dos imóveis pertencentes a sua circunscrição imobiliária. 1. A PROPRIEDADE RESIDENCIAL URBANA COMO DIREITO FUNDAMENTAL A Constituição Federal de 1988 (CF/88) traz no artigo 5º, caput¸ o instituto da propriedade – em sentido amplo – como Direito Fundamental1 e no artigo 6º, afirma que a moradia é um Direito Social, nestes termos, é de se considerar que a propriedade imóvel encontra-se centrada no ordenamento jurídico e, portanto, dotada de valor inexorável quando atende a sua função social. 1 Nos incisos XXII, XXIII, XXIV, XXV e XXVI do artigo 5º da CF/88 o tema é tratado com maior minudência.


O direito de propriedade remonta aos tempos remotos do mundo e passa por uma ponderação valorativa de cunho religioso conforme dispõe Fustel de Coulanges na obra “A Cidade Antiga”; é difícil precisar quando a propriedade imóvel passou a ser considerada de domínio privado, pois, nos primórdios, a concepção imobiliária era coletiva; não obstante, alguns documentos apontam para o imóvel privado já na Lei das XII Tábuas. Àquela época a propriedade era posta como intrinsecamente relacionada aos deuses lares que, segundo o autor, protegiam a família dos males que a vida comum expunha e, portanto, funcionava como garantia da vida digna. (COULANGES, 2005, pp, 65-77). Na concepção do Direito Canônico o homem está legitimado a adquirir bens, pois a propriedade privada é a garantia de liberdade individual. Neste contexto, ainda segundo São Tomas de Aquino, a propriedade é imanente à própria natureza humana, ainda que, deva fazer justo uso dela. (CÂMARA, 1981, p. 79). Nos tempos atuais a propriedade não apresenta valor sacro, especificamente em nosso ordenamento jurídico, ante a opção laica do Estado e o fato deste direito não estar dotado de caráter absoluto, como, por exemplo, na hipótese constitucional da perda da propriedade pela desapropriação - art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal. Não obstante, este direito ainda goza de fundamental importância na estruturação da sociedade atual. Embora a propriedade adormeça sob o manto de proteção da denominada primeira geração de direitos, qual seja: liberdades públicas2, também possui íntima relação com os direitos de prestação positiva, relacionados à segunda geração de direitos fundamentais.3 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins ao falarem desta 2 Robert Alexy as classifica como um direito de ação negativa do Estado considerando que este grupo: “está constituido por los derechos a que el Estado no afecte determinadas propiedades o situaciones del titular del derecho”. (ALEXY, 1993, pp. 191-192). 3 Cumpre ressaltar que a classificação de direitos fundamentais em gerações encontra-se pautada em fatores históricos e cronológicos. (MORAIS, 2006, pp. 26-27).

classe de direitos sociais “STATUS POSITIVUS” pontuam que o fundamento axiológico deste tipo de prestação material por parte do estado está pautado na melhoria de vida da população. (DIMOULIS, MARTINS, 2011, p. 60). Importante ressaltar que a titularidade do direito a propriedade depende do registro nos termos da Lei Civil. Porém, sua finalidade precípua, qual seja, a moradia, guindada a categoria de direito social na Constituição Federal, não traz em seu bojo uma indicação de titularidade, pois conforme o artigo 6º, do texto constitucional, os titulares são todos aqueles que necessitam de prestações relacionadas à educação, à saúde, à moradia e outras. (DIMOULIS, MARTINS, 2010, p. 85). Destarte, conforme previsão dentre os direitos fundamentais individuais e coletivos, a propriedade se consubstância em uma fundamental conquista do ser humano, pois ali o indivíduo estabelece sua moradia e protege sua família das intercorrências da vida cotidiana e, não obstante, o fato de ser condicionada pelo próprio texto Constitucional ao cumprimento da sua função social, corresponde a um dos maiores direitos conquistados pela humanidade 4. A questão da função social deve ser entendida como um condicionante para todos, inclusive para o próprio Estado que deve pautar suas políticas públicas, também, nestes valores sociais. 2. O DESDOBRO COMO CONCRETIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE A aquisição de um imóvel confere ao adquirente à propriedade do bem, mas não lhe dá o direito absoluto de dele dispor e usar de maneira irresponsável. O Estado reconhece como direito fundamental a propriedade, mas adverte sobre o exercício responsável 4 Neste sentido segue o artigo XVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos. ARISP JUS 7


– função social – art. 5º, XXIII da Constituição Federal. A função social surge com a concepção de que, no seio social, o homem deve engendrar esforços para contribuir com o bem estar da coletividade. Trata-se de instrumento realizador das finalidades de bem estar dos habitantes das cidades5 . Vale anotar que àquele que pretende instituir um loteamento urbano em sua gleba de terra deve observar as formalidades legais estabelecidas na Lei 6.766/79, bem como as exigências locais do Município. A imposição de restrições convencionais pelo loteador idealizador no momento da criação do loteamento com a finalidade de resguardar a qualidade urbanística do local e garantir ao adquirente e aos demais proprietários de lotes o padrão e as características do empreendimento é devida, e ao seu tempo, prestigia a função social da propriedade. Todavia, é discutível, à luz do dinamismo da função social da propriedade, a perpetuação no tempo das exigências de cumprimento das restrições unilateralmente previstas quando a fisionomia do loteamento não é mais aquela idealizada pelo loteador ou quando o Município, pautado no interesse social, estabelece Lei local mais flexível. O instituto da função social da propriedade é dinâmico, acompanha a evolução do mundo e os anseios mutantes da sociedade. O pedido de desdobro de lote, em contrariedade as restrições convencionais – metragem mínima de lote – sem dúvida afronta à disposição unilateral do loteador, mas, por vezes, contextualizado em seu tempo, atende de maneira mais efetiva a noção de finalidade social e interesse público.

5 “Quanto à função social da propriedade urbana, deve o Poder Público chegar ao maior equilíbrio possível entre o interesse do proprietário e o da coletividade. [...] Com efeito, pelo uso da propriedade procura-se fazer justiça social, contribuindo para o desenvolvimento e planejamento urbano”. (FLORES; SANTOS, 2002, p. 15). 8

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3. O DESDOBRO DA MATRÍCULA DE IMÓVEL E AS RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS DE METRAGEM MÍNIMA DO LOTE Desdobro é a subdivisão de lote sem alteração de sua natureza, desde que permitida por Legislação Municipal. O pedido de desdobro da matrícula de lote urbano é pleito possível e que ileso de afronta às limitações convencionais e legais não comporta qualquer complexidade jurídica. O problema reside na solicitação do proprietário do bem imóvel de desdobro da matrícula imobiliária em contrariedade as restrições convencionais de metragem mínima do lote. O Professor Antonio Junqueira de Azevedo questionar se este tipo de obrigação, imposta unilateralmente pelo loteador, é eterna (AZEVEDO, 1997, p. 814). É de rigor a indagação sobre a prevalência no loteamento da imposição estática da restrição unilateralmente estabelecida pelo loteador em face da descaracterização urbanística da localidade. Sem embargos de posição, em sentido contrário, mostra-se descabido o apego à limitação convencional em contrariedade à Lei Municipal superveniente autorizadora do desdobro imobiliário. Se o Município reconhece, em benefício do interesse da coletividade, que o melhor para a função social da propriedade é legitimar o fracionamento físico dos lotes, não se sustenta a perpetuação das imposições convencionais levadas à registro. Idêntico raciocínio deve ser desenvolvido na hipótese de descaracterização física do loteamento idealizado pelo loteador.


Em muitos casos o tempo, acrescido à omissão do loteador e também do Poder Público, – na fiscalização dos planos de urbanização moldados para cada loteamento – e mais a ação do indivíduo – na busca de melhor atender seus anseios de otimização do bem imóvel – corroeram as características de urbanização originariamente previstas. Diante do quadro de desdobro fático (divisão de lotes consolidados) – com moradias individuais devidamente muradas há décadas e regularizadas junto a Prefeitura local – é frágil sustentar a prevalência da limitação convencional a todo custo.

À luz do dinamismo da função social da propriedade, mostra-se desajustada a perpetuação no tempo das exigências de cumprimento das restrições unilateralmente previstas pelo loteador (metragem mínima do lote), em especial, quando a fisionomia do loteamento não é mais aquela idealizada ou quando o Município, pautado no interesse social, estabelece Lei local favorável ao desdobro. No caso, marginalizar o desdobro da matrícula no Registro de Imóveis com fundamento em restrição convencional ineficaz é impor à sociedade profundo descompasso entre a realidade e o fólio real.

O Registro de Imóveis deve espelhar a realidade posta do lote. A recusa do desdobro imobiliário, no caso em análise, provocará significativo abismo entre o fólio real e a realidade, em desprestigio à sociedade, e, em última análise, ao principio da especialidade objetiva – impondo ao interessado se socorrer da usucapião judicial ou extrajudicial para alcançar o mesmo objetivo.

Se loteador, Poder Público e a sociedade de maneira geral foram negligentes com a preservação e mantença das características urbanística do loteamento instalado, entendo desarrazoado a observância perpetua de restrições convencionais ineficazes na prática apenas no Registro de Imóveis, contrariando em última análise o próprio princípio da especialidade objetiva.

Nesse sentido, já se posicionou a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, no processo n.º 2012/00108697: Recurso – Averbação – Desmembramento de lote – Cláusula impeditiva prevista em memorial descritivo do empreendimento – Inserção pelo Loteador – Afastamento da limitação convencional para análise das condições e peculiaridades do caso em concreto – Efeitos urbanísticos - Observância da função social da propriedade - Decisão mantida – Recurso não provido.

Por fim, saliento que obstado o desdobro de matrícula por afronta a metragem mínima do lote, em apego a restrições convencionais ineficazes, o que se estará fazendo na prática é apenas dificultando o óbvio caminho do ingresso de tal realidade no fólio real, providência que será seguramente alcançada pelo interessado, após o preenchimento dos requisitos legais, pela ação judicial de usucapião ou procedimento administrativo de usucapião.

CONCLUSÃO A ideia sustentada não é afastar de maneira irrestrita a força normativa das cláusulas convencionais, de maneira geral, em situação de normalidade. A proposta é compreender que a restrição unilateral não se eterniza através dos tempos quando desamparado de efetiva aplicação continuada.

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INGRESSO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS: CLÁUSULA DE VIGÊNCIA, DIREITO DE PREFERÊNCIA E CAUÇÃO

Por Arthur Zeger Ao longo deste artigo trataremos da relação possível entre o contrato de locação de imóvel com o registro de imóveis, apresentando as relações perceptíveis entre a Lei de Locações (8.245/91) e a Lei de Registros Públicos (6.015/73), atentando, ainda, aos precedentes jurisprudenciais verificados nas disciplinas a serem abordadas. Basicamente, o contrato de locação de imóveis adentrará ao registro de imóveis em três situações distintas: para a observância por terceiros, da cláusula de vigência, para a garantia, ao locatário, do direito de preferência caso o imóvel alugado venha a ser alienado no curso da locação e para dar a ciência, erga omnes, acerca de eventual oferta do imóvel como garantia (caução) em contratos de locação. Cada uma dessas situações será adiante retratada. Antes de iniciar o estudo das situações acima destacadas, faz-se necessário observar que nem todo imóvel pode ser objeto de contrato de locação e, dessa forma, necessário se faz delimitar quais imóveis podem figurar nesse tipo contratual.

A Lei de Locações aplica-se única e exclusivamente aos imóveis urbanos. Portanto, será apenas essa qualidade de imóvel (urbano) que permitirá registros e/ou averbações no registro de imóveis observado que as modalidades de locação, a seguir descritas, continuam a ser regidas pelo Código Civil: de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas; de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos; de espaços destinados à publicidade; e em apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar. Grande dúvida por surgir na caracterização do imóvel como urbano ou rural na medida em que há um aparente conflito normativo a respeito. Seria urbano o imóvel localizado em região urbana (ainda que utilizado para fins agropecuários) ou seria urbano o imóvel que, mesmo localizado em zona rural, é empregado para fins não agropecuários? Verificam-se, então, pelo menos duas classificações para os imóveis como urbanos ou rurais: pela localização e pela destinação e ambas situações encontram amparo em lei. A perfeita diferenciação dos imóveis urbanos dos rurais demonstra, ainda, relevante motivação para fins de determinação de incidência de tributos (ITR ou IPTU), submissão às normas de usucapião urbano ou rural, sujeição a iniciativas governamentais de reforma agrária e, por fim, sujeição à Lei de Locações ou ao Estatuto da Terra com as consequências que veremos na Lei de Registros Públicos. O critério “localização” é adotado pela legislação tributária para determinar se o imóvel é urbano ou rural para fins de sua sujeição ao Imposto Territorial Rural – ITR ou ao Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU. O parágrafo Código Tributário Nacional, em seu Artigo 32, parágrafo único, dispõe que para efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em, pelo menos 2 ARISP JUS 11


(dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: (i) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; (ii) abastecimento de água; (iii) sistema de esgotos sanitários; (iv) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; e (v) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. Observa-se, contudo, que o Superior Tribunal de Justiça vem flexibilizando, em alguns casos, o critério “localização” para a incidência de IPTU ou ITR, valorizando a destinação em detrimento da localização, conforme os seguintes precedentes: “O ITR não incide somente sobre os imóveis localizados na zona rural do município, mas também sobre aqueles que, situados na área urbana, são comprovadamente utilizados em exploração extrativa, vegetal, pecuária ou agroindustrial” (REsp 472.628/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 17/08/2014) e “não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966)” (REsp 1.112.646/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 26/08/2009). O critério “destinação” é percebido a partir do Estatuto da Terra, Lei 4.504/1964), segundo o qual define-se como imóvel rural o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada. Por exclusão, são urbanos todos os imóveis que, independentemente de sua localização, se destinem a finalidades outras que não à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial. Pois bem. Superada a classificação dos imóveis e verificado que apenas os imóveis urbanos (aqueles que independentemente de sua localização, tenham uso para fins outros que não à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial) podem ser objeto de contrato 12 ARISP JUS

de locação, passaremos a tratar das situações nas quais o contrato de locação é admitido no registro de imóveis, estudando cada uma das três situações a serem apresentadas de forma isolada e pormenorizada. Cláusula de vigência. Tendo em vista o princípio contratual segundo o qual o contrato obriga apenas as partes contratantes, é de boa prática que o locatário, pretendendo opor o respeito à vigência contratual de um contato de locação perante terceiro não participante da relação contratual original, adote as cautelas determinadas por lei para esta finalidade. Isso porque em caso de alienação do imóvel durante a vigência de um contrato de locação, o adquirente (que não participou da relação locatícia) não estará obrigado a respeitar o prazo contratual da locação exceto se o contrato estiver registrado no Cartório de Registro de Imóveis. A lei de registros públicos prevê que no registro de imóveis, além da matrícula, serão feitos o registro dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada. A lei de locações, por seu turno, determina que se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel. Preliminarmente, chama-se a atenção para o fato de que, para fins de respeito à cláusula de vigência a Lei de Registros Públicos mencionar que o contrato de locação é passível de registro ao passo que a Lei de Locações o submete à disciplina da averbação. Anota-se, nesta matéria, que o legislador andou mal na Lei de Locações, devendo-se submeter o mesmo a registro (e não averbação), exatamente como disposto na lei especial. Para que o contrato de locação ingresse no álbum imobiliário, mediante registro, para fins de respeito da cláusula de vigência, importante que a minuta contratual preveja tal cláusula de forma expressa. Não se per-


mite o registro, todavia, de contratos de locação com redação genérica mencionando que “este contrato também obriga a herdeiros, sucessores e cessionários a qualquer título. É relevante que o instrumento contratual seja redigido com cláusula contratual segundo a qual o prazo de vigência previsto no instrumento contratual deverá ser respeitado, inclusive por terceiros que venham a adquirir o imóvel. A jurisprudência é uníssona a esse respeito. Anota-se, nesta matéria (requisitos mínimos da cláusula de vigência), sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, segundo o qual “Se o legislador previu no artigo 8º da Lei Federal 8.245/91 a necessidade expressa de cláusula específica de vigência do contrato de locação em caso de alienação do imóvel, a simples menção genérica “obriga a herdeiros ou sucessores” não cumpre a exigência imposta pela própria lei. Para que possa ser registrado o contrato de locação e possa ser válido perante terceiros em caso de alienação do imóvel, precisará de adequação à exigência da lei” (Processo 0046161-45.2012.8.26.0100, Magistrado Marcelo Martins Berthe, J. 19/02/2013). No mesmo sentido, precedente do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo: “REGISTRO DE IMÓVEIS - CONTRATO DE LOCAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA EXPRESSA DE VIGÊNCIA EM CASO DE ALIENAÇÃO DO IMÓVEL - INSUFICIÊNCIA DE MENÇÃO GENÉRICA DE QUE O CONTRATO “OBRIGA TAMBÉM OS SUCESSORES DAS PARTES” - RECURSO DESPROVIDO” (CSMSP - Apelação Cível: 0001463-80.2014.8.26.0100. J. 03/03/2015 DATA DJ: 30/04/2015. Relator: Elliot Akel). O registro do contrato de locação para fins de respeito à cláusula de vigência tem por escopo, portanto, dar publicidade a existência desta cláusula e do compromisso do eventual comprador de um imóvel acerca de um ônus que grava o respectivo bem. Todavia, encontra-se na jurisprudência situação peculiar pela qual mesmo sem ter a cláusula de vigência registrada, ainda assim foi reconhecido o direito do locatário em exigir observância ao prazo de locação pelo terceiro adquiren-

te do imóvel alugado: civil e processual civil. Locação de imóvel para fins residenciais. Ação de despejo proposta pela adquirente do imóvel. Sentença de procedência. Pretensão à reforma manifestada pela locatária. Preliminar. Rejeição. Primeiro, porque desnecessária a reiteração do apelo depois do julgamento de embargos de declaração. Segundo, porque reiteração houve. Mérito. De acordo com o artigo 8º, § 2º, da Lei n. 8.245/1991, alienado o imóvel locado, o adquirente tem 90 (noventa) dias, a partir do registro, para denunciar a locação. Entretanto, in casu, a adquirente obteve ciência inequívoca acerca do contrato de locação com prazo determinado, bem como acerca da cláusula de vigência nele expressa, de modo a tornar irrelevante a falta de averbação na matrícula imobiliária. Precedentes do C. STJ. Sentença reformada, para o fim de reconhecer a improcedência da demanda. Ônus sucumbenciais explicitados. RECURSO PROVIDO. (TJSP. 27ª Câm. Dir. Privado. Apelação 1074710-09.2016.8.26.0100. Rel. Des. Mourão Neto. J. 11/04/2017). O precedente do C. Superior Tribunal de Justiça mencionado no julgado aqui transcrito é o seguinte: “No mais, reitero meu entendimento no sentido de que a finalidade da averbação do contrato, exigida pelo art. 8º da Lei n. 8.245/91 como requisito para a oposição do contrato de locação ao adquirente do imóvel, é unicamente a de dar publicidade à locação vigente, com vistas à proteção não apenas do locatário, mas também do terceiro adquirente. Com efeito, o registro, nessa hipótese, não apresenta natureza constitutiva, mas visa apenas a garantir a permanência e a continuidade da relação locatícia, desde que o adquirente esteja ciente da existência de contrato de locação quanto ao imóvel adquirido. No caso em comento, embora não tenha havido a averbação do contrato de locação, dele o adquirente teve ciência inequívoca, razão pela qual não pode denunciá-lo, devendo o locatário ser mantido na posse do bem” (STJ AgRg nos EDcl no REsp 1.322.238/DF 3ª Turma Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino J. 23/6/2015 DJe 26/6/2015).

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Não se permite, por fim, a equiparação do contrato de locação ao arrendamento rural ou parceria (previstos no Estatuto da Terra para regular a cessão onerosa temporária do imóvel rural). Tal situação já foi apreciada mais de uma vez na jurisprudência, conforme se verifica a seguir: “REGISTRO DE IMÓVEIS - Arrendamento Rural - Registro inadmissível - Ausência de previsão no art. 167, I, da Lei n. 6.015/73 - Impossibilidade de registro por equiparação ao contrato de locação - Recurso improvido. (CSMSP - Apelação Cível 1.263-6/9 de Santa Adélia. J. 16/03/2010). No mesmo sentido: “REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida procedente. Contrato de locação. Falta de precisa individuação do bem locado e de correspondência do título com registro predial a que se busca sua vinculação. Falta de previsão de cláusula de vigência no contrato de locação, que inibe seu registro, no quadro da locação urbana de fim residencial. Desclassificação do regime jurídico da locação para arrendamento rural, que em nada auxilia a pretensão de inscrição, em razão da falta de sua previsão no rol taxativo do artigo 167, I, da Lei de Registros Públicos. Recurso não provido” (CSMSP. Apelação Cível 799-6/7, de Campinas. J. 14/12/2007). Direito de preferência. Explica a doutrina que “O direito de preferência do locatário é o direito a primazia de adquirir a coisa locada, nas mesmas condições da oferta, nos casos de venda, promessa de compra e venda, cessão de direito, promessa de cessão de direitos, ou dação em pagamento” (Regnoberto M. de Melo Jr.). Cumpre ressaltar, inicialmente, que o direito de preferência a que fazemos referência é aquele previsto no Artigo 27 da Lei de Locações (no caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca) não guardando vinculação ao direito de preferência disposto no Artigo 513 do Código Civil (a preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa 14 ARISP JUS

que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto) na medida em que este é cláusula especial relacionada ao contrato de compra e venda e aquele é tipicamente o direito de preferência do locatário em caso de venda do imóvel alugado pelo proprietário a terceiro. Como se viu, o direito de preferência do inquilino adquirir imóvel colocado a venda pelo locador-proprietário decorre de lei. Daí porque ser legítimo questionar se essa cláusula é de aplicação imediata ou não. A Lei de Registros Públicos deixa essa questão estreme de dúvida ao dispor que no registro de imóveis, além da matrícula, será feita a averbação do contrato de locação, para os fins de exercício de direito de preferência. Não é por outro motivo que Regnoberto M. de Melo Jr. esclarece que “o direito de preferência do locatário nasce da lei, mas o seu exercício requer contrato de locação válido e averbado no SRI”. A jurisprudência vem confirmando que a ausência da averbação do contrato de locação inviabiliza o exercício do direito de preferência pelo locatário. Veja-se: “Impõe-se a obrigação legal de averbar o contrato de locação para possibilitar a geração de efeito erga no tocante à intenção do locatário de fazer valer seu direito de preferência e tutelar os interesses de terceiros na aquisição do bem imóvel” (REsp 1.554.437-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha. J. 02/06/2016). No mesmo sentido: “Exercício do Direito de Preferência sobre Imóvel alienado – Impossibilidade – Contrato de Locação formalizado entre as Partes não averbado na respectiva matrícula do Imóvel – Ausência de Registro que inibe o exercício do Direito Pleiteado – Inteligência do artigo 33, da Lei de Locação” (TJSP. 30ª Câm. Dir. Privado. Apelação 0002052-15.2013.8.26.0001. Rel. Des. Penna Machado. J. 04/05/2017). A falta de averbação do contrato de locação para fins de direito de preferência não retira do locatário o direito de pleitear perdas e danos contanto que tenha previsto cláusula de preferência no respectivo contrato. Pode-se afirmar, portanto, que ainda que prevista em


contrato válido, a cláusula de preferência somente poderá ser executada pelo locatário se estiver o contrato averbado na matrícula do respectivo imóvel. De outra forma, somente lhe restará pleitear perdas e danos com base nas efetivas perdas e ou danos comprovadamente ocorridos, consoante corrobora a jurisprudência: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. AVERBAÇÃO DO CONTRATO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. PRESCINDIBILIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a inobservância do direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel enseja o pedido de perdas e danos, que não se condiciona ao prévio registro do contrato de locação na matrícula imobiliária. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido” (STJ. Resp 1.356.049-RS. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. J. 25/02/2014). No mesmo sentido: “Locação de imóveis. Ação de indenização por danos materiais e morais. Improcedência. Alienação do imóvel locado. Direito de Preferência. Contrato de locação não registrado. A averbação do contrato de locação no registro do imóvel é requisito essencial ao exercício, pelo locatário, do direito de preferência à aquisição do bem locado. Danos materiais. Prova Ausência. Não demonstrados os prejuízos experimentados pelos locatários em razão da impossibilidade do exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel locado” (TJSP. 28ª Câm. Dir. Privado. Apelação 1014003-73.2014.8.26.0576. Rel. Des. Cesar Lacerda. J. 14/03/2017). Conforme registramos mais acima, para fins de cláusula de vigência se faz necessário não apenas clausula escrita como também seu registro no cartório de registro de imóveis. Quanto ao direito de preferência, não se exige previsão contratual expressa, mas tão somente a averbação do contrato de locação no registro de imóveis: “Dúvida - contrato de locação - direito de preferência - averbação - desnecessária cláusula expressa – improcedência. (...) A desnecessidade de cláusula expressa decorre justamente da Lei das Locações, que cria o direito irrevogável de preferência, que para ser exercido necessita apenas da averbação do contrato de locação” (1VRPSP

- Processo: 1062196-58.2015.8.26.0100. DATA JULGAMENTO: 21/07/2015 DATA DJ: 24/07/2015. Deve-se atentar, contudo, que o exercício do direito de preferência, por mais que o contrato de locação esteja averbado no competente registro de imóveis, não poderá ser exercido em certos casos de perda da propriedade tais como venda por decisão judicial, usucapião, desapropriação e em casos de permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação – ressalvado, contudo, o direito do locatário eventualmente provar que o proprietário simulou tais situações justamente para lhe encobrir o direito de exercer a preferência. O que justifica a inaplicabilidade da cláusula de preferência nestes casos é ou o Artigo 32 da Lei de Locações ou a natural consequência decorrente da aquisição originaria de propriedade a partir da qual surge uma nova propriedade, com solução de continuidade em relação a anterior de forma que os ônus e direitos reais que gravavam o imóvel antes do advento da aquisição originaria de propriedade não perduram na nova matrícula. Situação interessante e que remete a parte introdutória deste artigo (quando explicamos que o contrato de locação – e consequentemente as disposições aqui trazidas sobre registro da cláusula de vigência e averbação para fins de direito de preferência) é a tentativa de equiparação do arrendamento e parceria (aplicáveis aos imóveis rurais) ao regime de locação (próprio de imóvel urbano). No caso apreciado pelo STJ, questionou-se a validade do direito de preferência dado que o instrumento particular de arrendamento rural não havia sido averbado na matrícula do imóvel. Contudo, o Estatuto da Terra, diferentemente da Lei de Locações, não condiciona o instrumento contratual a registro/averbação para a eficácia do direito de preferência (Art. 92, §§ 3º e 4º). Nesse sentido: “CIVIL E PROCESSUAL. ARRENDAMENTO RURAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AOS ARRENDATÁRIOS. CONTRATO NÃO REGISTRADO. IRRELEVÂNCIA. LEI N. 4.505⁄1964, ART. 92, §§ 3º E 4º. I. Irrelevante ao exercício do direito de preferência à compra de imóvel a inexistência de registro, no cartório imobiliário, do conARISP JUS 15


trato de arrendamento rural, porquanto tal exigência não está contida no Estatuto da Terra, lei especial e posterior ao antigo Código Civil, a qual admite, inclusive, a avença sob a forma tácita. (REsp 263.774-MG, Rel. Aldir Passarinho, J. 15/08/2006). Caução. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: caução, fiança, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento, observado que por disposição legal (que inclusive configura contravenção penal) é vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação. Apesar de o Artigo 167 da Lei de Registros Públicos não fazer referência à averbação da caução no registro de imóveis, o parágrafo único do Artigo 38 da Leo de Locações estabelece que a caução em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula. Não se pode deixar de observar que enquanto o direito de preferência e a cláusula de vigência são, respectivamente, averbados e registrados na matrícula do imóvel objeto da locação, a caução, por outro lado, é averbada à margem da matrícula do respectivo imóvel dado em garantia. Acerca da dupla garantia, verificamos na jurisprudência interpretações interessantes que merecem observação. Isso porque consoante um primeiro precedente, do ano de 2006, havendo duas garantias poder-se-ia considerar apenas a primeira, reconhecendo como nula a segunda: “Registro de Imóveis - Averbação de caução constituída sobre imóvel em locação - Contrato de locação com dupla garantia (fiança e caução real) Inadmissibilidade à luz do disposto no art. 37, p.u., da Lei nº 8.245/1991 - Nulidade da caução, como garantia subsequente à fiança - Inviabilidade da averbação correspondente - Cancelamento que se determina, com amparo no poder de revisão hierárquica da Corregedoria Geral da Justiça” (CGJSP - Processo: 34.906/2005 CGJSP – J. 09/08/2006, Relator Álvaro Luiz Valery Mirra). No caso anteriormente reproduzido, reconheceu16 ARISP JUS

-se válida a primeira garantia cancelando a averbação correspondente por entender que a primeira garantia outorgada (fiança) prevaleceria de forma que a outra garantia (caução) seria nula e, dessa forma, inviabilizaria a averbação. Todavia, em julgado posterior a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo tornou a se pronunciar neste tema e, dessa vez, consignou que “Nem mesmo a tese da cindibilidade aproveita ao recorrente. Por duas razões. A primeira é a de que não cabe ao Oficial, na via administrativa, declarar a nulidade de cláusula, quanto mais sem pedido. A segunda é a de que a averbação do contrato, com exclusão de parcela de cláusula, traria insegurança jurídica ao sistema de registro de imóveis, dada a difícil compreensão do efetivo objeto da averbação” (CGJSP - Processo: 97.297/2015 CGJSP JULGADO EM 06/10/2015, DJ: 20/10/2015). Qualificação. Sem prejuízo das observações já feitas acima, que podem inclusive impactar na qualificação do contrato de locação levado a registro ou averbação, outas cautelas merecem observação. Em primeiro lugar, tratando-se de contrato de locação, nota-se que deve o mesmo estar assinado por pelo menos um dos proprietários que figuram no registro de imóveis e, invariavelmente, deverá estar assinado por duas testemunhas. Deve-se atentar que muito embora a jurisprudência reconheça o contrato de locação não assinado por duas testemunhas como título executivo extrajudicial, tal circunstância não permite a dispensa das testemunhas pelo registrador na medida em que na execução o contrato de locação não subscrito por testemunhas seria objeto de contraditório facultando aos interessados questionarem a existência e validade do mesmo ao passo que ao registrador de imóveis é defeso instalar o contraditório previamente ao registro/averbação. Outro requisito a ser observado é a referência obrigatória à matrícula ou registro anterior, seu número e cartório – corolário lógico do princípio da especialidade objetiva do registro. Isso porque a Lei de Registros Públicos assim o determina pela leitura combinada dos


Artigos 222 e 223. Por fim, observa-se que nos termos do Artigo 252 da Lei de Registros Públicos, o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais, ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido. Dessa forma, para que se aceite o registro de cláusula de vigência ou a averbação do contrato de locação para fins de garantir o direito de preferência deve-se antes atentar para o cancelamento/extinção de eventuais contratos locatícios anteriormente ingressados na respectiva matrícula, ainda que o respectivo prazo já tenha expirado: “Registro de Imóveis - dúvida - registro de contrato de locação de bem imóvel - inexistência de cláusula de vigência - inadmissibilidade - art. 167, I, 3, da lei nº 6.015/73 - eventual

possibilidade de averbação, a fim de assegurar o direito de preferência da locatária, nos termos do art. 167, II, 16, da lei nº 6.015/73 - necessidade, entretanto, de prévio cancelamento do registro de anterior contrato de locação constante da matrícula do imóvel - elementos suficientes à autorizá-lo, o que, contudo, deverá ser providenciado em requerimento autônomo ao registrador e não nestes autos - recurso não provido” (TJ-SP - APL: 00125294020138260602 SP 001252940.2013.8.26.0602, Relator: Elliot Akel, Data de Julgamento: 07/07/2014, Conselho Superior de Magistratura, Data de Publicação: 21/07/2014).

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DECISÕES EM DESTAQUE

Apelação nº 1000291-81.2015.8.26.0252 Apelante: José Quintiliano Filho Voto n.º 29.753 Voto n.º 29.753 Registro de Imóveis – Arrolamento de bens – Formal de Partilha

– Recusa do registro em razão da exclusão de nora dos falecidos, que, à época da morte de um deles, era casada pelo regime da comunhão universal com um dos herdeiros filhos – Tema que vai além dos limites da qualificação registral – Mérito de decisão judicial transitado em julgado que não pode ser revisto na via administrativa – Exigência feita pelo Oficial, ademais, que não terá efeito prático algum – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

Selecionadas por Alberto Gentil de Almeida Pedroso

DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação n.º 1000291-81.2015.8.26.0252, da Comarca de Ipauçu, em que são partes é apelante JOSÉ QUINTILIANO FILHO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE IPAUÇU. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 24 de maio de 2017. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

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Trata-se de recurso de apelação interposto por José Quintiliano Filho contra a sentença de fls. 142/143, que julgou procedente a dúvida inversa suscitada pelo apelante e impediu o registro do formal de partilha extraído dos autos de arrolamento de bens deixados por José Gonçalves Quintiliano e Ana Cassemira Quintiliano. Sustenta o apelante, em resumo, que Augusta Vicente Gonçalves, ao falecer, deixou como único herdeiro seu marido, Benedito Gonçalves Quintiliano; e que as exigências feitas pelo registrador não podem ser satisfeitas (fls. 146/154). A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls.182/186). É o relatório. Perante a Vara Única da Comarca de Ipaussu, tramitou o arrolamento dos bens deixados pelo casal José Gonçalves Quintiliano e Ana Cassemira Quintiliano (autos nº 0003539-77.2012.8.26.0252). Os falecidos tiveram seis filhos (José, Sebastiana, Aparecida, Gabriel, Vitor e Benedito fls. 94/95), sendo que um deles (Benedito) já havia morrido por ocasião da abertura do arrolamento (fls. 57). Os cinco filhos vivos cederam a Simone Barbosa Quintiliano Cavalini e a Rodrigo de Oliveira Cavalini os quinhões que lhes cabiam (5/6) no único imóvel deixado pelos falecidos, matriculado no Registro de Imóveis de Ipaussu sob o nº 1.374 (fls. 97). Já o quinhão de Benedito (1/6), que faleceu depois de seus pais (fls. 36, 37 e 57), foi transferido a seu espólio (fls. 97), para futura partilha, juntamente com outro bem de sua propriedade, em novo processo de arrolamento (fls. 91). A partilha amigável levada a efeito foi homologada judicialmente (fls. 116). Apresentado o formal de partilha a registro, sobreveio a recusa do Oficial, sob o argumento de que na época do falecimento de José


Gonçalves Quintiliano (1979, cf. fls. 36), o herdeiro Benedito era casado, sob o regime da comunhão universal, com Augusta Vicente Gonçalves, de modo que ela também era herdeira. Com base nisso, o Oficial exigiu a retificação do formal, com a inclusão de Augusta e correção das cotas hereditárias, assim como a apresentação de cópia autenticada do RG e CPF dela. Na hipótese, nota-se que o registrador foi além do que lhe é permitido no exame de qualificação de um título. Isso porque, na esfera administrativa, tentou rediscutir questão já decidida judicialmente e transitada em julgado (fls. 118). E evidentemente não se pode admitir que o registrador, em exame de qualificação, questione o mérito ou, pior, reforme decisão judicial transitada em julgado. Nesse sentido, decisão da 1ª Vara de Registros Públicos, proferida pelo então MM. Juiz Narciso Orlandi Neto: Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (artº 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no art. 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.” (Processo nº 973/81)

Em caso muito semelhante, decidiu este Conselho Superior: No caso em exame, o Oficial recusou o ingresso do formal de partilha, pois da análise do formal de partilha percebe-se que quando do óbito de Basílio Ferreira o interessado Basílio Ferreira Filho era casado pelo regime da comunhão universal de bens com Eliane Fernandes Ferreira. Por outro lado, quando do óbito de Antonia Madureira Ferreira, Basilio Ferreira Filho já era separado judicialmente. Portanto, o auto de partilha deve refletir as consequências patrimoniais decorrentes da Saisini relativamente ao estado civil do herdeiro (fls. 09).

qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional. (Ap. Cível nº 000171777.2013.8.26.0071, Rel. José Renato Nalini).

Neste mesmo sentido, Apelações nº 1025290-06.2014.8.26.0100 e 0006128-03.2012.8.26.0362, ambas de relatoria do então Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Elliot Akel. E se não bastasse tudo que já foi dito para autorizar o ingresso do formal de partilha, a exigência feita pelo Oficial não terá efeito prático algum. Com efeito, Augusta faleceu, no ano de 1991 (fl. 156), deixando Benedito, seu marido, como único herdeiro (fls. 157/164). Assim, a fração de 1/24 do imóvel, que Augusta obteve em 1979 com o falecimento de José Gonçalves Quintiliano, foi, em 1991, ano de sua morte (fls. 156), transferida a Benedito, seu único herdeiro. Nesse sentido, o parecer apresentado pelo Procurador de Justiça Sebastião Silvio de Brito: “Muitas vezes a preocupação com o respeito a determinados princípios dos registros públicos não tem a menor razão de ser. É o caso dos autos em que a Augusta veio a falecer sem deixar qualquer outro herdeiro, senão o próprio marido com o qual se casou no regime da comunhão universal que era o regime legal da época. Nas circunstâncias, o fato de Augusta não ter sido contemplada na partilha do bem deixado pelo seu sogro, o falecido José Gonçalves Quintiliano, não teve qualquer influência prejudicial na divisão das cotas hereditárias. A situação embora distinta, assemelha-se à hipótese em que Augusta teria se casado com o herdeiro Benedito no regime da separação parcial” (fls. 184).

E como ambas as exigências formuladas pelo Oficial se referem à inclusão de Augusta como herdeira (fls. 10), o caso é de se determinar o afastamento delas, com o registro do formal tal como apresentado. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator

A qualificação do Oficial de Registro de Imóveis, ao questionar o título judicial, ingressou no mérito e no acerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da ARISP JUS 19


DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0031287-16.2015.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que são partes são apelantes BENEDITO COELHO SIEBRA e NICHOLAS RONCALLY MARQUES SIEBRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO BERNANRDO DO CAMPO. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, determinando o registro do título. V. U. Vencido em parte o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 24 de maio de 2017. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 0031287-16.2015.8.26.0564 Apelantes: Benedito Coelho Siebra e Nicholas Roncally Marques Siebra Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bernanrdo do Campo Voto nº 29.744. Registro de Imóveis Dúvida inversa Escritura de Doação - Desqualificação Manutenção da exigência pelo MM. Juiz Corregedor Permanente Discussão a respeito da base de cálculo a ser utilizada no cálculo do ITCMD Atuação que extrapola as atribuições do registrador Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo Recurso provido para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Benedito Coelho Siebra e Nicholas Roncally Marques Siebra contra a sentença de fls. 44/45, que manteve a recusa ao registro de escritura de doação com reserva de usufruto, lavrada no Tabelionato de Notas do Distrito de Riacho Grande.

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Sustenta o apelante, em resumo, que a Lei do Município de São Bernardo do Campo nº 3.317/1989, com a redação dada pela Lei nº 6.388/2014, não se aplica ao ITCMD; e que a Lei Estadual nº 10.705/2000 estabelece que a base de cálculo para o cálculo do ITCMD é o valor do lançamento do IPTU. Pede, for fim, a reforma da sentença de primeiro grau (fls. 51/55). A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 78/79). É o relatório. Ao ser apresentada a registro, a escritura de doação de fls. 17/18 foi desqualificada. Nas notas devolutivas (fls. 13/14) e nas razões da dúvida (fls. 34/39), sustentou o registrador: a) que o valor venal do IPTU não poderia ser utilizado como base para o cálculo do ITCMD; b) que a base de cálculo correta é o valor de referência do ITBI; c) que não cabe a ele, registrador, analisar a constitucionalidade de norma; e d) que uma de suas funções é verificar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os atos registrados. A sentença prolatada em primeiro grau ratificou o teor da exigência. O caso é de se dar provimento à apelação. Como já decidiu esse Conselho Superior, no julgamento da apelação 0002604-73.2011.8.26.0025, em voto da lavra do então Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini: “A falha apontada pelo Oficial envolve questão de questionamento no âmbito do direito material. Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si. Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da Fazenda Pública, principal interessada. Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função. Neste sentido é o parecer da D Procuradora de Justiça, citando precedente deste E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 996-6/6, de 09/12/2088).” É o que ocorre no caso em tela. Embora zelosa, a atitude do registrador vai além de suas atribuições normais, pois não lhe cabe aferir se o montante do tributo recolhido está correto, devendo apenas zelar pela existência de recolhimento ou ocorrência de isenção, como ocorre no caso dos autos (fls. 20/23) e pela razoabilidade da base de cálculo utilizada. Na hipótese, a escritura de doação de 50% do apartamento nº 21 do Edifício Columbia foi lavrada em 28 de julho de 2015 (fls. 17)


e o valor utilizado para o cálculo do ITCMD (R$47.421,90 fls. 20 e 17, verso) foi o correspondente à metade do valor do lançamento para fins de IPTU do exercício de 2015 (R$94.843,80 fls. 17, verso).

Nesse mesmo sentido, apelação nº 1006725-68.2015.8.26.0161, de minha relatoria: “Registro de Imóveis - Apelação interposta pela Fazenda do Estado de São Paulo - Legitimidade reconhecida - Terceira prejudicada - Escritura de Doação - Desqualificação - Discussão a respeito da base de cálculo a ser utilizada no cálculo do ITCMD - Atuação que extrapola as atribuições do Oficial - Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo - Discussão que deve ser travada em processo administrativo tributário ou em execução fiscal - Sentença de improcedência da dúvida mantida” (j. em 14/10/2016, votação unânime).

Utilizado esse valor, a doação realizada foi considerada isenta do recolhimento de ITCMD (fls. 20/23). Pode-se questionar se o cálculo do tributo não deveria ter levado em conta valor venal de referência do ITBI (fls. 38), nos termos do artigo 16 do Regulamento do ITCMD (Decreto n° 46.655/2002, com a redação dada pelo Decreto nº 55.002/20091) e do artigo 8º da Lei do Município de São Bernardo do Campo nº 3.317/1989, com a redação dada pela Lei nº 6.388/20142. Trata-se, todavia, de base de cálculo que vem sendo sistematicamente rechaçada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: “Mandado de Segurança - Recolhimento de ITCMD - Imposto de transmissão causa mortis e Doação - Base de cálculo Valor venal do IPTU lançado no exercício - Sentença ratificada, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno desta E. Corte Recursos não providos” (Apelação n.º 0035140-24.2009.8.26.0053, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Aliende Ribeiro, j. 21/11/2011). “MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS (ITCMD). Base de cálculo. ITBI. Inadmissibilidade. A base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido. Concessão da segurança mantida. Recursos não providos” (Apelação n.º 0033279-32.2011.8.26.0053, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Vera Angrisani, j. 21/08/2012). “Agravo de Instrumento - Inventário - Decisão que defere o pagamento do ITCMD com base no valor venal do bem para fins de IPTU - Alegação de que o pagamento do ITCMD deve ter como base de cálculo o valor venal de referência do ITBI - A base de cálculo do ITCMD, no caso em apreço, deve ser o valor venal do imóvel lançado para fins de IPTU, em razão da ilegalidade do Decreto 55.002/09 - Inteligência do art. 97, inciso II, §1º, do CTN e da Lei 10.705/2000 - Decisão mantida. Recurso desprovido” (Agravo de Instrumento n.º 2138183-58.2016.8.26.0000, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oscild de Lima Júnior, j. 9/8/2016). De todo modo, ainda que a Fazenda possa questionar a base de cálculo utilizada, fato é que o contribuinte valeu-se de valor razoável (valor do lançamento do IPTU de 2015 fls. 17, verso), sendo esse fato suficiente para o Oficial, sem maiores questionamentos, permitir o ingresso do título. Caso entenda que há tributo a ser recolhido, deve a Fazenda do Estado se valer dos meios adequados para tanto, administrativa ou judicialmente, não podendo utilizar a desqualificação do título para indiretamente coagir o contribuinte ao pagamento.

Ante o exposto, dou provimento à apelação para determinar o registro do título. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO JURISDICIONAL #1 Processo REsp 1432566 / DF RECURSO ESPECIAL 2012/0051546-7 Relator(a) Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 23/05/2017 Data da Publicação/Fonte DJe 29/05/2017 Ementa RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL QUITADO. OUTORGA DA ESCRITURA DEFINITIVA. IMPOSSIBILIDADE. BLOQUEIO DE TODOS OS BENS DA CONSTRUTORA DETERMINADO PELA JUSTIÇA FEDERAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE BAIXA DO GRAVAME JUDICIAL COM OUTORGA DA ESCRITURA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RÉU IMPOSSIBILITADO DE CUMPRIR VOLUNTARIAMENTE A OBRIGAÇÃO. FIXAÇÃO DE ASTREINTES QUE NÃO SE JUSTIFICA. INDISPONIBILIDADE DOS BENS QUE NÃO ALCANÇA O PROMITENTE COMPRADOR NA HIPÓTESE, POR SE TRATAR DE OBRIGAÇÃO PRETÉRITA E TOTALMENTE QUITADA. ACOLHIMENTO DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DO IMÓVEL, COM BAIXA DO GRAVAME JUDICIAL. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Hipótese em que, após o pagamento total do imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda, a construtora não outorARISP JUS 21


gou ao comprador a respectiva escritura definitiva, tendo em vista a indisponibilidade de todos os seus bens determinada pela Justiça Federal.

de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

2. A aludida constrição patrimonial visa impedir apenas a alienação dos bens da empresa em benefício próprio, a fim de evitar prejuízos aos demais credores, não se aplicando a bens dos promitentes compradores de imóveis negociados antes da decretação de indisponibilidade, máxime em razão do direito real à aquisição do imóvel previsto no art. 1.417 do Código Civil.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GILBERTO DOS SANTOS (Presidente), WALTER FONSECA E GIL COELHO.

3. Considerando que a restrição imposta pelo Poder Judiciário impede não só a alienação do patrimônio da construtora, mas, também, a prática de quaisquer atos cartorários que possam viabilizá-la, é de se concluir pela impossibilidade de cumprimento voluntário da obrigação (baixa do gravame judicial e outorga da escritura), revelando-se, em consequência, descabida a fixação da multa diária. 4. Diante das particularidades do caso e da necessidade de solucionar o litígio de forma efetiva, deve ser acolhido o pedido subsidiário formulado na ação, no sentido de ser proferida sentença declaratória de outorga da escritura definitiva (adjudicação compulsória), determinando-se a baixa da restrição existente no imóvel aludido, a teor do comando do art. 466-B do CPC/1973. 5. Recurso especial provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

DECISÃO JURISDICIONAL #2 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1004896-32.2016.8.26.0318, da Comarca de Leme, em que é apelante PEDRO BIAZZO - ESPOLIO, são apelados BENEDITO FLORÊNCIO (JUSTIÇA GRATUITA) e MARIA DA PENHA FLORÊNCIO (JUSTIÇA GRATUITA). ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal 22 ARISP JUS

São Paulo, 22 de junho de 2017. GILBERTO DOS SANTOS RELATOR Voto nº 37.468 Apelação n.º 1004896-32.2016.8.26.0318 Comarca: Leme - 1ª Vara Cível Apelante: Pedro Biazzo (espólio) Apelados: Benedito Florêncio e Maria da Penha Florêncio Interessados: Geraldo de Campos (espólio), Adivaldo Sergio de Campos, Eder Camargo de Campos, Marcia Izete de Campos Rivera, Hebe Mara Teixeira Marrichi Biazzo, Eriane Camargo de Campos e Edimara Camargo de Campos Juíza de 1ª Inst.: Ana Carolina Aleixo Cascaldi Marcelino Gomes Cunha EMBARGOS DE TERCEIRO. Penhora de imóvel. Alienação do bem pelo devedor antes da penhora e da propositura da ação monitória. 1. Propositura dos embargos em face do exequente e do executado. Ilegitimidade passiva do devedor. Reconhecimento, tendo em vista que o imóvel de terceiro foi constrito em decorrência da indicação do credor. 2. Fraude à execução. Inocorrência. Bem que já estava fora do patrimônio do executado e na posse de adquirente de boa-fé, portanto, não mais podendo responder pelas obrigações do devedor. 3. Sucumbência. Responsabilidade do credor, diante da resistência injustificada. Embargos procedentes. Recurso não provido.

Trata-se de embargos de terceiro julgados procedentes pela r. sentença de fls. 102/105, de relatório adotado, que determinou o levantamento da penhora realizada sobre o imóvel matriculado sob o nº 33.293, no Registro de imóveis de Leme/SP, e condenou os embargados ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa. Embargos de declaração (fls. 107/109) foram rejeitados (fls. 111). Apela o exequente (fls. 113/120) com pedido de reforma do julgado, sustentando que a alienação não foi realizada de forma regular, tendo em vista a inexistência de averbação no Cartório de Registro de Imóveis. Ressalta que não foi comprovada a posse da embargante nem que o alienante perdeu a guarda e o uso do imóvel. Alega ainda que somente o registro prova a propriedade do bem e confere a necessária publicidade do ato, nos termos do artigo 68 da Lei 6015/73. De resto, impugna a condenação nas verbas sucumbenciais, pois a constrição somente ocorreu em razão da ausência de registro.


Recurso preparado (fls. 121/124) e respondido pelos embargantes (fls. 127/134) que defenderam a manutenção da sentença; e pelos executados (fls. 136/143), que insistiram na tese da decadência do direito e da ilegitimidade passiva. É o relatório. De início, rejeito a tese de decadência. Nos termos do artigo 675, do CPC, vigente à época dos fatos, “Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença e, no cumprimento de sentença ou no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.”. Tendo em vista que o imóvel não foi alienado, cabível a oposição dos embargos de terceiro. Por outro lado, o reconhecimento da ilegitimidade passiva do executado é de rigor. Isso porque a indicação do imóvel foi feita pelo exequente, cabendo apenas a este a defesa do ato de constrição, até porque o bem já não integra mais o patrimônio do devedor. Nem se diga que o executado teria o dever de informar a alienação do bem, pois com a transferência da titularidade não lhe era mais legítimo defender direito alheio em nome próprio (art. 18, CPC). Nesse sentido, já se manifestou o E. STJ: “RECURSO ESPECIAL (ART. 105, III, ALÍNEAS A E C DA CRFB). DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. NÃO CONHECIMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO CREDOR. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE ESTE E O DEVEDOR. PRECEDENTE: 3a. TURMA, RESP. 282.674/SP, REL. MIN. NANCY ANDRIGHI, DJU 07.05.2001. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, PROVIDO PARA AFASTAR A NULIDADE RECONHECIDA NO ACÓRDÃO E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM, PARA QUE PROSSIGA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL. (...) 3. Discute-se na doutrina a respeito da composição do pólo passivo nos Embargos de Terceiro. Segundo Araken de Assis, porém, parece mais razoável a tese de que só o credor, a quem aproveita o processo executivo, encontra-se legitimado passivamente, ressalvadas duas hipóteses: a) cumulação de outra ação (p.ex., negatória) contra o executado; e b) efetiva participação do devedor no ato ilegal (Manual do Processo de Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 6a. Ed., p. 1.147/1.148).

4. Ressalvadas as louváveis opiniões em contrário, essa parece ser a melhor conclusão, mormente porque a indicação do bem imóvel foi realizada pela exequente, ora recorrida, cabendo apenas a esta a contestação da pretensão deduzida pela embargante, ora recorrente, tal como efetivamente ocorreu. Inexistente, portanto, o litisconsórcio passivo necessário entre credor e devedor, também porque este decorre apenas da lei ou da natureza jurídica da relação de direito material acaso existente entre exequente e executado, circunstâncias que não se verificam no âmbito dos Embargos de Terceiro (CPC, art. 47). Precedente: 3a. Turma, REsp. 282.674/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJU 07.05.2001, p. 140. 5. A propósito, curiosa é a observação de que o art. 1.050, § 3º do CPC se refere ao embargado no singular, o que sugeriria a existência de apenas um deles (exequente ou executado) no pólo passivo da ação de Embargos de Terceiro, tudo a depender de quem terá realizado a indicação do bem à penhora. 6. Recurso Especial de ÂNGELA BEATRIZ CEZIMBRA conhecido em parte e, nessa parte, provido para afastar a nulidade reconhecida no acórdão e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no julgamento da Apelação da União Federal.” (REsp 1033611/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 05/03/2012)

Analisadas as preliminares, passo julgar o mérito do recurso. Conforme emana dos autos, em abril/2008 foi proposta ação monitória lastreada na emissão de um cheque prescrito buscando o recebimento do valor histórico de R$ 19.426,63 (fls. 147/150). Constituído de pleno direito o título executivo judicial, teve início a fase de cumprimento de sentença, com a penhora de diversos imóveis, dentre eles aquele matriculado sob o nº 33.293, no Cartório de Registro de Imóveis de Leme/SP, conforme averbação efetivada na matrícula em 18.07.2012 (fls. 15). Sustenta o embargante a ilegalidade da referida penhora porque de boa-fé adquiriu o imóvel em 19.05.2006, conforme escritura pública de venda e compra (fls. 16/17), pagando pelo lote a quantia de R$ 2.000,00, portanto sendo injusto que agora venham a perder o bem. E com razão. Com efeito, a escritura pública de venda e compra juntada a fls. 16/17 dá conta de que referido imóvel fora alienado aos embargantes em 19.05.2006, ou seja, muito antes da penhora e da própria propositura da ação monitória. E desde então os embargantes têm a posse do imóvel, pois como afirma o próprio devedor/vendedor (fls. 75): “o título jurídico foi devidamente outorgado aos EMBARGANTES, que, inclusive foram emitidos na posse plena do referido imóvel”.

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Irrelevante o fato de a escritura pública não ter sido registrada, pois nos termos da Súmula 84 do STJ: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”. De tal sorte, se o bem já havia sido regularmente alienado em 19.05.2006, era inviável em 18.07.2012 (fls. 15) a ordem de penhora, visto que o bem não mais integrava o patrimônio do devedor. Conforme orientação do E. Superior Tribunal de Justiça: “Para que se tenha como de fraude à execução a alienação de bens, de que trata o inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil, é necessária a presença concomitante dos seguintes elementos: a) que a ação já tenha sido aforada; b) que o adquirente saiba da existência da ação ou por já constar no cartório imobiliário algum registro dando conta de sua existência (presunção juris et de jure contra o adquirente) - ou porque o exequente, por outros meios, provou que do aforamento da ação o adquirente tinha ciência; e c) que a alienação ou a oneração dos bens seja capaz de reduzir o devedor à insolvência, militando em favor do exequente a presunção juris tantum.” (REsp. n.º 40.854-SP, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA - RSTJ 111/216). No caso dos autos nenhum dos requisitos restou preenchido. Demais, consoante precedentes daquela mesma Corte Superior, sobreleva prestigiar a boa-fé do adquirente: “EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO DO BEM PENHORADO, NÃO ESTANDO REGISTRADA A PENHORA. NO CASO DA ALIENAÇÃO DO BEM JA POR UM TERCEIRO, IMPÕE-SE RESGUARDAR A BOA-FE, ESTANDO COMPROVADA, DO ADQUIRENTE, POR NÃO TER ADQUIRIDO O BEM DO DEVEDOR. PROCEDENCIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.” (AgRg no Ag 9500/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA,julgado em 21/05/1991, DJ 17/06/1991, p. 8208) “EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE DE EXECUÇÃO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. PENHORA. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO.

- Inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe ao exeqüente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 218.419/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 07.11.2000, DJ 12.02.2001 p. 120) “FRAUDE DE EXECUÇÃO. BEM ADQUIRIDO DIRETAMENTE DO EXECUTADO. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. 1.Assentou a Segunda Seção que não fazendo o credor prova inequívoca de que o adquirente sabia da ação contra a vendedora, não registrada a penhora, que, no caso, foi efetivada após a venda, não está presente fraude de execução. 24 ARISP JUS

2. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 533.867-RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, J. 16/12/2003, DJ de 29.03.2004, p. 236) “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE DE EXECUÇÃO. PRESSUPOSTOS. ANÁLISE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESENÇA DE OMISSÃO. - “Para caracterização da fraude de execução prevista no art. 593, inc. II, do CPC, ressalvadas as hipóteses de constrição legal, necessária a demonstração de dois requisitos: (i) que ao tempo da alienação/oneração esteja em curso uma ação, com citação válida; (ii) que a alienação/oneração no curso da demanda seja capaz de reduzir o devedor à insolvência”. - A prova da ciência do adquirente acerca da existência da demanda em curso, incumbe ao credor, a qual é presumida (presunção absoluta) tão-somente na hipótese em que registrada a penhora, nos termos do art. 659, § 4º, do CPC. Precedentes. (...) Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 885.618-SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI. J. 23/10/2007, DJ de 18.12.2007, p. 270) Esse entendimento foi, inclusive, cristalizado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, na Súmula nº 375, que dispõe: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Nessas condições, à falta de requisitos objetivos inviável reconhecer a alienação fraudulenta. Sobre o tema, aliás, assinala CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO: “Essa é uma opção política da ordem processual, que prefere sacrificar o credor e não o adquirente quando o comportamento deste houver sido razoavelmente regular. Poderia ser diferente, penalizando-se o adquirente sempre, para que nunca a tutela jurisdicional fosse negada ao credor, mas tal solução mais drástica dependeria de lei expressa e muito clara, que não existe; prefere-se prestigiar a eficácia integral dos negócios jurídicos, quando não houver uma situação suficientemente clara, a justificar o sacrifício do beneficiário do ato fraudulento do obrigado.” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV. São Paulo: 2004, Malheiros, 2001, p. 394)

Assim, verifica-se que andou bem a r. sentença ao dar por desconstituída a penhora. No mais, sem razão o inconformismo do apelante no que tange à condenação nos honorários advocatícios, pois o exequente embargado não só impugnou os embargos (fls. 84/89) como também


desafiou os argumentos e as provas trazidas pelos embargantes. Daí, resistindo no processo, não pode pretender isenção de honorários de advogado. Por outro lado, é inequívoco que a causalidade do processo só pode ser carreada ao exequente, uma vez que o gravame judicial se deu exclusivamente em seu favor, e isso obrigou os embargantes a se valerem dos embargos de terceiro para a liberação, cujo direito foi reconhecido. Portanto, nenhuma dúvida de que a condenação ao pagamento dos encargos processuais foi correta, na esteira da Súmula 303 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”. Enfim, com o insucesso do recurso e dentro da nova ordem processual, não há como deixar de atentar para a necessidade de aumento da verba honorária destinada ao patrono da parte vencedora. De acordo com o §11, do artigo 85 do NCPC: “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação dos honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”. Logo, arbitrados em primeira instância os honorários em 10% sobre o valor atualizado da causa (fls. 104), majoro tal verba para 15%, nos termos da legislação processual vigente, considerando maior tempo e trabalho gastos para a solução da demanda. Ante o exposto e pelo mais que dos autos consta, nego provimento ao recurso do exequente, com majoração da verba honorária (NCPC, art. 85, § 11). Com relação aos executados, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, em face do reconhecimento da ilegitimidade passiva, condenando os embargantes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, observada a gratuidade concedida (fls. 21). GILBERTO DOS SANTOS Desembargador Relator

DECISÃO JURISDICIONAL #3 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2077809-42.2017.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes DAIANA APARECIDA ROMANINI e RICARDO ZANON TERÊNCIO, é agravado CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DO CREA - MUTUA. ACORDAM, em 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SPENCER ALMEIDA FERREIRA (Presidente sem voto), FLÁVIO CUNHA DA SILVA E ACHILE ALESINA. São Paulo, 21 de junho de 2017. Fernando Sastre Redondo RELATOR VOTO Nº 16135 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2077809-42.2017.8.26.0000 COMARCA: SÃO PAULO - FORO CENTRAL CÍVEL - 45ª VARA CÍVEL JUIZ / JUÍZA DE 1ª INSTÂNCIA: GLAUCIA LACERDA MANSUTTI AGRAVANTES: DAIANA APARECIDA ROMANINI E RICARDO ZANON TERÊNCIO AGRAVADO: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DO CREA - MUTUA EXECUÇÃO. Título extrajudicial. Prenotação em matrícula de imóvel. Possibilidade. Averbação que não viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Ademais, a medida não se consubstancia em indisponibilidade do bem. Inteligência do art. 828, do CPC. Precedente. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento contra r. decisão (fls. 312 dos autos originários) que, em ação de execução de título extrajudicial ajuizada contra os agravantes, deferiu pedido de expedição de certidão (art. 828, do CPC). Sustentam os agravantes-executados que a prenotação na matrícula do imóvel autorizada pelo juízo singular ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois não houve oportunidade de ARISP JUS 25


se manifestarem acerca do pedido. Efeito suspensivo deferido, recurso tempestivo, isento de preparo e respondido. VOTO Ante a documentação carreada aos autos, concedo a gratuidade de justiça para análise do agravo de instrumento. Cuida-se de execução de título extrajudicial ajuizada pela agravada na qual foi deferido o pedido de expedição de certidão (art. 828, do CPC). Na hipótese, não houve violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa ventilada pelos agravantes-executados, previstos no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal1, pois a medida encontra-se preconizada no artigo 828, do Código de Processo Civil2 e não se consubstancia em indisponibilidade do bem. Confira-se prestigiosa lição de Humberto Theodoro Júnior ao abordar o tema: “Ajuizada a execução, autoriza o art. 828 do NCPC ao exequente obter certidão de que o processo foi admitido pelo juiz para averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. Na pendência da execução, feita a averbação no registro adequado, considera-se em fraude a ela a alienação ou oneração do bem que tenha sido constrito (art. 792, II)3”.

Nesse sentido, precedente deste E. TJSP: “AGRAVO DE INSTRUMENTO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO PREVISTA NO ART. 828 DO CPC CARÁTER ACAUTELATÓRIO OBJETIVO DE DAR CONHECIMENTO PÚBLICO ACERCA DA EXISTÊNCIA DE EXECUÇÃO CIVIL EM DESFAVOR DO DEVEDOR, BEM COMO PRESUMIR FRAUDULENTOS QUAISQUER ATOS DE DISPOSIÇÃO POSTERIORES À PRENOTAÇÃO NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.” 1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 2 Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. 3 Novo Código de Processo Civil Anotado, Editora Forense, 20ª Edição, Breves Comentários ao artigo 828, pg. 890. 26 ARISP JUS

(Agravo de instrumento n. 2224941-40.2016.8.26.0000; Relator(a): Lucila Toledo; Comarca: Sorocaba; Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 16/01/2017; Data de registro: 16/01/2017). Impõe-se, assim a manutenção da r. decisão agravada que deferiu a expedição de certidão acerca do ajuizamento de ação execução em desfavor dos agravantes, admitida pelo juízo singular. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. Fernando Sastre Redondo Relator


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