Ano II
No 19 Novembro/2017
Informativo jurídico especializado
ENTREVISTA Mari Lúcia Carraro
Desde quando a senhora é Registradora de Imóveis? No ano de 2003, fui aprovada no 2º concurso público de prova e títulos para outorga de delegação de notas e registros. Assumi como delegatária no 2º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, SP, em maio de 2003. Contudo, esse mundo das serventias extrajudiciais me foi apresentado muito antes, em 1991, quando comecei a trabalhar no 2º Ofício de Campo Grande, MS. De tal serventia, fui exercer a atividade em Jaru, RO, após ter sido aprovada no con-
curso, quando assumi o cargo no Tabelionato de Protesto. Quais as principais dificuldades da atividade na opinião da senhora? Todo e qualquer ofício carrega em si o desafio contínuo de ser bem exercido, sempre de modo a se atingir a excelência no seu resultado, sem se esquecer, contudo, que da atividade profissional deve ser extraída a realização pessoal. Com o exercício da atividade de registro de imóveis, não é diferente. O Registro de Imóveis é uma instituição forte, mas, por vezes, é posta à prova. Romper paradigmas da sociedade relacionados à atividade é a missão que conduzirá a instituição à longevidade, o que somente é e continuará sendo possível com a prestação do serviço com eficiência, agilidade e atualidade. O senso comum de que a atividade do registrador de imóveis é ineficaz ou prescindível se formou porque, por muito tempo, a atividade se desenvolveu com características de negócio particular e familiar. Aqui reside o maior obstáculo a ser sobreposto, provar que tal conhecimento suposto nem sempre é a realidade. Este é o nosso desafio: surpreender às expectativas do mercado. Também se pode citar como exemplo de dificuldade enfrentada no exercício da atividade a pouca aplicação do conhecimento disponível. O alto nível dos estudos que envolve a nossa atividade conduz ao conhecimento, à construção de novos pensamentos e à aplicação do direito à realidade. Contudo, por vezes, tudo permanece no campo das ideias. Tal fato, creio eu, deve-se à defesa de valores e argumentos pessoais, o que somente é resultado da independência jurídica existente entre as serventias, agravado pela enorme vastidão do ARISP JUS 1
território nacional. Esses elementos possibilitam interpretações diversas acerca do mesmo ato ou contrato e dificultam a padronização da prestação do serviço. As divergências permitem o avanço de ofertas de serviços mais céleres e acessíveis por fornecedores estranhos à estrutura legal já existente, enfraquecendo a atividade pelas serventias extrajudiciais. De igual maneira, um terceiro exemplo de dificuldade encarada é a ausência de auto-regulamentação, especialmente nos aspectos de orientação, capacitação técnica e fiscalização interna, o que, por si, sobrecarrega o Poder Judiciário com atribuições que vão muito além da fiscalização dos serviços. Tal fato nos remete à condição de dependentes da avaliação e decisão de terceiros. Estas dificuldades, sob a minha ótica, são apenas algumas das que enfrentamos no exercício da atividade, as quais entendo serem principais e cruciais para um desempenho com a excelência que se espera e almeja. Diante da vasta experiência profissional da senhora, quais os conselhos que a senhora daria aos novos Registradores de Imóveis? Sejam “mensageiros do rei” - aqueles que recebem a missão de entregar uma mensagem e não desistem no meio do caminho, ultrapassando obstáculos, guerras, perigos, mas se doando até a chegada. Não se contente com a aprovação em concurso. Complemente a preparação para o concurso jurídico com conteúdos relacionados à administração de empresas. Para muitos, o maior desafio será o de administrar uma serventia, que deve ser gerida como empresa de terceiro, com responsabilidade pessoal. O registro de imóveis precisa de trabalhadores dedicados, criativos, resilientes, pessoas que ajam e façam acontecer na serventia, tal como gostariam 2
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de ser atendidos em qualquer outro lugar da sociedade. Soma-se a isso o fato de que ninguém é obrigado a assumir uma delegação. Logo, receba também o ônus de maneira a dignificar a instituição. Como em qualquer outra atividade profissional, o registro de imóveis precisa ser incorporado à vida da pessoa que o personifica, com características positivas. Por isso, deem significado à atividade nas suas vidas. O registro eletrônico e seus caminhos para o futuro são temas muito explorados atualmente pelos profissionais da área. Qual a opinião da senhora sobre o futuro do Registro de Imóveis? O registro eletrônico, muito além do já disciplinado pela Lei nº 11977/09 e pelo Provimento nº 47/2015 do Conselho Nacional de Justiça, está caminhando a passos lentos, mas sem retorno. O Registro de Imóveis, na forma como estruturado hoje, por delegação, tem futuro se aceitarmos a ideia de que somos fornecedores de serviços e que os tomadores de nossos serviços exigem, esperam, desses serviços o mesmo que qualquer cidadão exigiria e esperaria de qualquer outro órgão prestador de serviços. Como cidadãos, queremos serviços ágeis, de boa qualidade, apresentáveis de maneira moderna, com segurança, e de fácil acesso. O grande desafio que se encontra é a reconstrução do pensamento acerca da nossa atividade, dos procedimentos e da forma, de maneira a não ficarmos dissociados das instituições fortes do país. Institucionalmente, o primeiro passo para a manutenção dos serviços na estrutura atual é a estruturação e implantação de ambiente único que permita ao usuário público, ou privado, o acesso a informações registrais de todo o território brasileiro, ressaltando que as informações não se restringem a eventuais aquisições ou onerações, mas sim possibilitam a construção de dados estatísticos que
servem de suporte para estudos e estruturação de políticas públicas. É fundamental a nossa participação neste processo. Estarmos preparados, pessoal e tecnicamente, para atender as necessidades dos usuários neste novo mundo idealizado. A construção do registro eletrônico é possível, mas para isso deveremos primeiro desconstruir um hábito latente, o de buscarmos a perfeição e não aceitarmos nada menos do que isso, ou o de focarmos em algo tão inovador que acaba não sendo aplicável em detrimento do trabalho atual. As variáveis decorrentes da extensão territorial, das condições sociais e econômicas, bem como das várias posturas administrativas dos tribunais e jurisprudência dificultam e, ao mesmo tempo, invocam a necessária realização de projetos com parâmetros gerais, passíveis de serem executados nas serventias que possuem maior demanda de serviço. A partir dessas experiências, haverá aprimoramento dos sistemas e replicação de orientação e suporte para as demais serventias, com mais serenidade. Igualmente, sugere-se iniciar o atendimento à necessidade dos maiores usuários, que, no nosso caso, é o poder público e, depois, abrir para o usuário cidadão. É impossível prever todas as situações que poderão aparecer porque a matéria é complexa e sofre interferências locais. Aos poucos, aprimora-se o sistema, e, posteriormente, demais serventias irão subscrevê-lo. Pode-se citar como um exemplo clássico desse modelo acima proposto o acontecido com a ARISP. Com propósito inicialmente restrito, hoje ela proporciona serviços antes não imaginados. Iniciou-se com a simples emissão de certidões e ofícios eletrônicos. Após, abrangeu a Central de Indisponibilidade, o tráfego de títulos eletrônicos e a disponibilização de webservices, possibilitando,
assim, a otimização e a celeridade dos processos de trabalho interno das serventias. Contudo, somente isso não é o bastante. Paralelamente, os oficiais devem converter a resistência a este trabalho em disposição, de modo a passar a proporcionar a geração, escrituração e armazenamento eletrônico de títulos, livros, certidões e informações. Com relação àqueles que resistem ao registro eletrônico, nota-se que eles muitas vezes são temerários com relação à possível extinção das atividades do Registro de Imóveis da forma estruturadas atualmente. Contudo, na minha opinião, não atender às necessidades atuais dos usuários é que levará à extinção do registro de imóveis. O registro eletrônico, muito além do já disciplinado, representa o futuro da atividade registral e é uma resposta aos anseios daqueles que fazem uso dos nossos serviços. A sustentabilidade do registro de imóveis depende da sua atuação no mundo moderno e futuro, segundo diretrizes que serão construídas no decurso do tempo de acordo com as necessidades do momento. Qual oficial, há mais de 40 anos, conseguia imaginar que hoje recepcionaria títulos assinados digitalmente ou arquivos de dados representando um título? Quais as suas primeiras impressões jurídicas sobre a Lei 13.465/17? O que a senhora destaca de mais relevante no novo diploma legal? Pelo que se pode depreender do novo texto legal, chega-se a uma inegável conclusão, a de que a Lei nº 13.465 do corrente ano teve o escopo maior de proporcionar a inclusão, isto é, de possibilitar a regularização das situações fáticas existentes no que se refere às questões imobiliárias. E ela é ampla, abrangente e propicia a inclusão de todas aquelas situações até então marginalizadas. ARISP JUS 3
Considerando a realidade desta serventia, podem ser citados três temas trazidos pela nova lei, os quais se mostram bastante relevantes e aplicáveis na prática. São eles: a usucapião extrajudicial; a regularização fundiária; e, as novas modalidades de condomínio. No que se refere ao procedimento da usucapião extrajudicial, é notório que a sua maior alteração foi considerar a anuência tácita daquele detentor de direitos reais, seja do imóvel usucapiendo, seja dos imóveis confinantes. Ou seja, o silêncio deles passou a implicar em concordância com o pretendido. Tal modificação legislativa não só alterou os procedimentos, mas sim viabilizou a colocação em efetiva prática deste procedimento extrajudicial propriamente dito. Trata-se de mais uma forma de desjudicialização, que, com a mudança da lei, foi viabilizada e, assim, atingirá a finalidade primeira do novo diploma processual civil, ou seja, buscar a solução extrajudicial para aqueles casos em que não haja uma lide. Espera-se, diante das novas previsões legislativas, ter um procedimento seguro e célere. A segunda alteração da lei acima mencionada, que se mostra bastante relevante e impactante para a nossa região, é aquilo concernente à regularização fundiária urbana. Como previsto na própria legislação em comento, a regularização fundiária, tal qual previsto na novel lei, abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, todas elas destinadas à inclusão de núcleos na regularização urbana. Tais modificações legislativas possibilitam não somente a regularização daquelas áreas ocupadas por pessoas que não tem baixa renda, mas inclusive e principalmente aquelas localidades ocupadas por população com baixa renda. Fato é que há bastantes lacunas legislativas ainda a serem preenchidas. Contudo, um aspecto não pode ser ignorado, que é a redução da atuação do 4
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registrador de imóveis, na medida em que há a atribuição de várias ações ao município. De todo modo, esta atuação do registrador de imóveis ainda será significativa na possibilidade de se firmar convênio com o município, tudo no intuito de se regularizar todas as situações fáticas já existentes. Além disso, ainda quanto à regularização fundiária, podem ser citadas, mais especificamente, como alterações bastante importantes: a previsão da regularização mista; a inclusão da apreciação dos aspectos ambientais nos casos de regularização de ocupação consolidada em áreas protegidas; a obrigatoriedade do município em indicar os responsáveis pela complementação de infraestrutura; e, a possibilidade de o município vender áreas sobressalentes nas Reurb-s. Quanto ao terceiro tema, houve a criação de novas figuras. Assim, também no que se refere aos condomínios de lotes, nota-se uma grande alteração da legislação com efeitos práticos relevantes. Embora se trate de matéria vastamente discutida, tanto pelo Legislativo como pelo Judiciário, com a entrada em vigor da nova lei, percebeu-se uma grande possibilidade de regularizar a situação fática existente em muitas localidades. Em que pese ainda pender de regulamentação municipal, fato é que agora, ao lado dos condomínios edilícios verticais e horizontais, existirá o condomínio de terrenos sem edificações. Constata-se aqui novamente a viabilização da regularização da realidade já existente. No que se refere ao condomínio urbano simples, nova figura criada pela lei aqui referida, a situação não é diferente, uma vez que também se presta a regularizar muitas das construções efetivamente existentes e que, diante da legislação até então em vigor, não podiam ser regularizadas. Assim, para os casos de condomínio mais simples, comumente localizados na região central da cidade ou em bairros de baixa renda, nos quais haja mais de uma
edificação em um mesmo terreno, por exemplo, poderá haver a aprovação e a consequente abertura de matrículas individualizadas. Do mesmo modo, com referência ao loteamento com acesso controlado, a partir da entrada em vigor da lei, há diretrizes gerais estabelecidas para a sua implantação, válidas em todo o território nacional, e proteção jurídica às associações constituídas com intuito de manutenção do empreendimento e disciplina das relações de convivência dos moradores, possibilitada a participação dos proprietários no pagamento das despesas decorrentes
dessas ações. Além desses três temas acima realçados, necessário ainda mencionar, por fim, a criação do novo direito real, o de laje, e a legalização da disciplina administrativa relativa aos conjuntos habitacionais. Embora na nossa região se acredite não ter grande impacto, em face da existência de poucas situações enquadradas em tais casos, não se pode deixar de mencionar tamanha inovação. Novamente aqui se vê o intuito da legislação em possibilitar a regularização de todas as situações fáticas até então não passíveis de serem sanadas.
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ARTIGO AS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS E O NOTARIADO CIENTÍFICO Por Ruy Veridiano Patu Rebello Pinho
INTRODUÇÃO O notariado é uma instituição cuja origem histórica é de difícil precisão. De toda forma, é de indagar-se em que momento no curso dos sistemas jurídicos derivados do tronco romano-germânico é possível atribuir-lhe o caráter científico, deixando de ser um ofício estritamente praxista passado entre as gerações. Essa transformação de arte para ciência notarial deve necessariamente perpassar pela fundação das universidades medievais, com especial atenção para a Universidade de Bolonha, possivelmente a primeira a transmitir os ensinamentos jurídicos, buscando-se identificar de que maneira o direito ali se tornou um curso autônomo e como isso pode ter repercutido sobre a formação do notariado ao término do período medieval.
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Ademais, a verificação dos primeiros traços científicos conferidos às notas é de suma importância para a percepção dos vestígios e dos influxos deixados sobre as modernas instituições notariais e registrais, as quais, embora ainda pouco estudadas na academia, vêm adquirindo progressivamente mais espaço, merecendo, por tal motivo, uma investigação detida acerca de suas origens como ramo próprio do saber jurídico. Afora o aspecto doutrinal, torna-se fundamental investigar o desenvolvimento da instituição no cotidiano forense após esse marco científico, com a gradual separação das funções notariais de outras comumente embaralhadas. Para tanto, importante não só recorrer-se à realidade histórica italiana, mas também à francesa, que, além da precoce evolução da Universidade de Paris, contou com imensa proliferação de notários nos principais centros urbanos do território gaulês. Dessa forma, pelo uso dos métodos hipotéticodedutivo, dialético e histórico-evolutivo, intentase, pela coleta de importantes obras que se dedicaram ao nascimento das universidades e ao caminhar da instituição notarial no Ocidente, confrontar as principais ideias lançadas pelas pesquisas pertinentes à historiografia jurídica, procurando-se averiguar em que medida é possível apontar a Escola de Bolonha como berço do notariado científico da maneira como concebido hodiernamente. 1. AS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS 1.1. FUNDAÇÃO O surgimento das universidades no período medieval representa importante fato histórico na evolução do pensamento ocidental, sendo por isso
muito equivocada a suposta ideia de que a Idade Média é o período das trevas no que concerne aos estudos e ao desenvolvimento da ciência. Na realidade, combinadas com a fundação das ordens mendicantes e com a tradução das obras aristotélicas, as universidades medievais foram fundamentais para o avanço intelectual na Europa (CORRÊIA, 1941, p. 37), principalmente com as três principais, quais sejam Bolonha, Paris e Oxford, responsáveis por construir ambiente propício ao desenvolvimento de novos ideais que tomavam como ponto de partida o pensamento extraído da antiguidade clássica, esquecido por alguns séculos do medievo em virtude do esfacelamento do Império Romano.1
autoridade secular, à época em confrontação com o pontificado.3 Esses dois centros políticos em tensão precisavam de profissionais para assessorá-los, de forma que os funcionários de ambas as cortes deviam buscar o ensino em algum studium, tais como Chartres, Orleães, Reims, Lyon, York, Salisbury, Paris, Ravena, Pavia e Bolonha (TAMAYO Y SALMORÁN, 1987, p. 41).
Procedendo-se, então, a esclarecimento terminológico, embora ainda possam aparecer explanações que relacionam a origem da expressão “universidade” ao conjunto de faculdades, isto é, ao conjunto de ramos do conhecimento congregados numa mesma instituição, a verdade é que o indigitado termo não nasce com a hodierna De todo modo, preliminarmente importa carga semântica. Com efeito, “universidade”, na notar que a evolução das escolas medievais origem, quis significar simplesmente o agregado de em direção às universidades ocorre por força estudantes e professores, ou, se pretender realizar do revigoramento do Direito Romano,2 que aproximação ainda mais generalizante, o conjunto passou a servir de bandeira ideológica para a de pessoas (RASHDALL, 1936, p. 3-5). Ao término do século XII e no início do XIII, os historiadores 1 Nesse contexto intelectual, note-se, consoante observação de Lynn encontram registros do uso do termo para se Thorndike (1949, p. 26-67), que em Paris foi proibida por razoá- referir às corporações, seja de estudantes, seja de vel período a leitura pública ou privativa tanto das obras filosóficas aristotélicas como das redigidas por seus comentaristas. Caso algum mestres, malgrado também aplicado para guildas estudante ou professor descumprisse essa determinação, seria exco- e municipalidades recém-formadas. Aliás, no mungado e, a partir de então, considerado um herege. A reabertu- tocante às guildas escolásticas, também se notam ra intelectual só ocorre em torno de 1250, quando se volta à farta consulta e ao ensino do pensamento aristotélico. Nesse sentido, im- os sinônimos “comunidade” e “faculdade”. portante regredir-se um pouco na linha histórica para recordar-se a entrada de Aristóteles na parte ocidental do continente europeu graças às traduções árabes e aos filósofos comentaristas de sua obra, máxime Avicena e Averróis, que colaboraram para a concepção de verdadeiro sistema oriental aristotélico (VERGER; CHARLE, 1996, p. 37). Esse arcabouço teórico ingressa no norte da Europa por força das invasões mouras na península ibérica, notando-se, destarte, que a corrente de pensamento se moveu na direção leste e nordeste, a partir de importantes cidades espanholas. 2 Há uma frase de Haskins (1968, p. 382) que auxilia na desmistificação do nascimento das universidades medievais, quando se refere à Universidade de Paris: “Like all the oldest universities, it was not founded but grew”. A frase sintetiza uma ideia nuclear que consiste no fato de serem elas o resultado de uma evolução natural das escolas das sete artes liberais. Na parte europeia ocidental de um modo
Embrionariamente, a palavra “universidade” nunca foi utilizada sozinha para aludir ao centro de estudos, de modo que as expressões estavam 3 Na parte europeia ocidental de um modo geral, e mais especificamente no território da Gália, desde o reavivamento educacional conduzido por Carlos Magno o ensino ficou restrito a monastérios e catedrais, apenas com a figura singular do mestre que poderia ou não integrar o corpo dos eclesiásticos (HASKINS, 1968, p. 382). No século XII, todavia, cresceu significativamente o número de estudantes que pretendiam terminar seus estudos para lecionar, ampliando-se, por isso, com o transcorrer dos anos, o número de mestres nas cidades (RAIT, 1912, p. 6). ARISP JUS 7
sempre grafadas com a articulação de uma locução adjetiva, verbi gratia, “de mestres”, “de mestres e estudantes” e “de estudos”. Com o passar do tempo, porém, restringiu-se sensivelmente o campo semântico a um tipo específico de guilda ou corporação. Entretanto, consoante Rashdall (1936, p. 5-6), “universidade” não era aplicada nas ocasiões em que se pretendia mencionar o lugar onde instalada, tampouco o coletivo de instituições de ensino.
de autoridade do saber. De toda forma, três deles eram insignes em toda a Europa, conforme a especulada cronologia de fundação: Salerno pelo ensino da Medicina, Bolonha pelo direito e Paris pela teologia. No final do século XIII, todavia, cessa a ampla liberdade de fundação ou atribuição do nome studium generale em razão da disputa de poder entre Sacro Império Romano-Germânico e papado, ambos com pretensões de estender seu círculo de influência sobre os centros de alta educação. Em 1224, o Imperador Frederico II funda o studium generale de Nápoles, ao passo que, cinco anos depois, o Papa Gregório IX instala o de Toulouse e, já entre 1244 e 1245, o Papa Inocêncio IV estabelece um studium dentro da própria corte pontifical. Conforme Rashdall (1936, p. 8-9), esse embate entre poderes secular e eclesiástico induz ao entendimento de que a fundação dos studia é prerrogativa exclusiva de tais autoridades.
Dessarte, a instituição acadêmica em abstrato era chamada de studium e, para diferençála de uma escola qualquer, ou de um seminário, ou, ainda, de um estabelecimento educacional privado, utilizava-se a expressão studium generale, novamente se ressaltando não dizer respeito ao conjunto de faculdades, mas sim ao local onde estudantes de todas as partes eram recebidos. Essa observação é respaldada no fato de que pouquíssimas universidades tinham todas as faculdades disponíveis em seu catálogo, o que evidentemente repugna eventual tentativa de A disputa política com interesse nos centros estender sua denotação ao sentido mais moderno. universitários era tão evidente que, para fazer com que Toulouse gozasse do mesmo prestígio Ao chegar ao século XIII, os studia se desfrutado por Paris e Bolonha, o Papa Gregório generalizam a ponto de o nome se tornar vago e IX editou uma Bula em 1233 que tinha por objeto sem um campo semântico muito bem delimitado. conceder a qualquer mestre admitido naquela No entanto, ao menos três características são universidade o direito de lecionar livremente em consagradas como típicas a todos eles: a recepção qualquer outro studium, independentemente de de alunos estrangeiros, um lugar onde se ensina a novo exame de qualificação – tecnicamente, era alta educação, isto é, onde se leciona pelo menos o denominado ius ubique docendi. Com o passar medicina, teologia ou direito, e, em terceiro lugar, do tempo, outras cidades, ávidas por terem seus um centro educacional em que as disciplinas centros também reconhecidos no seleto grupo de sejam ministradas por um número considerável de universidades europeias, passaram a reivindicar mestres (RASHDALL, 1936, p. 7). ora ao papa, ora ao imperador uma bula que estendesse semelhante prerrogativa. De início, Ao longo do indigitado centenário, definir as bulas eram editadas com o fim precípuo de quais eram os studia generalia era muito mais uma autorizar eclesiásticos a estudarem em tais locais, questão de costume ou de uso do que propriamente mas em etapa seguinte passaram a voltar-se para a 8
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extensão do ius ubique docendi.4 A popularidade dessas bulas cresceu em tais proporções que, ao final do século XIII, até mesmo as tradicionais universidades de Bolonha e Paris receberam do papa Nicolau IV uma bula que outorgava idêntico privilégio a seus mestres.
a ser sinônimos.
Aduzida brevemente a evolução das universidades na Baixa Idade Média, destacam-se como arquétipos de studium generale Bolonha e Paris, conforme já ressaltado outrora, aparecendo pioneiramente nos últimos trinta anos do século A prática descrita acima se tornou a regra, de XII. Assim, enquanto Bolonha era nitidamente modo que, ao atingir o início do século XIV, só uma organização de estudantes, Paris era o poderiam ser reconhecidos como universidades inverso, ou seja, uma corporação de mestres. Cada aqueles centros de estudo fundados pelo papa ou uma estava envolvida num ambiente intelectual pelo imperador. um pouco distinto: Bolonha se debruçava sobre o estudo do Direito Romano, sendo a casa da Portanto, em que pese a luta pela aquisição de Escola dos Glosadores, razão por que tinha como terreno político, a origem das universidades está principal disciplina o direito;5 Paris, fortemente situada na formação de guildas escolásticas de influenciada pelo método escolástico, sobressaíamestres ou de estudantes espalhadas nos polos se pela dialética e pela teologia especulativa. urbanos europeus, as quais se multiplicaram independentemente de chancela advinda do poder papal ou imperial. Os dois principais studia eram Com efeito, não se omite que havia antes de Bolonha e Paris, deles saindo mestres dissidentes Bolonha e Paris a escola de Salerno, a qual se que iam para outros pontos da Europa fundar novos centrava no estudo da medicina, mormente dos centros universitários – por exemplo, a criação da ensinamentos oriundos dos conhecimentos grego universidade de Oxford é decorrência da secessão e árabe, com especial atenção para anatomia e verificada em Paris (RASHDALL, 1936, p. 16). cirurgia (PEDERSEN, 1997, p. 123). Apesar de antecipar-se às duas primeiras, Salerno não tinha Quando do término da era medieval, o termo o formato de universidade, sendo simplesmente universitas já estava associado ao studium generale composta por um conjunto de médicos que foi estruturado de maneira semelhante a Paris ou a prestigiado por Frederico II. Esse traço estrutural Bolonha. Os studia já não mais representavam como ideia principal o ius ubique docendi, mas, sim, 5 John Gilissen (2008, p. 345) recorda que já na segunda metade do uma organização escolástica à qual foi conferida século XIII o protagonismo dos glosadores bolonheses declina, de uma série de prerrogativas. Seguindo-se a trilha modo que a Escola de Orleães, também chamada de Ultramontani, ascende como corrente oposicionista, valendo-se mais da dialética e investigativa de Rashdall (1936, p. 17-18), no século de uma argumentação mais refinada. Esta escola fez parte do reinado XV não mais se verifica a originária distinção entre francês, do parlamento parisiense, da administração do condado universitas e studium generale, termos que passam de Flandres e dos bispados de importantes cidades francesas, 4 Nem sempre, no entanto, esse direito de lecionar noutros studia era respeitado pelas universidades mais tradicionais (Bolonha e Paris, por exemplo), as quais exigiam nova avaliação dos pretendentes a lecionar em seus recintos (RASHDALL, 1936, p. 13-14).
tendo por expoentes os professores Jacques de Revigny e Pierre de Belleperche. Interessante observar que o espaço temporal que marca o auge da Universidade de Orleães é precisamente o intervalo entre os glosadores e os comentadores, estes considerados sucessores daqueles em Bolonha, valendo-se da dialética para a construção de um sistema jurídico lógico-racional. ARISP JUS 9
explica a ausência de influência sobre outras instituições acadêmicas. Entretanto, em virtude das noções advindas da medicina árabe, a partir da segunda metade do século XIII começa o rápido declínio da instituição e, com a chegada do século XIV, já está completa a decadência de Salerno.
Nos próximos tópicos respeitantes às universidades medievais, dá-se atenção à fundação da Universidade de Bolonha, imprescindível para o posterior desenvolvimento do notariado científico.
Retornando-se aos casos de Bolonha e Paris, a despeito do brilho de ambas as instituições, não se nega que aquela tenha exercido maior influência no continente europeu, sobretudo nos primórdios dos studia generalia. Isso é comprovado pelo fato de as universidades francesas serem descendentes de Bolonha, bem como de as escocesas se aproximarem em certos aspectos muito mais desta última do que dos modelos parisiense e oxfordiano. No entanto, não se deixa de frisar que as universidades inglesas derivam do modelo universitário magistral – logo, próprio de Paris –, porém com peculiaridades tão incisivas que forçam Rashdall (1936, p. 19) a qualificá-las como tertium genus.
Para se entender o aparecimento de Bolonha como principal universidade no ensino do direito durante a Idade Média, é indispensável primeiramente apresentar as particularidades que rodeavam a península itálica, principalmente a região da Lombardia, as quais configuraram importantes fatores concorrentes para o relevo bolonhês no cenário jurídico europeu.6 Dessa forma, importa começar admitindo que, na Itália, a educação de origem romana jamais se extinguiu completamente, ainda que se ponderem o obscurantismo medieval e o período beneditino, no qual apenas a Igreja e as suas respectivas autoridades eclesiásticas detinham o conhecimento (VERGER, 2001, p. 36). De fato, na Itália não houve o monopólio do clero sobre o ensino, como aconteceu, por exemplo, na França (TAMAYO Y SALMORÁN, 1987, p. 19). Assim, no norte da península havia um significativo número de professores leigos que teve enorme impacto no movimento de reavivar a cultura proveniente da antiguidade clássica. Ademais, some-se a isso a distinta compreensão da nobreza italiana do
Enfim, sob a o enfoque político, não se pode olvidar que nos séculos XII e XIII cresce o poder do papado sobre as universidades, seja pelo fomento ao desenvolvimento estudantil, seja pela dependência para com a autoridade religiosa como forma de levar adiante a atividade acadêmica, de modo que, já ao final do século XII, o controle eclesiástico da alta educação é praticamente total. Observe-se, porém, que em momento posterior há uma cooperação de reis e papado, o qual previamente aprovava a fundação feita pelos primeiros, com o intuito de combater heresias e fomentar o aprendizado no velho continente. A influência do poder temporal é irrefutável, mas não pode jamais ser confundida com o verdadeiro controle que cabia à Igreja.
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1.2. BOLONHA
6 Nathan Schachner (1962, p. 147) enfatiza o fato de Bolonha ser uma universidade dos alunos, enquanto Paris, a universidade dos mestres. Além disso, analisando-se o desencadeamento dos fatos, observa Paolo Vinogradoff (1950, p. 45) que a ida de Irnério – pai da Escola dos Glosadores e um dos maiores mestres da época – à instituição de ensino bolonhesa se deveu à Condessa Matilde, que, aliada ao Papa Gregório VII, impulsionou a criação de um centro de estudos em Bolonha com a finalidade de fazer um contraponto à influência exercida pela escola de Pavia, abertamente defensora do imperador.
norte, que visualizava nos estudos atividade de suma importância para a formação intelectual dos filhos, diferentemente dos nobres franceses ou germânicos, que ainda os consideravam degradantes, próprios para monges e padres de classes mais humildes (SCHACHNER, 1962, p. 149). 7
autônomo científico.
De toda forma, retomando as confrontações nas origens de Bolonha e Paris, as diferenças residem sobretudo nas condições sociais e políticas de cada região. Na França, a vida intelectual estava restrita aos mosteiros e escolas das abadias, enquanto as cidades-repúblicas do norte italiano Naquele momento, a alta educação lecionada ainda se valiam do sistema romano municipal, nas escolas – ainda sem o caráter universitário – cujo aproveitamento lhes permitia ter uma vida se limitava ao trivium e ao quadrivium, os quais, livre e vigorosa. Noutras palavras, percebe-se que combinados, formavam as chamadas sete artes o Direito Romano continuou sendo aplicado nas liberais no conhecimento secular. O trivium era cidades e escolas lombardas, independentemente composto de gramática, retórica e dialética, ao da contaminação decorrente das invasões bárbaras. passo que o quadrivium, de música, geometria, astronomia e aritmética. No cenário descrito, as cidades italianas mantinham nomes e formas oriundos do sistema Claramente, havia oscilações naquilo que jurídico romano, o que lhes trazia muita autonomia. preponderava em cada universidade, de forma Embora absorvido o reino lombardo pelo Sacro que, exemplificativamente, em Paris se dava muita Império Romano-Germânico, com o tempo as atenção à dialética, enquanto em Bolonha se cidades foram emancipadas das autoridades focavam gramática e retórica (RASHDALL, 1936, imperiais, passando a gozar novamente da p. 92). autonomia, finalmente garantida em 1183 com o Tratado de Veneza, na chamada Paz de Constança. A propósito, não se pode confundir o papel Mais tarde, as cidades italianas passaram a integrar de gramática e retórica naquele momento com o jogo político entre imperador e papado, fazendo sua utilização na modernidade. Isso porque, à alianças com um dos lados sempre como forma de época, tais disciplinas do trivium tinham não assegurar administração autônoma que beirava a só viés literário, mas também prático, servindo soberania de fato. de formidável aprendizagem para a lavratura de instrumentos jurídicos, portanto preparatórias da O extraordinário desenvolvimento das atividade de tabeliães e juristas em geral. Note- comunas italianas nortistas consequentemente se conseguintemente o início das conexões da criava demandas de cunhos político e comercial, academia com o notariado, estágio ainda muito que exigiam invariavelmente o estudo do Direito embrionário, no limiar do direito enquanto ramo Romano como forma de criar ferramental jurídico apto a estruturar a vida social. Repetindo-se o 7 Note-se, porém, que a composição da universidade era plural, asseverado alhures, a maneira de solucionar esses abrangendo estudantes dos mais diversos estamentos, que problemas práticos foi a retomada dos estudos se dividiam em nobres, medianos e pobres, além de alunos romanísticos, que, malgrado negligenciado por que se situavam economicamente em zonas intermediárias, séculos nos antigos territórios pertencentes conforme descreve Schwinges (1992, p. 206). ARISP JUS 11
ao Império Romano, nunca foi totalmente menosprezado naquela região (RASHDALL, 1936, p. 97). Essas circunstâncias colaboraram para que, nos primórdios da Escola de Bolonha, houvesse um entusiasmo por uma ciência do direito, que só foi possível graças à existência de comunidades democráticas, em coletividade estudantil autônoma e não hierarquizada, resultando com o passar dos anos na fundação da Universidade de Bolonha.
não teve seu ponto de partida em Bolonha, sendo, ao revés, fruto de gradual evolução do pensamento jurídico. Ademais, a própria dialética na citada cidade italiana tinha vieses prático e jurídico, diferentemente daquela desenvolvida em Paris, de caráter mais especulativo.
Cronologicamente, as escolas pré-bolonhesas são as de Roma, Pavia e Ravena, todas oferecendo as disciplinas integrantes das sete artes liberais. Em Na realidade, havia uma combinação do Direito complemento, Pavia já apresentava em sua grade Lombardo com o antigo Direito Romano, com curricular, ao lado do Direito Lombardo, o Direito pouquíssimos conhecedores deste último até então, Romano. apesar da aplicação de parte dele pelos tribunais da região. Muitas funções públicas, porém, tinham por Com o passar do tempo, contudo, aquele pré-requisito algum domínio diminuto do Direito subitem da retórica judicial passa a ser ínfimo Romano, que poderia ser absorvido por dois para as necessidades e o desenvolvimento da mecanismos diferentes: pela praxe e pela tradição disciplina, instante no qual se verifica em Bolonha que eram passadas a juízes, notários e advogados, a assunção do protagonismo do direito, que se ou pelo direito ensinado nas escolas medievais. liberta das amarras rígidas das artes liberais e se torna finalmente uma matéria autônoma. ObserveEssas observações confirmam o alerta de se, todavia, que isso ainda não era o bastante para Savigny, que em suas pesquisas já asseverava que retirar de Bolonha o caráter de escola de artes Irnério não havia sido o primeiro mestre do direito, liberais, tanto que a ida de João de Salisbury – justamente pela preexistência de tais escolas, não pensador que se consagrou tempos depois como obstante o alemão afirmar que o conhecimento professor em Paris – para lá com fito de aprender jurídico era transmitido preponderantemente pela dialética só confirma a excelência da instituição no prática (RASHDALL, 1936, p. 100). ensino do trivium. Na estrutura curricular das sete artes liberais, o direito ingressava como subitem da retórica, que se desmembrava em demonstrativa, deliberativa e judicial. O direito estava nesta última vertente e se conectava com a gramática e o prévio domínio do latim.
Deveras, o que realmente define a transição de escola das artes liberais para escola de educação técnico-jurídica é a inserção da arte do dictamen, isto é, da arte da composição, voltada para a escrita de cartas, seja de comunicações epistolares entre particulares, seja de regras técnicas para compilação de cartas papais, bulas e outros documentos Esse, portanto, o embrião do direito como jurídicos. O posicionamento do dictamen no ciência lecionada na universidade, o que bem sistema de ensino era um meio-termo entre a demonstra que, assim como a escolástica não se gramática e o direito, sendo Bolonha notoriamente iniciou na universidade de Paris, o Direito Civil a mais abalizada instituição que ministrava a 12 ARISP JUS
aludida disciplina, de maneira a se reconhecer que jamais alcançado por outro ramo do saber “a escola do dictamen era o berço da escola especial especulativo. de direito” (RASHDALL, 1936, p. 110). 2. O NOTARIADO MEDIEVAL E A SUA É no período de Irnério, aliás, que a ascensão de FORMULAÇÃO EM BASES CIENTÍFICAS9 Bolonha se concretiza, marcando definitivamente a história do direito ocidental, apesar de ser 2.1. O NOTARIADO NO PERÍODO muito prudente uma ressalva metodológica da MEDIEVAL perspectiva historiográfica segundo a qual as Embora seja inegável que a fragmentação mudanças introduzidas em Bolonha se iniciaram política do período medieval vulgarizou o uma geração antes do fundador da Escola notariado em virtude da nomeação desmesurada dos Glosadores e provavelmente só estiveram de pessoas despreparadas para a função, por perfeitamente acabadas na geração seguinte.8 outro lado possibilitou a disseminação da cultura notarial, uma vez que a diversidade de autoridades Opta-se, dessarte, por adotar as cinco principais políticas – reis, nobres, bispos e papas – exigia cada causas identificadas por Rashdall (1936, p. 120) qual seu corpo de tabeliães (REYERSON; SALATA, como responsáveis pelo apogeu da Universidade de 2004, p. 1).10 Bolonha no âmbito jurídico: a retomada do estudo do Digesto; a abordagem técnico-jurídica, em oposição à antiga abordagem meramente literária dos textos do Corpus Iuris Civilis; a sistematização 9 Observa-se aqui divergência historiográfica quanto à figura sugedo estudo jurídico pela completa abordagem da rida como embrião para o nascimento do notariado. Desse modo, compilação de Justiniano; a autonomização do apesar de não se preocupar com tais indicações, apenas se consigna Direito como curso autônomo, desamarrando- que há entre os especialistas um dissenso se o escriba na civilização hebraica seria a primeira classe assemelhada ao notário, em torno se da retórica; o novo perfil dos estudantes, mais de 600 a. C. (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 6), ou se a origem estaria velhos, mais independentes e de origem secular, reduzida à figura do sacerdote memorista, que recordava os cânones normalmente advenientes da nobreza. Recorde-se, do direito divino e resguardava os negócios praticados pelas partes (MARTINS, 1979, p. 2). Avançando-se um pouco em direção ao enfim, que os professores de Bolonha tinham um Direito Romano, é importante consignar que a doutrina não chega apreço social muito mais elevado do que os mestres a um consenso quanto à natureza jurídica dos instrumentos conde outras áreas da academia, pois o conhecimento feccionados pelos tabelliones, de modo que, de um lado, afirma-se que eram meros documentos particulares, que só adquiririam força jurídico refletia imenso valor político-comercial, probatória de instrumento público após confirmação por testemu8 Realmente, Franz Wieacker (2004, p. 56) afirma que há indícios de que Irnério foi inicialmente professor de gramática, sobretudo com base em inferências a partir de glosas e obras do jurista medieval. De todo modo, o período de atuação do célebre glosador suscita debate em doutrina: Rashdall (1936, p. 119), por exemplo, entende que o fundador da Escola dos Glosadores atuou nos trinta primeiros anos do século XII, ponto em que é acompanhado por Wieacker (2004, p. 56), o qual indica registros do trabalho do glosador em 1118; distintamente, Vinogradoff (1950, p. 45) antecipa a data para o final do século XI, próximo a 1088.
nhas perante autoridade judicial (SILVA, 1979, p. 22); de outro lado, entende-se, por depreensão de trechos das Novelas de Justiniano, que a investidura oficial dos tabelliones é o bastante para assegurar aos instrumentos por eles produzidos a força probante de ato público (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 32). 10 As autoras pendem para uma interpretação positiva do feudalismo no que concerne ao desenrolar das notas. Numa visão discrepante das norte-americanas, João Mendes de Almeida Júnior (1963, p. 60) vê no sistema feudal um fator coibitivo do avanço notarial, já que os privilégios de nomeação de notários conferidos aos senhores feudais ocasionou a proliferação desmesurada de tabeliães, sendo boa parte despreparada para o aludido mister. ARISP JUS 13
No século V, veem-se oficiais com o nome de notarii, que integravam a chancelaria pontifícia e outras chancelarias eclesiásticas, formando corporação nomeada de “escola” (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 54). Dessa forma, haja vista o relacionamento com as autoridades religiosas, antes mesmo da invasão bárbara os notários já gozavam de grande prestígio social. No século VII, o Código Visigótico estabelecia que os condictores deveriam lavrar as escrituras. Essas pessoas eram clérigos que não podiam instrumentalizar documentos que versassem sobre negócios laicos, porém mesmo assim os confeccionavam, ainda que não estivessem investidos de autoridade pública. Mais adiante, nos séculos VIII e IX, nota-se marcante influência da legislação canônica sobre a península itálica, faixa territorial sobre a qual a Igreja estendeu seus poderes políticos. Esse momento é fundamental para demarcar uma nítida guinada na posição dos tabeliães, os quais passam a exercer função nobre e honrosa, qualificados por serem cultos e doutos, de forma a confluírem esses predicados para que ingressassem até mesmo na corte papal em Roma (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 46). Na Baixa Idade Média, como indicado alhures, com a fundação e a expansão da Escola dos Glosadores em Bolonha conduzidas pelas mãos de Irnério, o estudo minucioso da obra justinianeia possibilitou que se recuperasse de alguma forma parcela da tecnicidade jurídica dos romanos. Decerto, entre os séculos XI e XIII, esse movimento acadêmico e a corrente que lhe sucedeu contribuíram para se apurar a função notarial, haja vista a degradação verificada com o fim do Império Romano Ocidental, determinante 14 ARISP JUS
para imprimir à atividade tabelioa um caráter acentuadamente praxista, em detrimento dos conhecimentos jurídicos acumulados durante a civilização romana. Nesse sentido, pertinente aduzir a observação das professoras norte-americanas Reyerson e Salata (2004, p 3), profundas conhecedoras da história medieval, as quais destacam, além do movimento intelectual de Bolonha, a disseminação do uso do notário nas regiões da Itália e do sul da França como consequência de outros elementos históricosociais, tais como o crescimento das instituições governamentais burocráticas, o aumento de complexidade na troca internacional e as inovações negociais, todos fatores exigentes da prova escrita, que passa a ser admitida nos tribunais a partir do século XIII. Da ótica dos chamados “órgãos da fé pública”, o mesmo século XIII é visto como período de reconstrução dos caminhos para seu desenvolvimento institucional (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 61). Primeiramente, há que se rememorar a busca pela uniformidade de calendário para seguir o nascimento de Cristo, com o escopo de assegurar a estabilidade das trocas comerciais. As cruzadas e o regime comunal também são fatores fundamentais para açodar a derrocada do feudalismo. Entretanto, o sistema feudal não foi o único alvo atacado por essas mudanças. No período beneditino, os clérigos se ocupavam com exclusividade da lavratura de instrumentos comprobatórios de negócios jurídicos, mas a consolidação das comunas permitiu que reis e papas tivessem aliados para combater os senhores feudais, o que, em última análise, revigorou o uso da forma escrita nos próprios centros urbanos. O estilo, porém, não era
dos mais louváveis, pois se redigia no latim rústico repleto de solecismos. Nesse diapasão, a importância do imperador e das realezas para o progresso notarial é indiscutível. A título ilustrativo, no Sacro Império RomanoGermânico, Frederico II (1215-1250) promulgou um tratado de paz em 1235 que permitia aos magistrados terem notários para a anotação de procedimentos, recursos e julgamentos, enquanto o rei Felipe IV da França (1285-1314) criou um departamento de notários reais para a escrituração de documentos oficiais (REYERSON; SALATA, 2004, p. 5). Outrossim, na Idade Média não existem limites claros quanto às extensões das justiças eclesiástica e secular, notando-se, por isso, as marcas deixadas pelo Direito Canônico, dentre elas o forte caráter formal no tocante ao procedimento processual e a preferência pela prova escrita. Logo, quando do brado pelo robustecimento da jurisdição secular, boa parte dessa técnica foi aproveitada, bastando lembrar a superação das ordálias (ou “juízos de Deus”) e dos duelos. Nessa evolução, tem-se, a corroborar a instrumentalização dos negócios por sujeitos laicos, a opção do papado pela repulsa à interveniência dos clérigos para documentar os atos profanos, somada ao crescimento vertiginoso do número de negócios e à nacionalização do linguajar forense, os quais concretizaram a retomada das funções de auxiliares e de serventuários da justiça. Ao final do medievo, próximo à transição para a Idade Moderna, a sedimentação das rotas comerciais pela Europa exigiu maior intervenção dos notários para a constituição de prova que preservasse os negócios no tempo, conferindo ao
tráfego mais segurança jurídica, com a redução de lides e incertezas potencializadas em contratações meramente verbais.11 Na vasculha dos livros notariais da época, verifica-se a amplitude de matérias tratadas pelos notários. Assim, a clientela vasta e plural abarcava cristãos e judeus, homens e mulheres, pobres e ricos, que buscavam a escrituração de fatos importantes para suas vidas, verbi gratia, casamento, testamento, resolução de controvérsias, compras de terra, casas, tecidos, comida e vinho, procurações, cursos para aprendizado de uma técnica ou profissão, confissão e refinanciamento de dívida, entre outros acontecimentos e negócios jurídicos de relevo social (REYERSON; SALATA, 2004, p. 13). 2.2. O DESENVOLVIMENTO DO NOTARIADO CIENTÍFICO NA UNIVERSIDADE MEDIEVAL E A EVOLUÇÃO NA PRAXE FORENSE A importância da Escola dos Glosadores para inaugurar a cientificidade do notariado da maneira como é conhecido hoje se prova pelo acervo bibliográfico produzido pelos autores italianos, cumulado com a atenção acadêmica que lhe foi dada durante os séculos XI e XII.12 Na Universidade de Bolonha, por exemplo, fundou-se curso especificamente voltado para a arte notarial, tendo-se em vista a sofisticação alcançada por esta 11 A corroborar o afirmado acima, Regnoberto Melo Júnior (1997, p. 34) destaca a indispensabilidade do comércio para que progredisse o notariado durante a parte derradeira do período medieval. 12 Na análise dos textos amealhados na obra de Justiniano, os glosadores se valiam basicamente da metodologia derivada da escolástica, também utilizada nas novas escolas europeias da época para deslindar os problemas postos na ciência e na teologia (WIEACKER, 2004, p. 47). ARISP JUS 15
atividade, que passou a fazer parte de negociações e arbitragens nas comunas.
participando da Chancelaria de Bolonha, do colégio notarial desta comuna e da sociedade de banqueiros, entidade na qual atuava como assessor De fato, em Bolonha, tem-se como fundador da – a reforçar, portanto, a constante interação entre Escola Notarial o mestre Ranieri di Perugia, que notariado e atividade comercial. elaborou a Summa artis notariae, consistente em estudo exegético da legislação vigente, utilizada Sobressaem, dessarte, no catálogo de também como base bibliográfica de suas aulas. Rolandino obras como Summa ars notariae, Flos Esclareça-se, ademais, que a palavra “arte” naquele testamentorum, Tractatus notularum, Aurora e De momento era empregada para significar uma officio tabellionatus in villis vel castris. Apenas para técnica, ainda um pouco distante da compreensão exemplificar os temas concernentes aos trabalhos, como ciência, estágio este alcançado com o o primeiro deles era partido em quatro livros, caminhar dos estudos sobre as notas. Summa, por com enfoque acentuado nos formulários, sendo o sua vez, podia significar tanto o conhecimento primeiro referente a obrigações, contratos em geral adquirido ao longo dos séculos como a sapiência e casamento; o segundo ligado a testamentos e consolidada pelo próprio autor, método de redação codicilos; o terceiro ligado a juízos gerais, atuações comumente optado graças à escassez de papel, que concretas e expedições de cartas; e o quarto forçava os escritores a resumir todo o conhecimento dedicado às cópias e à reprodução de escrituras adquirido desde a Antiguidade até a época em que (PONDÉ, 1967, p. 163). redigiam (PONDÉ, 1967, p. 152). Dirigindo-se, então, aos últimos momentos Os protagonistas do cenário acadêmico- da Escola de Bolonha, recorda-se do sucessor de notarial, no entanto, foram Rolandino Passaggeri Rolandino, Pedro de Unzola, comentarista da obra e Salatiel, arquirrivais não só na esfera doutrinária, de seu mestre, tendo inclusive ascendido à mesma mas também na ideológica, já que o primeiro era cátedra ocupada por aquele, sendo muito lembrar alinhado aos guelfos, ou seja, aos defensores do por ter conseguido terminar Aurora, obra deixada papado, ao passo que o segundo aderia ao partido incompleta por Rolandino. dos gibelinos, que pugnava pelos interesses do imperador.13 O ciclo de notarialistas se encerra com Pedro Boaterio, que, segundo registros históricos, já A despeito do embate, Rolandino teve maior não tinha o magnetismo de seus predecessores, relevância para a escola notarial, pois sua produção mas se mostrava um docente de similar qualidade bibliográfica superou em demasia os escritos (PONDÉ, 1967, p. 167). deixados por Salatiel. Como se não bastasse sua reputação doutrinária, Rolandino foi um homem De toda forma, com o intuito de encerrar esse muito bem relacionado social e politicamente, roteiro acadêmico sem gerar um mal-entendido, deve-se clarear que apesar de Bolonha ser sem sombra 13 Pondé (1967, p. 156) explica que o termo Passaggeri decorria de dúvidas o maior centro medieval de estudos de passaggero, significativo da pessoa que angariava recursos notariais, outras cidades italianas como Pádua, pela cobrança de pedágios, trabalho à época desempenhado por Pavia, Florença, Perugia, Siena, Modena e Ferrara Rolandino. 16 ARISP JUS
também desenvolveram contemporaneamente pesquisas científicas dedicadas ao notariado, haja vista o estado socioeconômico atingido no norte italiano no transcurso da Baixa Idade Média.
trespassados dos senhores feudais para os juízes, enquanto aos notários competiam a expedição e a publicação de contratos em nome das autoridades judiciais. Esta última peculiaridade fazia com que, similarmente às sentenças, os atos notariais Assim, com arrimo nos registros históricos e no franceses tivessem executividade, atributo do ato conteúdo das obras notariais da época, percebe- notarial inexistente à época do Direito Romano se que nas cidades medievais italianas os notários (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 85). lavravam testamentos, contratos, atos judiciários e atos das comunas. Essas obras contribuem para o Nesse contexto, o rei Luís IX, inspirando-se em estabelecimento de princípios gerais concernentes Carlos Magno, extingue, com o fim de prestigiar o às condições de exercício da atividade notarial e notariado, a possibilidade de concentrarem-se na às solenidades indispensáveis, num arcabouço de mesma autoridade as funções de instrumentação fontes que passa por Direito Romano, costumes, de contratos e de julgamento de lides, ocasionando, legislação lombarda e Direito Canônico.14 assim, a separação da jurisdição voluntária. Para Nos anos posteriores, o material científico efetivar tal intento, Luís IX alocou em Paris sessenta proporcionou a elaboração de muitos estatutos notários régios, os quais exerciam sua atividade na notariais nas várias comunas italianas, os quais prefeitura municipal (chamada de Chatelet). estabeleciam normas éticas e requisitos para se tornar um notário. Além disso, progressivamente Já no século XIV, Felipe, o Belo, foi reverenciado os notários passaram a se associar em espécies por estender o notariado a todo o reino, além de colégios notariais, aos quais cabiam fiscalizar de obrigar o registro de todos os atos notariais, e dirigir a atividade tabelioa, velando pela salvo na hipótese de ter sido lavrado por tabelião conservação dos atos e cuidando da regulamentação parisiense – embora mais tarde a regra houvesse dos honorários. Aos poucos, a força dessas igual aplicabilidade aos notários de Paris, mediante corporações aumentou, de forma a alcançarem o Ordonnance de Carlos VII em 1437. Da mesma poder de impedir que pessoas não filiadas a elas forma como verificado em Bolonha e nas suas pudessem exercer o mister notarial. redondezas, o notariado gaulês paulatinamente passou a organizar-se em colégios e a elaborar Analisando-se a situação do notariado medieval estatutos com o fito de disciplinar a profissão. francês, além da paralela escalada do direito na Universidade de Paris, começa-se observando a Da perspectiva da formação intelectual do confusão embrionária das funções de lavratura de notário, há registros de estatutos – por exemplo, de atos e realização da justiça. Os julgamentos foram Marselha e de Tarascon – que exigiam ao menos a frequência à universidade para obter a instrução de paralegal (assistente jurídico), o que explica o 14 Quanto à influência da Igreja nas notas, observa Regnoberto Marques de Melo Júnior (1997, p. 35) que todos os princípios do conhecimento de fórmulas jurídicas para garantia e notariado moderno advêm do direito canônico, ilustrando da isenção de que contratos não fossem submetidos a seguinte maneira: “Como exemplos dessa afirmação temos a noção processo judicial litigioso (REYERSON; SALATA, de fé pública, a sacramentalidade das formas e a consagração da 2004, p. 10). Ademais, normalmente os notários escrita nas convenções extrajudiciais e provas judiciais”. ARISP JUS 17
falavam mais de um idioma para atender às necessidades dos comerciantes que viajavam pela parte ocidental do velho continente, habilitandose, destarte, em francês, italiano e alguns dialetos hispânicos, idiomas falados nos principais polos comerciais do final da Idade Média. Os registros literários de Dante e de Boccaccio, por exemplo, ainda que ambiguamente representem os notários ora em sentido depreciativo, ora em sentido positivo não refutam em nenhum momento o fato de serem homens altamente treinados e capacitados para o desempenho da profissão tabelioa. No tocante à técnica de lavratura dos atos, havia três tipos de escrita: o resumo (breve), a minuta (nota) e o ato estendido (grossus). Como os próprios nomes indicam, tem-se um crescente rigor formal na elaboração dos atos, naturalmente tornando a última das técnicas a mais apropriada para comprovação e preservação do fato no tempo. Evidentemente, quanto mais complexa e detalhada fosse a técnica, mais tempo e cuidado eram requeridos do tabelião, o qual, por sua vez, cobrava taxas mais elevadas proporcionalmente à extensão do instrumento redigido.
e a assinatura e titulação do notário (REYERSON; SALATA, 2004, p. 27). Portanto, pelo avanço prático e científico vivenciado por tabeliães de notas nos séculos XII e XIII, o protocolo notarial por si só fazia prova das obrigações contratuais, embora os historiadores não se tenham deparado com fragmentos que sugerem a produção de prova pela juntada de folhas do livro de notas em juízo. Independentemente disso, entende-se que esse atributo probante do instrumento notarial, apto, por conseguinte, a fazer prova em litígios judiciais, contribuiu para a sobrevivência do protocolo notarial desde a Baixa até o final da Idade Média no sul da Europa. 3. IMPORTÂNCIA PARA O MODERNO NOTARIADO
Os registros históricos apresentados nos tópicos precedentes são cruciais para firmar a instituição notarial no Ocidente. Assim, no período medieval, mais precisamente após a rica produção acadêmica da Escola dos Glosadores em Bolonha, o notário, que desde a Alta Idade Média remanescia como profissional eminentemente A composição dos atos notariais curiosamente prático, de conhecimento empírico que se passava se assemelhava muito ao atual estilo redacional de geração para geração, tem um revigoramento das escrituras públicas. Desse modo, havia o técnico-abstrato que lhe confere respaldo teórico protocolo, o corpo e o encerramento do ato: o no desempenho de sua função. primeiro significava a abertura, indicando data e outras questões introdutórias; o segundo abrangia Por consequência, essa crescente carga teóricoo conteúdo do negócio e a identificação das jurídica acrescentada ao mister notarial exigiu partes, chegando inclusive a prever contingências dos aspirantes à profissão o adequado preparo que poderiam levar à resolução ou à invalidação intelectual, implicando a passagem pelos bancos do negócio jurídico, em cláusulas previsoras, universitários europeus, centros de estudo em que por exemplo, de colheitas ruins, desvalorização se aprendiam a dialética, a retórica, a gramática da moeda, roubo, pirataria nos mares e evicção; e o direito, arsenal cognitivo indispensável na finalmente, o encerramento continha o lugar onde formação de um tabelião talhado para manipular o contrato foi instrumentado, a lista de testemunhas as categorias jurídicas aplicáveis aos fatos a ele 18 ARISP JUS
encaminhados. A recorrência ao notário na sociedade medieval consolidou a função entre os órgãos oficiais – composição esta que já se constatava no Império Romano –, exigindo-se, em razão do crescimento populacional, a ampliação do número de tabeliães nas comunas e burgos, o que tornou premente a necessidade de organizar a classe sob uma corporação ou colégio notarial que se responsabilizasse por elaborar um estatuto com as regras básicas para ingresso e desempenho da atividade, além de fiscalizar o cumprimento dos deveres éticos e o examinar a qualidade dos serviços ofertados. Curiosamente, interessante enfatizar que isso repercute na conformação atual do notariado, o qual, malgrado fiscalizado pelo Poder Judiciário no Brasil, ou pelo Ministério da Justiça noutros países, mantém o hábito de criar associações ou colégios notariais regionais com o intuito de integrar os profissionais, progredir institucionalmente e defender seus direitos e interesses enquanto classe. Essa autonomia dos notários foi relevante não só para organizá-los, mas também para definir corretamente os limites da atividade jurisdicional e da extrajudicial, até então mescladas e mal diferenciadas. Dessarte, com a influência política das realezas e do Sacro Império, alcançou-se a independência necessária para que o notariado tivesse uma imagem própria e pudesse preocuparse sistematicamente com os problemas que o afligissem. Finalmente, não se pode descuidar do papel do tabelionato de notas no avanço comercial em fase derradeira do medievo, fornecendo os mecanismos jurídicos propícios para a celebração dos mais diferentes negócios, muitas vezes nascendo de forma atípica certos contratos que não apresentavam
roupagem jurídica ou prévia elaboração teórica. Deveras, o notário bem preparado, similarmente ao que acontece hodiernamente, tinha de conciliar o conhecimento abstrato com o prático, porquanto precisava recepcionar as manifestações de vontade das partes, na maior parte das vezes leigas em direito, e lapidá-las para a linguagem legal, a fim de permitir o ingresso de categorias jurídicas – em certos casos, inéditas – no direito medieval (BRANDELLI, 2011, p. 176). CONCLUSÕES Ante os argumentos expendidos até aqui, conclui-se que a cientificidade conquistada ao notariado só foi alcançada graças ao significativo avanço teórico-jurídico proporcionado pela Escola dos Glosadores na Universidade de Bolonha, com a revisitação dos institutos romanísticos pelo método da glosa. Deveras, após as primeiras gerações de glosadores, surgem os célebres notarialistas, tais como Ranieri di Perugia, Rolandino e Salatiel, inaugurando-se então rica produção acadêmica voltada exclusivamente às notas. Para se chegar a esse cenário, indispensável a análise do fenômeno de fundação das universidades medievais, percebendo-se que a ascensão desses centros de estudo se dá de maneira espontânea, com o avanço das pequenas escolas medievais e o aumento da complexidade de disciplinas que primitivamente compunham uma pequena parcela das sete artes liberais. De início, as mais importantes universidades foram Bolonha, Paris e Oxford. Enquanto a primeira era estruturada como escola de alunos, as duas últimas eram studia de professores. Contudo, independentemente da composição de cada studium generale, o que se observa invariavelmente é a intensa disputa pelo poder político nas universidades medievais, ARISP JUS 19
sobre as quais papa e imperador se digladiavam na concessão de prerrogativas aos acadêmicos e no reconhecimento oficial de universidades, em nítidas tentativas de angariar aliados que pudessem fundamentar teoricamente o poder de cada autoridade.
confecção de instrumento público. Os reflexos do contorno científico, entretanto, vão além do aspecto de formação do notário, pois da perspectiva institucional a atividade tabelioa cresceu tanto qualitativa como quantitativamente com a intensificação das relações comerciais, de modo a obter cada vez mais autonomia e distinção com relação a funções que dela foram estremadas, sendo bastante representativa desse fenômeno a constituição de várias corporações e colégios com o intuito de congregar e organizar a classe.
No ambiente universitário de Bolonha, chama a atenção o florescimento da Escola dos Glosadores, que nasce como corrente de pensamento dirigida ao estudo detido do Corpus Iuris Civilis, mediante interpretação literal – fortemente embasada na retórica, dialética e gramática do trivium – e Do exposto, arremata-se enaltecendo que muitos aposição de glosas marginais ou interlineares. aspectos da prática medieval ainda remanescem de alguma forma no notariado moderno. Nesse Essa imersão nos institutos romanísticos sentido, a técnica de redação e a composição amealhou imensa riqueza técnico-jurídica, de estrutural de um ato genérico – por exemplo, a forma a exercer influência marcante na praxe escritura pública de negócio jurídico qualquer – forense, destacando-se neste ponto a transformação permanecem sob a mesma concatenação lógica no saber notarial, uma vez que, entre o fim do adotada por notários medievais, com abertura, Império Romano e o começo da Baixa Idade Média, conteúdo e encerramento. Além disso, a referida remanescera como atividade eminentemente organização institucional por intermédio de prática e vulgarizada, transmitida entre as gerações colégios e de seus respectivos estatutos, combinada pela simplificação num conhecimento empírico. com o delineamento mais acertado da função Noutras palavras, a Escola dos Glosadores não só extrajudicial para garantir-lhe autonomia com consagrou o renascimento do direito romano em relação à competência jurisdicional propriamente Bolonha, mas também foi fecunda em conceber dita, definem os rumos da atividade tabelioa na contornos teóricos à atividade notarial, até então Modernidade. compreendida estritamente como uma arte. Enfim, não se esqueça, ainda, de que o notário A atribuição de carga teorética às notas foi foi personagem coadjuvante para o incrível fundamental para que se tornasse pré-requisito progresso econômico ao final da Idade Média, ao ingresso na profissão o preparo em direito, na medida em que concretizava as mais atípicas inicialmente ao menos como um paralegal. É contratações excogitadas pelos comerciantes, evidente que esse substrato jurídico fornecido ao procurando conferir aos acordos contornos futuro tabelião no âmbito universitário lhe serviu tecnicamente precisos, consonantes com a ordem de ferramental para a adequada manipulação das jurídica e hábeis a prevenir eventuais litígios entre categorias jurídicas, estando, assim, suficientemente as partes contratantes. habilitado para compreender a vontade negocial de leigos que necessitassem de seu saber para a 20 ARISP JUS
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ARTIGO IMPORTÃNCIA DO REGISTRO DE IMÓVEIS PARA POTENCIALIZAR A SATISFAÇÃO DA EXECUÇÃO JUDICIAL Por Arthur Zeger
como sendo título executivo extrajudicial (Art. 784, inciso XI), (v) aprimoramento do Art. 792, inciso I, no que diz respeito à fraude à execução, e (vi) inseriu a disciplina da averbação premonitória (Art. 792, inciso II e 799). Neste breve artigo, trataremos de institutos que viabilizam aos processualistas utilizar as Serventias de Registro para maximizar os resultados efetivos dos processos em andamento. As medidas a serem doravante estudadas e analisadas, ainda que de passagem, são de suma importância por visarem a efetividade da fase de execução, presente ou futura, levando-se em conta que em recente estudo conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça (Relatório da Justiça em Números, 2017) na fase de execução os processos são três vezes mais moroso do que na fase de conhecimento (o CNJ apurou que na média nacional, os processos levam em média 1 ano e 4 meses na fase de conhecimento e aproximadamente 4 anos e 6 meses na fase de execução).
O Código de Processo Civil de 2015 incorporou É tempo, pois, de valer-se dos instrumentos em seu texto o entendimento que os tribunais processuais disponíveis e aptos a aumentarem pátrios vinham empregando em diversas matérias modulando disposições do antigo código as chances de eficácia da execução (existente ou futura) mediante a identificação (identificar no processual ou integrando suas lacunas. sentido de marcar, registrar e não no sentido de Nesse sentido, como não podia deixar de ser, “descobrir”), no patrimônio do credor os ativos o CPC2015 tratou de diversas matérias relevantes que restarão vinculados e separados para saldar às Serventias Extrajudiciais, dentre as quais execução existente ou vindoura. (sem prejuízo de outras), (i) a inovação quanto Se está a falar, dessa forma, da hipoteca judiciária à competência para a causa em que for parte serventia notarial ou de registro (Art. 53, inciso III, e da averbação premonitória. ‘f ’), (ii) o detalhamento da disciplina da gratuidade HIPOTECA JUDICIÁRIA das custas judiciais e sua abrangência/extensão aos serviços extrajudiciais (Art. 98, §1º, inciso IX e Por meio da hipoteca, um bem ou direito do §8º), (iii) aprimoramentos em matéria de hipoteca judiciária (Art. 495), (iv) inclusão da certidão devedor passa a ficar vinculado ao cumprimento expedida por serventia notarial ou de registro de certa obrigação. A hipoteca, como bem se 22 ARISP JUS
sabe, é modalidade de garantia real, na medida em que não recai sobre a pessoa do devedor (como ocorre no aval e na fiança, por exemplo) mas sim sobre os bens e direitos relacionados no Artigo 1.473 do Código Civil (os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles, o domínio direto, o domínio útil, as estradas de ferro, os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham, os navios, as aeronaves, o direito de uso especial para fins de moradia, o direito real de uso e a propriedade superficiária).
Na antiga ordem processual o registro da hipoteca judiciária no Registro de Imóveis dependia de mandado judicial com fim específico – o que além de sobrecarregar as Serventias Judiciais, atrasava sua efetivação que visa justamente fortalecer o credor em acautelar o patrimônio do devedor para futura execução. Esse panorama foi alterado e atualmente a hipoteca judiciária independe de decisão, autorização ou qualquer outro procedimento do Juízo ou de sua Serventia. Didaticamente, há quem explique a “hipoteca judiciária” como uma “pré-penhora” ou “penhora antecipada” já que antes mesmo de eventual penhora determinada pelo Juízo, pode a parte diretamente atingir/reservar certo imóvel para futura constrição judicial.
Em regra, a hipoteca se origina do acordo entre as partes (“hipoteca convencional”). Todavia, pode surgir por disposição legal (“hipoteca legal”) ex vi Art. 1.489 do Código de Processo Civil ou mesmo em decorrência de um processo judicial (“hipoteca judicial”), nos termos do Art. 495 do Código de Ainda, pela disciplina do Art. 495 do CPC 2015, Processo Civil. a decisão produzirá hipoteca judiciária ainda que venha a ser impugnada por recurso dotado de efeito Tratando da hipoteca judiciária, dispõe o Art. suspensivo (ressalvado o direito da parte que vier a 495 do CPC que “A DECISÃO que condenar o réu ser prejudicada pelo registro de hipoteca judiciária ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e baseada em decisão que vier a ser posteriormente a que determinar a conversão de prestação de fazer, reformada). de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca Importante observar, ainda, que qualquer judiciária” (destaques não originais). O destaque decisão judicial que condene a “parte” (e não decorre do fato de a lei anterior (CPC73) não ter necessariamente o “réu”, pois pode o autor conferido a “qualquer” decisão condenatória o ser condenado como litigante de má-fé, por alcance da hipoteca judiciária, mas apenas das exemplo, de forma que não é apenas o réu quem sentenças – o que foi, com razão, aprimorado pela está vinculado e sujeito à hipoteca judicial) pode nova ordem processual na medida em que não ser ingressada no álbum imobiliário do imóvel apenas por sentença se impõe obrigações de pagar que se pretenda atingir com a hipoteca judicial, ou de fazer/não fazer conversíveis em obrigação de independentemente de mandado. Isso porque pagar. dispôs o §2º que a hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da Portanto, a hipoteca judiciária é efeito imediato sentença perante o cartório de registro imobiliário, da sentença, dela decorrendo automaticamente independentemente de ordem judicial, de por força da lei. declaração expressa do juiz ou de demonstração de ARISP JUS 23
urgência – o que é bem visto.
cautela o Oficial Registrador tão logo registre a hipoteca judiciária, deve comunicar o registro ao A hipoteca judiciária dispensa, ainda, Juiz do feito sobre a sua realização. o contraditório prévio, superando antiga1 jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que Deve-se atentar que sentenças homologatórias invalidava a penhora judiciária quando a decisão de acordo não permitem o registro como hipoteca que a originava não havia sido proferida com judiciária na medida em que não têm natureza observância ao prévio contraditório da contraparte. condenatória. Dessa forma, se for interesse de uma das partes constituir alguma garantia desse jaez, Neste sentido, o Agravo de Instrumento competirá às partes assim pactuar no acordo que 2094872-17.2016.8.26.0000 da 34ª Câmara de vier a ser levado a homologação. Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em Acórdão lavrado pelo Também se deve observar que o pedido de Desembargador Nestor Duarte, consignou que: registro da hipoteca judiciária deve ser levado a “Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, cabo pela parte interessada (leia-se credora) de o Egrégio Superior Tribunal de Justiça se posicionou forma que o pleito formulado por quem não tenha no sentido de que é necessária, na aplicação de seu interesse legítimo desse registro inviabiliza que a artigo 466, a observância do contraditório, conforme Serventia Registral o efetive. A esse respeito, aliás, se vê: [transcrição do AgEg no REsp 1280847/SP]. verifique-se o precedente do Conselho Superior Tal entendimento era suficiente para acolher a da Magistratura (Apelação Cível 0069199irresignação dos agravantes antes do registro de 52.2013.8.26.0100), de relatoria do Desembargador hipoteca. Outra, porém, é a disciplina trazida pelo Elliot Akel, assim ementado: “REGISTRO DE Código de Processo Civil vigente que prescinde, até IMÓVEIS - DÚVIDA - REGISTRO DE HIPOTECA mesmo, de decisão judicial para a efetivação da JUDICIÁRIA - CONSTRIÇÃO DETERMINADA hipoteca, consoante o artigo 495, §2º (...)”. EM PROCESSO NO QUAL A TITULAR DE DOMÍNIO NÃO É PARTE - OFENSA AO Ainda que caiba à parte comunicar ao juízo PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE - AUSÊNCIA sobre a efetivação da hipoteca judiciária, por DE DECISÃO JUDICIAL RECONHECENDO FRAUDE À EXECUÇÃO OU FRAUDE CONTRA 1 Jurisprudência superada: AGRAVO REGIMENTAL NO CREDORES - DÚVIDA PROCEDENTE - RECURSO RECURSO ESPECIAL. HIPOTECA JUDICIÁRIA. EFEITO NÃO PROVIDO”. Na fundamentação do Acórdão ANEXO OU SECUNDÁRIO DA SENTENÇA. AUSÊN- em referência, ponderou-se que “Em suma, não CIA DE CONTRADITÓRIO PRÉVIO. PRECEDENTE havendo correlação entre o titular de domínio e a ESPECÍFICO DESTA CORTE SUPERIOR. 1. “Não obstanexecutada no processo no qual foi determinada a te seja um efeito da sentença condenatória, a hipoteca judiciária não pode ser constituída unilateralmente; o devedor hipoteca judiciária, não há como deferir o registro deve ser ouvido previamente a respeito do pedido. Recurso pretendido, sob pena de se afrontar o princípio da especial conhecido e provido” (REsp 439.648/PR, Rel. Mi- continuidade registraria.” nistro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2006, DJ 04/12/2006, p. 294). (...). (AgRg no REsp 1280847 / SP, Min. Paulo de Tarso Sanseverino. V.U. 11/03/2014) 24 ARISP JUS
AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA
venha a ser deferido, se está a falar da possibilidade de o exequente desde logo dar conhecimento A averbação premonitória encontra fundamento geral sobre a pendencia de uma execução que legal nos Art. 792 e 828 do CPC. poderá futuramente recair sobre o bem que foi identificado e em cuja matricula foi advertida a Diz o Art. 792 que a alienação ou a oneração pendencia do processo para que terceiros não de bem é considerada fraude à execução quando possam futuramente alegar desconhecimento. sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a A averbação premonitória está vinculada, pendência do processo tenha sido averbada no portanto, ao processo de execução ou ao respectivo registro público, se houver, quando cumprimento de sentença e visa, tanto quanto a tiver sido averbada, no registro do bem, a hipoteca judiciária, prevenir a fraude à execução pendência do processo de execução, na forma do mediante a publicidade da existência de processo art. 828, quando tiver sido averbado, no registro capaz de atingir aquele bem para a sua satisfação. do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi A averbação premonitória, por sua vez, somente arguida a fraude, quando, ao tempo da alienação é possível a vista de imóveis passíveis de penhora, ou da oneração, tramitava contra o devedor ação arresto ou indisponibilidade, consoante preceitua capaz de reduzi-lo à insolvência e nos demais casos o Art. 828 do CPC. Por esse motivo, não cabe expressos em lei. utilizar a averbação premonitória para onerar imóvel caracterizado como “bem de família”, Vale dizer que em 2009 o Superior Tribunal conforme já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Justiça editou a Súmula 375 pela qual “O do Estado de São Paulo no Agravo de Instrumento reconhecimento da fraude à execução depende do 2230526-73.2016.8.26.0000, da 38ª Câmara de registro da penhora do bem alienado ou da prova de Direito Privado, de lavra do Desembargador má-fé do terceiro adquirente”. Spencer Almeida Ferreira, assim ementado: “(...) AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA – BEM O que se pretendeu, dessa forma, é de um lado DE FAMÍLIA - Decisão que indeferiu averbação garantir ao exequente que, após identificar bens premonitória da execução em imóvel que constitui passíveis de constrição em processo de execução, bem de família – Descabimento – O art. 828 do os reserve para essa finalidade, dando ciência CPC/2015 restringe a averbação de execução em erga omnes da existência da constrição para que matrícula apenas a bens sujeitos à penhora, arresto terceiros, ainda que não identifiquem via certidões ou indisponibilidade – Imóvel caracterizado como de distribuidores judiciais, tenham pleno e fácil impenhorável que, portanto, não pode ser objeto acesso a eventuais constrições que onerem dado de referida averbação – Sujeição à penhora que ativo. caracteriza pressuposto da averbação premonitória - Decisão mantida – RECURSO NÃO PROVIDO, Observe-se que não se está a falar da averbação na parte conhecida.” de penhora ou arresto sobre bens do executado, mas sim, antes mesmo que eventual penhora ou arresto ARISP JUS 25
DISTINÇÃO DE AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA E HIPOTECA JUDICIÁRIA Os institutos da averbação premonitória e hipoteca judiciária são distintos apesar da aparente semelhança. Todavia, o objetivo que se percebe em ambos institutos é o mesmo: prevenir a fraude à execução na medida em que a lei processual presume-se fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação (tanto da hipoteca judiciária quanto da averbação premonitória), a teor do Art. 828, §4º do CPC. Conforme explanamos acima, a hipoteca judiciária depende tão somente de uma decisão judicial condenatória ou conversível em pena pecuniária (independentemente da natureza do processo no qual vier a ser proferida) ao passo que a averbação premonitória está necessariamente vinculada a processo de execução (ou cumprimento de sentença). Além disso, o procedimento para a formalização também é distinto já que a averbação premonitória depende de certidão expedida pelo juízo da execução enquanto a hipoteca judiciária independe de qualquer ato além da própria decisão condenatória.
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DECISÕES EM DESTAQUE
Selecionadas por Alberto Gentil de Almeida Pedroso
ÍNDICE DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 APELAÇÃO Nº 1000969-85.2015.8.26.0288 - Pág 28
DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 APELAÇÃO Nº 1007772-35.2016.8.26.0099 - Pág 30
DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 APELAÇÃO Nº 1111976-30.2016.8.26.0100 - Pág 32
DECISÃO ADMINISTRATIVA #4 APELAÇÃO Nº 1124381 - 98.2016.8.26.0100 - Pág 34
DECISÃO JURISDICIONAL #1 PROCESSO 777629 / RS - Pág 35
DECISÃO JURISDICIONAL #2 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 975.829 - SE - PÁG 36
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DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 ACÓRDÃO
Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Cardoso, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a recusa a registro de nota de crédito rural, avalizada por terceiro.
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000969-85.2015.8.26.0288, da Comarca de Ituverava, em que são partes é apelante NÉLSON CROSCATI SARRI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITUVERAVA.
O apelante afirma, em síntese, a validade do aval prestado por terceiro em cédula de crédito rural, conforme orientação do E. STJ e de diversas Cortes Estaduais.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
A Procuradoria desprovimento do
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU. São Paulo, 1º de setembro de 2017. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1000969-85.2015.8.26.0288 Apelante: Nélson Croscati Sarri Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ituverava Voto nº 29.832 REGISTRO DE IMÓVEIS – NOTA DE CRÉDITO RURAL – AVAL PRESTADO POR TERCEIRO – VALIDADE – RECURSO PROVIDO. Na esteira do quanto sedimentado pelo E. STJ, em nova orientação, bem como pelas Câmaras de Direito Privado deste C. TJSP, o art. 60, §3º, do Decreto 167/67 faz referência ao art. 60, §2º, do mesmo Decreto, de modo que válido o aval prestado por terceiros em cédula de crédito rural. Revisão da posição anterior deste E. CSM, tornando-a consonante com os entendimentos do E. STJ e das Ínclitas Câmaras de Direito Privado desta Corte. 28 ARISP JUS
Recurso. Geral
de
Justiça
opinou
pelo
É o relatório. Dispõe o art. 60, §3º, do Decreto-Lei 167/67: “Art 60. Aplicam-se à cédula de crédito rural, à nota
promissória rural e à duplicata rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, inclusive quanto a aval, dispensado porém o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas. § 1º O endossatário ou o portador de Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural não tem direito de regresso contra o primeiro endossante e seus avalistas. § 2º É nulo o aval dado em Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural, salvo quando dado pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente ou por outras pessoas jurídicas. § 3º Também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas.”
Prevalece, no âmbito deste E. CSM, o entendimento de que a nulidade versada no §3º é alusiva a garantias prestadas em cédula de crédito rural, nota promissória e duplicata rural, modalidades elencadas no caput. E era este, também, o posicionamento do E. STJ, que, todavia, reviu-o a partir de 2014, passando a decidir que o §3º trata de nulidades de garantias prestadas apenas nas hipóteses do §2º (nota promissória rural e duplicata rural). “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. AVAL PRESTADO POR TERCEIRO. VALIDADE. DECISÃO MANTIDA.
A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67 permite inferir que o significado da expressão ‘também são nulas outras garantias, reais ou pessoais’, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais” (REsp n. 1.483.853/MS, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJe 18/11/2014.)” (AgRg no REsp 1562179 / RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJE 21/3/16). É que a redação da norma em análise inicia com o advérbio “também” (“Também são nulas...”), parecendo remeter às nulidades tratadas no §2º. Esta Altiva Corte Bandeirante seguiu a esteira do E. STJ e igualmente mudou o entendimento originário. Prevalece, agora, neste Ínclito TJSP, a orientação de que garantias reais ou pessoais somente serão nulas quando dadas em nota promissória rural, ou duplicata rural, escapando da nulidade, portanto, o aval prestado em cédula de crédito rural, modalidade elencada no caput, mas não no §2º do art. 60 referido. “Cabe observar, inicialmente, quanto à alegação de nulidade do aval prestado pelos apelantes na cédula rural hipotecária que embasa a ação em tela, que este relator, em casos anteriores ao presente, acompanhava entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é ilegal a garantia prestada por terceiros em cédula rural hipotecária emitida por pessoa física, em mencionado título, tendo em vista disposto no § 3º do art. 60 do Decreto-Lei 167/67, entendimento este proferido no julgamento do REsp n. 1.353.244-MS, da Relatoria do Min. Sidnei Beneti, proferido aos 28/05/2013. Ocorre, porém, que posteriormente a este precedente, a jurisprudência de referida Corte Superior orientou-se, quase que em uníssono, no sentido de que a nulidade das garantias reais ou pessoais prevista no parágrafo 3º de citado dispositivo legal diz respeito unicamente à Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural, às quais se reporta o § 2º deste mesmo artigo, ao qual, por sua vez, aquele refere-se diretamente. Este entendimento não se aplica, portanto, à garantia aqui versada, por referir-se à cédula rural hipotecária. Veja-se a propósito os seguintes precedentes de referida Corte:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL PIGNORATÍCIA. TÍTULO CAMBIAL EMITIDO POR PESSOA FÍSICA. AVAL PRESTADO POR TERCEIRO. VALIDADE. DECRETO-LEI 167/1967, ART. 60, § 3º. REDAÇÃO DA LEI 6.754/1979. TEMA PACIFICADO. PRECEDENTES. 1. “A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67 permite inferir que o significado da expressão “também são nulas outras garantias, reais ou pessoais”, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais” (3ª Turma, REsp 1.483.853/MS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, unânime, DJe de 18.11.2014). 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp 1479588 / MS Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, Julgado em 6 de agosto de 2015, DJe de 13 de agosto de 2015). CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL EMITIDA POR PESSOA FÍSICA. GARANTIA DE AVAL PRESTADA POR TERCEIRO. ART. 60, § 3º, DO DECRETO- LEI Nº 167/1967. VALIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RESP Nº 1.483.853/MS. TERCEIRA TURMA. 1. As mudanças no Decreto-lei nº 167/67 não tiveram como alvo as cédulas de crédito rural. Por isso elas nem sequer foram mencionadas nas proposições que culminaram com a aprovação da Lei nº 6.754/79, que alterou o Decreto-lei referido. 2. A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67 permite inferir que o significado da expressão também são nulas outras garantias, reais ou pessoais, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais. 3. Vedar a possibilidade de oferecimento de crédito rural direto mediante a constituição de garantia de natureza pessoal (aval) significa obstruir o acesso a ele pelo pequeno produtor ou só o permitir em linhas de crédito menos vantajosas. 4. Os mutuários não apresentaram argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em novo posicionamento deste órgão fracionário. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. 5. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp 607608 / MS Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 18 de junho de 2015, DJe 1º de julho de 2015).
Em face disso, não há mais razão para manter-se o entendimento anteriormente adotado, porquanto não mais prevalece perante o E. Superior Tribunal de Justiça e que se vier a ser mantido, obrigará a parte vencida a socorrerse perante esse Tribunal, onde, com certeza, obterá sucesso.” (Apelação nº 0000075-36.2015.8.26.0415, Rel. Des. Thiago de ARISP JUS 29
Siqueira, j. 3/3/17). “AÇÃO DECLARATÓRIA - NULIDADE DE AVAL CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA E ADITIVOS - ART. 60, § 3º, DO DECRETO-LEI Nº 167/67 - APLICABILIDADE APENAS ÀS NOTAS PROMISSÓRIAS E DUPLICATAS RURAIS (PARÁGRAFO SEGUNDO) - PREVISÃO ADVINDA DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 6.754/79 - ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - PEDIDO - IMPROCEDÊNCIA - SENTENÇA - REFORMA.” (Apelação nº 0964131-76.2012.8.26.0506, Rel. Des. Antonio Luiz Tavares de Almeida, j. 2/2/17)
À vista da uníssona interpretação apresentada pelo E. STJ e, principalmente por este C. TJSP, parece razoável que também a orientação deste E. CSM seja alterada, como forma, igualmente, de evitar descompasso com entendimento uniforme das Ínclitas Câmaras de Direito Privado. Válido, pois, o aval prestado por terceiro, em cédula de crédito rural, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator
DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1007772-35.2016.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que são partes são apelantes CARINA APARECIDA SANT’ANNA, SHEILA SANT’ANA, MARIELLI SANT’ANNA e TIAGO ALEXANDRE SANT’ANNA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E ANEXOS DA COMARCA DE BRAGANÇA PAULISTA. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U. Deram provimento 30 ARISP JUS
ao recurso, para julgar improcedente a dúvida inversa, permitindo o ingresso registral do título, v.u. Vencido na preliminar o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU. São Paulo, 19 de setembro de 2017. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1007772-35.2016.8.26.0099 Apelantes: Carina Aparecida Sant’Anna, Sheila Sant’ana, Marielli Sant’Anna e Tiago Alexandre Sant’Anna Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Anexos da Comarca de Bragança Paulista Voto nº 29.823 DÚVIDA INVERSA Escritura pública de compra e venda de imóvel lavrada em 1994 Adquirentes que, à época, eram menores impúberes e se fizeram representar apenas pela genitora – Ausência, ademais, de alvará judicial Maioridade atingida por todos os adquirentes, os quais referendaram o negócio jurídico, reconhecendo que os beneficiou Convalidação Ausência de prejuízo às partes ou a terceiros Ausência de ofensa a qualquer princípio registral Possibilidade de ingresso registral Recurso provido para esse fim.
Trata-se de recurso de apelação tirado de sentença que julgou procedente dúvida inversa suscitada pelos recorrentes, Carina Aparecida Sant’Anna, Sheila Sant’Anna, Marielli Sant’Anna e Tiago Alexandre Sant’Anna em face Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Bragança Paulista, negando registro de escritura de venda e compra, relativa à aquisição de bem imóvel à época em que eram menores incapazes, representados por sua genitora. A sentença baseou-se no argumento de que o título contém nulidade insanável, consistente na ausência de
representação por ambos os genitores.
hipossuficiência cognitiva dos incapazes.
Alegam, em síntese, que sua genitora foi a única e exclusiva responsável por sua manutenção até atingirem a maioridade, o que constou expressamente do título, podendo qualquer dos genitores, isoladamente, exercer o poder familiar. Argumentam com o fato de que esse negócio jurídico lhes beneficiou, tendo incrementado seu patrimônio, não incidindo a norma do art. 1.691, do Código Civil. Por fim, se pautam pela observância do princípio da função social da propriedade e pela ausência de prejuízo a terceiros.
Ora, se os únicos beneficiados com a proteção legal já atingiram a plena capacidade civil e referendam o negócio jurídico de iniciativa de sua genitora, afirmando tê-los beneficiado e, inclusive, incrementado seu patrimônio, fica superada a necessidade de apresentação de alvará judicial. Tanto é assim que, se porventura postulassem, atualmente, autorização judicial visando regularização do negócio jurídico, seria reconhecida a ausência de interesse processual, uma vez que a capacidade civil já alcançada por todos dispensa em absoluto essa autorização.
A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso. É o relatório. O recurso comporta provimento. É certo que há diversos precedentes do Egrégio Conselho Superior da Magistratura (Apelações Cíveis n. 001292918.2014.8.26.0344, 0072005-60.2013 e 9000002-71.2014) por mim relatadas tratando do tema. Entretanto, o presente caso contém particularidade que o diferencia dos precedentes acima indicados. Isso porque, aqui, os próprios adquirentes, todos já maiores de idade e capazes, compareceram perante o Oficial Registrador, representados por seu advogado, a fim de obterem o registro da escritura pública de venda e compra, não se conformando com o teor da nota de devolução n. 35.843 e suscitando dúvida inversa (fls. 01/05), em que referendam o negócio jurídico realizado quando eram menores de idade e afirmando que a aquisição do imóvel os beneficiou. Cediço que o art. 1.691, do Código Civil vigente, dispõe sobre a necessidade de autorização judicial para que os pais celebrem negócios jurídicos que gerem obrigações aos filhos que superem a mera administração de bens, devendo haver necessidade ou interesse da prole. No mesmo sentido, o art. 386, do Código Civil de 1916. Entretanto, a norma legal em comento tem por objetivo primordial proteger os interesses de incapazes, evitando que seus genitores, na gestão de seu patrimônio, causemlhes prejuízos de qualquer ordem. A ratio legis é que a lisura e a conveniência do negócio jurídico seja avaliada por juiz competente, após ouvido o Ministério Público, suprindo a
Já maiores, os adquirentes têm pleno discernimento para avaliarem e referendarem a compra e venda de que participaram. Não é por outro motivo que o parágrafo único do art. 1.691, do Código Civil vigente, restringe a legitimidade para pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos no caput aos filhos, herdeiros e ao representante legal, ou seja, àqueles que sejam interessados no reconhecimento dessa nulidade. Cuida-se de nulidade relativa, uma vez que viola norma de interesse particular e depende de provocação dos interessados para que seja reconhecida. Sendo relativa a nulidade, é possível a convalidação do negócio jurídico. Ora, se os próprios filhos adquirentes avalizam o negócio jurídico, assumindo que os favoreceu, convalidado está o ato e afastada fica qualquer possibilidade de se reconhecer sua nulidade por falta de autorização judicial prévia. É bom frisar que a atual redação do item 41, do Cap. XIV, das NSCGJ, que dispõe que compete ao Tabelião de Notas, antes da lavratura de qualquer ato, exigir alvará para ato que envolva incapazes, foi acrescentada pelo Provimento CG N. 12/2013, sendo posterior à lavratura da escritura em análise. Quanto à ausência de representação do genitor, também não tem o condão de obstar o ingresso registral. Isso porque, na falta de um dos pais, pode o outro representar a prole (CC, art. 1.690), sendo ambos detentores do Poder Familiar. Acresça-se a isso os fatos de que constou da escritura pública que os menores eram dependentes economicamente da genitora e, ainda, que não consta que o genitor tenha, em algum momento, se oposto ao negócio jurídico em questão, realizado há 23 anos.
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Por fim, o que foi dito com relação à ausência de prévia autorização judicial também se aplica à ausência de representação pelo genitor: os adquirentes, já maiores e capazes, referendaram o ato praticado pela genitora. Uma vez suscitada a dúvida inversa, tal documento, juntamente com a escritura pública de venda e compra passou a integrar o título que os recorrentes pretendem registrar. Estando contida inequívoca ratificação do negócio jurídico pelos interessados agora maiores e capazes, definitivamente superada qualquer invalidade. Por fim, cumpre salientar que o negócio jurídico realizado há 23 anos já se consolidou e não consta ter causado qualquer prejuízo a terceiros e tampouco seu ingresso está em dissonância com os princípios registrais. Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para julgar improcedente a dúvida inversa, permitindo o ingresso registral do título. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator
DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1111976-30.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes são apelantes BROOKFIELD BRASIL SHOPPING CENTERS LTDA, FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS - FUNCEF, GUANTERA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA e ITC EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
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O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU. São Paulo, 1º de setembro de 2017. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1111976-30.2016.8.26.0100 Apelantes: Brookfield Brasil Shopping Centers Ltda, Fundação dos Economiários Federais - Funcef, Guantera Empreendimentos e Participações Ltda e ITC Empreendimentos e Participações Ltda Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital Voto nº 29.821 REGISTRO DE IMÓVEIS – Convenção de Condomínio – Instrumento particular que estabelece regime de condomínio voluntário, mas apresenta características próprias de um condomínio edilício – Necessidade da anuência da unanimidade dos condôminos – Taxatividade do inciso I do artigo 167 da Lei 6.015/73 – Óbice ao registro mantido – Dúvida procedente – Recurso improvido.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Brookfield Brasil Shopping Centers Ltda.; Fundação dos Economiários Federais FUNCEF; Guantera Empreendimentos e Participações Ltda. e ITC Empreendimentos e Participações Ltda. contra a sentença de fls. 208/212, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de “instrumento particular de convenção de condomínio do Shopping Center Paulista”, objeto da matrícula 57.449 do Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Capital. Preliminarmente, sustentaram os apelantes que a sociedade Market Basing S.A. - que figura como proprietária de 10% do imóvel - foi dissolvida e a parte ideal a ela pertencente adjudicada às acionistas ITC Empreendimentos e Participações Ltda. e Guantera Empreendimentos e Participações Ltda., na proporção de 50% para cada, e que a situação registral está em fase final de registro. Além disso, afirmaram que o rol do inciso I do artigo 167 da Lei 6.015/73 não é taxativo e que o registro da convenção de condomínio
virá em benefício da segurança jurídica, pois estabelece aspectos atinentes ao exercício do direito de propriedade. A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento (fls. 246/248). É o relatório. O recurso deve ser improvido. Pretendem os recorrentes o registro de “Convenção de Condomínio do Shopping Center Paulista” (fls. 21/41). Verifica-se que a nota devolutiva decorrente do título apresentado para registro é datada de 30 de setembro de 2016 (fls. 68). De acordo com referida nota, o título denominado de “convenção de condomínio” não comportaria registro, pois estabelece apenas obrigações pessoais entre as signatárias, não dispõe sobre direito real e não estabelece obrigação “propter rem”. E a recusa ao registro deve ser mantida. No item 1.5 da Convenção consta que a expressão Condomínio “designa a propriedade comum detida, de maneira indivisível, pelos CONDÔMINOS no EMPREENDIMENTO, regulado pelos arts. 1.314 a 1.330 do Código Civil Brasileiro” (fls. 25). A convenção parece, assim, estabelecer regime de condomínio voluntário. Ocorre que, não obstante pareça instituir regime de condomínio voluntário, a “convenção de condomínio” possui disposições típicas e que apontam para o regime do condomínio edilício. No item 1.4 da Convenção, estabeleceram que o empreendimento é “um conjunto indivisível, porquanto a divisão importaria em sua descaracterização, e, por via de consequência, em redução drástica do valor econômico do bem inviabilizado o funcionamento do Empreendimento e o aproveitamento econômico da propriedade” (fls. 23). Em outros termos, convencionaram a indivisibilidade da coisa comum, mas não estabeleceram prazo máximo. E, como é cediço, é da natureza do condomínio voluntário a transitoriedade.
Tanto é assim que o §2º do artigo 1.320 do Código Civil impõe o prazo máximo de cinco anos para a convenção que estabelece a indivisibilidade da coisa comum. O prazo pode até ser prorrogado, mas exigirá novo consenso entre os condôminos. O prazo é cogente e é considerada não escrita cláusula que estabelece a indivisibilidade por prazo indeterminado, como é o caso do título apresentado. A indivisibilidade por prazo indeterminado é característica do condomínio edilício e exigiria a anuência da integralidade dos condôminos. Unanimidade que se exige também para as afetações previstas nos itens 1.6 e 2.1 da convenção (fls. 23). E, como foi ressaltado pelo Oficial desde o início, a “convenção de condomínio” foi subscrita por Brookfield Brasil Shopping Centers Ltda.; Fundação dos Economiários Federais FUNCEF; Guantera Empreendimentos e Participações Ltda. e ITC Empreendimentos e Participações LTDA. Na data da convenção, as duas primeiras detinham 90% do domínio do imóvel. As duas últimas, por sua vez, ainda não eram titulares do domínio, o que somente foi regularizado muito recentemente, no curso do processo de dúvida (fls. 252/293), e tampouco seria possível admitir, pois significaria a prorrogação indevida do prazo de prenotação. Não bastasse isso, pelas razões apresentadas, como não se trata de verdadeira convenção de condomínio, mas de instrumento particular a vincular os seus subscritores, correta a negativa de registro, já que o rol do inciso I do artigo 167 da Lei 6.015/73 é taxativo, conforme entendimento deste Conselho Superior da Magistratura. Negócio jurídico cuja natureza não se amolde a qualquer das alíneas do inciso em pauta não pode ser registrado. Em suma, reconhecida a existência de óbice ao registro do título apresentado, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator
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DECISÃO ADMINISTRATIVA #4 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1124381 - 98.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante LEGEP MINERAÇÃO LTDA, é apelado 15º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU. São Paulo, 1º de setembro de 2017. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1124381-98.2016.8.26.0100 Apelante: LEGEP Mineração Ltda Apelado: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital Voto nº 29.822 “REGISTRO DE IMÓVEIS Dúvida julgada procedente Instrumento Particular de Venda e Compra de Imóvel - Questionamento das diversas exigências formuladas pelo Registrador - Pertinência da maioria delas Negativa de registro mantida - Recurso não provido”.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Legep Mineração Ltda. contra a sentença de fls. 128/133, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de “contrato particular de recibo de sinal e princípio de pagamento e outras avenças”, referente a um terreno remanescente de desapropriação, que tem origem na transcrição nº 16.422 do 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital. 34 ARISP JUS
Sustentou a apelante, em resumo, que a divergência existente entre a descrição do imóvel no contrato particular e a descrição do imóvel na serventia judicial não deve ser óbice ao registro, pois, como proprietária, a recorrente poderá promover a necessária retificação. Além disso, entende que as demais exigências não podem subsistir em respeito aos princípios da efetividade, economia e celeridade. Pede, assim, a reforma da sentença de primeiro grau (fls. 140/143). A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 156/159). É o relatório. De acordo com a dúvida suscitada, o título denominado de “Recibo de Sinal e Princípio de Pagamento e Outras Avenças” não comportaria registro pelos seguintes motivos: 1) a descrição do imóvel não confere com a planta arquivada no cartório, observando a desapropriação objeto da matrícula 66.379; 2) falta de reconhecimento da firma dos promitentes vendedores; 3) declaração de que a vendedora Alice de Moraes Barros Campelo não se encontra incursa nas restrições da Legislação Previdenciária ou apresentação de Certidão Negativa de Débitos Relativos a Tributos Federais e Dívida Ativa da União; 4) não apresentação de cópia autenticada da alteração contratual da compradora Legep Mineração Ltda. Três das exigências do registrador devem prevalecer, mantida a impossibilidade de ingresso do título no fólio real. Por sua vez, uma das exigências deve ser afastada. Item 1 (Descrição do imóvel): A divergência entre a descrição do imóvel que está contida no contrato e aquela que está contida na planta arquivada na Serventia Extrajudicial impede o ingresso do título no fólio real. A divergência verificada na identificação do imóvel representa violação aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva. Dispõe o art. 225, parágrafo 2º, da Lei de Registros Públicos, que “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.” No caso, a descrição que consta do título não corresponde à descrição que consta da Serventia Extrajudicial, o que é bastante para que o Oficial desqualifique o título, recusando seu ingresso no cadastro imobiliário, em respeito ao princípio da especialidade objetiva, que impõe que cada imóvel
tenha descrição precisa que viabilize sua completa identificação e localização, distinguindo-se de todos os demais (LRP, art. 176). Itens 2 e 4 (Reconhecimento de firma e cópia autenticada de alteração contratual): Nos dois itens, o registrador tem razão. Na forma do inciso II do artigo 221 da Lei 6.015/73, faz-se necessário o reconhecimento da firma de todas as partes contratantes. Dispensa-se, contudo, o reconhecimento das firmas das testemunhas, conforme apontado pelo próprio Oficial, em razão do disposto no “caput” do artigo 221 do Código Civil. Além disso, não obstante a recorrente tenha afirmado que iria providenciar a regularização da exigência do item 4, é certo que não houve a apresentação de cópia autenticada da alteração contratual que comprova a regularidade da representação da vendedora, exigência essa que também está relacionada com o dispositivo da Lei de Registros que foi mencionado e com a segurança dos registros públicos. Reconhecida a pertinência de três das exigências, uma delas não deve subsistir. Item 3 (Certidão negativa de tributos federais e da dívida ativa da União): Essa exigência é a única a ser afastada. Este Conselho Superior da Magistratura já se posicionou, por diversas vezes, no sentido de que são dispensáveis as certidões de dívidas ativas tributárias e previdenciárias federais. Inspirado em precedentes do Supremo Tribunal Federal que inadmitiram a imposição de sanções políticas pelos entes tributários para, por vias oblíquas, constranger o contribuinte a quitar débitos tributários, o Conselho Superior da Magistratura reconheceu inexistir justificativa “para condicionar o registro de títulos nas serventias prediais à prévia comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições sociais e de outras imposições pecuniárias compulsórias” (Apelações Cíveis n0018870-06.2011.8.26.0068, 001347923.2011.8.26.0019 e 9000003-22.2009.8.26.0441, todas sob a relatoria do Desembargador José Renato Nalini). Por essas razões, dispensa-se a apresentação das certidões exigidas em relação à vendedora Alice de Moraes Barros Campelo. Em suma, reconhecida a correção de três das exigências, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a dúvida
suscitada. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça e Relator
DECISÃO JURISDICIONAL #1 Processo AgInt no AREsp 777629 / RS AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2015/0225069-5 Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 21/09/2017 Data da Publicação/Fonte DJe 29/09/2017 Ementa AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE IMÓVEIS. EMOLUMENTOS DE averbações e registros. ato de registro único. norma de âmbito geral. ART. 237-A DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. PRECEDENTES. ARTS. 458, II E 535, II DO CPC/1973. AUSÊNCIA DE OMISSÕES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Pacífico o entendimento deste Sodalício, no sentido de que para fins de cobrança de emolumentos relativos à quitação da aquisição de lotes destinados à construção sob o regime de incorporação imobiliária, deverá ser o observado o comando inserto no art. 237-A, da Lei de Registros Público, o qual “determina que, após o registro da incorporação imobiliária, até o “habite-se”, todos os subsequentes registros e averbações relacionados à pessoa do incorporador ou aos negócios jurídicos alusivos ao empreendimento sejam realizados na matrícula de ARISP JUS 35
origem, assim como nas matrículas das unidades imobiliárias eventualmente abertas, consubstanciando, para efeito de cobrança de custas e emolumentos, ato de registro único.” (REsp 1.522.874/DF, relator o em. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgado em 09/06/2015, DJe 22/06/2015). 2. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação aos arts. 458, II, e 535, II, do CPC/1973. Isso porque, embora rejeitados os Embargos de Declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da Recorrente. 3. Agravo interno não provido.
Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
DECISÃO JURISDICIONAL #2 AgInt nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 975.829 - SE (2016/0230085-3) RELATÓRIO MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Bruno Melo Moura e outra interpõem agravo interno em face da decisão de fls. 1.246/1.253, integrada às fls. 1.274/1.281, que conheceu do agravo interposto por RMN - Santos, Filhas Participação e Administração Empresarial e Patrimonial Ltda e, logo, conheceu e deu provimento ao recurso especial para determinar a aplicação da regra do art. 27, § 4º, da Lei 9.514/1997, ao caso dos autos, e afastou a ocorrência dos vícios da omissão e da obscuridade. Alegam que os precedentes transcritos não se aplicam ao caso dos autos ou favorecem aos agravantes, o primeiro porque não está em discussão feito movido por condomínio para cobrança de condômino, em que a maioria vincula 36 ARISP JUS
a minoria, não sendo esta a hipótese, cuidando-se de ação de rescisão de contrato, enquanto o segundo, que lhes é favorável, como aqui, trata da mora da empresa, garantindo aos adquirentes descontentes a rescisão do contrato, mesmo em face da sucessora daquela. Adicionam que a decisão posterior não tem o efeito de ilidir a mora da empreendedora anterior, a empresa TBK, frente a liminar obtida na ação de rescisão. Sustentam que não existe comissão de adquirentes e que a reunião (“assembleia geral”) preparada pelas empresas é inválida, porque apenas votou a minoria, o que não pode obrigar os demais. Aduzem que o termo de prorrogação de contrato foi assinado com outros adquirentes um ano após o ajuizamento da presente ação de rescisão em face dos réus originários, TBK Construção e Incorporação Ltda e Azul Imobiliária, que se encontravam em mora, ilícito no qual foram sucedidas pela agravada, com a qual nunca tiveram qualquer relacionamento contratual, conforme trecho da sentença, que reproduzem. Afirmam que tal premissa, portanto, não é válida no que diz respeito aos agravantes. Acrescentam que a Lei 9.514/1997 não é aplicável à espécie porque trata exclusivamente da mora do devedor fiduciante, porém o caso em estudo trata da inadimplência da credora fiduciária, a par de que a garantia também não foi objeto de registro no cartório imobiliário, questão de ordem pública e requisito de validade da alienação fiduciária passível de análise de ofício por esta Corte. Para finalizar, insistem que a conclusão da obra após o prazo estabelecido no contrato não afasta o cabimento da rescisão, diante de que é equivocada a sujeição do contrato à Lei 9.514/1997, preterida pela disciplina do Código de Defesa do Consumidor, art. 53, que impõe a devolução integral das parcelas pagas, nos termos da Súmula 543/STJ. Postulam a reconsideração do decisório ou a submissão da matéria ao colegiado. Intimada, a parte adversa se manifestou no sentido de que convocou assembleia geral em que houve participação de 70% dos adquirentes, que concordaram com o aditamento do contrato e prorrogação do prazo de entrega das obras, o que afasta a possibilidade de devolução das prestações ante a não
aplicação ao caso em tela do art. 53 do CDC, considerando que a garantia de alienação fiduciária impõe a incidência da Lei 9.514/1997, art. 27, § 4º, normativo específico posterior que revogou a legislação consumerista no particular. Pugna a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil (fls. 1.305/1.322). É o relatório. AgInt nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 975.829 - SE (2016/0230085-3) VOTO MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Os argumentos apresentados pelos agravantes não foram suficientes para infirmar os fundamentos da decisão agravada, que adoto como razões de decidir (fls. 1.246/1.253 e 1.274/1.281): Cuida-se de agravo nos próprios autos visando à análise de recurso especial manejado em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, que manteve sentença de procedência do pedido de restituição da entrada, das parcelas mensais pagas e de uma parcela anual, perfazendo o valor total de R$ 39.893,88 (trinta e nove mil, oitocentos e noventa e três reais e oitenta e oito centavos - fl. 993), relativos a compra e venda de imóvel, e cuja ementa apresenta a seguinte redação (fl. 1.090): Apelação Cível – Ação de Rescisão Contratual com pedido de Tutela Antecipada – Afastadas as Preliminares de Impossibilidade Jurídica do Pedido e de Inaplicabilidade do CDC aos Contratos da modalidade Alienação Fiduciária – Não ressarcimento das parcelas já pagas com fundamento no art. 53 do CDC – Contrato de Aquisição de Imóvel com Pacto de Alienação Fiduciária – Dispositivo que trata da Mora do Fiduciário e não do Fiduciante – Omissão da lei nº 9.514/97 – Aplicação do CDC em sua plenitude – Suprimento de lacunas – Assembléia Geral que prorrogou prazo para entrega do imóvel – Ainda que Prescindível a Presença dos Apelados, a Decisão Coletiva Gerou a Necessidade de Aditivo Contratual que não fora firmado pelos Autores – Relação Contratual Regida pelo Contrato Original – Caracterizado o Atraso na Entrega da Obra, Impõe-se o ressarcimento das parcelas pagas – Recurso conhecido e Improvido – Unânime. No especial, interposto com fulcro na alínea “a” do
inciso III do art. 105 da Constituição Federal, RMN Santos Filhas Participação Administração Empresarial e Patrimonial Ltda alega violação dos arts. 27, §§ 4º, 5º e 6º, da Lei 9.514/1997 e má aplicação do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor à espécie, no sentido de que a assembleia que prorrogou o prazo de entrega da obra, com participação de 70% dos condôminos e cuja validade não foi questionada, é de observância obrigatória por todos os adquirentes, dispensando a celebração de aditivo, que de resto não foi firmado com nenhuma outra pessoa, de modo que não se encontra em mora, pois teve que assumir o Condomínio Quintas do Lago da Barra após o abandono pela incorporadora, e efetivamente o entregou concluído em 19.6.2015, estando a matéria sujeita aos ditames da Lei 9.514/1997, que além de posterior, é diploma especial em relação ao CDC e, ademais, o valor que se pretende seja restituído foi pago à empresa TBK Construção e Incorporação Ltda, que posteriormente abandonou a obra com apenas 4% concluídos. Acrescenta que não existe cláusula de perdimento, mas que o valor eventualmente devolvido depende do quanto for apurado em leilão, deduzidas as despesas e encargos específicos. As contrarrazões de fls. 1.133/1.158, apresentadas por Bruno Melo Moura e outra propõem a incidência da Súmula 543/STJ, a ausência de prequestionamento, o propósito de reexame de matéria fática e contratual e a ausência de demonstração da infringência aos dispositivos legais e pugnam, no mérito, pela confirmação do julgado, que aplicou corretamente o art. 53 do CDC na espécie, diante do atraso verificado na entrega da obra, para a qual investiram mais de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais). A admissibilidade negativa aplicou os óbices processuais das Súmulas 5 e 7 desta Corte, porém a questão envolvida efetivamente é de direito, não de fato ou de índole contratual. Com efeito, precedentes do STJ destoam do entendimento firmado no acórdão recorrido, na medida em que emprestam validade à assembleia de condôminos que visa à viabilização do empreendimento, mediante assunção e término da obra, e que foi realizada sem a constatação de vícios que tenham sido apontados pelo julgado estadual (fl. 1.096), o que vincula a minoria, verbis : DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. RATEIOS EXTRAS DIANTE DE INADIMPLÊNCIA. VALORES RECUPERADOS JUDICIALMENTE A INADIMPLENTES. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ESPECIAL. DISTINÇÃO AO CONDOMÍNIO. PRETENSÃO DE CONDÔMINO IMPROCEDENTE. 1.- O valor recebido de condôminos inadimplentes, em ação movida pelo condomínio, pertence a este, à ARISP JUS 37
ausência de decisão em Assembléia Geral determinando a devolução de valores pagos em rateios extras, instituído diante da inadimplência e satisfeito por condôminos. 2.- Validade de decisão em Assembléia Geral de Condôminos, destinando o valor judicialmente recuperado à incorporação ao patrimônio do Condomínio, com direcionamento de obras e outras necessidades. 3.- Validade de deliberação em Assembléia, pelo quórum determinado pela Convenção, nos termos dos arts. 1.323 e 1325, 1º da Lei 4.591/94. Aplicada por analogia ao condomínio. 4.- Ação movida por condômino contra o condomínio improcedente. 5.- Recurso Especial improvido. (3ª Turma, REsp 1.358.718/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, unânime, DJe de 10.2.2014) PROCESSUAL CIVIL E IMOBILIÁRIO. INCORPORAÇÃO. FALÊNCIA ENCOL. TÉRMINO DO EMPREENDIMENTO. COMISSÃO FORMADA POR ADQUIRENTES DE UNIDADES. CONTRATAÇÃO DE NOVA INCORPORADORA. POSSIBILIDADE. SUB-ROGAÇÃO DA NOVA INCORPORADORA NOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DA ENCOL. INEXISTÊNCIA. SISTEMÁTICA ANTERIOR ÁS ALTERAÇÕES IMPOSTAS À LEI Nº 4.591/64 PELA LEI Nº 10.931/04. 1. Na hipótese dos autos, diante do inadimplemento da Encol, parte dos adquirentes de unidades do empreendimento se mobilizou e criou uma comissão objetivando dar continuidade às obras. Para tanto, essa comissão interviu nos próprios autos da falência, tendo obtido provimento jurisdicional autorizando que as “unidades estoque” (aquelas não comercializadas pela Encol) e as “unidades dos não aderentes” (daqueles que não quiseram aderir à comissão) fossem excluídas de qualquer vinculação com a massa falida, propiciando a retomada e conclusão da edificação, independente de qualquer compensação financeira. O juízo falimentar também autorizou, após a realização de assembleia geral, a substituição da Encol no registro imobiliário, o que levou a comissão a celebrar com a incorporadora recorrente um contrato de promessa de permuta, para que esta concluísse o empreendimento, recebendo, em contrapartida, as unidades estoque e as unidades dos não aderentes. Há, pois, duas relações jurídicas absolutamente distintas: a primeira entre a Encol e os adquirentes originários de unidades do empreendimento; e a segunda entre a comissão de representantes desse empreendimento e a recorrente. Sendo assim, inexiste relação jurídica triangular que englobe a massa falida da Encol, os recorridos e a recorrente, a partir da qual esta teria se sub-rogado nos direitos e obrigações da Encol, o 38 ARISP JUS
que justificaria a sua inclusão no polo passivo da execução movida pelos recorridos em desfavor da Encol. 2. Embora o art. 43, III, da Lei nº 4.591/64 não admita expressamente excluir do patrimônio da incorporadora falida e transferir para comissão formada por adquirentes de unidades a propriedade do empreendimento, de maneira a viabilizar a continuidade da obra, esse caminho constitui a melhor maneira de assegurar a funcionalidade econômica e preservar a função social do contrato de incorporação, do ponto de vista da coletividade dos contratantes e não dos interesses meramente individuais de seus integrantes. 3. Apesar de o legislador não excluir o direito de qualquer adquirente pedir individualmente a rescisão do contrato e o pagamento de indenização frente ao inadimplemento do incorporador, o espírito da Lei nº 4.591/64 se volta claramente para o interesse coletivo da incorporação, tanto que seus arts. 43, III e VI, e 49, autorizam, em
caso de mora ou falência do incorporador, que a administração do empreendimento seja assumida por comissão formada por adquirentes das unidades, cujas decisões, tomadas em assembleia, serão soberanas e vincularão a minoria. 4. Recurso especial provido. (3ª Turma, REsp 1.115.605/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, unânime, DJe de 18.4.2011)
A deliberação que elasteceu o prazo, por conseguinte, tem o efeito de prorrogar a entrega da obra, afastando o pressuposto da incidência em mora da empreendedora. Ausente o inadimplemento, também não se reconhece a pertinência com a espécie da disciplina do CDC, art. 53, porquanto vinculado o contrato de compra e venda do imóvel à garantia de alienação fiduciária, merecendo aplicação cogente do art. 27, § 4º e segs., da Lei 9.514/1997, que dispõe a respeito do critério de devolução de maneira específica: Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. (...) § 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.
§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerarse-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º. § 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.
A jurisprudência específica do STJ há muito se encontra solidificada nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RECURSOS SIMULTÂNEOS. NÃO CONHECIMENTO DO POSTERIOR. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLÊNCIA. ARTS. 26 E 27 DA LEI N. 9.514/1997. DECISÃO MANTIDA. 1. Pelo princípio da unirrecorribilidade, as decisões judiciais devem ser impugnadas por meio de um único recurso. No caso concreto, os embargos de declaração não devem ser admitidos, visto que opostos posteriormente ao agravo regimental. 2. Não há como conhecer de teses suscitadas apenas no agravo regimental por força da preclusão consumativa e por impossibilidade de inovação recursal. 3. A Lei n. 9.514/1997, que instituiu a alienação fiduciária de bens imóveis, é norma especial e também posterior ao Código de Defesa do Consumidor - CDC. Em tais circunstâncias, o inadimplemento do devedor fiduciante enseja a aplicação da regra prevista nos arts. 26 e 27 da lei especial. 4. Agravo regimental improvido e embargos de declaração não conhecidos. (4ª Turma, AgRg no AgRg no REsp 1.172.146/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, unânime, DJe de 26.5.2015) RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº 70/1966. 1. Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a purga da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário. 2. No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação. 3. Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. 4. O devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997. 5. Recurso especial provido. (3ª Turma, REsp 1.462.210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, unânime, DJe de 25.11.2014) ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Restituição das prestações pagas. No contrato de alienação fiduciária, o credor tem o direito de receber o valor do financiamento, o que pode obter mediante a venda extrajudicial do bem apreendido, tendo o devedor o direito de receber o saldo apurado, mas não a restituição integral do que pagou durante a execução do contrato. DL 911/69. Art. 53 do CDC. Recurso não conhecido. (4ª Turma, REsp 250.072/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, unânime, DJU de 7.8.2000) ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. - “No contrato de alienação fiduciária, o credor tem o direito de receber o valor do financiamento, o que pode obter mediante a venda extrajudicial do bem apreendido, tendo o devedor o direito de receber o saldo apurado, mas não a restituição integral do que pagou durante a execução do contrato” (REsp nº 250.072-RJ, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar). - Direito assegurado pela decisão recorrida ao devedor fiduciante que, a rigor, carece, no caso, do interesse de recorrer. Recurso especial não conhecido. (4ª Turma, REsp 363.810/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, unânime, DJU de 17.6.2002) ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLÊNCIA. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS ARISP JUS 39
PAGAS. DESCABIMENTO. HIPÓTESE DO ARTIGO 53 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NÃO CARACTERIZADA. A rescisão do mútuo com alienação fiduciária em garantia, por inadimplemento do devedor, autoriza o credor a proceder à venda extrajudicial do bem móvel para o ressarcimento de seu crédito, impondo-lhe, contudo, que entregue àquele o saldo apurado que exceda o limite do débito. Daí não se poder falar na subsunção da hipótese à norma do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, o qual considera nulas, tão-somente, as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas, no caso de retomada do bem ou resolução do contrato pelo credor, em caso de inadimplemento do devedor, tampouco no direito deste de reaver a totalidade das prestações pagas. Recurso especial não conhecido. (3ª Turma, REsp 166.753/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, unânime, DJU de 23.5.2005)
Em face do exposto, conheço do agravo e, de logo, conheço e dou provimento ao recurso especial para determinar a aplicação da regra do art. 27, § 4º, da Lei 9.514/1997, ao caso dos autos. Bruno Melo Moura e outra opõem embargos de declaração em face da decisão, de fls. 1.246/1.253, que conheceu do agravo interposto por RMN - Santos, Filhas Participação e Administração Empresarial e Patrimonial Ltda e, logo, conheceu e deu provimento ao recurso especial para determinar a aplicação da regra do art. 27, § 4º, da Lei 9.514/1997, ao caso dos autos. Alegam que ocorreu omissões e obscuridades relativas à falta de pronunciamento a respeito de questão substancial, concernente à equivocada sujeição do contrato à Lei 9.514/1997, enquanto a disciplina é a do Código de Defesa do Consumidor, art. 53, que impõe a devolução integral das parcelas pagas, nos termos da Súmula 543/STJ. Adicionam que o termo de prorrogação de contrato foi assinado com outros adquirentes um ano após o ajuizamento da ação de rescisão em face dos réus originários, TBK Construção e Incorporação Ltda e Azul Imobiliária, que se encontravam em mora, ilícito no qual foram sucedidas pela embargada, com a qual nunca tiveram qualquer relacionamento contratual, conforme trecho da sentença, que reproduzem. Afirmam que tal premissa, portanto, não é válida no que diz respeito aos embargantes. 40 ARISP JUS
Sustentam que a Lei 9.514/1997 não é aplicável à espécie porque trata exclusivamente da mora do devedor fiduciante, porém o caso em estudo trata da inadimplência da credora fiduciária, a par de que a garantia fiduciária também não foi objeto de registro no cartório imobiliário. Intimada, a parte adversa não se manifestou (cf. certidão de fl. 1.271). Assim delimitada a questão, tenho que não estão presentes os vícios apontados. Verifico que não estão presentes os vícios elencados no art. 1.022 do atual Código de Processo Civil, pois os embargos de declaração somente são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. Vale ressaltar que os embargos de declaração possuem regramento próprio, voltado à complementação ou declaração do verdadeiro sentido de uma decisão eventualmente omissa, contraditória ou obscura, não sendo dotados, em regra, de efeito modificativo. No caso, ao contrário do que se afirma nos embargos de declaração, o acórdão embargado se manifestou acerca de toda a matéria, esclarecendo os motivos pelos quais o recurso especial mereceu provimento. A propósito, confiram-se o seguinte trecho em que o decisório é explícito a respeito do afastamento da mora e da incidência da Lei 9.514/1997 (fls. 1.247/1.253): (...) A matéria relativa à necessidade de registro da garantia de alienação fiduciária no cartório de imóveis constitui inovação em fase de recurso, porque o tema não foi tratado nem no acórdão recorrido e nem nas contrarrazões ao recurso especial. Em face do exposto, rejeito os embargos de declaração.
Sobre este último aspecto, é importante salientar que mesmo os temas de ordem pública não estão isentos do prequestionamento, conforme é pródiga a jurisprudência deste Tribunal Superior. Confira-se: AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE COBRANÇA DE VALORES
C/C REVISIONAL DE CONTRATO E PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTA CORRENTE. TARIFAS E LANÇAMENTOS TIDOS POR INDEVIDOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282 E 356 DO STF. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. REEXAME DE PROVA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. Incidem os enunciados 282 e 356 da Súmula do STF quanto aos temas insertos nos textos da legislação federal apontados, pois são estranhos ao julgado recorrido, a eles faltando o indispensável prequestionamento, do qual não estão isentas sequer as questões de ordem pública. 2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal. 3. Inviável o recurso especial cuja análise das razões impõe reexame do contexto fático-probatório da lide, bem como interpretação de cláusulas contratuais, nos termos da vedação imposta pelas Súmulas 5 e 7 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (sem negrito no original) (Quarta Turma, AgInt no AREsp 613.606/PR, minha relatoria, unânime, DJe de 17.5.2017)
inovação recursal. 6. As questões de ordem pública, embora passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias ordinárias, não prescindem, no estreito âmbito do recurso especial, do requisito do prequestionamento. 7. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC/1973 e do art. 255, § 1º, do RISTJ, exige comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos julgados que configurem o dissídio, a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e a divergência de interpretações, o que não restou evidenciado na espécie. 8. Agravo interno não provido. (sem destaque no original) (Terceira Turma, AgInt no AREsp 1.049.510/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, unânime, DJe de 30.6.2017)
Por fim, o fato de o recurso não obter a reforma do decisório não implica sua manifesta improcedência a ponto de ensejar a multa processual. Em face do exposto, nego provimento ao agravo interno. É como voto.
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. REEXAME DE FATOS. SÚMULA Nº 7/STJ. INOVAÇÃO RECURSAL. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. 1. Não viola o artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973 nem importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota, para a resolução da causa, fundamentação suficiente, porém diversa da pretendida pelo recorrente, para decidir de modo integral a controvérsia posta. 2. Reapreciar a conclusão do aresto impugnado encontra óbice, no caso concreto, na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Rever o entendimento do tribunal quanto aos danos morais demandaria análise de matéria fático-probatória, procedimento inviável em recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. A revisão de indenização por danos morais em recurso especial somente é possível em casos de irrisoriedade e exorbitância. Hipótese não configurada nos autos, em que o valor foi arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). 5. No tocante à alegada violação dos arts. 125, I, 348, 350 e 354 do CPC/1973, verifica-se não terem sido tratados os temas quando do julgamento da apelação, caracterizando ARISP JUS 41