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a par e passo, o evento dos afetos
EDIÇÃO [2021] ESPERANÇA
DIÁRIO MINDELACT
ARTICULISTAS CONVIDADOS ISIDORO COSTA SOFIA SANTOS FOTOGRAFIAS QUEILA FERNANDES
"Gráficos das Cidades e das Coisas"
DIA 3, DAS JORNADAS Isidoro Costa
O título da obra revela desde já uma visão pessimista em que quer a morte quer a vida aparecem severinas (vida árdua e severa), em que o homem aparece enclausurado num círculo de severidade, tal que, como diria Henry David Thoreau, se libertares de um círculo terás outro à tua espera. Simultaneamente, percebemos uma dimensão otimista do autor, ao dar em primeiro lugar a má notícia -a morte-, para depois a boa notícia, -a vida- se revelar, no final de forma quase inesperada. O espetáculo “Mort ma Vida Sevrina”, retoma a temática do homem migrante, de exaltação à tradição nómada e à plasticidade do ser humano, desta feita do homem de Santo Antão, para se se adaptar às circunstâncias, ou para fugir delas, se essa for a única solução encontrada.
"Mort ma Vida Sevrina"
As secas cíclicas, a aridez do solo, a falta de agua e a consequente falta de emprego, as desigualdades sociais e as injustiças, constituem os elementos que impelem Zeferino, como outros zeferinos, a abandonarem as suas aldeias e a se dirigirem aos espaços urbanos, como Porto Novo, Ribeira Grande ou em última análise são Vicente, tentando fugir às agruras da vida. Zeferino, de pés descalços (os zeferinos desta vida só usam sapatos quando são colocados no caixão), chapéu para se proteger do sol abrasador e um bli d´ água, para se refrescar. Na peça, e durante a jornada, Severin não come e mesmo a água tem de ser racionada porque desconhece o tamanho da jornada.
"Mort ma Vida Sevrina"
"Mort ma Vida Sevrina"
Como na obra original, o migrante começa por se identificar tentando fugir à massa dos Seferinos existentes e a individualizar-se à busca de uma identidade que lhe seja única e inconfundível. Severin não existe socialmente, porque morreu e se diluiu no meio de tantos Severinos desta vida. Com uma performance fantástica dos atores, a peça propõe uma triangulação que remete então para campos diferentes de representação, entre as quais a representação bíblica, a o retirante do nordeste brasileiro, e o homem de Santo Antão, todos casos marcados pela errância e pela busca de segurança física e psíquica, por travesseia de deserto, seja ele real ou simbólica.
"O Vizinho"
Benoit Turjman é mimo, comediante e dançarino. Formado na escola Marcel Marceau, especializou-se na Commedia dell’arte. Atualmente é professor na Université de Paris 8, Académie Fratellini e na École de Comédie Musicale de Paris. No Mindelact, apresentou o seu premiadíssimo “Le Voisin”, o Vizinho. Um vizinho com ar desajeitado, antiquado e desalinhado. Calças demasiado largas, laço excessivamente formal, cabelo abusivamente untuoso. Um pouco corcunda, é tímido e rebelde a um só tempo. De forma descomedida, trouxe ao Mindelo a alegria de nos avizinharmos do que nos isola, de nos abeirarmos do que nos aproxima. Usa gestos simples para transmitir pensamentos complexos e comunica sentimentos e emoções além das palavras. Fala-nos das coisas simples que compõem a soma dos dias e dos complicados emaranhados em que o quotidiano se enleia. E diverte-nos, porque a tudo isso acrescenta o sorriso partilhado. E é bem sabido que o riso é bom remédio, sobretudo em tempos de seriedade. Faz bem à condição de ser humano, diminui o cortisol, melhora o sistema cardiovascular, constrói relações de empatia, fortalece os laços sociais e não tem contraindicações! Este vizinho, o vizinho de cada um de nós, o que está perto, contíguo, confinante, mas também análogo, semelhante, parente, aproxima-nos do distante, distinto, desigual, diverso. Refaz os nós que a todos nós nos devem unir e, sorrindo, subtrainos ao tédio, à dor e à adversidade. Obrigada ao Mindelact por nos avizinhar, por nos ir avizinhando um pouco mais em cada edição! Sofia Santos
"O Vizinho"
Diário Mindelact Coordenação Caplan Neves Texto Diário 03 Isidoro Costa e Sofia Santos Fotografias Queila Fernandes "Mort ma Vida Sevrina"
OBRIGADO!