EDIÇÃO BODAS DE PRATA
DIÁRIO MINDELACT
09
a par e passo, o evento dos afetos
RAIZ DI POLON TOSTA MISTA STATIC MAN YURAN HENRIQUE BUCO'S PRODUÇÕES TRUPE PARA MOSS JOSE PINTO
""Manuel d'Novas" - Raiz di Polon
EXPERIÊNCIA MINDELACT José Pinto
O penúltimo dia do festival internacional de teatro do Mindelo amanhecia sem afetos de despedida e a mesma vontade do primeiro dia, de viver a experiência Mindelact, embora alguns artistas já tivessem viajado de volta. Dezenas de crianças escutaram de manhã e à tarde as estórias que a atriz luso-cabo-verdiana Flávia Gusmão contou, com presença forte e terna, que soa tão natural quanto única. O alemão Tosta Mista apresentava à tarde O MALABARISTA na Praça Salamansa, espetáculo de teatro-circo que parte da exploração de objetos em interação constante com o público, imergindo num momento de diversão e alegria para toda a família.
Tosta Mista
Produção cabo-verdiana, em língua cabo-verdiana, foi apresentado na Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo o espetáculo performativo O NOTÁRIO. Ensaio de equilíbrio entre o abismo do corpo do performer Yuran Henrique que procura como dançar no coração da morte enquanto sonha um espaço e um tempo que sejam verdadeiramente seus, e o ator, representando o notário, o notário a ver-se implacavelmente ao espelho da árvore da vida, numa altura em que ninguém morre há vários dias. Como o corpo de um equilibrista mascarado que principia um caminho, seguindo um fio fino que urde o lado de dentro do nevoeiro dos dias, é depois do confronto com a inevitabilidade do fim que as mãos começam a tecer dias novos, caminhos feitos de fios outros, fios tecidos para fora, a partir da medula dos ossos. Se chegou ao fim do exercício de equilibrismo tão metafórico quanto concreto? Quanto importa que a qualquer momento eu possa encontrar por fim a morte, num dia em que me esqueci de dizer que te amo? Construído em diálogo criativo com a obra “Intermitências da Morte” de José Saramago, o espetáculo tem cenografia de Bento Oliveira, que atravessa o olho até inundar suavemente o olhar.
"O Notário" - Yuran Henrique
"Stoneman" - Antรณnio Santos
Jantei um cheeseburguer apressado para poder assistir à performance STONEMAN de Staticman, António Santos, que caminhou ao redor e no Centro Cultural do Mindelo vestido de ser de pedra, com o movimento e um visual exímios, com que de resto nos brindou desde sempre. António Santos é já tão da casa global que é o Festival Mindelact, que arrisco afirmar que o João Branco não imagina as próximas edições – que auguro: sejam incontáveis – sem ele! Mais tarde, o performer confidenciou-me que hoje, minutos antes do espetáculo de Juventude em Marcha no palco 1, vai surpreender os presentes com uma performance que, caro leitor, asseguro que não vai querer perder. Ontem, Buc’os Produções apresentou o espetáculo dramático ESQUADRÃO KAMY e, se as expetativas eram elevadas, conhecidas que são as produções angolanas pela vivacidade expressiva em todos os aspetos, este drama de âmbito documental eletrificou o sangue, os olhos pouco pestanejaram e no fim gritou-se silêncio. Segundos de silêncio que o público fez em memória de Lucrécia Paim, a última sobrevivente das cinco mulheres treinadas em 1966 que lutaram contra o colonialismo português e cuja missão era levar reforços desde a fronteira do Congo até à primeira região político-militar no interior de Angola. Mas a vitória de Lucrécia Paim, em nome do esquadrão, foi até ao fim: esta mulher fez parte do processo de construção do espetáculo que se assistiu, tendo sido uma ajuda preciosa na construção das personagens do elenco que interpreta não só Lucrécia Paim, mas também Deolinda Rodrigues de Almeida, Irene Cohen, Engrácia dos Santos e Teresa Afonso. As mulheres sobreviveram à inclemência das condições climatéricas dos terrenos inóspitos, foram presas e torturadas na pequena vila de Kamuna e assassinadas no dia 2 de março de 1966. O dia da sua detenção consagrou-se como Dia da Mulher Angolana e hoje é celebrado por todo o país. No final, toda a equipa que trabalhou no espetáculo foi aplaudida com a bandeira de Angola em punho e o auditório celebrou a independência de Angola, que se festeja no dia 11 de novembro. Recordo uma das personagens, que perguntava ao vazio qual a razão para tanto ódio, e alegro-me por poder estar presente neste momento e nestes 25 anos de Mindelact, com os 25 anos deste festival que tem trabalhado com o objetivo de manter um espaço e um tempo únicos em Mindelo, em Cabo Verde e no globo, de afetos entre artistas com almas de todas as latitudes, que abraçam estes dias de partilha.
"Esquadrão Kamy" - Buco's Produções
Houve tempo ainda para homenagear Welket Bungué, o performer guineense que apresentou TCHON Di BALANTA no dia anterior. E o dia terminou com a viagem de regresso à ilha, com o espetáculo do grupo de teatro são vicentino Trupe Para Moss, sob o tema MENOS ÁLCOOL MAIS VIDA. Recordo que o Festival Off é um espaço do Mindelact que em 2017 recuperou o formato habitual, de programar apenas grupos nacionais, e este ano assistiu-se a espetáculos de curta duração de grupos das ilhas de São Vicente, do Maio, São Nicolau e Santo Antão. O penúltimo dia do festival internacional de teatro do Mindelo entrava na noite sem afetos de despedida e a mesma vontade do primeiro dia, de viver a experiência Mindelact.
HOMENAGEM MINDELACT 2019 MECENATO - GRÁFICA DO MINDELO