Diário Mindelact 2019 Nº02

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EDIÇÃO BODAS DE PRATA

DIÁRIO MINDELACT NUNO CARDOSO CIA. PESSOAL DE TEATRO JOSÉ PINTO a par e passo, o evento dos afetos


ARREGALAR OS OLHOS José Pinto

O segundo dia abriu a arregalar os olhos na Praça Monte Sossego, com o teatro do espanhol Pau Segalez, que apresentou Abre os Olhos, antes mesmo que a Companhia Paulo Lage tivesse aberto a A casa das belas adormecidas, uma performance-instalação para o olho e o olhar verem de novo ou verem, sábado no Centro Cultural Português, Polo do Mindelo. Na Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo, Nuno Cardoso arriscou o Nuno Cardoso, um corpo em exercício gímnico balanceado entre a memória e a interrogação, entre a contação de estórias, o ato performativo e a representação. Terei sido o único a imaginar com precisão como se aproximaram de ambos os lados os trabalhadores e a polícia, antes de andarem à porrada? E Nuno Cardoso arriscando sempre Nuno Cardoso, com vislumbres de sonho em conseguir terminar a redação, em conseguir, desde o não lugar, desde o não.


Money money money, must be funny in the rich man's world pode ser letra de uma canção punk, tal como o teatro clássico caber no esqueleto do ator. Mas Nuno Cardoso arrisca Nuno Cardoso e hoje, no Mindelo, ele vai terminar como terminam as tragicomédias shakespearianas, enchidas de hubris e finais. O performer, confiante disso como da descrença, atravessa a ausência de profecias e por segundos, breves segundos, escutamos o movimento cardíaco de um 'achadiço' alguém que não tem lugar, segundo o regionalismo das Beiras, Portugal - que levanta o braço no meio da multidão e antes de desaparecer novamente nos faz acreditar que pode haver mais qualquer coisa ali, como a vida. Uma produção do Teatro Nacional de São João, do Porto. José Pinto

Fotografia Queila Fernandes


quantas vidas cabem? Quantas vidas podem caber num palco? Teria de assistir novamente ao espetáculo 'Entre não lugares', da Cia Pessoal de Teatro que trouxeram de Mato Grosso, Brasil, e do mundo. Trouxeram do mundo tradições, narrativas e registos. Trouxeram do mundo aos ombros o sonho de Ulisses, os corpos dos refugiados africanos, os corpos dos apátridas, os corpos dos mortos que os muçulmanos não lavam, porque eram incrédulos em vida. Como cantam corpos à beleza, enquanto nadam e desaparecem no mar, nesta produção teatral onde se adivinha nas duas atrizes um trabalho de ator incansável, por detrás da aparente simplicidade cenográfica e do movimento subtil. Um segundo dia de um teatro com não lugares, dentro e fora, com o inominável nada, pleno de tudo para amanhã. Ah Bolsonaro, vai tomar no cu.


HOMENAGEM BODAS DE PRATA ATRIZ - SILVIA LIMA


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