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GABRIELA VEIGA ELMANO SANCHO ENANO
EDIÇÃO BODAS DE PRATA
DIÁRIO MINDELACT a par e passo, o evento dos afetos
ARTE E ATIVISMO Rosário da Luz
Se “Estão a Arrebentar as Águas” de Robson Catalunha, com Gabriela Veiga tinha alguma mensagem, ela escapou-me completamente. Um texto desarticulado; sugestivo, mas apenas de lugares comuns; pontuado por efeitos visuais básicos; e o dispêndio inexplicável da energia da produção na realização de truques incompreensíveis – tal como a troca de sapatos dos espetadores. Ainda bem que Havia mais à noite....
"Rebentaram as Águas" - Gabriela Veiga "Os Dias de Birgitt" - Cia. Sikinada
à noite... Ao ver “Damas da Noite”, uma farsa de Elmano Sancho, não pude deixar de pensar em “Jesus, Rainha do Céu”, de Natália Mallo, com Renata Carvalho, apresentado no Mindelact 2018, acerca da qual escrevi: “Se toda a arte é ativismo, nem todo o ativismo é arte. Para que o seja, temos que receber algum tipo de REVELAÇÃO, seja estética, seja conceptual. O que eu vi nesta encenação foi fundamentalmente ativismo.” A farsa “Damas da Noite” de Elmano Sancho, também é ativismo porque é arte; mas ao contrário de “Jesus, Rainha do Céu”, é arte.
O ativismo de “Rainha do Céu” tem a aridez de uma estatística, apenas envernizada pela subversão artificial de um mito religioso; já o propósito de “Damas da Noite” é infinitamente mais sofisticado, e sentimo-lo logo no início, pelo seu tratamento da audiência. Enquanto em “Rainha do Céu” o espectador é bombardeado com narrativas de violência contra pessoas trans, em “Damas”, uma das protagonistas – a Filha da Mãe – garante à futura Cleopatre, sua aprendiz de drag queen, que “esta gente não te vai mandar pró caralho!” Que não lhe vai bater nem violentar. Ou seja, “Damas” pressupõe estar perante uma audiência urbana, que já ultrapassou preconceitos básicos, e que está interessada na experiência da pessoa trans e do artista transformista porque são experiências HUMANAS.
Para explorar o porquê do impulso de transformação de “gente que abdica voluntariamente da sua posição privilegiada como homens para serem julgados pela sua aparência” no feminino, Sancho encena uma oficina de drag, onde duas transformistas resolvidas ajudam no parto de uma iniciante: “Tudo o que não gostas em ti desaparece; tudo o que reprimes em ti, é ela”... Mas avisam-no que não é só calçar um par de saltos para se perceber a natureza da alma feminina. A questão que o protagonista se coloca não é como construir uma mulher; e sim como construir um alter ego feminino para o homem falhado que ele é. É esse o pressuposto da exploração do personagem de Elmano, que inicia a vida/peça como um homem híper-masculino – não pela presença de híper masculinidade, mas pela híper-ausência de feminilidade – e quer saber em que tipo de mulher este homem se desabrochará. Não será na castiça Filha da Mãe, nem na linda e sabida Lexa Black, suas mentoras; será numa clássica matrona loira, culta e recatada, o produto orgânico do homem – da pessoa – que ele é.
"Damas da Noite. Uma farsa de Elmano Sancho"
Das ferramentas utilizadas na construção/exploração dos personagens, destacam-se a música disco-pop clássica do universo transformista; números de lipsync, pedra basilar da estética dos shows drag, aqui transfigurados em pantomimas plenas de significado; números de dança de coreografia exigente; um guião diálogo inteligente, entre o castiço e o filosófico; e figurinos que exploram alternadamente a rigidez e a fluidez das fronteiras entre o masculino e o feminino. Amei.
Festival Off - Grupo de Teatro da Escola Salesiana
Rafa Pikapau
HOMENAGEM MINDELACT 2019 JORNALISTA - MATILDE DIAS