Diabetes

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DIABETES Noções Gerais Complicações Terapêutica e Vigilância

Maria Augusta Soares Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

Editor: Manuel José Guedes da Silva, Lda. Rua Luiz Marques, Lote 8 - Alto dos Gaios 2765-448 Estoril Tel: 21 466 99 05 Fax: 21 467 57 99 E-mail: mguedes.silva@mjgs.pt Depósito legal: 0000/00 ISBN: 978-989-97000-7-9 Tiragem: 10.000 Impressão: G.C. - Gráfica de Coimbra, Lda.

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Indice

Maria Augusta Soares

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Diabetes

5

Prevalência em Portugal

5

Prevalência noutros países

6

Síndroma metabólica

7

Classificação da Diabetes

8

Pessoas em risco de diabetes (pré diabetes) Sintomas da Diabetes

11

Critérios de Diagnóstico

11

Critérios para Testar Indivíduos Assintomáticos para a Diabetes Tipo 2

13

Critérios para Testar Crianças para a Diabetes Tipo 2

13

Critérios para Avaliação da Diabetes Gestacional

14

Prevenção ou Atraso no Desenvolvimento da Diabetes Tipo 2

15

Complicações da Diabetes

15

Complicações Agudas

15

Hipoglicemia

15

Hiperglicemia

16

Complicações Crónicas

17

Vasculopatias: Microangiopatias

18

Vasculopatias: Macroangiopatias

20

Neuropatias

20

Infecções

21

Pé diabético

22

Gastroparésia

23

Terapêutica da Diabetes Tipo 2 Objectivos terapêuticos da diabetes tipo 2

2

10

24 24

Glicemia

24

Outros objectivos terapêuticos

25


Diabetes - Noções Gerais, Complicações, Terapêutica e Vigilância

Recomendações nutricionais

26

Terapêutica medicamentosa

27

Insulina

27

Secreção e eliminação normal da insulina

28

Receptores e efeitos fisiológicos da insulina

28

Terapêutica com Insulina

29

Indicações

31

Complicações da terapêutica com insulina

31

Antidiabéticos orais

32

Hipoglicemiantes

32

Anti-hiperglicemiantes

36

Pramlintida

43

Controlo glicémico

43

Normas Nacionais da terapêutica da Diabetes tipo 2

44

Outras Guidelines

46

Associação da terapêutica

47

Monitorização do diabético

47

Glicemia e HbA1c

47

Pé Diabético

48

Autovigilância

48

Educação do doente

49

Farmacêutico e o doente diabético

50

O papel do farmacêutico Farmacoterapia Bibliografia

50 50 54

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Curriculum Vitae Maria Augusta Soares Professora Auxiliar da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL). Membro do Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (iMed.UL). Coordenadora do Mestrado de Cuidados Farmacêuticos da FFUL. Coordenadora Executiva da Unidade de Farmacovigilância do Sul, com sede na FFUL. Coordenadora do Programa SeniorMed de Cuidados Farmacêuticos em Centros de Dia do Concelho de Odivelas. Docente responsável de várias disciplinas no Mestrado Integrado de Ciências Farmacêuticas da FFUL. Representante da FFUL no Grupo Pharmaceutical Care Network. Representante da Ordem dos Farmacêuticos na Direcção Geral de Saúde para o Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes (PNPCD). Especialista em Farmácia Hospitalar pela Ordem dos Farmacêuticos.

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Diabetes A diabetes é uma doença crónica que requer cuidados médicos contínuos e educação do doente juntamente com apoio na prevenção de complicações agudas e redução do risco de complicações crónicas. Os cuidados com a diabetes são complexos não se limitando ao simples controlo glicémico. (1-3) As recomendações para os cuidados com a diabetes incluem o rastreio, o diagnóstico e a terapêutica, situações destinadas a melhorar os resultados clínicos da doença (1-3). Prevalência em Portugal A prevalência de diabetes aumenta com a idade e o risco de diabetes ao longo da vida na população Europeia é de 30-40%, sendo que cerca de metade dos diabéticos desconhece a sua doença. Nesta população de meia-idade, a prevalência da diminuição da tolerância à glicose é cerca de 15%, aumentando para 35 a 40% nos idosos(2). A diabetes apresenta oscilações de incidência e prevalência nas várias regiões do Mundo, com crescimento progressivo, sendo que a sua maior prevalência se situa no grupo etário acima dos 45 anos. A incidência da diabetes tem vindo a aumentar nos seus principais subtipos 1 e 2, para os quais factores genéticos e ambientais, como a obesidade e o sedentarismo têm concorrido nas últimas décadas, apesar da maior atenção ao diagnóstico precoce e aos avanços terapêuticos alcançados. De acordo com os dados dos estudos DIAMOND da OMS e EURODIAB, na década de 90, a incidência da diabetes tipo 1 situar-se-ia em Portugal entre 5 e 9,9 casos por 100.000 habitantes/ano(4). Considerando os dados do Inquérito Nacional de Saúde (INS) a prevalência auto-referida da diabetes em 1999 era de 4,7% e em 2006 era de 6,7%, confirmando a tendência crescente estimada pela International Diabetes Federation (IDF) para 2007 de 8,2% e para 2025 de 9,8%. A IDF estimava ainda para Portugal e em 2007, uma percentagem de tolerância diminuída à glucose (TDG) de 10,1% com aumento desta prevalência para 10,8%. Um estudo recente, PREVADIAB avaliou o nº de habitantes entre 20 - 79 anos numa amostra representativa a nível regional e nacional, tendo sido estudados 5.167 indivíduos. Neste grupo foi encontrada uma prevalência 11,7% com diferença significativa entre os géneros (14,2% no homem e 9,5% na mulher). Destes indivíduos 6,6% sabiam que eram diabéticos e 5,1% estavam por diagnosticar. A estratificação por idade mostrou que entre 20-39 anos, a prevalência era de 2,4%, entre 40-59 anos era de 12,6% e entre 60-79 anos era de 26,3%(5, 6). A pré-diabetes em 2008 era de 23,2% em indivíduos entre 20 e 79 anos, sendo 8,2% de alteração da glucose de jejum (AGJ); 12,6% de tolerância diminuída à glucose (TDG) e com as 2 situações associadas existiam 2,4% dos indivíduos(6).

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Relativamente à incidência da diabetes estima-se que sejam diagnosticados anualmente entre 500 e 700 novos casos por 100.000 habitantes(6). Relativamente às complicações da diabetes, foi considerado que 25% dos internamentos hospitalares por AVC e 29% dos enfartes do miocárdio eram de pessoas com diabetes. Estima-se a existência de retinopatia em 11,4% das pessoas com diabetes e 2,3% das pessoas com diabetes estão cegas ou amblíopes. Em hemodiálise estão 0,2% dos indivíduos com diabetes sendo este número completado por 2,5% de pessoas que saíram de internamento hospitalar com diálise renal. É de 25% a percentagem de indivíduos com insuficiência renal em hemodiálise que possuem diabetes(6).

Consumo de medica amentos Segundo o Observatório Nacional da Diabetes de 2009, dados de 2006 para os diabéticos tipo 2, estimavam que 87% tomavam antidiabéticos orais e 9% insulina. Relativamente à terapêutica anti-hipertensiva destes doentes, 76% tomavam-na e 56% tomavam hipolipidemiantes. Observou-se um acréscimo no consumo de medicamentos ao longo dos últimos anos tendo aumentado 30% entre 2000 e 2007, quando calculados em dose diária definida (DDD) por 1.000 habitantes. A taxa de crescimento médio anual de antidiabéticos orais foi de 15% entre 2000 e 2008 e a de insulina foi de 10% no mesmo período de tempo(6). Um estudo realizado em Portugal observou que 74,6% dos doentes tomavam metformina sendo este fármaco responsável por 44,6% do consumo de antidiabéticos orais. Cerca de 40% dos doentes estudados tomavam apenas um fármaco antidiabético e os restantes estavam em politerapia(7). Prevalência noutros países A diabetes tipo 2 é considerada hoje em dia como uma pandemia, encontrando-se dispersa em todo o globo como consequência da urbanização, mudanças nutricionais e alterações dos estilos de vida com aumento do sedentarismo, o que acompanha o aumento da obesidade(8). A Ásia, com extensa população e desenvolvimento económico, tende a ser o epicentro da diabetes tipo 2 surgindo em idades mais jovens do que na Europa, mesmo com IMC inferior. Admite-se como factores responsáveis para esta aceleração, o fenótipo de peso normal metabolicamente obeso, ingestão elevada de álcool, elevada ingestão de hidratos de carbono altamente refinados (arroz branco) e sedentarismo elevado, aos quais parece associar-se a deficiência nutricional in utero e nos primeiros tempos de vida associada a excesso alimentar mais tardiamente(8). Estudos genéticos têm contribuído para melhor compreender a diabetes mas ainda são insuficientes para explicar as diferenças étnicas sobre o risco de diabetes. A interacção entre a genética e os estilos de vida ocidentais podem

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contribuir para a epidemia sendo assim recomendado para prevenção da diabetes tipo 2, a instituição de medidas conducentes a cuidados alimentares e actividade física como uma prioridade global das políticas de saúde pública. (8) Os dados da IDF no Atlas da diabetes apontaram para 2010 uma prevalência da diabetes na Europa mais elevada nos seguintes países: Alemanha - 12%; Áustria - 11,2%; Chipre - 10,4%; Portugal - 12,4%; Suíça - 11,3%. Sendo menor em: Islândia - 2,1%; Tajiquistão - 3,6%; Uzbequistão - 4,0%; Turquemenistão - 4,1%; Noruega - 4,7%; Reino Unido - 4,9%. Os EUA têm uma prevalência de 12,3% e o Canadá de 11,2%. Em África, as Ilhas Seicheles apresentam prevalência muito elevada, de 14,4%, sendo que na grande maioria dos países ela é da ordem de 2-4,5%. As Ilhas Maurícias atingem uma prevalência de 17%.

Síndroma metabólica Pode ser considerada como um conjunto de factores associados a risco aumentado de doença cardiovascular(9, 10). Existem várias definições, a mais recente das quais proposta pela IDF(2, 11). A patogénese e os componentes da síndrome metabólica são complexos estando presentes e, sendo considerados causais, a obesidade central (visceral) e a resistência à insulina. O perímetro abdominal utiliza-se no rastreio clínico da síndrome metabólica, visto estar muito mais associada ao risco metabólico do que com o índice de massa corporal (IMC)(2). Mantém-se uma diferença ligeira na classificação da síndroma metabólica conforme as diferentes instituições internacionais, sendo que são considerados os seguintes factores: obesidade (cintura/anca; IMC; perímetro abdominal); HDL-colesterol, trigliceridos, pressão arterial, glicemia e outros (redução da sensibilidade à insulina, microabuminúria, hiperinsulinemia)(12). - Obesidade central é definida como perímetro da cintura > 94 cm para os homens e > 80 cm para as mulheres de origem europeia, com valores específicos para as várias etnias, associada a quaisquer dos dois seguintes quatro factores: - Elevação da concentração de trigliceridos (TG)> 150 mg/dL ou terapêutica específica para a hipertrigliceridemia; - Redução do colesterol HDL para < 40 mg/dL nos homens e < 50 mg/dL nas mulheres ou terapêutica específica para esta anomalia; - Elevação da pressão arterial com a sistólica > 130 ou diastólica 85 mmHg ou terapêutica específica para hipertensão previamente diagnosticada; - Hiperglicemia em jejum > 100 mg/dL ou diabetes tipo 2 previamente diagnosticada. Se superior a 100 mg/dL, é recomendada uma PTGO, mas não é necessária para determinar a presença da síndrome.

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Foi observado que os níveis séricos de magnésio em idosos com hiperglicemia estavam reduzidos embora se desconheça se a hipomagnesemia é um factor de risco ou uma consequência da hiperglicemia(13). O risco relativo da síndroma metabólico para a doença aterosclerótica cardiovascular situa-se entre 1,5 a 3,0 conforme o estádio da síndroma assim como o risco de desenvolvimento de diabetes, quando ela não está presente. A maioria dos indivíduos que desenvolve síndroma metabólica adquire inicialmente obesidade abdominal aumentando posteriormente o risco cardiovascular desenvolvendo arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca e situações trombóticas, que são agravadas pela diabetes com insuficiência renal, cardiomiopatia diabética e diversas neuropatias. Os doentes com síndroma metabólica manifestam um conjunto de outras situações clínicas que dificultam o tratamento: dislipidemia, fígado gordo, litíase de colesterol, gota e apneia do sono(10, 11). A figura 1 esquematiza a relação entre as situações.

Figura 1 - Esquema de interrelação entre diabetes e a sindroma metabólica Há um conjunto de sintomas que reduzem a qualidade de vida com prognóstico negativo e cuja terapêutica se mantém como um desafio(9). A adiponectina é uma proteína derivada do tecido adiposo considerada como marcador da síndroma metabólica e das suas complicações. Estudos genéticos entre a adiponectina e a síndroma metabólica sugerem que ela é um dos factores causais da sua patogénese permitindo compreender a genética envolvida nesta síndroma(14, 15).

Classificação da Diabetes O pâncreas é um órgão endócrino com cerce de 1 milhão de ilhéus de Langerhans nos quais são produzidos várias hormonas (tab 1): insulina, polipéptido amilóide ou amilina (modula o apetite, o esvaziamento gástrico e a secreção de glucagon e insulina); glucagon (factor hiperglicémico que mobiliza o glicogénio armazenado); somatostatina (inibidor universal das células

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secretórias) e o péptido pancreático (facilita o processo digestivo). A diabetes resulta de alterações dos processos pancreáticos, estando classificada em 4 tipos: tipo 1 (requer insulina para sobreviver); tipo 2 (por resistência tecidular à insulina associada à produção insuficiente da hormona); tipo 3 (agrega diferentes tipos de diabetes) e tipo 4 (gestacional)(2, 3, 16, 17). Tabela 1 - Tipos celulares pancreáticos e hormonas produzidas TIPO DE CÉLULAS A (α) B (β) D (δ) F (PP)

MASSA PANCREÁTICA (%) 20 75 3-5 <2

HORMONAS SECRETADAS Glucagom e proglucagom. Insulina; proinsulina; péptido-C; amilina. Somatostatina. Polipéptido pancreático (PP).

Na diabetes tipo 1 há destruição das células β e deficiência relativa ou absoluta de insulina, requerendo terapêutica de substituição com insulina. Este tipo de diabetes subdivide-se em 2 conforme a causa é imune ou idiopática. O primeiro caso é mais comum e, embora o seu início seja mais frequente antes dos 30 anos, pode ocorrer em qualquer idade existindo alguma susceptibilidade familiar em que 10-15% dos doentes apresentam história familiar(1-3, 16, 17). Na diabetes tipo 2, situação geralmente silenciosa, existe insulinorresistência associada a redução da produção de insulina. A acção alterada da insulina também afecta o metabolismo gordo, com aumento dos ácidos gordos livres, trigliceridos e redução das lipoproteínas de alta densidade (HDL). Estes doentes podem não necessitar de insulina para sobreviver mas cerca de 30% beneficiam da sua administração. Embora estes doentes não desenvolvam habitualmente cetoacidose, uma situação de stresse pode ocasioná-la. Na diabetes tipo 2 não controlada com níveis muito elevados de glucose (6-20 vezes o normal) pode ocorrer coma hiperosmolar com risco de vida(1-3, 16, 17). Os outros tipos de diabetes devem-se a defeitos genéticos da célula β que afectam a sua função, defeitos genéticos na acção da insulina, doença do pâncreas exócrino como a fibrose cística, endocrinopatias diversas e à acção de fármacos como alguns destinados ao tratamento da infecção por HIV ou imunossupressores(1-3). A diabetes tipo 4 ou gestacional é uma alteração dos níveis de glucose que se desenvolve pela 1ª vez durante a gravidez surgindo nos EUA em 4% de todas as gravidezes. Durante este estádio, a placenta e as suas hormonas criam uma estado de insulinorresistência existindo risco desde o 1º trimestre, razão pela qual se deve rastrear, o que pode ser feito entre a 24ª e 28ª semana quando o risco é baixo(2, 16). Geralmente é reversível com o parto, mas pode complicar o desenvolvimento do feto e indiciar a aparecimento de uma diabetes futura(1-3, 17, 18).

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Quanto aos tipos de diabetes, a DGS considera ainda, a hiperglicemia intermédia ou categorias de risco aumentado para diabetes, que classifica mediante vários critérios(3). Pessoas em risco de diabetes (pré diabetes) Para a diabetes tipo 2 concorrem vários factores como os genéticos, ambientais, anomalias na insulina, produção aumentada de glucose pelo fígado, aumento da ingestão de lípidos, secreção hormonal insuficiente pelos intestinos, entre outros. Geneticamente identificou-se que o gene P2 é importante na relação entre obesidade e a resistência à insulina, a deficiência do gene da lipoproteína lipase e a do gene que regula o metabolismo da glucose(19). Os factores de risco para a diabetes tipo 2 estão representados na tabela 2(19). Tabela 2 - Factores de risco da diabetes tipo 2 FACTOR DE RISCO Idade Obesidade Antecedentes familiares de diabetes tipo 2 Diabetes gestacional Filhos com mais de 4 kg à nascença Sedentarismo

DESCRIÇÃO Superior a 35. O excesso de peso e obesidade. Possuem antecedentes familiares 52% dos doentes. Existência de diabetes tipo 2 numa gravidez. Mães de recém-nascidos com mais de 4 kg. Aumenta a predisposição para insulinorresistência.

Em 1997 e 2003, o Expert Committee on Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus identificou um grupo de pessoas que, apesar de não apresentar os critérios de diagnóstico para diabetes possuíam a glicemia acima do normal. Este grupo de indivíduos foi definido como tendo Glicemia de Jejum Alterada (IFG) pela ADA (1, 2) quando a glicemia de jejum se situava entre 100 - 125 mg/dL (5,6 - 6,9 mmol/l). A DGS considera a Anomalia da Glicemia de Jejum (AGJ) quando a glicemia de jejum é > 110 e <126 mg/dL (ou > 6,1 e <7,0 mmol/l), valor adoptado pela OMS(3). A outra categoria é a Tolerância Diminuída à Glucose (TDG) pela ADA quando às 2 horas, a glicemia plasmática na PTGO, estava entre 140 - 199 mg/dL (< 200) (ou 7,8 - 11,0 mmol/l)(1). Segundo a DGS a Tolerância Diminuída à Glucose (TDG) apresenta glicemia às 2 horas na PTGO > 140 e <200 mg/dL (ou > 7,8 e <11,1 mmol/l)(3). A OMS e outras organizações internacionais consideram o cut off para a IFG de 110 mg/dL (6,1 mmol/l) (tab 3)(1, 2). Tabela 3 - Valores de glicemia na pré diabetes conforme diversas instituições INSTITUIÇÃO DGS ADA

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Glicemia alt. de jejum > 110 e < 126 mg/dL (AGJ) > 100 e < 126 mg/dL (IFG)

Tol. Dim. Glucose > 140 e < 200 mg/dL às 2 horas na PTGO (TDG) > 140 e < 200 mg/dL às 2 horas na PTGO (TDG)


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Os indivíduos com hiperglicemia intermédia (3) ou pré diabetes apresentam risco aumentado de desenvolver diabetes, devendo esta situação, ser encarada como factor de risco para a diabetes e para doença cardiovascular por se associar à obesidade visceral, dislipidemia e hipertensão. É também considerado como risco, um valor de HbA1C entre 5,7 - 6,4%(1, 2).

Sintomas da Diabetes Embora a diabetes tipo 2 seja considerada como assintomática há alguns sintomas comuns e habituais que nem sempre estão presentes, são os designados como 3P: poliúria, polidipsia e polifagia associados à hiperglicemia. Pode ainda ocorrer perturbação da visão, aumento da susceptibilidade a infecções, sendo mais frequentes, as do foro geniturinário (micoses vaginais) e lesões cutâneas. Pode também verificar-se perda de peso, formigueiro, sensação de picadas e queimadura nas extremidades, parestesias, prurido, problemas gengivais, disfunção eréctil, entre outros(19-22).

Critérios de Diagnóstico Durante décadas o diagnóstico da diabetes baseava-se nos valores da glicemia de jejum ou após o teste de sobrecarga de glucose com 75 g de glucose oral (PTGO)(1). Em 2009, um Comité Internacional de Peritos com representantes da American Diabetes Association (ADA), da International Diabetes Federation (IDF) e da European Association for the Study of Diabetes (EASD) recomendou a utilização da hemoglobina glicosilada (HbA1C) para o diagnóstico com um limiar de > 6,5%, tendo sido adoptada pela ADA em 2010(1). Contudo, o diagnóstico requer a aplicação de um método certificado pela National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) e standardizado pela Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) considerando que os métodos vulgares de determinação da HbA1C não são suficientemente rigorosos para o diagnóstico desde que não sigam métodos standardizados. Dados epidemiológicos mostram as seguintes vantagens do diagnóstico pela HbA1C: relação igual à glicemia de jejum ou às 2 horas do teste de sobrecarga oral da glucose para o risco de retinopatia diabética, é mais conveniente para a sua realização por não necessitar de jejum, tem maior estabilidade pré-analítica e menos oscilações diárias face ao stresse e doenças(1). Há contudo que notar que o teste é mais caro, há locais em que não está disponível, pode não haver uma correlação directa com os valores médios de glicemia e apresenta maior variabilidade com a etnia, com algumas anemias e hemoglobinopatias, situações que requerem precauções adicionais(1).

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A hemoglobina glicosilada (HbA1c) avalia o controlo metabólico e a efectividade terapêutica por representar a glicemia média nas 6 a 8 semanas precedentes (tempo de vida dos eritrócitos) à análise(2). Apesar de algumas Instituições admitirem a HbA1c como teste para o diagnóstico da diabetes ainda existem algumas reservas quanto à sua utilidade(2, 3). A HbA1c não é sensível para os valores baixos de glicemia e um valor normal não exclui a presença de diabetes ou diminuição da tolerância à glicose(2). Segundo a ADA, os critérios actuais para o diagnóstico de diabetes são os apresentados abaixo(1, 2): 1. Hemoglobina glicosilada > 6,5%: sendo que o teste deve ser efectuado num laboratório que utilize um programa standardizado de National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) certificado, método standardizado de Diabetes Control and Complications Trial (DCCT). Na ausência de hiperglicemia, o teste deve ser confirmado(1, 2). ou 2. Glicemia de jejum > 126 mg/dL (7,0 mmol/l), considerando-se jejum a omissão de ingestão de alimentos por 8 horas(1, 2). ou 3. Glucose plasmática às 2 h > 200 mg/dL (11,1 mmol/l) durante o teste de sobrecarga oral de tolerância à glucose (PTGO), realizado conforme a OMS com 75 g de glucose anidra dissolvida em água(1, 2, 22). ou 4. Presença de sintomas clássicos de hiperglicemia e uma determinação ocasional de glicemia com valores de > 200 mg/dL (11,1 mmol/l)(1, 2). A DGS na sua Norma 002/2011 plasma venoso na população(3):

(3)

considera como diagnóstico os valores de

a) Glicemia de jejum > 126 mg/dL (ou > 7,0 mmol/l); ou b) Sintomas clássicos + glicemia ocasional > 200 mg/dL (ou > 11,1 mmol/l); ou c) Glicemia > 200 mg/dL (ou > 11,1 mmol/l) às 2 horas, na prova de tolerância à glicose oral (PTGO) com 75g de glicose; ou d) Hemoglobina glicada A1c (HbA1c) > 6,5%(3). A tabela 4 resume os valores de diagnóstico da ADA e da DGS(1-3, 22, 23). Tabela 4 - Critérios de Diagnóstico da Diabetes para a ADA E DGS PARÂMETRO HbA1c Glicemia de jejum (8h) Glicemia às 2 horas da PTGO com 75 g glicose Sintomas de diabetes e glicemia ocasional

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ADA > 6,5% > 126 mg/dL > 200 mg/dL > 200 mg/dL

DGS > 6,5% > 126 mg/dL > 200 mg/dL > 200 mg/dL


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Recomenda-se que o diagnóstico de diabetes num indivíduo assintomático, não seja realizado na base de um único valor anormal de glicemia de jejum ou de HbA1c, devendo ser confirmado numa segunda análise, após 1-2 semanas(3, 23). Recomenda-se ainda o uso de um só parâmetro para o diagnóstico de diabetes. No entanto, se houver avaliação simultânea de glicemia de jejum e de HbA1c, se ambos forem valores de diagnóstico, este fica confirmado, mas se um for discordante, o parâmetro anormal deve ser repetido(3, 23). Tal como a maioria dos testes, a possibilidade de erro laboratorial existe, pelo que é recomendado a repetição do mesmo teste, para confirmação do diagnóstico (tab 5)(1). Tabela 5 - Recomendações Adicionais para o diagnóstico de diabetes da DGS SITUAÇÃO RECOMENDAÇÃO DA DGS Parâmetro para o diagnóstico Utilizar apenas um método. Utilização de parâmetros para diagnóstico Diagnóstico confirmad: se os 2 parâmetros o confirmarem. Valor discordante: repetir o teste que tem valores mais elevados. Indivíduo assintomático

Requer repetição da glicemia ou de HbA1C após 1-2 semanas.

Critérios para Testar Indivíduos Assintomáticos para a Diabetes Tipo 2 Devem ser testados para identificação precoce de diabetes, os seguintes indivíduos(1, 22): 1. Todos os adultos com excesso de peso (IMC > 25 kg/m2) e com factores de risco adicionais: sedentarismo, familiares de 1º grau com diabetes e raça ou etnia de risco elevado, mulheres que tiveram filhos com mais de 4 kg à nascença ou que tiveram diabetes gestacional, indivíduos com hipertensão (PA > 140/90 >mm Hg ou submetidos a terapêutica anti-hipertensiva), com HDL-colesterol < 35 mg/dL (0,90 mmol/l) e/ou trigliceridos >250 mg/dL (2,82 mmol/l), mulheres com síndroma de ovário poliquístico, pessoas com teste anterior com HbA1C > 5,7% ou teste de IFG ou TDG, com outras situações associadas a insulinorresistência (obesidade marcada, acantosis nigricans), com história de doença cardiovascular; 2. Na ausência das situações apontadas: o teste para a diabetes deve ter início aos 45 anos de idade; 3. Se os resultados forem normais: os testes devem ser repetidos ao fim de 3 anos(1, 22). Critérios para Testar Crianças para a Diabetes Tipo 2 A importância destes critérios reside no aumento da prevalência da diabetes tipo 2 em crianças e adolescentes. As recomendações da ADA Consensus

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Statement on Type 2 Diabetes in Children and Youth com ajustes, são as referidas abaixo, para as crianças assintomáticas(1, 22). 1. Idade de início da avaliação: aos 10 anos ou no início da puberdade se esta for anterior aos 10 anos; 2. Frequência de avaliação: de 3 em 3 anos. 3. Testar crianças com: excesso de peso (IMC> 85th percentile para a idade e sexo, peso para a altura> 85th percentile ou peso> 120% do peso ideal para a altura) associado a 2 dos seguintes factores de risco: - História familiar de diabetes tipo 2 no 1º ou 2º grau; - Etnia de risco elevado; - Sinais de insulinorresistência ou situações associadas com esta (acantosis nigricans, hipertensão, dislipidemia, síndroma de ovário poliquístico ou baixo peso para a idade gestacional); - História materna de diabetes gestacional durante a sua gestação(1). Critérios para Avaliação da Diabetes Gestacional A diabetes gestacional envolve riscos para a grávida e para o recém-nascido segundo o estudo Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcomes (HAPO) que estudou 25.000 grávidas. Este conhecimento levou a considerar-se a necessidade do diagnóstico precoce de diabetes gestacional tendo sido criadas recomendações, por consenso internacional, para o seu diagnóstico. Foi recomendado que todas as mulheres sejam submetidas a PTGO com 75 g de glucose entre as 24-28 semanas de gestação efectuado após jejum nocturno de 8 horas. É considerado diagnóstico de diabetes gestacional se a glicemia cair nos seguintes valores(1): - Jejum: > 92 mg/dL (5,1 mmol/l) - 1 h > 180 mg/dL (10,0 mmol/l) - 2 h > 153 mg/dL (8,5 mmol/l) Uma mulher que tenha apresentado diabetes gestacional deve ser avaliada para diabetes ao fim de 6 - 12 semanas após o parto e ser submetida a avaliação durante toda a vida, pelo menos com 3 anos de intervalo(1). Para a DGS os critérios de diagnóstico da diabetes gestacional são os valores da ADA para plasma venoso realizando-se da seguinte forma(3): a) Glicemia de jejum, na 1.ª consulta de gravidez, com valores entre > 92 mg/dL e <126 mg/dL (ou > 5,1 e <7,0 mmol/l)(3); b) Se glicemia de jejum <92 mg/dL, realiza?se PTGO com 75 g de glicose, às 24-28 semanas de gestação. É critério para diagnóstico de diabetes gestacional, a confirmação de um ou mais valores. Os valores de referência são os apontados anteriormente conforme a ADA(3).

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Diabetes - Noções Gerais, Complicações, Terapêutica e Vigilância

Prevenção ou Atraso no Desenvolvimento da Diabetes Tipo 2 Há estudos que comprovam que indivíduos em risco de desenvolverem diabetes tipo 2 podem beneficiar com intervenções que reduzam esse risco. Doentes com TDG, IFG, ou HbA1c entre 5,7 e 6,4% devem ser integrados num programa de perda de peso de 7%, com aumento de actividade física, para no mínimo, 150 minutos/semana com caminhadas, devendo também ser acompanhados com educação de estilos de vida. Pode considerar-se a administração de metformina quando o risco de diabetes for muito elevado e com HbA1c mantida > 6% associada a factores de risco(1). Estas pessoas devem ser monitorizadas anualmente(1).

Complicações da Diabetes Indivíduos com diabetes apresentam risco aumentado de complicações, quer agudas quer crónicas. Complicações Agudas Importa vigiar os doentes para que sejam detectadas e tratadas de imediato. Para além das infecções e outras complicações, são consideradas como agudas a hipoglicemia e a hiperglicemia. A hiperglicemia grave pode ocasionar coma hiperosmolar, situação que coloca a vida em risco, assim como a hipoglicemia não tratada ou tratada tardiamente(19). Hipoglicemia Surge quando a glicemia é <50 mg/dL, embora os sintomas possam começar a manifestar-se com valores superiores(19). Sintomas: fome, palidez, cefaleias, suores frios, taquicardia, náuseas, cansaço, tremor, nervosismo, irritabilidade, visão turva. Estes sintomas podem progredir para confusão, sonolência, dificuldade em andar, convulsões e perda de consciência(19). Causas: atraso na ingestão de alimentos ou ingestão de pequena quantidade, aumento da actividade física, toma de dose mais elevada de antidiabéticos, interacções medicamentosas(19). Tratamento: deve ser imediato ao aparecimento dos primeiros sinais.

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Ingerir de imediato 1-2 pacotes de açúcar (sacarose) em água ou sumo de laranja seguido da ingestão de outro alimento doce para manter a glicemia. O alimento deve ser isento de gordura ou possuir o menor teor possível para não demorar a absorção da glucose(19). Doentes submetidos a inibidores da α- glucosidase: a sacarose é substituída por glucose (em papéis ou comprimidos), dado que a sacarose está impedida de se desdobrar em glucose não sendo por isso capaz de corrigir a hipoglicemia rapidamente(19). Hipoglicemia grave com confusão, dificuldade em deglutir ou inconsciência: obriga a conduzir o doente urgentemente ao hospital por estar impedido da ingestão. Deve injectar-se glucagon subcutâneo de imediato enquanto aguarda a chegada ao hospital. No hospital, o tratamento efectua-se com glucose hipertónica por via endovenosa(19). Hiperglicemia Embora a hiperglicemia seja considerada como glicemia é >126 mg/dl contudo o que se considera como complicação corresponde a valores muito mais elevados(19). Causas: falta de diagnóstico de diabetes, alimentação excessiva, erros no tratamento, stresse metabólico, infecções, doenças agudas e gravidez(19). Sintomas: pode ser assintomática quando não muito grave(19). Consequências: na diabetes tipo 2 pode desenvolver-se coma hiperosmolar e na diabetes tipo 1 pode desencadear cetoacidose metabólica(19). As principais diferenças entre hipoglicemia e hiperglicemia (cetoacidose) estão sumarizadas na tabela 8(19). Tabela 8 - Resumo das diferenças entre hipoglicemia e hiperglicemia HIPOGLICEMIA Rápido (minutos) Fraqueza repentina e tremores Fome exagerada Normal Nervosismo. Excitação tipo embriaguez Pálida. Suada. Fria Normal Normal Normal Glicemia pré prandial

Início Apetite Sede Conduta Pele Língua Hálito Respiração Sangue

HIPERGLICEMIA Gradual (horas/dias). Cansaço progressivo. Ausente. Náuseas, vómitos, dor abdominal. Intensa. Sonolência, torpor. Seca, quente, ruborizada. Seca. Cheiro a frutas (acetona). Rápida e curta (polipneia Kussmani). Glicemia elevada ou muito elevada. É possível que apareçam corpos cetónicos.

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Complicações Crónicas Para evitar as complicações crónicas da diabetes que se consideram irreversíveis fundamental a prevenção com a manutenção da HbA1c em valores <7%(19). Podem resumir-se nos seguintes tipos: neuropáticas e vasculares (macroangiopatia e microangiopatia)(19). A teoria metabólica pretende justificar a ocorrência das complicações crónicas da diabetes pela importância da hiperglicemia e/ou insulinopenia nos processos de glicação não enzimática. As anomalias metabólicas da diabetes são: Via sorbitol: provavelmente implicada na neuropatia; Glicação proteica não enzimática: afecta globalmente a estrutura e função proteicas com degeneração de órgãos e tecidos; Alteração do metabolismo da glucose: ocasionando disfunção de células vasculares com macroangiopatias; Síntese proteica aumentada: podendo ocasionar doença renal; Produção de radicais livres: que lesionam lípidos, proteínas e DNA; Anomalia no metabolismo lipídico dependente de insulina: com disfunção neural e neuropatia(19). Também se observa hipertensão e anomalias lipoproteicas(3, 17, 19). Os doentes com diabetes correm risco acrescido de desenvolverem doença cardiovascular, vascular cerebral e arterial periférica(3, 19). Uma das complicações frequentes e graves da diabetes é o pé diabético como consequência de várias alterações (neuropatia, vasculopatia e infecções)(19). A tabela 9 resume as complicações crónicas da diabetes. Tabela 9 - Complicações crónicas da diabetes TIPO Vasculopatias

SUB TIPO Microangiopatia Macroangiopatia

CONSEQUÊNCIAS Retinopatia Nefropatia Doença vascular periférica Doença cerebrovascular Cardiopatia

Neuropatias Infecções

SNC Autonómica

Aparelho digestivo Genitais Urinárias Orofaringe Pele e mucosas

Gastroparésia

Pés Perturbações digestivas

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Vasculopatias: Microangiopatias

Retinopatia É uma microangiopatia que causa cegueira, afectando 40-50% dos diabéticos, sendo responsável, nos países industrializados, por 70-80% dos casos de cegueira. Pode ainda manifestar-se por cataratas, glaucoma e neuroftalmopatia. A retinopatia é provocada por lesão vascular retiniana resultante da hiperglicemia que desencadeia alteração estrutural vascular à qual se associa a anoxia tecidular(19, 24). As alterações bioquímicas relacionadas com a retinopatia incluem a activação dos processos de aldose redutase (sorbitol), da proteína cinase C, do sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAA), stresse oxidativo, acumulação de produtos finais da glicação, libertação de mediadores inflamatórios e de factores de crescimento endoteliais (VEGF) que lesionam as células endoteliais vasculares oftálmicas. Finalmente ocorre lesão microvascular e disfunção retiniana(24). A retinopatia pode apresentar-se como uma situação não proliferativa (com exsudação ou oclusão vascular) ou proliferativa e edema macular (19, 24) (tab 10). Tabela 10 - Tipos e características da retinopatia diabética RETINOPATIAS EVOLUÇÃO CARACTERÍSTICAS Retinopatia não proliferativa Predomínio de exsudados Exsudados rígidos e edema na retina (mácula) com (1ª fase) perda de visão central. Oclusão vascular Dilatação venosa, hemorragia retiniana e exsudados algodonosos. Retinopatia proliferativa Vasoproliferação retiniana ou nervo óptico. Edema macular Espessamento da zona central da retina com ou sem exsudados rígidos.

É reconhecido que o controlo glicémico com a HbA1c quase normal constitui a melhor forma de prevenção da retinopatia, adicionalmente considera-se a necessidade de manter a pressão arterial < 130/80 mmHg, embora o Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes (ACCORD) Eye Study não tivesse chegado a esta conclusão(24). Para identificar a retinopatia na fase precoce o doente deve ser regularmente (1-2 anos) observado por especialista. O tratamento passa por fotocoagulação por laser, controlo da glicemia e vitrectomia(19, 24). Terapêutica medicamentosa Administração de corticosteróides e de inibidores de VEGF na câmara vítrea, como alternativas à fotocoagulação aproveita as propriedades anti-inflamatórias dos corticosteróides e capacidade de desregular a VEGF. Tem sido usada a triamcinolona como terapêutica adjunta no edema macular diabético e pode

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usar-se na retinopatia proliferativa, parecendo prometedor a aplicação de um implante de dexametasona de libertação mantida. Os corticosteróides devem ser usados cautelosamente em doentes com cataratas e glaucoma(24). Os inibidores de VEGF intravítreos contribuem para a neovascularização na retinopatia diabética grave. Estão disponíveis 3 fármacos: bevacizumab, pegaptanib, e ranibizumab. A FDA aprovou o ranibizumab para o edema macular diabético por trombose e oclusão dos vasos retinianos, embora a segurança destes fármacos ainda esteja em estudo(24). Os IECAs e os antagonistas dos receptores da angiotensina 2 (ARAs) reduzem a retinopatia e os níveis de VEGF na retinopatia proliferativa. No estudo Diabetic Retinopathy Candesartan Trials (DIRECT) foi demonstrado que o candesartan reduziu a incidência da retinopatia diabética na diabetes tipo 1 mas não a sua progressão(24). Dado que a agregação plaquetária contribui para a oclusão capilar e microaneurismas na retinopatia, os antiagregantes plaquetários contribuem para atraso na formação dos microaneurismas na retinopatia não proliferativa e podem ser úteis(24). Sendo que a proteina cinase C (PKC) estimula a expressão do VEGF, que contribui para as complicações microvasculares, os seus inibidores, como ruboxistaurina, estão em estudo para prevenir as complicações da retinopatia diabética(24). A acumulação dos produtos finais de glicação (AGE) parece contribuir para lesões na retinopatia, estando por isso em investigação, a pimagedina, inibidor dos AGE para prevenção da lesão(24).

Nefropatia A microangipatia, afectando os vasos de pequeno calibre reflecte-se essencialmente nos vasos renais com insuficiência renal surgindo em 30-40% dos diabéticos(19). A tabela 11 resume os estádios da disfunção renal na diabetes(19). Tabela 11 - Estádios da Disfunção Renal na Diabetes FASES ANOMALIAS Fase pré clínica Filtração glomerular Microalbuminúria

CONSEQUÊNCIAS Aumentada por > das dimensões renais e alterações hemodinâmicas. Redução dos níveis de albumina que pode melhorar com anti-hipertensores.

Função tubular Fase clínica

Aumento da reabsorção de glucose e sódio e redução do fósforo. Proteinúria Defeito da selectividade e permeabilidade glomerular. Hipertensão arterial (HTA) HTA agravada com a proteinúria e história de HTA. Reduz eliminação do filtrado glomerular. Síndroma nefrótico Com hipoalbuminemia, hipercolesterolemia, proteinúria e HTA.

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O diagnóstico da disfunção renal deve ser precoce para evitar a progressão e o tratamento passa pelo controlo da glicemia e da pressão arterial. Nas fases mais avançadas deve haver restrição proteica na dieta. Vasculopatias: Macroangiopatias

Doença vascular periférica Surge mais frequentemente nos membros inferiores e resulta da interrupção circulatória parcial ocorrendo espasmos na barriga das pernas ao andar, que desaparecem quando o doente pára. Quando há bloqueio total da circulação a dor é intensa ocorrendo palidez e frio da extremidade afectada. Neste caso a terapêutica é cirúrgica com alargamento da artéria obstruída(19).

Doença cerebrovascular Possui mecanismo semelhante à anterior mas ocorre na circulação cerebral. Quando a obstrução é prolongada ou completa há perda de parte da função cerebral com recuperação lenta e parcial. Os sintomas dependem da área afectada e da sua gravidade. O tratamento dirige-se à prevenção da ocorrência dos episódios e reabilitação(19).

Cardiopatia Ocasiona angina de peito com sintomas típicos a menos que o doente possua já neuropatia que pode ser responsável pela angina silenciosa (sem dor). A prevenção da dor e o seu alívio realizam-se como para a angina clássica com aumento do aporte de oxigénio com vasodilatadores (nitratos) ou redução da sua necessidade com bloqueadores beta adrenérgicos. Pode ainda realizar-se intervenção de angioplastia ou bypass(19, 23). Estudos recentes mostraram que há redução do risco cardiovascular por actuar sobre vários factores de risco como a HbA1c, pressão arterial sistólica e relação trigliceridos/colesterol HDL, podendo ser antecipada a ideia de redução da mortalidade cardiovascular, sendo benéfica a cessação tabágica(25). Neuropatias Resultam de lesão dos nervos causada por redução do aporte sanguíneo pela hiperglicemia. Pode iniciar-se ao fim 10-20 anos da doença afectando cerca de 50% dos diabéticos. Tem sido muito investigada a etiologia da neuropatia e segundo alguns autores parece relacionar-se com o stresse oxidativo recomendando-se terapêutica contra o stresse oxidativo. A prevenção da neuropatia apresenta vários alvos terapêuticos: a hiperglicemia que conduz ao stresse oxidativo é o passo chave e a associação com antioxidantes pode exercer efeito protector(26).

SNC Podem ocorrer parestesias, redução da sensibilidade, ptose palpebral ou bucal, tonturas, fraqueza, alterações da visão, dificuldade de deglutição, perturbação da fala, contracção muscular.

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A terapêutica passa pela aplicação tópica de capsaicina ou terapêutica oral com amitriptilina, gabapentina ou carbamazepina(19).

Autonómica Podendo manifestar-se com diarreia, obstipação, dificuldade digestiva, perda do controlo da bexiga, dor, entre outros. A figura 2 esquematiza os alvos terapêuticos para redução da neuropatia diabética.

Figura 2 - Patogénese e terapêutica propostas para a neuropatia diabética(26) Infecções A diabetes mal controlada compromete a capacidade linfocitária do combate a infecções, tornando o doente mais susceptível às infecções bacterianas, fúngicas e víricas. São mais frequentes, as infecções genitais, urinárias, da orofaringe, pele, mucosas e pés, requerendo terapêutica antibiótica sistémica potente para o seu controlo para além da prevenção que passa pelo controlo da glicemia, higiene e vigilância dos primeiros sinais infecciosos(19).

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Pé diabético A elevada susceptibilidade dos pés a várias complicações da diabetes torna-a responsável pela maioria das amputações não traumáticas, sendo um dos principais motivos de ocupação de camas hospitalares pelos diabéticos e o responsável por 40 a 60% de todas as amputações efectuadas por causas não traumáticas. Estima-se que cerca de 15% da população diabética tenha condições favoráveis ao aparecimento de lesões nos pés, nomeadamente pela presença de neuropatia sensitivo-motora e de doença vascular aterosclerótica(27). Lesões que atinjam preferencialmente uma destas duas estruturas, nervos ou vasos, condicionam o aparecimento, de um Pé Neuropático (70%) ou de um Pé Neuroisquémico (30%), respectivamente. O diagnóstico diferencial destas duas entidades é fundamental para a abordagem correcta do Pé Diabético em que a principal diferença está na presença, ou ausência, de pulsos periféricos(27). A neuropatia reduz a sensibilidade vibratória, induz ausência de reflexos e de sensibilidade dolorosa. A neuropatia autonómica reduz a sudação ocasionando pele seca, hiperqueratosa com fissuras, que predispõem para infecções subcutâneas e desenvolvimento de abcessos e úlceras de cura difícil. Os primeiros sinais de infecção (lesão nos pés, pus, vermelhidão, calor) obrigam a uma consulta médica urgente para instituição de terapêutica antibiótica sistémica potente(19, 27). A identificação das alterações sensitivas da neuropatia é efectuada em todos os doentes, pela pesquisa da sensibilidade vibratória com o diapasão de 128 Hz, da sensibilidade táctil com o algodão e da sensibilidade à pressão com o monofilamento de 10 g de Semmes-Weinstein, sendo este usado como marcador de risco de ulceração. O monofilamento é aplicado perpendicularmente à pele sã, com pressão suficiente para o dobrar durante um máximo de dois segundos. O doente deve estar com os olhos fechados, sendo-lhe perguntado se sente a pressão e onde. O teste é efectuado em 3 locais com 3 toques em cada local e alternar toques reais com irreais. Considera-se que existe sensação protectora se, para cada local, duas das três respostas forem correctas(27). Tratamento de úlcera Na presença da úlcera é indispensável controlar a infecção, que passa por: - Desbridamento cirúrgico com drenagem do pus; - Pensos diários com a possibilidade de novos desbridamentos; - Antibioterapia de largo espectro considerando a profundidade da infecção: - Infecções superficiais: flucloxacilina ou clindamicina; - Infecções profundas ou celulite necrotizante: amoxicilina/ácido clavulânico; - Infecções graves: imipenem ou meropenem.

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A duração da antibioterapia é de 2 semanas ou mais. Na suspeita de osteomielite (contacto ósseo com pinça, presença de erosões na radiografia) o tratamento deve ser superior a 6 semanas. Uma infecção grave obriga a repouso absoluto e administração endovenosa dos fármacos, sendo importante a obtenção de um bom controlo glicémico, eventualmente com insulinoterapia e compensação de doenças concomitantes, como a insuficiência cardíaca ou síndrome nefrótico(27). O tratamento da úlcera crónica neuropática baseia-se na remoção regular das queratoses e tecidos necrosados, para evitar o seu pseudo-encerramento e infecção posterior, assim como a correcção das zonas de hiperpressão(27). O Pé Vascular necessita de avaliação orientada para a possibilidade de uma revascularização(27). Prevenção da úlcera A prevenção das lesões é uma medida prioritária para se reduzir a incidência de novos casos e a sua gravidade(27). A prevenção passa pela educação contínua dos doentes e dos profissionais de saúde no que respeita a (27): - Observação frequente dos pés; - Conselhos práticos de higiene; - Conhecimento dos agentes agressores; - Uso de palmilhas e calçado específico; - Remoção de calosidades. Gastroparésia Situação crónica, frequentemente desvalorizada, que ocorre em doentes com diabetes prolongada (tipo 1 e 2), caracterizada por demora no esvaziamento gástrico acompanhada de flatulência, náuseas e desconforto. Sintomas que podem ser agravados pela hiperglicemia aguda, sendo importante o controlo glicémico no alívio sintomático e das disfunções sensorial e motora. A gastroparésia associa-se a mau control glicémico, alteração da absorção, mal-nutrição redução da qualidade de vida e frequentemente a hospitalizações(28). A gastroparésia pode não beneficiar muito com cuidados alimentares mas a redução da ingestão de fibras insolúveis e de gordura pode ser benéfica, assim como a ingestão frequente de alimentos com refeições de pequeno volume, preferindo alimentos líquidos por se eliminarem mais rapidamente(28). Terapêutica medicamentosa A administração de procinéticos é a terapêutica base: metoclopramida, domperidona, cisaprida e eritromicina. Estes fármacos aceleram o esvaziamento gástrico e aliviam os sintomas. Alguns possuem outras propriedades actuando a nível central como antieméticos, provocando relaxamento gástrico proximal, e alivio da sensação visceral. Os fármacos actuam essencialmente estimulando

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os receptores D2 da dopamina, os receptores da serotonina (5HT4 e 5HT3) e os receptores da motilina que, ao promoverem a libertação de acetilcolina, aceleram o esvaziamento gástrico e aumentam a motilidade gastrointestinal. De um modo geral são bem tolerados podendo ocorrer taquifilaxia provavelmente por down regulação dos receptores(28). A domperidona apresenta vantagens sobre a metoclopramida por não actuar a nível do SNC, sendo de preferir nos idosos. Em relação à cisaprida, a metoclopramida e a domperidona apresentam a vantagem de serem antieméticas(28). A associação de antieméticos como fenotiazinas (prometazina e proclorperazina) pode ser útil. Os antieméticos serotoninérgicos (ondansetron, tropisetron, dolasetron, granisetron) e as butirofenonas (droperidol, haloperidol) são alternativas, mas o seu papel não está estudado na gastroparésia diabética(28).

Terapêutica da Diabetes Tipo 2 Para se obter os resultados pretendidos na terapêutica da diabetes tipo 2 passa por cuidados alimentares, actividade física e a toma de antidiabéticos orais ou insulina. Sendo que os objectivos terapêuticos não se restringem à glicemia e importa conhecê-los. Objectivos terapêuticos da diabetes tipo 2 Para além da glicemia abordam-se a lipidemia e pressão arterial. Glicemia Para prevenir as complicações crónicas da diabetes, há necessidade de alargar os objectivos terapêuticos que se dirigem também ao perfil lipídico, albuminúria, proteína C reactiva, inibidor do plasminogénio tipo 1(9). Para a Norma 001/2011 da DGS, os objectivos terapêuticos no que se refere à glicemia são os seguintes(29): a) Controlo da hiperglicemia, até um valor de hemoglobina glicosilada (HbA1c) <6,5 %; b) O nível de HbA1c sugerido para o controlo da maioria das pessoas com diabetes <6,5 %) deve ser ajustado individualmente; c) O objectivo individual é estabelecido considerando factores individuais como a esperança de vida, os anos de diabetes, o risco de hipoglicemia e a presença de doença cardiovascular e/ou de outras comorbilidades; d) Depois de implementadas e avaliadas todas as medidas de modificação de estilos de vida, a escolha de um fármaco ou grupo farmacológico antidiabético oral deve ter em conta a sua efectividade, eventuais efeitos extraglicémicos

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capazes de modular a longo prazo a história natural da diabetes e as suas complicações macro e microvasculares, o perfil de segurança, a tolerabilidade, a facilidade de administração e os custos do tratamento(29). A efectividade terapêutica dos antidiabéticos orais depende, entre outros factores de(29): 1. Características intrínsecas de cada fármaco; 2. Características farmacodinâmicas e farmacocinéticas; 3. Duração da diabetes; 4. Valor basal inicial da glicemia; 5. Terapêuticas anteriores(29). Outros objectivos terapêuticos Para além da glicemia a atingir e manter, existem outros alvos a normalizar com o fim de reduzir o risco cardiovascular a que os doentes diabéticos estão sujeitos(2).

Dislipidemia Colesterol LDL elevado e colesterol HDL reduzido são factores de risco importantes que é necessário corrigir. As estatinas são consideradas como sendo os agentes de primeira linha para reduzir o colesterol LDL em diabéticos. Na presença de doença cardiovascular (DCV), a terapêutica com estatinas deve ser iniciada independentemente do colesterol LDL inicial, tendo como objectivo terapêutico valores <70-77 mg/dL. A evidência suporta o uso de estatinas para prevenção primária em diabéticos com colesterol total > 135 mg/dL, para diminuição do colesterol LDL em 30% a 40%(2). Existem poucos dados sobre o efeito dos fibratos (2) as recomendações relativas aos objectivos para o colesterol HDL e trigliceridos são menos específicas. Mesmo assim, reconhecem o colesterol HDL baixo <39 mg/dL nos homens e <46 mg/dL nas mulheres e os trigliceridos em jejum > 150 mg/dL) como marcadores de risco vascular acrescido. Quando os trigliceridos se mantêm > 177 mg/dL depois de atingidos os níveis pretendidos de colesterol LDL com estatinas, sugere-se um objectivo terapêutico secundário de colesterol não HDL (colesterol total menos colesterol HDL) de 31 mg/dL mais elevado do que o objectivo identificado para o colesterol LDL. Isso poderá implicar uma terapêutica combinada com ezetimiba, ácido nicotínico ou fibratos.

Pressão Arterial O United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) estudou a diabetes tipo 2, a longo prazo e controlado e de acordo com alguns dos seus principais resultados concluiu que o controlo apertado da glicemia e da hipertensão (HTA) reduzia as complicações microvasculares e macrovasculares da diabetes tipo 2, pelo que constitui um marco importante para decisão tratamento de da HTA na

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diabetes. Demonstrou que a redução da PA para 144/82 mm Hg pode diminuir significativamente a morte por diabetes devido a AVC, ICC, complicações microvasculares. Mostrou ainda que o controlo agressivo da HTA reduz qualquer complicação em: 24% para a morte, 37% para complicações microvasculares e 44% para AVC. Desta forma considera-se necessário o tratamento agressivo da PA e da hiperglicemia para redução das complicações micro- e macrovasculares da diabetes. Para o diabético, os valores de pressão arterial a atingir e manter são inferiores aos habitualmente recomendados, devendo ser inferiores a 120/80 mmHg (JNC VII), não importa com que terapêutica. São recomendados como anti-hipertensores os: IECAs, α bloqueadores, antagonistas dos canais do cálcio e diuréticos. Os IECAs são recomendados para todos os doentes por atrasarem a progressão para microalbuminúria e a nefropatia, podendo ser usados com este objectivo mesmo em normotensos sobretudo na diabetes tipo 1. Como alternativa aos IECAs consideram-se os inibidores dos receptores AT1 da angiotensina II. Os diuréticos apresentam benefícios análogos aos dos IECAs, podendo contudo agravar as dislipidemias , dificultar o controlo glicémico e agravar a impotência. Quanto aos bloqueadores dos canais do cálcio derivados dihidropiridínicos (nifedipina, amlodipina, ..) recomenda-se que sejam evitados os de curta duração de acção pelo risco de efeitos cardíacos sendo que os de longa duração de acção apresentam possíveis efeitos benéficos, podendo melhorar a função renal, embora seja necessário realizar mais estudos. Quanto à administração de bloqueadores β adrenérgicos eles apresentaram efectividade análoga à dos IECAs na prevenção do risco cardiovascular embora não sejam de 1ª linha no controlo da HTA em diabéticos devido a situações que exigem cuidados por poderem mascarar sintomas de hipoglicemia como a taquicardia, ocasionar raramente hiperglicemia, atrasar a recuperação de uma hipoglicemia ocasional, ocasionar HTA grave como resposta à hipoglicemia, reduzir o fluxo sanguíneo nas extremidades, agravar a hiperlipidemia e a impotência. No entanto não são considerados como contra-indicados no controlo da HTA no diabético.

Recomendações nutricionais As recomendações nutricionais destinam-se a prevenir ou atrasar o desenvolvimento de diabetes, a reduzir o peso e o índice de massa corporal (IMC) e a melhorar o controlo glicémico e lipídico para redução da gluco- e da lipotoxicidade.

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Para a obtenção dos melhores resultados, os doentes devem ser seguidos por um nutricionista. Resumem-se as principais recomendações da ADA(30): Desde a publicação do estudo Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) em 1993, a alimentação passou a ser considerada como a parte central da terapêutica da diabetes para o controlo glicémico, tendo havido múltiplos avanços quanto a alterações comportamentais dos indivíduos com diabetes(31). 1. Redução de peso: nos indivíduos com excesso de peso, obesos ou com insulinorresistência, a redução ponderal, ainda que não marcada, melhora a resistência à insulina; 2. Ingestão calórica para redução ponderal: redução da ingestão em hidratos de carbono e em gorduras por um período até 1 ano sendo mantido se necessário; 3. Monitorização dos doentes com baixo teor calórico: perfil lipídico, função renal e ingestão proteica (para os doentes com nefropatia) e ajustar as necessidades de terapêutica hipoglicemiante; 4. Actividade física e modificação comportamental: para auxílio na perda de peso e melhoria da insulinorresistência; 5. Medicamentos para perda de peso: pode ser adequada auxiliando a perda de 5-10% do seu peso; 6. Cirurgia bárica: pode ser considerada na diabetes tipo 2 com IMC > 35 kg/m2, o que pode melhorar o controlo glicémico(30). Apesar da necessidade de individualização da alimentação há regras recomendadas que se podem sumarizar quanto ao teor diário a ingerir(31): - Calorias em hidratos de carbono de 50% a 60% do total; - Calorias proteicas de 12% a 20% do total; - Calorias lipídicas em 30% ou menos do total, com <10% de saturadas; - Menos de 200 mg colesterol; - Ingestão moderada de sódio (<300 mg/d); - Ingestão moderada de álcool com alimentos; - Ingestão de 20-35 g de fibras; - Variar muito o tipo de alimentos e micronutrientes(31).

Terapêutica medicamentosa Insulina É uma hormona proteica de pequena dimensão constituída por 2 cadeias de aminoácidos (A e B) ligadas por pontes dissulfureto. A pró insulina possui

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apenas uma cadeia, é processada no aparelho de Golgi e armazenada em grânulos, sendo posteriormente hidrolizada a insulina e ao péptico C. Ambos são secretados em teores equimoleculares, sendo o péptido C desprovido de efeito hipoglicemiante. A insulina encontra-se armazenada (200 unidades biológicas doseadas a 28 U/mg) nos grânulos cristalinos que agregam 6 moléculas de insulina e 2 átomos de zinco (Zn)(16). Secreção e eliminação normal da insulina A insulina é segregada a uma velocidade reduzida que é aumentada como resposta a estímulos, principalmente glucose, embora haja outros: outros açúcares, alguns aminoácidos (leucina e arginina), glucagon, polipéptido-1 like glucagon (incretinas) e actividade vagal. A hiperglicemia aumenta o ATP intracelular que encerra os canais de potássio dependentes do ATP reduzindo a saída do ião com despolarização da célula B e abertura dos canais do cálcio dependentes da voltagem, com o aumento intracelular do cálcio e secreção de insulina. Os secretagogos imitam este mecanismo(16) . O processo de eliminação da insulina natural efectua-se 60% através do fígado e 35-40% pelos rins da insulina. A exógena tem um processo de degradação inverso, sendo fundamentalmente eliminada pelos rins (60%) e 30-40% pelo fígado. A semi-vida da insulina circulante é de 3-5 minutos(16). Receptores e efeitos fisiológicos da insulina Quando em circulação, a insulina liga-se a receptores complexos e específicos que se encontram em quase todos os tecidos. O receptor na sua totalidade é constituído por 2 heterodímeros ligados covalentemente, contendo cada um, uma sub unidade α, localizada a nível extracelular como local de reconhecimento. A subunidade β situada na membrana e possui tirosina cinase. A ligação da insulina à subunidade α activa o receptor e, pela alteração conformacional, aproxima a região catalítica da subunidade β citoplasmática facilitando a fosforilação da tirosina desta subunidade e a actividade da tirosina cinase dirigindo-se para as proteínas citoplasmáticas(16). Segue-se um conjunto de fosforilações intracelulares, que representam o 2º mensageiro da insulina, ocasionando múltiplos efeitos: translocação dos transportadores de glucose (GLUT) para a membrana celular com aumento do uptake da glucose, aumento da actividade da sintetase do glicogénio e da sua síntese, síntese proteica, lipólise, lipogénese e activação de factores de transcrição, que aumenta a síntese de ADN, crescimento e divisão celular(16). A tabela 12 apresenta os diferentes transportadores de glucose (GLUT) sua localização e acções. Há hormonas que reduzem a afinidade da insulina para os receptores (corticosteróides, hormona do crescimento)(16).

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Tabela 12 - Transportadores de glucose, localização tecidular e funções TRANSPORTADORES LOCALIZAÇÃO TECIDULAR GLUT 1 Todos os tecidos especialmente eritrócitos e cérebro. GLUT 2 Células B pancreáticas, fígado, rins e intestinos. GLUT 3 Cérebro, rins, placenta e outros tecidos. GLUT 4 Músculo e tecido adiposo. GLUT 5 Intestinos e rins.

FUNÇÕES Uptake basal de glucose, transporte pela barreira hemato-encefálica. Regula a libertação de insulina e outros aspectos da homeostase da glucose. Uptake para neurónios e outros tecidos. Uptake da glucose mediada pela insulina. Absorção da frutose.

A insulina promove o armazenamento de gordura e glucose nas células especializadas, influencia o crescimento celular e as funções metabólicas em muitos tecidos(16). Fígado 1. Antagonismo de processos catabólicos da sua deficiência com inibição da glicogenólise, da conversão dos ácidos gordos e aminoácidos em cetoácidos e da conversão de aminoácidos em glucose; 2. Actividade anabólica que promove armazenamento de glucose sob a forma de glicogénio, aumento da síntese de trigliceridos e de lipoproteínas de muito baixo peso molecular (VLDL). Músculo 1. Aumento da síntese proteica com aumento do transporte de aminoácidos e a síntese de proteínas ribossomais; 2. Aumento da síntese de glicogénio com aumento do transporte de glucose e da glucogénio sintetase e inibição da fosforilase. Tecido adiposo 1. Aumento do armazenamento de gordura por indução e activação da lipoproteína lipase com hidrólise dos trigliceridos das lipoproteínas; 2. A entrada da glucose para a célula disponibiliza fosfato de glicerol que permite a esterificação dos ácidos gordos provenientes das lipoproteínas; 3. Inibe a lipase intracelular. Terapêutica com Insulina Existem vários tipos de insulina disponíveis que se distiguem pelo seu perfil cinético e origem: 1. Acção rápida - com início de acção muito rápido e de curta duração. As insulinas de acção rápida são solúveis e apresentam-se em solução límpida a pH neutro. Existe ainda comercializada em alguns países a insulina inalada de início de acção rápido, que se apresenta em pó para absorção alveolar.

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São insulinas de acção rápida a lispro, aspártico e glulisina e ainda uma forma para inalação (sem AIM em Portugal). Permitem a substituição de insulina postprandial, são mais fisiológicas devido ao seu rápido início e pico de acção imitarem a insulina endógena, tendo ainda a vantagem de poderem ser injectadas imediatamente antes da refeição. A duração da sua acção é de 3-5 horas (a inalada atinge 7 h). Estas, têm a vantagem de apresentar menor variabilidade de absorção do que as insulinas regular, intermédia e de longa acção (5% versus 25% e 25-50%). A insulina lispro apresenta-se em monómeros o que acelera a absorção (5-15 minutos), tendo o pico à 1 hora. A insulina aspártico tem menor tendência de autoagregação e possui um perfil cinético idêntico á lispro, como sucede com a glulisina(16). 2. Curta acção - com início de acção rápido. É uma insulina solúvel cristalina com zinco. O início do efeito surge aos 30 minutos após injecção e o pico entre 2-3 horas, permanecendo o efeito 5-8 horas. Quando em concentrações elevadas a insulina forma hexâmeros, retardando o início e duração de acção, que são condicionadas pela formação dos monómeros, que se inícia por diluição pelo fluido intersticial após a injecção. Com a administração de insulina regular às refeições surge hiperglicemia precoce e há risco aumentado de hipoglicemia tardia postprandial. Nestas circunstâncias, deve ser administrada 30-45 minutos antes da refeição. O efeito, pico e duração de acção dependem da dose, portanto a sua cinética é dose dependente(16). Esta é a única disponível para administração endovenosa, porque os hexâmeros da insulina ao serem diluídos na solução de perfusão dissociam-se de imediato em monómeros que actuam rapidamente sendo administrada em situações de risco de vida como cetoacidose e coma hiperosmolar(16). 3. Acção intermédia e de longa acção com lento início de acção

a intermédia a NPH (insulina protamina neutra Hagedorn ou insulina isoa) Insulina fano) que sofreu alteração química para que fosse absorvida lentamente a partir do local da injecção e tivesse um início de acção mais demorado. Apresentase em suspensão (turva) a pH neutro e a demora na absorção resulta da combinação da insulina com protamina numa forma não complexa (isofano). Só se destina a injecção subcutânea, e após esta, as enzimas tecidulares proteolíticas degradam a protamina libertando a insulina. A insulina NPH tem início de acção ao fim de 2-5 horas e duração de 4-12 horas. O seu perfil cinético também depende da dose tal como para a insulina regular(16). a gla arg gina a é uma insulina solúvel desprovida de pico de acção por b) Insulina apresentar um plateau nas concentrações mais elevadas. É um análogo de insulina de acção ultra longa. Possui um início de acção lento (1-1,5 h) e atinge o seu máximo entre 4-6 horas, mantendo-se a actividade por 11-24 h ou mais. Administra-se numa toma diária embora possa ser administrada em 2 tomas.

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Para que se mantenha a sua solubilidade, esta insulina não pode ser misturada com outras, recomendando-se mesmo o uso de seringas separadas para doentes que requerem várias insulinas(16).

a detemir é uma insulina solúvel de longa acção(16). As alterações nos c) Insulina aminoácidos ocasionam autoagregação nos tecidos subcutâneos e ligação reversível da albumina. Está associada a menos episódios de hipoglicemia que a insulina NPH. O início do efeito, pico e duração de acção dependem da dose, sendo a sua cinética dose dependente. O efeito inicia-se 1-2 horas após injecção sendo a duração de 24 horas, administrando-se 2 vezes ao dia para se obter um nível estável de insulina(16). 4.Misturas de insulina Nos doentes que requerem terapêutica com insulinas de 2 tipos, há conveniência em misturá-los na mesma seringa ou administrar pré-misturas(16). As insulinas lispro, aspártico e glulisina podem ser misturadas com insulina NPH, imediatamente antes da injecção, sem que haja alteração da absorção. Note-se que as pré-misturas destas insulinas são instáveis, tendo-se desenvolvido a insulina NPL (protamina neutra lispro) e a NPA (protamina neutra aspártico) mantendo a acção da protamina. As insulinas glargina e detemir devem ser sempre administradas em separado(16). Indicações A terapêutica com insulina realiza-se no doente com diabetes tipo 1, e ainda nas tipo 2 e diabetes gestacional que não conseguem controlar a glicemia com terapêutica oral e dieta(16). Complicações da terapêutica com insulina Embora raramente, pode ocorrer alergia à insulina, conhecendo-se 5 tipos de anticorpos (IgA; IgD, IgE, IgG, IgM) e lipodistrofia no local da injecção. Esta situação surgia com a insulina de origem animal, raramente observada com a insulina existente actualmente nos países desenvolvidos. A lipodistrofia ocorre essencialmente como resultado das injecções repetidas no mesmo local(16). As complicações mais frequentes são: Hipoglicemia: pode ocorrer pela demora na ingestão de alimentos após a injecção de insulina, da ingestão insuficiente de hidratos de carbono, do exercício exagerado ou de doses superiores às necessárias(16). Sinais de hipoglicemia: manifestações de estimulação autonómica simpática com taquicardia, sudação, tremores e, parassimpática com náuseas e fome, podendo progredir para coma e morte(16). A hipoglicemia persistente pode ocasionar confusão, fraqueza, comportamento estranho, convulsões e coma(16).

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Terapêutica da hipoglicemia: administração de glucose. Para obtenção de um efeito rápido prefere-se a administração de açúcar simples ou glucose em solução aquosa. O doente consciente e capaz de engolir deve ingerir sacarose ou glucose numa bebida seguida da ingestão de um alimento(16). No doente inconsciente administra-se glucose hipertónica por via endovenosa e, caso não esteja disponível administra-se glucagon por via subcutânea ou intramuscular que restaura a consciência ao fim de 15 minutos para permitir a ingestão de glucose(16). Antidiabéticos orais Os fármacos para terapêutica oral da diabetes podem ser considerados como: hipoglicemiantes (sulfonilureias e glinidas) e anti-hiperglicemiantes (biguanidas, inibidores das alfa-glucosidases, tiazolidinedionas e inibidores da DPP-IV)(32). Esta classificação depende do facto dos grupos de antidiabéticos orais, serem secretagogos ou não, respectivamente(16). Hipoglicemiantes São secretagogos porque estimulam a libertação de insulina.

Sulfonilureias Atribui-se-lhes ainda efeito de redução dos níveis de glucagon e encerramento de canais de potássio extrapancreáticos(16). A administração prolongada de sulfonilureias reduz os níveis de glucagon o que pode contribuir para o efeito hipoglicemiante, parecendo que este mecanismo se relaciona com a libertação de insulina e somatostaina, que inibe a secreção da célula A(16). As sulfonilureias ligam-se aos seus receptores inibindo a saída do potássio ocasionando despolarização celular que abre os canais de cálcio dependentes de voltagem com entrada do cálcio e libertação da insulina armazenada. Actuam ainda reduzindo a depuração da insulina com prolongamento da sua actividade sérica(16, 32). Estão classificadas em várias gerações, sendo que as de 1ª geração caíram em desuso dado o tipo, frequência e gravidade das suas reacções adversas. As de 2ª geração são mais seguras que as de 1ª geração: a glibenclamida (glyburide), glipizida, assim como a glimepirida que é de 3ª geração(16, 32). Estes fármacos devem contudo, ser administrados com precaução em doentes cardiovasculares e idosos pelo risco de hipoglicemia(16, 32) . As sulfonilureias de 2ª e 3ª geração são mais lipossolúveis e mais específicas de receptor(32). Atribui-se-lhes ainda efeitos antiagregantes plaquetários a algumas como a glimepirida que parece ter um efeito inibidor da agregação plaquetária dependente do ADP, sendo mais potente que a gliclazida. Também parece possuir efeito antiagregante, a gliquidona e a glibenclamida(33).

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Falência secundária às sulfonilureias: é conhecida a falha da resposta terapêutica às sulfonilureias, situação característica da terapêutica prolongada e provavelmente ocasionada pela redução da massa das células beta pancreáticas ou aumento da deposição ectópica de gordura na diabetes tipo 2(16, 32). Contudo admite-se que a causa seja multifactorial com factores relacionados com o doente, como a falta de adesão e aumento de peso e de factores relacionados com a terapêutica, como a dessensibilização celular pela terapêutica prolongada e outros efeitos da homeostase da insulina, agravamento da doença e aumento da deficiência em insulina(32). Quando ocorre, os doentes deixam de responder adequadamente à terapêutica(34), tendo sido sugerido, para evitar esta situação, a administração concomitante de um insulinossensibilizador em vez de aumentar a dose da sulfonilureia(32, 34). A tabela 13 resume as principais características de algumas sulfonilureias. PROPRIEDADES Tempo para o pico plasmático

GLIBENCLAMIDA 2-6 h

GLIPIZIDA 1-3 h

GLIMEPIRIDA 2-3 h

10 h

6-12 h 7h

5-9 h

12-24 h

12-24 h

16-24 h

T 1/2 Duração de acção Metabolismo

Administração

24 Hepático a produtos com Hepático (90%) a produtos fraca actividade. inactivos, o restante pelos rins inalterado. Numa única toma de Absorção diminuída pelos manhã até máximo de 20 alimentos. Administrar 30 mg/dia. minutos antes do pequenoalmoço.

Hepático a produtos inactivos. Numa toma diária de 1 mg até 8 mg/dia. Efeito prolongado.

Numa toma única até 15 mg/dia. Doses superiores são divididas. Máxima dose/dia: 40 mg (15-20 mg). Formulação de acção prolongada numa toma/dia até 15-20 mg. Contra-iindicação

Insuficiência hepática e Insuficiência hepática e renal. renal.

Risco de hipoglicemia Risco elevado.

Menos frequente que a Menos frequente que a glibenclamida. glibenclamida.

Gravidez e aleitamento Prefere-se a insulina na terapêutica da diabetes na grávida devendo ser evitadas, embora não haja forte evidência de que sejam teratogénicas desconhecendo-se a sua segurança com exactidão. Das de 2ª geração

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desconhece-se a sua passagem através da placenta, embora pareça que a glibenclamida passe fracamente e, estudos observacionais não aleatorizados, mostraram a sua segurança e efectividade na diabetes gestacional(34, 35). A glibenclamida e a glipizida não foram encontradas no leite materno(34, 35). Interacções Estão descritas interacções com as sulfonilureias em que o efeito hipoglicemiante aumentado se pode atribuir a competição para as proteínas plasmáticas, inibição do metabolismo hepático ou alteração de eliminação renal, enquanto o efeito de atenuação da hipoglicemia se pode dever à redução da absorção ou indução dos sistemas enzimáticos de metabolismo(32). - Redução do efeito hipoglicemiante: por adrenalina, aminoglutetimida, clorpromazina, corticosteróides, diazóxido, contraceptivos orais, rifamicinas, tiazidas e hormonas tiroideias(34). - Aumento do efeito hipoglicemiante: por IECAs (casos esporádicos com captopril e enalapril), álcool, alopurinol, alguns analgésicos (azapropazona, indobufeno, fenclofenac e salicilatos), antifúngicos azóis (fluconazol, cetoconazol e miconazol), cloranfenicol, cimetidina, claritromicina, clofibrato e análogos, cumarínicos, fluoroquinolonas, heparina, IMAOs, ranitidina, sulfonamidas (incluindo cotrimoxazol), tetraciclinas, e antidepressivos tricíclicos(34). A glimepirida não interage com a cimetidina nem com a ranitidina(32). - Bloqueadores beta adrenérgicos: podem reduzir a efectividade das sulfonilureias ao alterar a libertação da insulina, sendo menos provável a ocorrência com os cardiosselectivos. São ainda capazes de reduzir a resposta de taquicardia à hipoglicemia(34). O propranolol aumenta os níveis séricos da glimepirida em 20%(32). - Octreótido: pode inibir a libertação da insulina o que reduz o efeito das sulfonilureias(32, 34). Administração em crianças Na diabetes tipo 2 prefere-se a metformina e, embora as sulfonilureias não estejam formalmente contra-indicadas, devem ser administradas com precaução e sob vigilância de especialista(34). Reacções adversas Perturbações gastrointestinais ligeiras e dose-dependentes: vómitos, náuseas, pirose, anorexia, sabor metálico, diarreia e aumento do apetite(34). Reacções alérgicas: rash cutâneo, prurido por fotossensibilidade. O rash pode progredir para situações graves. Podem também ocorrer alterações hepáticas com elevação das enzimas, hepatite e icterícia colestática, leucopenia, trombocitopenia, anemia hemolítica, eritema multiforme ou síndroma StevensJohnson, dermatite exfoliativa e eritema nodoso(34).

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Hipoglicemia: as situações graves estão geralmente associadas a sobredose, sendo mais comuns com as de longa duração de acção como glibenclamida e glipizida de longa duração de acção. Moléculas como gliclazida, glimepirida e glipizida, parecem estar menos associadas, sendo que o risco está aumentado pela omissão de refeições ou pela sua irregularidade, no idoso e na doença hepática ou renal. Também é considerado que o genótipo das isoenzimas CYP2C9*2/*3 or *3/*3 do citocromos P450 possa ser um facto de risco adicional para hipoglicemia grave(32, 34). Na hipoglicemia por sobredose e, até à 1 h após ingestão, um doente consciente pode tratar-se com carvão activado ou lavagem gástrica, protegendo as vias aéreas. Nestas circunstâncias administra-se glucose hipertónica endovenosa e octeótrido que inibe a secreção de insulina e tem sido administrado por via SC, 2-3 vezes/dia ou em perfusão contínua na hipoglicemia refractária e na intoxicação por sulfonilureias(32, 34). Efeitos cardiovasculares: depois da controvérsia de há anos, o UKPDS não observou aumento do risco cardiovascular(34). Efeitos hepáticos: estão descritos casos de colestase intrahepática com a glibenclamida e glimepirida e reacções análogas a hepatite aguda com a glibenclamida, gliclazida e glimepirida(34). Precauções: não estão indicadas em doentes com cetoacidose ou outras situações de stresse (infecção, trauma, cirurgia) que requerem terapêutica com insulina. Pelo risco aumentado de ocasionarem hipoglicemia devem ser administradas cautelosamente ou evitadas em doentes com função renal ou hepática diminuída, bem como os grupos de doentes mais susceptíveis como os idosos, debilitados, malnutridos ou com insuficiência adrenal ou hipofisária. A glibenclamida, pela sua longa semi-vida deve ser evitada nos doentes de risco aumentado(34). Devem ainda ser administradas com precaução a doentes com deficiência em G6PD pelo risco de anemia hemolítica(34).

Glinidas (meglitinidas) É uma nova classe de secretagogos derivados do ácido benzóico tendo sido o 1º agente a repaglinida seguida da nateglinida. Esta classe modula a libertação de insulina ao regular o influxo de potássio, por se ligar aos receptores de potássio sensíveis ao ATP das células pancreáticas. Diferem das sulfonilureias por se ligar aos 2 locais do receptor e a um outro local específico, possuindo um início de acção mais rápido. Possui indicação para o controlo glicémico postprandial devendo ser tomadas imediatamente antes das refeições(16, 32). Contrariamente às sulfonilureias reduzem os níveis séricos de insulina e aumentam a sensibilidade à hormona(32).

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Cinética É rapidamente absorvida (numa hora) sem sofrer influência dos alimentos e é metabolizada no fígado com uma semi-vida de 1 hora, sendo posteriormente eliminada pela bílis. Cerca de 6% é excretada inalterada pelos rins. Liga-se extensivamente às proteínas plasmáticas (98%)(32). Deve ser tomada 30 minutos antes da ingestão de alimentos para redução da hiperglicemia postprandial(32). Hipoglicemia Apresenta risco de hipoglicemia se a refeição se atrasar ou se o doente não comer, no entanto esta é de curta duração atendendo a sua farmacocinética(16, 32). Deve ser usada com precaução na insuficiência renal e hepática. Sendo que não possui grupo sulfureto pode ser usada em indivíduos alérgicos às sulfonamidas. A nateglinida é também capaz de libertar insulina por administração endovenosa de glucose. A normalização da libertação de insulina inibe a libertação de glucagom e reduz a libertação de glucose a partir do fígado. Pode ter interesse especial nos doentes com hiperglicemia postprandial isolada tendo efeito mínimo na hipoglicemia nocturna. A tabela 14 resume as características das glinidas(16). Tabela 14 - Propriedades Farmacocinéticas das Glinidas PROPRIEDADES Início de acção Duração de acção Semi-vvida Metabolismo

REPAGLINIDA 1 h após toma 5-8 h 1h CYP 3 A4

NATEGLINIDA Menos 1 h após a toma 4h 1,5 h CYP 2C9 CYP 3 A4

Interacções Apesar de ainda não serem bem conhecidas pode esperar-se que interajam com fármacos metabolizados pelos sistemas CYP 2C9 e CYP 3A4, como os inibidores do CYP 3A4 como eritromicina e indutores do CYP 3A4 como rifampicina, com aumento ou redução dos seus níveis séricos, respectivamente(32). Anti-hiperglicemiantes

Biguanidas - Metformina Este grupo possui como único representante a metformina e é designado por alguns como agentes euglicémicos por não ocasionarem hipoglicemia quando administrados isoladamente, tendo em conta que não são secretagogos. A tabela 15 resume as suas propriedades(16, 34).

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Tabela 15 - Perfil das Biguanidas: metformina (16, 32, 34) PROPRIEDADES Mecanismos propostos

BIGUANIDAS: METFORMINA - Redução da gluconeogénese hepática e renal. - Atraso na absorção GI da glucose e aumento da sua conversão a lactato pelos enterócitos. -Estimulação directa da glicólise tecidular com aumento da remoção da glucose do sangue. - Redução da glicemia.

Farmacocinética

- Biodisponibilidade: 50-60%. -Semi-vida: 1,5 - 3 h. - Excretada pelos rins inalterada (na IR acumula-se com aumento do ác láctico e risco de acidose, efeito dose-dependente).

Clínica

- De importância particular na insulinorresistência. - Vantagens sobre os secretagogos por não aumentarem o peso nem ocasionarem hipoglicemia. - Reduz risco de complicações macro e microvasculares (outras só reduzem as microvasculares). - Indicada na prevenção da DM em obesos de meia-idade com metabolismo de glucose alterado e hiperglicemia de jejum, mas não no idoso magro na pré-diabetes.

Posologia

- Iniciar com doses o mais baixo possível (500 mg ao pequeno-almoço) aumentando com 500 mg ao jantar, até 2,5 g/dia. Fazendo intervalo de, pelo menos 1 semana antes de aumentar a dose com avaliação do resultado. - Cada toma não deve ser superior a 1 g por causa dos efeitos adversos GI.

Reacções adversas

GI (até 20% no início e com doses elevadas): anorexia, náuseas, vómitos, desconforto abdominal, diarreia. Absorção Vit B12: redução em terapêutica prolongada, devendo avaliar-se anualmente. Acidose láctica a: rara na ausência de anoxia, IR ou IH.

Contra-indicações

IR, alcoolismo, doença hepática, predisposição para anoxia. Não deve ser administrada em doentes com ClCr < 60mL/min.

GI - gastrointestinal; IH - insuficiência hepática; IR - insuficiência renal; DM - diabetes mellitus

Acidose láctica Os sinais ou sintomas desta reacção adversa incluem náuseas, vómitos, diarreia, sonolência, doe epigástrica, anorexia, taquipneia e letargia(32). Há circunstâncias que predispõem para acidose láctica, considerando-se como contra-indicações para a metformina, as seguintes(32): 1. Insuficiência renal (creatininemia >1,5 mg/dL no homem ou >1,4 mg/dL na mulher);

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2. Insuficiência cardíaca ou pulmonar com redução da perfusão tecidular ou hipoxia; 3. História de acidose láctica; 4. Infecções graves que causem alteração da perfusão tecidular; 5. Doença hepática incluindo de etiologia alcoólica evidenciada por anomalias dos testes de função hepática; 6. Abuso de álcool com hepatotoxicidade; 7. Administração de meios de contraste iodados endovenosos. Interacções Não se conhecem interacções de significado clínico apesar da cimetidina poder reduzir a eliminação renal(32). Gravidez e aleitamento A insulina é o fármaco de preferir na gravidez contudo não há evidência de aumento de efeitos teratogénicos nem efeitos prejudiciais na grávida pela metformina(34, 35). A metformina parece ser compatível com a amamentação(35).

Tiazolidinedionas (glitazonas) Constitui um grupo de antidiabéticos anti-hiperglicemiantes que actua reduzindo a insulinorresistência, sendo o seu local de acção primário, a regulação dos genes envolvidos no metabolismo da glucose, dos lípidos e na diferenciação dos adipócitos. São ligandos para o receptor gama do proliferador do peroxisoma activado (PPAR-γ). Estes receptores localizam-se no músculo, gordura, fígado, sendo complexos e moduladores da expressão dos genes envolvidos no metabolismo da glucose, dos lípidos, na transdução do sinal da insulina e adipócitos e diferenciação de outros tecidos(16, 32, 34). As glitazonas aumentam o efeito da insulina no músculo, tecido adipose e hepático sem aumentar a secreção de insulina, reduzindo a glicemia e tendo efeitos variáveis nos trigliceridos(32). No diabético, o seu principal local de acção é o tecido adiposo onde promove a captação e utilização da glucose e modula a síntese de hormonas lipídicas ou citoquinas e outras proteínas envolvidas no metabolismo energético. Regulam ainda a apoptose e diferenciação dos adipócitos(16, 32). Tal como a metformina, são designados euglicémicos ou antihiperglicemiantes, obtendo-se resposta em cerca de 70% dos novos utilizadores. O seu início de acção pode levar semanas ou meses a manifestar-se dado depender da regulação de genes(16). Está no mercado só a pioglitazona, que actua também nos PPAR-α e cujas propriedades se resumem na tabela 16(16, 34).

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Tabela 16 - Perfil das Tiazolidinedionas: pioglitazona(16, 34) PROPRIEDADES Efeitos a longo prazo

TIOGLITAZONAS: PIOGLITAZONA Reduz trigliceridos e eleva HDL com fraco efeito na LDL. Reduz a mortalidade macrovascular da DM (enfarte e AVC). Prevenção da DM tipo 2.

Cinética

Posologia Reacções adversas

Absorção: em 2 h, demorada por alimentos, sem alteração da biodisponibilidade global. Metabolismo: pelo CYP2C8 e CYP3 A4 a metabolitos activos. 1 toma/dia. Retenção de fluidos com anemia e edema periférico. Aumento de peso (1-3 Kg) por retenção de fluido.

Interacções Contra-iindicações

Medicamentos metabolizados pelos CYP2C8 e CYP3 A4 pela redução da sua biodisponibilidade: estrogénios contraceptivos (obriga a contracepção adicional). Gravidez. Insuficiência cardíaca. Alteração da função hepática com ALT 2,5 vezes o normal.

Precauções

Monitorizar a função hepática antes e durante a terapêutica.

Reacções adversas: podem restaurar a ovulação nas mulheres em prémenopausa, devem ser administradas com precaução na insuficiência cardíaca devido ao aumento de volume e edema que podem causar(32). Foi descrito recentemente o risco de cancro da bexiga com a pioglitazona, reacção que se encontra em investigação a nível mundial. Interacções: o cetoconazol pode inibir o metabolismo da pioglitazona com aumento do seu efeito(32).

Inibidores das alfa-glucosidases Há 3 fármacos pertencentes a este grupo: acarbose, miglitol e voglibose(32). As alfa-glucosidases e alfa-amilase permitem que os hidratos de carbono sejam desdobrados na superfície intestinal a glucose, para a sua absorção. Os inibidores competitivos das alfa-glucosidases reduzem a digestão postprandial de hidratos de carbono atrasando a sua absorção. Estão aprovados a acarbose e o miglitol, sendo este, 6 vezes mais potente na inibição da sucrase. Ambos actuam na inibição das alfa-glucosidases: sucrase, maltase, glicoamilase e dextranase. O miglitol também inibe a isomaltase e β-glucosidase e a acarbose actua também sobre a α-amilase. São capazes de reduzir a glicemia postprandial de 45-60 mg/dL, baixando modestamente a HbA1C de 0,5-1,0% e 20-25 mg/dL na glicemia de jejum. Devem ser tomados antes da refeição ou com a ingestão inicial e a terapêutica deve ser iniciada com doses baixas para minimizar as reacções adversas, com aumento progressivo das doses(16, 32, 34). Farmacocinética: a acarbose é mal absorvida pelos que os seus efeitos são locais, o miglitol é rápida e totalmente absorvido desconhecendo-se os efeitos

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resultantes da absorção sistémica. Admite-se que o miglitol se elimina pelos rins podendo haver acumulação na insuficiência renal(32). Reacções adversas: pode surgir flatulência, diarreia e dor abdominal possivelmente pelos hidratos de carbono no cólon não digeridos, que são fermentados em ácidos gordos de pequena cadeia e libertação de gás. Estes efeitos tendem a diminuir por causa da exposição crónica aos hidratos de carbono que induzem a expressão das α-glucosidases no jejuno e ileum aumentando a absorção intestinal de glucose minimizando a passagem dos hidratos de carbono para o cólon(16, 32, 34). Na terapêutica a longo prazo pode haver toxicidade hepática grave provavelmente por hipersensibilidade(32). Está descrito um caso de eritema multiforme generalizado por reacção alérgica com acarbose(34). Terapêutica da hipoglicemia: apesar deste grupo de medicamentos não ocasionar hipoglicemia em monoterapia, se forem associados a secretagogos, esta pode ocorrer e, nestas circunstâncias a terapêutica obriga à administração de glucose e não se sacarose visto haver inibição do seu metabolismo a glucose(16, 32, 34). Contra-iindicações: doença inflamatória intestinal e outras situações que se agravem pela libertação de gás e distensão intestinal. Não devem também utilizar-se em doentes com insuficiência renal, dado ser esta a sua via de eliminação. Como a acarbose pode elevar reversivelmente as enzimas hepáticas deve haver precaução na sua administração em doentes hepáticos(16, 34). O estudo STOP-NIDDM demonstrou que os inibidores das α-glucosidases podem atrasar o desenvolvimento de diabetes tipo 2, auxiliar a restauração das células β, reduzir a doença cardiovascular e a hipertensão(16).

Incretinas A glucose oral estimula mais a libertação de insulina do que a administrada por via endovenosa devido ao efeito incretina. Há 2 hormonas peptídicas associadas a este efeito que são polipeptidos libertadores de insulina dependentes de glucose (GIP designado por péptido inibitório gástrico e GLP-1 ou péptido 1 like-glucagon). Estas 2 hormonas associadas ao efeito incretina são secretadas pelas células gastrointestinais como resposta à ingestão de alimentos e actuam em receptores específicos que se expressam nas células pancreáticas e outros tecidos. Ambas estimulam a secreção de insulina e promovem a proliferação das células β. A GLP-1 também inibe a secreção de glucagon, estimula a secreção de insulina, atrasa o trânsito intestinal, reduz a secreção das enzimas digestivas e aumenta a saciedade reduzindo a ingestão de alimentos. A GIP e a GLP-1 são degradadas rapidamente por uma enzima de superfície celular, a dipeptidilpeptidase-IV (DPP-IV), distribuída por todo o corpo. O efeito da incretina deve-se

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a 2 péptidos insulinotrópicos dependentes da glucose: GIP e GLP-1 que são rapidamente inactivadas pela dipeptidilpeptidase IV (DPP-IV) e o seu efeito depende dos níveis de glucose intestinal cessando quando a glicemia está abaixo de 55 mg/dL(36, 37). Nos doentes com diabetes tipo 2, os níveis de GIP são normais mas o seu efeito insulinotrópico está reduzido e os de GLP-1 estão diminuídos embora a sua actividade seja normal. Compreendendo a actividade destes péptidos no metabolismo glucídico, focando-se na GLP-1 há 2 grupos de fármacos desenvolvidos para a diabetes tipo 2: os análogos da GLP-1 ou incretinomiméticos como a exenatida e os que prolongam a actividade da incretina nos seus receptores GLP-1 atrasando a sua degradação, que são os inibidores da DPP-IV como a sitagliptina e vildagliptina. O GLP-1 é uma hormona insulinotrópica intestinal que possui os seguintes efeitos(37, 38): - Estimulação da secreção de insulina dependente da glucose; - Supressão da secreção do glucagon; - Redução do apetite e da ingestão de alimentos; - Atraso no esvaziamento gástrico. O GLP-1 é capaz de reduzir a glicemia na maioria dos doentes com diabetes tipo 2 e é rapidamente inactivado pelo que não parece ser uma boa opção terapêutica a longo prazo(37, 38). Há agentes que estimulam os receptores do GLP-1 (exedina 4) e outros, derivados da GLP-1 (liraglutida). Em ensaios clínicos, a exenatida e a liraglutida, ambas injectáveis, são capazes de reduzir a glicemia e a HbA1c em mais de 1%, associando-se redução ponderal de 2-3 Kg(36-38). Uma meta-análise sobre este tipo de fármacos mostrou que os análogos do GLP-1 e os inibidores da DPP-IV melhoram moderadamente a glicemia tendo efeito mais marcado no postprandial, com efeito favorável no peso com os análogos da GLP-1 e neutro com inibidores da DPP-IV. Os primeiros ocasionam efeitos adversos gastrointestinais enquanto os inibidores da DPP-IV causam nasofaringite, infecções do tracto urinário e cefaleias(36, 37).

Inibidores da dipeptidil-peptidase-IV (DPP-IV) A dipeptidil-peptidase-IV (DPP-IV) degrada a incretina e outras moléculas GLP-1like. Os seus inibidores, sitagliptina, vildagliptina e outros, impedem a degradação da incretina, permitindo maior duração do seu efeito e consequentemente da libertação de insulina e inibição da glucagom com melhoria da glicemia(16, 34, 36, 37). O GLP-1 endógeno possui uma semi-vida curta <1 minuto por sofrer metabolismo pela DPP-IV, pelo que, para a melhorar, se utilizam os inibidores desta enzima

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na terapêutica da diabetes, isolados ou em associação com metformina ou TZD. Em monoterapia conseguem baixar em média a HbA1c de 0,79% a 0,94%, tendo efeito no controlo da glicemia de jejum e postprandial(36, 39). São considerados como não influenciando o peso quando comparadas com as sulfonilureias(39). A tabela 17 resume algumas das propriedades destas moléculas(36, 37, 39). Tabela 17 - Propriedades de inibidores da DPP-IV PROPRIEDADES SITAGLIPTINA Cinética Pico da concentração: 1-4 horas. Biodisponibilidade: 87%.

VILDAGLIPTINA Rápida absorção. Pico plasmático: 1,7 h.

Metabolismo: mínimo por CYP 3 A4 e CYP Biodisponibilidade: 85%. 2C8. Metabolismo por hidrólise renal - 69%. Eliminação: 87% inalterada pelos rins. Eliminação: 15% nas fezes e 85% pelos Semi-vida terminal: 12 h. rins (23% inalterada). Semi-vida: 3 h por administração oral. Reacções adversas Nasofaringite, cefaleias e aumento do risco Disfunção hepática: rara. de infecções urinária (mais frequentes). Tonturas e perturbações gastrointestinais. Reacções alérgicas: anafilaxia, angioedema, urticária, vasculite cutânea, sindroma Stevens-Johnson. Casos isolados de elevação das enzimas hepáticas. Contra-iindicações

IR: redução da dose.

Disfunção hepática: recomendando-se a monitorização da função antes e a cada 3 meses no 1º ano de terapêutica, parando-se quando a ALT e AST se encontram 3 vezes acima do normal e se houver icterícia ou outros sinais de disfunção. Disfunção renal: pode reduzir a eliminação.

Está também autorizado para comercialização, a nível Europeu, a saxagliptina. Não ocasionam hipoglicemia a menos que sejam associadas a secretagogos ou insulina, sendo boas alternativas à metformina quando há intolerância e em doentes idosos(39).

Análogos e GLP-1 miméticos Os análogos da GLP-1 requerem terapêutica parentérica subcutânea em 1-2 injecções por dia. O primeiro incretinomimético aprovado foi a exenatida, análogo do receptor da GLP-1, resistente ao DPP-IV, que requer administração injectável. (36, 37) Os análogos do GLP-1 ocasionam maior redução da HbA1c, da ordem de 0,8-1,7% e perda de peso de 1,75-3,8 Kg que os inibidores da DPP-IV por promoverem a saciedade, a regulação da velocidade de esvaziamento gástrico

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reduzindo a elevação de glucose postprandial e aumentando a secreção de insulina dependente da glucose. O efeito a longo prazo ainda não está perfeitamente esclarecido admitindo-se que adicionalmente pode estimular a regeneração das células beta pancreáticas. Quanto à segurança, a maioria dos casos de reacções adversas reportados são as náuseas, vómitos(36, 37, 39). A exenatida administra-se por via SC no diabético tipo 2 cujo controlo glicémico não é atingido com sulfonilureias ou metformina. Nos ensaios, a exenatida actua no aumento da secreção da insulina mediada pela glucose, na supressão da secreção postprandial de glucagon, atraso no esvaziamento gástrico e ocasionando perda de apetite por acção central. Na tabela 18 são apresentadas algumas das suas propriedades(16, 34). Tabela 18 - Perfil da exenatida PROPRIEDADES Absorção Pico de concentração plasmática Duração de acção Eliminação Administração Reacções adversas

INCRETINA: EXENATIDA Idêntica no abdómen, braço, nádega. Às 2 horas. 10 horas. Renal com ajuste posológico na IR com ClCr < 30mL/min. 1 h antes da refeição em 2 tomas/dia. Náuseas (40%), vómitos e diarreia. Estão ainda descritos nervosismo, cefaleias, dispepsia e menos frequentemente astenia, redução do apetite, refluxo gastrointestinal, distenção abdominal ou dor e hiperhidrose. Reacções de hipersensibilidade e pancreatite aguda.

Pramlintida Aprovada para a diabetes tipo 1 e 2 por via injectável SC, constitui terapêutica adjunta da diabetes tipo 1, administrada antes das refeições a doentes que não conseguem o controlo com insulina e na diabetes tipo 2 quando esse controlo não é conseguido com a insulina e terapêutica oral (40). É um análogo sintético da amilina que modula a glicemia postprandial. Suprime a libertação da glucagom, demora o esvaziamento gástrico e possui um efeito central de redução do apetite. Pode ocasionar hipoglicemia e sintomas gastrointestinais como náuseas, vómitos e anorexia. É rapidamente absorvida com o seu pico ao fim de 20 minutos e duração de acção de mais de 150 minutos, sendo eliminado pelos rins por metabolismo(16, 40).

Controlo glicémico A avaliação do controlo glicémico pode ser realizada de 3 formas: a automonitorização de glucose sanguínea pelo doente, a determinação de glucose plasmática ou da hemoglobina glicosilada, estas 2 últimas, em laboratório(1).

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Para os doentes sujeitos a várias injecções diárias de insulina recomenda-se a determinação de glucose capilar 3 ou mais vezes ao dia. Quando o doente está submetido a injecções de insulina menos frequentes, a terapêutica com antidiabéticos orais ou apenas a dieta, a glucose capilar pode ser útil como guia para o êxito da terapêutica, podendo ser adequada a determinação pósprandial para verificar se os valores atingiram os objectivos pretendidos(1). Os doentes que efectuam autovigilância da glicemia capilar devem ser ensinados devidamente quanto à técnica de realização, sua leitura e interpretação, assim como quanto às medidas a tomar para normalização da glicemia(1). A glicemia capilar permite ao doente conhecer a resposta à terapêutica e verificar se os objectivos terapêuticos estão a ser atingidos, podendo ainda ser útil na prevenção de hipoglicemia e ajuste da medicação. A hora adequada para a sua determinação e a sua frequência são condicionadas pelas necessidades individuais do doente e estabelecidas pelo médico(1). No diabético tipo 2 ainda não se atingiu o consenso sobre a frequência da determinação da glicemia capilar e a sua influência sobre o controlo da glicemia. O doente deve ser avaliado regularmente quanto à técnica que utiliza assim como ao ajuste da terapêutica, da alimentação e da actividade física em função dos valores obtidos para que atinja a normoglicemia(1). Tabela 19 - Correlação entre HbA1C e glucose plasmática média(1) HbA1C (%) 6 7 8 9 10 11 12

Glucose plasmática em mg/dL 126 154 183 212 240 269 298

Glucose plasmática em mmol/L 7,0 8,6 10,2 11,8 13,4 14,9 16,5

A hemoglobina glicosilada reflecte a média da glicemia ao longo de 3 meses, sendo considerada como preditiva das complicações a longo prazo da diabetes. Assim, recomenda-se que se realize a cada 3 meses a todos os doentes para verificar se foi atingido e mantido o objectivo glicémico. A tabela 19 resume a relação entre a glicemia plasmática e os valores de hemoglobina glicosilada correspondentes(1).

Normas Nacionais da terapêutica da Diabetes tipo 2 A DGS publicou em Janeiro de 2011 a Norma 001/2011 relativa à terapêutica da diabetes tipo 2 que contempla as seguintes recomendações(29):

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1. No tratamento farmacológico da diabetes tipo 2, a metformina é o fármaco de eleição, em especial nas pessoas com obesidade ou sobrecarga ponderal; 2. Nas pessoas com diabetes tipo 2 sem excesso de peso, a metformina também é considerada uma opção no seu tratamento; 3. A instituição da dose de metformina deve ser gradual e progressiva, para minimizar os efeitos adversos gastrointestinais; 4. A dose de metformina deve ser individualizada, com base na efectividade e segurança para cada doente, ajustando-se aos valores da glicemia; 5. A terapêutica com metformina deve ser suspensa: a) em doentes com uma taxa de filtração glomerular < 60ml/minuto/1.73m2; b) nas situações clínicas capazes de alterarem a função renal; c) nas situações clínicas indutoras ou predisponentes da hipoxia tecidual, como a insuficiência cardíaca e a insuficiência respiratória; d) em caso de intolerância. 6. Nos adultos, a metformina deve ser utilizada inicialmente em monoterapia; 7. Nos adultos, quando não se atingirem os objectivos terapêuticos individualizados, a metformina pode ser usada em associação com outros antidiabéticos orais e/ou com insulina. (29) A dose inicial de metformina é de 500 a 1000 mg, 1 a 2 vezes ao dia, sendo a dose máxima habitual de 2 g/dia, dividida em 2 a 3 tomas diárias, podendo ser, em alguns casos, aumentada até os 3 g/dia(29). Deve considerar-se o uso de um secretagogo ou outro sensibilizador de insulina, quando há intolerância ou contra-indicação para a metformina. A associação com outros antidiabéticos orais e/ou insulina deve ser instituída quando não se atingirem os objectivos terapêuticos individualizados(29). A associação a uma sulfonilureia pode ser ponderada se o controlo da glicemia continuar inadequado ou se o controlo metabólico se deteriorar(29). Em caso de se manter hiperglicemia pós-prandial, a acarbose ou a nateglinida pode ser adequada, devendo considerar-se a pioglitazona, como insulinossensibilizador na intolerância à metformina ou em associação, se existir insulinorresistência marcada. Pode ser considerada a associação de um inibidor da dipeptidil peptidase IV (DPP-IV) à metformina em casos de(29): 1. Risco significativo de hipoglicemia; 2. Risco de ganho ponderal; 3. Contra-indicação a sulfonilureia(29).

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Pode ser considerado o uso preferencial de um inibidor da DPP-IV (saxagliptina, sitagliptina ou vildagliptina) em vez da pioglitazona, como terapêutica de 2ª linha da diabetes tipo 2, nas seguintes situações(29): 1. Aumento marcado de peso; 2. Insuficiência cardíaca; 3. Falta de resposta terapêutica à glitazona; 4. Intolerância à glitazona; 5. Contra-indicação à glitazona(29). A associação tripla de antidiabéticos orais é de considerar se o controlo da glicemia persistir inadequado, deve ser equacionado o início de insulinoterapia(29). Outras Guidelines As normas estabelecidas pela DGS não são consensuais entre a classe médica nem com outras guidelines internacionais. A Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) seguindo as orientações da Sociedade Europeia de Cardiologia considera que uma redução de 1,0% da HbA1c está associada a 25% de redução do risco de complicações microvasculares, com um risco absoluto com níveis de HbA1c <7,5% bastante baixo. As complicações microvasculares, tanto ao nível dos rins como dos olhos, implicam outras medidas terapêuticas rigorosas, como sejam o controlo adequado da pressão arterial através de IECA e/ou de antagonistas dos receptores AT1 da angiotensina II. Uma terapêutica combinada que passa pelo início precoce de insulina caso os fármacos orais nas doses e combinações adequadas falhem, é defendida para maximizar a efectividade e minimizar os efeitos secundários. Uma dose média de um agente oral tem um efeito de redução da glicose em cerca de 80%, minimizando os eventuais efeitos secundários(2). As tabelas 20 e 21 resumem sugestões para a selecção dos diferentes antidiabéticos conforme o abaixamento necessário da glicemia e o efeito sobre o abaixamento da HbA1c. Tabela 20 - Sugestões para selecção de antidiabéticos conforme a anomalia(2) GRUPO DE FÁRMACOS ACÇÃO Hiperglicemia postprandial Inibidores da alfa-glucosidase, sulfonilureas de acção curta, glinidas, insulina regular de acção curta ou análogos de insulina. Hiperglicemia jejum Biguanidas, sulfonilureas de acção longa, glitazonas, insulina de acção longa ou análogos de insulina. Resistência à insulina Biguanidas, glitazonas, inibidores da alfa-glucosidase. Deficiência de insulina Sulfonilureas, glinidas, insulina.

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Tabela 21 - Efeitos sobre a HbA1c dos diferentes antidiabéticos(2) GRUPOS DE FÁRMACOS Inibidores da alfa-g glucosidase Biguanidas Glinidas Glitazonas Insulina Sulfonilureias

PERCENTAGEM DE REDUÇÃO A HbA1c 0,5-1,0 1,0-1,5 0,5-1,5 1,0-1,5 1,0-2,0 1,0-1,5

A SPC alerta para cuidados específicos referentes a cada um dos grupos de fármacos e que são resumidos na tabela 22(2). Tabela 22 - Grupos de fármacos a evitar ou a reconsiderar o seu uso face aos problemas potenciais que podem ocasionar(2) PROBLEMAS POTENCIAIS Aumento de peso não desejado Sintomas gastrointestinais Hipoglicemia Função renal alterada Função hepática alterada Função cardiopulmonar alterada

EVITAR/RECONSIDERAR A UTILIZAÇÃO Sulfonilureas, glinidas, glitazonas, insulina. Biguanidas, inibidores da alfa-glucosidase. Sulfonilureas, glinidas, insulina. Biguanidas, sulfonilureas. Glinidas, glitazonas, biguanidas, inibidores da alfa-glucosidase. Biguanidas, glitazonas.

Associação da terapêutica Nos últimos anos surgiram novos antidiabéticos pertencentes a novas classes. Para o UKPDS a associação terapêutica justifica-se tendo em consideração que com o tempo o controlo glicémico fica mais dificultado em monoterapia(41), embora a maioria dos estudos não apresenta duração suficiente para avaliar os efeitos clínicos da associação para além do seu efeito sobre a glicemia(41). Há estudos que demonstram que a associação terapêutica pode permitir atingir mais facilmente os objectivos da terapêutica quanto à glicemia a atingir do que a monoterapia(9, 41). Há também indicações para que quando não são atingidos os objectivos não significa que haja falha da terapêutica porque a adição de um novo fármaco vai permitir um melhor controlo(9).

Monitorização do diabético Glicemia e HbA1c Considerando os objectivos terapêuticos o doente deve vigiar a sua glicemia e a HbA1c para analisar o resultado da terapêutica. Recomenda-se a determinação

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trimenstral da HbA1c que permite avaliar o controlo médio da glicemia, cujo valor idealmente deve ser inferior a 6,5%, excepto em circunstâncias específicas, quando o doente não suporta valores de glicemia muito baixos e existe predisposição para crises de hipoglicemia. Recomenda-se ainda a vigilância da glucose por autovigilância, com a frequência dependente do tipo de diabetes e das características do doente e da sua terapêutica. Em doentes submetidos a insulina em bomba com várias injecções diárias a monitorização da glicemia capilar é realizada 3 ou mais vezes ao dia. Para os doentes com menos injecções de insulina ou outro tipo de terapêutica, a glicemia capilar é útil como indicativo do êxito da terapêutica, para ajudar a atingir os níveis de glicemia postprandiais que se pretende e realiza-se com uma frequência individualizada de acordo com as recomendações médicas. Pé Diabético Dada a gravidade das complicações do pé diabético há cuidados a ter diariamente e que devem ser ensinados ao doente. Destacam-se os seguintes: (19, 27, 28, 35, 39) 1. Lavagem diária com água à temperatura corporal com sabão neutro. Secagem sem esfregar com atenção aos espaços interdigitais e rebordos das unhas. Aplicar creme amaciador para manter pele macia e hidratada, tendo o cuidado de não colocar entre os dedos; 2. Pele amaciada para evitar secura e fissuras. Não colocar creme entre os dedos por macerar e dar lugar a feridas; 3. Unhas de comprimento médio, limadas a direito (não cortadas com tesoura). Evitar que as unhas se encravem e, caso ocorra, tratar de imediato; 4. Exame diário dos pés para identificar sinais de feridas, bolhas, infecções, calos, etc. Vigiar entre os dedos, sola dos pés, calcanhares; 5. Meia de algodão ou lã sem elásticos que apertem e sem costuras. De preferência de cor clara ou branca (permite verificar a existência de feridas se sujar); 6. Remover calos e calosidades com lima de cartão. É proibido o uso de calicida que origina ferida e úlceras; 7. Sapatos sem apertar nem largos, flexíveis, macios, de pele, sola deslizante e não demasiadamente grossa. Largos à frente, sem costuras interiores e com salto não muito alto. Não usar sandálias que desprotejam os dedos; 8. A ocorrência de ferida ou unha encravada obriga a ida a uma urgência médica para receber o tratamento antibiótico adequado e prevenir ulceração, gangrena e necessidade de amputação. Autovigilância A autovigilância, conforme a entendemos agrega um conjunto de actividades que devem ser levadas a cabo pelo doente com diabetes com o objectivo de avaliar continuamente o estado de controlo da sua doença, dirigindo-se também

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à identificação precoce de complicações agudas e crónicas para que sejam tratadas de imediato(19). A capacidade de autovigilância é dada ao doente através de educação prestada pelos profissionais de saúde, preferencialmente numa equipa multidisciplinar(19). Os aspectos de destacar na autovigilância são os seguintes(19): - Peso: o doente deve pesar-se regularmente. A pesagem deve obedecer a cuidados específicos: pesar-se sempre nas mesmas condições quanto à hora (de manhã ou à noite), com a bexiga e intestinos vazios, com o mesmo tipo de roupa e na mesma balança; - Vigilância dos pés: cuidados de higiene com lavagem, secagem e hidratação cuidadas acrescida de observação regular não esquecendo a sola dos pés, calos, calosidades e unhas; - Sinais de hipoglicemia: obrigando a ser capaz de reconhecer os primeiros sinais, a tratá-la imediatamente e a prevenir a sua ocorrência; - Medir regularmente a pressão arterial: sabendo que os valores a manter devem ser inferiores a 130/80 mmHg e a tomar medidas caso estes valores estejam elevados; - Glicemia capilar: realizada com a frequência indicada pelo médico seguindo todos os cuidados essenciais para que o resultado seja de credível. O doente deve saber quais os valores recomendados de glicemia, conforme a hora e as condições das determinações. De um modo geral a glicemia de jejum deve ser <110 mg/dL e a postprandial < 145 mg/dL; - Outros sinais: o doente deve ter atenção a sinais de infecção, sejam eles dos pés, boca, vaginais, urinárias os quais devem ser confirmados pelo médico e tratados imediatamente com terapêutica efectiva. Sinais suspeitos de alterações visuais também obrigam a uma consulta do oftalmologista para tratamento adequado, se necessário(19).

Educação do doente A educação do doente para aquisição de competências na autovigilância da diabetes constitui o passo fundamental para o controlo da doença e prevenção das complicações. O processo educacional deve ser permanente e avaliado regularmente para poder ser melhorado(19, 42). A educação das pessoas com diabetes destina-se a melhorar os seus conhecimentos e capacidades dando-lhes competências para efectuar a sua terapêutica adequadamente e controlar a sua doença integrando os autocuidados na sua vida diária(19, 42).

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A educação pode ser realizada individualmente e em grupo, sendo que a avaliação dos resultados do processo educativo deve ser efectuada.

Farmacêutico e o doente diabético A Direcção-Geral de Saúde publicou o Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes em 2007. Este Programa destina-se a uma abordagem abrangente dos serviços prestadores de cuidados de saúde junto da população em risco ou já portadora da doença, promovendo o seu diagnóstico precoce e adequados tratamento e reabilitação. A monitorização da glicemia capilar está hoje em dia a ser recomendada ao doente diabético como rotina que os doentes seguem, sendo o farmacêutico um agente de extrema importância na educação do doente quanto à técnica de execução e interpretação dos valores obtidos(43, 44). O papel do farmacêutico O farmacêutico é o profissional de saúde de mais fácil acesso para o doente, encontrando-se em óptimas condições para ajudar o doente com diabetes, não só pelos seus conhecimentos mas também pela sua disponibilidade. A intervenção do farmacêutico pode proceder-se nos aspectos seguintes: Farmacoterapia Pretende-se que o doente saiba para que toma os medicamentos, como os deve tomar correctamente e que efeitos são de esperar que ocorram. Estes conhecimentos vão permitir que o doente cumpra melhor a terapêutica, contribuindo para a melhoria da glicemia e prevenção das complicações agudas e crónicas da diabetes. O ensinamento sobre o tratamento deve ser mais detalhado para o diabético que inicia a terapêutica e completar aquele que o médico terá feito. Para não haver repetições, o farmacêutico deve avaliar inicialmente o que o doente sabe sobre o tratamento e dirigir os ensinamentos para os aspectos importantes que o doente desconheça ou que tenha dúvidas. Sempre que o doente adquira novas embalagens deve repetir-se esta atitude, agora avaliando também, como o doente tem efectuado a terapêutica, para que sejam corrigidos erros que esteja a cometer.

Sobre a terapêutica, o doente deve saber: Objectivos do tratamento: valores de glicemia de jejum e pós-prandiais, que devem ser mantidos permanentemente e, como proceder se esses valores não forem atingidos. Quando o doente desconhece esses objectivos, deve ser incentivado a perguntar ao seu médico dado que pode ter estabelecido objectivos individualizados, embora o farmacêutico lhe possa dizer os valores que habitualmente são pretendidos para prevenir as complicações da diabetes e manter a situação sob controlo.

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Justificação para atingir esses objectivos: o doente deve ser informado porque razão deve manter os valores de glicemia dentro dos níveis recomendados e o que pode esperar se não os mantiver. Como tomar os medicamentos: o número de comprimidos ou injecções diárias, a hora da toma e a relação face às refeições deve ser bem explicado ao doente, justificando essas exigências para que o doente possa cumprir estas recomendações. Reacções adversas que podem ocorrer: o doente deve conhecer as reacções adversas que podem ocorrer mais frequentemente e como proceder para que evite a sua ocorrência ou se corrijam. Deve ainda saber quando tem necessidade de recorrer ao médico, de urgência ou não. Interacções medicamentosas: o doente deve ser informado sobre os medicamentos que deve evitar durante a terapêutica antidiabética. O recomendado é que o doente perceba que não deve tomar medicamentos sem recomendação médica ou farmacêutica, depois de ter tido o cuidado de informar de que é diabético e quais os medicamentos que toma. Autovigilância: o indivíduo com diabetes deve saber que lhe cabe avaliar a evolução da doença e os resultados da terapêutica através da autovigilância, que também lhe permite identificar precocemente algumas das suas complicações. A autovigilância deste doente é abrangente e dirige-se às medidas que o doente deve seguir, como proceder correctamente, quais os valores ou sinais normais e o que fazer se verificar a existência de alguma anomalia. De um modo geral é indispensável vigiar:

1. Glicemia a: com a frequência e horários recomendados pelo médico, o farmacêutico deve explicar os cuidados e os passos a seguir para a medição correcta, o que os valores encontrados podem significar e como proceder se os valores forem superiores ou inferiores aos pretendidos; 2. Peso: o doente deve pesar-se regularmente seguindo as regras estabelecidas. Assim o doente pode verificar as oscilações do seu peso e ser informado sobre como proceder para manter o peso o mais próximo possível do que o médico pretende; 3. Pés: o doente deve saber que diariamente os seus pés devem sujeitos a uma higiene e lubrificação cuidadas e ser inspeccionados para que detecte os primeiros sinais de qualquer lesão. Deve ainda saber os cuidados a seguir com as unhas e calos. Deve ser informado sobre o que deve fazer se ocorrer qualquer lesão, por menor que seja. 4. Sina ais de hipog glicemia a: o doente deve conhecer os factores predisponentes para a ocorrência de hipoglicemia, quais são as suas implicações, os primeiros sinais sujestivos desta complicação aguda e as medidas a seguir de imediato para evitar que a hipoglicemia progrida e coloque a vida em risco.

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5. Pressão arteria al: considerando que a hipertensão constitui um factor de risco adicional à diabetes para a nefropatia e doença vascular, importa que o doente com diabetes saiba que deve manter a sua pressão arterial baixa, com valores inferiores aos dos indivíduos sem diabetes. 6. Alimenta ação: deve ser reforçada a informação prestada pelo médico sobre os cuidados alimentares a seguir pelo doente e ensinadas medidas práticas que facilitam a dieta e a confecção dos alimentos. O doente precisa de compreender que a alimentação é parte integrante do tratamento e que sem estes cuidados dificilmente atinge a glicemia pretendida só com a medicação. Deve ainda compreender que na maioria dos casos a dieta corresponde a uma alimentação recomendada para a maioria das pessoas, para que tenham uma vida saudável e, que pode ser seguida por toda a família. O fraccionamento das refeições é fulcral para a manutenção de uma glicemia pretendida; 7. Exercício físico: deve ser reforçada a informação de que este constitui também parte integrante da terapêutica para melhoria do efeito da insulina e normalização da glicemia. A actividade física de, pelo menos, 30 minutos diários constitui uma medida indispensável; 8. Prevenç ção e detecç ção precoce de complica ações crónica as e aguda as: o doente deve conhecer quais as complicações agudas e crónicas da diabetes para aumentar a motivação para a terapêutica. Deve também ser informado como deve identificar precocemente os sinais de uma eventual complicação e como proceder. No caso dos primeiros sinais de hipoglicemia ele pode corrigir de imediato, para outras complicações deve saber se recorrer ao médico com urgência ou não.

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Conforme o Protocolo estabelecido com o Ministério da Saúde, que comparticipa alguns materiais indispensáveis ao doente com diabetes, o Farmacêutico tem por obrigação intervir na informação sobre os materiais de autovigilância e de injecção de insulina quando os dispensa e registar a venda no Guia do Diabético bem como os ensinamentos prestados. Uma atenção mais cuidada e abrangente ao doente com diabetes faz também parte integrante das actividades do farmacêutico para garantir a efectividade e segurança dos medicamentos que dispensa. A intervenção Farmacêutica constitui uma mais-valia para estes doentes e a continuidade dos cuidados, o que garante uma melhoria na qualidade de vida do doente com diabetes e ganhos em saúde(4).

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