ATLASPSICO FILOSOFIA
Reflexões Éticas sobre três conceitos de Liberdade
CIÊNCIA DE PONTA
NÚMERO 07 | ABRIL 2008
A Revista do psicólogo
Acupuntura Tratamento milenar e científico
PSICANÁLISE
Aportes Teóricos da Psicanálise para se refletir o engendramento da cultura
A INSATISFAÇÃO REAL REFLETIDA NO ESPELHO NA CONTEMPORANEIDADE
EXPEDIENTE REVISTA ATLASPSICO
EDIÇÃO DE ABRIL 2008 Brasil – Curitiba – Paraná EDITOR-CHEFE Márcio Roberto Regis (CRP 08/10156) JORNALISTA Audea Lima | 972/96/PI COLABORADORES Luís Sérgio Lico Marcus Antônio Britto de Fleury Jr Alex Sandro Tavares da Silva Lou de Oliver Alline Alves de Souza Estrella Bohadana Alexandre Schimitt Marcel de Almeida Freitas Márcio Roberto Regis DIREÇÃO DE ARTE E DIAGRAMAÇÃO Márcio Roberto Regis COMISSÃO AVALIADORA Márcio Roberto Regis SEJA UM COLABORADOR Encaminhe seu artigo para o email editorial@atlaspsico.com.br Um projeto do Portal de Psicologia ATLASPSICO www.atlaspsico.com.br | revista.atlaspsico.com.br Revista ATLASPSICO é uma publicação bimestral. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. O uso de imagens e trechos dos textos somente podem ser reproduzidos com o consentimento formal do editor.
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ÍNDICE
FILOSOFIA
Reflexões Éticas sobre três conceitos de Liberdade
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A Revista do Psicólogo
ATLASPSICO número 07 | abril 2008
CAPA
A insatisfação real refletida no espelho na contemporaneidade
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CIÊNCIA DE PONTA Acupuntura sem segredos
PSICOLOGIA E TECNOLOGIA
Os jogos violentos como representação social
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PSICOPEDAGOGIA
Anoxia Perinatal: segundos que decidem uma vida
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JUNG
Diferença do pensamento Oriental e Ocidental
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PSICANÁLISE / ANTROPOLOGIA Aportes Teóricos da psicanálise para se refletir o engendramento da cultura
30
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EDITORIAL Nesta edição, a insatisfação real refletida no espelho na contemporaneidade não está estampada apenas na capa, mas sim em nossas vidas. “Quem somos na contemporaneidade? Como ficamos frente aos nossos desejos continuamente negados? Para onde deslocamos essa negação e por que o fazemos?”. São essas questões que o autor do artigo Marcus Antônio Britto de Fleury Junior responderá no decorrer de seu texto. Além desse e outros artigos, conversarei um pouco com vocês sobre os games violentos como uma forma lúdica de representar o meio em que vivemos. Boa leitura! Márcio Roberto Regis
EDIÇÃO ANTERIOR n. 06 Na edição anterior, quero agradecer pela ótima colaboração e contribuição dos Profissionais Marcel de Alameida Freitas, Viviane Marcon Duarte, Nilton S. Formiga, Aline Rubin, Edna Linhares Garcia, Lou de Oliver. Os temas abordados foram “A questão metodológica das pesquisas quantitativas no que se refere à coleta de dados sobre temas tabus“; “A vivência de um sujeito soropositivo marcado pela falta”; “Pares sócionormativos e a explicação da conduta desviante”; “Origem da drogadição: pacientes atendidos pelo serviço integrado de saúde (SIS) da Universidade de Santa Cruz do Sul (RS) - UNISC”; “A multiterapia tratando os distúrbios de aprendizagem”; e a “Vida Moderna” na era tecnológica. A Revista ATLASPSICO é elaborada por profissionais e acadêmicos qualificados assim como você! Temas que abordem a qualidade de vida serão sempre bem-vindos, independente da área de atuação. Quem já contribuiu, fica aqui o convite para uma nova participação para edições futuras. Obrigado e sucesso à todos os Profissionais Colaboradores! Cordialmente, Márcio Roberto Regis CRP 08/10156 Editor-chefe da Revista ATLASPSICO
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FILOSOFIA
REFL
TRร S
Revista de Psicologia ATLASPSICO nยบ 07 | abril 2008
LEXÕES ÉTICAS SOBRE
S CONCEITOS DE LIBERDADE
Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
Podemos dizer, em termos contemporâneos, que houve uma mudança qualitativa no entendimento do que seja homem livre? Quais as forças e práticas que operam dentro de uma concepção de “avanço”? O que parece estar no foco central do que se relaciona com esta condição “evolutiva”, justamente não foi pressuposta como eticamente aceitável, ou seja, que o indivíduo poderia perder suas qualidades intrínsecas, determinantes, a partir de sua imersão numa estrutura de sistematização institucionalizada. Esta condição se daria através de um paradoxo: ao crescente fortalecimento da medida e do direito geral do homem, mais se lhe corresponderia uma contrapartida pessoal altamente restritiva na sociedade. Senão vejamos por onde começar: Se nos sujeitarmos a um poder irresponsável, descobriremos, antes de mais nada, que existem muitas coisas que não somos livres para dizer ou fazer. Acima de tudo, precisaremos ter certeza de evitar dizer ou fazer algo que possa ser interpretado pelos mandatários como ato de desafio, competição ou crítica. Também descobriremos que nos falta a liberdade de nos abstermos de dizer ou fazer certas coisas. Quando chamados a aconselhar nossos mandatários ou comentar seu comportamento, nos veremos constrangidos a endossar toda e qualquer política que eles já desejem implementar. Mais sério ainda é o permanente dano psicológico infligido por essas formas de autocensura...A servidão inevitavelmente alimenta o servilismo. Quando toda uma nação é impedida de exercer seus mais elevados talentos e virtudes, essas qualidades começam a atrofiar e as pessoas gradualmente mergulham numa abjeta condição de torpor e apatia. (Skinner,2002)
A CONDIÇÃO PSICOLÓGICA DO HOMEM NÃO LIVRE
A partir de um recorte de planos gerais, a vida sob regimes e sistemas políticos, sua criação e as próprias análises encontradas na história da filosofia política, pode ser entendida, vista – e privilegiada – da perspectiva de uma racionalização idealizada dos móveis e meios, em vista dos fins adequados. Isto, quando não há uma ênfase destes mesmos fins como dedutíveis de um determinado meio. Assim, de algum modo, mesmo considerando-se eventuais exceções, não se poderia falar, no contexto acima, de uma completa distinção entre as aplicações de visões políticas idealistas, metafísicas ou dedutivas - daquelas calcadas numa lógica rigorosa ou que estão longe dela. Isto porque, na maioria das tentativas efetuadas, de se pensar a paz, a liberdade ou a sociedade, sempre se considerou, no escopo de seus pressupostos, uma
relação de “necessidade”: seja de um princípio ou entre a análise proposta e o fim desejado. Pois, seja para aplacar o caos de um estado de coisas, seja propondo mudanças, revendo e postulando novos direcionamentos, quem sabe revoluções ou opondo uma crítica a instituições, sistemas e conceitos já existentes, mormente, parte-se de uma perspectiva unívoca. Isto significa dizer: sempre deve ser deste ou daquele modo, absolutamente. Esta universalidade necessária sempre foi um pressuposto padrão, um “dogma” a ser defendido, mesmo em se tratando de concepções as mais relativas que, de forma igual, constituam ou pressuponham um arranjo sistemático do motor das coisas ou de sua interpretação e apresentem o resultado de sua reflexão de forma compartimentada. Desta maneira, iniciamos sugerindo que, aparentemente é daqui que parte a reflexão de Skinner – na tese que supomos existir por trás do excerto -, onde retomando o aspecto da tradição republicana de não se tratar o cidadão como escravo, delineia-se uma postura onde a instância do consentimento é fundamento da legitimidade. Ao apontar o dano psicológico das formas impositivas de auto censura, quer-se dizer que, sob o ponto de vista de um sistema fechado em si mesmo, pouco ou quase nada caberia ao indivíduo, senão enquadrar-se numa ordem – seja historicamente independente ou imerso em uma organicidade – ou em sua análise, sempre a posteriori, como em se determinando nela. Esta presunção que dispõe do indivíduo como se fosse mera peça no tabuleiro da arrumação política, sempre foi considerada como absolutamente plausível e arrastaria atrás de si uma coorte de bênçãos sociais e políticas. Assim, seja lá o que se lhe impusesse (ao indivíduo), sejam consideradas quaisquer condições, regimes e meios, já se encontrava implícito o aceite da subjetividade, pois que os fins que algumas destas teses se propunham a alcançar eram idealisticamente os corretos ou desejáveis: se a finalidade é o motor da política, o conhecimento se dá pelas causas e pela compreensão das circunstâncias. No entanto, não há uma clara relação de necessidade entre o que se pensa e o ambiente em que se vive, portanto há que se considerar, além do sistema político, a subjetividade que a forma e opera. Da leitura de Skinner , seria então possível verificar que, dentro destas percepções “clássicas” haveria um reducionismo, já que o indivíduo se incluiria apenas fisicamente, como parte mecânica ou relacionada com os ofícios e funções necessárias ao Estado. Em resumo: no que se encontra estabelecido pela “tradição” não haveria um reconhecimento da consciência ou sujeito auto deterRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
minado, capaz, agente e co-partícipe, mas apenas do zoon politikon. Frente a esta diversidade de teses e entendimentos a favor ou contra determinada posição, regime, ciência ou filosofia, deve-se reconhecer que – no mais das vezes - sempre se opera, propõe ou realiza-se algo no âmbito estrito desta espécie de mathesis universalis: desta translação em torno do sol do Estado, o qual se configura no jogo de forças como a primeira e última premissa . Isto pertence a este “desenvolvimento” que está expresso nos compêndios pelos fundadores de civilizações e também presente na análise dos filósofos. Em Hegel, por exemplo, pode-se ver claramente esta posição: nem sequer existe história, se não houver Estado. A história é promovida apenas a partir da representação racional de um Estado e possui seu próprio direcionamento. E embora exija uma autoconsciência, isto é tratado não em termos pontuais, mas somente em relação ao Estado e à regulação civil. Em outro sentido, pode-se recuar até a polis grega, onde se vê que lá nem sequer existe a noção de indivíduo, pois a partilha do poder somente permite lugar não em uma sociedade, mas como sendo a própria sociedade. Poderia-se, portanto, a partir destas concepções, avaliar que houve uma mudança qualitativa no entendimento do homem livre? De certa forma houve avanços, contudo, o que parece estar no foco central do excerto não se relaciona com esta condição “evolutiva”, mas justamente no que não foi pressuposto como aceitável, ou seja, que o indivíduo poderia perder suas qualidades intrínsecas, determinantes, a partir de sua imersão numa estrutura de sistematização institucionalizada. Esta condição se daria através de um paradoxo: ao crescente fortalecimento da medida e do direito geral do homem, mais se lhe corresponderia uma contrapartida pessoal altamente restritiva na sociedade. A regulamentação finalmente sufocaria qualquer interstício onde possa haver movimento livre. Este entendimento torna-se mais claro, ao se contrapor alguns outros excertos, onde a liberdade como condição de possibilidade foi objeto de análise. Para continuar na generalidade, poderse-ia citar os conceitos de positividade e negatividade desta instância, enquanto fundamento e também reconhecimento de sua importância ou irrelevância. No caso, duas ou três posições, cuja ótica seria particularmente interessante contrapor, sem instrumentalização, quais sejam: as visões de Constant, Berlin e Foucault, bem como e em auxílio a um alargamento do escopo desta compreensão, as posições tidas como clássicas, que poderiam iluminar um pouco mais a quesRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
tão. No entanto, apenas rapidamente para situar a questão, já que o mais interessante é verificar o que diz o próprio Skinner: há um impasse que coloca em xeque a dicotomia clássica, a polarização linear, há um outro campo de liberdade, que ocorre na interioridade do sujeito. Existiria algo mediato entre as noções de liberdade e que se revelaria na autodeterminação, seja enquanto vontade, devir ou consciência. Daí deriva a suspeita que paira sobre a universalidade genérica de sua aplicação e aponta conseqüências importantes no campo prático. Se para Berlin, comumente descrito como o crítico do finalismo metafísico do conceito positivo, há realmente dois grandes focos centrais do entendimento da liberdade, estando ambas subsumidas por uma instância negativa, a seu ver, a mais correta. No entanto, existe alguma dificuldade em se saber ao certo se existiria, ao final das contas, uma liberdade negativa sem este telos. Skinner sugere o caso de uma terceira via, onde exista uma consideração mais abrangente, tanto da condição psicológica do indivíduo, sua autodeterminação no âmbito da atividade política, quanto do caráter do próprio conceito, flexibilizando-o.
ENTRE DUAS NOÇÕES DE LIBERDADE: RAÍZES E DEFINIÇÕES.
Em Hobbes pode-se verificar uma noção clássica de liberdade que foi identificada posteriormente como em termos de negatividade, ou seja, do que não se é impedido, fisicamente de fazer. E não se reconhece esta sua existência, esta possibilidade, senão como relacionada a um não impedimento externo dos corpos. Assim o que existe é a liberdade, enquanto intrínseca ao sujeito desta liberdade e esta definição não é aplicável a outras formas. Esta acepção nasce no corpo da obra de um autor de índole eminentemente totalitarista, que fundamenta o Estado pelo temor da perda da vida, o qual decorre em sua concepção contratual de uma artificialidade do organismo perfeito do Estado (o entendimento clássico o qual ele entendia ser a monarquia a sua mais estável e segura expressão). Liberdade negativa, portanto, pode ser entendida como sendo sempre em relação a que, ao campo de ação que é possível o acesso, indo em direção a algo e não sofrendo impedimentos. Berlin irá seguir esta linha, criticando os problemas no entendimento do aspecto positivo desta liberdade, mas trabalhando por meio de uma questão central da política, a qual considera ser o problema da obediência e coerção. Dentro desta tese se encontra um alerta contra a negligência
em relação a poderosas ferramentas: os conceitos filosóficos. Esta advertência remete a uma reflexão sobre a capacidade – ou não – de os conceitos determinarem algo mais do que o conhecimento já fixado nas relações epistêmicas e seus desdobramentos nas idealizações ou influências na práxis. Mas, quando Hobbes define a liberdade como a ausência de impedimentos – que no Estado somente existe num silêncio das leis - esta definição baseia-se num princípio mecânico negativo, de não impedimento físico, aplicável a coisas animadas e inanimadas, bem como capacidade de ser livre como poder de ação. Um segundo entendimento é o da existência de um poder de agir e de não ser impedido no exercício destas capacidades. Deste modo, somente existe liberdade dentro de uma concepção artificial de liberdade, dada dentro do Estado, pois para Hobbes, anteriormente ao Estado há somente a guerra. A lei é o impedimento externo que delimita o campo de ação do indivíduo e deste modo o Estado se identifica com a liberdade absoluta – transferida pelo contrato – e o indivíduo goza da liberdade política, relativa à legislação aplicada à sociedade. A unidade que é dada ao Estado através da representação subsume o direito natural e estabelece a ordem que é condição de possibilidade da soberania, como prioritária para a manutenção do governo. Assim, ao realizar o contrato social, temos que estabelecer um mecanismo que o obrigue a ser cumprido, que é justamente a detenção pelo Estado do monopólio da violência. Isto significa que a essência da soberania consiste em se ter poder suficiente para manter a paz, punindo-se quaisquer violações. Em Hobbes não existe liberdade “em si”, nem para sujeitos, mas apenas aplicada a corpos. Dá-se, em resumo, a liberdade aos corpos, transfere-se a liberdade pessoal por um pacto a um terceiro que a garanta in abstrato e descarta-se o livre arbítrio como simples mau uso da linguagem. Mas o que na verdade se teme são as idéias, as sedições e a articulação das massas que sempre se apresenta como ameaça pairando sobre os aspectos teóricos do sistema, ou seja: omite-se e tenta-se suprimir aquela instância individual, poderosa, e que sempre teima em subsistir - fluctua nec mergitur. Contrafactualmente, caso recuarmos aos humanistas, teremos em Maquiavel uma perspectiva inteiramente diferente. O que significa então
a liberdade para Maquiavel? A liberdade pode ser definida como uma independência em face de agressões externas, como também de ameaças internas. Se os fundamentos de uma república repousam nas armas e nas leis, o objetivo de uma república é a liberdade. Entende Maquiavel que as cidades só crescem e enriquecem enquanto são livres, (como aconteceu em Roma), pois não é o interesse particular que faz a grandeza dos Estados, mas o interesse coletivo, onde se pretende a realização do “bem comum”. E isto, somente pode se dar tendo-se uma participação ativa dos cidadãos na vida social, o que só pode ocorrer caso haja liberdade , devendo esta ser por todos exercida em máximo sentido afirmativo ou, se quiserem, positivo. Nesta concepção, o objetivo prático é oferecer um contrabalanço para as forças antagônicas que formam a sociedade. Uma vez sendo a história o instrumento da ação política, esta ação somente é possível se houver liberdade para ser pensada, exercida ou implementada e depende da participação. A liberdade se coloca como fundamento para a construção de uma república ou sociedade auto-organizada e durável e os esforços devem ser efetuados no sentido de proteger a sua existência, através do homem de virtú: o único capaz de administrar as circunstâncias e impor sua vontade à história. A liberdade é, assim, a chave do sucesso político de qualquer cidade. Liberdade, também neste caso, significa condição para esse acesso e principal exigência para a manutenção de qualquer república e o fundamento para a construção de um pensamento e práticas políticas calcadas na realidade e utilidade, seus únicos critérios válidos de julgamento. Assim, liberdade positiva se definirá em relação a quem se destina, a não submissão ao terceiro, o percurso próprio ao alvo com todas as suas forças, arte e entendimento. Seguindo por uma linha participativa do indivíduo (que agora são todos os cidadãos e não mais apenas o homem de virtú), claramente não intervencionista, podemos também encontrar o pensamento de Benjamin Constant e Stuart Mill, que, em defesa desta positividade de ação, chegam a considerar como ameaça à liberdade, o próprio Estado. A liberdade individual, então, expressa a possibilidade de composição e participação política, como solução para o sistema representativo e possibilidade de não se perder na multidão anônima, após o curto instante em que
A liberdade pode ser definida como uma independência em face de agressões externas, como também de ameaças internas
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se exerce a representação. A despeito de quaisquer críticas, está-se fundamentalmente defendendo um campo de não interferência mínimo, de forma preservar a integridade do indivíduo, quase como uma espécie de positividade implícita na negatividade de fato.
MODELOS E ANÁLISES
Tendo isto como um resumo e considerando-se que a teoria política debruça-se sobre uma grande parte da história humana, como um ramo da filosofia moral, tentaremos entender como se dá a possibilidade de uma terceira proposição. É interessante verificar, em primeiro lugar, a defesa que há em Berlin na preocupação acerca de quais leis e normas está vinculada à relação de mando e obediência. Para Berlin, em Locke e aqueles a que chama de libertários, há um limite nesta relação e que não pode ser ultrapassado e que o problema dos dois conceitos de liberdade nasce desta relação de mando: Fazer ou ser sem interferência ou não estar sujeito ao arbítrio de outrem. Para Berlin, contudo, a liberdade não é o único objetivo do homem, pois a noção de liberdade necessita de uma série de condições nas quais, principalmente de cunho econômico, a cuja contraposição tende a lhe descaracterizar o valor intrínseco. A cisão da personalidade é o fundamento da crítica à liberdade positiva: toda a filosofia que enaltece a razão e critica os desejos é frustrante e solitária, propiciando a fuga para dentro de si por perceber que não é capaz de realizar seus múltiplos fins. Aparentemente este é o ponto e que Skinner é mais provocante, ao postular que a retirada à “cidadela interior” não se dá em função de um represamento do pathos ou culto ao logos, mas por em determinados arranjos políticos – positivos ou negativos - inexistirem condições de auto expressão: ao inexistir o silêncio onde é possível o desenvolver-se qualquer movimento, desconstrói-se a negatividade como última instância de liberdade. Mera questão retórica? Talvez aí exista algo mais que o ornamento, posto que a força que emerge da consciência é realmente transformadora e, uma vez subsumida à irresponsabilidade das demagogias populistas, tecnocráticas ou ditatoriais (econômicas, inclusive), tende a fenecer lentamente ou descaracterizar-se pelo dano da auto censura. Contra o entendimento iluminista de que só não se conhece o verdadeiro sentido da liberdade
pela ignorância, que para se conhecer o mundo é preciso de liberdade e, assim, compreender o mundo é ser libertado e, como isso, passar ao controle do mundo, Berlin também provoca: a tentativa de submeter o incompreensível ao manto das leis e instrumentos do conhecimento, explicando por sistematizações o que ocorre no mundo, é falho pela própria natureza do método. A questão do controle e do domínio do explicável não é, necessariamente, estar livre do fenômeno explicado. Por isso, não haveria como relacionar conhecimento e liberdade. Nesta razão está subentendida uma noção estática de natureza humana e, assim, o sábio vira um déspota ao propor este nivelamento dos interesses através do esclarecimento, sempre de um ponto de vista pessoal. Com isso, quer-se afirmar que o único conceito aceitável de liberdade é o de âmbito negativo, pois para a reflexão de Berlin, a liberdade é o que se realiza ou se pode realizar. Mas, sempre existem empecilhos. Em segundo lugar, temos de levar em conta como se dá o movimento dos dois conceitos de liberdade e, aqui retomamos novamente as distinções feitas nos parágrafos anteriores: liberdade negativa pode ser entendida como “estar livre de”, não estar sujeito a coerção, enquanto liberdade positiva seria “estar livre para”, ou seja, determinar o seu fazer. Os cidadãos têm a liberdade negativa de não estarem sujeitos a restrições ou interferências em seus legítimos desejos ou interesses; têm a liberdade positiva de participar do governo, compartilhar do bem público ou comum, e resistir às tentativas de indivíduos particulares de se apoderarem do patrimônio público. Assim, quando falamos em liberdade negativa queremos nos reportar às liberdades dos indivíduos tomadas isoladamente, protegidas das ingerências do Estado, ao passo que quando falamos em liberdade positiva, liberdade como autodeterminação, queremos nos reportar a uma vontade coletiva. O primeiro conceito como sendo a ausência de algum elemento de restrição que iniba o indivíduo de agir na busca dos objetivos que escolheu e o segundo como autodeterminação. Em meio a estas imbricações, existe notadamente um alguém que escolhe e as práticas em que se constituem. Em contraste, teorias positivas de liberdade que têm sua origem em Aristóteles, que parte do pressuposto que o homem é essencialmente um ser moral, um animal político. Dessas premissas,
liberdade negativa pode ser entendida como “estar livre de”, não estar sujeito a coerção.
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só se pode derivar um conceito positivo de liberdade. E rejeitar, como fazem tantos liberais modernos adeptos da escolha racional, a idéia de bem comum. Analisando os postulados de Benjamin Constant, pode-se ver que ele atribuía uma separação entre as liberdades negativas aos modernos e as liberdades positivas aos antigos. Mas não se trata de privilegiar uma ou outra liberdade. Esta segunda interpretação que está no centro da tradição democrática: ela coincide com a idéia de liberdade como autonomia. Aqui aparece o princípio de Rousseau: a idéia de que, na qualidade de cidadãos, temos direito de participar e contribuir na escolha e nas decisões coletivas e, portanto, de participar e contribuir no exercício da autoridade que nos vincula. É fácil perceber como nos dois casos opera uma teoria do valor da escolha individual. Diferentes são, porém, os campos em que ela se aplica. Essa diversidade está na base da evidente tensão entre as duas liberdades: ela existiu para os modernos e continua a existir para nós, contemporâneos, traçando a linha divisória entre a área de nossa moralidade e de nossas escolhas privadas, e aquela da ética e das escolhas públicas. As transformações das democracias pluralistas e os dilemas que temos à frente voltam a propor, sistematicamente, equilíbrios diferentes e recorrentes conflitos na movediça linha divisória. A liberdade “negativa” está próxima da idéia de nosso direito à diferença, a uma variedade das experiências de vida. A liberdade “positiva” está próxima da idéia de nossa maneira de sermos “iguais”, da identidade na cidadania como membros da polis que compartilham um destino comum. Com isso, toca-se no problema do valor que as liberdades têm para cada um. Liberdade negativa, liberdade positiva e liberdade como capacidade são peças do mosaico das liberdades, de uma generalização da dignidade de cidadãos. Acreditase que uma perspectiva de valores políticos que se baseie sobre igual dignidade dos cidadãos tenha de levar a sério o pluralismo dos valores e, em nosso caso, a variedade dos sentidos, dos usos do valor da liberdade. Isso quer dizer ser consciente do fato de que a tensão e a colisão entre as liberdades, na contemporaneidade, não são acidentes de percurso ou efeitos perversos com respeito à “verdadeira” liberdade, mas se constituem em um elemento irrecorrível do projeto moderno. Conviver com o pluralismo e continuar pensando em uma sociedade melhor não seriam via de regra, atividades incompatíveis, embora tornem a vida e a teoria um pouco mais complicadas. Nem tampouco seria plausível uma antinomia entre saber e poder, uma vez que, segundo Foucault, o poder 12
político não está ausente do saber – sempre o que está em jogo é uma luta de poder -, mas justamente ele é tramado com o saber e, por extensão, com e pelo sujeito que conhece, pelo indivíduo , que tanto pode ser um político, um filósofo ou um homem comum. Ora, uma vez descaracterizada qualquer influência deste agente nas redes formadoras do poder, alijando-o ou sufocando-o, pelo que Skinner denomina irresponsabilidade, ocorre um esgarçamento do próprio tecido social. Seria esta a chave hermenêutica para a compreensão do terceiro conceito? A liberdade como capacidade se insere nas instâncias práticas segundo a lógica de estratégias globais - formadoras, conforme Foucault, da ilusão que entendemos como Estado? A questão, a nosso ver, ainda permanece em aberto, embora o torpor e a apatia sejam evidentes, especialmente se analisarmos o atual panorama político brasileiro. Talvez aqui, fosse o caso de considerar este último acento, como um indício de que não houve, conceitualmente, uma superação da proposição de uma dualidade funcional no movimento das forças morais atuantes sociedade, e vivemos imersos em um “ciclo” fechado e impenetrável aos anseios renovadores que poderiam vir a oxigenar os paradigmas atualmente aceitos como norte das possibilidades de condução da res publica. Faltaria a afirmação desta mudança, através da ação plena que convoca o retorno à sanidade do processo, mas isto justamente não ocorre pela institucionalização da banalidade, expressa no discurso afirmativo dos “casos isolados”, sustentado pela notória impunidade dos desmandos e de toda irresponsabilidade oficial. Situação programada que ao afastar o agente dos mecanismos de atuação, em nome de um “projeto político”, perpetua o imobilismo, fomenta a descrença e promove o niilismo menor da sujeição; panorama tal que confere ainda maior autenticidade à posição de Skinner.
LIBERDADE E IGUALDADE NA SOCIEDADE EM REDE.
Hoje, na maioria das vezes, não vivemos mais os dilemas da não liberdade como sujeição a um tirano ou ao Estado-potência. Nossas liberdades estão ligadas a questões civis, econômicas ou políticas. Nas sociedades globais há uma não-liberdade mais sutil, portanto mais perigosa – a não liberdade do ser humano enquanto tal. As sociedades tecnocráticas se caracterizam pela criação do “não-homem” do autômato, matizado por um conformismo paralisante, estratificado em suas relações sociais, orientado e submisso ao Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
mercado, atônito ante as quebras de paradigmas e distante de qualquer participação no exercício do poder. Uma verdadeira engrenagem numa grande máquina a qual não conhece o funcionamento nem a utilidade e, embora apenas “nominal” é notadamente operante. A esperança residiria, talvez, no latente ou manifesto desejo de liberdade que, como já citado, pode recrudescer no espírito humano, se, parafraseando Bergson, o entendêssemos como evolução criativa. Este é maior que os mecanismos que tentam aprisionálo e sua vingança final contra o opressor – o que nos lembra Epicteto -, mas que, devidamente contextualizados, podem vir a reforçar a posição de Skinner sobre a não submissão, como parte do valor liberdade. Ao estar-se sujeito a governos não sensíveis aos talentos, competências e virtudes dos indivíduos da nação existirá a respectiva perda da liberdade. Não será possível através de nenhum sistema dedutivo, abranger a pluralidade subjetiva da constituição do sujeito político, nem evitar a mediação pela ideologia. Em outras palavras: trata-se de conjugar as instâncias da liberdade de modo evitar que o confronto e a descoberta da impotência estrutural se convertam, finalmente, em apatia e “alienação” frente ao Leviathan industrial, pragmático e tecnológico, onde a sujeição é práxis de mercado e o servilismo, norma culta. Já que aqui há, aparentemente, uma inversão conceitual, onde se fragmenta a infraestrutura para a manutenção da superestrutura, identificada como puro poder, de ethos ultrautilitarista. Mas, isto somente é possível de ser colocado em discussão, a partir do reconhecimento da condição subjetiva e psicológica do indivíduo, frente aos mecanismos de poder e de sua efetiva e necessária participação, não somente na deliberação e fiscalização dos rumos da sociedade (como queria Constant), ou através do campo negativo de ação de Berlin, mas como formador mesmo de sua condição, através de uma autoconsciência reflexiva e atuante numa liberdade plena. O que se coloca como pressuposto a esta abrangência é saber como realmente formular a questão, evitando-se polêmicas desnecessárias, de modo a propor caminhos e soluções, e também, como aplicá-las nas voláteis urdiduras pragmáticas da política, já que em Skinner não se tem uma clara resolução. É uma denúncia, a qual ajuntamos que somos livres quando nossos atos surgem de toda a nossa personalidade, quando a exprimem e estamos indefinivelmente identificados com esta ação, que nos forma ao mesmo tempo em que se realiza no agir moral. Qualquer instância, Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
discurso, sistema ou técnica que pretenda subsumir esta condição ontológica de liberdade a uma sistemática materialista-reducionista, de cunho “científico” ou “mercadológico”, desfaz o plano do espírito, caracterizando-se como mero planilhamento, na vulgar apropriação do indivíduo e seus muitos particulares modos apenas como insumo e rentabilidade. Mas, isto já foi dito por muitos. O que se pode lembrar, á guisa de uma possível conclusão é a urgência de se demandar esforços para que não se concretize – definitivamente - no plano político, as práticas defendidas pelas teses do “capital humano”, perversidades tão comuns aos corredores corporativos. Que ao manuseio sistemático de um “capital social”, através da instrumentalização de práticas, levantamento de grandes recursos, aparato de mídia e discursos persuasivos seja apontado o perigo que reside para onde a lógica de mercado se mascara: a desconstrução gerada pela impossibilidade destes ciclos de apropriação sejam sequer sustentáveis. Skinner aponta, com felicidade, para esta necessidade ética de proteção à autodeterminação, de forma que seja contraposto a este estado servil de coisas - além da reflexão, ação e vontade -, estratégias para a manutenção das condições de possibilidade da própria liberdade.
BIBLIOGRAFIA
BERGSON, H. - Ouvres, Paris, 1958, PUF. BERLIN, I. - Dois Conceitos de Liberdade in Ensaios sobre a Humanidade, Cia. das Letras, 2002. CONSTANT, B. - Da Liberdade dos Antigos comparada à Liberdade dos Modernos, in Filosofia Política, LPM, 1985. FOUCAULT, M. - A Verdade e as Formas Jurídicas, Nau Editora, 1999. HOBBES, T. O Leviathan, Ed. Abril, 1999. LEBRUN, G. - Passeios ao Léu, Editora Brasiliense, 1983. MAQUIAVEL, N. - Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Imesp, 2000. MILL, J.S – Sobre a Liberdade, Vozes, 1991. SKINNER, Q. - A Third Concept of Liberty in London Review of Books, vol. 24, nr.7, 2002
AUTOR
Luís Sérgio Lico é Filósofo, Consultor, Escritor e Conferencista. Desenvolve Treinamentos Organizacionais Taylorizados e Palestras de Alto Impacto em Motivação. Especialista em Excelência Profissional, Professor Universitário e Autor do Livro: O Profissional Invisível. E-mail: ola@consultivelabs.com.br Visite o site: www.consultivelabs.com.br 13
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A INSATISFAÇÃ
REFLETIDA NO ESPELHO NA CONTE
A insatisfação real refletida no espelho na contemporaneidade, hoje, repleta de imagens alienantes postas à disposição por uma “cultura” empobrecida conduz o indivíduo à busca do outro como referência, afinal, quem somos na contemporaneidade? Como ficamos frente aos nossos desejos continuamente negados? Para onde deslocamos essa negação e por que o fazemos?
AUTOR
Marcus Antônio Britto de Fleury Junior. CRP 09/4575 Psicólogo especialista em psicossomática. e-mail: ateliedeinteligencia@gmail.com
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Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
ÃO REAL
MATÉRIA DE CAPA
EMPORANEIDADE
sses questionamentos quando colocaE dos a disposição da sociedade recebem suave aprovação, e, ao mesmo tempo repúdio, pois, adentram naquilo que tanto desejamos compreender em meio aos medos impostos por nosso contundente silêncio, como também, na galhofaria barata da sociedade contemporânea são sufocadas pelas histriônicas manifestações onde o singular perde-se em meio ao coletivo na busca de uma imagem desejada, idealizada obsessivamente extraindo do corpo a possibilidade do contato com o prazer repudiando-o tiranamente, estabelecendo, para com o mesmo, uma relação de desprezo e crueldade na ineficaz tentativa em privar-se das metas pulsionais. Ao nos referirmos à anorexia, temos o afastamento da auto-imagem contemplativa como forma em negar a si mesmo, pois, apreciar-se consistiria em sentir o corpo como estrutura desencadeante de satisfação das pulsões, do prazer e negar-se requer ter como base referencial comparações aos corpos do outros, buscando na imagem das figuras alheias projetados no lago da miséria contemporânea uma devolução distorcida a efígie cujo propósito é a rejeição que desencadeará uma ritualização onde se encontram mobilizados sentimentos de ódio, inconscientemente, direcionado aos outros, mas catexizando-o como forma em negar esse sentimento protegendo-se da repulsa a si mesmo. A impulsividade é bem observável nos indivíduos que apresentam condutas alimentares limitantes, afinal, os mesmos, em meio às restritas representações cerceiam possibilidades vivenciais, obliterando, dessa maneira, experiências e desencadeando expressões empobrecidas quanto a manifestação dos sentimentos, restringindo assim as emoções, pois, sentir-se, impõem um grande risco a aceitação da mulher que urge num corpo que recusa transformar-se ou experimentar a mobilização pulsional deslocada para a sexualidade, impedindo dessa forma des-
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frutá-la. Seria a tentativa em estabelecer uma aliança com a pureza, com a santidade através da castidade não se permitindo viver a sexualidade como fonte de prazer, plena satisfação e aceitação da sensualidade que é presente na feminilidade, estando tais condições enlaçadas a rebelar-se inconscientemente contra a figura feminina desestruturando o desejo . Lacan, ao apresentar no XVI congresso Internacional de Psicanálise em Zurique, em 17 de junho de 1949, “O Estagio do Espelho” considera-o próprio do eu do infat definindo que esse estado permite ter uma imagem integrada de si mesma e que resulta da internalização da imagem integrada que o outro, a mãe, oferece-lhe. Em pessoas com limitações alimentares torna-se evidente a total dependência do espelho e procuram sem êxito aprovação deparando-se com a devolução de uma imagem desagradável, que transforma-se na desaprovação a si aproximando-as de uma profunda angústia em virtude da inaceitação da imagem estética observada diante do espelho. Segundo Persano, 2005, há nesse momento uma ativação de uma relação muito primitiva entre a menina e sua mãe, marcada pela desilusão de mãe frente ao seu bebê, gerando uma imagem especular cruel dos objetos parentais arcaicos nos ideais de ego.Tal identificação é responsável pelos maus tratos impostos ao próprio corpo, como se o mesmo lhe fosse alheio. No plano psicossomático evidencia-se a tentativa em manter-se “pura”, negando assim, o desejo e execrando a sexualidade sendo uma das respostas evidenciadas na amenorréia, onde o corpo apresenta níveis baixos de secreção de estrógenos e uma redução da secreção hormonal. Hormônio Folículo-Estimulante (FSH) e Hormônio Luteinizante pela pituitária. Já em pré-púberes a menarca pode ser retardada, refletindo assim a recusa da passagem da menina para mulher.
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CIÊNCIA DE PONTA
ACUPUNTURA SEM S
TRATAMENTO NATURAL, MILENA por Alex Sandro Tavares da Silva
A Acupuntura é uma terapêutica milenar que faz a prevenção, tratamento e cura de patologias através da inserção de finíssimas agulhas de ouro, prata ou aço inoxidável em determinadas regiões do corpo chamadas de “pontos de acupuntura”. Os seus excelentes resultados são reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2002) e por pesquisas científicas (Allen et al, 1998). A Acupuntura estimula as fibras sensitivas do Sistema Nervoso Periférico (SNP) fazendo com que ocorra uma transmissão elétrica via neurônios para produzir alterações no Sistema Nervoso Central (SNC), o qual libera substâncias (ex.: cortisol, endorfinas, dopamina, noradrenalina, serotonina) que promovem bem-estar, prevenção e tratamento de doenças, sejam elas psicológicas, biológicas e/ou comportamentais. Há evidências de que a Acupuntura pode substituir o uso de remédios (sendo mais efetiva, rápida, duradoura, sem dependência, sem efeitos colaterais importantes, com menor custo financeiro ao paciente e ao sistema de saúde pública). 18
O uso da tomografia computadorizada (TC), da tomografia por emissão de pósitrons (PET), da imagem de ressonância magnética (MRI) e da imagem de ressonância magnética funcional (fMRI) apontam que a Acupuntura é eficaz (Cho et al, 2005).
EFEITOS COLATERAIS
Logo após a Acupuntura, alguns pacientes relatam sonolência e uma sensação de relaxamento muito grande e isso, que para a grande maioria é uma qualidade, para outros pode ser ruim, principalmente para os que precisam executar atividade que exija grande atenção (ex.: pilotar avião).
CONTRA-INDICAÇÕES?
Pessoa com fobia de agulha (nesse caso pode ser utilizado outro estímulo, como por exemplo, laser); febre muito alta; esgotamento físico; estado de embriaguez; distúrbios psicológicos graves (ex.: surto psicótico); jejum ou grave desnutrição; problemas de sangramento (ex.: hemofilia, uso de anticoagulantes); situações de emergência (ex.: fraRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
SEGREDOS
AR & CIENTÍFICO
Acne - Desapareceu em 59% dos casos após 10 dias de tratamento. Álcool - Diminui a necessidade de ingerir álcool. Ansiedade - Eficácia superior à medicação convencional (mas sem efeitos colaterais). Arteriosclerose - Aumento da memória, da inteligência e da capacidade de cuidar de si mesmo em 68% dos casos. Asma - Efeito antiasmático em 93% dos casos e maior ventilação pulmonar em 68%. Ataque súbito de surdez - Eficácia em 90% dos casos após 2 semanas. AVC (seqüela) - Dificuldade de articular palavras. Eficácia em 90% dos casos. Cirurgia cerebral - Cura dos sintomas pósoperatórios em 86% dos casos. Cocaína - Diminuição dos sintomas da abstinência em 44% dos casos. Cólica estomacal e intestinal - Alívio da dor em 98% dos casos. Cólon irritado - Melhora significativa em 93% dos casos.
tura do crânio); indicação de intervenção cirúrgica (ex.: ataque cardíaco).
SEMPRE HÁ DOR?
Não. Os pacientes relatam várias sensações, como, por exemplo, “calor”, “peso”, “distensão”, “choque”, “leve dor”, “formigamento”. O importante é que todas essas sensações passam em menos de 05 segundos após a inserção da agulha.
AS AGULHAS TRANSMITEM DOENÇAS?
Não. Todas as agulhas são: descartáveis; esterilizadas; de uso único. Além disso, antes de inserir as agulhas, o acupunturista faz a higienização de suas mãos e do local de inserção das agulhas.
DOENÇAS TRATÁVEIS
A “Organização Mundial de Saúde” (WHO, 2002) publicou um documento que divulgou os resultados científicos da Acupuntura em comparação com o tratamento convencional (remédio) para 147 doenças. Cito alguns desses achados: Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
Convalescença - Efeito analgésico superior e mais rápido que a medicação convencional no pós-operatório. Depressão - Eficácia similar à medicação convencional (mas sem efeitos colaterais). Desintoxicação de álcool - Redução do álcool no sangue. Desintoxicação de tabaco - Redução da concentração de nicotina. Dor de cabeça - Alívio imediato em 80% dos casos. Dor lombar - Eficácia em 72% dos casos (superior à medicação convencional). Dor menstrual - Melhora em 91% dos casos.
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Dor nos olhos - Eliminação da dor em 90% dos casos. Ejaculação precoce - Eficácia em 83% dos casos. Enxaqueca - Eficácia em 80% dos casos. Esquizofrenia - Eficácia superior à da medicação convencional (78% dos casos). Excesso de gordura no sangue - Diminuição em 90% dos casos. Heroína - Diminuição dos sintomas da abstinência (anorexia, suor espontâneo e insônia) e redução da freqüência do uso. Hiperacidez no estômago - Eficácia em 95% dos casos.
Reações à radioterapia e/ou quimioterapia - Náuseas, vômitos e falta de apetite foram eliminadas em 93% dos casos. Rinite alérgica - Eficácia em 97% dos casos (superior e mais duradoura que a medicação convencional). Retardo mental - Aumento de 21% no QI (inteligência) e de 18% na adaptação social. Síndrome do estresse competitivo - Eficácia em 93% dos casos. Tabaco – Diminuição da vontade de fumar em 13% dos casos. Redução no hábito de fumar em 20% dos casos. Redução no prazer de fumar em 70% dos casos.
Todas as agulhas são descartáveis; esteri Hipertensão - Eficácia similar à medicação convencional (mas sem efeitos colaterais). Hipotensão - A pressão foi normalizada em 95% dos casos. Lactação deficiente - Aumento da lactação em 92% dos casos. Impotência sexual (não orgânica) - Eficácia em 60% dos casos. Infecção urinária recorrente - Desobstrução do trato urinário em 85% dos casos. Infertilidade - Eficácia em 75% dos casos.
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Tontura - Eficácia em 75% dos casos. TPM - Alívio completo dos sintomas, sem recorrência por 6 meses, em 92% dos casos. Úlcera - Eficácia em 97% dos casos.
VINHETA CLÍNICA Paciente: Isabel Silva (nome fictício), 47 anos, separada, mora com 02 filhos. Diagnóstico Ocidental: Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (CID - F32.2) e ansiedade generalizada (CID F41.1).
Inflamação na próstata - Alívio dos sintomas e melhora das funções sexuais superior à medicação convencional.
Diagnóstico Oriental: “Deficiência do Qi do Fei” e “Deficiência do Xue do Gan”.
Insônia - O sono foi totalmente normalizado em 98% dos casos.
Intervenção: Semanal, total de 10 sessões.
Modelo de Acupuntura: MTC (c/Deqi).
Obesidade - Supressão do apetite em 95% dos casos.
Tipo de agulha: sistêmica, descartáveis, tamanho 0,25 X 25mm.
Policisto no ovário - Cura obtida em 94% dos casos.
Sedação: retenção de 20 min., manipulação vigorosa.
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Tonificação: retenção de 10 min. manipuA Acupuntura utilizada em Isabel foi uma eslação suave. tratégia eficaz, rápida e segura no seu tratamento de ansiedade, depressão, estresse psíquico, desejo de Pontos: Tonificação de P9, P7, VC6, E36, morte, desconfiança no próprio desempenho, distúrBp6, B13, VG12, VG4. Sedação de Yin- bios do sono, distúrbios psicossomáticos e se mostra Tang, VC17, VB34, F3. como uma estratégia clínica muito potente na promoção da “Saúde Geral”, conforme testes validados Manifestações clínicas: depressão, ansie- pelo conselho Federal de Psicologia (CFP) do Brasil. dade, anemia, dor temporal, dispnéia, voz Já o questionário que criei, “Teste de Aferição do fraca, asma, constipação, pulso Vazio, Desconforto” (TAD), apontou uma melhora geral no língua pálida, suor e frio nas mãos e pés, seu desconforto e cura de vários transtornos. gripes, cansaço, cabelos fracos, visão turva, Estou em pleno desenvolvimento de novas pes“formigamento vaginal”, insônia, debilidade quisas científicas e monografias, com um número muscular, unhas quebradiças, memória considerável de pacientes, para testar a abrangência fraca, cervicalgia, dor nas mãos. dos resultados, medidos por vários tipos de testes. A Acupuntura é uma excelente terapêutica inNo dia 11/08/2006, a paciente apresentava as tegral que atua diretamente em níveis complexos seguintes alterações: do funcionamento do ser vivo (psicológico, comportamental, biológico). A nossa “ciência ocidental” vem corroborando o que a “tradição oriental” já sabia: A Acupuntura, quando bem administrada, é: 1) terapêutica; 2) preventiva; 3) segura; 4) rápida; 5) eficaz; 6) com efeito duradouro e 7) de baixo custo financeiro.
ilizadas; de uso único. A) “Questionário de Saúde Geral” (QSG) - alterações patológicas em todos os fatores: 1. Stresse Psíquico; 2. Desejo de Morte; 3. Desconfiança no próprio desempenho; 4. Distúrbios do sono; 5. Distúrbios psicossomáticos e Saúde Geral;
BIBLIOGRAFIA
ALLEN, JJB; SCHNYER RN; HITT, SK. (1998). The efficacy of acupuncture in the treatment of major depression in women. Psichol Sci 9:397-401. CHO, Z.H.; Na, CS; WANG, EK; LEE, SH; HONG, IK. (2005). Imagem de ressonância magnética funcional do cérebro na investigação da Acupuntura. STUX, Gabriel.; HAMMERCHLAG, Richard. AcupunB) “Inventário Beck de Ansiedade” (BAI) - tura Clínica: Bases científicas. São Paulo: Manole. mostrava ansiedade grave (BAI=39); 93-106p. WORLD HEALTH ORGANIZATION [WHO] (2002). C) “Inventário Beck de Depressão” (BDI) - indi- Acupuncture: Review and analysis of reports on concava depressão grave (BDI=34); trolled clinical trials, WHO Geneva, (35 Swiss Francs). D) “Teste de Aferição do Desconforto” (TAD) AUTOR - apontou um “desconforto geral” em nível Este artigo foi publicado na europa (Lisboa, Portu“insuportável” (TAD=32). al) com a seguinte referência bibliográfica: Após 02 meses de tratamento com Acupuntura, na segunda avaliação, realizada no dia 13/10/2006, a paciente não apresentou mais nenhuma alteração patológica, comprovada pelo teste “QSG”. O “BAI” indicou uma ansiedade normal (BAI=06) e o “BDI” indicou “sem depressão” (BDI=00). O “Teste de Aferição do Desconforto” (TAD) apontou uma melhora geral no desconforto de 87,5% (TAD=04) e cura (100%) da dor temporal, dor nas mãos, cervicalgia, constipação, “formigamento vaginal” e insônia. Após o tratamento, Isabel se sentiu tão bem que, depois de mais de 30 anos sem estudar, resolveu começar o seu primeiro curso superior. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
SILVA, Alex Sandro Tavares da (2007). Acupuntura sem segredos: Tratamento natural, milenar & científico. Psi: Psicologia Actual (http://www.psicologiaactual.com), nº 10, janeiro, Lisboa, Portugal, nº10, 20 de janeiro, p. 86-90. Alex Sandro Tavares da Silva, Psicólogo (CRP 07/11807), psicoterapeuta, mestre em Psicologia pela “Universidade Federal do Rio Grande do Sul” (UFRGS), especializando em Acupuntura e Eletroacupuntura pelo “Colégio Brasileiro de Acupuntura” (CBA), editor da revista eletrônica “AcupunturaS”: http://acupunturas.cjb.net 21
PSICOPEDAGOGIA
ANOXIA PERINATA
segundos que decidem uma v
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AL
vida...
Em meados da década de oitenta, quando comecei a cogitar o assunto, fui vista como uma desequilibrada. Há cerca de dez anos, quando escolhi este tema para pesquisar e defender, fui até ridicularizada. No entanto, hoje a Neuropsicologia a cita como principal fator desencadeante dos distúrbios de aprendizagem e a Psicopedagogia também obrigase a aceitar a tese. Estou falando da Anoxia Perinatal, que não só pode causar diversos distúrbios de aprendizagem mas, em grau mais grave, causar limitrofia, autismo, paralisia cerebral e até a morte do recém-nascido. Anoxia é a ausência ou diminuição da oxigenação no cérebro e pode ocorrer por vários fatores: afogamento, enforcamento e, em graus mais leves, até numa crise de rinite, bronquite ou qualquer fator que provoque a ausência de respiração. No recém-nascido, ocorre por fatores durante o parto e, por isso, leva o “sobrenome” perinatal. Também conhecida como hipóxia ou anoxia neonatal, creio que o termo mais correto seja mesmo “anoxia perinatal”, pois significa ausência/diminuição da oxigenação cerebral durante o processo de nascimento. Seja qual for a denominação escolhida, o importante é conhecer suas possíveis causas e tentar evitá-la ao máximo. Em primeiro lugar, como o nome já diz, a anoxia ocorre durante o parto. Isso significa que também conta-se com o fator sorte, pois qualquer complicação neste momento, pode gerá-la. Mas, além disso, devese verificar os fatores que podem complicar o processo de expulsão do bebê, tornando o parto muito prolongado, por exemplo, ou im-
peçam a respiração normal da mãe e do bebê. Em vista disso, a futura mamãe deve cuidar-se desde as primeiras semanas da gestação, abandonando vícios (cigarros, bebidas alcoólicas, drogas em geral), buscando uma alimentação balanceada, que deve incluir frutas variadas, peixes como salmão, sardinha e verduras. Mas aqui vale uma curiosidade: os peixes citados são considerados gordurosos e devem ser consumidos com moderação e, quanto às verduras, algumas são apontadas como desencadeantes de crises de rinite alérgica, tais como chicória e escarola. Portanto, antes de estipular sua “dieta de gestante”, consulte um nutricionista ou outro profissional que possa orientá-la quanto a isso.
Anoxia é a ausência ou diminuição da oxigenação no cérebro... Apesar de não ser minha opinião pessoal, devo dizer que o melhor tipo de parto continua sendo o normal em diversas versões e posições, de acordo com a paciente, ambiente, etc. Para que seja bem tranqüilo, pode-se fazer (durante toda a gravidez), técnicas de relaxamento, dança, expressão corporal e até meditação. Estas técnicas poderão ser passadas à gestante por um bom Arteterapeuta. Mulheres com diabetes, hipertensão, anemia ou obesidade precisam de acompanhamento especial. E todas as gestantes, sem exceção, precisam fazer pré-natal, com visitas periódicas ao médico (ginecologista/obstetra), que acompanhará todo o processo de gestação. Seguindo todas as recomendações, certamente, o parto terá tudo para ser bem sucedido e será muito mais tranqüilo, se for feito pelo mesmo médico que orientou o pré-natal. AUTORA: Lou de Oliver Psicopedagoga e Terapeuta CRT: 36587 | RCE: 486/6 dralou@loudeolivier.com.br www.loudeolivier.com.br
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TEORIA JUNGUIANA
DIFERENÇA DO PENSAMENT
S
egundo C. G. Jung, em seu livro (O. C. vol. XI), faz um comentário a cerca da psicologia oriental. Explica que o Oriente não produziu algo de equivalente à nossa psicologia, mas apenas uma metafísica. Refere-se ao termo espírito no sentido em que é empregado no Oriente, possuidor de uma conotação metafísica. Já na versão Ocidental após a Idade Média, o termo espírito, refere-se a função psíquica pois nossa psicologia é uma ciência dos fenômenos puros sem implicações metafísicas de qualquer ordem. As experiências de forma empírica, são baseadas em observações. A abstração é ignorada pelo medo de que o interior possa revelar novos questionamentos. O Ocidente desenvolveu a nova enfermidade de um conflito entre a ciência e a religião, ao consentir que um órgão de fé, é quem capacita o homem a conhecer Deus. Tornando a filosofia crítica da ciência, como materialista. Mas esta matéria como símbolo, pode ser tanto um espírito como outra coisa ou mesmo Deus. Por outro lado, a crença religiosa não abandona sua concepção de mundo. Os crentes mantém-se em estado espiritual primitivo por motivos sentimentais. Acreditam e se sentem seguros com a proteção e vigilância de pais poderosos. A atitude de fé mostra como as pessoas sentem temor em abandonar a segurança da infância para se lançarem a um mundo estranho e desconhecido. Levando para dentro da clínica, há casos onde o sujeito teme o seu eu desconhecido. Teme entrar em contato com sua sombra, seus medos, desejos. Há uma grande resistência em olhar para dentro de si. Acaba por abandonar a terapia e não entrar em processo analítico. Temor de entrar em contanto com seu inconsciente. São pessoas puramente racionais que subestimam o que não é respondido pela consciência. Cada pensamento, sentimento e cada percepção são formados de imagens psíquicas, e o mundo só existe na medida em que formos capazes de produzir sua imagem. O homem precisa apenas tomar consciência de que está contido na sua própria psique. Para a psicologia ocidental, o espírito é uma função da psique. No Oriente, o espírito é um princípio cósmico, a existência do ser. No Ocidente, o espírito é a condição essencial para 28
o conhecimento e para a existência do mundo enquanto representação e idéia. No Oriente não existe um conflito entre ciência e religião, pois a ciência não se baseia apenas nos fatos e a religião não se baseia apenas na fé. O que existe é um conhecimento religioso e uma religião cognoscitiva. O homem é a única causa eficiente de sua própria evolução superior. Para os ocidentais o homem é pequeno e Deus é grandioso. No Oriente o homem é deus e se salva por si próprio. O homem ocidental não se deu conta de que a existência psíquica é a única que pode ser demonstrada diretamente. O que acaba por parecer é que este conhecimento é uma manifestação psicológica e não um pensamento filosófico. Trata-se da introversão e da extroversão. A introversão é o estilo do Oriente e a extroversão é do Ocidente. No ocidente a introversão é mal vista. Até como anomalia pode ser vista. E para os orientais, a extroversão é vista como ilusória e enganosa. A atitude introvertida não permite que o mundo dos sentidos interrompa sua ligação vital com o inconsciente. Nossa cultura ocidental designa sempre para fora. O homem cristão que freqüenta a igreja, está sempre em falta com Deus. Pede a esse outro poderoso e absolutamente perfeito, perdão por seus pecados, ajuda em problemas familiares. Não percebe que é sua psique quem se manifesta. É o movimento de fora para dentro e não de dentro para fora. É o outro poderoso quem resolve, quem ajuda. O homem cristão permanece infantilizado quando desloca suas responsabilidades para o de fora, Deus. Não se assume. No momento em que o cristão faz sua oração, é o momento de falar consigo mesmo. Falar com seu deus interior. Momento de introspecção. As reverências pelas imagens de santos e santas nada mais são do que imagens arquetípicas de nosso inconsciente coletivo. Nossa alma possui em si riquezas suficientes capazes de se desenvolver por conta sem o de fora, com ou sem a graça de Deus. É a partir de dentro que atingimos os valores orientais, procurá-los dentro de nós mesmos em nosso inconsciente. Quando se trata do nosso inRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
TO ORIENTAL E OCIDENTAL consciente, há um grande temor, gerador de muita resistência. Entrar em contato com nosso inconsciente para alguns é algo assombroso. O que é tão claro para os orientais, pomos em dúvida, ou seja; a capacidade de autolibertação própria da mentalidade introvertida. O homem ocidental ao tomar conhecimentos das técnicas orientais acaba por vezes tentando imitá-la ao tentar aprender. O que é importante, é buscar dentro de si, no seu inconsciente, uma postura introvertida que se assemelhe a filosofia oriental. Estados espirituais que transcendam a consciência, ou seja; a existência é capaz de estender-se além do estágio do eu. O que para nós ocidentais, o espírito é semelhante a consciência reflexa que é impensável sem o eu. Na religião ocidental, a idéia de autolibertação do espírito não é reconhecida. E o eu, é indispensável para o processo de conscientização. Ao praticar a ioga, se tem como finalidade alcançar um estado espiritual em que o eu se ache praticamente dissolvido. Seria se aproximar do inconsciente que se caracteriza pela unidade, indeterminação e intemporalidade. Aproximar-se do estado de nirvana, seu encontro com o Self. Pode-se ver na psicologia analítica, através de símbolos e imagens do inconsciente como nos sonhos, compensações em atitudes conscientes. Quando o inconsciente vem à tona, se revela o contraste com as idéias e sentimentos conscientes. O que em primeira instância é um conflito. E o conflito é o que impede de a psique chegar a uma melhor solução. Para nós ocidentais é o consciente quem decide sobre o inconsciente. Todo esse processo de uma construção do inconsciente para o consciente mediante o confronto de opostos é chamado de função transcendente. Todas as formas singulares provêm da unidade da matriz psíquica situadas no inconsciente. São os instintos, comportamentos herdados e intrínsecos do espírito Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
humano. O inconsciente é a matriz espiritual, pois é de onde as formas de pensamento nascem. No Oriente, o homem interior exerce poder sobre o homem exterior. O uno, que é o todo, está presente nesta introspecção. Enquanto no Ocidente, o homem exterior sempre esteve em primeiro plano. A indeterminação, a intemporal idade, o espírito único são ligados no Deus uno, tornando este homem pequeno e com leve consciência. Tratando-se dos dois pontos de vista percebese que ambos são unilaterias. E sendo assim, os opostos de condicionam reciprocamente, e que no fundo, constituem uma só e mesma coisa. Não é favorável ao oriental somente mergulhar em seu inconsciente, e também ao ocidental não estar aberto a retrair-se do mundo. Desta forma não surtem o efeito desejado. É necessário a união dos opostos. Ligar a introversão à extroversão com a ajuda da função transcendente. É difícil para algumas pessoas acreditarem na existência do inconsciente, pois parece que uma coisa só existe na medida que se tem consciência dela. Sob a forma de símbolos, conteúdos inconscientes atingem o campo da consciência como o processo de introversão para extroversão. A psicologia analítica funciona sob o processo semelhante ao do homem oriental. Através das imagens produzidas pelo inconsciente, com seu próprio tempo, se atinge a consciência onde se passa a ter maior compreensão de si próprio e de seu funcionamento no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JUNG, C.G. Psicologia e Religião Oriental-Obras Completas.vol. XI, ed. Vozes,1991.
AUTORA
Alline Alves de Souza - Psicóloga CRP 02/12583 Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Nível de Especializaçã-o em Teoria e Prática Junguiana pela Universidade Veiga de Almeida, Recife. e-mail: salline10@hotmail.com
CO-AUTORES
Estrella Bohadana e Alexandre Schimitt 29
PSICANÁLISE E ANTROPOLOGIA
APORTES TEÓRICOS DA PSICA
ENGENDRAMEN
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ANร LISE PARA SE REFLETIR O
NTO DA CULTURA
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F
reud, ao elaborar a teoria psicanalítica partindo das questões levantadas na clínica e na vida real e utilizando o saber médico da época, tinha em mente elucidar o processo de constituição e desenvolvimento do psiquismo individual sob a égide do inconsciente, sua principal descoberta. No entanto, o interesse pelo coletivo e sua constante preocupação com as origens sociais da individuação também se manifestam ao longo de sua obra, e parte significativa do que escreveu se destina a refletir sobre as conseqüências da descoberta do inconsciente na cena social. Se em Freud a necessidade de compreensão do coletivo se manifesta desde o princípio, é em Totem e tabu (FREUD, [1912-13]/1980) que ele expõe de maneira consistente os fatores cruciais e necessários para a compreensão da sociedade ocidental: a hipótese da horda e da morte do Pai primordial, o que culmina na interdição do incesto, a lei primordial, colocada na origem da estruturação individual e na gênese da organização sócio-cultural. Logo, Totem e tabu seria sua primeira tentativa de “(...) aplicar o ponto de vista e as descobertas da psicanálise a alguns problemas não solucionados da psicologia social (...)” (FREUD, [1912-13]/1980:17). A hipótese da horda primordial, suporte lógico da identificação com um ideal, merece ser reproduzida integralmente, uma vez que descreve com clareza a constituição do coletivo a partir do assassinato do Pai, que origina a proibição de matar e a proibição do incesto. Tal contexto se caracterizava pela presença de “(...) um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem. (...) Certo dia, os irmãos que tinham sido expulsos retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à horda patriarcal. Unidos, tiveram a coragem de fazê-lo e foram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível fazer individualmente. (...) O violento pai primevo fora sem dúvida o temido e invejado modelo de cada um do grupo de irmãos; e, pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força. (...). Odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se livrado dele, satisfeito o ódio e postos em prática os desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada estava fadada 32
a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de remorso. (...) o pai morto tornou-se mais forte do que o fora em vida (...). O que até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido pelos próprios filhos (...). Embora os irmãos se tivessem reunido para derrotar o pai, todos eram rivais uns dos outros em relação às mulheres. A nova organização terminaria numa luta de todos contra todos (...) Assim, os irmãos não tiveram outra alternativa, se queriam viver juntos, (...) do que instituir a lei contra o incesto, pela qual todos, de igual modo, renunciavam às mulheres que desejavam e que tinham sido o motivo principal para se livrarem do pai. Dessa maneira, salvaram a organização que os tornara fortes (...). Garantindo assim a vida uns dos outros, os irmãos estavam declarando que nenhum deles devia ser tratado por outro como o pai fora tratado por todos em conjunto” (FREUD, [1912-13]/1980:169-174).
o vínculo existente entre os membros de um grupo é fruto de uma identificação baseada numa importante qualidade emocional comum Os irmãos mataram o Pai e, a fim de transpor a rivalidade que se instaurou entre eles e garantir suas vidas, proibiram a morte e renunciaram ao desejo incestuoso. Neste processo, o Pai é, então, reconhecido, amado e idealizado. É preciso ressaltar que a idealização do Pai se dá após ter sido morto. Dessa forma, cada um dos irmãos renunciou a seu ideal de adquirir a posição do Pai para si e de ter a mãe. A infra-estrutura lógica do mito freudiano é o Pai real, o Pai tirano da horda primeva; aquele que desfruta de todas as mulheres, que reserva para si o Gozo e, por isso, permanece sem vínculos; aquele que goza e impede o Gozo aos filhos; que não é castrado, ou seja, é anterior à lei que enuncia a proibição. O Gozo sem limites do Pai tirano reflete sua onipotência e seu poder absoluto e desencadeia a inveja nos filhos. O Pai real, não castrado e ‘gozador’, situa o Gozo fora da lei, portanto, fora do discurso e da ordem simbólica, enfim, da cultura. As noções de Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
Pai real e de Gozo absoluto são construtos que visam uma aproximação do real. A época do mito da horda primeva é anterior ao tempo do mito de Édipo; é um tempo em que o Gozo é total porque não se distingue da lei. A partir da concepção do Pai primevo como único, torna-se possível pensar o assassinato do mesmo que, por sua vez, inaugura um tempo histórico, o tempo do mito de Édipo, a partir do qual Gozo e lei tornam-se distintos. O mito da horda primeva explica a transformação do Pai real em Pai simbólico, que encarna a lei da proibição do incesto. É preciso a intervenção do Pai simbólico, do Nome-do-Pai, segundo Lacan, para que o Gozo ilimitado se ordene: “(...) o assassinato do pai não abre a via para o Gozo que sua presença era suposta interditar, mas ele reforça sua interdição. (...) O obstáculo sendo exterminado sob a forma do assassinato, nem por isso o Gozo deixa de permanecer interditado, e ainda mais, essa interdição é reforçada” (LACAN, [1959]/1991:216). Com a instauração do veto ao incesto, todos os homens ficam castrados. Por intermédio da proibição do incesto e da conseqüente renúncia ao Gozo desmedido, todos passam a ter direito ao exercício da sexualidade, mas, de acordo com a regra comum. Se, por um lado, o Gozo do Outro é sem medida, por outro, o Gozo fálico é limitado, pois já é uma regulação, uma organização do Gozo absoluto. Enquanto a relação do desejo com o significante se dá, metonimicamente, através da cadeia significante, a relação do Gozo sem limites com o significante é de exclusão. De acordo com Miller, “(...) a suposta introjeção do supereu só encontra sua estrutura a partir da exclusão interna do Gozo em relação ao campo do simbólico” (MILLER, 1987:159-160). A exclusão interna do Gozo em relação ao significante é uma referência explícita ao Gozo ilimitado, uma vez que cabe ao significante capturar o que é do âmbito do Gozo limitado. Já o mito de Totem e tabu ([1913]/1980), além de ser uma referência básica ao conceito de função paterna, enuncia uma tese sobre a origem da sociedade e de suas instituições fundamentais. Com a hipótese do assassinato primordial, Freud tenta explicar a instauração da cultura por meio da proibição do incesto e seus efeitos inconscientes, assim como o laço social como determinado pela identificação recíproca dos irmãos, a partir da idealização do Pai. Em Psicologia das massas e análise do eu, Freud afirma que “(...) o grupo nos apareRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
ce como uma revivescência da horda primeva” (FREUD, [1921]/1980:156). Assim, ele deposita a essência do grupo no vínculo libidinal inibido em sua finalidade, responsável pelos laços duradouros entre os indivíduos. Para esclarecer a natureza dos elos que unem os membros do grupo, recorre à noção de identificação. Segundo ele, o vínculo existente entre os membros de um grupo é fruto de uma identificação baseada numa importante qualidade emocional comum, que reside no tipo de laço com o líder. A partir desses fatores, ele emite a fórmula para a constituição libidinal dos grupos, retomada aqui: “Um grupo primário (...) é um certo número de indivíduos que colocaram um só e mesmo objeto no lugar de seu ideal do eu e, consequentemente, se identificaram uns com os outros em seu eu” (FREUD, [1921]/1980:147). Nesse contexto, todos almejam o amor do líder e, só assim, podem vencer a hostilidade mútua. Esta é a situação delineada no mito do Pai primevo, criado por Freud em Totem e tabu, ou seja, os componentes do grupo se identificam uns com os outros a partir do elemento recalcado comum a todos.
a realização do incesto retiraria o ser humano da cultura Em O mal-estar na cultura ([1929]/1980) se, por um lado, Freud aponta como uma das tendências da cultura ampliar a unidade social através do ‘amor’, seja ele em sua forma direta, o amor sexual, ou em sua forma modificada, inibido em seu objetivo primário (o afeto), por outro lado, indica uma segunda tendência da cultura: restringir a satisfação das pulsões, tanto as sexuais quanto as agressivas. Por conseguinte, a restrição da pulsão sexual é traduzida, em última análise, pela proibição do incesto. Segundo Lacan, “o desejo pela mãe não poderia ser satisfeito, pois ele é o fim, o término, a abolição do mundo inteiro da demanda, que é o que estrutura mais profundamente o inconsciente do ser humano” (LACAN, [1959]/1991:87). Em outras palavras, a realização do incesto retiraria o ser humano da cultura. A inibição da pulsão destrutiva é, por sua vez, simbolizada pela proibição de matar e pela exigência ideal de ‘amar ao próximo como a si mesmo’, imperativo que funciona como freio à agressividade e que, por mais paradoxal que pa33
reça, decorre de um impulso mais temível que se traduz no desejo de destruir o próximo. Em Novas conferências introdutórias sobre psicanálise, Freud afirma que “(...) parece necessário que destruamos alguma outra coisa ou pessoa, a fim de não nos destruirmos a nós mesmos, a fim de nos protegermos contra a impulsão de autodestruição” (FREUD, [1932]/1980:132). Em outras palavras, a agressividade originária tem que ser satisfeita, para fora ou para dentro: ou se destrói o próximo, ou se destrói a si próprio. A agressividade, incluída num conjunto psíquico com o masoquismo originário, a pulsão de morte e o supereu, também constitui a base das relações de afeto e de amor entre as pessoas. Segundo Freud, “(...) essa característica indestrutível da natureza humana seguirá a cultura” (FREUD, [1929]/1980:136). Para melhor compreender a noção de agressividade (energia inerente à pulsão de morte) no contexto da segunda teoria das pulsões, urge remontar à evolução deste tema no pensamento freudiano.
O amor com uma finalidade inibida foi de fato, amor plenamente sensual, e ainda o é no inconsciente do homem No texto A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão ([1910]/1980), leal ao dualismo inicial que norteou seu pensamento, Freud distingue as pulsões sexuais, movidas pela libido, das pulsões de auto-conservação ou pulsões do eu, não-libidinais. No entanto, em Sobre o narcisismo: uma introdução (FREUD, 1914/1980), a partir das noções de libido objetal e libido narcísica, conclui que o eu é também investido libidinalmente, o que coloca a libido como a energia que move os dois estilos de pulsões. Em Além do princípio de prazer ([1920]/1980), Freud admite que, ao lado de Eros, que tende a preservar e ligar, existe Tânatos, que tende a destruir e matar. Estabelece assim um novo dualismo pulsional. De um lado, a pulsão de vida, que englobaria as pulsões sexuais e as pulsões do eu, que têm como energia a libido, de outro a pulsão de morte, onde afirma a independência da pulsão de destruição, mas 34
reluta em atribuir-lhe autonomia com relação à sexualidade. Essa relutância permanece no texto O problema econômico do masoquismo (FREUD, [1924]/1980), em que, apesar de afirmar a hipótese da existência de um masoquismo primário como certa, mantém este modo de masoquismo atado à libido: “Uma parte da pulsão [de destruição] é colocada diretamente a serviço da função sexual, onde tem um papel importante a desempenhar. Este é o sadismo propriamente dito. Outra porção não compartilha dessa transposição para fora; permanece dentro do organismo e, (...) lá fica libidinalmente presa” (FREUD, [1924]/1980:204). Assim, surge em Freud a questão: se é a libido a energia que move as pulsões sexuais e as pulsões do eu, qual é a energia que move a pulsão de morte? Esta questão só será respondida sem relutância dez anos depois, em O malestar na cultura (FREUD, [1929]/1980), quando Freud defende a autonomia da pulsão de morte ao se referir à destrutividade como a energia inerente a esta pulsão, tal como a libido é inerente à sexualidade e à pulsão de vida. Freud então prossegue sua análise do coletivo, já esboçada, sobretudo, em Totem e tabu e Psicologia das massas e análise do eu no sentido de comprovar que há uma conformidade quase completa entre o individual e o coletivo, e que o desenrolar da cultura constitui um processo comparável ao do desenvolvimento do indivíduo. Também de acordo com Lacan os desenvolvimentos da cultura e do sujeito seguem as mesmas linhas. Caracterizando tais processos, Freud emprega a metáfora da luta entre Eros e Tânatos e, no que se refere à cultura, afirma que o intuito desta batalha é ampliar a unidade social e restringir a satisfação das pulsões. Ao se referir aos fundamentos da vida comunitária, atribui a Eros e a Ananke (amor e necessidade, respectivamente) a origem da cultura. Eros, o mito do poder do amor que se esforça na busca de objetos no sentido de preservar a espécie, e Ananke que visa à preservação do indivíduo. Segundo ele: “O amor que fundou a família continua a operar na cultura, tanto em sua forma original, em que não renuncia à satisfação sexual direta, quanto em sua forma modificada, como afeição inibida em sua finalidade. Em cada uma delas, continua a realizar sua função de reunir consideráveis quantidades de pessoas, de um modo mais intensivo do que o que pode ser efetuaRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
do através do interesse pelo trabalho comum. (...) O amor com uma finalidade inibida foi de fato, amor plenamente sensual, e ainda o é no inconsciente do homem. (...) O amor genital conduz à formação de novas famílias, e o amor inibido em sua finalidade, a ‘amizades’ que se tornam valiosas, de um ponto de vista cultural, por fugirem a algumas das limitações do amor genital como, por exemplo, à sua exclusividade” (FREUD, [1929]/1980:123). Por outra mão, ainda neste artigo, Freud não mais resiste em atribuir à destrutividade, energia da pulsão de morte, seu quinhão na instauração cultural. Para ele, “(...) a inclinação para a agressão constitui, no homem, uma disposição pulsional original e auto-subsistente, e (...) que ela é o maior impedimento à cultura. (...) Essa pulsão agressiva é a derivada e a principal representante da pulsão de morte, que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do mundo” (FREUD, [1929]/1980:144). A agressividade originária dos seres humanos é o maior impedimento à cultura que exige, então, que o ser humano renuncie à satisfação das pulsões agressivas, assim como das pulsões sexuais. Freud, ao colocar em pauta a questão de como procede a cultura para inibir a agressividade que se lhe opõe, responde: “sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio eu” (FREUD, [1929]/1980:146), assim ele indica o surgimento do supereu, a tensão que se instaura entre este e o eu e o aparecimento do sentimento de culpa como resultado desta tensão. “Esse conflito é posto em ação tão logo os homens se defrontem com a tarefa de viverem juntos” (FREUD, [1929]/1980:156). Podemos concluir que em Freud “(...) o supereu é um dos nomes do inconsciente. O supereu é o nome eminente do inconsciente na medida em que o sujeito se apresenta ante si mesmo como dependendo radicalmente do inconsciente. (...) O supereu (...) é o inconsciente como lei. (...) se introduz na teoria para dar conta da coação que o inconsciente exerce sobre o sujeito (...)” (MILLER, 1987:136). Mas, se por um lado Freud sinaliza as semelhanças entre o processo de desenvolvimento do indivíduo e o processo civilizatório, por outro, ele assinala a distinção entre eles. No primeiro impera o princípio do prazer, em busca da felicidade, no entanto, em vista do desamparo e da dependência absoluta, no sentido da soRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
brevivência, o indivíduo precisa se integrar e se adaptar à comunidade. Para o autor, “(...) o desenvolvimento do indivíduo nos parece ser um produto da integração entre duas premências, a premência no sentido da felicidade, que geralmente chamamos de ‘egoísta’, e a premência no sentido da união com os outros da comunidade, que chamamos de ‘altruísta’. (...) No processo de desenvolvimento individual (...) a ênfase principal recai, sobretudo, na premência egoísta (ou a premência no sentido da felicidade), ao passo que a outra premência, a que pode ser descrita como ‘cultural’, geralmente se contenta com a função de impor restrições” (FREUD, [1929]/1980:165). No processo civilizatório, o que importa é a união entre os indivíduos, formando uma comunidade humana. O objetivo da felicidade egóica é relegado ao segundo plano. A felicidade do indivíduo é um valor desprezível do ponto de vista da cultura. Para Freud, “a felicidade (...) é algo essencialmente subjetivo” (FREUD, [1929]/1980:108). Em O mal-estar na cultura, Freud prossegue em raciocínio semelhante: “(...) o indivíduo humano participa do curso do desenvolvimento da humanidade, ao mesmo tempo em que persegue o seu próprio caminho na vida. (...) as duas premências, a que se volta para a felicidade pessoal e a que se dirige para a união com os outros seres humanos, devem lutar entre si em todo indivíduo, e assim também os dois processos de desenvolvimento, o individual e o cultural têm de colocar-se numa oposição hostil um para com o outro e disputar-se mutuamente a posse do terreno” (FREUD, [1929]/1980, pp. 165-166). Concluindo, não há como eliminar as pulsões agressivas. Pode-se, todavia, de acordo com Freud, minimizar seus efeitos contrapondo-lhe seu antagonista, Eros, no sentido de promover o estreitamento dos laços emocionais entre os indivíduos. Uma comunidade se institui pela força coercitiva da lei e pelos vínculos emocionais entre seus membros. A lei é a força coercitiva de uma comunidade. O que ocorre é a transmutação da violência individual para a violência social. Por sua vez, a união dos membros da comunidade, em torno de sentimentos e ideais comuns favorece o estabelecimento de laços emocionais (amorosos e sociais), que são também poderosa fonte da força social. Desse modo, compreende-se a importante contribuição da Psicanálise não somente para a clínica, mas também para a análise dos temas e questões sócio-culturais. 35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Freud, S. A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão. ([1910]/1980). Rio de Janeiro: Imago. 12 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) _____. Além do princípio de prazer. ([1920]/1980). Rio de Janeiro: Imago. 76 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) _____. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. ([1932]/1980). Rio de Janeiro, Imago. 210 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) _____. O mal-estar na cultura. ([1929]/1980). Rio de Janeiro: Imago. 100 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) _____. O problema econômico do masoquismo. ([1924]/1980). Rio de Janeiro: Imago. 18 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) _____. Psicologia das massas e análise do eu. ([1921]/1980). Rio de Janeiro: Imago. 94 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) _____. Sobre o narcisismo: uma introdução. ([1914]/1980). Rio de Janeiro: Imago. 38 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) _____. Totem e tabu. ([1912-13]/1980). Rio de Janeiro. Imago. 186 pp. (Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 3) Lacan, J. O seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. ([1959-60]/1991). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Miller, Jacques-Alain. (1987). Recorrido de Lacan. Buenos Aires: Manantial.
AUTOR
Marcel de Almeida Freitas Antropólogo, Mestre em Psicologia Social Professor do Depto. de Sociologia & Antropologia da UFMG 31.3446.2207 marleoni@yahoo.com.br Rua Ituverava, 42 | Belo Horizonte – MG - CEP 31130-590
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OS JOGOS VIOLENTOS COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL fonte: cs-nation
No início deste ano, a comercialização e distribuição dos jogos Counter-Strike e Everquest foi proibida no Brasil por um juiz da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, por considerar impróprio para os jogadores e/ou que estes contribuem com o crescente índice de violência nos grandes centros urbanos. Ainda não existe um consenso se jogos violentos podem ou não influenciar adolescentes e crianças. Na literatura aponta que a exposição, presença de estímulos violentos em games pode aumentar a probabilidade de comportamentos anti-sociais e agressivos em relação àquelas que não são submetidas ou às quais se esquivam de jogos violentos, ou não vêem filmes de violência. Comportamentos agressivos são aprendidos, adquirido por observação de um comportamento também agressivo. Particularmente não acredito que jogos sejam determinantes para o surgimento de comportamentos socialmente inadequados. Não podemos ser categóricos, afirmar que games violentos e agressivos geram indivíduos violentos e agressivos. Existem diversas variáveis na complexa história de vida do indivíduo que podem gerar comportamentos violentos, como por exemplo, a ausência de educação familiar, ausência paterna (do qual representa a lei), uso de substâncias psicoativas, rede de contatos, banalização da violência televisiva e do meio, filmes, games e principalmente o indivíduo que já tem uma pré-disposição de desvio de conduta. Se uma pessoa se comporta de forma agressiva, não podemos culpar os jogos violentos pelo individuo agir dessa forma. O que pode acontecer é o gamer se identificar com jogos da categoria, mas games por si só não são nocivos à saúde mental dos gamers. Obviamente que o contato excessivo com os games não é o ideal. Tem que ter limites. Acredito que um indivíduo que possa ter contato excessivo com jogos, ele terá maior predisposição de desenvolver uma dependência tecnológica, e por abstinência, pelo vício nos jogos pode se tornar um indivíduo violento, mas não pelo jogo em si. As habilidades que um indivíduo fã de jogos de guerra adquire no manuseio de um mouse, é
Na imagem, o cenário do jogo (CS) Counter Strike.
completamente diferente com a habilidade que esse individuo teria com uma arma de fogo. A contingência do presencial é completamente diferente do virtual, a ação reflexa de um “click” no mouse é diferente de se apertar um gatilho de uma arma real. Como citei acima, a pessoa pode ficar violenta por já terem uma pré-disposição à comportamentos patológicos. Li uma notícia que pretendem proibir CounterStrike por alguém ter criado cenários que simulam a favela do Rio de Janeiro e uma pequena parte da cidade de São Paulo. Quem criou os cenários não foi a empresa Eletronic Arts, e sim gamers, programadores, sem nenhum vínculo com a empresa responsável pelo jogo. O que esses programadores fizeram foi reproduzir o que acontece nas grandes metrópoles e o que vêem diariamente nos canais de notícias e reproduziram isso num game, assim como fazem filmes e documentários de caráter violento. Particularmente, interpreto esses cenários virtuais do Counter-Strike (CS), uma forma lúdica do qual alguém, inserido num contexto social vê e interpreta o mundo a qual vivemos.
AUTOR: Márcio Roberto Regis CRP 08/10156 Psicólogo Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade Tuiuti do Paraná, com ênfase em Psicologia e Tecnologia. e-mail: atlaspsico@atlaspsico.com.br | sites: viciostecnologicos.atlaspsico.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 07 | abril 2008
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