Revista_ATLASPSICO_08

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ATLASPSICO

SEXUALIDADE

Amor ou Amores A construção de uma relação

PSIQUIATRIA

25% da população mundial sofre de algum transtorno de ansiedade

COMPORTAMENTO NO TRÂNSITO

NÚMERO 08 | JUNHO 2008

A Revista do psicólogo

Fiscalização Eletrônica: Uma opção pela vida

A influência dos aspectos psicológicos na adesão ao tratamento

CÂNCER


EXPEDIENTE REVISTA ATLASPSICO

EDIÇÃO DE JUNHO 2008 Brasil – Curitiba – Paraná EDITOR-CHEFE Márcio Roberto Regis (CRP 08/10156) AGRADECIMENTOS AOS PROFISSIONAIS COLABORADORES... Ana Paula Topan Junqueira (Estudante de Jornalismo UTP) Graça Moura (Psicóloga) Jeovana Scopel Picheti (Psicóloga) Viviane Marcon Duarte (Psicóloga) Maria Audea de Lima e Sousa (Jornalista) João Taborda (Sexólogo) Ana Sofia Vicente Pereira (Sexóloga) Marcus Antonio Britto de Fleury Junior (Psicólogo) Marcello Rocha Miranda (Psiquiatra) Márcio Roberto Regis (Psicólogo) DIREÇÃO DE ARTE E DIAGRAMAÇÃO Márcio Roberto Regis COMISSÃO AVALIADORA Márcio Roberto Regis SEJA UM COLABORADOR Encaminhe seu artigo para o email editorial@atlaspsico.com.br Um projeto do Portal de Psicologia ATLASPSICO www.atlaspsico.com.br | revista.atlaspsico.com.br Revista ATLASPSICO é uma publicação bimestral. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. O uso de imagens e trechos dos textos somente podem ser reproduzidos com o consentimento formal do editor.

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ÍNDICE

ENTREVISTA

El@s invadem a Internet

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A Revista do Psicólogo

ATLASPSICO número 08 | junho 2008

REFLEXÃO

Escolhendo e aprendendo

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MATÉRIA DE CAPA

CÂNCER: A influência dos aspectos psicológicos na adesão ao tratamento

PSIQUIATRIA

25% da população mundial sofrer de algum tipo de transtorno de ansiedade

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TRÂNSITO

Fiscalização eletrônica: uma opção pela vida

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PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

SEXOLOGIA

Recrutamento e Seleção de empresas

Amor ou amores

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COMPORTAMENTO

Os tempos de uma sobriedade punitva

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EDITORIAL Caros Leitores, Nesta edição, as psicólogas Jeovana Scopel Picheti e Viviane Marcon Duarte autoras do artigo de capa “Câncer e a influência dos aspectos psicológicos na adesão ao tratamento” descrevem um brilhante trabalho de observação e análise comportamental de pessoas que buscavam ajuda no tratamento do câncer na AAPECAN (Associação de Apoio a Pessoas com Câncer), localizado na cidade de Caxias do Sul – RS. As Autoras Jeovana e Viviane explicam detalhes sobre os estágios de transição ao receber seu diagnóstico da doença. O que acontece nesse momento? A pessoa aceita normalmente? Será que a doença tem algum significado para essas pessoas vitimas do câncer? O que o psicólogo/a precisa saber ao atender essa demanda em hospitais, clínicas e consultórios? É o que vamos acompanhar nas próximas páginas! Boa leitura! Márcio Roberto Regis | CRP 08.10156 | Editor ATLASPSICO

CARTA DO COLABORADOR DA REVISTA ATLASPSICO Meu distinto e prezado Márcio, É com muita satisfação que, na data de ontem, avistei o lindo trabalho ao qual você e sua competente equipe transformaram a matéria que escrevi em algo com destaque ímpar. Claro que diante de tão elevada qualidade, tenho repassado o site para meus analisandos, colegas de profissão e amigos. Creio no poder da informação para que as pessoas possam compreender o que se passa no universo maravilhoso, mesmo que sórdido por inúmeras vezes, uma projeção daquilo chamado “céu e inferno”. Entretanto, torna-se maravilhoso observar o brilho que se destaca nos olhos das pessoas quando se deparam com o “REAL, com o SIMBOLICO e com o IMAGINÁRIO. Informação remete a compressão dos fenômenos psíquicos e gera reesignificação e insigths. Ah, isso é maravilhoso! Meus queridos colegas envolvidos nesse belo trabalho, sob a maestria de Márcio cumprimeto-os por acreditarem nas iniciativas, nos sonhos e na vontade em realizar, em fazer diferença em relação àquilo que outrora parecia estar na sala de velório: A CIÊNCIA. DESPERTEMOS A CIÊNCIA, ENTÃO ACORDAREMOS O HOMEM. Abraços! Marcus Antonio Britto de Fleury Júnior (CRP 09/4575) ateliedeinteligencia@gmail.com | 01/abril/2008

COLABORADORES ATLASPSICO Interessados em colaborar com artigos científicos à Revista ATLASPSICO, devem encaminhar o documento em anexo para o email editorial@atlaspsico.com.br Todos os trabalhos serão muito bem-vindos e valorizados! Obrigado à todos os Autores pela colaboracao e pela ajuda em manter a qualidade ímpar desta revista! Equipe ATLASPSICO


DICAS PARA APROVEITAR MELHOR SUA REVISTA ATLASPSICO! Para visualizar sua revista eletrônica de Psicologia ATLASPSICO em página dupla no no software ADOBE READER versão 8, clique no icone conforme demontrado na figura abaixo. Se mesmo realizando esses procedimentos e a Revista ATLASPSICO não ficar adequadamente configurada, siga os seguintes passos conforme a segunda imagem abaixo: no menu, clique em Visualizar, vá em Exibição da Página e em seguida clique nas três últimas opções: Duas ou mais contínuas; Mostrar espaços entre páginas; Mostrar página da capa com duas páginas ou mais. Caso você utilize uma versão menos atual, como por exemplo, as versões 7 ou inferiores, o procedimento tambem é simples: clique no menu Visualizar, em seguinda Layout da página e depois clique em continuo-frente. Prontinho! Boa leitura! OBS: para mais zoom na tela, pressione as teclas CTRL + (+) ou CTRL + (-) para menos zoom.

Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 08 | junho 2008

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ENTREVISTA por Ana Paula Topan Junqueira

EL@S INVADEM A INTERNET

Uma pesquisa realizada recentemente pelo Ibope/NetRatings, apontou que somente em janeiro deste ano, as mulheres já somavam mais de 10 milhões de internautas só no Brasil, ou seja, 48,9% destes. Foram 19 encontros maneira barata e simples, realizados off line em um já que não há necessidade ano, ou seja, quase dois de sair a barzinhos e deles por mês e nove transas gastar mais. “As relações consumadas. “Ariane”, humanas adaptam-se com 37 anos, nome fictício da a chegada dessa e outras entrevistada que preferiu tecnologias que existem não se identificar, garantiu ou existirão. Quanto mais que, apesar do perigo, tudo pessoas aderirem à internet, pode rolar num encontro mais irão se relacionar real iniciado pela internet. virtualmente. Atrás da tela Uma pesquisa realizada do PC permite a pessoa recentemente pelo Ibope/ se esconder, permanecer NetRatings, apontou no anonimato, realizar que somente em janeiro fantasias e fetiches”, deste ano, as mulheres explica. já somavam mais de 10 Foi o caso de ‘Ariane’. milhões de internautas só “Era um domingo de no Brasil, ou seja, 48,9% Páscoa quando acessei destes. Revelou ainda que um site de relacionamento se comparado ao mesmo pela primeira vez, e isso período de anos anteriores, aconteceu, porque uma o número delas na rede amiga minha foi em casa e mundial de computadores disse que havia conhecido cresceu 55,2%. vários caras legais pela Por se tratar de um As mulheres já somavam mais internet. Como estou há meio de fácil acesso, que de 10 milhões de internautas só algum tempo sozinha, pode ser realizado em casa decidi entrar para ver se ou no próprio trabalho, os no Brasil. encontrava alguém que sites de relacionamento estivesse afim de uma são apontados como um dos mais procurados pelas relação séria. Mas já adianto que a maioria foram mulheres. As salas de bate-papo ficam lotadas, e a só frustrações”, desabafou. disputa pela atenção de um pretendente aumenta. O bate-papo vai super-bem, trocam fotos, Mas, por que as salas de bate-papo causam tanto descobrem interesses em comum, trocam juras de frisson? amor já nas primeiras horas, dias ou semanas e “Os sites de relacionamento proporcionam para logo resolvem se conhecer. Marcam de sair juntos, ambos os sexos, explorarem profiles e comunidades e, quando se encontram, vem a famosa frustração. por interesses em comum em busca da cara- O problema está na busca pelo parceiro perfeito e metade”, afirma o especialista em Psicologia Clínica ideal. Para o especialista, o ser perfeito não existe, Comportamental e editor do site Portal Atlaspsico, e conscientizar-se disso, é o primeiro passo na luta Márcio Roberto Regis. contra a frustração. “Quando entro no bate-bate, Uma infinidade de salas de bate-bapo está à estou à procura de homens altos, que gostam de disposição dos internautas, que em um click, decidem se cuidar, que tenha uma vida independente e que com qual faixa etária ‘supostamente’ querem tenha as mãos bonitas. Mas muitas vezes, não é conhecer e conversar. Para o psicólogo, a internet é nada disso que acontece quando encontro a pessoa um meio facilitador para se conhecer novas pessoas ao vivo. Já me encontrei com um moço manco, e manter um canal de comunicação aberto de um gordo, homem de dedo pequeno. Eles mentem

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muito. Enfim... ainda não deu certo. E o pior, Mas, cuidado! Além de salientar que a segurança aqueles das quais eu mais me interesso, descubro é sempre fundamental, é válido lembrar que salas depois que são casados”, disse, em meio a um olhar de bate-papo também podem viciar. “Quem utiliza triste, ‘Ariane’. softwares de mensagens instantâneas com muita freqüência e tem muitos amigos virtuais tem maior De acordo com o psicólogo, isso acontece probabilidade de se tornar viciado em softwares porque o internauta não tecla com a pessoa real e de bate-papo. Os amigos virtuais servem como sim com o imaginário. “As pessoas se apaixonam co-dependentes, reforçando-os uns aos outros e pela fantasia, pelo ideal que constroem do outro mantendo-os o comportamento de uso abusivo e não pelo que é de fato. Apenas no encontro da internet. Ficar horas online e ter mais amigos presencial é que a pessoa poderá ter acesso aos virtuais do que na vida offline pode representar desenhos do rosto do outro com maior precisão, um alerta, um sinal amarelo para um possível vício ouvir a voz da pessoa, o contato, o cheiro e até tecnológico, conhecido hoje por tecnoses”, esclarece mesmo a dinâmica da conversa. Os assuntos serão o especialista. E frases como: “eu não tenho medo, outros”, lembra ele. ele não faria nada comigo, conheço ele!” remetem ‘Ariane’ garante que até agora não achou a a tiros no escuro. Por isso, é sempre bom avisar pessoa certa. “De todos os encontros, tentei uns alguém de onde e quando vai se encontrar com a três namoros, mas infelizmente nenhum deu certo. pessoa escolhida. “A tecnologia não deve ser apenas O que mais durou foram três meses, mas não existiu a única, e sim mais uma forma de relacionar-se afinidade e terminamos”, contou a internauta. com outras pessoas”, afirma o profissional.

AMOR AO PRIMEIRO CLICK O que era para ser apenas uma curiosidade rendeu um casamento para a professora Márcia, 37 anos. Minutos após entrar numa sala do Rio de Janeiro, idade de 30 a 40 anos, conheceu àquele que iria tornar-se marido. “Ele estava com o nick DBOBEIRA, achei estranho, mas ele puxou papo e perguntou como eu era. Falei que eu era feia, gorda, baixinha com cabelo ruim e a cara cheia de espinhas. Ele falou que tudo bem, pois estávamos longe mesmo, e assim, começamos a conversar informalmente todos os dias num horário combinado. Após algum tempo de conversa, ele me mandou uma foto, que eu amei! Mas fiquei com medo de enviar uma minha, afinal, eu não o conhecia pessoalmente e ainda não estava separada legalmente. Quando mandei a minha foto, após 15 dias de conversa, ele não acreditou que eu era eu... E assim fomos conversando todos os dias durante uns três meses, até marcarmos nosso primeiro encontro. Ele veio para Curitiba, viajou a noite inteira e nos conhecemos num motel. Foi um tiro no escuro, pois podíamos não gostar um do outro, mas pela afinidade que tínhamos, parecia que nos conhecíamos há anos. Depois eu fui para o Rio conhecer onde ele morava e viajamos juntos. Lembro até em uma viagem que fomos para a Argentina, antes de casarmos, que eu bati o carro dele e acabei com a viagem. Acho que ele realmente me ama. (risos) Namoramos durante cinco anos, até que neste ano, juntamos as escovas. Posso dizer que minha história foi um conto de fadas, amor à primeira vista, ou melhor, ao primeiro click no bate-papo”.

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TECNOSES

Ficar na internet o dia todo em sites de batepapo e deixar suas obrigações em segundo plano podem ser considerados uma doença. São os vícios tecnológicos. Aqui no Brasil, estes começam a pipocar nos consultórios e em divulgação de matérias na mídia alertando sobre o assunto. Os próprios os pais de internautas têm dificuldades de saber se estes estão viciados em jogos eletrônicos, em bate-papo virtual, etc ou se precisam de ajuda. Ao contrario das dependências químicas, aonde a única saída é a abstinência, nas tecnoses não é tirar o computador da vida da pessoa, e sim ensiná-

la a utilizar a internet, o PC de forma adequada. É necessário estabelecer limites, tempo de uso diário para não depender e viciar completamente da internet ou equipamentos tecnológicos. Não é o computador que faz a pessoa dependente, mas sim o internauta que já apresenta traços obsessivos compulsivos, o famoso TOC. Os jogos online/offline, salas de bate-papo, entre outros softwares interativos são extremamente atrativos e fascinante. Pode viciar com facilidade incrível. Muitos deixam de comer, de tomar banho, deixam de sair com amigos ou familiares para ficar mais tempo conectado à internet.

FIQUE DE OLHO! » Respeito mútuo em sites relacionamento é fundamental.

de

» Esteja ciente de que alguém prontinho para você não está em nenhum lugar do mundo. As relações amorosas ou flertes virtuais devem ser construídas e lapidadas como na vida real. » Se um flerte virtual despertou seu interesse e querem marcar encontros no presencial, sempre faça o primeiro contato offline em lugares bem movimentados. Se possível, comente com alguém ou se preferir, vá acompanhada de uma amiga.

Respeito mútuo em sites de relacionamento é fundamental.

» Evite fornecer muitas informações sobre onde mora, local de trabalho, etc. Conheça a pessoa aos poucos. » Procure responder as mensagens o mais breve possível. Deixar a pessoa esperando sua resposta por minutos pode significar que você não está muito interessada na conversa e, conseqüentemente, a desistência do bate-papo. Se estiver ocupada, atarefada, avise. Seja clara. » Evite escrever frases longas por mensagem, que fazem a pessoa do outro lado esperar por longo tempo. Quanto menor forem as frases por mensagem, mais dinâmica será a conversa. » Responda e-mails no prazo máximo de 48 horas. Lembre-se que quando se faz parte da cibercultura o único meio de comunicação é o bom e velho e-mail. Não respondê-los é falta de educação e respeito. Se for um flerte virtual, caso não responda aos e-mails ou demore muito, pode significar pouco interesse na pessoa. Isso serve também para as mensagens instantâneas: Nesse caso é melhor não insistir e partir pra outra ou desligar o computador e ir dar uma volta. Entrevista à estudante de jornalismo Ana Paula Topan Junqueira do Jornal Laboratório da Universidade Tuiuti do Paraná e à disciplina Redação Jornalística IV. 18.04.2008. Curitiba - Paraná. Outras informações no blog jornallaboratorioonlineutp.blogspot.com 8

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REFLEXÃO

ESCOLHENDO E APRENDENDO por Graça Moura

Nunca acreditei que a vida, em si, ensinasse alguma coisa a alguém! Acredito sim, e já faz muito tempo, que cada pessoa, por ser efetivamente a dona e o dono do leme de sua existência, pode decidir, e, se quiser, escolher, a cada dia aprender... inclusive, a ser feliz! A certeza que tenho é que a cada hora, as lições são naturalmente oferecidas, para serem aprendidas, pelos que decidirem que vale a pena o aprendizado... As perdas, sejam afetivas ou financeiras, ensinam... tristezas ensinam, ofensas ensinam, os medos ensinam, os fracassos ensinam, até aborrecimentos (pasmem) ensinam... É você quem decide, quem escolhe, afundar-se e sucumbir com eles, ou deles tirar proveito, aprendendo as grandes lições e tocando o barco, sem perder o prumo. As possibilidades e as impossibilidades estão à disposição de todos os seres humanos, indistintamente... Deus vai continuar deixando à disposição de todos os filhos, o LIVRE ARBÍTRIO... o direito de escolher aprender com adversidades e continuar vivo... e feliz, ou desperdiçar as oportunidades de aprender... e tornar-se um mortovivo, que não consegue levar a vida, deixando-se, num ato insano de comodismo, ser levado por ela...

Se tudo depende de escolha, é claro que podemos nós, em prol de nós mesmos, dos que conosco convivem e por extensão da humanidade, fazer escolhas saudáveis, e mesmo em meio às guerras e tiroteios, escolher construir uma cultura de paz! Se inevitáveis são as ofensas, as tristezas, os fracassos, as perdas, as dores (algumas delas, inclusive, absolutamente legítimas) e os aborrecimentos, porque não optar pelo aprendizado, através deles? Acredito, embora pense que pudesse ser diferente, que aprender (inclusive a amar e a viver melhor), pode acontecer através da própria dor! Penso que compreensão é palavra de ordem para esse aprendizado... Desaprender algumas lições horrorosas que infelizes e equivocados seres insistem em ensinar, faz-se também necessário... Agora é preciso decidir, escolher tornar-se um ser humano melhor, ser GENTE, enfim! Gente que aprende lições a cada dia... Tem alguém aí que já aprendeu tudo?

As perdas, sejam afetivas ou financeiras, ensinam... AUTORA

Graça Moura CRP 11/03068 Psicóloga formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Autora do projeto Terapia do Riso. Presta serviço ao Sebrae-PI na área de Educação/Treinamento/Desesenvolvimento, ministrando regularmente palestras e cursos nas áreas comportamental e de desenvolvimento gerencial. gracamoura4@hotmail.com

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MATÉRIA DE CAPA

CÂNCER por Jeovana Scopel Picheti | Viviane Marcon Duarte

A influência dos aspectos psicológicos na adesão ao tratamento

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INTRODUÇÃO

O

presente trabalho surgiu como fruto da observação e análise do comportamento de um grupo de pessoas em tratamento do câncer que buscava auxílio na AAPECAN (Associação de Apoio a Pessoas com Câncer). A AAPECAN - Associação civil de direito privado, sem fins lucrativos – Organização Não Governamental (ONG) criada de acordo com a Lei Federal nº. 9790, com a “missão de dar apoio e assistência às pessoas portadoras de câncer e seus familiares de forma gratuita. Tem por finalidade atender as pessoas portadoras dos mais diversos tipos de câncer, visando dar uma melhor qualidade de vida aos pacientes, fornecer assistência e apoio humano-emocional às pessoas adultas, jovens e crianças portadoras de câncer, bem como assistência e apoio financeiro-material aos pacientes comprovadamente carentes, orientar sobre recursos existentes na comunidade e seus direitos, viabilizar benefícios da previdência social, PIS/PASEP, FGTS; oferecer orientação jurídica; e integrar os pacientes na sociedade”. O trabalho da AAPECAN vem se expandindo, desenvolvendo-se hoje em seis unidades: Caxias do Sul, Santa Maria, Santa Cruz, Pelotas, Bento Gonçalves e Farroupilha, com um núcleo em Lageado. Com vistas ao seu aprimoramento, buscase uma integração entre as unidades, bem como a uniformidade no atendimento. Percebendo a maneira como os usuários lidavam com seu tratamento, surgiu o interesse em investigar sobre as fases que o sujeito enfrenta ao receber o diagnóstico de câncer, bem como se alguma das tais fases exerce influência ou não na aderência ao tratamento. Para a realização da atividade, primeiramente elaborou-se um ficha (em anexo) para cadastro dos pacientes, contendo dados relevantes à pesquisa. Centrou-se na idade, sexo, tipo de câncer e tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento. Após o preenchimento desta ficha, baseado nos dados contidos no Banco de Dados da AAPECAN, fez-se o levantamento e análise dos mesmos. Sendo assim, partiu-se para um trabalho de pesquisa cujo objetivo principal era obter respostas que refletissem os sentimentos e comportamentos do sujeito frente à descoberta do câncer, enfatizando aspectos psicológicos e emocionais do paciente. O método utilizado foi o clínico, que procura valorizar o achado individual e que, mais do que explicar o comportamento do doente, tenta compreendê-lo. É um método que se baseia em

concepções mais amplas, que não aceitam que o indivíduo seja estudado fragmentariamente, mas postulam que seja visto de uma forma global, na qual todas as partes são referidas a um todo. Também se utilizou esse método porque não havia a preocupação de quantificar resultados, mas sim o objetivo de estudar o indivíduo qualitativamente. Ao todo, participaram do estudo duzentas e noventa e oito (298) pessoas com idade entre nove (9) meses e noventa e um (91) anos. Cento e sessenta e cinco (165) do sexo feminino e cento e trinta e três (133) do sexo masculino.

CÂNCER

“O câncer pode roubar-lhe aquela alegre ignorância que uma vez o levou a acreditar que o amanhã se estenderia para sempre. Cada dia é um dom precioso para ser usado sábia e eternamente”. (Angerami – Camom, 2004) Segundo conceito do INCA, “câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores (acúmulo de células cancerosas) ou neoplasias malignas. Por outro lado, um tumor benigno significa simplesmente uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham ao seu tecido original, raramente constituindo um risco de vida. Os diferentes tipos de câncer correspondem aos vários tipos de células do corpo. Por exemplo, existem diversos tipos de câncer de pele porque a pele é formada de mais de um tipo de célula. Se o câncer tem início em tecidos epiteliais como pele ou mucosas ele é denominado carcinoma. Se começa em tecidos conjuntivos como osso, músculo ou cartilagem é chamado de sarcoma. Outras características que diferenciam os diversos tipos de câncer entre si são a velocidade de multiplicação das células e a capacidade de invadir tecidos e órgãos vizinhos ou distantes (metástases)”. Hoje, o câncer é visto como uma doença crônica que suscita no paciente e na família, demandas específicas e mutáveis a respeito do enfrentamento da doença.

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o câncer de mama é provavelmente o mais temido pelas mulheres Segundo Angerami-Camon (2004), “(...) existem doentes e não doenças, (...) as doenças evoluem para a cura, para a cronicidade ou para a morte, (...) a história de vida do individuo é fator muito importante no aparecimento e na patogenia das doenças, e os estados emocionais vivenciados ou imaginados e sentidos como verdadeiros atuam nos pacientes e produzem modificações biológicas, funcionais e orgânicas”. Sendo assim, devemos nos preocupar e aprofundar na interação entre soma e psique, buscando a sua influência mutua. “O ser humano adoece sempre como uma totalidade e então o câncer tem um significado dentro da historia pessoal do paciente e, muitas vezes, se constitui na única maneira suportável de viver por ser mais acessível às deficiências adaptativas do individuo”. (Angerami-Camon, 2004: 78, 79).

UM RECORTE DESTA POPULAÇÃO

Feito o levantamento dos dados que obtivemos através da ficha de cadastro de usuários, pudemos constatar que entre os sujeitos que procuraram atendimento na AAPECAN, na sua maioria foram mulheres (165), sendo que o tipo de câncer com maior incidência foi o de mama. Em função destes dados, nos detivemos nesta modalidade.

O câncer de mama

De acordo com o INCA, “o câncer de mama é provavelmente o mais temido pelas mulheres, devido à sua alta freqüência e sobretudo pelos seus efeitos psicológicos, que afetam a percepção da sexualidade e a própria imagem pessoal. Ele é relativamente raro antes dos 35 anos de idade, mas acima desta faixa etária sua incidência cresce rápida e progressivamente. Este tipo de câncer representa nos países ocidentais uma das principais causas de morte em mulheres. As estatísticas indicam o aumento de sua freqüência tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nas décadas de 60 e 70 registrou-se um aumento de 10 vezes nas taxas de incidência ajustadas por idade nos Registros de Câncer de Base Populacional de diversos continentes. Com base nestas informações, a neoplasia da mama é a maior causa de óbito entre as mulheres. 12

Ao receber o diagnóstico de câncer de mama, a mulher enfrenta um período difícil de sua vida, vivenciando algumas etapas. Na primeira delas, precisa lidar com o estigma que a palavra “câncer” tem em nossa sociedade. Percebemos isso claramente, observando que as pessoas não pronunciam esta palavra pelo fato de acharem que isso, por si só, atrairia a doença. Se referem a ela como “aquela doença” ou “aquilo”. Da mesma forma que o doente é visto como “o coitadinho”. Na segunda, realizar um tratamento longo e muitas vezes, agressivo, sofrendo com a retirada parcial ou total da mama e, na terceira, reformular o seu conceito de imagem corporal buscando aceitar suas modificações. Geralmente, a primeira reação da mulher que se descobre com câncer de mama é o desespero: "Estou com câncer, vou morrer!". A percepção real de finitude da vida é sentida e daí o impacto emocional. As mulheres entrevistadas em sua maioria procuraram tratamento e ajuda imediata, apenas uma permaneceu no "estigma" de cuidadora, e depois que o seu pai faleceu é que se permitiu cuidar de si mesma. Neste processo, a mulher precisa de apoio familiar para manter certa estabilidade na luta contra a doença. Encontrando este apoio às suas carências emocionais, tem maiores chances de aceitar e buscar orientação. Assim como a família sofre com a noticia – sendo influenciada por ela – a mulher também pode ser influenciada pelo aspecto positivo do seu meio. Uma de nossas entrevistadas verbalizou que "Sem o apoio da família, não acontece", se referindo a importância do apoio da família neste momento tão delicado em sua vida. De acordo com Bervian e Girardon-Perlini (2006), “do ponto de vista das famílias, entendemos que o câncer da mama e, por conseguinte, a mastectomia causam uma situação de desorganização entre os membros, sendo que com o passar do tempo (e este é diferente para cada indivíduo) a situação vai sendo processada, enfrentada e elaborada, possibilitando à família reorganizar-se, talvez em moldes distintos do anterior ao adoecimento, mas reconstituindo-se com base nas novas experiências e nos velhos laços que os uniam e os aproximavam, ou até não”. Este impacto emocional está relacionado ao medo do desconhecido que envolve a doença, a

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perspectiva de sofrimento e também o medo da morte. Não podemos deixar de considerar que a mama representa para a mulher feminilidade, sexualidade e maternidade. “O câncer de mama e seu tratamento constituem-se em traumas psicológicos para a maioria das mulheres. A danificação da mama, símbolo do corpo carregado de sensualidade, altera a auto-imagem feminina, gerando sentimentos de inferioridade e rejeição. Muitas mulheres sentem-se envergonhadas, mutiladas e sexualmente repulsivas, o que interfere em sua vida afetiva e sexual. Além disso, os tratamentos complementares como a radioterapia e a quimioterapia também provocam distúrbios na identidade feminina, pois podem acarretar em aumento de peso e calvície, entre outros sintomas”. (Carvalho in Quintana, 1999). Com relação a esta representação que a mama tem para a feminilidade, uma das mulheres entrevistadas colocou, ao ser questionada sobre o que havia mudado em sua vida, que foi "a questão da sexualidade", que ela se permite hoje em dia se sentir mulher, que "gostaria de ter outro homem, para ver como é", mas ao mesmo tempo tem vergonha em função da cirurgia. A mudança corporal trás consigo alterações mais sutis que interferem diretamente na autoestima da mulher. A depressão é muito comum em mulheres mastectomizadas, fato atribuído à alteração física decorrente da cirurgia. São comuns também a raiva com relação à doença, angústia, mecanismos de negação, medo e fantasias de morte. Com relação a questão da negação uma das mulheres respondeu que para ela o câncer significou "apenas mais um probleminha". E outra disse que "dentro de si, sabia que tinha (câncer), mas não aceitava."

O perfil destas mulheres

Durante a investigação, algumas questões nos inquietaram: Porque algumas pessoas adoecem? Porque a mesma enfermidade evolui de forma tão diferente nas pessoas? E, em especial nesta população atingida, porque algumas mulheres enfrentam a doença de forma a reagir enquanto outras parecem não poder se defender do câncer? A ligação mente-corpo e sua conseqüente interdependência, já é entendida hoje. Neste ponto, pensamos que, enquanto a enfermidade física é

tratada pelos médicos e seus tratamentos, pensar na influência do psiquismo, é pensar em cuidar de si mesmo, assumindo responsabilidades no surgimento e também na sua evolução. “Hay (1999) relata que o câncer de mama ocorre geralmente em mulheres que têm dificuldade de dizer não, que priorizam a vida e os problemas de seus entes queridos e se colocam em último lugar, sempre tentando agradar. As mamas representam a alimentação, e um câncer de mama significa que estas mulheres parecem alimentar todos em seus mundos, menos elas próprias. Têm dificuldades de dizer não, estão sempre atendendo os pedidos dos que a cercam, mesmo sem vontade - elas deixam de ouvir suas vontades, sabedoria interior e se desconectam de si, deixando de alimentarse. É comum que tenham sido educadas por pais dominadores, que usavam de culpa e manipulação para impor disciplina. Não que o passado tenha tanto poder sobre o destino destas mulheres; o poder para a mudança está no tempo presente. Mas a aprendizagem e a manutenção deste padrão de comportamento é que causa a doença. Tendese a tomar decisões considerando apenas um ponto de vista, particular e específico, da situação - mas este ponto de vista pode ser mudado, a situação pode ser enxergada de outra maneira, de acordo com o conhecimento que se adquire e com os pensamentos que se cultiva. Reformular a situação e definir novos rumos - e o principal deles é entrar em contato com a sabedoria interior, ouvir a intuição e os sinais apresentados, trabalhar novos pensamentos e emoções e, a partir daí, criar uma nova realidade – vai modificar o padrão de comportamento, criar consciência e permitir que a crise se torne uma oportunidade de crescimento pessoal”. De acordo com Angerami (2004), “na vida social do canceroso, existiria uma ‘vocação de serviço: servir o outro em troca de nada. Seriam indivíduos extremamente sérios, sensatos, responsáveis, ativos, o ‘bonzinho do grupo’, que prontamente a todos atende sem esperar nada em troca. (...) indivíduos rejeitados, desamados que encontram uma saída estereotipada – doando-se – para a resolução de seus conflitos”. Dessa forma, passam a se preocupar em primeiro lugar com as necessidades dos outros, colocandose como um ser sem desejos, com o objetivo de ser aceito e reconhecido.

A depressão é muito comum em mulheres mastectomizadas Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 08 | junho 2008

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Pode-se perceber este modelo de relação - de se doar para o outro, colocando sempre os outros em primeiro lugar, deixando de lado e até mesmo negando seus desejos, para satisfazer o desejo dos outros. Claro que estas mulheres, ao assumir este papel de cuidadoras, de "mártir", muitas vezes, possuem ganhos secundários, sendo vistas pelas outras pessoas como "seres especiais" que abrem mão de suas vidas para viver a vida dos outros. Simonton in Angerami (1978) diz que “as experiências da infância resultam em decisões tomadas quanto a ser um tipo específico de pessoa. Esses indivíduos enquanto crianças, vivendo em famílias agressivas, vivendo situações traumáticas, assumem um comportamento bondoso, agradável, muitas vezes ‘animado’, sublimando na verdade o que sentem como única forma de serem amados”. Outras crianças ainda, assumem a responsabilidade pelo sentimento dos outros e, sempre que estas se sentem infelizes, entendem que devam fazer alguma coisa. Se tornam doadores e esquecem de seus próprios sentimentos. Entendendo o seio como muito mais do que uma parte do corpo, mas um órgão que representa a sexualidade, a feminilidade, a capacidade de alimentar outro ser, entramos no mundo subjetivo destas mulheres. A interferência da doença na vida afetiva e sexual delas é inegável, o que é reforçado pela sensação, real ou fantasiada, de rejeição por parte do companheiro. Tal sensação acaba por se estender a outras áreas e encontramos mulheres com desejo de serem escutadas. Dispostas a participar da entrevista como uma forma de alívio da sua angústia, quando um outro estava disposto a ser o depositário. Em relação à sexualidade, os relatos nos revelam mulheres com nenhuma realização neste sentido, onde os parceiros foram uma ‘conseqüência’ em

A perda geralmente estende-se à perda de uma parte do corpo, atingindo a vida sentimental, que abrange a relação conjugal, vida profissional e social. 14

suas vidas e não uma escolha. A relação sexual é verbalizada como suportável quando o único benefício foi a vinda dos filhos. Tal visão, reforça a idéia de não buscar um novo parceiro após a doença, quando se encontram sozinhas. Nos casos em que o parceiro está presente, o câncer aparece como o motivo para interromper as relações. Os relatos indicam a crença de serem portadoras de algo muito ruim. A autodesvalorização sempre presente. Mesmo assim, algumas tem esperança e desejo de ajuda, enquanto outras se entregam ao negativismo. São mulheres que não se consideram merecedoras de afeto e que hoje se relacionam com as pessoas de forma superficial e distante. Podemos pensar em sujeitos que tiveram uma relação frustrante com sua mãe. Outro aspecto abordado em estudos sobre mulheres mastectomizadas refere-se às perdas vivenciadas pelas mesmas. Segundo Nascimento (1998), “o que constitui uma perda varia de pessoa para pessoa, e muitas vezes o próprio indivíduo pode vivenciar como perda algo que, em nível consciente, aparece como um beneficio”. A perda geralmente estende-se à perda de uma parte do corpo, atingindo a vida sentimental, que abrange a relação conjugal, vida profissional e social. Nestas mulheres, a perda da feminilidade aparece com grande impacto. “Perdi 80% da minha vida com a retirada do seio”, referindo-se ao afastamento da família, do marido, do trabalho, a mudança corporal. Importante ressaltar que mais forte do que a perda é a forma como este sujeito reage à ela, ligado a suas condições psíquicas. Quintana et al. (1999) afirmam que é muito comum às mulheres com câncer de mama negarem a doença e as modificações corporais que ela acarreta, pela impossibilidade de se lidar com a angústia que o diagnóstico desperta. Esta negação faz com a mulher negue a existência da doença e, consequentemente, o tratamento ou recuse a idéia, acreditando se tratar de qualquer outra patologia. Muitas vezes, sua preocupação se volta para outros problemas familiares. São indivíduos reprimidos, que se utilizam da negação da realidade e da repressão de afetos. Podemos constatar que a maioria das mulheres procuraram atendimento médico imediato, uma pequena parcela demorou para procurar ajuda. Nas entrevistas feitas, apenas uma mulher não procurou ajuda médica imediata, soube que estava com câncer, na mesma época que o seu pai ficou doente, e escolheu cuidar dele, e apenas depois que este morreu é que foi em busca de tratamento para ela mesma.

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A demora em buscar atendimento aparece como um recurso da negação utilizado por estas pacientes, indicando uma dificuldade de admitir a gravidade ou até mesmo, a existência da doença. Ficam as questões: os efeitos colaterais do tratamento como as náuseas não seriam a própria representação desta rejeição/negação? E o tratamento, muitas vezes encarado como algo terrível, não seria boicotado pelo próprio desejo de morte? Outro mecanismo de defesa utilizado de maneira significativa após a negação, é o da intelectualização que sugere criar uma distância entre o sujeito e suas questões angustiantes. Os argumentos mais utilizados são a falta de tempo, o ter que cuidar de algum familiar, o excesso de trabalho. Em seguida, surge a formação reativa, questionando e demonstrando a indignação de perceber que aquela mulher tão boa (que se dedica tanto aos outros) recebe a doença em troca. Outro traço importante é a maneira como o sujeito reage às perdas reais ou simbólicas ocorridas em sua vida. Revendo a história destes pacientes cancerosos, encontramos com freqüência a ocorrência de situações traumáticas, estressantes, antes do desenvolvimento da doença. Algumas pesquisas ou estudos trazem dados que antes do câncer aparecer, em um período aproximado de um ano, estas pessoas tiveram alguma mudança em sua vida, seja de casa, perda no trabalho, separação ou morte de um ente querido.

de questões morais significativas também surgem neste contexto de terminalidade de vida. O que o paciente sabe de seus diagnóstico e prognóstico? Esta primeira pergunta já nos encaminha para uma questão básica que é a do exercício da autonomia neste momento. Só pode se autodeterminar, de maneira adequada, aquela pessoa que tiver pleno conhecimento dos fatos médicos ligados à sua doença. Para tanto, o acesso à verdade é essencial e isso cria no profissional um compromisso com o sujeito. Em seu julgamento, ele deverá levar em conta que somente um fato moral muito relevante, em termos de beneficência, poderá justificar uma ação paternalística de ignorar o direito do paciente à verdade e, conseqüentemente, de que este defina os limites de seu tratamento. Alguns médicos são favoráveis a esta sinceridade com o paciente, mas escondem a realidade para evitar uma crise emocional. Outros são sensíveis às necessidades de seus pacientes e obtêm êxito ao cientificá-los da existência de uma moléstia séria, sem lhes tirar a esperança. É sempre difícil encarar o indivíduo após o diagnóstico de um tumor maligno. Diz-se freqüentemente que as pessoas relacionam um tumor maligno com doença fatal, encarando ambos como uma maldição, dependendo de como se oriente o paciente e a família nesta situação delicada. O câncer para muitos, ainda é uma moléstia fatal, a despeito do número crescente de curas reais ou de remissões significativas. Os pacientes reagem diferentemente a tais notícias, dependendo de sua personalidade, do Contar ou não contar: eis a questão estilo e do modo de vida pregressos. As pessoas Em geral, ao falar com os profissionais da saúde, que, de um modo geral, se servem da rejeição como ficamos impressionados como se preocupam com principal defesa tendem a valer-se dela mais do o fato de o paciente tolerar a "verdade". Muitas que outras. Pacientes que enfrentaram com mente

a negação parcial, é usada por quase todos os pacientes, ou nos primeiros estágios da doença ou logo após a constatação vezes ficam com um conflito interno entre contar ou não uma má notícia para o seu paciente ou seus familiares. Na realidade, salvo algumas pouquíssimas exceções, a questão que deve ser colocada é "qual a melhor maneira de contar esta má notícia?" ou ainda "como vou dividir estas informações?" A par de problemas clínicos relacionados ao bom atendimento do paciente, no sentido de evitar ao máximo os desconfortos e sofrimentos que são próprios das doenças que provocam direta ou indiretamente a morte dos pacientes, uma série

aberta situações penosas no passado tendem a agir do mesmo modo na presente situação. Quer se diga claramente ao paciente ou não, ele tomará conhecimento de algum modo, podendo até perder a confiança no profissional da saúde que lhe contou uma mentira ou deixou de ajudá-lo a enfrentar a gravidade de sua doença dando-lhe tempo de deixar suas coisas em ordem. Saber compartilhar uma notícia dolorosa com um paciente é uma arte. Quanto mais simples o modo de dar a notícia, mais fácil é para o

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paciente ponderar depois, se não quiser ouvi-la no momento. O profissional da saúde que puder falar sem rodeios com os pacientes sobre o diagnóstico de um tumor maligno, não o relacionando necessariamente à morte iminente, estará prestando um grande serviço. Ao mesmo tempo, deve deixar as portas abertas à esperança. Os pacientes ou seus familiares normalmente passam pelos mesmos estágios quando recebem uma má notícia. Estes estágios foram classificados por Elisabeth Kübler-Ross para pacientes que estavam em estado terminal. Inúmeras situações presentes na prática dos profissionais da saúde, como a comunicação de diagnóstico de doenças, podem fazer com que as pessoas passem por estágios semelhantes.

com o paciente e se faz necessário que todos tolerem a raiva, racional ou não, do sujeito. O problema é que poucos se colocam no lugar do paciente e perguntam de onde pode estar vindo esta raiva. Talvez ficássemos também com raiva se fossem interrompidos abruptamente em atividades de nossa vida. Quê faríamos com nossa raiva, senão extravasá-la naqueles que provavelmente desfrutarão de tudo aquilo que estamos deixando? O pior é que talvez não analisemos o motivo da raiva do paciente. Nós a assumimos em termos pessoais quando na sua origem, nada ou pouco tem a ver com as pessoas em quem é descarregada. Reagindo pessoalmente a este sentimento, a família ou os profissionais da saúde, por sua vez, retribuem com uma raiva ainda maior, alimentando o comportamento hostil do paciente. Podem evitar contato com o doente, podem encurtar as visitas ou Os estágios são os seguintes: entrar em atritos desnecessários em defesa de sua posição, ignorando que, muitas vezes o problema Choque inicial: Negação e isolamento: "Não, é que damos muita importância para os acessos de eu não, não pode ser verdade", esta é a frase raiva do paciente. característica desta fase. O estágio de negação inicia-se quando o Barganha: este estágio é o menos conhecido, paciente, ao receber a notícia do diagnóstico, mas igualmente útil ao paciente, embora por um fica convicto de que os exames que foram feitos tempo muito curto. Na realidade, é uma tentativa poderiam, por exemplo, ter sido trocados, como de adiamento, sendo incluído um prêmio oferecido também o médico poderia ter se enganado. O "por um bom comportamento". Estabelece também paciente, não raro, procurará outros médicos uma meta auto-imposta, e inclui uma promessa e fará novos exames com a esperança de que o implícita de que o paciente não pedirá outro primeiro diagnóstico venha a estar errado, ou então adiamento, caso o primeiro seja concedido. abandonará o tratamento, agindo como se a doença A maioria das barganhas são feitas com Deus, simplesmente não existisse. são mantidas em segredo, ditas nas entrelinhas. A negação inicial é percebida em todos os pacientes, não importando se recebem a notícia Depressão: quando o paciente em fase no início de sua doença ou mais tarde por conta terminal não pode mais negar sua doença, quando própria. A negação, ou pelo menos a negação é forçado a submeter-se a mais uma cirurgia ou parcial, é usada por quase todos os pacientes, ou hospitalização, quando começa a apresentar novos nos primeiros estágios da doença ou logo após a sintomas e tornar-se tão debilitado e mais magro, constatação, ou, às vezes, numa fase posterior. não pode mais esconder a doença. Seu alheamento Muitas vezes é uma forma saudável do paciente ou estoicismo, sua revolta e raiva cederão lugar a lidar com a situação dolorosa e desagradável em um sentimento de grande perda. que muitos são obrigados a viver durante muito Há dois tipos de depressão: a chamada reativa tempo. Funciona como um pára-choque depois de e a preparatória. A primeira é a aflição inicial que o uma notícia inesperada e chocante, deixando que paciente em fase terminal é obrigado a se submeter o paciente se recupere com o tempo. Comumente, para se preparar, para quando tiver que deixar este a negação é uma defesa temporária, sendo logo mundo. O segundo tipo de depressão, leva-se em substituída por uma aceitação parcial. conta perdas iminentes. Quando ela é um instrumento na preparação da Raiva: quando não é mais possível manter firme perda iminente de todos os objetos amados, para o primeiro estágio de negação, ele é substituído facilitar o estado de aceitação, o encorajamento e a por sentimentos de raiva, de revolta, de inveja e confiança não têm razão de ser feito. de ressentimentos. Surge, logicamente, uma outra O paciente está prestes a perder tudo e todos pergunta "Por que eu ?" a quem ama. Se deixarmos que exteriorize seu Lidar com este estágio é muito difícil para a pesar, aceitará mais facilmente a situação e ficará família e para os profissionais de saúde envolvidos agradecido aos que puderem estar com ele neste 16

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estado de depressão sem repetir constantemente que não fique triste.

Assim, ao procurar entender o homem em sua condição de ser ou estar doente, é necessário terse uma visão ampla deste, precisando estar atento Aceitação: um paciente que tiver tido tempo quanto às vontades e necessidades do paciente, necessário (isto é, que não tiver tido uma morte súbita dando-lhe oportunidade de falar se é que ele e inesperada), e tiver recebido ajuda para superar os precisa, ou deixando-o calar, caso necessite e assim estágios descritos, não mais sentirá depressão nem quer que seja. raiva quanto a seu "destino". Terá podido externar seus sentimentos, sua inveja pelos vivos e sadios e sua O PAPEL DA FAMÍLIA raiva por aqueles que não são obrigados a enfrentar No período da doença, os familiares a morte tão cedo. Terá lamentado a perda eminente desempenham papel preponderante, e suas reações de pessoas e lugares queridos e contemplará seu fim muito contribuem para a própria reação do próximo com um certo grau de tranqüila expectativa. paciente. Estará cansado e bastante fraco, na maioria dos Tanto para o paciente como para a família, faz casos, sentirá necessidade de cochilar, de dormir mais sentido ver que a doença não desequilibrou com freqüência e a intervalos curtos. totalmente o lar, nem privou os familiares de Não devemos confundir a aceitação com um momentos de lazer; ao contrário, a doença pode estágio de felicidade, é como se a dor tivesse permitir que o lar se adapte e se transforme esvaecido, a luta tivesse cessado e fosse chegado gradativamente. o momento do "repouso derradeiro antes da longa Em geral, quem recebe a notícia sobre a viagem". É geralmente o período em que a família gravidade de uma doença é a esposa ou o marido. carece de ajuda, compreensão e apoio, mais do que Cabe a eles a decisão de compartilhar a enfermidade o próprio paciente. com o doente, ou encontrar o momento para O sentimento de esperança também pode estar contar a ele e aos outros membros da família. Estes presente, paralelamente, a partir do estágio da experimentam diferentes estágios de adaptação, raiva. A compreensão deste processo pode auxiliar o semelhantes aos descritos com referência aos profissional de saúde a entender estes sentimentos pacientes. e a auxiliar estas pessoas de uma forma mais No momento em que o paciente atravessa um adequada nesta situação de crise. Muitas pessoas estágio de raiva, os parentes próximos sentem a abordam este momento apenas pelo seu lado mesma reação emocional. Há também muita culpa ameaçador, pelo risco envolvido. Porém, desde os e um desejo de recuperar as oportunidades perdidas antigos chineses, a palavra crise também comporta do passado. Quando a raiva, o ressentimento e a uma interpretação de oportunidade, de uma chance culpa se apresentam, a família entra numa fase de de crescimento. Desta forma, uma má notícia pode pesar preparatório, igual ao do paciente. ser também geradora de crescimento pessoal, às É difícil para o sujeito encarar a morte iminente e vezes associada a muito sofrimento, mas que pode prematura quando a família não está preparada para ser suportado desde que entendido e elaborado "deixá-lo partir" e, aberta ou veladamente, impede adequadamente. que se desatem os laços que o ligam à terra. Os profissionais da saúde podem auxiliar os pacientes e familiares a associar a esperança, com base na realidade, a todos os demais estágios. Muitas vezes esta tarefa pode ser a de restituir ainda que seja uma "desesperançada esperança", ou melhor, uma "esperança de poder ter novas esperanças". O psicólogo procurará nesse sentido investigar a vivência do doente, identificando o que se passa na consciência deste a partir do momento em que vivencia uma doença, através de uma relação envolvente, empática e flexível, visando um encontro real e afastando a questão impessoal que permeia o atendimento clínico tradicional. Deste modo, é extremamente importante sentir o problema do paciente de forma empática para que ele compreenda a sua facticidade e até a sua finitude.

CONCLUSÃO Quanto mais avançamos na ciência, mais parece que tememos e negamos a realidade da morte. Como é possível? Recorremos aos eufemismos; fazemos com que o morto pareça adormecido; mandamos que as crianças saiam, para protegê-las da ansiedade e do tumulto reinantes na casa – isto quando o paciente tem a felicidade de morrer em seu lar; impedimos que as crianças visitem seus pais que se encontram à beira da morte nos hospitais; sustentamos discussões longas e controvertidas sobre dizer ou não a verdade ao paciente, dúvida que raramente surge quando é atendido pelo médico da família que o acompanhou desde o parto até a morte e que está a par das fraquezas e forças de cada membro da família.

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Há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Uma das mais importantes é que, hoje em dia, morrer é triste demais sob vários aspectos, sobretudo é muito solitário, muito mecânico e desumano. Às vezes, é até mesmo difícil determinar tecnicamente a hora exata em que se deu a morte. Quando um paciente está gravemente enfermo, em geral é tratado como alguém sem direito a opinar. Quase sempre é outra pessoa quem decide sobre se, quando e onde um paciente deverá ser hospitalizado. Custaria tão pouco lembrar-se de que o doente também tem sentimentos, desejos, opiniões e, acima de tudo, o direito de ser ouvido. “É importante esclarecer que a detecção precoce do câncer não depende apenas de avanços nos métodos de diagnóstico, mas também do comportamento do indivíduo que busca precocemente a detecção da doença. Começa, portanto, a ser relevante a identificação de fatores que contribuam para explicar por que alguns indivíduos reconhecem mais rapidamente do que outros os sintomas da doença e por que alguns são mais motivados do que outros a buscar diagnósticos precoces”. (Carvalho, 2003) A família tem um importante papel em todo o processo de relação do paciente enfermo com sua doença, tratamento e hospitalização. Considerála como um aliado poderoso na difícil tarefa de acompanhar um paciente hospitalizado é de suma

importância para a equipe de saúde. Não se pode esquecer que é essa família que irá conviver com o paciente e sua doença, irá compartilhar com ele das perdas e limitações que ela impõe, lhe dará apoio e conforto nas horas difíceis de enfrentamento da dor e da angústia. Acompanhará até a morte esse ente querido sofrendo e se angustiando também. Alguns aspectos foram reforçados durante este estudo e salienta-se o aspecto depressivo destas pacientes; a dificuldade de expressar emoções, principalmente sentimentos negativos. “(...) também como emocionalmente imaturas e afetivamente dependentes. Quanto à sua história de vida, relatam-se freqüentemente experiências de perda num período anterior ao do surgimento do tumor, cujo significado seria intensificado por representar revivência de experiências precoces de perda. (...) dificuldade de viver a sexualidade e a maternidade”. Apesar do reduzido número de mulheres participantes deste recorte, o que não nos permite generalizar, pode-se pensar que a doença orgânica aparece como uma possibilidade destas mulheres se relacionarem com o mundo de uma maneira autopunitiva. A desorganização mental representada no orgânico através do câncer. A saúde como um todo, englobando seus aspectos físicos e psíquicos, que se constrói ainda na infância, com a criação de laços afetivos gratificantes, que lhe permitam enfrentar com sucesso as dificuldades e perdas ao longo da vida.

BIBLIOGRAFIA

Da Morte: Estudos brasileiros. Roosevelt Cassorla (coordenador). – Campinas, SP: Papirus, 1991. Urgências psicológicas no hospital. Valdemar Augusto Angerami – Camom (organizador). – São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. O doente, a psicologia e o hospital. Valdemar Augusto Angerami – Camom (organizador). – São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. Morte e desenvolvimento humano. Maria Júlia Kovács (coordenadora). – São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. Vida e Morte: Laços da existência. Maria Helena Pereira Franco Bromberg, Maria Júlia Kovács, M. Margarida M. J. de Carvalho, Vicente A. de Carvalho. – São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos próprios parentes. Elisabeth Kübler-Ross (tradução de Paulo Menezes). – 8ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. O despertar da nova mulher – guia para uma vida plena de realizações. Hay, L.L. – RJ: Ediouro, 1999. Negação e estigma em pacientes com câncer de mama. Quintana, A.M.; Santos, L.H.R.; Russowsky, I.L.T. e Wolff, L.R. – Revista Brasileira de Cancerologia, 45 (4), pp. 45-52, 1999. Instituto Nacional de Câncer [homepage na Internet]. Rio de Janeiro: INCA; c1996-2005 [citado em 19 Abr 2005]. Mama. Disponível em: http://www.inca.gov.br/cancer/mama. Câncer de mama: encontro solitário com o temor do desconhecido. Coberlline VL. Revista Gaúcha Enfermagem, 2001, 3(1): 42-68. A família (con)vivendo com a mulher/mãe após a mastectomia. Patricia Isabel Bervian e Nara Marilene Oliveira Girardon-Perlini. Revista Brasileira de Cancerologia 2006; 52(2): 121-128.

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ANEXO Anexo 1

BANCO

1. Nº. P

3. Data

DE DAD

rontuár

OS

io

2. Nom e imento 5. Sexo 4. Idad e 7. Tipo 6. Data de cânc do diag er nóstico 9. Qua da doen 8. CID ndo pro ça 10 curou t r a t a m 10. Qu ento m édico? ando co meçou o tratam 11. Mé ento m dico on édico? cologist a d e 12. Pro referênc curou o ia utro mé dico pa 13. Pri ra conf meiros irmar o sintoma diagnós s (data) tico? 14. Qua o trataml a principal d outro) ento? (financ ificuldade enc o eira; ap oio fam ntrada para re a iliar; es 15. Já trutura lizar fez ou f de saúd az trata e; m e nto psiq 16. Usa u iátrico o alguma u psico medicaç lógico? ã o psiqu 17. Po iátrica? ssui pla Qual no de s aúde? 18. Co mo che gou à A APECAN 19. Da ? ta de in gresso n a AAPE 20. Ou CAN tra enfe rmidade associad a? de Nasc

AUTORAS

Jeovana Scopel Picheti – CRP 07/14111 Psicóloga com formação pela UCS em 2005 | e-mail: jeospicheti@ibest.com.br Viviane Marcon Duarte – CRP 07/08723 Formada pela UCS (Universidade de Caxias do Sul - RS) em jan/1998. Psicóloga clínica com experiência com pacientes portadores de doenças crônicas (HIV, Câncer, Insuficiência Renal) duarte.vivi@pop.com.br site AAPECAN (Associação de Apoio a Pessoas com Câncer): www.aapecan.org.br

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COMPORTAMENTO NO TRÂNSITO

FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA uma opção pela vida por Maria Audea de Lima e Sousa

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O

A

Prefeitura de Teresina, bem como muitos outros gestores tem sido alvo de críticas por conta da implantação de sistemas de fiscalização eletrônica cujo objetivo principal é salvar vidas. Aparecem “protetores” de infratores de todas as partes para fazer crer que não há legitimidade para implantação de tal sistema. A barbárie do trânsito no Brasil é um problema que há décadas vem sendo discutida. Com a entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro temos aprendido que o alcance da cidadania no trânsito para todos exige ações pouco eleitoreiras mas de muita responsabilidade social. Em Teresina, a prefeitura não se omitiu, ao contrário, assumiu o ônus de limitar o poder de força dos então” donos das ruas”, coincidentemente, aqueles que tem vez e voz nos meios públicos e sociais. Ora, não deveria ser motivo de preocupação dos agentes públicos a situação de insegurança da maioria da população na sua labuta diária para exercer o direito de ir e vir? Já disse um ex-diretor do Departamento Nacional de Trânsito-DENATRAN, Ailton Brasiliense que circular é um direito de todos e dirigir, privilégio de alguns. Aqueles contrários à fiscalização eletrônica já fizeram alguma pesquisa junto às comunidades residentes nos arredores das avenidas onde foi implantado o sistema se ela está insatisfeita? Mas lembrem-se de perguntar aos usuários do sistema de transporte de passageiros públicos, pedestres e ciclistas. Foram estes que ficaram por muito tempo esquecidos pelas políticas públicas e que o Código de Trânsito Brasileiro veio priorizar. São estes as maiores vítimas da barbárie do trânsito e que o acaso será incapaz de proteger em caso de distração, ao contrário do que dizem Os Titãs, na música Epitáfio e que não conseguiu salvar sequer o companheiro Marcelo, atropelado enquanto atravessava uma rua. A velocidade será um fator decisivo para que haja alguma chance de sobrevivência, em caso de acidente, especialmente para o pedestre ou ciclista, já que o motorista tem muitos acessórios de segurança: air-bag, cinto e o próprio veículo.

A fundação de uma Associação de Vítimas dos Radares Eletrônicos em Teresina, é tão lastimável (não sendo contrária ao associativismo) quanto a presença de agentes públicos na mesma. Sugiro à Associação que perguntem aos familiares das verdadeiras vítimas do trânsito se eles gostariam de se associarem. O infrator de trânsito deve ser punido tanto quanto quem atenta contra a vida através de armas ou qualquer instrumento, sob pena de deixarmos fazer valer a lei do mais forte e a cultura da impunidade que só traz prejuízos à vida em coletividade. Para invalidar as irregularidades cometidas pelo poder público o próprio Código prevê o direito de recurso à Junta Administrativa de Recursos de Infração-JARI. As críticas ao sistema podem ajudar a melhorar muito desde que sejam feitas conscientemente e com conhecimento de causa. Está aqui uma boa oportunidade para que todo cidadão, especialmente motorista, leia o Código de Trânsito Brasileiro, que estabelece direitos, deveres, infrações, valores das multas e regras de circulação. Pode assim compreender que fluidez e segurança são grandezas proporcionalmente inversas e que se queremos uma precisamos comprometer a outra. Há uma opção clara e é pela vida. Por isto a implantação da Faixa de pedestre elevada, que permite a inclusão dos portadores de deficiência física, facilitando a locomoção e travessia da rua; o sinal sonoro para beneficiar a travessia dos portadores de deficiência visual; e a realização de diversas campanhas educativas de respeito ao pedestre. A opção da Prefeitura de Teresina e da STRANS é pela segurança. Afinal não é ela um dos maiores desafios dos administradores públicos na atualidade? Não é ela que tanto almejamos para nós e para nossos entes queridos?Não é ela que garante o exercício de ir e vir por todos, indistintamente? Não é ela que favorece a convivência pacífica e a adoção de atitudes de solidariedade e respeito ao outro? Não é ela que promove a Vida? Não é a Vida o nosso maior bem? Se a resposta a estas perguntas for sim, então a nossa cidade estará no caminho certo.

AUTORA

Maria Audea de Lima e Sousa Coordenadora do Departamento de Educação de Trânsito-Strans do Piauí e Jornalista audealima@bol.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 08 | junho 2008

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SEXUALIDADE Este artigo tem como objectivo a apresentação de algumas teorias explicativas das particularidades das relações amorosas. O amor é uma construção que se faz ao longo do tempo, constituindo uma aprendizagem contínua ao longo da vida. A forma como lemos os sinais do outro e os adequamos às nossas expectativas, determinam o comportamento que vamos patenteando ao longo da vida.

AMOR OU AMORES H por João Taborda e Ana Sofia Vicente Pereira

á quem diga que o amor é a força do universo. Há os que afirmam que é a coisa mais importante na nossa vida. Uns desprezam-no e outros procuramno constantemente. Enfim, amor é uma necessidade básica de todos nós, seres humanos, que aprendemos a lidar com ele ao longo do nosso desenvolvimento e, por inerência na nossa vida. Quando nascemos precisamos de amor, mas não sabemos amar! Este verbo não se ensina, é aprendido pelo próprio sujeito e, para tal, é preciso ser persistente, estar atento e fazer esta construção. No século XII, encontramos as primeiras manifestações das relações amorosas ligadas ao amor cortês. Este tipo de amor teve origem no sul de França. Neste período, a grande maioria da população francesa, aparentemente cristã, praticava o catarismo, uma nova religião que estava relacionada com o amor quase platónico, sem obrigar ao casamento. Os seguidores da igreja do amor acreditavam que este sentimento eterno consistia na veneração de uma figura feminina redentora, uma intermediária entre o homem e Deus. A mulher era, desta forma, encarada como redentora, não sendo vista como esposa ou parceira sexual. Assim, os cátaros evitavam o casamento e também o sexo. A igreja do amor foi interdita, mas o catarismo surgiu depois sob outra forma, a poesia. Esta nova poesia exaltava a Dama dos pensamentos, o culto do amor contra o casamento e a favor do amor platónico. Este tipo de manifestações rapidamente se disseminou pelas cortes feudais da Europa alterando, desta forma, a conduta do homem e da mulher face ao sentimento, dando origem mais tarde, ao romantismo. Este romantismo metamorfoseou também o comportamento dos homens perante as mulheres mas, apesar de encararem a mulher como um ser puro, divino e completo ainda a percepcionavam como uma entidade inferior, imbuída de sentimentalismo, irracionalidade e apatia. 24

O amor romântico foi reconhecido como uma forma de paixão na Idade Média. Nesta época, um homem que amasse e respeitasse verdadeiramente uma mulher, não sentiria desejo carnal com ela. O amor manifestava-se de uma forma poética e imaginativa, enchendo-se naturalmente de simbolismo. Este sentimento tão encantador não podia confundir-se com um relacionamento pessoal, com o casamento ou o mero contacto físico. É com a revolução francesa e com a industrialização que brota o conceito de casamento como produto de um amor romântico, ideia esta que se estende até aos dias de hoje, onde matrimónio se conjuga com romance e sexo. Este amor romântico, ao contrário do amor vivido na dita Idade das Trevas, é um amor combinado com o casamento, com sexo e com todas as actividades que no início surgem como novidade, mas que acabam, grande parte das vezes, por cair numa prática, muitas vezes trivial. Como se refere anteriormente, o casamento na Idade Média não contemplava o amor. No século XII era encarado de uma forma puramente económica. A partir do final do século XVIII, o amor começa a ser uma possibilidade dentro do matrimónio, mas só no século XX é que se torna realmente parte integrante e bastante valorizada. O casamento por amor passou então a ser sinónimo de felicidade e, desta forma, uma meta a ser atingida por todos. Um facto indesmentível é que a ideia de felicidade marital depende de cada sujeito. Apenas há algumas décadas, uma boa esposa era aquela que cuidava do seu lar, criava os seus filhos e mantinha uma vida sexual contida. Por outro lado, um bom marido era aquele que oferecia protecção à sua família e que permitia que nada faltasse dentro do lar. Assim, era vivido um casamento onde a mulher encarnava o papel de respeitável e o homem o papel de provedor, sendo que o amor era para toda a vida. Nos dias que correm, estas ideias sofreram uma drástica mutação e, com o aumento da esperança média de vida, o amor para toda a vida é sinónimo da ultrapassagem,

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com sucesso, dos inúmeros desafios que a própria relação gera e o quotidiano fomenta. A sociedade ocidental cultiva o ideal de amor romântico e, faz do romance, a base das uniões. Há autores que defendem que o casamento surgiu porque os seres humanos não conheciam o amor e, assim sendo, seria encarado como a forma de duas pessoas se manterem juntas. Na antiguidade as pessoas viviam paixões, não o amor. A possibilidade de amar exige um desenvolvimento psicológico. Sempre se falou do amor. Mas, verdadeiramente, do que falavam era de paixão, de sofrimento. É importante, então, fazer a distinção entre paixão e amor. Paixão deriva da palavra grega pathos que partilha a mesma origem com a palavra doença. Não é à toa que a palavra paixão é utilizada por aqueles que se querem referir a um profundo sofrimento. Autores como Gomes, afirmam que existem muitos amores, defendendo a ideia que o amor romântico e a paixão são quase sinónimos e caracterizados por um sentimento arrebatador e por uma agitação sexual entre duas pessoas. O amor físico ou luxúria diz respeito à atracção sexual entre dois sujeitos e o amor/afeição é caracterizado por uma fusão de variados sentimentos, do qual faz parte o vínculo sexual, que se vai consolidando com o amadurecimento da relação. Este último tipo de amor pode ser, ou n ã o , produto do amor romântico ou do amor físico e, todos eles, podem coexistir, em determinados estádios. Esta última situação pode conduzir a conflitos ou incertezas tão características e habituais numa relação afectiva. Fisher (1999), também considera três formas de ligação amorosa: o amor romântico, a luxúria e a afeição. Quanto ao primeiro sentimento, o amor romântico, é caracterizado por um entusiasmo e pela euforia de se estar apaixonado. O sujeito direcciona todas as suas energias apenas para um indivíduo de cada vez, havendo, naturalmente, um grande investimento da sua parte. Relativamente à luxúria, que não tem uma escolha focalizada, é caracterizada pela necessidade de recompensa

sexual, levando, desta forma, à procura de uma relação sexual. Por fim, a afeição distingue-se por sentimentos de calma, paz, firmeza e bemestar, permitindo uma relação suficientemente duradoura. A paixão, ou o amor romântico, é caracterizada por um pensamento obsessivo face ao amado, por um turbilhão emocional que se faz sentir na sua presença ou ausência, consumindo excessivas energias ao apaixonado. É comum um indivíduo, em estado de plena paixão, sentir um forte desejo sexual, alterações no humor, uma respiração mais descoordenada, um coração mais palpitante, alterações no sono, falta de apetite e, um consequente, emagrecimento, sentimentos de posse e ciúme que, segundo Fisher (ibidem), é o alimento do amor, o combustível que mantém viva a fogueira do amor. Foi demonstrado, através de ressonância magnética, que os níveis de dopamina e de norepinefrina disparam num sujeito em pleno estado de paixão, sendo, desta forma, possível quantificar o seu grau. Assim, quanto maior a concentração de dopamina e norepinefrina, maior o estado de paixão do sujeito. Este aumento de dopamina pode, eventualmente, explicar a dependência dos apaixonados, uma vez que estados de adição, que se caracterizam por dependência e privação, verificam concentrações elevadíssimas de dopamina. Desta forma, Fisher (ibidem) considera que o amor romântico é uma adição. Uma abençoada dependência, quando a paixão é correspondida, e uma privação destrutiva, quando o apaixonado é rejeitado. Por outro lado, a norepinefrina provoca um incremento da memória face a novos estímulos, que justifica o facto dos apaixonados se recordarem de detalhes ínfimos. Além do aumento dos níveis de dopamina e norepinefrina, verifica-se um decréscimo da serotonina, em indivíduos apaixonados, que explica a obsessão dos enamorados face aos seus mais que tudo. No amor físico/luxúria é usual encontrar elevados níveis de testosterona. Este tipo de amor implica uma selecção sexual por parte do indivíduo e, se o encontro íntimo correr bem, pode levar a outro tipo de sentimento, como é o caso do amor romântico. Quando nos referimos à vinculação/afeição emergem automaticamente duas hormonas: a

Na antiguidade as pessoas viviam paixões, não o amor.

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ocitocina e a vasopressina, hormonas associadas a este sentimento e, há quem defenda, ser o substrato das longas relações amorosas bem sucedidas. A ocitocina está, indubitavelmente, mais ligada à mulher pois, é a hormona responsável pela vinculação mãe-bebé durante o parto. A vasopressina e ocitocina estão também presentes durante a excitação sexual e o orgasmo, sendo que a vasopressina se manifesta no homem e a ocitocina na mulher. É realmente fantástico constatar que toda esta dimensão consiste num cocktail químico formado por testosterona, dopamina, norepinefrina, ocitocina e vasopressina. Mas, afinal, o que é que faz uma pessoa ser desejável aos olhos de outra? É óbvio que homens e mulheres atraentes têm uma grande vantagem neste campo. A imagem ainda é um factor bastante importante, a todos os níveis. Jovens e menos jovens procuram ginásios, gabinetes de estética e uma roupa apelativa para se tornarem mais atraentes levando, por vezes, este ritual ao exagero. Os homens estão a mudar o seu padrão comportamental face à beleza. Em alguns casos, esta preocupação, supera o eterno cuidado das mulheres face à temática. Tudo isto em nome de uma impecável aparência. Tudo isto para agradaremà própria pessoa ou principalmente ao outro? Afinal, vivemos num mundo em que, cada vez mais, a juventude é exaltada de uma forma exacerbada. Talvez isto se relacione com o efeito halo pois, normalmente, os sujeitos tendem a indicar que uma pessoa bonita/atractiva será mais sociável, interessante, simpática, tenha um melhor carácter, uma vida mais completa e realizada Lee (1988), refere também os seus estilos de amor: Eros, Ludus, Storge, Pragma, Mania, Agape. Eros corresponde ao amor apaixonado que implica uma forte atracção pelo outro, quer a nível físico, quer a nível emocional, normalmente acompanhado da distorção da figura do companheiro(a). Ludus encarna o amor lúdico que se caracteriza por um amor jogado, corresponde ao jogo da conquista e sedução, é de duração instantânea, evitandose compromissos. Storge é o amor amigo. O amor romântico seria o aprofundar de uma grande amizade prévia, que com o tempo se iria transformando

em amor. Pragma é o amor prático fundamentado em certos aspectos da realidade, analisados a um nível lógico (interesses, dinheiro, carreira, atitudes perante o sexo), correspondendo, como se diz na gíria, ao “golpe do baú”. Mania corresponde ao amor maníaco, caracterizado por um carácter obsessivo e com particularidades de elevada possessividade e dependência. Os indivíduos com este estilo de amor são, na sua maioria, sujeitos inseguros, sendo que o ciúme, muitas vezes, pode evoluir para um ciúme patológico (incapacidade de se relacionar, num registo de solidão, angústia de separação). Por fim, Agape, o amor altruísta. Neste estilo de amor, o sujeito coloca as necessidades do parceiro acima das próprias, sendo que o mais importante para estas pessoas é ver os companheiros felizes, pois só assim se sentem bem. Sternberg (2001), por seu turno, propõe um elaborado modelo triangular do amor, onde contempla a paixão, a intimidade e a decisão/ compromisso. Alega que estas três componentes se manifestavam de forma diferente, consoante o tipo de amor. Hatfield e Rabson (2003) defendem a existência de dois tipos de amor: o amor apaixonado e o amor companheiro. O primeiro corresponde ao estado de espera e antecipação intensa da união com o outro, acompanhado por uma profunda activação psicológica. Esta activação manifesta-se na percepção da pessoa amada. O amor companheiro corresponde ao afecto que sentimos por aqueles com quem nos encontramos profundamente envolvidos. Crê-se que este tipo de amor, é baseado num sistema biofisiológico humano partilhado com outros primatas, é uma emoção que pode ser extraordinariamente positiva, se o amor é correspondido, ou profundamente negativa, se o não for. Este tipo de amor só se torna possível entre pares que têm a capacidade de reforçar positivamente os comportamentos íntimos do outro. Fazem parte do amor apaixonado manifestações como a atracção sexual, ansiedade, afecto, emoções com intensidade elevada. É um tipo de amor transitório (entre 6 a 24 meses) e tem como factores de facilitação, o facto da paixão ser culturalmente valorizada, o encontro de ideias e a hiperactivação física e psíquica na presença do outro. No amor companheiro expressa-se o respeito mútuo, proximidade,

Mania corresponde ao amor maníaco, caracterizado por um carácter obsessivo e com particularidades de elevada possessividade e dependência.

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ligação, confiança, afecto, sendo mais estável e duradouro que o amor apaixonado. A comunhão de interesses e o encontro de ideais e objectivos constituem os factores de facilitação deste tipo de amor. Todos os amores são compostos pelo amor apaixonado e pelo amor companheiro, apesar de, muitas vezes, haver a predominância de um em relação ao outro, mas o ideal é haver um equilíbrio entre estes dois tipos de amor para que a relação seja harmoniosa e aprazível. Aires (2007) fala em três tipos de amor ao longo da nossa existência: o amor familiar (com os nossos pais), o amor amigo (com os nossos amigos) e o amor sexual adulto (com o par). Cada um destes amores prepara o seguinte, sendo que uma experiência negativa com um deles pode prejudicar ou comprometer o seguinte. O trajecto harmonioso começa no amor familiar, passando pelo amor amigo, chegando ao amor sexual adulto. Se algum destes amores não se consolidar, teremos tendência a voltar ao anterior. Assim, se o amor sexual adulto não nos gratificar, temos tendência a procurar os nossos amigos (amor amigo) e, se por sua vez, este não fluir da melhor forma regressamos ao amor familiar (busca de apoio). Se um sujeito se encontrar num casamento que não o preenche, é natural que sinta saudades do grupo de amigos, mas isto não significa o termo do matrimónio. Defende, ainda, três tipos de relações amorosas: a relação de corpo, a de coração e a de cabeça. A primeira, é exclusivamente de índole sexual, não sendo, desta forma, necessário um entendimento entre o par. Já a segunda é caracterizada pela paixão. Neste tipo de relação o sujeito sofre pela pessoa amada, surge o medo da perda e encontra-se presente o carácter sexual do primeiro tipo de relação. Por fim, a relação de cabeça é a combinação do desejo sexual pela pessoa amada, é o estar apaixonado e algo mais. Este algo mais permite ao par um projecto em conjunto, sem nenhum deles perder a sua identidade, sendo que o caminho percorrido por um vai de encontro ao caminho percorrido pelo outro, verificando-se uma harmonia, uma sintonia, a sintonia do amor. Um relacionamento saudável contempla estes três tipos

de relacionamento. Falando do ciúme, na antiguidade, quando sentido pelas mulheres, tinha de ser ocultado, devido à sua posição submissa. No que diz respeito ao homem, este sentimento prendia-se com o medo da adulteração da descendência, ou seja, o medo de criar uma criança que não fosse sua. Só com a revolução da década de sessenta é que este quadro se alterou, uma vez que trouxe à sociedade ocidental uma suposta igualdade entre géneros. Na opinião de alguns autores, o ciúme pode induzir o desejo sexual quando este já é escasso, sendo que a competição com um rival funcionará como um condimento que apimenta a relação e atenua, desta forma, o tédio instaurado na relação. O ciúme pode também estar associado a uma baixa auto-estima, ao facto de um indivíduo estar excessivamente dependente do outro, à constante necessidade de atenção que alguns sujeitos reclamam e a preocupações ligadas à fidelidade sexual. O amor é uma construção que se faz ao longo do tempo e, durante este período, é dada uma atenção especial à pessoa amada, abdicando-se, por vezes, do eu em prol do outro. Assim, é compreensível que quando um sujeito evidencia algum sinal de interesse por parte do companheiro face a outro, possa surgir o chamado ciúme. Como já foi referido, o amor não acontece, é algo que se constrói, é um caminho que se percorre. O amor tem um início, uma progressão e, por vezes, um desfecho, mas este desfecho não significa, necessariamente, uma regressão no caminho percorrido até aí. É, aliás, um outro caminho que se toma para continuar a construir este sentimento fascinante. A atracção é um fenómeno predominantemente sexual, até, ou sobretudo, no tão cantado amor à primeira vista. A atracção pode levar ao enamoramento, mas para que tal aconteça a sedução é fulcral. Muitos dos amantes rejeitados não o são por uma questão de atracção, mas por uma incapacidade em tornar aceitáveis os seus sentimentos, através de actos e palavras erradas na hora errada. Verifica-se, assim, uma importância extrema dos primeiros contactos, das primeiras impressões

O ciúme pode também estar associado a uma baixa auto-estima

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nestes jogos iniciais de sedução que, eventualmente, poderão levar à génese de um amor dito romântico. Quando a atracção evolui, o sujeito vê-se numa tempestade emocional, que caracteriza a fase da paixão. Este estádio tão desgastante, segundo alguns autores, pode durar entre quatro meses a dois anos, pois, caso se prolongasse, o indivíduo morreria de esgotamento. O grande enigma é saber quais os condimentos necessários para que a paixão evolua para uma relação pautada por intimidade e companheirismo. O declínio sentimental, com o decorrer do tempo, é uma realidade devido à rotina conjugal, por vezes difícil, e também à rotina sexual. O êxito de um relacionamento depende de uma relação equilibrada, intimidade e, por fim, mas não menos importante, a partilha, a comunicação e uma continuidade do património erótico. Muitas vezes, este património erótico é remetido para segundo plano. Os casais de hoje em dia deparam-se com uma realidade verdadeiramente hostil para a sobrevivência deste património erótico, condicionando, fortemente, a sua vida sexual. O problema não é propriamente da rotina pois, a vida da grande parte dos pares é tudo menos

rotineira. No entanto, devido ao stress quotidiano vivido pelo casal, é necessário que haja tempo para pausas para que se possa parar para meditar, relaxar e namorar. Resta, então, pouquíssimo tempo para o sexo e, muitas vezes, o casal faz sexo não quando quer, mas quando surge uma oportunidade. Ora isto é quase fatal, ou mesmo fatal, para uma relação de intimidade, uma vez que quanto menos um indivíduo se relaciona sexualmente com o seu parceiro, menos lhe apetece fazê-lo. As grandes pausas, em vez de estimularem o desejo, aumentam a ansiedade, passando o casal a fazer amor por uma questão de frequência e não por uma questão de vontade. A sexualidade masculina, de maior despertar visual, de ritmo mais constante e de maior prontidão de resposta, ainda sobrevive a este processo. A mulher, com uma sexualidade muito contextualizada é, positivamente, arrasada por este processo demolidor. Quando amamos alguém, o pior que nos pode acontecer é a traição. A traição é um fenómeno que poderá, eventualmente, estar presente numa relação, podendo o sujeito trair ou ser traído. O motivo que leva uma pessoa a trair pode ser explicado pelo seu desenvolvimento psicológico. O nosso comportamento pauta-se por uma necessidade incessante de satisfazer todas as nossas necessidades, quer sejam essenciais ou não para a nossa sobrevivência. A infidelidade pode ser vista de diferentes ângulos, dependendo da perspectiva, face ao compromisso. Há quem considere que a infidelidade é um sinal de que alguma coisa correu mal dentro do casamento ou relação, podendo até ser um indicador das áreas menos favoráveis, ou seja, se uma relação extraconjugal se pautar, principalmente, por aspectos emocionais poderá inferirse que, eventualmente, existe um défice de afectos ou emoções no casamento. Se a relação extraconjugal é marcadamente sexual é porque, provavelmente, se constatam lacunas neste campo.

O grande enigma é saber quais os condimentos necessários para que a paixão evolua para uma relação pautada por intimidade e companheirismo. 28

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A infidelidade pode apresentar vários tipos de relações: emocionais, sexuais e mistas. O comportamento de homens e mulheres são diferentes no que respeita ao relacionamento extraconjugal. Regra geral, as mulheres traem, principalmente, por problemas emocionais na relação, ao passo que os homens procuram satisfação sexual. É justificável que assim seja pois, a educação influencia, naturalmente, as relações amorosas e, é do conhecimento público, que a educação ainda difere consoante o género. De facto, ao longo do desenvolvimento psicossexual, há divergências no percurso dos dois géneros. O homem habitua-se a um sexo sem afecto, que se reforça na variedade e na novidade. A mulher, por sua vez, é educada para ser mais selectiva. Seja qual for a motivação do sujeito que trai, este terá, na maior parte das vezes, de entrar tanto no campo sexual como no campo emocional. A traição trata-se de uma questão emocional e afectiva vivida por duas e mais pessoas. Quando se ama verdadeiramente, quando o sentimento é genuíno, não há lugar para a traição, ao passo que na atracção e na paixão esta se pode verificar. Mas o quadro do amor, das relações amorosas não é assim tão negro. Há que ser criativo para que se possa pintar uma tela bem colorida e original, bem ao jeito de um pintor consagrado aclamado pela crítica. Para tal, é necessário que a sexualidade no casamento seja um caminho de permanentes descobertas e desenvolvimento, onde se vão conjugando cores e técnicas para que o quadro seja considerado uma obra de arte. Mas só os predestinados o conseguem perpetuando a obra, apenas os génios. É, indubitavelmente, necessário que o casal se paute por uma criatividade erótica, sendo indispensável o cumprimento de três regras básicas. A primeira regra refere-se à negociação,

sendo necessário que o casal saiba negociar e que compreendam que neste acordo não há ganhadores nem perdedores, pois ambos têm que se sentir vitoriosos. Nesta arte do negócio é essencial saber ceder, mas também ser firme para que se possa combater a corrosão das relações de poder. A segunda regra diz respeito ao campo sexual, sendo necessário haver uma harmonia entre quantidade e qualidade. A terceira regra básica postula que os filhos e a restante família não se podem sobrepôr ao casal, uma vez que a harmonia conjugal só se conservará se o casal nunca for remetido para segundo plano. É dado adquirido que as experiências relacionais na infância têm influência directa na forma como o sujeito se perspectiva e consolida as relações amorosas na fase adulta, apesar dessas influências dependerem de vários factores que afectam o desenvolvimento do sujeito. É importante destacar o papel essencial que o indivíduo tem sobre o caminho que percorre na estrada das relações amorosas. Não há sorte ou azar ao amor, há aprendizagens que se fazem durante a construção do amor. É vital experimentar a paixão, o amor, pois só experimentando se pode evoluir. O permanente construir-desconstruindo da relação amorosa operacionaliza-se através da arte de diluir o impacto dos conflitos associada à arte de promover aproximações nas divergências. Comunicar ouvindo, partilhar, respeitando. O amor é sem dúvida um sentimento complexo, ou talvez simples. As relações mantêm-se quando os sujeitos têm algo a dar e algo a receber, gerandose um ciclo de trocas. Quando este fluxo energético cessa, seja qual for a razão, há que continuar a percorrer a estrada e encontrar novos caminhos que nos levem, de novo, ao seu encontro. Termino com Vítor Hugo: A maior felicidade é a certeza de sermos amados apesar de ser como somos!

REFERÊNCIAS

Aires, J. (2007). O amor é uma carta fechada. Lisboa: Caderno. Fisher, H. (1999). O primeiro sexo, como as mulheres estão a mudar o mundo. Lisboa: Editorial presença. Hatfield, E.; Rapson, R. (1993). Love, sex and intimacy. Their psychology, biology and history. New York: Harper Collins college publishers. Lee, J. (1988), Love Styles in The Psychology of Love. Sternberg, R.J. & Barnes, M.L , ( Eds): Yale University. Sternberg, R. (2001). A seta do Cupido. O percurso do amor ao longo do tempo. Lisboa: Replicação.

AUTOR: João Taborda (Psicólogo Clínico, Mestre em Sexologia / nacionalidade portuguesa / Docente das cadeiras

de Psicologia do Desenvolvimento, Aspectos Antropológicos da Sexualidade, Educação Sexual e Planeamento Familiar e Seminário de Estágio da Universidade Lusófona-Lisboa / áreas de investigação: desenvolvimento, avaliação psicológica e sexologia) | e-mail: joaotaborda@yahoo.com

CO-AUTORA: Ana Sofia Vicente Pereira (Mestranda em Sexologia) Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 08 | junho 2008

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MPOS DE UMA IEDADE PUNITIVA

ma época onde o sofrimento é confrontado eforçado pelo discurso da ética, ambos, constituídos objetivando massacrar a a subjetividade que constitui cada um de as possibilidades em conhecermos aquilo emos ver: Nós mesmos.

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A

exposição do sofrimento, da dor psíquica ainda hoje leva milhares de pessoas a manterem ocultos seus conflitos, afinal, ainda se tem em relação as neuroses, bem como, a saúde mental, o estereotipo da "loucura", imputando ao indivíduo o sentimento de culpa fazendo-o esconder-se não apenas das estruturas delineadoras do senso comum, mas,também de si mesmo, através dos inúmeros mecanismos de defesa, afinal, não nos dispomos assumir nossas fragilidades, sendo, as mesmas, conceituadas de "derrota" por uma sociedade de estruturas conceituais onde todos devemos nos submeter aos padrões e conceitos que revelam a fragilidade das relações de poder. Então, nesse instante submetemos-nos às estruturas, fazendo-nos "miseráveis alvos de nossas misérias", reféns nós mesmos e, ao mesmo tempo, partícipes do masoquismo que necessitamos ter objetivando sentimos-nos vivos em tórridas noites tropicais e glaciais existências. O sofrimento psíquico indica a verdade do desejo massacrado pela opressão, sendo a mesma indicadora do desejo e na contemporaneidade, buscamos soluções velozes esquecendo-nos que as mesmas são "mentiras" fragmentadas no intuito de manter incautos o que negamos existir. Então, tornamo-nos "majestades assentadas nos tronos do onirismo dourado, dentro de nossos inexpressíveis castelos de areia de areia construídos nos tempos de tão curto reinado. Somos imperadores sobre nossas próprias alucinações em rompantes alimentadas por delirantes desculpas, quando pensávamos ser alguma coisa sem nada sermos. Tornamo-nos a loucura sociável, hipocritamente tolerada aos olhos dos que fingem nos enxergar, aplaudindo em nós os seus desejos reprimidos ou mesmo, transferindo àqueles que estão emocionalmente expostos ao sofrimento suas neuroses, seus grilos, suas frustrações decorrentes das perdas decorrentes da incapacidade em assumirem-se. Então, projetam no outro, observando tal um vouyer que desfalece de prazer por entre as fechaduras, mas continuamente renunciam-se transformando sempre alguém no opróbrio, no impuro, no resto, no estranho, no perigo iminente, no mal súbito, no que está com prazo de validade vencido e imputa-lhes o título da loucura. Torna-se "simples" definir diferenças como "loucura", no entanto se argüirmos o que venha ser isso, ouviremos uma definição que jamais estará próxima sequer daquilo que corresponde a complexidade existencial do indivíduo. A subjetividade, nossos conteúdos internalizados em congruência com a forma própria que cada um de nós tem de lidar com o que é particular poderá ser 36

analisada, no entanto, jamais poderá ser encerrada em definições, classificações e transferências. Portanto, podemos compreender nossas dores psíquicas, nossos conflitos internos capacitandonos na resignificação dos mesmos, no entanto, jamais conseguiremos arrancá-los de nossa trajetória vivencial, pois, são as nossas marcas impostas pelas nossas escolhas mediante às condições que encontramos para suportarmos o conflito DOR E PRAZER, Vida e morte, Amor e ódio. Estamos cerceados por medos, solidão, depressão, dependências químicas e emocionais, ansiedades, repressões, castrações, desamparo e desajustes sociais profundos, então, sentimo-nos altamente vulneráveis requerendo das aquisições externas, do consumo patológico o prazer ao qual não conseguimos estabelecer internamente. Durante as etapas do desenvolvimento psicosexual, os que são abruptamente reprimidos, castrados, punidos, mal saciados não conseguindo obter o prazer decorrente da auto-erotização, impedindo assim, que sintam-se como fontes geradoras de prazer para si, necessitam do deslocamento para o objeto, para as drogas, para os bens de consumo, para o que está exposto sob apreciação e desejo de muitos, aproximando-os da virilidade tão buscada elevando temporariamente as defesas egóicas, onde o indivíduo imagina poder todas as coisas, assim, colocamos-nos em rota de colisão com o nosso Ser existencial. Podemos chamar tal o fenômeno de Prazer Egóico Superficial, sendo esse imperceptível frente as necessidades não satisfeitas, perdendo o "efeito mágico", resultando no empobrecimento das relações afetivas, o aumento crescente do número indivíduos com as mais diversas psicopatologias; o crescimento vertiginoso da violência, o consumo exagerado de substâncias psicoativas, o afastamento da produção cultural, a busca desmedida por prosperidade financeira, a disputa individual por poder, a submissão do homem à tecnologia. Na contemporaneidade, mas precisamente na globalização, nos deparamos com propostas rápidas de consolidar tudo que o homem, em toda sua história, sempre buscou e não pode estabelecer. Propostas sedutoras da concretização de uma busca sem critérios. Vivemos o tudo posso, porém nada assumo. Buscamos alcançar tudo aquilo que nossos olhos "desejam", mas não conseguimos

"Nunca a psic dizer a verd loucura, já que detém a psicolo

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alcançar o que os nossos sentimentos e emoções necessitam para o contato efetivo com o prazer. Negligenciamos continuamente nossas dores e na tentativa de ocultar a extensão de nossas feridas negando a compreensão do desejar, do ter e o ser sendo que frente as constantes frustrações, o indivíduo retoma o processo de uma busca incessante desencadeando a si mesmo inúmeros transtornos, sendo isso, bem evidenciado nas personalidades obsessivas-compulsivas e comorbidades. Introjetamos a onipotência, a onipresença e a onisciência na tentativa em exercer o total controle sobre a realidade como forma de não ter contato com nossos horrores, não suportamos em nos deparar com nossas próprias fragilidades, tornando aprazível contemplar o fracasso ou seu extremo sucesso nos outros como forma de negar as nossos próprias derrotas e feridas. O encantamento é o prenúncio da auto-renuncia que, muitas vezes, consiste na forma patológica onde, a busca do amor objetal, possibilita-nos a ilusão do encontro com nós mesmos à partir do outro. Estamos em um período onde as exigências estéticas, culturais, sociais, políticas e econômicas constituem a unificação e o delineamento de uma maneira de pensar, viver e sentir coletiva. Para fazermos parte dessa engendrada estrutura nos é necessário a aprovação social, onde "cada um é o outro e o outro não é ele mesmo", constituindo assim um processo contínuo de fragmentação da personalidade sendo nós, as própria vítimas. Volto sempre a afirmar que viver é biológico, torna-se muito simples para uma espécie tão complexa como a nossa. Basta-nos manter a respiração e pronto, estamos vivos, mesmo que, vegetativamente. Existir está na complexidade do fenômeno psíquico. No existir estão as crises não aceitas como desígnios do destino, das "forças espirituais" ou outras grandes crendices tolas e vazias, dessas que buscamos para justificar, amenizar as circunstâncias. Ser nós mesmos consiste na elaboração daquilo que somos, ou não; daquilo que sentimos ou não; daquilo que gostamos ou odiamos. Portanto, os parâmetros autoritários nada mais são que possibilidades efêmeras em instituir a castração através dos mecanismos de defesa em relação não

cologia poderá dade sobre a que é esta a verdade da ogia".

àquilo que suportamos, mas em relação ao que o outro não suporta em si mesmo, transferindo seus horrores, suas inaceitações, suas frustrações transformando o que chamam de loucura, na justificativa massacrante do desejo fundando assim o senso comum, que irá ser visto frente a intencionalidade do discurso: "Fulano é um louco", isso é loucura, sandice etc e tal, objetivando o exercício de controle sobre a realidade. Para a cultura ocidental o debate sobre a loucura pode ser suspeito, pois por detrás do mesmo existe aquilo que menos deseja-se compreender, aquilo que desejam sistematizar em torno de classificações "homogêneas", desmerecendo a multiplicidade constituinte da subjetividade da história vivencial do indivíduo, gerando a concepção da polaridade normal – anormal, tentando estabelecer um campo específico da ação clínica onde nos depararemos com imprecisões, limitando a compreensão do fenômeno psicopatológico relegando ao mesmo o obscurantismo, ao misticismo e aos estigmas afastando a compreensão da história dos indivíduos. A loucura abala as relações de poder, pois o mesmo somente é poder em virtude das fragilidades que o constitui. Assim as estruturas de repressão são articuladas objetivando recalcar os gritos, os olhares e as profundas manifestações que conhecem tão bem, que prefeririam desconhecer. Lidar com as diferenças é uma questão árdua, pois perturba a familiaridade próxima com a "loucura" e, nesse momento, o mesmo e o outro se confrontam na tentativa em massacrar a diversidade impondo às mesmas certezas tão abaláveis. Então, impor o olhar determinista da cura, consiste no assassinato psíquico daquele que de tão livre e vivo, incomoda-nos, pois, estamos encarcerados e um tanto quanto limitados. (...) nossa sociedade não quer reconhecer-se no doente que ela persegue ou que encerra; no instante mesmo em que ela diagnostica a doença, exclui o doente. As análises de nossos psicólogos e sociólogos, que fazem do doente um desviado e que procuram a origem do mórbido no anormal, são, então, antes de tudo, uma projeção de temas culturais. Na realidade, uma sociedade se exprime positivamente nas doenças mentais que manifestam seus membros... (Foucault, 1984, p.74).

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AUTOR

Marcus Antônio Britto de Fleury Junior. CRP 09/4575 Psicólogo especialista em psicossomática. ateliedeinteligencia@gmail.com

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PSIQUIATRIA

25% DA POPULAÇÃO MUNDIAL

TRANSTORNO D por Marcello Rocha Miranda

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stima-se atualmente que 25% da população mundial sofra de algum tipo de transtorno de ansiedade. Entendendose como transtorno a capacidade destes sintomas de causar prejuízo real na vida das pessoas, sejam estes, pessoais, profissionais ou familiares. Para catalogar e classificar estes transtornos foi estabelecido que quando um conjunto de sintomas se manifesta de forma agrupada e estável ao longo do tempo, em um mesmo indivíduo, criavam-se critérios diagnósticos para os diversos transtornos estabelecidos. Assim, pode-se catalogar, ansiedade generalizada, fobias específicas, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de pânico, agorafobia, estresse pós-traumático, de adaptação, somatoformes, conversivos, entre outros. Quem nunca sentiu aquele friozinho na barriga e a sensação de que um nó estivesse se formando no estomago, e como se não bastasse, as mãos e pés ficando gelados, nossa voz falha, gaguejamos e uma urgência de ir ao banheiro nos assalta nos momentos mais indesejáveis. Todas estas sensações físicas são decorrentes da ativação do sistema nervoso autônomo. A taquicardia, o retesar da musculatura, a dilatação das pupilas, o estar hiperalerta para qualquer ruído ou movimento, caracterizam o que a natureza selecionou como a melhor estratégia para salvaguardar o que o indivíduo tem de mais importante, a sua vida. Todas estas manifestações preparam o corpo do ser vivo para a luta ou fuga, um mecanismo adaptativo que até mesmo os seres mais elementares possuem. Porém, os seres humanos, levam estes mecanismos de sobrevivência a um novo patamar. Então, pode-se dizer, que a ansiedade não só é normal, como necessária para a sobrevivência, tendo sido selecionada pela evolução para garantir que o indivíduo possa estar preparado para enfrentar ou arranjar um jeito de se desvencilhar dos perigos do dia a dia.

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Com a evolução dos tempos, hoje somos pressionados com horários, trânsito, assaltos, dinheiro, trabalho, patrões e etc.. .., e assim, os estressores deixaram de ser um problema real e imediato para se transformarem em problemas cuja solução se estende ao longo do tempo. Sem falar dos conflitos pessoais e interpessoais, dos quais padecemos, e das complexas relações e eventos necessários para resolver determinados problemas, que acabam por envolverem várias etapas e diversas pessoas. Assim, muitas das vezes, o desfecho dos mesmos, quase ou não, dependem da nossa vontade ou capacidade, o que não ajuda em nada a nossa ansiedade. Como identificar se o que você está sentindo merece atenção profissional ou não? Você pode ser do tipo que fica muito angustiado pela expectativa do que ainda vai acontecer, fica prevendo tudo o que poderia dar errado, não dorme direito, rola na cama a noite toda pensando e pensando sobre os problemas que tem, os que já teve e os que ainda vai ter com certeza. Passa os dias cansado e irritado, brigando com qualquer um, por qualquer coisinha. Tudo é uma constante ameaça e você se sente impotente frente a tanta pressão e responsabilidade. Talvez você seja do tipo que tenha medo de tudo e de todos, sair de casa sozinho nem pensar, dirigir nem se fala, o mundo é um lugar terrível e se esconder é a única maneira de se sentir seguro. E assim você vai vendo a vida passar. Não tem como não acabar deprimido e detestando sua própria vida. Talvez essa seja a hora de procurar um médico especialista. Os transtornos ansiosos são a grande maioria, e eles não têm idade preferida, sexo, status social ou religioso. Alguns dos sintomas são: ataques de pânico repentinos, seu coração dispara, a respiração fica difícil, mãos, braços e pernas não funcionam e/ ou ficam dormentes, gelados.

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L SOFRER DE ALGUM TIPO DE

DE ANSIEDADE O transtorno obsessivo compulsivo - a pessoa é geralmente invadida por imagens, pensamentos ou impulsos de forma repetitiva e incontrolável, geralmente de caráter negativo, levando à muita angustia e ansiedade que podem ser aliviados total ou parcialmente por rituais compulsivos, que podem também ser em forma de imagens, pensamentos ou comportamento. O alívio, infelizmente não dura muito e o ciclo se repete inúmeras vezes ao longo do dia, podendo mesmo levar a exaustão ou causar danos à saúde do indivíduo dependendo de como e do que se faz de forma repetida. Imagine uma pessoa se sentir sendo contaminada o tempo todo, por uma variedade de coisas e sendo necessário uma limpeza constante, desinfecção e esterilização de tudo. Quem sabe você tem que querer que tudo esteja em ordem, nada pode ficar fora do lugar ou combinação que você estipulou. Mesmo levando horas, quase nunca está perfeito e é sempre necessário, constantes averiguações para se confirmar de que está tudo certo como devia. E se você não girou a chave cinco vezes, isolou na madeira 3 séries deu 3 pancadinhas, no ritmo certo. Vai que se não fizer pode acontecer alguma coisa muito grave. Alguém pode morrer, posso passar mal. Isso pode acontecer com números, placas de carro, riscos na calçada, pessoas de roxo, dias da semana, comidas, livros, roupas, religião, o namorado, as panelas, sujeira, seja lá o que for,

é possível ser usado no TOC. Pelo menos não tem descriminação. Mas é um problema muito limitante e destrutivo. É certo que em uma parte dos casos não se consegue acabar com todos os sintomas, mas uma melhora já ajuda muito. Na verdade eu poderia falar quase que indefinidamente sobre os transtornos ansiosos, pois não só são diversos como a manifestação dos sintomas é muito individual, assim como suas conseqüências. O tratamento destes transtornos pode abranger inúmeros especialistas médicos, ou não, e diversas técnicas terapêuticas, cognitivo comportamentais, terapia breve, psicanalítica ou outras não tão específicas como ginásticas, meditação, relaxamento ou Yoga. As medicações disponíveis, são ferramentas essenciais para lidar com os sintomas de ansiedade e estresse, e sua variedade atualmente nos oferece um bom arsenal de opções para atingirmos a qualidade de vida que queremos. A escolha do tratamento, medicamentoso ou não, vai variar de caso a caso e deve ser escolhida sempre de forma bilateral, não há espaço para passividade e achar que os profissionais e suas terapias vão fazer milagres sem a sua ajuda. O paciente tem que se comprometer a se ajudar. Tratamento depende de aprendizado, de esforço pessoal e disposição para assumir responsabilidades. Há uma troca constante entre médico / terapeuta e paciente para que juntos possam escolher os melhores meios de se alcançar o bem estar, a autonomia e a liberdade que todos esperam.

AUTOR

Marcello Rocha Miranda, Psiquiatra (CRM 5271696-0) Formado pela PUC-RJ e neuropsiquiatra. E-mail: marcello.rm72@gmail.com

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PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

RECRUTAMENTO E SEL

P

ara quem está desempregado já está farto de participar de entrevistas, dinâmicas de grupo e treinamentos intermináveis. Tudo isso tem um nome: recrutamento e seleção de pessoas. Ler colunas de jornais que só marginalizam e desclassificando funcionários e desempregados talvez não seja a melhor saída. Essas colunas só servem pra empregar mais um nicho de pessoas que acreditam que já conquistaram o mundo e chegaram em seu ápice profissional e não tem mais nada para colaborar com a sociedade. Pensando em tudo isso, será que empresas que escolhem pessoas ou as pessoas que escolhem a empresa? Já perceberam que ao término de um treinamento, após passar pela entrevista existe menos pessoas da qual havia no início desta? Por que isso acontece? Seria essa pergunta que um dono de uma empresa deveria fazer ao responsável pelo treinamento. Será que o problema é realmente nos funcionários que são incapazes de realizar tarefas ou dos gerentes que não souberam representar o Grupo aonde trabalha? Da mesma forma que funcionários têm que prestar contas porque não venderam ou não atingiram determinada meta, gerentes deveriam prestar contas porque no início de um treinamento havia 15 funcionários e no final só restaram 5, 2 ou nenhum? Será que todos são desqualificados e não possuem perfil à vaga? Por qual razão foram aprovados na entrevista? Nos classificados de emprego dos jornais dominicais leio artigos de especialistas em RH que colocam os funcionários como sendo a pior parte da cadeia alimentar, e pelos autores desses 40

artigos, melhor que nem existissem. Funcionários e desempregados são o cocô do cavalo do bandido. (Obviamente que existem funcionários desqualificados, despreparados ou aqueles que descuidam de sua higiene pessoal.) Empresários/ gerentes, nesses artigos, são sempre vistos como santinhos, donos da razão. Após ler tanta besteira, tanta coisa burra nessas colunas de jornais dominicais, o quanto esses autores sabem realmente da realidade do mercado e o que acontece nos bastidores? Nunca ouvi falar de colunas que falem da incompetência de recrutadores formados em letras ou administração e acreditam ser “psicólogos” e reprovam pessoas pós-graduadas, mestres e doutores. Esses dias conversei com um publicitário e empresário aonde esse não sabia nem mesmo falar de seus produtos. Ao visitar o site da suposta empresa, o site estava em construção. Isso que é marketing: um publicitário não saber falar sobre seu produto e no site o aviso “site em construção”. O produto também deveria estar em construção. No

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LEÇÃO DE EMPRESAS por Márcio Roberto Regis | Especialista Psi Clínica UTP

site tinha que estar escrito: “Site em demolição! Mantenha distância.” Outro fato foi ir à uma empresa de segurança, num prédio de dois andares, com uma escada escura, sem iluminação alguma. Ao chegar no escritório, do lado da porta havia um papel colado com fita adesiva escrito o nome da empresa de segurança com uma seta impressa no papel. Nem campainha tinha. O único sistema de segurança era um olho-mágico míope na porta. Algumas empresas disponibilizam entrevistadores que possuem formação inferior ao do candidato a vaga. Isso acontece muito! Tomam a liberdade de reprovar tal candidato, obviamente! “Pegar minha vaga, nem a pau!”. Donos de empresas nem mesmo devem saber disso, justamente por não haver controle de quem ou quantas pessoas foram entrevistadas e quantos talentos foram desperdiçados. A empresa perde em qualidade de funcionários e conseqüentemente perde em números financeiros... possivelmente são perdas incalculáveis à uma empresa recrutadora de talentos perdidos, isso sem falar de agências de emprego tão inúteis quanto olho-mágico míope da empresa de segurança descrita acima: não adianta que ninguém irá vê-lo. Empresas querem funcionários rendendo horrores, trabalhando com sorriso no rosto e

pagando um lixo de salário. Pagam seus funcionários o quanto essas empresas valem no mercado: nada! Essa questão do salário é interessante! É fácil de verificar isso nos anúncios de jornais, aonde exigem que profissionais técnicos em informática tenha um vasto domínio em pelo menos 7 a 10 softwares, linguagens de programação variadas pra ganhar 300 a 500 reais por mês, depois dizem que as vagas não são preenchidas por falta de qualificação profissional. Será mesmo? Os salários são incompatíveis com a função. Empresas querem funcionários prontinhos, treinados e com maior número de vícios possíveis. Empresas são incapazes de inovar, tem medo do novo. Ouço representantes dessas empresas dizendo: “Queremos pessoas que estejam dispostas a crescer junto conosco”. Fermento pra bolo é a melhor saída nesse caso. Cresce rapidinho! Ou funcionário-miojo: em três minutinhos está pronto. Depois ninguém sabe responder porque existe tanta rotatividade de funcionários. Não é por acaso que existe muita gente descontente no mercado de trabalho. As pessoas não buscam carreira e sim um meio de sobrevivência e superar desemprego, ocupando cargos fora de sua formação acadêmica, recebendo salários incompatíveis com sua função e formação e ainda tem que dar “bom dia” para seus superiores do qual estupram o bom-senso, o respeito, os direitos e a dignidade humana.

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AUTOR | Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156

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