ATLASPSICO JUNG Uma visão arquetípica do Curador Ferido na psicologia cliníca
PSI HOSPITALAR O papel do psicólogo no tratamento de pacientes com diabetes mellitus
PSI INFANTIL
NÚMERO 12 | FEVEREIRO 2009
A Revista do psicólogo
Contribuições para uma educação a brincar!
ADOÇÃO REFLEXÕES EM TORNO DA
EXPEDIENTE REVISTA ATLASPSICO EDIÇÃO DE FEVEREIRO 2008 Brasil – Curitiba – Paraná EDITOR-CHEFE Psicólogo Márcio Roberto Regis (CRP 08/10156) AGRADECIMENTOS AOS PROFISSIONAIS COLABORADORES... Carlos A Porcino (Psicólogo) Rafael Leitoles (Psicólogo) Robson Zanetti (Advogado) Sergio Gomes da Silva (Psicólogo/Psicanalista) Márcia Souto de Araújo (Psicóloga) Michele Cruz Vieira (Acadêmica de Psicologia) João Luis Taborda (Psicólogo/Sexólogo de Portugal) Suzana Blanco (Acadêmica de Psicologia) Márcio Roberto Regis (Psicólogo) ARTE E DIAGRAMAÇÃO Márcio Roberto Regis SEJA UM COLABORADOR PARA A PRÓXIMA EDIÇÃO Encaminhe seu artigo para o email editorial@atlaspsico.com.br Um projeto do Portal de Psicologia ATLASPSICO www.atlaspsico.com.br | revista.atlaspsico.com.br
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Caros Leitores e Colaboradores,
EDITORIAL
Nesse novo ano de 2009, iniciei com dúvidas sobre o tema de capa. Como sempre, os temas abordados pelos nossos Autores são de suma importância à nós cientistas e a comunidade em geral. Entre essa variedade temática da nossa edição, Adoção é sempre motivo de muita polêmica, além de gerar dúvidas independentemente se o casal pode ou não gerar filhos no intuito de aumentar a família. A dúvida acaba quando a paixão a primeira vista toma conta do coração dos pais não-biológicos à criança adotiva. No Brasil não há informações sobre o número nacional de adoções. Segundo a Revista ÉPOCA (edição n.517/2008), no Estado de São Paulo, as adoções legalizadas em 2004 não passaram de 3.182 por brasileiros e 159 adoções realizadas por estrangeiros. Em 2008 foram registrados 4.497 adoções e 198 adoções por estrangeiros. Para se ter uma idéia, o número de procura e a fila de espera para adotar uma criança passa de 6 mil famílias cadastradas apenas no Estado de São Paulo. Em Santa Catarina são 700 adoções por ano. O psicólogo Carlos Porcino, autor do artigo sobre Adoção, nos remete uma breve reflexão sobre o tema ilustrando um caso clínico. Aproveito para agradecer todos os nossos colaboradores e nossos leitores! Meu muitíssimo obrigado! Saibam que qualquer um de vocês pode colaborar de alguma forma com a Revista ATLASPSICO. Todos serão muito bem-vindos! Ótimo Ano à todos e sucessos! Boa leitura! Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 Psicólogo e editor ATLASPSICO
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Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 12 | fevereiro 2009
ÍNDICE
A Revista do Psicólogo
ATLASPSICO
06
número 12 | fevereiro 2009
JUNG
Uma visão arquetípica do Curador Ferido na psicologia cliníca
PSICOLOGIA ORGANI ZACIONAL
Retratos de um Líder
PSIMOVIE
14
Duro de Matar 4.0 e a dep. digital
26
DIREITO
Os beneficiários do dano moral
24
COMPORTAMENTO Agressividade fenomenológica
44
PSICOLOGIA INFANTIL Contribuições para uma educação a brincar!
32
COLUNA ATLASPSICO Video Curriculo é tendência?
48
MATÉRIA DE CAPA
Reflexões em torno da adoção: fragmentos de um caso clínico
PSICOLOGIA HOSPITALAR
O papel do psicólogo no tratamento de pacientes com diabetes mellitus
38 16
JUNG
uma visão arquetípica do
CURADOR
FERIDO na psicologia cliníca
E
ste artigo tem por objetivo, relacionar o exercício da profissão de psicólogo clínico com a atuação do arquétipo do curador ferido no próprio sujeito. Possui caráter exploratório relacionando através de pesquisa bibliográfica os dados coletados de questionários respondidos por psicólogos clínicos com mais de três anos de atuação na área. As respostas dos questionários são categorizadas e as categorias são relacionadas às características do arquétipo do curador ferido. Pressupõe-se que estas auxiliam os psicólogos em determinados momentos de seu trabalho na psicologia clínica, pois acredita-se que o psicólogo, enquanto curador ferido, por já ter experiênciado a dor, empatisaria com maior facilidade a dor do seu paciente. Considera-se que o trabalho do psicólogo sobre 6
suas próprias feridas, faria com que essa sintonia pudesse acionar no paciente o seu próprio lado curativo, desta forma o desenvolvimento pessoal do psicólogo torna-se um fator decisivo nesse processo, assim caberia ao psicólogo experienciar o poder curativo do próprio Self, pois, como curador ferido, tornar-se-ia primordial que o psicólogo tenha sido iniciado antes de se tornar uma espécie de guia e companheiro para seus pacientes, no processo de encontrar um significado para a ferida, tentando expor que os ferimentos não são, via de regra, algo à serem superados, deixados para traz ou escondidos, mas seriam sim parte integrante de cada individuo. Este para obter a verdadeira “cura”, deve primeiramente aceitar seus próprios padecimentos, conscientizando-se de que algumas feridas podem ser curadas e outras não.
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INTRODUÇÃO
Em geral procedimentos psicoterápicos, têm como objetivo a cura ou então a amenização de algum sofrimento. Por mais que os processos médicos e psicoterápicos tenham evoluído muito nos últimos anos, devemos buscar novamente as origens do processo de cura para os psicoterapeutas, para que assim componham um quadro mais nítido do seu próprio trabalho. Tal estudo faz-se necessário para uma maior reflexão sobre o que vem a ser a cura e a dor. Durante estes cinco anos de estudo da psicologia, por uma abordagem junguiana, creio que a cura está no encontro de um significado para a doença, para tanto é necessário ativar a imagem do curador ferido. Pode-se perceber que quando compreendemos plenamente a experiência do sofrimento, adquirimos um maior grau de conhecimento e sensibilidade, o que
acaba por nos tornar capazes de entender melhor nossos pacientes e ajuda-los a superar suas próprias feridas. Pressupondo, assim, que as características arquetípicas do curador ferido, poderiam auxiliar os psicólogos clínicos no seu trabalho diário, pois aceitando e entendendo as próprias feridas eles ficariam em maior sintonia com as feridas do paciente, potencializando assim a cura. Pode-se dizer que o processo de cura psíquica é ainda um processo misterioso, porém, uma revisão criteriosa daquilo que transparece no processo, poderia nos ajudar, enquanto psicoterapeutas, a nos tornarmos cada vez mais competentes em nossa assistência e participação nesse “ritual” de cura ou amenização do sofrimento psíquico do outro.
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OBJETIVO GERAL
Rejeitado pela mãe e sem ter conhecido o pai, Relacionar a atuação do arquétipo do curador Quíron foi adotado por Apolo, o deus da música, ferido proposto por C. G. Jung, no próprio da poesia, da medicina e das profecias, que lhe psicoterapeuta no seu exercício da profissão de transmitiu muitos e ricos ensinamentos. psicólogo clinico. O Centauro Quíron, vivia numa gruta, no monte Pélion e era um gênio benfazejo, amigo dos OBJETIVOS ESPECÍFICOS homens. Sábio, ensinava música, arte da guerra e Compreender como o processo de análise do da caça, a moral, mas sobretudo a medicina. Foi psicoterapeuta influencia na sua prática clinica e o grande educador de heróis, entre outros, Jasão, no seu modo de ser psicoterapeuta. Peleu, Aquiles e Esculápio (GRIMAL 2001:p. 402). Identificar a importância dada pelos Quando do massacre dos centauros por Hércules, psicoterapeutas do seu processo de análise pessoal Quíron, que estava ao lado do herói e era seu na sua pratica da psicologia clínica. amigo, foi acidentalmente atingido por uma flecha Levantar como seu trabalho na psicologia clínica envenenada dele. O Centauro aplicou ungüentos influenciaria em modificações no psicoterapeuta. sobre o ferimento, mas este era incurável. Refletir sobre os motivos que nos levam a Recolhido à sua gruta, Quíron desejou escolher a profissão de psicoterapeuta. morrer, mas nem isso conseguiu, pois era imortal. Finalmente, após muitos anos, Quíron conseguiu MARCO TEÓRICO livrar-se de sua agonia, graças a uma troca de Narração do Mito do Centauro Quíron destino com Prometeu. Esse Titã fora acorrentado a Segundo Brandão (2000 vol. II:p.90) Quíron, um rochedo por Zeus, como castigo por ter roubado do grego Kheíron, nome que é, possivelmente o fogo dos deuses para dá-lo aos homens. uma abreviatura de Kheirurgós, “aquele que Como Quíron, também Prometeu, estava trabalha ou age com as mãos”, cirurgião, pois que condenado a uma tortura eterna, pois todos os dias esse centauro foi um grande médico, que sabia uma águia lhe bicava o fígado, que se recompunha muito bem compreender seus pacientes, por ser durante a noite. De acordo com as ordens de Zeus, ele um médico ferido. A palavra “Quíron” é raiz Prometeu só poderia ser libertado se um imortal se etimológica de cirurgia e significa “com a mão” (do dispusesse a ir para o Tártaro ( um dos infernos) grego chirurgia “trabalho com as mãos”) (MEIER, e lá permanecesse renunciando à sua imortalidade. 1967:p. 40) O mito de Quíron ocorre nas planícies Convencido por Hercules, que intercedeu a da Tessália, região norte da Grécia, com o encontro favor do seu antigo mestre, Zeus concordou com entre Cronos (Saturno o Deus do tempo) e a ninfa a troca. Assim, Quíron tomou o lugar de Prometeu Filira. Atraído pela sua beleza, Cronos passou a que cedeu-lhe o direito a morte. E foi assim que perseguí-la e Filira, para escapar do seu assedio, Quíron pode encontrar repouso (GRIMAL, 2001:p. transformou-se em uma égua. Por ser filho de 402) Cronos, Quíron pertencia à geração divina dos Conta-se que Quíron subiu ao céu sob a forma Olímpicos. Pelo fato de Cronos ter-se unido a Filira da constelação do sagitário, uma vez que a flecha sobre a forma de um cavalo, o centauro possuía em latim sagitta, a que se assimila o sagitário, dupla natureza: eqüina e humana. estabelece a síntese dinâmica do homem, voando Horrorizada ao ver o monstro que gerara, Filira através do conhecimento para sua transformação, suplicou aos deuses que a transformassem em de ser animal para ser espiritual (Brandão 2000 vol. uma árvore, desejo que foi prontamente atendido. II:p. 90)
A cura só pode ser encontrada quando aceita-se a dor e se dá a ela um significado. 8
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A CURA E O SIMBOLISMO DO ARQUÉTIPO DO CURADOR FERIDO “Tudo em Quíron, o médico divino e ferido... o faz parecer a mais contraditória figura de toda a mitologia grega. Apesar de ser um deus grego, sofre de uma ferida incurável. Além disso, a sua figura combina o aspecto animal com o apolíneo, pois apesar do seu corpo de cavalo – configuração pela qual são conhecidos os centauros, criaturas da natureza, fecundos e destrutivos – é ele quem instrui os heróis nas artes da medicina e da música (KERÉNYI, 1959)”. Segundo Brandão (2001 vol. III:p. 26) pelo fato de Quíron ser um médico ferido, um xamã, e residir numa gruta evocam, de pronto, sua função mais nobre e indispensável aos jovens “históricos”, mas sobretudo aos heróis míticos, a saber, a ação de fazê-los passar por ritos iniciatórios, que outorgavam aos primeiros o direito à participação na vida política, social e religiosa da polis e aos segundos a imprescindível indumentária espiritual, para que pudessem enfrentar a todos e quaisquer monstros... De acordo com a mitologia grega, Quíron, metade homem, metade cavalo, passou por intensos sofrimentos e, embora tenha se tornado um mestre nas artes curativas, jamais conseguiu tratar sua própria ferida, razão pela qual foi chamado de “O Curador Ferido”, assim o relacionamos, com o tema da dor e da cura (DOWNIG, 1991: p.233). O arquétipo do Curador Ferido, representa nossas feridas psicológicas mais profundas, ou seja, feridas que acabam por nos auxiliar em determinados momentos da profissão de psicoterapeuta, pois certamente por já ter experiênciado a dor, empatisamos mais facilmente à dor alheia . Por isso a idéias de ter sido ferido, ter sofrido ou adoecido, são pré requisitos para os que vão exercer do papel de “curador”, pois “só o curador ferido cura” (DOWNIG, 1991: p.233). A cura só pode ser encontrada quando aceitase a dor e se dá a ela um significado. Olhando por esse prisma vemos que muitas vezes o terapeuta precise por a nu uma dor oculta, pois se não experimentássemos a dor, talvez não tivéssemos a capacidade para a bondade. A cura como integração psíquica, poderia, quem sabe, ter lugar e “bloqueios do desenvolvimento” que seriam removidos ao se reviver, possíveis experiências traumáticas, em pequenas doses de emocionalidade. Em revisão à abordagem junguiana em relação ao processo de cura, vemos que a cura procede do “encontro de um significado para a doença” ou quando “os sintomas se integram em uma totalidade significativa” (MEIER, 1967: 128). O verdadeiro mestre está sempre aberto as dores do mundo, porque ele
também sofre. A figura de um curador ferido vem nos contar sobre o valor das inúmeras limitações, das feridas dentro de nós, que embora nos causem sofrimento na vida cotidiana, de alguma forma, nos levam a questionar e a abrir caminho para um entendimento maior a respeito das leis da vida. O paradoxo, vem na forma do próprio centauro, pois sendo metade deus, metade cavalo ele tem a capacidade de compartilhar tanto o instinto como o espírito, contendo a dualidade própria da condição humana. Nunca seremos totalmente animais e tampouco conseguiremos ser totalmente divinos, mas sempre uma mistura dos dois, pois aqui estamos para aprender e conviver com ambas as partes. Dessa mistura vem a sabedoria do centauro, que compartilha do conhecimento de Deus, bem como do conhecimento das leis naturais. No mito Quíron recebe dos deuses, como recompensa pela sua atuação como curador o dom da imortalidade. Mas preferiu a morte, aceitando-a de maneira nobre e tranqüila, uma vez que em vida não conseguiria curar-se de sua própria ferida. Vem daí outra característica do Curador Ferido: a necessidade que nós temos de aceitar a mortalidade como parte da vida. Aponta também situações nas quais lutamos incessantemente por algo – um ideal, um relacionamento, uma carreira, por exemplo – sem conseguirmos nenhum resultado positivo, o que muitas vezes, nos leva a acreditar que a vida é uma sucessão de esforços inúteis, que só trazem sofrimento (YOSHIKAWA, 1997). Geralmente por traz dessas batalhas aparentemente sem sentido está a mensagem de que precisamos enfrentar o fim das coisas. O conhecimento e a compreensão dos desígnios de nosso eu mais profundo. Assim como na mitologia, o grande centauro foi mestre de muitos heróis, na vida ele representa o nosso guia interno, que nos revela o caminho e nossa jornada ao longo da vida. Quando pensamos em um curador ferido, não podemos nos deixar atrair, pela figura de um curador curado. É o que Quíron representa: o curador ainda ferido. Um paradoxo onde aquele que está sempre curando permanece eternamente ferido, parecendo, assim, estar no centro do mistério da cura. O princípio desse mistério é “simplesmente o conhecimento de uma ferida também experiênciada e de modo permanente, por aquele que cura” (KERÉNYI 1959:p.99). O que sugere que nossos ferimentos, não são algo para superarmos, deixálos para traz ou escondê-los. Nossos ferimentos são sim parte integrante de nós, ou seja, a aceitação de nossos padecimentos faz parte da verdadeira saúde, assim como, a aceitação de que algumas feridas saram, e outras não.
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A POSTURA DO PSICOTERAPEUTA E O ARQUÉTIPO DO CURADOR FERIDO
O psicoterapeuta “toma para si” as feridas do seu paciente, começando, assim a experimentar de maneira mais plena, o lado ferido da imagem arquetípica. Isto faz ativar suas próprias feridas a sua vulnerabilidade à doença a nível pessoal ativa a sua conexão com a imagem arquetípica do curador ferido (MEIER, 1959:p. 29). No atendimento na clinica psicológica incluise que dentro do meu sistema psicológico, vou dedicar minha atenção, minha energia, minha alma, para que esta pessoa alivie seu sofrimento, porque consideramos que este atinge pessoalmente. Quando um paciente solicita nossos serviços a sua urgência maior é obter ajuda para a cura daquilo que o faz sofrer. “Só quando o curador tiver sido tocado profundamente pela doença, infectado por ela, mobilizado, amedrontado, comovido; só quando ela tiver se transferido para ele, continuando nele e obtido em referencial em sua própria consciência – só então e só nessa medida poderá lidar com ela eficazmente” (JASPERS, 1964) Porém, não é tarefa fácil determinar até que ponto, os psicoterapeutas, devem se envolver ao assumir a doença do paciente. Ele deve estar o suficiente próximo para poder envolver-se, mobilizar-se e ficar atento às suas próprias feridas a fim de catalizar este processo, sem perder de vista os perigos da inflação, de suas próprias limitações e até mesmo da possibilidade da sua morte. O que temos então, é o analista de um lado fazendo papel de curador e o paciente fazendo papel daquele que é ferido. No inconsciente, o trabalho do analista sobre suas próprias feridas fará com que esta sintonia possa, no paciente, acionar o seu lado curador. O lado curador do paciente não é para curar o analista mas para curar a si próprio. O paciente se apossa das forças curadoras do terapeuta, começando assim a vivenciar de forma mais clara o aspecto curador da imagem arquetípica, o que ativa a própria potencia curativa do paciente que começa a tomar parte ativamente no processo terapêutico. Distancia-se, cria novas perspectivas, começando, assim a participar também ativamente da cura. Fica carregado de conteúdos do aspecto ferido do arquétipo do “médico interior”, assim a experiência de totalidade se constela.
“É um típico risco de insalubridade profissional para o terapeuta ser infectado fisicamente e envenenado pelas projeções às qual se expõe. O terapeuta tem de ficar continuamente em guarda contra a inflação. Mas o veneno não o afeta apenas psicologicamente; pode mesmo atacar o sistema simpático. Observei um bom numero dos mais extraordinários casos de doenças físicas entre psicoterapeutas, doenças que não correspondiam aos sintomas médicos conhecidos e que eu atribuí ao efeito de um continuo ataque de projeções, em relação as quais o analista não consegue discriminar sua própria psicologia. A condição emocional peculiar do paciente tem um efeito contagioso. Quase que se poderia dizer que desperta vibrações idênticas no sistema nervoso do analista e, por isso, da mesma forma que os psiquiatras, os psicoterapeutas tendem a tornar-se um pouco esquisitos. É um problema para se ter sempre em mente. Está relacionado de maneira definida ao problema da transferência” (JUNG, 1968: p.172173). Guggenbühl-Craig sugere um arquétipo “médico/paciente”, que se faz presente toda vez que uma pessoa adoece. O enfermo procura um doutor externo ou médico, mas o fator curador ,“intrapsiquico”, ou ainda “médico interior” são mobilizados da mesma forma. Até mesmo se o “médico externo” for muito competente as feridas não serão curadas, enquanto não houver a ação do “médico interior” (GUGGENBÜHL-CRAIG, 1971:p. 89-91). Com freqüência ouvem-se explicações do tipo “sua resistência interna cedeu” ou “ele não estava querendo melhorar”. De um ponto arquetípico de vista, é o médico interior que não está funcionando. Guggenbühl coloca essa questão nos seguintes termos: “Isto significa psicologicamente que não somente o paciente tem um médico dentro de si mesmo, mas também que existe um paciente no interior do médico” (1971., p. 91) “Ninguém leva o outro além de onde ele mesmo for” (JUNG, 1946: p.308). O desenvolvimento pessoal do terapeuta é então fator decisivo no processo psicoterapeutico, ele próprio deve ter experiênciado o poder curativo do Self; como um curador ferido, simbolicamente podemos colocar que deve ser iniciado antes de se tornar guia para os outros, isto é perceber seu lado de curador ferido.
“Ninguém leva o outro além de onde ele mesmo for” 10
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METODOLOGIA
Este artigo, é de caráter exploratório, onde relaciona-se, através de uma pesquisa bibliográfica os dados que foram coletados, através de questionários, que foram aplicados a psicólogos clínicos que tenham mais de 3 anos de atuação na área clínica. Os questionários são constituídos de perguntas abertas e foram deixados em clinicas particulares e em CAPS à disposição dos psicólogos que se interessassem em responde-los. Estas respostas coletadas através dos questionários, foram categorizadas e suas categorias foram relacionadas com as características do arquétipo do curador ferido.
Os questionários foram respondidos no período de setembro e outubro de 2002. Ao todo foram distribuídos 75 questionários à psicólogos de diversas linhas, porém só retornaram 15 questionários, portanto, trabalharemos com essa amostragem. A idade dos psicólogos que responderam os questionários, varia entre 28 e 60 anos, temos uma média de idade de 39.93 anos ,destes, 60% são mulheres 40% são homens. O tempo de atuação na área clinica variou de 3 à 29 anos de prática, tendo uma média de 13.73 anos de atuação.
O verdadeiro mestre está sempre aberto as dores do mundo RESULTADOS Quanto às linhas, 40% (N = 6) dos psicólogos que responderam os questionários, são psicanalistas, 26.6% (N = 4) são psicodramatistas, 13,3% (N = 2) trabalham com a linha sistêmica, 6,6% (N = 1) psicodinâmica, 6,6% (N = 1) psicologia relacional e por fim 6,6% (N = 1) seguem a psicologia analítica.
2. Para você qual a importância da terapia na prática clinica? Categoria
Descrição
%
2.1
Procedimento ético, condição fundamental para o exercício da profissão e formação
40%
2.2
Perceber o que do paciente se identifica com o terapeuta aumenta a eficiência por estar menos comprometido.
26.6%
2.3
Fundamental para separar as questões pessoais com as do paciente para não atrapalhar o processo
13.3%
2.4
Enquadram-se nas categorias 2.1 e 2.2
6.6%
2.5
Enquadram-se nas categorias 2.2 e 2.3
13.3%
1. Como a terapia influenciou na sua prática clinica? No seu modo de ser terapeuta? Categoria
Descrição
%
1.1
Modelo terapêutico, escolha da linha
20%
1.2
Com a aproximação pessoal do que faz sofrer o terapeuta, aprende-se a reconhecer o sofrimento no outro.
40%
1.3
Enquadram-se nas categorias 1.1 e 1.2
40%
Vemos, que não só os pacientes, mas também os psicólogos, vêem seus psicoterapeutas como “mestres”, pois seus psicoterapeutas em 60% dos casos, os influenciaram na escolha da linha e no modelo terapêutico. Como vimos anteriormente, o verdadeiro mestre, está sempre aberto às dores do mundo, porque ele também sofre. A grande maioria dos psicólogos dessa amostragem, acreditam que o desenvolvimento pessoal do terapeuta é fator decisivo no processo terapêutico, na interpretação junguiana segundo o arquétipo do curador ferido, ele próprio deve ter experiênciado o poder curativo do Self; dentro da psicologia é fundamental que o terapeuta tenha sido iniciado no processo terapêutico, antes de se tornar terapeuta (mestre) para os outros.
Pode-se observar o grande grau de importância dada pelos psicólogos à terapia na prática clinica, terapia esta, que é vista como fundamental ou essencial para o exercício da profissão e da constante formação do psicólogo. Como um curador ferido é essencial que o psicoterapeuta esteja consciente de suas feridas, aceitando-as, facilitando assim, a relação psicoterapeuta – paciente, onde o psicólogo não se impõe como um ser onipotente, mas sim admite ser uma pessoa que sofre como seus pacientes. Também pode-se observar a preocupação dos psicoterapeutas no que diz respeito, à separação de questões pessoais com as do paciente para não atrapalhar o processo terapêutico e para haver certa proximidade com o outro sem confundir-se com ele a terapia na prática clínica torna-se fundamental.
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3. O trabalho na clinica chegou a mudá-lo (a) pessoalmente? Como? Categoria
Descrição
%
3.1
Aprendem com seus pacientes, casos instigam questões pessoais e pode-se assim, trabalhar algo que estava adormecido.
86.6%
3.2
Poucas mudanças e algumas frustrações.
13.4%
CONCLUSÃO
Nota-se que a grande maioria dos psicólogos da amostragem em questão, (86,6%) admitem aprender, ou até mesmo evoluir com o paciente. Isto relaciona-se com a atuação do arquétipo do curador ferido, identificando-se muitas vezes com as feridas psíquicas trazidas pelos pacientes. Estas permitem ao terapeuta a empatisar com maior facilidade com as questões de seus pacientes. Temse ainda uma pequena amostragem que afirma que o trabalho na clínica, chegou a trazer algumas frustrações. Acredita-se que tais frustrações se dêem pela falta de um significado para o sintoma do próprio terapeuta. 4. O que o motivou a ser terapeuta? Categoria
Descrição
%
4.1
Amor a profissão e ao ser humano. Responsabilidade social
20%
4.2
Desejo inconsciente de curar a si próprio. As próprias neuroses
53.4%
4.3
Não era um projeto especifico, foi se revelando com o exercício da profissão de psicoterapeuta
6.6%
4.4
Uma espécie de instinto ou dom
6.6%
4.5
Enquadram-se nas categorias 4.1 e 4.2
13.4%
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A grande maioria dos psicoterapeutas entrevistados, admitem ter escolhido a profissão por desejos conscientes ou inconscientes de curar a si próprios - isto conforme a teoria junguiana, possibilitou o contato com seu próprio sofrimento e o entendimento do sofrimento alheio. Entretanto se sua própria ferida não é reconhecida pode-se projetar ou buscar a cura no paciente, ele se torna um objeto na mão do psicoterapeuta - e também aos outros. Como no arquétipo do curador ferido, nota-se nos psicoterapeutas um amor à profissão e ao ser humano, um desejo inconsciente de ajudar e estar disponível, são aspectos decisivos para a escolha da profissão. Porém e como um curador ferido, acreditam reconhecer o sofrimento no outro por já terem saberem ou terem experiênciado também o sofrimento. Tem-se ainda os psicoterapeutas que acreditam ter chegado a escolha da profissão, como se esta fosse um instinto, ou um dom, algo que já estava internalizado, como um arquétipo. 12
Constata-se que o arquétipo do curador ferido, encontra-se mesmo presente, no dia-a-dia da psicologia clínica. Pois o psicoterapeuta também é um ser humano com os mesmos sentimentos do paciente e que também sofre. Por isso o psicoterapeuta terapeutizado, consegue um maior vínculo com seu paciente, pois quando se vê na posição de paciente, consegue reconhecer a dimensão ferida que existe em todo psicoterapeuta. O psicoterapeuta enfrenta sempre o desconhecido e o imponderável, transmitindo alento, oferecendo cura ou alívio, a partir do que aprendeu na sofrida lida com fracassos e erros que é capaz de guardar só para si. Tal com em outras disciplinas ou profissões, na psicoterapia o conhecimento se constrói em muito pela tentativa e erro, de tal forma que na história da psicologia, como na de cada psicólogo individual, na luta com a vida, há um convívio com o sofrimento que para cada um é único e o mais importante no momento.
GUGGENBÜHL-CRAIG, A. (1971). “Power in the helping profession”. New York, Spring Publications MEIER, C. A. (1959). “Projeção, transferência e a relação sujeito – objeto em psicologia”, em J. analyt. Psychol., 4, I. KERÉNYI, K. (1959). “Asklepios archetypal image of the physician’s existence”. Bollingen series LXV-3, New York, Pantheon Books. DOWNING, C. (org) “Espelhos do self: imagens arquetipicas que moldam a vida”. São Paulo: Cultrix, 1999. JUNG, C. G. (1946) “A psicologia da transferência” em C. W. 16. ____, C. G. (1968) “ Analytical Psychology, ets theory and practice”. New York, Ventage, Londres, Routledge. BRANDÃO, J.S. (2000) “Mitologia Grega Volume II”. Petrópolis, Ed Vozes, 11º edição. ____, J.S. (2001) “Mitologia Grega Volume III”. Petrópolis, Ed Vozes, 11º edição. GRIMAL, PIERRE (1912) “Dicionário de mitologia grega e romana”. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000.
AUTOR Rafael Leitoles Remer CRP 08/09332
Atua na psicologia clinica desde o ano de 2002, formado pela Universidade Tuiuti do Paraná e Pós Graduando em Neuropsicologia. e-mail: rafaelleitoles@yahoo.com.br http://rafaelpsicologia.blogspot.com/
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PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL
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atureza ou educação? Inato ou aprendido? Nascido ou feito? Em nenhuma outra parte a dicotomia tem sido tão debatida como na questão da liderança. Os lideres já nascem para tal ou são desenvolvidos durante a vida? Acontecerão os grandes lideres nas situações de demanda ou os grandes lideres desenvolverão suas aptidões o tempo todo? De onde vem os Lideres? Tudo indica que o reconhecimento do seu valor pessoal se deu desde a mais tenra idade. Seu educador e escola participaram na construção desse ser humano pleno, na medida em que foi estimulado a explorar suas habilidades e encorajado a lidar com suas próprias dificuldades.
Desse modo, a vida para ele foi um processo de aprendizagem constante. Ensinaram-lhe que a mudança é fundamental no processo da vida. Constatou na linha do tempo que a única certeza é a relatividade e a mudança constante e que a agilidade neste processo abrevia o sofrimento e traz crescimento. Aprendeu que não existe apenas um caminho para escalar o topo da montanha. O novo e o imprevisível não assustam mais e que são muitos os caminhos que o levará a realização pessoal e profissional. Isto significa flexibilidade para lidar com as pessoas e situações.
RETRATOS DE UM
LIDER 14
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Aprendeu que a comunicação é essencial para estabelecer o dialogo, para trocar informações, gerar entendimento e acima de tudo comprometimento. Descobrir talentos e motivar a equipe é seu ponto forte. Assim atinge metas e concretiza sonhos. Com a percepção ampliada é participativo e acredita na diversidade e acredita na diversidade. Afinal existe sempre um jeito diferente de ver e fazer as coisas. Essa criatividade o diferencia de todos os outros. Sua auto-estima faz com que acredite em si também e também no outro. Mesmo que esse outro não perceba isso em si. Constrói na relação a sinergia que leva a um só objetivo. A educação continuada e o conhecimento compartilhado é a chave para esse sucesso.
A busca freqüente de novos desafios é o que o motiva. É um ciclo que não tem fim. Segue o itinerário formativo que o conduz a novos conhecimentos e habilidades... sempre! Aí vem a pergunta: –Se não tive a sorte de ter vivido isso em meu desenvolvimento, mesmo assim posso tornar-me líder em meu segmento? –Todos temos padrões hereditários e psicológicos que podem ser transformados, atualizados e superados e assim, construir as competências necessárias para tornar-se líder.
M
R Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 12 | fevereiro 2009
AUTORA Márcia Souto de Araújo CRP/SP 17590 Psicóloga Bioenergética. Desenvolvimento do Potencial Humano www.soutolins.com.br dra.marcia@soutolins.com.br Skype: psicologanaweb
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PSICOLOGIA HOSPITALAR
O PAPEL DO PSICÓLOGO NO TRATAMENTO DE PACIENTES
DIABETE MELLITU O Psicólogo se descobre sendo instrumento de alivio de uma das facetas mais sofridas da realidade humana: a morte... O Psicólogo Hospitalar descobre de modo concreto um dos preceitos máximos da Psicologia que é a cura através da palavra, a cura da dor provocada pelo sofrimento físico e emocional... | Romano, 1999. |
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S COM
ES US Revista de Psicologia ATLASPSICO nยบ 12 | fevereiro 2009
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E
mbora seja um ramo da Psicologia Clínica, a Psicologia Hospitalar assumiu um modelo próprio, adaptado à realidade institucional hospitalar para atender as necessidades de pacientes, familiares e equipe. Não é regra, mais na maioria das vezes o atendimento no hospital é focal, breve e muitas vezes emergencial. O presente estudo apresenta através de um levantamento bibliográfico a importância do acompanhamento psicológico dentro e fora do hospital com pacientes com Diabetes Mellitus, incluindo família e equipe. Este estudo passa pelos diversos aspectos que estão envolvidos nesta vertente: da história da psicologia hospitalar, o papel do psicólogo, diabetes (tipos), o perfil desses pacientes, suporte social, familiar, limitações, desejos e emoções.
HISTÓRICO DA PSICOLOGIA HOSPITALAR NO BRASIL Segundo Romano (1999), a Psicologia Hospitalar existe no Brasil desde os anos 50, assumindo cada vez mais sua identidade, aprofundando seus estudos e expandindo suas possibilidades de atuação. 1054- Matilde Neder dá inicio à Psicologia Hospitalar no Brasil desenvolvendo uma atividade na Clinica de Ortopedia e Traumatologia da USP. 1974- Belkis Wilma Romano Lamosa implanta o Serviço de Psicologia no Instituto do Coração, Faculdade de Medicina da USP, que só abriria para a população em 1977. 1984- Criado o Departamento de Psicologia da Sociedade de Cardiologia do Estado de SP, sob a Coordenação de Belkis W.R. Lamosa, a partir daí todos os Congressos da Sociedade Brasileira de Cardiologia contavam com a presença da Psicologia em sua programação Científica. 1993- Criado o Departamento de Psicologia Aplicada à Cardiologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia - DF sob a Coordenação de Lúcia Miranda. 2002- Primeira Turma da Disciplina Optativa de Psicologia Hospitalar – UNICEUB.
...humanizar significa particularizar, atender às circunstâncias e necessidades individuais... Romano (1999), pontua que os médicos e os profissionais de saúde deram-se conta de que a presença do psicólogo no hospital se fez imprescindível a partir do momento em que houve o aparecimento e registro de episódios psicóticos, seja relacionados com o uso da tecnologia avançada, com os procedimentos cirúrgicos e mesmo com os estados confusionais e depressivos decorrentes do uso de medicação. A figura do psicólogo vem sendo aos poucos desmistificada e a própria população começa a ter consciência de sua importância. E uma 18
das mudanças encontradas na história do hospital apresenta o estreitamento de seu compromisso com a comunidade, É um ramo da Psicologia que se diferencia dos demais por pretender humanizar a prática dos profissionais da saúde dentro do contexto hospitalar. A partir da Psicologia Hospitalar, a própria psicologia redefiniu conceitos teóricos na tentativa de uma melhor compreensão da somatização, suas implicações, ocorrências e conseqüências.
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O mesmo diz ainda que o atendimento psicológico hospitalar é realizado numa situação especial na qual o cliente encontra-se doente e hospitalizado. A família do paciente também deve receber a orientação e o suporte emocional necessários. Sendo assim, embora seja um ramo da Psicologia Clínica, a Psicologia Hospitalar precisou assumir um modelo próprio, adaptado à realidade institucional hospitalar para atender as necessidades de pacientes, familiares e equipe. O atendimento no hospital é focal, breve e muitas vezes emergencial. O psicólogo clínico no hospital, ao contrário do psicólogo no consultório, vai até o cliente e junto a este identifica sua demanda. Os pacientes costumam ser encaminhados pela equipe ou o próprio psicólogo vai até os mesmos e oferece o seu trabalho. No hospital, o psicólogo deve trabalhar em equipe de forma interdisciplinar e isso implica numa constante troca de conhecimentos e numa discussão conjunta com os demais membros da equipe sobre o melhor atendimento ao paciente. Romano (1999), diz que os atendimentos psicológicos acontecem quase sempre à beira do leito, contando sempre com a possibilidade de interrupções e adiamentos. A flexibilidade do psicólogo neste contexto é fundamental e, como coloca Romano (1999), “o que possibilita e molda o trabalho não é o lugar nem os entraves. Seu aspecto terapêutico, oportuno e pertinente resulta da eficácia da ação, dos objetivos bem claros a serem atingidos, da possibilidade de trocas eficientes com a equipe, do consenso de que a intervenção psicológica junto ao doente e seus familiares interfere positivamente no processo do adoecer e da hospitalização.” (ROMANO, 1999, p.62).
O PAPEL DO PSICÓLOGO NA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR
Segundo Romano (1999), o psicólogo hospitalar tem formação e exerce seu olhar como um clínico, isto é, “a beira do leito”, diretamente voltado ao doente. Não é a linha teórica que ele segue que o identificará, mas quem dela se beneficia. Portanto, todos serão psicólogos hospitalares, independente da linha teórica que sigam desde que os doentes estejam vinculados àquela instituição assistencial. O mesmo diz que um médico deve ter uma percepção mais sensível do processo de ajustamento e da morbidade psicológica do paciente. E a humanização também é um fato crescente e exigido como uma obrigação pelos consumidores, pois humanizar significa particularizar, atender às circunstâncias e necessidades individuais. A humanização é ainda revitalização de preceitos éticos e que tem dois enfoques:
1. Refere-se às condições de trabalho de responsabilidade da administração superior e da política de recursos humanos; 2. No desprendimento de cuidados ao doente – tarefa de todos (graduados ou não). Para Romano (1999), o hospital pode ser entendido como uma empresa e ao ser contratado, o psicólogo encontra um grande número de tarefas a serem realizadas. Cabe a ele, como profissional responsável, saber ao que veio e utilizar seus conhecimentos com eficiência e eficácia, delimitando suas tarefas em função dos objetivos do contratante. Segundo o mesmo existem duas dificuldades a serem consideradas no ambiente hospitalar. A primeira se refere a lidar com a dor, sofrimento e a morte, o elemento mais determinante para a produção de sintomas psíquicos detectáveis e utilizados como elementos indicativos do sofrimento psíquico dos trabalhadores no hospital. Outro aspecto seria o sofrimento e sua manifestação sintomática, que resultam do relacionamento profissional / paciente, mas as maiores dificuldades são geradas por problemas e preocupações pessoais trazidas para o ambiente de trabalho, ou até mesmo decorrentes do despreparo (ou ausência de conhecimentos) na área psicológica para a abordagem mais adequada do paciente, família e outros profissionais da equipe quando em interrelação. Para o primeiro tipo de dificuldade, parecenos que a intervenção institucional será de grande valia e a atenção psicológica ao profissional deve ser igual àquela clínica dispensada em consultório. Romano (1999), conta que uma das técnicas utilizadas em situações de conflito não explicitadas, envolvendo tanto a equipe quanto a instituição, o psicólogo hospitalar recolhe informações com todos os envolvidos: paciente, família e equipe. Realiza-se um diagnóstico da situação através de trocas com a equipe, alivia-se a crise e restabelece-se a relação equipe / paciente. Outra tarefa importante é ensinar aos membros do grupo a praticar a relação médicopaciente. Este tipo de enfoque visa primordialmente à atuação diretamente com a equipe, promovendo a reflexão sobre o funcionamento dos profissionais dentro do grupo e a relação com o outro indivíduo (o doente). Deve haver um reconhecimento e um desejo de submeter-se e os profissionais nem sempre estão disponíveis a ouvirem (ou falarem) de si próprios (principalmente no ambiente de trabalho) para chegar ao outro (doente). Para isto, há uma cultura institucional, igual para todos, menos persecutória e, o mais importante, avalizadas pelas chefias.
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Por fim, outra tarefa apresentada pela autora acima, possível para o psicólogo desenvolver em um hospital é a assistência direta ao paciente e sua família. A visão médica de relacionar-se com o doente e a doença mudou, tanto em questões econômico-financeira como também no querer e buscar, e no provocar o paciente em seu processo de adoecer. Essa relação mudou com relação ao
conhecimento médico e com relação à apropriação pelo paciente de sua doença. O médico detém o porquê de uma indicação e ao doente compete discutir essa indicação e o quanto de investimento quer fazer, ou buscar alternativas. Romano (1999), apresenta quatro tipos básicos de relações que interessam ao psicólogo hospitalar:
a) pessoa com pessoa (quem é o paciente e quem é o cuidador) – sexo, idade, procedência, costumes, valores etc; b) Paciente com grupos – seu grupo familiar, a equipe multiprofissional, o grupo dos outros pacientes; c) paciente com o processo do adoecer e com a situação da hospitalização (considerando-se o local físico onde ele se encontra); d) paciente consigo mesmo – personalidade, necessidades, mitos e fantasias etc. Segundo Romano (1999), o psicólogo também intermedia a relação equipe/paciente: deve ser o porta-voz das necessidades, desejos, e intervir de forma que os desencontros da informação sejam minimizados. A autora aponta outras tarefas desenvolvidas junto à equipe descritas anteriormente. Segundo ela em um dado momento o psicólogo deve dar as costas ao paciente e interferir no que vê do grupo,
e como o grupo olha o doente. Quando a equipe se desestabiliza porque não sabe como lidar com o paciente, cabe ao psicólogo clínico hospitalar orientar a equipe sobre como lidar com esse doente, e junto com ela buscar a causa do quadro confusional. O psicólogo atua essencialmente nos níveis psicopedagógico, psicoprofilático e psicoterapêutico.
ATENDIMENTO PRIMÁRIO: psicopedagógico – que consiste na orientação, palestras com o foco de prevenção, isto quando ainda não há epidemia, nem uma queixa espefícica. ATENDIMENTO SECUNDÁRIO: psicoprofilático – consiste em orientações e tratamentos quando já há uma epidemia, também com o intuito preventivo, porém com um foco específico. ATENDIMENTO TERCIÁRIO: psicoterapêutico – a pessoa já tem a doença, o foco será o tratamento da mesma.
Em uma divisão quase didática, porque se mesclam nas atividades, ou seja, um grupo de preparo para cirurgia contém os três níveis simultaneamente, verificando as distorções sobre rotina e procurando corrigi-las (ou encaminhá-las), prevenindo reações indesejáveis, estabelecendo vínculos paciente/ psicólogo, identificando resistências e diferenças socioculturais dos pacientes, o que possibilita interpretá-las para a equipe atuar no estado de fragilização e dependência em que se encontra o doente. No nível psicoterapêutico a atuação do psicólogo já está bem estabelecida, inclusive em sua graduação, o que diminui os questionamentos. Ainda segundo Romano (1999), são necessárias algumas reflexões sobre seu potencial 20
psicopedagógico. O fornecimento de informações hábeis e bem-postas, dentro de um programa multiprofissional, é uma das armas para a redução de estresse e pra alcançar a satisfação do enfermo. A pouca informação e a ignorância sobre a verdadeira condição alimenta as fantasias dos doentes, mobilizando sentimentos irracionais, e até desproporcionais, de medo. O conhecer os atenua, reforçando sentimentos de cooperação, confiança e esperança. Cabe ao psicólogo tornar estas informações potentes, eficazes, simples, repetitivas, segundo as características pessoais e coletivas que bem conhece, pra que uma aprendizagem seja realmente incorporada e realizada em sua plenitude.
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RANKING DE PAÍSES EM NÚMERO DE DIABÉTICOS 2007
DIABETES / PSICOLOGIA LARA (2008), diz que um dos principais objetivos da Psicologia é levar a pessoa ao autoconhecimento, ou seja, à percepção e identificação dos seus desejos e emoções, assim como, ao discernimento sobre o que ou quais situações despertam determinadas emoções e quais são as suas reais possibilidades e limitações para lidar com os obstáculos e os desafios que a vida nos apresenta. Ao diabético, isso se torna especialmente importante à medida que ele deve buscar o equilíbrio físico e psicológico, para manter-se saudável e livre das possíveis complicações que o diabetes pode trazer. Ainda segundo a autora, além de nos autoconhecermos, é importante aprendermos a respeitar e a gostar do que somos. É o que chamamos de “auto-estima”! Ter auto-estima é aceitar-se, com todas as suas características, inclusive o diabetes, pois rejeitá-lo, é como rejeitar uma parte de si mesmo. Ter auto-estima é cuidar para que haja mais prazeres do que dissabores, na vida, procurar desenvolver potencialidades e não infringir os próprios limites. A autora finaliza dizendo que, quando não estamos psicologicamente bem, podemos provocar desequilíbrio em nosso organismo e os principais problemas emocionais que podem afetar o controle do diabetes são: O stress emocional e a depressão: é o que sentimos quando ultrapassamos nossos limites ao lidar com determinadas situações e, por essa razão, nos desgastamos exageradamente e entramos em desequilíbrio, perdendo o controle sobre nossas emoções e sobre algumas reações. O stress emocional é causado por: atitudes agressivas, negativistas ou apáticas, que prejudicam o relacionamento interpessoal e a capacidade de lidar com os problemas, de forma realista, o que para o diabético pode significar instabilidade das taxas de glicose. Podemos evitar o stress emocional desses pacientes fazendo com que ele conheça suas emoções que as desencadeiam, fazer com que ele aprenda a poupar situações aversivas, que possam ser evitadas. Modificando a maneira de encarar as frustrações e aprendendo a “ocupar”, ao invés de “preocupar”, diante dos problemas, encarando a vida com mais leveza, menos rigidez e autoexigências. A depressão ocorre: num estado de angústia, tristeza e ansiedade, que surge e se mantém sem motivo aparente e diminui a capacidade da pessoa para atuar sobre a própria vida.
2025
País
Pessoas (em milhões)
País
Pessoas (em milhões)
1º
Índia
40,9
2º
China
39,8
1º
Índia
69,9
2º
China
59,3
3º
EUA
19,2
3º
EUA
25,4
4º 5º
Rússia
9,6
4º
Brasil
17,6
Alemanha
7,4
5º
Paquistão
11,5
6º
Japão
7,0
6º
México
10,8
7º
Paquistão
6,9
7º
Rússia
10,3
8º
Brasil
6,9
8º
Alemanha
8,1
9º
México
6,1
9º
Egito
7,6
10º
Egito
4,4
10º
Blangadesh
7,4
Fonte: Federação Internacional de Diabetes
As causas psicológicas da depressão são diversas. No diabético, a mais comum é a dificuldade de lidar com as frustrações impostas pela doença. Por ter que seguir algumas restrições e procedimentos específicos, a pessoa pode se sentir desanimada, desmotivada, perdendo a vontade e o entusiasmo pela vida. Heleno (2004), comenta que o Diabetes é considerado uma das doenças crônicas mais prevalentes na atualidade. Para seu tratamento, é necessário que a pessoa incorpore no seu cotidiano uma dieta, atividade física, automonitorização de glicose sanguínea e, com o passar do tempo, uso de medicamento. Desta forma, é importante o envolvimento da família nesse processo incentivando a pessoa a aderir aos cuidados necessários. Para isso, é necessário ocorrer o apoio da família no cuidado diário, confraternizações com familiares/ amigos, participação em outros grupos etc. A autora relata que a falta de apoio da família, discussões e preocupações podem afetar negativamente no tratamento causando na maioria dos casos depressão, sentimento de medo, desemprego, isolamento, dentre outros. Heleno (2004), conclui que os psicólogos e equipe devem mostrar ao paciente e seus familiares que viver com diabetes significa ajustar-se a uma complexa reciprocidade entre as relações familiares, sociais, emocionais, hábitos e controle da glicemia enfim, mudanças às vezes consideradas drásticas tanto no estilo de vida pessoal quanto familiar. É imprescindível o envolvimento dos profissionais, pessoas com diabetes mellitus e familiares no cuidado. Uma estratégia utilizada é o incentivo à participação em grupos de diabéticos, envolvendo familiares, pois assim poderá contribuir para adesão aos cuidados visando à prevenção de complicações agudas e crônicas.
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DIABETES
Segundo Balduino (2008): DIABETES: é uma doença em que o organismo não produz insulina ou não consegue utilizá-la adequadamente. Caracteriza-se pelos altos níveis de glicose no sangue. DIABETES GESTACIONAL: o diabetes que se desenvolve durante a gravidez. A glicemia materna se eleva em resposta aos hormônios liberados durante a gestação e a mãe não consegue produzir insulina suficiente para dar conta dos altos níveis de glicose que circulam no sangue. Embora o diabetes gestacional geralmente desapareça após a gravidez, aproximadamente 60% das mulheres que a tiveram acabam desenvolvendo o diabetes tipo 2. DM 1: uma forma de diabetes que tende a se desenvolver antes dos 30 anos. Geralmente é causada pelo ataque do sistema imunológico às células beta do pâncreas e este fica impossibilitado de produzir insulina. Estes diabéticos precisam tomar insulina para sobreviver. DM 2: Sabe-se que o diabetes do tipo 2 possui um fator hereditário maior do que no tipo 1. Além disso, há uma grande relação com a obesidade e o sedentarismo. Estima-se que 60% a 90% dos portadores da doença sejam obesos. A incidência é maior após os 40 anos. Uma das peculiaridades da diabetes é a contínua produção de insulina pelo pâncreas. O problema está na incapacidade de absorção das células musculares e adiposas. Por muitas razões, suas células não conseguem metabolizar a glicose suficiente da corrente sangüínea. Esta é uma anomalia chamada de "resistência insulínica".
MEDIDORES DE GLICEMIA
Balduino (2008), ainda comenta que, o medidor de glicemia é essencial para o controle do diabetes. A única maneira de dominar a situação é tomando nota dos níveis glicêmicos e reconhecer quando estão anormais para tomar as providências necessárias. Há uma grande variedade de marcas de medidores que detectam a quantidade de glicose que flutuam pelo sangue. A maioria utiliza um dos dois métodos existentes para medir a glicemia. Há os que usam o químico, que mudam de cor após entrar em contato com a glicose do sangue. Depois a fita é inserida no medidor, que verifica a intensidade da cor e produz uma leitura eletrônica traduzida por computador da quantidade de glicose (mg/dl) no sangue. Balduino finaliza dizendo que, para se obter um controle satisfatório da glicemia os portadores de diabetes devem ser avaliados pela equipe multidisciplinar a cada três ou quatro meses. As consultas servem para orientar as bases do tratamento do diabetes: educação, dieta, automonitorização e para solicitar exames de rotina. 22
O diabetes tipo 2 é cerca de 8 a 10 vezes mais comum que o tipo 1 e pode responder ao tratamento com dieta e exercício físico. Outras vezes vai necessitar de medicamentos orais e, por fim, a combinação destes com a insulina.
PRINCIPAIS SINTOMAS DA DIABETE
Infecções freqüentes; Alteração visual (visão embaçada); Dificuldade na cicatrização de feridas; Formigamento nos pés; Furúnculo
O medidor de glicemia é um importante equipamento essencial para o controle do diabetes.
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CONCLUSÃO
A partir dos dados acima citados pode-se concluir a importância da psicologia para pacientes com Diabetes tipo II, tanto num ambiente hospitalar de internação quanto uma solicitação externa fazendo um trabalho preventivo, psicopedagógico, psicoprofilatico, grupos etc. Como foi citada à psicologia também intermédia a relação equipe/paciente, e deve ser o porta-voz das necessidades, desejos, e intervir de forma que os desencontros da informação sejam minimizados. Após o momento de internação, o fato de o paciente ter uma doença crônica deve ser motivo para que a equipe amplie o atendimento, para ajudar na aderência ao tratamento. Entende-se que ter uma vida saudável é um desafio para todos nós. O desenvolvimento dos recursos tecnológicos geralmente implica em tornar o indivíduo cada vez mais sedentário, assim como a necessidade da praticidade na preparação das refeições acarreta hábitos alimentares também pouco saudáveis. Este conjunto de fatores, que deveria tornar nossas vidas mais produtivas, acaba por comprometer a produtividade em função da maior incidência de doenças, queda na resistência física, obesidade. Stress, ansiedade, etc. Concluí também que e de extrema importância nos profissionais da saúde orientar os familiares de Diabetes Mellitus incentivando-os a participar junto do paciente de grupos de diabéticos, fazendo com que todos se envolvam ainda mais contribuindo assim para a adesão aos cuidados visando á prevenção de complicações agudas e crônicas.
BIBLIOGRAFIA HELENO, Maria Geralda Viana; ANTONIA, Catarina. Promoção e Educação para a Saúde: um Estudo com Pacientes Diabéticos. Psic., Saúde & Doenças, nov. 2004, vol.5, no. 2, p.189-194. ISSN 16450086. LARA, Anete Cajuela de. Psicologia e Diabetes (2008). Disponível em: <http://www.adiabc.org. br/a014.asp>. Acesso em: 24/10/2008 ROMANO, B.W. Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. SP: Casa do Psicólogo, 1999. TSCHIEDEL, Balduino - Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes. Diabetes tipo II. Disponível em: <http://www.diabetes.org.br/ diabetes/tipos/dm1.php>. Acesso em: 24/10/2008
AUTORA
Michele Cruz Vieira Acadêmica do Curso de Psicologia pela Universidade Cruzeiro Do Sul/SP. Participa do projeto de Acompanhamento Terapêutico (AT) supervisionado na mesma Universidade; Em 2008 realizou curso de extensão no Hospital Aviccena de São Paulo voltado à prática e pesquisa sobre a importância do Psicólogo no atendimento com pacientes com Diabetes Mellitus. Skype: Michele.Cruz.Vieira E-mail: milindinha_26@hotmail.com
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DIREITO
OS BENE FICIร RIOS DO DANO MORAL 24
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A
questão envolvendo o dano moral enfrenta três grandes problemas. Um deles se refere a ausência de descrição taxativa na lei para saber quando está caracterizado o dano moral, outro ao valor da indenização e ainda quem são os beneficiários do quantum referente a indenização. Neste artigo nos limitaremos a discorrer sobre o último deles. Como exposto anteriormente, a dificuldade em estabelecer quem são as pessoas que se beneficiam no dano moral é muito grande. A lei, nem a doutrina e a jurisprudência têm um posicionamento claro a este respeito e isso faz com que a incerteza jurídica se torne evidente. Dessa forma, sem querer esgotar o assunto, procuraremos apontar uma solução, dentre as possibilidades que existem. Pode-se afirmar que o valor da indenização é destinando a quem sofreu o dano. Se quem sofreu o dano deve recebê-lo em vida, outras pessoas próximas a vítima também poderiam se beneficiar do quantum da indenização? Digamos que alguém é assediado moralmente. No assédio moral normalmente o assediado busca auxílio junto a pessoas próximas, familiares, parentes, namorada(o), noiva(o), amante, amigos e médico. O valor da indenização seria ampliado a todas estas pessoas? Parece lógico que o médico que não tem nenhuma relação de afetividade não se beneficia. Com relação aos amigos, embora exista afetividade, também não existe a possibilidade, já que o dano moral poderia ser ampliado de forma quase que ilimitada. A situação das pessoas próximas, onde existe a afetividade e limitação, como os familiares, parentes, namorada, noiva e amante, parece um pouco mais questionável. Numa visão restritiva, somente o assediado tem direito ao recebimento porque somente ele é atingido diretamente pelo assédio enquanto que seus familiares e parentes somente poderão ser atingidos de forma indireta com o sofrimento do assediado. Numa visão mais aberta, os familiares, parentes, namorada(o), noiva(o) e amante também poderiam se beneficiar.
O valor da indenização por dano moral acaba se revelando como um dano patrimonial com a morte da vítima porque seu valor é transmitido a seus sucessores, porém, os sucessores podem ser não somente os familiares, mais também parentes que se não fosse nenhuma ligação de direito, poderiam ainda ser desafetos da vítima. Isso serve para ser demonstrado que os beneficiários do valor da indenização por dano moral devem receber o valor da indenização não pela relação de afeto, dor que estão sofrendo face ao estado da vítima e da proximidade que tem com a mesma, mas sim porque o dano moral deve ser avaliado segundo o direito subjetivo ou interesse lesado, ou seja, a indenização ocorre porque houve lesão de um direito subjetivo ou interesse extrapatrimonial e não porque alguém está sofrendo. Ao isolarmos o valor da indenização do dano moral segundo a ou as pessoas que o sofrem e o ligarmos ao direito ou interesse lesado, o beneficiário do dano moral é somente a pessoa que o sofre e se esta morrer, o beneficiário serão seus sucessores, assumindo assim o valor da indenização um caráter patrimonial, deixando ele de ser subjetivo. Dessa forma, entendemos que o valor da indenização por dano moral decorre da lesão de um direito ou interesse subjetivo não materializado e seu pagamento se materializa e é destinado a determinado beneficiário ou beneficiários como se tratasse do ressarcimento de um dano material, ou seja, a diferença é que o dano material ocorre pela lesão de um direito ligado a uma matéria enquanto o moral a algo que não é materializado, porém, ambos estão ressarcindo um direito subjetivo ou interesse lesado.
Assim, podemos levantar o primeiro problema quando a pessoa que sofreu o dano morre ou então fica em estado inconsciente. No primeiro caso o valor da indenização vai para quem? Para os familiares? Para os colaterais? Até qual grau de parentesco? No segundo, é necessário a vítima ter Quando a vítima do dano moral não morre, mas consciência? está em estado inconsciente, quem é beneficiário O valor da indenização no caso de morte vai do dano moral? Somente a vítima que é atingida para os sucessores do falecido. diretamente ou outras pessoas podem ser atingidas indiretamente, como na situação anterior? Neste Se não houver a morte a vítima mesmo em caso as visões restritiva e aberta também são estado inconsciente recebe o valor da indenização possíveis de se aplicar. por meio de seus representantes. AUTOR Robson Zanetti é advogado em Curitiba. Doctorat Droit Privé Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare Università degli Studi di Milano. E-mail: robsonzanetti@robsonzanetti.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 12 | fevereiro 2009
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PSICOMOVIE
DURO DE MATAR 4.0 E A DEPENDÊNCIA DIGITAL F
az algum tempo que vi “Duro de Matar 4.0”. Bruce Willis continua o mesmo canastrão de sempre. John Maclane, sua personagem, está velho, sem paciência e mais turrão do que nunca. E o filme, como era de se esperar, é um “arrasa quarteirão” e tem um ritmo frenético! Para variar, Maclane está às voltas com mais uma trupe de terroristas. Mas desta vez o terrorismo é virtual. E no filme, ficamos sabendo, ou temos uma vaga noção, de como somos dependentes do mundo da informática nos dias de hoje. Você não é nada nem ninguém se não estiver conectado nesse mundo. Você não pode querer ser alguém, se não estiver conectado a esse mundo. Dos registros de nascimento em hospitais públicos ou privados ao controle do fornecimento de gás e luz elétrica; dos fundos financeiros pessoais, institucionais ou de grandes e pequenos países à sua mirrada poupança bancária; do controle do espaço aéreo e da rede ferroviária ao controle do tráfego de ruas e avenidas em todos os países do mundo, tudo, eu disse, tudo, passa pela informática. E desta, ao livre acesso de toda essa parafernália eletrônica, tudo, eu disse, tudo, pode ser feito via Internet A esse arsenal de informações é que somos solapados para o universo do novo filme de Bruce Willis. Saí do cinema naquele dia impressionado. Menos com as cenas de ação e efeitos especiais (ótimos por sinal) e mais com essa constatação em minha mente. Somos completamente dependentes desses cacarecos eletrônicos e desse lixo que circula sob nossas cabeças na órbita terrestre. Desmantele esses satélites e o caos se instala no mundo. Senão vejamos: Não temos dinheiro em espécie suficiente nos bancos se todos nós fôssemos tirá-los ao mesmo tempo. Saiba disso: o seu dinheiro é virtual!!! Não temos guardas de trânsito suficiente para administrar o tráfego nas grandes e pequenas 26
cidades se os semáforos não funcionarem direito. Sim, o tráfego de ruas e avenidas é controlado, nas grandes cidades, por computador. Não temos como nos proteger dos bandidos se as câmeras de tvs dos prédios apagarem de uma só vez. Geralmente as imagens são transmitidas para um centro de controle por cabos, alguns destes, de fibra ótima. Não temos como sair de elevadores se todos eles pararem de funcionar ao mesmo tempo, em um prédio controlado por equipamentos de informática. Você pode ser enterrado vivo dentro de um prédio se assim desejarem. Os computadores operam isso também. Não temos como sair de um trem, de um avião ou de um navio, se esses serviços de informática forem “deletados” ou “hackeados” (os dois termos já fazem parte do nosso vocabulário diário). Apertem o cinto, o radar sumiu e seja o que Deus quiser!!! O piloto pode ser excelente, mas ele é completamente dependente da tecnologia para se situar no espaço aéreo, marítimo ou ferroviário. Não temos água, gás nem luz se um maníaco da informática desestruturar os sistemas de controle de fornecimento desses serviços. Todos eles hoje em dia são controlados por complexos sistemas de computadores. Não assistiremos nosso filme favorito, nem o jornal das oito e nem a nossa novela das nove, se a transmissão por satélite for perdida. Se quiser chamar a assistência técnica, desista! Celulares também são completamente dependentes de satélites e torres de transmissão. Não ligaremos para a nossa mãe, nossos filhos, nossa companheira, nem nossos amigos, se os serviços de telefonia se for. O que você acha que faz um operador de telefonia quando você solicita um serviço, e onde você pensa que essas informações estão? Em um integrado sistema de computadores.
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Não teremos mais acesso a serviços de sacanagem via website, nem a salas de bate papo, nem adianta conectar sua webcam e nem seu webfone, porque eles não vão funcionar sem um satélite, uma via de transmissão de dados ou sem energia. Sua imagem e voz, assim, estão perdidas e restritas a você mesmo. Até serviços em hospitais de grande e pequeno porte podem ser abalados. Se precisar de cirurgia, entregue sua alma ao deus de sua religião e a um médico da sua confiança. Nada de cirurgia transmitidas via Internet ou de teleconferência. Muito menos aquelas realizadas através da “infovia” por um robô, do outro lado do mundo. Você sequer pode ser identificado como você mesmo, se a polícia assim precisar. Sem a informática e/ou a internet, voltaremos ao “tempo das cavernas”. Somos completamente ciber-dependentes ou webdependentes, como queiram, desse tipo de tecnologia criada. Até parece que na era digital, o dígito tornouse nosso “eu”, nosso “self” se preferirem, nossa marca identitária. Não somos nada. Somos um número. Um dígito se assim preferirem. Dois, geralmente, até mais. Somos identificados por um número quando nascemos. O vigésimo quinto bebê a nascer foi colocado na vitrine daquela enfermaria. Temos um número na certidão de nascimento. Somos identificados pelo IBGE como uma quantidade a ser estatisticamente numerada. Na escola, temos um número de identificação (matrícula e número na sala de aula). Crescemos e recebemos um número na “carteira de identidade” (você é identificado por esse número, nos outros países, pelo número da carteira de motorista).
Temos um número de CPF para os registros e negócios bancários, e outro número para o título de eleitor para eleger nossos candidatos, que em suma, são meros números na maquininha digital (olha ele aí de novo!). Carteira de motorista: qual é seu número? Conta bancária? Outro número. Comprei um computador com acesso à Internet? Qual seu “endereço IP”? Vai fazer vestibular? Número de inscrição faz favor. Entramos na faculdade? Número de matrícula! Concluímos o curso: número do registro do diploma, e logo em seguida, número de registro profissional. Entramos numa empresa e temos a matrícula do servidor. Morremos, e finalmente temos nosso último número identificador em nossa lápide. Ou nas estatísticas de morte daquele ano. Horror!!! Puro horror!!! Coincidentemente, ao sair do cinema a pé (o cinema ficava perto da minha casa) passei por dois jovens que conversavam despreocupadamente. Passei a tempo apenas para ouvir o que um deles disse ao outro: “cara, teve um tempo que eu nem mesmo sabia quem eu era”. De pronto o filme para mim fez sentido!!! Nos somos nada nem ninguém sem um número, sem o dígito. O dígito tornou-se não só nossa marca identitária, como um dos mecanismos de controle da nossa vida diária. Não é a toa que a tecnologia da informática passou a ser um dos grandes mecanismos de controle e de inclusão e exclusão na sociedade moderna. E se você não sabe, computador não lê letras, lê números. Agrupamento de números que estão neste exato
A tecnologia da informática, ao contrário do que poderia parecer, ainda divide pessoas em países de todo o mundo. 28
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momento formando palavras, imagens, cores e formas na sua tela. O que você vê, está no palco do computador. O que você não vê, os dígitos, os números, estão nas coxias. Por trás do programa de Word, Excel, Adobe Acrobat, ou qualquer outro programa de webdesign. O mais assustador em tudo isso é que esse é um caminho sem volta. A tecnologia da informática, ao contrário do que poderia parecer, ainda divide pessoas em países de todo o mundo. Mas podemos vê-la de duas formas: a partir de uma perspectiva otimista e a partir de uma perspectiva pessimista. A perspectiva otimista diz que com essa tecnologia, muito da nossa vida vai mudar, mudou e vai mudar muito mais ainda. A forma de relacionar-se com as pessoas, por exemplo: novas redes de amizade têm sido feitas pela Internet. Casais de namorados têm seu primeiro encontro no espaço virtual. Casamentos têm saído da telinha e virado papel passado. Você pode manter uma relação sexual com seu(sua) parceiro(a) ou com um grupo de parceiros(as). Extrapolamos as barreiras das fantasias eletrônicas! O modo como enfrentamos os problemas do trabalho também mudou: em uma empresa de contabilidade ou administração financeira, por exemplo, é imprescindível o acesso à bolsa de valores, que você pode acessar... como? Via Internet. As soluções encontradas tanto no campo da pesquisa científica como o acesso ao conhecimento, tudo isso e muito mais é benefício do caminho que a tecnologia da informática, leia-se, computadores e sistemas integrados de informações: existe redes integradas que tem disponibilizado a qualquer pessoa de dentro de uma instituição acadêmica, o acesso a artigos das mais variadas revistas das
mais variadas áreas do conhecimento, difundindo e ampliado a divulgação do trabalho de cientistas1. Mas temos outra maneira de ver isso tudo que é a perspectiva pessimista. A perspectiva pessimista caminha por outro lado. Ela caminha na direção e do temor da exclusão de pessoas sem acesso a essa informação e a esse arsenal tecnológico, reforçando o temor do filósofo norte-americano recém falecido Richard Rorty ao afirmar que no futuro humano “não existem projeções convincentes do aumento geral no nível de igualdade humana. Ninguém até agora escreveu um roteiro plausível no qual no ano de 2100 uma criança nascida na Bahia ou em Kinshasa (Congo) terá as mesmas oportunidades na vida que uma criança nascida em Munique ou São Francisco, Califórnia. Ninguém prevê um dia em que todas essas crianças terão igual direito a computadores na escola. (,..) Os únicos cenários sócio-econômico otimista existente no mercado são aqueles que se limitam a levar em conta as partes mais confortáveis do mundo, aqueles que já se beneficiam de mais sorte”2. Não sou um pessimista como Rorty. Faço muito uso da tecnologia da informática em meu trabalho e em meus estudos e pesquisa3. Mas temo o futuro por ele acima descrito. Um futuro onde a informática esteja a serviço da exclusão social e que divida ainda mais a já malfadada trepida trupe daqueles que têm e daqueles que não têm; daqueles que tem mais e daqueles que querem muito mais ainda; daqueles que não têm e daqueles que nem sonham um dia em ter. Não acho que a informática venha ser esse monstro descrito no filme Duro de Matar 4.0. Mas tenho plena certeza de que a escolha será nossa. Basta teclar ENTER.
REFERÊNCIAS
Para os que desconhecem esses sites, tentem acessar http://www.scielo.br, http://www.periodico. capes.gov.br e http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php. Todos sites disponíveis para acesso a pesquisa de periódicos nacionais e internacionais de várias árias do conhecimento, sendo o último, especificamente de psicologia. 2 Rorty, Richard. O futuro da utopia IN Jornal Folha de São Paulo, Caderno MAIS!, 04 de abril de 1999, pp. 5-6 3 Disponibilizo, inclusive, meus artigos publicados no meu próprio site no endereço http://sergiogsilva. sites.uol.com.br 1
AUTOR
Sergio Gomes da Silva Psicanalista em Formação pelo CBP-RJ; Mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ; Especialista em Direitos Humanos pelo Dpto. Filosofia/UFPB; Especialista em Sexualidade Humana pelo CE/FPB; Psicólogo Clínico pela UFPB. Email: sergiogsilva@uol.com.br | Site: sergiogsilva.sites.uol.com.br |Blog: sergiogsilva.blog.uol.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 12 | fevereiro 2009
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UM SUPORTE AO ALCANCE DAS SUAS MÃOS. ORIENTAÇÕES PSICOLÓGICAS
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PSICOLOGIA INFANTIL
Neste artigo, procura dar-se a conhecer o significado da actividade lúdica para a criança, pondo em destaque as diversas teorias que lhe estão ligadas, bem como as crenças sociais e parentais que a influenciam.
CON
EDUCAÇÃO 32
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NTRIBUIÇÕES PARA UMA
A BRINCAR! Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 12 | fevereiro 2009
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A
tentativa de compreender o papel e função do jogo e do brinquedo estende-se, desde há muito, pelas múltiplas áreas do saber, até porque o jogo é mais antigo que a cultura. Neste sentido Huizinga (2003), defende, inclusivamente, que não foram os homens que introduziram os restantes animais na actividade lúdica, na medida em que esta actividade é mais que um mero fenómeno fisiológico ou reflexo psicológico devido à existência de uma função longitudinalmente significante que abarca quaisquer jogadores. Na antiguidade, era a actividade lúdica que desempenhava papel proeminente em detrimento da tradicional actividade laboral, funcionando como um dos meios que a sociedade dispunha para fomentar e cimentar os laços colectivos, incrementando o significado das múltiplas festas sazonais. Estas cerimónias não distinguiam adultos de crianças, atestando assim a importância da coesão e participação grupal nas diversas actividades. A crescente racionalização das sociedades ocidentais, desvirtuou a função do brinquedo, tornando-o num objecto destinado a um determinado público, com um fim específico. Neste sentido, os pais procuram direccionar os artefactos, como foi dito, para os diferentes géneros, atestando assim, quanto à forma como se posicionam face ao mundo da criança. Esta constrói e reconstrói, simbolicamente, a sua realidade, deixando-se impregnar pelas características e funções do próprio objecto. As várias actividades, aparentemente desprovidas de significado, podem desempenhar um significado muito particular para aqueles que as vivenciam. É inquestionável que o jogo e a cultura se encontram intimamente ligados atestando da pertinência do primeiro ser reflexo da cultura e esta repercutir-se conforme o defendido por Ofele (2002), nas mais diversas expressões lúdicas criando, por sua vez, cultura. Neste sentido, Huizinga (2003) refere que ao brincar se associa uma função cultural, na medida em que é pelo jogo e, através deste, que a cultura emerge, convergindo para a máxima Einsteiniana defensora do Brincar ser a mais elevada forma de pesquisa. O acto de brincar indicía uma comunicação universal, constituindo uma expressão não verbal de sentimentos, emoções e afectos que deverá ser, adequada e pedagogicamente lida pelos educadores. Esta actividade favorece os laços sócio-afectivos, promovendo a catarse daquilo 34
que é menos tolerável como sejam, frustrações, raiva, tristeza, ajudando a criança a aprender a lidar com esta panóplia de sentimentos menos agradáveis. Brougère (1997) advoga, neste enquadramento, o papel relevante do jogo nas relações interpessoais, contribuindo determinantemente para a consolidação da aprendizagem social. Chateau (1987), vai mais longe, enfatizando a importância da actividade lúdica na busca do outro, logo, imitando o adulto nas suas múltiplas actividades. A actividade lúdica, o seu encanto e fantasia infantis são tão importantes para a criança quanto o é a actividade profissional para o adulto, constituindo, deste modo, um veículo privilegiado para a construção social. É uma actividade que emana do seu interior visando a descoberta do mundo envolvente, devendo ser apoiada e motivada pelos adultos no sentido de que a mesma se repercuta, positivamente, na idade adulta. À medida que a criança se desenvolve física e cognitivamente, a escolha dos brinquedos tornase mais cuidada e diversificada, subordinandose, no entanto, áqueles que a sociedade e, por permeabilidade dos pais, impõe como mais adequados para o seu género. A cooperação e a inserção da criança num grupo são valores cada vez mais prementes, logo, é exigível que estas se integrem nas práticas pedagógicas correntes. A valorização deste envolvimento e consequente trabalho grupal deverá ter uma valorização que permita a sua consolidação em termos da estrutura do indivíduo. A introdução destas vertentes na actividade lúdica (a mera escolha, partilha de brinquedos e arrumação dos mesmos, sem que tais obrigações obstem ao acto de brincar livremente) vai de encontro à expressão de sentimentos que a criança valoriza. Esta evolução gradativa decorre, como enfatiza Anna Freud (1987), da transição do egocentrismo para o companheirismo. No entanto, é necessário que estejamos atentos ao papel dos videogames, jogos de computador e televisão, pois a crescente recorrência a tais actividades obstam à validade do exposto anteriormente e também à capacidade criativa ligada à concepção de brinquedos ou à execução de tarefas, como seja um mero puzzle. Como a criança coloca no objecto o significado que deseja no momento, estas actividades monopolizadoras da sua atenção e concentração levam a que haja uma obstrução do processo
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que conduz a um desenvolvimento harmonioso e profíquo, pervertendo a transmissão de valores fundamentais. A criança não é uma página em branco, logo é fulcral que a construção do conhecimento se processe de forma gradativa e ajustada. O espaço físico reveste-se de capital importância, na medida em que espaços saturados de mesas e cadeiras não permitem que a criatividade da criança desempenhe papel fulcral na disposição do espaço e na consequente satisfação de o ocupar e dele usufruir. O progressivo desenvolvimento da autonomia promove a segurança necessária para a exploração de novos espaços, tal como o defendido pela transicionalidade Winnicottiana (1975). A promoção destas tarefas visa o desenvolvimento da autonomia, responsabilidade, criatividade, autodisciplina. O brincar é exploratório. A própria expressão estava a brincar, frequentemente utilizada no quotidiano, pode constituir uma tentativa de aquilatar quanto à reacção do outro face a um comportamento que, emanado de nós, pode não ter corrido como desejávamos, ou então, estamos efectivamente a brincar. Brincamos então com aquilo que não devemos, com o fogo? Por vezes, os educadores, em sentido lato, não valorizam esta actividade infantil devido ao facto de a considerarem pouco séria. Assustam-se porque a criança não conclui o que inicia, tendo dificuldade em intuir que o brincar constitui uma via para a exploração do exterior consolidando o interior. A precaridade da brincadeira reside no facto de esta se situar entre o subjectivo e o que é objectivamente percebido. O socialmente determinado como brinquedo feminino ou masculino leva a que os atributos ligados à boneca (sensibilidade, beleza e carinho) se oponham ao caracter agressivo, p.e. das pistolas, tanques ou metralhadoras. Assim, como podemos exigir que tenhamos pais carinhosos e sensíveis? Desta forma, é defendido, preconceituosamente, como pouco adequado, que os meninos brinquem com bonecas; no entanto, será errado conceder-lhe essa oportunidade se houver uma solicitação nesse sentido? Não será a oportunidade de poder lidar com essas características, desde muito cedo, que facilita a percepção das suas implicações? Conhecem pistolas sensíveis e carinhosas? Relativamente às meninas, o mesmo se constata: a sua delicadeza, obsta, por vezes, que determinadas brincadeiras sejam vistas
como adequadas. A actividade lúdica deve ser contida, então, sob pena de ser uma brincadeira de rapaz. Não existem brincadeiras para o género masculino ou feminino, existem sim, formas de brincar idiossincráticas e gratificantes que poderão formar aquele substracto essencial a uma vivência equilibrada. Piaget (1975) hierarquiza o jogo em três patamares essenciais, por um lado distintos e, por outro, convergentes. Na primeira etapa alude aos exercícios; esta, prolonga-se até aos dezoito meses, consistindo em actividades motoras de repetição e nos primeiros contactos com os objectos, pessoas e mundo circundante. Na segunda, até aos 24 meses, releva a importância da linguagem, assimilação da realidade e substituição de um objecto ausente por outro. Relativamente à última (quatro aos sete anos), destaca a introdução de regras na actividade lúdica, declínio do egocentrismo e consequente incremento da socialização. O brincar/ jogar será como que um veículo, através do qual, a criança se relaciona com o ambiente físico e social, despertando as suas aptidões e conhecimentos, sejam elas motoras, cognitivas ou linguísticas. Leontiev (2003), refere que o surgimento do brinquedo na idade pré-escolar, se prende com a necessidade que a criança evidencia de se relacionar com algo para além dos objectos a que tem acesso, com algo pertencente ao mundo adulto. No mesmo sentido, Vygotsky (1995), defende que o brinquedo não pode ser definido somente como forma de gratificação da criança, salientando que, pode também acarretar desprazer, na medida em que outras actividades se podem sobrepor às lúdicas, colidindo com os patamares de exigência do próprio. Em termos psicoterapêuticos, o acto de brincar é sempre terapêutico e interpretável. Esta leitura dos sentimentos expressos por intermédio da actividade lúdica, possibilitanos entrar no mundo daquela criança e no da sua família, escola, etc. Assim, a preciosidade destas informações, auxilia no tratamento e na erradicação de sintomas sentidos, pelo próprio, como insustentáveis, no entanto, expressáveis através do brincar. Nas últimas décadas, o materialismo do ser humano, favorece o lucro a qualquer preço, obstando claramente à felicidade. Privilegia-se o ter em detrimento do ser, assente em lemas descartáveis que advogam a percaridade e perversidade dos valores. O que hoje é valorizável, fundamental e imprescindível, amanhã deixa de
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o ser e vice-versa. O ter/dar pode ter, na sua génese, várias explicações e consequências, como sejam a compra dos afectos, a promoção e fomento sociais de necessidades imaginárias, a produção, por parte dos brinquedos actuais, de uma satisfação/gratificação efémeras, a facilidade do poder monetário, querer tudo, proporcionar afecto devido à escassez de tempo, preenchendo a falta de acompanhamento do crescimento dos filhos e da singularidade das suas reacções. Desta forma, compete aos pais adiar a satisfação do prazer imediato, suportando afectivamente a falta, ensinando a lidar com a impossibilidade de aceder a esse pseudo prazer imediato, mas efémero. Urge que se reflicta sobre o papel desta falta, por forma a perceber se a mesma não constitui o reflexo das lacunas vivenciadas pelos pais na sua infância, pois os pais também foram crianças. É vital a distinção entre essencial e supérfluo. A escola funciona,
REFERÊNCIAS
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por vezes, como contentor de angústias de pais e filhos, por isso há que fomentar o desempenho de tal papel, fomentando, na perspectiva de Chateau (1987) a adopção de uma educação funcional em vez de uma educação mais atraente, onde nem tudo se resume a jogo, mas onde este também deve estar presente. A educação funcional pode estar impregnada de inúmeros atractivos ao passo que a educação atractiva pode relegar para um plano de menor destaque a funcionalidade. Gostaria de salientar que a estratégia mais profíqua reside na procura do equilíbrio afectivo, ou seja, como Winnicott (1975) defende, devemos ser suficientemente bons, contentores e presentes, não esquecendo que a criança necessita da margem necessária e essencial à construção das suas identidade e autonomia. Termino com Platão: Pode-se aprender mais sobre uma criança, numa hora de brincadeira que numa vida inteira de diálogo.
Brougère, G. (1997). O Brinquedo e a Cultura. São Paulo: Cortez. Château, J. (1987). O Jogo e a Criança. São Paulo: Summus Editorial. Elkonin, D. (1998). Psicologia do Jogo. São Paulo: Martins Fontes. Freud, A. (1987). Infância Normal e Patológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Freud, S. (1989). Textos Essenciais de Psicanálise. Lisboa: Europa América. Frost, J.; Wortham, S.; Reiffel, S. (2001). Play and Child Development. New Jersey: Pentice Hall. Huizinga, J. (2003). Homo Ludens. Lisboa: Edições 70. Kishimoto, T. (1998). O Brincar e as suas Teorias. São Paulo: Pioneira. Leontiev, A.; Vygotsky, L.; Luria, A. (2003). Bases Psicológicas da Aprendizagem e Desenvolvimento. São Paulo: Centauro Editora. Ofele, M. (2002). Juego e Cultura Popular. Desafios para la Investigación. Conferencia Inaugural do 1º Congresso Latino Americano do Jogo. Piaget, J. (1975). A Formação do Símbolo na Criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio Janeiro: Zahar Editores. Vygotsky, L. (1995). Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. Winnicott, D. (1975). O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago.
AUTOR
João Luis Taborda Psicólogo Clínico, Mestre em Sexologia, Professor Universitário, Doutorando em Psicologia do Desenvolvimento em Lisboa, Portugal. email: joaotaborda@yahoo.com
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MATÉRIA DE CAPA
REFLEXÕES EM TORNO DA ADOÇÃO fragmentos de um caso clínico
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M
objetivo do presente trabalho consiste em O apresentar de forma breve considerações em torno da adoção promovendo correlações sob o viés
da psicanálise, de forma especial no que diz respeito ao processo de adoção e a vivência de crianças adotadas e sua convivência com pais adotivos. Desse modo, surge em função de atendimento clínico através do trabalho com crianças adotadas algumas reflexões e questionamentos acerca da forma como estas lidam, enfrentam e vivenciam esse processo de enlutamento. Entre crianças adotadas, são freqüentes as diversas fantasias que envolvem o medo do abandono, a culpa, represália, separação dos pais e o duplo abandono, ou seja, ser abandonada pela família que a adotou, caracterizando um segundo abandono. Há que se considerar que existe um fato ainda mais grave, que é o abandono em situações de adoção internacional, onde a criança é abandonada pelos genitores, pela família que a adotou e é abandonada em um país estrangeiro e que não o seu, e a legislação brasileira nem sempre consegue ter acesso a tais informações, o que certamente acarretará em prejuízos psíquicos e emocionais para a criança, considerando que nem sempre nesse caso a criança é devolvida ao sistema judiciário do país que promoveu a adoção. Dessa forma, questionamentos originados face ao desenvolvimento de trabalho com esse público possibilitou buscar na literatura em torno do assunto que conseqüentemente suscitou cogitações que serão expostas no decorrer do trabalho. A partir das leituras em função da especificidade do caso relatado em pequenos fragmentos, foi possível levantar algumas questões que serão desenvolvidas em trabalho futuro tendo em vista a complexidade envolvida na temática. As questões estão relacionadas sobre os motivos que levam a uma pessoa a adotar uma criança e a forma como esse processo ocorre de fato junto às Varas da Infância e da Juventude, considerando a atuação do profissional de Psicologia e como seu trabalho é desenvolvido.
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O CASO DE G.S. E A ADOÇÃO
G.S. é uma criança do sexo feminino, têm 12 anos de idade. Chega para atendimento acompanhada por sua mãe adotiva (durante o atendimento sou informado que sua mãe adotiva, é também sua tia, a mesma é irmã do genitor de G.S). Ao solicitar que falem a respeito do motivo que as trazem a Sra. M.A. inicia a conversa relatando que [...] G. não quer nada. [...] ela tem dado muito trabalho, só se envolve com gente que não presta [...] e sou peguei ela prá criar prá não deixar morrer a míngua. Ela foi abandonada pela mãe no hospital. Quando ela nasceu à mãe veio para casa e ela ficou lá porque nasceu com problemas, e ficou lá por 15 dias, e quando meu irmão me chamou prá ir ao hospital com ele porque ela estava de alta, eu fiquei morta de pena, pois o corpo era uma ferida só. Por isso, trouxe prá casa prá criar junto com minhas duas filhas. Pois, senão tinha morrido “a míngua”. Então é possível pensar que estamos diante de um caso onde a adoção não foi planejada e nem se quer desejada, pois segundo Hamad (2002) para que adoção aconteça com possibilidades de ser bem sucedida, e para que a criança advenha é de extrema relevância o encontro de três desejos expressos da seguinte forma: desejar um filho de um homem, o homem que está ali, o homem que é amado por uma mulher; desejar o filho de uma mulher, aquela que é amada por um homem; e o encontro desses dois desejos, no sentido em que isso é falado, e a partir dessa fala, um filho já possui possibilidades de fazer seu ninho no campo da linguagem em que será acolhido, e a partir daí ele evoluirá para conquistá-lo e fazê-lo seu. Diante disso, o filho guardará a marca da forma como o desejo dos pais foi simbolizado e com isso terá oportunidade de imprimir suas pegadas sobre as quais virão se inserir seus próprios significantes. Dessa forma, na adoção, desejar um filho não é possível desejá-lo a imagem do outro, visto que uma criança, em virtude da sua diferença genética, não ocupará essa função correspondente ao real do corpo dos pais. A partir do que foi trazido pela mãe adotiva de G.S. nas entrevistas e a perspectiva que Hamad (2002) traz, é possível promover questionamentos, entre tantos, um torna-se face ao exposto, onde está colocado, e o que é feito com o desejo da criança?
Pois não podemos deixar de considerar que há para essa criança processo de um duplo luto através das marcas deixadas pelo abandono por parte da mãe e outro, no momento que seu pai a entrega para adoção alegando “falta de condições” para criá-la, cuidá-la e inseri-la na sua nova família, pois - como já foi relatado – a partir do abandono da mãe, o pai não possui condições para criá-la, mas promove o “rearranjo” e constitui uma nova família. O luto é considerado como sendo um sofrimento em função da perda do objeto, e no momento em que essa perda ocorre é possível pronunciar as expressões ‘estamos em luto’ ou ‘entramos em luto’. Porém, deve-se considerar que falar sobre esse processo é difícil em casos de morte e mais ainda quando se trata de ter sido abandonado, deixado ou entregue para outros. Pois, nesse caso, na maioria das vezes, além do sofrimento psíquico instaurado, há também a culpa, e com isso poderá ocorrer vários sintomas a partir de reações afetivas que são analisadas por Bromberg (1994) a partir da depressão, ansiedade, a própria culpa através da auto-acusação, raiva e hostilidade, falta de prazer e solidão. Ao tempo, que Hamad (2002) considera o luto na adoção como sendo de transmissão genética e que “[...] a criança deve encontrar seu caminho e ‘obrigar’ seus pais a fazer o luto de suas próprias crianças narcísicas, único meio, para ela existir. ‘Obrigar’ significa que seu desejo opera para que os pais a acolham sem investimento narcísico demais e sem decepção ou rejeição demais” (p.82). Conforme Levinzon (2004) a palavra ‘adotar’ provém do latim ‘adoptare’ que significa considerar, cuidar, escolher. Repold e Hutz (2003) definem a adoção como a criação de um relacionamento afiliativo que envolve aspectos jurídicos, sociais e afetivos que a diferenciam da filiação biológica. Ao tempo, que Ajuriaguerra (1981) concebe a adoção como sendo um parto sem gravidez, desde que seja concebida a partir de uma mistura de um ato gratuito e de doação no sentido único da aceitação, ou seja, o adotante deve jogar o seu futuro como se o adotado fosse o fruto de sua própria
a criança deve encontrar seu caminho e ‘obrigar’ seus pais a fazer o luto de suas próprias crianças narcísicas
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...quanto mais cedo à criança for informada sobre sua história vários problemas podem ser evitados
fecundação, aceitando-se aí o parto da felicidade ou infelicidade que a criança pode reservar. A adoção de acordo com Paiva (2004) é constituída a partir de medidas que visem a colocar a criança em um lar substituto, além da guarda, tutela e do apadrinhamento, visto que de acordo com Organização Mundial de Saúde – OMS – a adoção ainda é o modo mais completo que possibilita recriar as relações familiares para uma criança privada dessa realidade com vistas a promoção de relações paterno-filiais. Segundo Hamad (op cit.) na adoção ainda se fala de um “[...] encontro verdadeiro (p.83), que ocorre de modo diferente do que acontece na concepção do filho, visto que não se trata de cálculo e domínio, o filho geralmente pode chegar antes ou depois, mas não exatamente na hora que se quer, pois que independente do raciocínio, a criança não anda no mesmo ritmo que os pais, pois “[...] é um encontro entre um homem e uma mulher que faz com que a criança se anuncie, pouco importando o que eles disseram ou previram para mais tarde” (p.82). No processo de adoção é necessário falar sobre a família, pois esta é uma instituição muito antiga, tão velha quanto à própria humanidade e não é constituída simplesmente através dos laços biológicos, pois se fosse vista somente sob esse viés a adoção se constituiria por sua vem em um processo inútil. Apesar da sua dinamicidade, tem passado por vários estágios e tem acompanhado a evolução, tendo em vista as grandes modificações que tem sofrido ao longo de todo esse tempo, como resultado desse contínuo processo de mudanças conforme as condições de vida e a época em que vive cada sociedade. Para que a família seja constituída há necessidade de uma operação de subjetivação que possibilite “[...] à criança inscrever-se simbolicamente numa linhagem graças ao concurso de seus tutores e em função da posição de cada um deles, particularmente a mãe tutora, como relação ao falo. É essa posição que determina o lugar da criança na economia psíquica de cada um e, conseqüentemente, a natureza de sua entrada no Édipo” (p.83). O complexo de Édipo foi descoberto por Freud primeiro sob sua forma positiva, onde há o desejo pela mãe e o desejo assassino pelo pai rival, desvendando também sob sua forma negativa ou “Édipo feminino” o desejo erótico pelo pai e o
ódio ciumento à figura materna. Ao tempo que em sua forma completa o “[...] complexo de Édipo designa o conjunto das relações que a criança estabelece com as figuras parentais e que constituem uma rede em grande parte inconsciente de representações e de afetos entre os dois pólos de suas formas positiva e negativa” (KAUFMANN, 1996 p.135). Laplanche e Pontalis (2001) atribuem ao Édipo das funções fundamentais, dentre elas: a escolha do objeto de amor na medida em que esta permite sofrer influências pelas intrínsecas inerentes ao complexo de Édipo e pela interdição de realizar o incesto; o acesso à genitalidade, visto que sua garantia não ocorre apenas em pela função biológica, mas que a organização genital supõe a instauração do primado do falo; e os efeitos sobre a estruturação da personalidade e constituição das instâncias como o superego e o ideal do ego. Ainda segundo Kaufmann (1996) Lacan desde 1938, apontou para a degradação do papel de pai e de sua imagem no contexto familiar e na sociedade e após a guerra tomou-a como obrigação sua reavaliação sobre a função paterna, visto que seu retorno a Freud se deu também frente a mais essa perspectiva. De forma efetiva “[...] é a metáfora paterna, em sua função simbólica e que também é denominado por Lacan de ‘o nome do Pai’ que constitui o principio eficaz do complexo de Édipo” (MOUGIN-LEMELE, p.7). A partir do trabalho desenvolvido por LéviStrauss (2003) a temática envolvendo a família passa a ocupar lugar de destaque passando a fazer parte do contexto cultural, pois que ele dá o salto necessário para a desnaturalização familiar no momento em rompe com as crenças referentes aos laços de consangüinidade adotando além das relações de parentesco a valorização as alianças. Convém destacar ainda, sobre o importante trabalho desenvolvido por Ariés (1978), pois que esse autor relata de forma bastante detalhada a constituição da família nuclear burguesa na Europa entre os séculos XVIII e XIX, onde sua composição se dava basicamente de pai, mãe e filhos. Ao solicitar a Sra. M.A. (mãe de G.S.) que falasse um pouco mais sobre o nascimento de G.S. ela diz: “[...] G. demorou da hora de nascer e foi por isso que precisou ficar no hospital”. Fala ainda, que no momento em que a mãe biológica de G.S.
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retorna para casa acaba abandonando o marido, e que “[...] dela nós não temos mais notícias. Só o pai que mora aqui perto e quando nós sair daqui, vamos lá ver ele, pois ele é meu irmão. Mas ela (G) não quer ir, porque a outra mulher que ele arrumou tá grávida e por isso ela não quer ir lá”. Uma fala de G.S. em torno dos acontecimentos chama a atenção “[...] normal! Não vejo nada de mais!” A partir dessa fala de “G” percebe-se uma certa resistência em falar, fato condizente com a literatura, pois segundo Levinzon (2004) no desenvolvimento do trabalho psicoterápico com crianças que passaram pelo processo de adoção há freqüentemente a presença do fantasma do abandono, onde é possível encontrar os sentimentos de rejeição e de medo de perder as pessoas queridas. Ainda para esta autora, tais fantasmas parecem sempre pairar de algum modo na mente dessas crianças. Para Levinzon (2004) a história que contam os pais adotivos e a forma como se referem aos pais biológicos contribuem de forma bastante relevante na formação da auto-estima da criança frente ao fato de nesse processo ter sido ou não desejada. Pois na maioria das vezes os pais adotivos tendem a enfatizar a “situação de “[...] desamor dos progenitores” (LEVINZON, 2004 p.72) e de certa forma contribui para que a criança desenvolva um sentimento de menos valia, ao tempo que para Dolto (1978 apud LEVINZON, 2004) é da ordem
do “[...] impossível conceber que uma pessoa tenha nascido sem que desejo e amor tenham estado associados a esse nascimento” (op cit. p.72). No entanto, é necessário cogitar o quanto esse processo contribui e afeta a construção da identidade da criança, visto que essa tem o seu inicio no nascimento e vai sendo construída de forma gradativa com passar do tempo e está atrelada ao desenvolvimento do sujeito. Os mais variados fatores contribuem com esse processo, pois que a identidade é construída socialmente, independente de a criança ter sido adotada ou não. Levinzon (2004) define identidade como “[...] uma organização interna dinâmica que inclui objetivos, habilidades, crenças e a história individual do sujeito” (p. 70). Winnicott (1975) enfatiza que quanto mais cedo à criança for informada sobre sua história vários problemas podem ser evitados. Outro fator ressaltado por ele, é que um dos fenômenos que mais contribui para que uma adoção possa ser bem sucedida diz respeito ao clima que permeia a estabilidade e a continuidade do lar em que a criança está inserida. Pois, não bastam apenas informações sobre sua vida, mas de pessoas em que possam confiar e que estejam disponíveis para ouvir, acolher, afagar, aplicar-lhes normas e com isso terem a oportunidade de expressarem suas emoções com base em sua vivência real.
CONCLUSÃO
Sendo assim, é possível pensar que o filho adotivo, como toda e qualquer pessoa, necessita ser visto como um sujeito que possui seus próprios desejos e sonhos, com direitos próprios, e não apenas como uma extensão do corpo da mãe, onde essa deseja tê-lo como um objeto de posse e de satisfação. O filho que foi adotado deve, acima de qualquer coisa, ser amado, respeitado em sua singularidade e autonomia, tendo em vista que o seu futuro dependerá disso, ou seja, da forma que se colocará frente aos seus projetos pessoais. É bastante comum até mesmo para os que não são adotados, a família demonstrar dificuldade e resistência em aceitar e respeitar suas escolhas pessoais. Pois, em sua maioria, quando os desejos dos filhos não correspondem aos dos pais, em caso de filhos gerados pelo casal é comum ouvir “você tem um sangue ruim”, “parece que não foi gerado por nós”, “como é que eu pude colocar no mundo alguém tão diferente de mim”. Ao se tratar de crianças que foram adotadas é comum ouvir “tu és um ingrato” dentre outras. Nesse contexto a criança se sente acusada de ingratidão, uma vez que foi acolhida, e que ela não responde do lugar em que é obrigada a trilhar, percorrendo o mesmo caminho que os pais. Com isso, não têm sua singularidade respeitada, em função de não considerarem a sua especificidade. Assim sendo, é possível concluir com um dito popular “os filhos não são dos pais, são do mundo”. É possível pensar que esse ditado tão conhecido permite refletirmos um pouco mais sobre para quem os filhos são realmente criados. Se para os pais ou para o mundo. Pois, ao criarem-se os filhos possibilitando o seu desenvolvimento e auto-expressão, não é apenas dar-lhe as asas para que voem, mas ensiná-los a voar e a pousarem em segurança. Desse modo, as contribuições aqui apresentadas sob hipótese alguma possuem a pretensão de esgotar as reflexões acerca das questões envolvendo o processo de adoção, do mesmo modo que a pequena exposição não abrange uma relevante análise de dados que possam apresentar validação. Por fim, espera-se que as reflexões aqui provocadas possam contribuir como estímulo para futuros estudos acerca da temática visando seu aprofundamento. 42
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REFERÊNCIAS
AJURIAGUERRA, J. Manual de psiquiatria infantil. São Paulo: Masson, 1981. ARIÉS, P. Historia da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. BROMBERG, M. H. A psicoterapia em situações de perdas e luto. São Paulo: PSY, 1994. DOLTO, F. Os caminhos da educação. São Paulo: Martins Fontes, 1978. HAMAD, N. A criança adotiva e suas famílias. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2002. KAUFMANN, P. Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise.4ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LEVINZON, G. K. Adoção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. LÉVIS-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2003. MOUGIN-LEMELE, R. Sujeito do direito sujeito do desejo. In: ALTOÉ, S. (Org.) Sujeito do direito, sujeito do desejo: direito e psicanálise. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. p.1-14. PAIVA, Leila Dutra de. Adoção: significados e possibilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. REPOLD, C. T.; HUTZ, C. S. Reflexão social, controle percebido e motivações à adoção: características psicossociais das mães adotivas. In: Estudos de Psicologia. Natal. V.8, n.1. jan./abr. 2003. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
AUTOR
Carlos A. Porcino | CRP/ 03 IP 4547 Psicólogo com experiência em psicoterapia de orientação psicanalítica, psicodiagnóstico, atendimento a crianças, adolescentes e adultos; graduado pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC Salvador), graduando em Enfermagem na Faculdade Dom Pedro II - Salvador-BA e membro do Núcleo UNIsex (Núcleo Universalidade e Diversidade Sexual). E-mail: carlosporcino@ig.com.br
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COMPORTAMENTO
AGRESSIVIDADE INTERPRETAÇÃO
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FENOMENOLÓGICA
DE
UM
CASO
CLÍNICO
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O
método fenomenológico se define como uma volta às coisas mesmas, isto é, aos fenomenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como objecto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição das essências, isto é, ao conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de forma imediata. Toda consciência é consciência de alguma coisa. Assim sendo, a consciência não é uma substância, mas uma actividade constituída por atos (percepção, imaginação, especulação, volição, paixão, etc), com os quais visa algo. Fenomenologia (do grego phainesthai, aquilo que se apresenta ou que se mostra, e logos, explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua "significação". Alguns dos principais filósofos fenomenologistas do século XX: Edmund Husserl, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. A psicologia pensada sob a perspectiva fenomenológico-existencial apresenta-se como uma busca à prática do método fenomenológico de Husserl, compreendendo o existir com base na filosofia existencial conforme os pensamentos de Heidegger e Merleau-Ponty. O método fenomenológico e o pensamento existencial possuem a proposta de esclarecer sobre o ser do homem, revelando suas estruturas existenciais e abandonando qualquer teoria desvinculada do verdadeiro sentido da existência, ou seja, tal abordagem tenta alcançar o sentido da existência humana em sua totalidade. Este trabalho tem como objetivo, descrever um caso clinico, atendido no NEAP, clínica escola da Universidade Cruzeiro do Sul. E tem a finalidade de: 1. Descrever o caso 2. Fazer uma interpretação com base na fenomenologia; 3. Projeto terapêutico: Descrição dos passos, determinar o que esse sujeito deve fazer para melhorar, objetivos que devem ser cumpridos a cada etapa.
DESCRIÇÃO DO CASO Nome: J. P. F. Sexo: feminino Queixas iniciais: Observação:
Idade: 12 anos Medicamento: Neuleptil Agressividade. Recusava-se a falar.
Foi expulsa da escola por conta de bagunça (rasgava os cadernos dos colegas) Sempre que contrariada ameaçava tirar a roupa Rejeição a qualquer tipo de intervenção, médica ou não. J., mora com a avó, a quem chama de mãe, um tio e dois primos, tem três irmãos que vivem em instituição, a mãe biológica a deu para a avó por que não tinha condições de criá-la, segundo relato da avó. O pai não é mencionado. J. vive em um ambiente hostil, junto com sua avó, que já é idosa, passam por necessidades financeiras, principalmente, mal têm o que comer o que leva J. a pedir comida na rua, foi abandonada pela mãe, e alega sentir vontade de visitar os irmãos, mas ninguém a leva, e alega ainda que às vezes a avó a leva para visitar a mãe biológica, que segundo a paciente, trabalha na Praça da Sé, vendendo doces, quando na verdade é garota de programa. Dona L., que é a avó de J., alega que no inicio do tratamento que se deu por volta de Outubro de 2007, J. rejeitava ir às consultas com o psiquiatra, até mesmo se recusando a falar com ele,quando a consulta era com as psicólogas J,ficava sempre brincando, e raramente conversava, e quando isso ocorria se referia sempre aos bonecos que estava brincando. Dizia que os bonecos estavam tendo relação íntima. J. aparenta ser uma criança muita agressiva principalmente quando contrariada, ameaça tirar a roupa onde estiver, caso não façam o que ela quer, e isso ocorreu diversas vezes, J. tirou a roupa em meio à rua, e houve um episódio de que J estava no NEAP, aguardando atendimento, pediu para a avó que comprasse algo para elas comerem, e segundo relato da avó, disse que não iria, pois o médico já iria chamá-las, sendo assim J. disse que tiraria a roupa, não concluindo. A paciente relata que matou um gato, pois o mesmo havia mordido ela, J. diz: ”Eu matei o gato, porque ele me mordeu”, o fato foi relatado com muita tranqüilidade, e sem demonstração de culpa, então foi perguntado o que ela sentiu quando fez isso com o gato, e J. respondeu: ”eu não tive pena”, e sorriu.
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DIAGNÓSTICO
Distúrbios do caráter e do comportamento.
INTERPRETAÇÃO DO CASO
Para entender o comportamento da criança é necessário olhar um pouco além, levar em conta a forma como foi educada é importante na hora de fazer uma avaliação, perceber em seu desenvolvimento como ela aprendeu a utilizar a agressividade e até que ponto isso a prejudica. Por volta dos três ou quatro anos de idade, a conduta agressiva é comum, e a tendência é diminuir, por que o comportamento agressivo nada mais é que uma tentativa de conquistar algo. No caso de J pode está ligada com a questão do abandono, que ela sofreu quando ainda era bebê, tanto pela mãe, quanto pelo pai, mas também penso está relacionada com a inconsistência na forma de colocar limites, pois a pessoa responsável por J, entendo que numa tentativa de compensála pela falta que tivera dos pais, a separação dos irmãos,e o meio hostil em que vive,acaba deixando que a criança faça tudo o que deseja, e, em outras ocasiões, tenta puni-la ou impedir que saia de casa, e esse tipo de educação deixa a criança confusa sobre o que pode e o que não pode fazer, fica difícil de entender o que é certo ou errado. J tem dificuldades em realizar o seu existir, a sua agressividade pode está ligada com sentimento de impotência, no sentido em que foi concebida, no meio em que vive a rejeição dos pais. E a incapacidade de conseguir se resolver sozinha, sem uma base, sem a atenção e cuidados dos pais, e por passar necessidades financeiras ao ponto de ter que sair de sua casa para pedir alimentos e esperar que os outros tenham piedade e lhe forneçam o que comer. A incapacidade que J tem de admitir a necessidade e os desejos que tem, mais a dificuldade que a mesma tem de lidar com impotência, se fundiram tornando-se mais um desafio para a ampliação de suas capacidades. Sendo assim ela se apresenta como um ser agressivo, que aparenta não temer, que pouco se importa com o que os outros fazem com ela e pouco se importando com sua existência, numa tentativa de esconder seu fracasso. A mesma em suas relações interpessoais busca um sentido de ser reconhecida, como uma única esperança de encontra um significado pessoal, o que acaba falhando uma vez que ,o ambiente em sua volta somente faz reforçar aquilo que ela percebe e como se percebe,e a forma como ela faz suas escolhas dificulta ainda mais,essa significação. A criança que tenta esforçadamente ser reconhecida e receber atenção, e falha, sendo ignorada, como o caso de J,acabam se tornando um 46
adulto medroso e apático no sentido de se afirmar no mundo,empobrecendo assim seu processo vital de ser e existir,que tem como conseqüência a falta de engajamento.Por que simplesmente o pensamento que ocorre nessa pessoa,é que não adianta esforços,tudo o que ela fizer para mudar ou se ampliar será ignorado,assim como sempre foi. Então a questão é: ”para que serei autentica se de nada vai me adiantar”?Por que tenho que tentar buscar um sentido para minha vida, os outros não vão me reconhecer se nem meus pais me reconheceram? A violência, por sua vez, é também um fruto da impotência, mas, paradoxalmente, ela se abre como a manifestação de uma reação a este estado de impotência, ou como diz Rollo May: "Os feitos violentos em nossa sociedade são realizados em sua maior parte por aqueles que tentam estabelecer sua auto-estima, defenderem a própria imagem e demonstrar que também significam alguma coisa na ordem dos acontecimentos. Independentemente do uso errado ou desviado que possam ter tido estas motivações ou do aspecto destrutivo de sua expressão, elas são, apesar de tudo, manifestações de necessidades interpessoais positivas". (May) Ameaça que J faz de tirar a roupa, sempre que contrariada, entendo como uma tentativa de fazer com que os outros se preocupem com ela, impedindo-a que tire a roupa, dela mostrar que tem algum valor e que significa algo, demonstrando a ela a angústia da possibilidade da mesma tirar a roupa. Agia com violência toda vez que alguém tentava interferir em seu comportamento, pois assim como todos nós J sente a necessidade de um sentido de significação pessoal, e toda vez que ela acreditava estar buscando, alguém aparecia para impedila, tornando cada vez mais difícil e improvável o sentido de sua vida, então começa a buscar de forma destrutiva para ela. E assim cada vez mais sua autonomia fugia de suas mãos, e a falta de competência, e cada vez mais a J autentica vai deixando de existir, e dando lugar à outra que nem ela mesma reconhece ao se olhar, não se percebe mais desse modo. E por fim a falta de culpa e responsabilidade faz com que J, fique esta- guinada, no sentido de buscar sua autonomia, a partir do momento em que considera que a culpa e a responsabilidades é dos outros e não dela estabelece então vínculos de dependência e se torna cada vez mais impotente. E para concluir J fala de seus familiares com muita atenção, e diz que gostaria de viver com eles, isso é percebido de forma, que ela não demonstra sentir raiva de sua mãe e pais, por viver em tal situação.
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PROJETO TERAPÊUTICO PARA O CASO DE J
O primeiro passo a ser tomado neste tipo de situação, além de entender como ela se apresenta para si e para o mundo, é fazer com que o paciente aceite este sentimento de rejeição, e comece a recuperar sua historio,no momento em que se permite sentir raiva daqueles que a colocou nessa situação,como seus pais.Talvez,se perceber como rejeitada possa fazer com que J,perceba também sua impotência,e passe a agir mais de forma mais estruturada toda vez em que receber um NÃO,como resposta ou toda vez que for rejeitada. Outra medida a ser tomada é fazer com que J realize outro campo perceptual, de modo que se perceba tal como escolheu ser, e não por que o mundo é cruel, por que sua mãe é garota de programa e a abandonou. Ampliar seus pensamentos sobre o mundo, apontar para ela, fazer com que ela perceba que no mundo existem coisas boas, caso ela queira buscar, e que se no momento as coisas são ruins, é talvez por que ela não tem buscado, e que permita que os outros decidam por ela para que a responsabilidade e culpa também não a pertença. Fazendo isso, espera-se que J assuma sua vida, seja dona de suas escolhas, portanto responsável por tudo que possa lhe acontecer, sendo bom ou não. Pensar menos no que poderia ser a sua vida caso fizesse tudo de forma diferente, e passar para a ação, voltar para a escola, fazer amigos, realizar atividades que não necessitem de muitos gastos financeiros, até que ela possa se manter. Assumir sua responsabilidade, por ser e estar no mundo, estabelecer vínculos de confiança, passar a agir como se fosse à única causadora de
todo seu sofrimento, e que a partir do momento que quiser mudar, o pode. Perceber que em casos de violência a relação com o objeto perde a força o objetivo, então esses atos destrutivos sempre recai para aquele que estiver mais próximo dela, que neste caso é ela mesma, pois toda reação que J tem ao ser contrariado, recai sempre sobre ela. Que então, agir com violência a cada vez que é rejeitada, ou ignorada, vai somente aumentar o vinculo de comportamentos destrutivos, e assim ela irá passar a viver. Espera-se com isso que J, aceite que sempre e em qualquer relação existe a possibilidade de rejeição, de forma que não desestruture que entenda o que de fato aconteceu, sem agir de modo agressivo, que busque outras possibilidades e resposta mediante ao contexto da situação. E por fim trabalhar em J a questão da expressividade, expressar o que de fato ela sente pela rejeição e por aqueles que a rejeitaram, conscientizar ela sobre, ela enquanto individuo para assim se tornar agente de seu tratamento, e evolução, criando uma relação com o terapeuta, e posteriormente tomar em suas mãos a rédeas de sua vida. Nesta situação espera-se que J, crie em primeira instância um vínculo com o terapeuta, e que posteriormente se sinta capaz de estabelecer vínculos com os outros a sua volta, avó, primos, amigos, professor etc. Expressar e mostrar o que sente em relação ao outro poderá auxiliá-la na criação de vínculo. Falar, expressar o porquê de não gostar de algo, ou por que não quer falar com alguém, dizer o que a aborrece e a angústia, por que se recusa a ser ajudada.
REFERÊNCIA
MAY, Rollo. Poder e Inocência. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. PENNA, A.G. Introdução a psicologia fenomenológica: Imago, 2001. Prontuário do paciente: disponível no NEAP; Unicsul. São Miguel; 2008.
AUTORA
Suzana Blanco Trabalho apresentado no curso de Psicologia (6o semestre) da Universidade Cruzeiro do Sul, atendendo à disciplina de Psicoterapias Abordagem Fenomenológica de Psicologia, sob orientação do profº Roberto Mac Fadden. São Paulo, 2008. email: suzanablanco@ig.com.br
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COLUNA ATLASPSICO
VÍDEO CURRÍCULO será tendência no mercado de trabalho? N
o meio de tanto desemprego, tanta gente procurando uma colocação no mercado de trabalho, você entrega seu currículo numa agência, numa empresa, bate de porta em porta, distribui o mesmo por email e apesar de tanto esforço, não há garantia de resultado positivo. Existe no mercado inúmeros modelos de currículos: poderíamos apontar o portifólio, muito utilizado por designers e publicitários; o currículo de papel; blogs e sites pessoais; perfis em redes de relacionamentos como Orkut, myspace, etc.; e o novo vídeo currículo. Com tantas variedades de se apresentar no mercado de trabalho isso vem causando no candidato uma ansiedade na hora de escolher a sua forma de apresentação numa entrevista, pois nunca saberá se este estará adequado e dentro das expectativas da empresa. A forma como o candidato apresenta seu currículo ou portifólio é fator determinante para conquistar uma oportunidade de trabalho, ainda mais quando se trata dos vídeos currículos. Recentemente, assisti uma matéria na internet e algumas reportagens na tv sobre o tema. As matérias informam que a tendência daqui alguns anos existirá apenas dois tipos de currículo: o de papel e o vídeo currículo. É isso mesmo, a palavra de ordem do momento na área de recrutamento e seleção é Vídeo Currículo. Então esqueça seu “velho e ultrapassado” currículo de papel. É essa a aposta de algumas raras agências apontando como sendo a melhor coisa já pensada e criada desde a invenção da roda. Esse vídeo currículo consiste do candidato elaborar uma apresentação falando de suas qualificações profissionais, objetivos, dados básicos e qualidades. O vídeo não deve passar de 3 minutos. Pode ser gravado até de uma câmera de celular. Depois é só encaminhar para uma Agência de emprego ou empresa a qual esteja interessado em conquistar uma oportunidade de trabalho e ficar na torcida. A idéia não é invalidar o currículo escrito, o
currículo vídeo seria mais um instrumento à serviço do candidato possibilitando uma apresentação mais eficaz a vaga de trabalho. A idéia da criação desse vídeo currículo é de facilitar o trabalho de departamentos de Recurso humanos, mais tem causado polêmicas, pois alguns acreditam que pode ser usado também como fator eliminatório. Se num currículo tradicional os recrutadores não têm paciência de ler suas qualificações até o final, imagina um vídeo de 3 minutos. Isso implicaria do analista em RH ter que assistir e avaliar uma a uma das produções curriculares filmadas. Num mundo globalizado, correria para preencher dezenas ou centenas de vagas em determinadas empresas, aonde se encontra a objetividade no processo seletivo quando solicitado ao candidato entregar um vídeo curriculo? Se o candidato estiver esperando para ser chamado à uma entrevista, possivelmente os recrutadores estarão ocupados vendo vídeos no Youtube. Será que todos poderão ou terão facilidade para produzir um vídeo currículo? Será que todos possuem recursos para gravar tal conteúdo em vídeo? Independentemente da formação do candidato, será mesmo necessário realizar dois tipos de currículos futuramente? Será que recrutadores, terão tempo de apreciar vídeos contendo 3 minutos cada, se nem mesmo currículos encaminhados por emails os recrutadores tem tempo de avaliar e fornecerem um feedback, ainda mais com a nova tendência dos vídeos currículo? Os processos seletivos correm sério risco de paralisarem por completo devido tanta burocracia. Esses vídeos currículo além de irem contramão à urgência natural no preenchimento de vagas e na rotina trabalhista, expõem os candidatos à beira do ridículo ao caricato amador. Nem tudo no campo virtual é elegante, útil e tendencioso.
AUTOR Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156
Psicólogo Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade Tuiuti do Paraná e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas - RH na Faculdade OPET (em curso). e-mail: atlaspsico@atlaspsico.com.br 48
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