Revista_ATLASPSICO_13

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ATLASPSICO

A Revista do psicólogo PSI INFANTIL

SEXUALIDADE Câncer de mama & a sexualidade

DIREITO Assedio sexual no trabalho

NÚMERO 13 | ABRIL 2009

A angústia das crianças que tem pais separados

COMPORTAMENTAL A aprendizagem da lectoescrita

TRANSPLANTE DE

MEDULA ÓSSEA


EXPEDIENTE REVISTA ATLASPSICO EDIÇÃO DE ABRIL 2009 Brasil – Curitiba – Paraná EDITOR-CHEFE Psicólogo Márcio Roberto Regis (CRP 08/10156) AGRADECIMENTOS AOS PROFISSIONAIS COLABORADORES... Renan de Almeida Sargiani (Graduando de Psicologia) Ana Cláudia Pinheiro (Psicóloga) Márcia Souto de Araújo (Psicóloga) Robson Zanetti (Advogado) Giovana Kreuz (Psicóloga) Carlos A. Porcino (Psicólogo) Suzanne Leal (Psicóloga) Maria Carolina Pereira Jorge (Ilustradora, Publicitária) Márcio Roberto Regis (Psicólogo) ILUSTRAÇÃO “OS SETE ANÉIS DE TENSÃO” Maria Carolina Pereira Jorge (Ilustradora, Publicitária) ARTE E DIAGRAMAÇÃO Márcio Roberto Regis SEJA UM COLABORADOR PARA A PRÓXIMA EDIÇÃO Encaminhe seu artigo para o email editorial@atlaspsico.com.br Um projeto do Portal de Psicologia ATLASPSICO www.atlaspsico.com.br | revista.atlaspsico.com.br Revista ATLASPSICO é uma publicação bimestral. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. O uso de imagens e trechos dos textos somente podem ser reproduzidos com o consentimento formal do editor. ATENÇÃO: EDITORIAL ATLASPSICO INFORMA! O Portal de Psicologia ATLASPSICO NÃO ABORDA INTERNAUTAS E NEM REALIZA PUBLICIDADE NO ORKUT ou em qualquer outra rede de relacionamentos. JAMAIS repasse informações pessoais para internautas se identificando responsáveis pelo nosso projeto editorial. Em caso de dúvida, entre em contato com os endereços de email e telefone informados em nosso site no atalho contatos.atlaspsico.com.br

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EDITORIAL Caros Leitores e Colaboradores, Nesta edição a autora Giovana Kreuz, responsável pelo Serviço de Psicologia do Hospital do Câncer de Cascavel UOPECCAN (www.uopeccan.org.br) desde 2001, aborda “A Psicologia Hospitalar e o transplante de medula óssea”. Essa medula é um líquido que ocupa o interior dos ossos responsáveis pela produção dos glóbulos brancos, vermelhos e as plaquetas. A finalidade desses componentes sanguíneos é a defesa orgânica e a proteção de possíveis infecções. Para quem trabalha na área clínica, hospitalar e com clientes que aguardam para um transplante de medula óssea ou que já realizaram, será um artigo muito esclarecedor. Os tópicos informam desde o atendimento e preparo prévio do cliente ao procedimento TMO, recursos para as crianças em preparo para o TMO, pacientes em internamento pré, durante e pós recuperação do TMO passando por casos de como lidar com o óbito, expectativas e recuperação/cura até mesmo pelas dificuldades teóricas e práticas. Por fim, parabenizo e agradeço todos os nossos colaboradores pela qualidade, empenho e pelo tempo dispensado nos artigos aqui publicados! Qualquer profissional pode colaborar com o conteúdo da Revista ATLASPSICO. Todos serão muito bem-vindos! Boa leitura! Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 | Psicólogo e editor ATLASPSICO

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Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009


ÍNDICE

A Revista do Psicólogo

ATLASPSICO número 13 | abril 2009

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MATÉRIA DE CAPA

Transplante de medula óssea: pensando emprotocolos de atendimento psicológico

PSICOLOGIA COMPORTA MENTAL A aprendizagem da lectoescrita

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COMPORTAMENTO Reich online: você é seu corpo

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DIREITO

Assédio sexual nas relações de trabalho

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CURSOS E EVENTOS

em psicologia e psiquiatria, visite:

cursos.atlaspsico.com.br SEXUALIDADE

Câncer de mama & sexualidade: os simbolismos existentes nessa relação

DEP. QUÍMICA

A dependência química e o esquecimento de si

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COLUNA ATLASPSICO Faxina.virtual

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PSICOLOGIA INFANTIL

Pais separados: considerações em torno da angústia na clínica psicanalítica com crianças

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PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL

contribuições das teorias comportamentais para

A APRENDIZAGEM DA LECTOESCRITA

a importância da motivação e da auto-eficácia

O presente estudo, de caráter bibliográfico, tem por objetivo apresentar um possível dialogo entre teorias comportamentalistas e a teoria construtivista da psicogênese da língua escrita com relação à alfabetização, os processos de aprendizagem e o fracasso escolar com o intuito de promover questionamentos acerca da importância da motivação no processo de aprendizagem. Para isso são discutidas teorias de Emilia Ferreiro, Jean Piaget, Paulo Freire, B.F.Skinner e Albert Bandura evidenciando suas concepções acerca da aprendizagem e do ambiente sócio-escolar. O dialogo que se propõe aqui possibilita demonstrar que a motivação para a aprendizagem é um fator importante no que concerne ao sucesso ou fracasso escolar. A reflexão que se faz é a do papel do professor como colaborador no desenvolvimento da lectoescrita e não como um agente de controle.

A

Pedagogia e a Psicologia têm partilhado de discussões com relação à educação há muitas décadas. Contudo, as discussões que aqui são elaboradas não têm o intuito de se configurar em um campo especifico, pois se inserem no campo mais abrangente da Educação. Cremos que todas as ciências, em especial as humanas, devam colaborar mutuamente com seus conhecimentos para possibilitar uma melhor concepção acerca do homem e dos problemas relacionados a ele. Assim, nos valemos de conhecimentos da psicologia e conhecimentos da pedagogia para esta reflexão. Hoje, mais do que nunca, observamos – mesmo empiricamente - que os alunos têm muitas dificuldades na aprendizagem da lectoescrita. A classificação de alunos enquanto pré-silábicos, silábicos sem valor ou alfabéticos, cria divisores em salas de aulas que transformam o processo de alfabetização em algo aterrorizante, aversivo para os alunos. Os estudantes que apresentam atrasos na etapa do desenvolvimento esperada para a sua idade são separados em sala de aula - mesmo que dissimuladamente - e muitas vezes ficam estagnados no estágio em que estão até o final do ano letivo em que são promovidos e mudam de salas, o que somente adia ainda mais o problema. 6

Os alunos que tem dificuldades de aprendizagem, ou simplesmente atrasos, geralmente são motivo de discriminação em sala de aula, são ridicularizados por outros estudantes e até mesmo pelos professores. Faltam muitas vezes às aulas e se isolam pouco a pouco nas salas, mantendo relações restritas com alguns poucos amigos, em geral com outros que também são discriminados. Quase não perguntam nada aos professores, pois se sentem envergonhados e preferem ficar com dúvidas a serem ainda mais expostos. Não são pertinentes ao trabalho dos professores os fatores familiares – convivência, alimentação, cuidados, etc. -, uma vez que, esses estão fora do ambiente escolar, e devido ao grande número de alunos essas informações se tornam de difícil acesso ao docente que se limita, na sua possibilidade, de conhecer apenas alguns históricos familiares de alunos. Ressaltamos que o conhecimento do convívio familiar é importante, pois também faz parte da formação da criança. Muitas vezes esses alunos podem ser ridicularizados em casa. Com o exposto, pretendemos aqui, apresentar teorias psicológicas que contribuem para pensarmos em como falsas-crenças de incapacidade provindas desse tratamento inadequado das crianças Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009


dificultam ainda mais a aprendizagem, como a falta de motivação implica na diminuição da disposição para aprender. São reflexões acerca do papel do professor enquanto um colaborador do processo de ensinar e não como um agente de controle. As reflexões são feitas a partir de dados coletados em observações empíricas em escolas públicas e privadas, entretanto aqui só serão discutidas as teorias, dispensando assim a apresentação formal dos dados coletados utilizados apenas para a exemplificação de nosso problema. Esse assunto não pretende ser completamente solucionado aqui, nem tampouco pretendemos propor técnicas de ensino. O que queremos com este estudo é demonstrar que alguns conhecimentos da psicologia, em especial da psicologia comportamental, podem contribuir na compreensão do porque as crianças apresentam dificuldades de aprendizagem da lectoescrita, e ainda mais o porquê essas dificuldades não são solucionadas e sim perpetuadas muitas vezes. Assim daremos início a essa discussão com a apresentação da concepção do sujeito e de como se dá o processo de aquisição da linguagem escrita a partir da teoria construtivista de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, em virtude, de essa ser atualmente uma das teorias construtivistas utilizadas como base do “Projeto Ler e Escrever” da Secretária da Educação do Estado de São Paulo. Esse projeto substitui antigas metodologias de ensino por novas práticas que consideram o aluno como um indivíduo participante do processo de aprendizagem. As crianças em fase de alfabetização são avaliadas e classificadas em etapas, de acordo com a teoria construtivista, até que são consideradas alfabetizadas. Etapas essas que em nossa visão contribuem para a segregação entre alfabetizados e não-alfabetizados em sala de aula.

estudos com relação a elas eram desnecessárias, uma vez que, é evidente que se tudo está normal as crianças aprenderão a ler e a escrever, uma vez que, são biologicamente predispostas a isso. O que é proposto então por Ferreiro e Teberosky (ibid) é que seja pesquisado o como as crianças constroem essa aprendizagem, como evoluem de simples garatujas para a compreensão e o desenho de elaborados, símbolos chamados de letras e números, bem como, quais são as etapas dessa aprendizagem. Essa mudança de enfoque não significa dizer que são desconsiderados os fatores anteriormente pesquisados, mas, sim, que esses fatores não explicam o como as crianças aprender a ler e a escrever, só dizem que eles as possibilitam a aprender. Na visão de Piaget (passim, ibidem), a inteligência é um processo de adaptação em que o sujeito cognoscente procura ativamente compreender o mundo ao seu redor. Chamamos de ser cognoscente, o sujeito como um inteiro, constituído por distintas dimensões: biológica, afetiva, relacional etc., que interagem entre si, com o ambiente natural e sócio-cultural e possibilita o advento do “conhecer” e do conhecer-se. Deste modo, a inteligência se constrói do individual para o coletivo, de “dentro” para “fora”, os indivíduos constroem sua inteligência ativamente, não existe uma inteligência pronta e definida no mundo que possa ser absorvida; todo o conhecimento pronto é assimilado e acomodado de maneira particular - sofre modificações - e depende exclusivamente da elaboração dos esquemas mentais pessoais, depende do próprio ser cognoscente. Assim, partindo desses princípios, a teoria da psicogênese da língua escrita de Ferreiro e Teberosky (ibid), promove a idéia de que no processo CONSTRUTIVISMO de alfabetização, as crianças, criam mecanismos E O SUJEITO COGNOSCENTE próprios, hipóteses sobre a escrita e as reformulam A aprendizagem da lectoescrita envolve uma ativa e constantemente, de acordo com a necessidade gama de requisitos que vão desde as características e com a desquilibração proporcionada pelo meio biológicas, físicas, sociais e neurológicas, até a em que estão inseridas, até que finalmente atingem compreensão de que letras e números são sinais o estágio que é considerado como alfabético. Essa gráficos que representam simbolicamente conceitos desequilibração da qual falamos, se dá, em virtude e sons. Com base no que podemos ver em Ferreiro de a criança criar hipóteses sobre a escrita que lhe e Teberosky (1999), fatores como, coordenação parecem adequadas (corretas) e as utilizarem até que motoro fina, coordenação viso-motor, visão e sejam confrontadas com problemas que fogem as audição normais e capacidades cognitivas médias, suas explicações hipotéticas e se vêem “obrigadas” foram durante muitos anos considerados as a reformular suas hipóteses para uma diferente que características essenciais e os objetos de estudo dos resolva o seu problema. Essa reformulação ocorre pesquisadores que se dedicavam a entender como até que encontram a resposta mais adequada que é a funcionava o processo de alfabetização. que consideramos como estágio alfabético. O papel Contudo, a mudança de enfoque que tem sido do professor é fornecer um ambiente propício para feita a partir dessas autoras e com base na teoria que esse desenvolvimento ocorra, desequilibrandoda epistemologia genética de Piaget (1973), propõe as quando necessário para que evoluam de um que tais características são na verdade óbvias e os estágio para outro. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009

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Em suma, para o construtivismo, as crianças passam por estágios do desenvolvimento até atingirem o estágio alfabético. São descritos basicamente quatro estágios do desenvolvimento da lectoescrita. O primeiro estágio é chamado de présilábico, em que a criança não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada e “escolhe” alguma letra que “gosta” mais para "escrever". Por exemplo, pode escrever Mamãe como MMMMM ou AAAA. Na fase seguinte, a silábica, a criança já interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor silábico a cada uma (ex: MA pode ser a grafia de Ma-mãe). Depois temos a fase chamada de silábicoalfabética, em que temos uma “mistura” da lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas propriamente ditas. Por fim, na última fase, a alfabética, passa a dominar plenamente o valor das letras e silabas. O atual “Projeto Ler e Escrever” da Secretária da Educação do Estado de São Paulo, se baseia em partes nesta teoria construtivista, em que as crianças são consideradas como o centro da aprendizagem, assim justificando a retirada de técnicas de alfabetização como os métodos sintético, analítico, sintético-analítico. (Lemle, 1987) . Na abordagem construtivista, os erros são vistos como características importantes de determinadas fase do desenvolvimento e não como falhas propriamente

SKINNER: AGÊNCIAS EDUCACIONAIS, PUNIÇÃO VERSUS MOTIVAÇÃO

Ainda pensando em motivação temos B. F. Skinner (1975; 2003), que apresenta uma teoria da aprendizagem distinta da de Ferreiro e Teberosky, em que os sujeitos aprendem de acordo a estimulação ambiental e as conseqüências de seus comportamentos. O que queremos dizer é que Skinner - assim como Piaget - tem uma teoria da aprendizagem mais abrangente, enquanto Ferreiro e Teberosky teorizam apenas sobre a aprendizagem da lectoescrita. Na abordagem behaviorista, ou comportamentalista, ao aprender o individuo recebe estímulos reforçadores ou punitivos que controlam sua aprendizagem. A aprendizagem não é feita por fases, mas, sim, por “ensaio e erro” constantes, sendo que as respostas mais adequadas - ou que ofereçam

ditas. Portanto, a teoria propõe e que não se deve temer também o esquecimento, pois, o importante é o desenvolvimento da capacidade de restituir as informações e não de armazená-las. Em outros termos, deve-se capacitar os indivíduos para que um mesmo raciocínio (ou um semelhante) seja refeito e não desenvolver técnicas mnemônicas, devese ensinar “como se multiplica” e não “como se decorar a tabuada”. (Ferreiro e Teberosky, 1999). Ainda de acordo com Ferreiro e Teberosky (ibidem), o sujeito deve ser encarado como um produtor do conhecimento e não como um receptor. Essa ultima idéia é defendida também por Paulo Freire (passim, 1996), na aprendizagem professores e alunos apreendem constantemente uns com os outros. Deve-se criar meios (motivacionais) para que os alunos queiram aprender e participar de seu processo de aprendizagem; paralelamente nesse processo, o professor também aprende com os alunos e deve estar sempre buscando aperfeiçoar a sua própria formação. Dessa maneira, o processo de aprendizagem é considerado como “uma via de mão dupla” em que docentes e discentes devem cooperar ativamente na busca pelo conhecimento. A motivação do aluno em aprender deve ser considerada como um fator intrínseco ao processo de aprendizagem, já que ela facilita, interessa, possibilita o sujeito a aprender.

maior possibilidade de obtenção de reforçadores positivos - são as que permanecem. A busca por reforçadores positivos estimula a aprendizagem, isto é, a motivação. Portanto, para Skinner a adequação de reforçadores pode possibilitar uma melhoria na aprendizagem, o que estendemos à aprendizagem da lectoescrita. Ainda de acordo com Skinner, podemos dizer que é possível criar condições favoráveis para a aprendizagem de acordo com o melhor preparo profissional e de técnicas especificas de manipulação do comportamento. (ibid, 1975) Deste modo, estudar deve ser um processo continuo de estimulação e de reforçamento das respostas adequadas, semelhante a um procedimento por ele chamado de Modelagem. Neste, as respostas

o processo de aprendizagem é considerado como “uma via de mão dupla” em que docentes e discentes devem cooperar ativamente na busca pelo conhecimento. 8

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os professores podem trabalhar para melhorar os estados emocionais de seus alunos e para corrigir suas auto-crenças e hábitos negativos adequadas e mais complexas devem ser instaladas a partir de respostas mais simples em uma cadeia comportamental mais elaborada. (ibid, 2003). Partindo dessa explicação, uma criança começa a ser estimulada a desenhar (resposta) e com constantes elogios (reforços) e até mesmo com o prazer de desenhar ou da estimulação sensorial é reforçadas até que esse comportamento seja plenamente instalado. Com o passar do tempo, os desenhos precisam ser mais elaborados – a crianças é requisitada socialmente a desenhar “melhor” – e assim passa a aperfeiçoar o comportamento inicial (desenvolvimento da coordenação motora fina). As letras e números também são desenhos e da mesma maneira , nessa abordagem, são instaladas e aperfeiçoadas. Da mesma forma, podemos dizer que as primeiras tentativas de ler uma palavra como “Bala” podem ser aperfeiçoadas ou extinguidas de acordo com a estimulação contingente. Se a criança for estimulada para continuar lendo – mesmo errando – com um “muito bem”; “isso mesmo, continue”, terá uma aprendizagem mais eficaz do que se lhe for dito que está errada, que ela lê vagarosamente. A escola para Skinner (2003) é uma agência educacional, uma das chamadas agências controladoras. O que equivale dizer que as escolas impõem certas regras, normas que julga serem adequadas e necessárias sistematizando e criando métodos de controle para que todas as crianças os apreendam. Assim, as crianças devem aprender

APRENDIZAGEM SOCIAL E ESTRATÉGIAS PARENTAIS

Ainda cabe-nos introduzir alguns conceitos propostos por Bandura (2007) em sua teoria da aprendizagem social, ou ainda, aprendizagem vicariante ou por imitação. Nesta a aprendizagem se dá em virtude da imitação de modelos, no que se pode chamar também de modelação. O procedimento de modelação é diferente do de modelagem proposto por Skinner e não devem ser confundidos. No primeiro os indivíduos aprendem os seus comportamentos a partir de observações de outros sujeitos, deste modo, observam e “copiam”, “imitam” para aprender os comportamentos observados. Enquanto o de modelagem é o processo

o que é ensinado, pois é o “ideal” e evitam dessa maneira possíveis punições e estimulações aversivas, tanto escolares quanto familiares e sociais. Ainda de acordo com o autor (1975), a escola é associada muitas vezes com uma punição, em que estudar é uma fuga de estímulos aversivos, em uma situação de controle aversivo. Isso, em virtude de, a criança saber - pode ser dito verbalmente ou não - que se não estudar sofrerá punições tais como: fazer mais lição de casa, deveres extras e até punições físicas como a palmatória, ajoelhar-se no milho, surras etc. Para Skinner, assim como vimos em Freire (op. cit), é necessário que o aluno tenha motivação para estudar, e esta é proporcionada pelo reforçamento positivo. Sem o reforço positivo os estudantes não são estimulados a aprender, a se lembrar etc. Professores que somente são fontes de conhecimento e não colaboradores do processo de aprendizagem, rígidos e autoritários não contribuem para a aprendizagem ao não possibilitar que o aluno se aproprie do conhecimento, ou ainda, que o aluno queira se apropriar do conhecimento. Os constantes castigos e ameaças reduzem as tentativas de aprender por vontade e transforma em aprender por força. Vale ressaltar aqui um ditado espanhol citado por Ferreiro e Teberosky, que diz “a letra com sangue entra” (do original “La letra con sangre entra”), o que quer metaforicamente dizer que se forçar, se punir, não importa o como, a criança aprender a ler e escrever.

de aprendizagem partindo de respostas mais simples para respostas mais complexas, a partir do reforçamento positivo dessas respostas. O que nos leva a reflexão com base na teoria de Bandura principalmente é o conceito de autoeficácia, isto é, a crença nas próprias habilidades, no próprio potencial. A auto-eficácia é em outros termos a crença de que se pode atingir um objetivo, isto é, a motivação que se tem para realizar qualquer atividade. Tem estreita relação com a auto-estima, embora também não se possa confundi-las já que essa é o valor que um sujeito reconhece em si mesmo, enquanto aquela é a crenças nos potenciais

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para a realização de tarefas que o indivíduo acredita ter. A auto-eficácia é, pois, fundamental para que qualquer sujeito exerça alguma atividade, já que ao crer que se é capaz o indivíduo irá tentar fazer algo, do contrário sabendo de que não adianta tentar, pois ele é “incapaz”, ele nem tentaria. Bandura (ibid) diz que os professores podem trabalhar para melhorar os estados emocionais de seus alunos e para corrigir suas auto-crenças e hábitos negativos de pensamento (fatores pessoais). Falsas crenças como “Eu sou Burro”, “Eu não consigo”, e pensamentos negativos como “Para que fazer? Tudo o que eu faço está errado mesmo” têm efeito devastador sobre a motivação das crianças para a aprendizagem. São todas características de um histórico de aprendizagens que refletem experiências negativas que diminuíram a auto-eficácia, por conseguinte a crença de que se tem potencial para a realização dos objetivos. Os professores devem proporcionar oportunidades para melhorar as habilidades acadêmicas e práticas auto-regulatórias (comportamento) dos alunos e alterar as estruturas da escola e da sala de aula, para que possam atuar de maneira a minar as falsas crenças dos estudantes (fatores ambientais). Com relação a fatores ambientais e esses históricos de falsas crenças, devemos nos referir a algo fundamental também para o desenvolvimento cognitivo e a progressão no meio escolar - o ambiente familiar. Anteriormente já havíamos falado que o convívio familiar, embora de difícil acesso aos

professores, é de fundamental importância para se entender algumas dificuldades de aprendizagem das crianças. O histórico comportamental dos indivíduos registra não só as aprendizagens em sala de aula, como também todas as que o individuo tem, seja em casa, no supermercado ou em qualquer lugar. Desse modo, as dificuldades de comunicação (não perguntar), timidez, medo, falsas-crenças podem ser resultado de experiências anteriores no ambiente familiar e reforçadas na escola. Assim, ressaltamos a importância da família que tem um papel fundamental na educação dos filhos, funcionando como uma das primeiras agências socializadoras deles. Como visto em Gomide (2003), na relação familiar é que são adquiridos os primeiros conceitos de princípios morais e de regras de conduta, que proporcionam os comportamentos de independência, autonomia e responsabilidade. Enfim, que regem toda a vida do indivíduo. A seguir iremos discorrer sobre algumas estratégias parentais descritas por Gomide (ibid), essas foram divididas em estratégias positivas e negativas. Esse critério de divisão se dá em virtude de as estratégias positivas possibilitarem um desenvolvimento de comportamentos pró-sociais, enquanto as negativas proporcionam a manifestação de comportamentos anti-sociais. Comportamentos pró-sociais são entendidos como comportamentos que promovem o bom convívio social, enquanto os anti-sociais são o extremo oposto. As estratégias positivas são:

a) Monitoria Positiva: estratégias de educação adotadas pelos pais que envolvem o uso adequado de atenção, supervisão e regras bem estabelecidas e controladas; b) Comportamento Moral: são as estratégias adotadas que envolvem a aprendizagem de empatia, senso de justiça, responsabilidade. A transmissão de valores sociais. Enquanto as negativas podem ser classificadas como: a) Negligência: podemos dizer que esta é a posição adota pelos pais de completa ausência de cuidados, atenção, afeto para com os filhos; b) Abuso Físico e Psicológico: uso de práticas corporais negativas, surras, ameaças, chantagens. c) Disciplina Relaxada: o estabelecimento de regras que podem ser ou não cumpridas; As crianças não podem fazer algo hoje, mas amanhã podem e depois não podem novamente. d) Punição Inconsistente: uso de punições mais graves ou menos graves para uma mesma inflação, de acordo o humor; e) Monitoria Negativa: excesso de supervisão e de regras. É o oposto da Monitoria positiva, nessa a um excesso de controle da vida dos filhos.

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A maneira como os pais educam, criam seus filhos implica em seus modelos de conduta, e, por conseguinte em seus modelos de aprendizagem. Deste modo, uma criança que tem pais que a negligenciam constantemente, abusam psicologicamente dela dizendo que é “burra”, “inútil”, faz com que essa criança acabe se reconhecendo como uma “ignorante” e que não irá adiantar tentar porque ela jamais irá conseguir aprender. Em outras palavras, a sua auto-eficácia é reduzida, e ela não acredita em seu próprio potencial. Futuramente essa mesma criança pode encontrar uma professora que tenha as mesmas atitudes que os pais e que ao invés de incentivá-la a aprender, contribui para a diminuição da autoeficácia, reduzindo ainda mais o seu potencial de aprendizagem. Assim temos a concretização do que se tem chamado nos últimos anos de uma profecia auto-

realizadora, isto é, ao não acreditar em si mesma a criança não busca aprender e, portanto, tira notas baixas e confirma sua crença de que é realmente “burra”. A professora por pensar que a criança é “burra”, a trata como tal até que essa não consegue aprender e confirma a crença inicial da professora. Deste modo o papel do professor é de fundamental importância no processo de aprendizagem, buscando maneiras para que essa criança perceba que tem potencial e que suas crenças são irreais. Contudo, cabe também ao professor essa compreensão de que suas atitudes podem ser enviesadas por suas opiniões pessoais, pois do contrário esse processo continuará em um ciclo vicioso. Embora os professores não possam ter controle sobre os estilos parentais adotados, eles podem tentar minimizar os efeitos dessas estratégias em sala de aula adotando posturas idôneas e semelhantes para todos os alunos, incentivando-os e não apenas criticando-os.

A maneira como os pais educam, criam seus filhos, implica em seus modelos de conduta, e, por conseguinte em seus modelos de aprendizagem DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Quando falamos em ensino, ou melhor, em técnicas de ensino, ainda atualmente é bem possível que pensemos no tradicional (consagrado) modelo em que o professor é a fonte do conhecimento e os alunos são os ignorantes que devem escutar passivamente para apreender o que o professor traz de informações. Conforme Pozo (2001), como as técnicas de ensino são diversas, não existe uma ideal, fixa, correta, este modelo até pode ser considerado com sendo o característico de um determinado período sócio-histórico, porém não é o único e nem o ideal. Ainda de acordo com Pozo (ibid), durante milênios, desde a Grécia antiga com suas academias, as formas de se ensinar algo, de transmitir o conhecimento, sofreram diversas modificações e adaptações. Desde os métodos gregos mnemônicos em que se decoravam os versos dos poemas até as escolas eclesiais, professores particulares, tutores, escolas públicas e a já consagrada aula “Giz, lousa e saliva”. A postura do professor como dominador do conhecimento e do aluno como receptor passivo é adotada por muito e por muito tempo e justificada historicamente. Contudo, como já mencionamos, a didática é característica de uma determinada época, hoje em dia temos posturas diferentes de ensino Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009

em que o aluno é considerado como ativo do seu processo de aprender. Entretanto, as novas posturas do professor e a nova forma de alfabetização, de acordo com a teoria construtivista de Ferreiro e Teberosky, não tem trazido resultados plenamente satisfatórios. Pelo menos no experienciamos empiricamente, e que fundamentam os exemplos que apresentamos no capitulo introdutório desse. Acontece que o que vemos como resultados insatisfatórios são para nós o mesmo que verificavam Ferreiro e Teberosky (ibid) no começo de suas pesquisas: um erro de foco. Dizemos isso em virtude de ultimamente terem transformado, no Brasil, a teoria construtivista em técnica de ensino e essa nunca foi a proposta de Ferreiro. A teoria de Ferreiro e Teberosky buscava explicar como as crianças aprender a ler e a escrever e não como se deve ensinar a elas. Assim como Piaget, Ferreiro nunca foi método de ensino. Nossa reflexão tinha o intuito de apresentar possíveis contribuições da psicologia comportamental para o ensino e aprendizagem da lectoescrita. O que fizemos aqui, portanto, foi apresentar alguns conceitos que cremos serem importantes para que o processo de alfabetização não seja algo desmotivador. Como ficou evidenciado, a motivação 11


é algo fundamental para qualquer aprendizagem e, portanto, também na aprendizagem da leitura e escrita. De acordo com o que vimos em Paulo Freire (ibid), cabe aos educadores criar meios para que os alunos queiram aprender (motivacionais) e participar de seu processo de aprendizagem. Os professores muitas vezes funcionam como modelos, e são esses modelos que servirão de exemplo para que os alunos possam se identificar e copiar (aprender). Quando os professores são aversivos ou fornecem estímulos aversivos os alunos conseqüentemente terão dificuldades em aprender. Embora não possa ser do controle do professor, o ambiente familiar também influencia na constituição do indivíduo. A criança não é uma na escola, outra na rua e ainda uma outra em casa, é uma única. É um individuo completo e composto por diversos aspectos, vários fatores contribuem para a sua formação. Um ambiente familiar desprovido de estratégias parentais positivas diminui as chances de um bom aproveitamento escolar. Os alunos chegam a sala de aula, cansados, com fome, sofreram agressões físicas, a ultima coisa que querem é aprender. E o professor realmente nem sempre tem

como saber disso, mas ele deve tentar proporcionar estimulação positiva, deve tentar motivar o aluno a aprender, ao invés de contribuir para que ela se sinta ainda menos valorizada, ainda menos capaz. O professor deve colabora ativamente não só no processo de aprendizagem como também no fator subjacente a esse, a motivação. Concluímos, dizendo mais uma vez que esse estudo não tinha o intuito de esgotar o assunto, nem como o de fornecer alguma resposta conclusa. Queríamos justamente o oposto, queríamos que o conteúdo apresentado aqui promovesse maiores e melhores questionamentos acerca da atual condição de ensino da lectoescrita, vista por nós como uma fase fundamental para o ensino onde o aluno é introduzido no mundo do conhecimento escrito, na tradição cultural escrita que possibilitará futuramente a aquisição de quase todos os outros conhecimentos. Um modelo de aprendizagem da leitura e da escrita aterrorizante e traumatizante pode ser um modelo futuro para todas as outras aprendizagens, dificultando todos eles, inclusive contribuindo para a evasão escolar.

BIBLIOGRAFIA

BANDURA, A., AZZI, R. G., POLYDORO, S. et al. Teoria Social Cognitiva e Auto-Eficácia: Uma Visão Geral. Cap. 4 In: Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre: Artmed, 2007. FERREIRO, E., TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. GOMIDE, P. I. C. Estilos Parentais e Comportamento anti-social. In: Almir Del Prette e Zilda Del Prette. (Org.). Habilidades Sociais, Desenvolvimento e Aprendizagem. Campinas: Alínea Editora, 2003, p.21-60. LEMLE, M. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática, 1987. POZO, J. I. Aprendizes e Mestres: a Nova Cultura da Aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2001 PIAGET, Jean. Psicologia e epistemologia: Por uma teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 1973. SÃO PAULO, Secretária da Educação do Estado de. Resolução SE 86, de 19 de dezembro de 2007. Acesso em 10 de se outubro de 2008. http://lereescrever.edunet.sp.gov.br/site/Documentacao.aspx SKINNER, B.F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003. _____. Tecnologia do Ensino. São Paulo: EPU, 1975.

AUTOR

Renan de Almeida Sargiani Graduando em Psicologia pela Universidade Cruzeiro do Sul, formado no curso de extensão em Distúrbios do Desenvolvimento – Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: sargiani@gmail.com

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DEPENDÊNCIA QUÍMICA

A DEPENDÊNCIA

QUÍMICA

E O ESQUECIMENTO DE SI na leitura fenomenológio-existencial

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O

presente trabalho monográfico visa uma leitura fenomenológico-existencial de um estudo de caso que relata o uso abusivo de álcool de uma cliente como forma de não enfrentamento da sua realidade. Foi escolhida uma metodologia que tem como base o estudo de caso e a pesquisa de referências bibliográficas da abordagem fenomenológicoexistencial. O existencialista vai trabalhar visando compreender a vida cotidiana do homem, seu experienciar e o significado que atribui a esse vivenciar. É a existência, o vivenciar que revela a essência do homem (ERTHAL, 1989). O foco será em como o cliente se relaciona com o mundo, que significados dá a esse mundo. Na Filosofia, o existencialismo surge com o pensamento de Soren Aabye Kierkegaard (1813 – 1855) que lutou contra a tendência de se tratar o homem como um objeto para ser calculado e controlado e desenvolveu uma filosofia que buscava a subjetividade e a interioridade do homem. Para compreender a vida, o homem devia fundamentalmente realizar uma reflexão sobre si mesmo. O eu do homem, constitui-se na tensão dos contrários, ou seja, se encontra com a dialética: finito/infinito; possibilidade/necessidade; eterno/ temporal. O homem tenta resolver tal paradoxo e paralisa-se tentando resolver o inevitável. Portanto, para Kierkegaard, o paradoxo da existência humana não pode ser resolvido e sim aceito (ERTHAL, 1989). Martin Heidegger (1889-1976) filósofo alemão na análise do ser humano faz uma análise do ser do homem. Propõe uma retomada filosófica das questões do ser (BLACKBURN, 1997, p. 179). Heidegger significa o homem como um ser lançado em um mundo, que se projeta em direção ao futuro. Portanto, existir é estar em constante processo, indo sempre adiante, caminhando para o futuro, com possibilidades imprevisíveis e incontroláveis. Mas, o ser para frente de si mesmo nada mais é do que o ser para morte. É essa certeza inaceitável que fundamenta a ambigüidade do horizonte existencial (ERTHAL, 1989). Para Heidegger o homem pode agir de modo no qual a pessoa não se dá conta de que é ela própria que cria a sua vida e o mundo, e que é responsável; modo no qual ela foge e é tranqüilizada, evitando escolhas, sendo levada por todos e ao mesmo tempo por ninguém, é inautêntico. Desta forma, ela perde o seu querer próprio, diluindo-se nos outros. E pode agir também como consciente de si mesmo, abraçar todas as possibilidades e limites, encarar a liberdade absoluta e o nada, tornando-se ansiosa diante deles, uma vez que só em contato com a Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009

criação de seu próprio eu, ela poderá obter o poder de promover mudança em si mesma. Existência autêntica apenas é alcançada na angústia, que o coloca em contato com o nada do qual o seu ser surge (ERTHAL, 1989). Diante da visão de homem tida pela abordagem Fenomenológico-existencial, cabe agora o estudo do modo-dependente-químico-de-ser. A partir de uma revisão histórica da civilização humana, pode-se observar que a droga se fez presente na cotidianidade do homem desde as primeiras notícias de sua existência. Tanto nas civilizações antigas quanto nas indígenas as plantas psicoativas como o ópio, a coca, a maconha eram bastante utilizadas e estavam ligadas a rituais religiosos, culturais, sociais, estratégico militares entre outros (LESSA, 1998). Atualmente, ainda na tentativa de resolução do paradoxo, a droga se tornou assunto que traz grande polêmica, em todos os setores da sociedade, conseqüentemente, dividindo opiniões (LESSA, 1998). Através desse modo-de-ser, o homem escolhe utilizar-se da droga para alcançar algo que lhe parece inacessível, tenta prolongar o prazer alegria, euforia - aplacar a tristeza, dominar o outro, ultrapassar seus próprios limites e os impostos pelas sociedade, diferencia-se dos outros através de comportamentos bizarros, dentre outras razões. Com isso tenta buscar o que não tem, ser o que não é esquece-se do mundo e de seu “ser”, opta por não escolher ou então se apóia na sua liberdade para alcançar o impossível. Acredita poder controlar o tempo de acordo com seu desejo e até sentir-se imortal (LESSA, 1998). Evitam entrar em contato com sua própria intimidade, vivendo afastado de si mesmo. Sendo assim, não apresentam interesses ou motivação para desempenhar alguma tarefa por um tempo considerável. Muitas vezes seu interesse é excessivo por um número excessivo de coisas, mas permanecendo na superficialidade, não se aprofundando em nada (LESSA, 1997). A Droga é qualquer substância capaz de modificar uma ou mais de suas funções no organismo (Comitê de Peritos em Dependência às Drogas da OMS apud Lessa, 1998). Dependente químico é toda pessoa que tem sua vida controlada pelo uso abusivo de qualquer substância que altere a sua mente e humor. A dependência alcoólica ou alcoolismo é uma doença, frequentemente crônica e progressiva, que se caracteriza pelo consumo regular e contínuo de bebidas alcoólicas, apesar da recorrência repetida de problemas relacionados com o álcool (PORTAL DA SAÚDE). 15


Alguns fatores de riscos são: história familiar relacionada com o alcoolismo; ambiente sociocultural. A integração em famílias ou em meios sociais propensos ao consumo de álcool (ter de freqüentar festas, reuniões sociais, etc.); Situações imprevisíveis de ruptura na vida quotidiana; Distúrbios emocionais – pessoas deprimidas ou ansiosas; Conflitos entre os pais, divórcio, separação ou abandono, de um ou de ambos os progenitores. As pessoas com dependência severa do álcool podem padecer de várias alterações danosas no organismo. Como doença crônica que é não tem cura. A única forma de estar controlado é a manutenção da abstinência. Um alcoólico pode manter-se sóbrio por um longo período de tempo, mas isso não significa necessariamente que esteja curado. O risco de recaída mantém-se (PORTAL DA SAÚDE).

SÍNTESE DO CASO CLÍNICO

A cliente tem 52 anos de idade, é divorciada e tem duas filhas, uma de 24 anos e outra de 28 anos de idade. Esta é de classe econômica média. Atualmente encontra-se residente numa clínica de recuperação para dependentes químicos. A cliente será tratada pelo nome de Maria Lúcia. Maria Lúcia em nosso primeiro encontro começa a contar de sua história de vida, conta da sua molequice, da sua alegria de viver, e seu gosto de sair com os amigos para festas da “alta sociedade” (sic). Maria Lúcia conta que conheceu seu ex-marido em uma dessas festas, ele era muito bem de vida, mas seus pais não o aprovavam. Depois de ter a segunda filha começou a sofrer agressões físicas e emocionais, descobriu que o marido se envolvia com drogas, além da bebida, mas para não ser um desgosto para os pais, ficou casada com ele durante dez anos, até que decidiu sair da cidade para refazer sua vida. Conta que o marido desconfiava que sua filha mais nova fosse de um amigo dele que freqüentava sua casa, seu marido acreditando nessa relação chegou a ameaçar matá-la e a filha com um revolver. Maria Lúcia foi para o interior do estado com as filhas, onde residiam dois irmãos, mas ainda

assim diz sentir-se abandonada pela família, pois eles gostavam dela apenas quando os ajudava com o dinheiro do marido e com a separação isso não foi mais possível. No início de nosso encontro, Maria explica que foi a filha mais nova quem a levou para a clínica de recuperação, pois não queria sair de casa, estava sempre triste e não queria trabalhar. Diz que não é “viciada” (sic), mas às vezes fazia uso de bebida alcoólica para distrair. Diz que já sofreu muito com a filha mais nova por se envolver com um homem de sessenta anos de idade e casado. Diz que hoje a filha lhe maltrata e humilha, por Maria não lhe ajudar com dinheiro. Acha que a filha não aproveita a vida, não sai, não faz faculdade ou algum outro trabalho para ter seu dinheiro, pois o marido é muito ciumento, ele não deixa. Conta do emprego que sua outra filha conseguiu e que também irá estudar e ter bolsa-auxílio na cidade vizinha. Disse ter ficado surpresa por saber que a filha saiu de casa. Maria diz que o namorado dessa filha mora na cidade vizinha em que a menina irá trabalhar, e diz ter medo da filha morar com ele sem se casar. Diz que o moço é de família de boa situação financeira, mas ele trabalha com o pai e não vê nele esforço e comprometimento no serviço, e muito menos fala em casar com sua filha. Maria disse que deu à filha que ela estará pronta para ajudá-la quando precisar enquanto não se adapta financeiramente, mas que depois ela deverá seguir seu caminho, sustentando a si própria. Sua filha ficou feliz pelo apoio de dona Maria. Maria Lúcia disse que está aprendendo muitas coisas na Clínica de recuperação, e percebe que as filhas precisam ser livres e responsáveis por elas mesmas. Disse que agora está sabendo ponderar as coisas, está conseguindo falar “não”, coisa que há um tempo atrás não conseguia, tinha medo de a pessoa ficar chateada com ela, diz que no dia-dia da clínica, se não dá para ajudar alguém naquele determinado momento, ela diz para pessoa esperar e não faz tudo na hora, como fazia antes. Diz que a filha não é independente, diz que tem que fazer tudo por ela, ficar longe da filha mais velha está sendo muito difícil, porque ela dependia muito da mãe.

Um alcoólico pode manter-se sóbrio por um longo período de tempo, mas isso não significa necessariamente que esteja curado 16

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Maria Lúcia diz que hoje entende que bebia por conflitos familiares, como por exemplo, sofrimento em relação à separação de seu marido, e com as filhas. Conta de quando fez um empréstimo no banco para a filha adquirir um apartamento perto da praia, mas descobriu que o dinheiro estava indo para compras de casa e jóias. Maria disse ter ficado muito chateada, mas ela mesma quem pagou o empréstimo que fez. Maria Lúcia conta que o ano passado a filha mais nova a colocou num Hospital Psiquiátrico por fazer uso do álcool e lá passou três dias, segundo ela em entrevista com o psiquiatra disse que Maria Lúcia não precisava estar ali e a filha era quem precisava por ter internado-a. A filha queria que vendesse a casa para comprar um carro do ano com a sua parte na herança, Maria Lúcia negou isso a ela, então a filha a humilhou dizendo que se visse ela na rua iria passar com o carro por cima dela e ameaçando colocá-la num Hospital Psiquiátrico novamente. Maria Lúcia disse que foi para sua casa ficar sozinha, chorou muito, e bebeu para esquecer-se daquele sofrimento. Esta foi em síntese a história de vida narrada por Maria Lúcia.

LEITURA FENOMENOLÓGICOEXISTENCIAL DO CASO CLÍNICO

O caso Maria Lúcia permite uma análise fenomenológico-existencial e, para tal análise, foi focado o modo de ser da cliente tendo como referencial alguns conceitos da abordagem. Percebeu-se em Maria o modo dependente de ser, dependência esta em relação à filha, à culpa, dependência em ver-se como vítima e dependência do álcool. O significado que Maria dá ao álcool é de que este se constitui como algo bom, algo que ameniza a tensão, as mágoas e as lembranças tristes da vida. Assim como não tem controle do uso do álcool, Maria não tem controle da sua vida. O outro (a filha) é quem a controla, cede a todas as vontades da filha. Como forma de aplacar a dor de saber que a filha é rejeitada pelo pai, hoje se sente culpada. Maria mantém a filha dependente dela, quando dá dinheiro a ela, faz o contrário do que diz ser seu desejo, provavelmente porque tem medo de perdêla. A filha controla Maria de maneira abusiva, a resposta da cliente é abusar-se de si mesma com uso abusivo do álcool. Apesar de a droga ser mais uma escolha da qual Maria tem em seu leque de possibilidades, ela é um ato muito comunicativo. Ela teve no decorrer de sua vida possibilidades fracassadas: separação, Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009

mudanças de cidades; escolha do relacionamento da filha; expectativas de um casamento feliz, atualmente Maria demonstra continuar a não olhar para suas outras possibilidades a fim de enfrentar os conflitos que tais fracassos ocasionaram. Percebe-se que em muitos momentos Maria levada por todos e ao mesmo tempo por ninguém, o que fenomenologicamente chamamos de inautênticidade do ser, ou seja, esquecimento do ser. Maria não percebe que ela própria é quem cria e é responsável pela sua vida. A cliente foge de si mesma, cai e é tranqüilizada pela embriagues do álcool, assim evita fazer escolhas nas quais tem que bancá-las. Perde-se o seu querer próprio, diluise nos outros, mostra-se passiva, dependente dos outros. Maria nesse momento de não consciência do ser, não é consciente de si mesma, deixa de abraçar as possibilidades e limites, não percebe e encara a liberdade absoluta e o nada, anestesia a ansiedade diante deles, uma vez que só em contato com a criação de seu próprio eu, ela poderá obter o poder de promover mudança em si mesma. Existência autêntica apenas é alcançada na angústia, Maria não vive a angústia de maneira sóbria, portanto não é colocada em contato com o nada e seu ser não surge (ERTHAL, 1989). A cliente conta em sessão suas tentativas de mostrar às filhas que elas não precisariam ter muitas roupas, verbalizava isso à elas mas isto não foi suficiente para elas, pois não consegue ir além, ou seja, paralisá-las. Optou pelo fim do casamento, teve que suportar e bancar as agressões, a infelicidade, a impossibilidade de concretizar o casamento ideal, com um homem ideal, viveu o fracasso. Maria por outro lado, percebeu a outra possibilidade de sair desse sofrimento e da relação doentia do casamento, porém estabelece outra relação doentia com o álcool. Hoje Maria escolhe não olhar para os malefícios do uso de álcool, daí a maior dificuldade para trabalhar em direção à saúde. O objetivo aqui é não impor a visão do terapeuta, mas ajudar a cliente a dar um novo significado, ou seja, desfazer o significado bom do álcool. Maria tenta se desvencilhar da dor que sente quando é rejeitada e maltratada pela filha. A vida para Maria parece demasiadamente pesada, pois se vê diante excessivos sofrimentos, decepções e culpa. Como muletas para suportá-las, Maria utiliza das “substâncias embriagadoras”. O início do uso de drogas proporciona uma vivência diferente daquela oferecida pela vida cotidiana. Assim, o uso repetido faz com que dona Maria altere sua relação com o tempo, aliviando-se 17


constantemente da necessidade de cuidar de seu futuro e do seu próprio eu. Maria com uso do álcool não quer ter mais consciência da condição de ser lançada no mundo para o seu fim/finitude. Sua existência não é autêntica, singular, pois não se responsabiliza por seu próprio destino. Não cuidar de seu poder ser mais próprio/ser-si-mesmo; medo de defrontar-se com a própria morte. Refugia-se na dispersão do mundo, na embriagues do álcool por temer ser ela mesma. Tem medo de assumir sua realidade, aliena o serem-si na sua temporalidade. A temporalidade do efeito do álcool tranqüiliza o ser de Maria Lúcia, impedindo de pensar na própria morte e também na sua própria existência, assim foge de si mesma. No entanto, quanto mais se usa a droga maior a idéia de ter aplacada a dor de existir. O uso de drogas, como único modo de obtenção de alívio, restringe a possibilidade de o sujeito surpreenderse com outras convocações do mundo mais saudáveis. A saída que Maria Lúcia encontra diante das discussões com sua irmã e filhas é a fuga, foge para o uso do álcool, o que passa a ser considerado adoecimento existencial. Maria não consegue Dar conta de ser si mesmo - saúde existencial -abertura para o vir-a-ser diferente, ser alguém que pode buscar outras possibilidades. Dejours (1986) diz que saúde não vem do exterior, o homem é autor de sua saúde e traça o caminho pessoal e original em direção ao bemestar físico, psíquico e social. O mesmo acontece em relação às doenças. Feijóo (2000, p. 123), fala da angústia existencial. Maria trouxe em seu discurso sentimentos de estranheza, inquietude, a fala consistia em: “um não sei o que”. Maria vê-se fazendo escolhas, porém se justifica pelo medo, pelo outro que a impede. Sente como se sua liberdade não lhe pertencesse. Ao perceber-se como lançado a esta condição como algo inevitável, Maria agarra-se ao outro - à filha, à bebida - como se agarrasse à vida. Aceita qualquer imposição da filha, mesmo que para tal tenha que abrir mão daquilo que em si mesmo lhe é mais próprio. Sendo assim, apresenta o medo da solidão, sente-se sozinha, sem chão. Maria no decorrer de sua existência vê-se o tempo todo tendo que fazer escolhas, como: desagradar a filha ou ceder a seus caprichos, separar do marido ou suportar as agressões para agradar a família, proibir a filha de se relacionar com um homem mais velho ou aceitar a opção dela. Em toda e qualquer escolha que Maria fizesse teria que bancar as conseqüências agradáveis e desagradáveis de tal ato. 18

Maria não sabe se fazer compreender, não contesta verbalmente, e se silencia, como por exemplo quando diz cala-se diante das verbalizações agressivas da filha. Ao fazer uma escolha Maria está realizando um projeto, e desta forma é obrigada a renunciar a muitos outros, entre os quais, alguns jamais poderão ser retomados, e ao surgir à culpa, será ela inerente ao próprio existir humano, pois nunca se encontrará condição de realizar todas as nossas possibilidades. Para Forghieri (2004), diante das possibilidades e dos paradoxos inerentes à nossa existência, as incertezas, os riscos e a insegurança surgem e o ser humano age de maneira saudável ou doentia. O ser-doente existencialmente não reconhece, não aceita e não consegue enfrentar as limitações do seu existir, assim como Maria. Os conflitos aumentam, e desse modo, dificultam a significação dos seus sofrimentos e abertura de outras possibilidades (FORGHIERI, 2004). Maria como ser doente existencialmente não dispõe livremente e nem normalmente de todas as possibilidades que poderia manter com o mundo, sua relação consigo e com o mundo encontra-se restringida quando utiliza do álcool como única possibilidade de enfrentamento dos obstáculos da vida. O ser saudável consistiria em dar conta de si mesmo, abrir para as possibilidades do vir-a-ser. Não dá para saber o que o eu de Maria será; sabese apenas que eu não será o que estava sendo. Tentou-se compreender o que foi puramente vivido e sofrido na história passada da cliente, e hoje já com um segundo olhar, tenta-se dar um novo significado com um olhar analítico e reflexivo. Relacionando o modo de ser de Maria com o mundo circundante que destaca à fenomenologia, percebe-se que quando esta faz uso de álcool, deixa de alimentar-se, dormir, produzir e ocupar-se. Não se ajusta à necessidade de comer, dormir, com isso a cliente perde a oportunidade de apropriar-se das sensações mais próprias do homem. Em relação ao mundo próprio, Maria o vivencia de maneira precária, pois a relação que estabelece consigo é de esquecimento e auto-destrutição. Portanto, Maria vai vivendo situações, relacionando-se ora se adapta ao ambiente, ora se esquece de vivenciá-lo, pois se embriaga em seu mundo ideal (conceito álcool é bom, faz-me esquecer as dores e angústias), com isso deixa de atualizar as suas potencialidades, deixando de ir descobrindo e reconhecendo quem é. Diante do caso estudado, vê-se a importância da atitude do cuidar. Cuidar quer dizer preocuparse com, dar atenção a. A tarefa terapêutica está na Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009


relação de cuidar de. Cuidar é acompanhar, é estar junto, é receber (POKLADEK, 2004). Nesse processo de conhecimento, o analista vai buscar por meio da sua própria experiência de ser humano “calçar os sapatos do outro, sem, no entanto ficar com eles para si” (POKLADEK, 2004, p. 248). Á Maria cabe com a ajuda do terapeuta, olhar

para sua única e restrita forma dependente-de-ser, podendo ou não decidir construir novos sentidos para a história de sua vida, tornando possível aproximar-se na autenticidade da Presença de Ser. Cabe a ela reconhecer que continuando com esse modo de ser (dependente do álcool e esquecimento de si em prol abuso dos outros) em nome da culpa do passado, poderia lhe custar a própria vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do caso clínico apresentado neste trabalho observei a importância de um novo significado a respeito do abuso da bebida alcoólica. A compreensão do cliente, de sua história de vida faz-se necessária para compreender a essência de seu ser, compreender também o significado de suas vivências, para que se possa pensar sobre suas possibilidades existenciais. Este estudo de caso fez-me lançar o olhar para a dependência química, olhar esse que não imaginaria ter, pois, muitas vezes meu olhar carregado de pré-conceitos sobre tal dependência impedia-me de enxergar além do sintoma. Sugiro que o estudo sobre o modo-de-ser da dependência química não cesse por aqui, pois muito ainda há de ser compreender sobre o sujeito dependente químico.

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AUTORA Ana Cláudia Pinheiro CRP 06/90427 Pós-graduação em Aperfeiçoamento em Práticas de Saúde na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto USP; Pós-graduação em Capacitação de Psicólogo Perito Examinador na Universidade do Sagrado Coração – USC de Bauru ambos em 2008 e graduação em Psicologia pela Universidade de Franca na Cidade de SP. Email: anaclaudia_pinheiro@yahoo.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009

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COMPORTAMENTO

REICH ON LINE você é o seu corpo!

"Valioso instrumento de transformação corporal e emocional". Promove através de conscientização o reencontro do indivíduo com seu corpo e sua vida psíquica. Resgata sua estória, revê as contradições e unifica a expressão corporal e psíquica para uma vida mais assertiva e feliz. Através de uma viagem ao inconsciente, compreendese os bloqueios e padrões rígidos de comportamento, que impedem a realização pessoal. O corpo fala, é ele quem dá o sentido à palavra. A leitura corporal é uma ferramenta de comunicação poderosa equivalente ao poder da palavra, onde cria uma ligação com as informações ocultas psicologicamente ou intencionalmente.

PRINCIPAIS DIVISÕES DO CORPO

Divisão Direita/Esquerda Direito: lado masculino, Yang, assertivo, lógico, agressivo, etc... Esquerdo: lado feminino, Yin, receptivo, criativo, afetivo, etc... Divisão em cima, em baixo – metade superior e inferior do corpo: Metade inferior do corpo: privacidade, apoio e introspecção. É a parte que faz contato com a terra. Ligado à estabilidade física e emocional, movimentação, apoio, grounding. Metade superior do corpo: voltada à socialização, à comunicação, ao relacionamento interpessoal. Ver, enxergar, ouvir, falar, expressar, etc. Exemplo de análise: quando a metade inferior do corpo é proporcionalmente maior do que a LEITURA CORPORAL COURAÇA superior, sugere que a pessoa tenha mais facilidade A couraça é a manifestação da energia emocional em lidar com os aspectos pessoais estabilizadores retida e mantida sem expressão dentro do corpo/ do que com o mundo exterior, porque a metade mente. Quando a energia fica assim bloqueada, vinculada à auto-expressão está subdesenvolvida e a tensão saudável da emoção original começa contraída. a acumular e a crescer até ficar congestionada e distorcer através das somatizações. Podemos dizer Divisão frente/atrás que a couraça é uma defesa, que funcionou em Lado da frente: Reflete a vida social, ao self algum momento da vida e que após a cristalização, consciente, o eu. É o lado que vemos e temos impede a vida livre e prazerosa. maior intimidade. Voltado aos aspectos que temos "O indivíduo deverá ser analisado sempre na consciência como: tristeza, felicidade, amor, sua inteireza"! desejos, comunicação. 20

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Lado de trás: Refletem aspectos inconscientes do eu, que ficam nas costas, coluna e parte de trás das pernas.. Depósito de todos os aspectos que não queremos nos defrontar nem mostrar para as outras pessoas. Emoções indesejáveis, negativas como: raiva, vingança, ódio e inveja.

VISUAL Compreende os olhos e occipital – relacionado à percepção que temos do mundo e ao auto-conhecimento. Toda somatização nesta área, demonstra o bloqueio energético presente nesta região (miopia, hipermetropia, falta de contato, enxaqueca, etc...)

Divisão cabeça/corpo Cabeça e rosto: são aspectos mais sociais. Juntos compõem a máscara que apresentamos ao mundo. Fica descoberto e serve para contato e comunicação direta. É a sede da mente, do intelecto e da razão. Corpo: temos menos consciência dele. Sede das sensações, sentimentos e emoções e da comunicação não-verbal.

ORAL toda região da boca e lábios. A fixação na oralidade mantém a pessoa infantilizada. Espera que alguém cuide delas. Desequilíbrio alimentar. (obesidade, )

Divisão tronco/membros Tronco: é o cerne. É o centro que nos recolhemos quando necessitamos de aconchego. Membros: voltados ao fazer, como tentáculos que se estendem ao mundo exterior em busca de ação, contato, comunicação, movimento, busca dos sonhos. A questão aqui é: o cerne se expressa adequadamente no mundo ou está entupido. (quando os membros são desproporcionais, finos, frágeis em relação ao centro do corpo).

OS 7 ANÉIS DE TENSÃO

CERVICAL Ligado à coluna cervical e à garganta. Voltado à expressão dos sentimentos e da voz. A cabeça baixa demonstra a forma como a pessoa se posiciona no mundo e como as pessoas reagem a ela. As somatizações nesta área são: nó na garganta (que pode representar o grito que não foi dado ou o choro contido) O tom da voz fala muito sobre a personalidade, como: infantilidade, ansiedade, sedução, raiva, etc..As somatizações são: problemas nas cordas vocais, e na tireóide, torcicolo, etc... PEITORAL O peito é o local onde os sentimentos, sensações e intensidades são vivenciados. Quando expandido representa um ego inflado, assim como peito contraído, esvaziado corresponde a um ego mais frágil. As somatizações nesta área são: falta de ar, sensação de vazio, asma, angina, pneumonia, etc...

redesenhado por Maria Carolina Pereira Jorge

DIAFRAGMÁTICO Principal músculo que controla a respiração. É poderoso no bloqueio das emoções que não queremos expressar . Quando esta região está desbloqueada a energia vital flui livremente e experimentamos saúde e prazer. Quando encouraçado podemos somatizar: distúrbios estomacais, úlcera, doenças da vesícula e hepáticas. ABDOMINAL Sensações viscerais e profundas se originam na barriga. As somatizações nesta região, são: dores abdominais, cistites, colites, prisão de ventre, etc.. PÉLVICO Toda região anal e genital. Local onde se concentra a energia necessária para a entrega ao prazer. As somatizações são: frigidez, impotência, infertilidade, infecções vaginais e na próstata.

(Keleman)

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INTERATIVIDADE: AUTO-ANÁLISE

Vá para frente de um espelho, dispa-se e olhe-se cuidadosamente e responda o questionário abaixo: 1.

Observe-se nu (a), como se sente? a. Sente-se desconfortável ou quase nunca faz isto b. Sente-se tranqüila (o) ou acha isto natural c. Nenhuma das anteriores

2.

Observe a sua respiração, ela está: a. Rápida e superficial b. Lenta e profunda c. Não percebe

3.

Como é a sua sensação interna: a. Apertada e cheia b. Ampla e arejada c. Não percebe nada

4.

Neste momento você se percebe: a. Ansiosa (o) e irritada (o) b. Tranqüila (o) e curiosa (o) c. Não percebe nada

5. Observe seu lado direito e seu lado esquerdo: a. Existe alguma diferença entre os dois lados. Um ombro é mais alto que o outro ou um olho é diferente do outro, ou os quadris não estão simétricos, ou alguma outra diferença. b. Os dois lados são equilibrados c. Não percebe nada 6.

Observe a parte da frente e de trás: a. Você tem dores freqüentes nas costas ou pescoço. b. Você não tem dor nenhuma c. Nunca parou para perceber

7. Observe a cabeça e o corpo: a. A cabeça e o corpo estão em desarmonia ou desalinhados. como se o corpo pertencesse a outra cabeça. b. Estão em harmonia c. Não percebe nada 8. Observe o tronco e os membros: a. São desproporcionais: tronco desenvolvido e membros subdesenvolvidos, ou tronco subdesenvolvido e membros desenvolvidos b. São proporcionais c. Tem dificuldade em definir

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9. Volte a observar sua respiração: Respire profundamente...Inspire... Expire...Pausa...repita a. Você sente a sua respiração presa, parece que falta o ar b. Você consegue sentir a sua inspiração e expiração completa c. Você não percebe nada 10. Observe seus olhos: a. São apagados e inexpressivos, ou arregalados. Usa óculos. b. São brilhantes e expressivos c. Não percebe nada 11. Observe sua boca: a. É tensa, tem sorriso fixo, tem expressão de choro b. É natural c. Não percebe, ou está impaciente 12. Observe seu pescoço e sua voz: a. Tem freqüentemente torcicolo, ou a voz é destoante, tem problema na tireóide b. A voz é harmoniosa, expressa livremente o choro c. Nunca pensou nisso 13. Observe seu peito: a. Ele é contraído ou a respiração é curta, incompleta ou existe um choro preso b. Ele é desenvolvido e a sensação interna é fluida. A respiração é completa c. Tem dificuldade em perceber 14. Observe seu diafragma (logo abaixo das costelas): a. Você tem gastrite, úlcera, problemas na vesícula ou hepáticos b. Não somatiza c. Não sabe 15. Observe sua barriga: a. Sensação de peso ou vazio, tem dor ou tem prisão de ventre, colite b. Natural e proporcional, não somatiza c. Nunca pensou 16. Observe sua pélvis, movimente-a para frente e para trás e faça movimentos circulares para ambos os lados: a. Ela é tensa, ou você somatiza frigidez, impotência, cólicas, etc b. Ela é flexível e faz movimentos harmoniosos c. Tem vergonha de movimentar a pélvis

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17. No trabalho seu chefe lhe dá uma bronca com razão, você: a. Sente-se vítima não se posiciona e somatiza uma gastrite ou outra doença b. Reconhece o erro e tenta da próxima fazer certo c. Começa a chorar ou não se posiciona

18. Numa briga com o parceiro, você: a. Faz críticas destrutivas para se dar razão b. Fala e ouve o que ele têm a dizer e se posiciona, tentando encontrar com ele, uma solução boa para os dois. c. Tem dificuldade em se relacionar, ou com freqüência, faz a vontade dos outros

ANÁLISE Some todas as letras A, B e C e veja o resultado:

19. Quando você têm que tomar uma decisão, você: a. Fica angustiada (a) ou com insônia e não decide b. Fica reflexiva, analisa os prós e os contras, escolhe a assume os riscos e as conseqüências. c. Paralisa e não escolhe nada ou deixa os outros decidirem por você 20. Como você lida com as mudanças? a. Adia o máximo que pode e é atropelada por elas b. Sofre mas consegue mudar c. Não reconhece o processo de mudança como inerente à vida, nega e não se envolve. 21. Você tem pró-atividade, tem iniciativa? a. Não consegue finalizar as coisas dentro do prazo é perfeccionista ou tem dificuldade e não pede ajuda b. Posiciona-se no contexto e está sempre atenta (o) ao próximo passo c. Não sabe o que esperam dela (e) prefere receber ordens ou tem medo de errar

MAIORIA LETRA A

Parece que você está somatizando muito. Isto acontece porque a energia emocional não está sendo descarregada adequadamente. A couraça (defesa) que você criou ao longo de sua vida, lhe foi eficiente no passado, hoje ela lhe faz muito mal a ponto de viver doente. Você precisa rever o quanto antes esse padrão rígido de comportamento e atualizá-lo para a sua realidade. Livrar-se dessa couraça para a vida poder ser mais saudável e prazerosa. Procure ajuda!

MAIORIA LETRA B

Você lida bem com seu corpo e com as emoções. Parece que ao longo de sua vida aprendeu a ser flexível e a contornar as pedras que apareceram no seu caminho. Isto te faz uma pessoa confiante, criativa e responsável por si mesma(o). Parabéns! Você está no caminho certo da saúde e das realizações.

MAIORIA LETRA C

Você é uma pessoa muito desconectada de si mesmo. Não percebe a si nem o outro. Freqüentemente sente-se perdida(o), e angustiada(o). Esse comportamento te faz irresponsável e permite que o outro escolha o seu caminho, assim você não se responsabiliza por ele, nem por sua vida. É como se você estivesse a deriva na vida! O vento te leva! ACORDE e procure ajuda! Nunca é tarde para despertar.

AUTORA | Márcia Souto de Araújo | CRP 17590 SP Psicóloga, Reichiana e Bioenergética, com 26 anos de experiência em Clínica, Grupos de Terapia e Grupos de Formação (para profissionais da área da Saúde) e Empresas. Membro da Associação Wilhelm Reich do Brasil e Núcleo Neo-Reichiano e Bioenergética. Já atuou, como Consultora, em empresas como: Citibank, Gillette, Infraero, Dupont, Amico, Scania, Unaerp, Unilever, Ticket, Bovespa, Hospital do Coração, Ministério da Fazenda, Novartis, Roche, Santander, Secretaria do Planejamento Federal, Andrade Gutierrez, Caixa Econômica Federal, Klueber, Ocê Brasil, Grace Br. Petroquímica União e etc...). Ex-Presidente da APEA-EMIA. Especializou-se em Qualidade de Vida no Trabalho e Desenvolvimento da Excelência Pessoal e do Potencial Humano | www.soutolins.com.br | email: reichonline@reichonline.com.br

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1ª Edição Especial da

a importância da discussão sobre o p

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a Revista ATLASPSICO Edição Especial | março 2009

A Revista do Psicólogo

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DIREITO

ASSÉDIO SEXUAL

NAS RELAÇÕES DE TRABALHO assédio sexual consiste numa negação ao O direito fundamental da dignidade humana e boa-fé nas relações de trabalho. Porém, não se

pode confundir o assédio com outras figuras, tais como: a cantada, um elogio e assim por diante. A necessidade em ser feita esta separação é importante para se evitar a inflação da responsabilidade, seja ela civil como penal, já que muitas pessoas utilizam o Poder Judiciário como um instrumento de captação de recursos financeiros. É certo que não é fácil ser feita esta separação. Existem alguns recursos que podem ser utilizados para verificar a existência do assédio sexual, conforme demonstraremos neste breve artigo. A dignidade do trabalhador é atingida quando coloca em causa sua integridade física e psicológica, atingindo seu trabalho. Uma simples cantada, elogio e assim por diante, sem objetivo de natureza sexual não caracterizam o assédio, pois se fosse assim, os adjetivos feio e bonito, quando ligados a pessoas não poderiam mais ser utilizados. Ninguém poderia mais ser chamado de feio e nem de bonito, sob pena do autor pagar indenização!!! Para que fique caracterizado o assédio deve haver a presença de dois elemento comuns: práticas materialmente repreensíveis e práticas realizadas com o objetivo de obter benefício de natureza sexual. 26

Os elementos materialmente repreensíveis são os insultos e injurias com conotação sexual, as palavras humilhantes, as ameaças verbais como: se você não dormir comigo, rua!!! As sanções disciplinares ou promoções com chantagem: se você dormir comigo será recompensada muito bem em seu salário. As práticas com objetivo de obter benefícios de natureza sexual devem ser analisadas conforme a vontade do autor. Este deve ter a intenção de provocar ou incitar o desejo sexual da outra. Deve haver uma provocação com finalidade sexual. Para que exista o assédio deve estar presente um elemento de autoridade, a influência do poder econômico e financeiro do assediador sobre a vítima na relação de trabalho. O assédio deve ter uma conotação sexual atingindo a integridade física, a integridade psicológica da vítima de forma repetida e durável. Nestes dois últimos casos, a ausência de repetição e durabilidade é uma exceção, somente em uma situação muito grave e devidamente provada poderá haver assédio sexual sem o preenchimento deles. A prova do fato não é nada fácil de ser produzida nesta matéria, por isso, ela pode ser buscada através de gravações, e-mails, testemunhas. Além da prova do fato, ainda deverá haver prova do dano físico, do dano psicológico sofrido pela vítima. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009


A vítima para se defender do assédio deve reagir rapidamente, não se calar, não sofrer, ela deve resistir ao assediador. Assim, ela pode evitar o assediador, ser fria e indiferente, se vestir de forma diferente para passar sem ser percebida, mentir se for necessário sobre sua vida pessoal para desencorajar o assediador e convencê-lo que é melhor ter somente uma relação profissional. Porém, tudo isso deve ser medido com cautela e cada caso deve ser muito bem analisado, pois, esta provado cientificamente que a maioria dos casamentos ocorrem quando as pessoas se conhecem no local de trabalho; em segundo lugar quando são apresentadas por um amigo e em situação mais remota quando alguém se conhece num bar, por exemplo. É preciso que o julgador tome cuidado ao analisar os casos de assédio e isto o Judiciário vem fazendo, pois, uma atitude mais rígida por parte dele serviria para diminuírem as cantadas, as aproximações, etc.. As pessoas teriam que viver mais isoladas. Se não for assim, cairemos na banalização do assédio sexual, onde um simples elogio, uma cantada, poderá ser interpretado, segundo o “ gosto “ do julgador. Embora estejamos tratando do assédio nas relações de trabalho é importante ser mencionado que ele não está presente somente nas relações de trabalho mais sempre quando alguém constranger outrem com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Exemplos? Relações entre professores e alunos, entre médicos e paciente, etc...onde estejam presentes as condições que caracterizam o assédio sexual. Para finalizar, deve se ter cuidado na apreciação do assédio moral para que ele não dependa do “gosto”, da apreciação individual e da visão sexual de cada indivíduo, ele deve ser visto de forma objetiva, os fatos devem ser identificados precisamente e daí provados, principalmente sob o ponto de vista penal, pois, se não ficar provado o assédio sexual, a suposta vítima poderá sofrer uma ação de indenização por danos morais por denunciação caluniosa.

AUTOR Robson Zanetti é advogado em Curitiba. Doctorat Droit Privé Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo Diritto Processuale e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. robsonzanetti@robsonzanetti.com.br

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MATÉRIA DE CAPA

A PSICOLOGIA HOSPITALAR E O

TRANSPLANTE

DE MEDULA ÓSSEA

PENSANDO EM PROTOCOLOS DE ATENDIMENTO PSICOLÓGICO

A

Psicologia Hospitalar é um campo vasto no que se refere ao trabalho do psicólogo e às possibilidades de atuação em diversas e específicas formas de adoecimento e tratamento. O Psicólogo em seu fazer Clínico–Hospitalar está as voltas com os trâmites institucionais no que tange a filosofia de trabalho, as reais necessidades e condições de atuação, as possibilidades de crescimento da psicologia enquanto área e ciência, assim, construindo sentidos para a prática no hospital e buscando a compreensão para os aspectos que envolvem o processo de adoecimentotratamento-reabilitação-cura-morte digna para os sujeitos e suas famílias. A psicologia no hospital poderá encontrar uma gama enorme de possibilidades, e uma delas se faz presente neste breve texto, que pretende trazer aspectos relativos ao preparo do paciente para o 28

TMO - conhecido como o Transplante de Medula Óssea, ou hoje mais adequadamente nomeado como Transplante de Células Tronco Hematopoéticas. Para que uma modalidade como esta de tratamento possa ser implantada em um hospital de referência no tratamento de oncologia, todas as equipes de cuidado e atendimento aos pacientes devem ser devidamente treinadas e preparadas para compreender e agir da forma mais efetiva diante do pré-pós-transplantado e das condições de tratamento. A psicologia precisa estar funcionante diante da modalidade de TMO e realizar o planejamento de seus protocolos de atendimento. Pretendo dividir parte deste planejamento com os colegas psicólogos na intenção de facilitar ou dinamizar parte da reflexão acerca do trabalho psicológico envolvido, porém, ainda de forma a Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009


organizar o formato de atendimento, deixando para um próximo momento a efetiva interpretação e elaboração dos conteúdos emocionais advindos de cada paciente. O que chamamos de “Protocolos do Serviço de Psicologia para o Transplante de Medula Óssea” (que neste escrito será do tipo Autólogo, e deverá ser implantado no Hospital do Câncer de Cascavel UOPECCAN1 em 2009), são caminhos norteadores para uma prática psicológica em ambiente hospitalar e serve de guia para o planejamento de protocolos mais adequados e específicos a cada serviço em suas particularidades. O Transplante Autólogo é uma modalidade de transplante que será implantada no Hospital do Câncer de Cascavel em 2009, destinada aos pacientes com câncer em tratamento na UOPECCAN e aos pacientes advindos de outros serviços com diferentes tipos de doenças de base (como Mieloma Múltiplo, Linfoma Hodgkin, Linfona não-Hodgkin). Portanto, abrangerá sujeitos doentes com universos discursivos distintos pois serão encaminhados com trajetórias anteriores e compreensões já estabelecidas para o funcionamento de suas doenças (como as crenças sobre a cura, o envolvimento com as equipes de saúde, as expectativas em relação ao tratamento, os mitos sobre o TMO). É necessário levar em consideração que o sujeito que nos chega ao hospital está doente e associado à doença, há geralmente um conflito interior, uma crise afetiva, que faz parte do quadro típico do estar doente. Às vezes são os conflitos internos, a vivência de impasses existenciais, que vão minando a resistência interna e criando condições patogênicas que desembocam na doença “orgânica”, e outras vezes são acontecimentos externos que desencadeiam a doença e esta provoca a crise psicossocial no doente e no seu pequeno grupo social (família, amigos). Assim sendo, doença e crise psicossocial estão sempre associadas de um modo ou de outro (C. L.C. Maciel). Diante disso, as tarefas da Psicologia devem ser conduzidas para possibilitar a reorganização do indivíduo em um momento particular de crise em sua vida, abrindo canais para o paciente e sua família orientar as emoções, enfrentar sentimentos que os afetam (insegurança, frustração, medo, raiva, culpa, revolta, desamparo, ansiedade), desencadeados pela situação de doença. De acordo com o conteúdo trazido na fala e no comportamento dos sujeitos em questão, deve-se oferecer a possibilidade de ajuste das expectativas do paciente/família a seu estado funcional objetivo, ou seja, compreender de fato seu diagnóstico e o processo de transplante pelo qual irá passar. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009

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Quando está em jogo o transplante autólogo (ou autogênico) os aspectos emocionais podem ser considerados por “exclusão”, ou seja, em vários momentos se diferem do transplante alogênico – que é o mais conhecido e que povoa o imaginário das pessoas. O transplante alogênico necessita de células ou medula de um outro indivíduo (aparentado ou não aparentado), o que cria uma infinidade de outras questões de ordem prática e emocional tanto para pacientes e suas famílias quanto para a própria equipe de saúde. Quando falamos em Transplante autólogo estamos diante de um transplante que não necessita de doador “externo”, o próprio paciente é doador e receptor, pois será parte de sua própria medula (devidamente tratada) o material utilizado para o processo. Neste casos não há fila de espera, e por isso, o paciente não aguarda a sua vez diante da enorme absorção da demanda, assim, não há comprometimento dos resultados por ter “esperado demais”. O transplante autólogo emocionalmente não coloca a família e o paciente em busca de um doador e não requer a difícil decisão de gerar um “filho doador” que sirva ao “filho receptor”. Questões práticas como o tempo de internamento, restrições, e o temor diante doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH), neste tipo de modalidade de transplante não ocorrem ou ocorrem mais amenamente, facilitando o desempenho emocional de pacientes e familiares. O paciente transplantado “autólogamente” certamente não deve viver conflitos de Identidade Subjetiva, pois não realizou a aquisição de partes recebidas de um doador, no entanto, ele mesmo passa a ser doador e receptor ao mesmo tempo, e essa “coleta de si mesmo”, simbolicamente, pode fazer com que surja um questionamento: “se estou doente como posso curar a mim mesmo?”. Parte deste conflito se estende aos familiares e mesmo uma parcela de profissionais da saúde não compreende exatamente como se dá a possibilidade de tratamento e de cura no Transplante e deve fazer parte dos protocolos de orientação por parte dos médicos Hematologistas. Emocionalmente, em se tratando da possibilidade de cura, a população leiga em geral, nutre a idéia de que TMO seja o tratamento definitivo e mais eficiente de todos e demonstra choque quando cientes dos riscos. Profissionais que pretendem atuar no TMO devem estar cientes da necessidade do trabalho em equipe, seguindo condutas preconizadas e intervindo de maneira respeitosa e multidisciplinar para melhor andamento dos casos. 30

Todos os fatores mencionados fundamentam a necessidade de um preparo psicológico programado ao paciente e seu familiar, e este pode ser organizado como sugestão norteadora da seguinte maneira:

ATENDIMENTO E PREPARO PRÉVIO AO PROCEDIMENTO TMO

Deve ocorrer após orientação efetiva do Serviço Médico sobre o procedimento, riscos e expectativas e contemplar: 1. Verificação das informações que paciente e familiar apresentam; 2. Apontar possíveis distorções, equívocos, erros na compreensão; 3. Retorno ao médico se necessário para nova orientação; 4. Trabalhar fantasias e temores, crenças e mitos persistentes, medo da morte; 5. Trabalhar expectativas positivas (se ilusórias, se reais) e respostas adaptativas (estratégias de enfrentamento); 6. Verificar grau real de aceitação (Adesão) para a realização do tratamento; 7. Descartar ou minimizar riscos referentes ao quadro anterior (depressão, alcoolismo, drogadição, tendências suicidas, intermentos psiquiátricos seus motivos); 8. Verificar real adesão dos familiares para o tratamento e o cuidado a ser proferido ao paciente (riscos de infecção, permanência, distância da cidade de origem, vinculo afetivo e outros).

RECURSOS PARA A CRIANÇA EM PREPARO

Verificar particularidades da Infância (tempo de brincar, escolaridade e manutenção da educação formal adaptada, permanência familiar, recursos lúdicos); Para o preparo é possível utilizar uma caixa de materiais para procedimento de TMO autólogo, com similares que possam ser manuseados pela criança através da dramatização/teatralização do procedimento a ser por ela realizado (preparo, procedimento, internamento prolongado, cuidados necessários, alimentação, estratégias de enfrentamento para as etapas); A caixa deve manter Bonecos-pacientes que servem como organizadores para a criança, Poderá servir de apoio no preparo os Jogos de encaixe do corpo humano, localizando partes anatômicas mais precisamente e dando certa concretude ao imaginário infantil (poderá ser usado com o adolescente e o adulto); Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009


EM CASO DE ÓBITO | TMO

Durante os atendimentos psicológicos é possível verificar que a criança expressa sua compreensão e temores sobre o procedimento, o que em parte, justifica a necessidade de acompanhamento psicológico continuado durante o processo, como pode ser ilustrado na fala da criança: “Eu vou fazer o transplante autólogo, é aquele que é de mim para mim mesma, não é o outro que eu não lembro o nome... Tenho medo de nunca mais sair do hospital”... (L, M. S. 9 anos).

Atendimento ao/s familiar/es envolvidos diretamente com o paciente, desde que presentes no hospital; Posterior encaminhamento da família para Serviço de Psicologia do município de origem ou Faculdades/Universidades conveniadas para atendimento gratuito;

PACIENTES EM INTERNAMENTO PRÉ E DURANTE RECUPERAÇÃO DO TMO

Cabe mencionar que o SUS não prevê a continuidade dos atendimentos psicológicos no hospital do câncer (estes destinados à família enlutada) pois não há como registrar atendimentos para pacientes em óbito e as famílias não são contempladas em atendimentos paralelos.

Visitas diárias no leito para atendimento psicológico ao paciente; Oferecimento de recursos para a recreação (jogo de cartas, quebra-cabeças, vídeogames, revistas, dominós, e outros jogos) que serão de uso exclusivo deste setor (seguindo padrão de higienização);

EXPECTATIVA DE RECUPERAÇÃO/CURA Planos futuros de Criação de grupo de pacientes de TMO “curados”;

Recursos para o manejo do estresse (uso de relaxamentos induzidos);

Formalização da Equipe de TMO da instituição.

Outras condutas que serão adequadas conforme idade e necessidades específicas de cada paciente.

DIFICULDADES TEÓRICAS E PRÁTICAS ENCONTRADAS

PACIENTES EM PÓS TMO

Pouco material de TMO autólogo na Psicologia;

Continuidade de atendimentos ambulatoriais para pacientes do hospital; Devolutiva escrita ao serviço de Psicologia de origem de pacientes de outras instituições; Verificação e condução de aspectos importantes na recuperação emocional de pacientes já transplantados, que podem ser percebidos como as “dificuldades psicossociais de impacto negativo, fadiga (sensação de fraqueza e astenia para iniciar uma determinada atividade, um cansaço incomum que persiste mesmo após o repouso, um desprazer), alteração do humor, nível elevado de ansiedade e comportamentos depressivos, sintomas psiquiátricos e angustia. Exacerbação ou dificuldade sexual. Piora nas condições sócio-econômicas” (Dóro e Pasquini. Transplante de Medula óssea: uma confluência biopsicossocial).

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Montagem do protocolo sem conhecimento (serviço novo implantado recentemente).

prévio sendo

Este roteiro de itens poderá ser útil aos profissionais que iniciam seu percurso na psicologia hospitalar, especificamente na Oncologia implantando preparo de pacientes para os transplantes de medula, bem como, servir de base para a implementação de serviços já funcionantes. Hospital do Câncer de Cascavel UOPECCAN – www.uopeccan.org.br. Rua Itaquatiaras, 769. Santo Onofre. Cascavel PR. Fone: 45.2101.7000. 1

AUTORA

Giovana Kreuz | CRP 08/07196-1 Psicóloga responsável pelo Serviço de Psicologia do Hospital do Câncer de Cascavel UOPECCAN desde 2001. Graduada em Psicologia pela PUC-PR em 1999. Graduada em Direito pela UNIVEL em 2006. Mestranda em “Saúde Coletiva” pelo Instituto de Medicina Social UERJ e Especializada em Psicanálise com Crianças pela UTPR. e-mail: giovana_k@yahoo.com.br 31


PSICOLOGIA INFANTIL

PAIS SEPARADOS CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA ANGÚSTIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS | fragmentos de um caso clínico |

O presente trabalho tem como objetivo tecer breves considerações acerca da angústia na clínica psicanalítica com crianças, tendo como cenário a separação dos pais, baseando-se no referencial teórico desenvolvido por Freud e Lacan na tentativa de correlacioná-la com o atendimento de um caso clínico. A angústia é um conceito que englobam outros, considerando quão enorme é a sua complexidade e amplitude. Dessa forma, não se tem a pretensão de discorrer acerca da angústia em sua magnitude, mas de tecer algumas questões e exposições, articulando dentro do possível um link com o caso clínico em questão. Diante disso, algumas inquietações e questionamentos surgem na busca para conhecer um pouco mais sobre o modo como o sintoma da criança está relacionado ao contexto familiar. No contexto brasileiro, com base em informações da mídia televisiva e impressa, é muito comum ter acesso a informações, por vezes até presenciá-las através da escuta na clínica, que em processos de separação conjugal a guarda da criança em sua maioria é concedida a mãe. Ao pai cabe-lhe, prover o sustento e visitá-la. No entanto, é observável que em alguns casos o genitor as abandona por completo. Por vezes, constituem outro núcleo familiar e a criança passa a ser vista como uma espécie de “problema”. Não é raro acontecer situações em que o contato da criança com o pai é seguido à risca aos desejos e caprichos da mãe, e em grande parte é considerada – quando não é colocada – na posição de objeto. Outras vezes, a mãe se esforça para conseguir a guarda, apenas para ter uma fonte de renda como benefício, sem manifestar o desejo de trabalhar para suprir suas necessidades. Outro fato bastante comum 32

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e até corriqueiro de conhecimento público, trata-se daqueles, onde a mãe recebe a pensão alimentícia de um determinado filho e alimentam outros que não tem a mesma paternidade, ou seja, possuem pais diferentes. As crianças brasileiras têm a seu favor a “Mediação” que é uma solução, com base em metodologia específica que visa à solução de conflitos, onde um terceiro é escolhido com a finalidade de facilitar a possibilidade de um acordo. De forma mais específica, a Mediação Familiar funciona nas Varas de Famílias e atuam equipes multiprofissionais composta por psicólogos, assistentes sociais e advogados. Com a Mediação Familiar as pessoas encontram procedimentos e profissionais habilitados que objetivam a minimização dos sofrimentos, evitando assim, prejuízos de despesas desnecessárias e a resolução dos conflitos de forma rápida entre as partes. Nesse aspecto, todos saem ganhando, as partes e a União. Possibilita ainda, que com maturidade os interessados reflitam sobre suas posições de pai e mãe, não permitindo a violência nas disputas pela guarda de filhos e/ou visitas (DINIZ, 2008). Dessa forma, novas oportunidades surgem e a possibilidade de um consenso entre as partes também. É necessário considerar quão importante para o desenvolvimento e a saúde mental da criança, que esta tenha assegurado o direito de conviver com ambos os genitores, independente de viverem juntos ou separados, pois tais medidas e ações podem acarretar-lhes aflições, sofrimentos e angústia, em face de esperas e expectativas ao se aproximar o período em que ficará com um ou com o outro. Nesse sentido, é difícil para a criança compreender, se essa expectativa não for correspondida em vista de acontecimentos graves e/ou imprevistos, que impossibilite o genitor ou a genitora de apanhá-la ou levá-la conforme o acordo de ambos. Submetidos a tais condições, sofrem pais e filhos. Frente a esse contexto, a subjetividade da criança e o seu desejo não são respeitados e nem sequer levados em consideração e na pior das hipóteses, são anulados. Sob esse ponto de vista, certamente ocasionará grandes conseqüências e sofrimentos para ela. Ao considerar esse sofrimento, muitas questões surgem, como por exemplo: como a criança cujos pais implicam-na como vítima, que presencia, tornando-se objeto dessa disputa consegue lidar com essa situação? Quais efeitos podem ocasionar à criança, onde o Estado amparado pelo requisito legal determina seu destino sem ao menos escutar sobre sua escolha pessoal? Quais fantasias podem ter uma criança em relação ao processo de separação dos pais? Muitas são as questões, porém, em função de um campo tão vasto, diversificado e específico, poucas são as respostas. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009

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a angústia está vinculada a mãe e o sintoma ao pai, sendo que uma formação no sintoma se torna uma das saídas para a angústia

É possível, que a guarda feita apenas por um dos pais, possa trazer para a criança situações de vulnerabilidade, como por exemplo, se o ambiente em que (con)viverem as expuser a situações estressantes, de rivalidades – no caso de um dos pais constituírem nova família. A convivência em ambiente hostil certamente incorrerá em conseqüências sérias para a criança comprometendo sua estrutura em formação e a depender do caso podem manifestar: diminuição do nível da auto-estima, baixo rendimento escolar, sentimento de culpa pela separação dos pais, raiva, depressão, solidão, fugas de casa, isolamento e até a delinqüência, entre outros. Deve-se, entretanto, considerar também que a guarda por um dos pais, possa ser a mais adequada para a criança, pois cada caso possui especificidades próprias. A guarda compartilhada, em função de possibilitar a criança a conviver períodos com ambos os pais, não permanecendo privada pela ausência de um deles, demonstra oferecer maiores possibilidades para que seu desenvolvimento ocorra sem maiores prejuízos. Nesse aspecto, a criança encontra segurança e confiança, possibilitando seu equilíbrio emocional, pois percebe que apesar da separação de seus pais, seu relacionamento afetivo não sofreu modificações, embora um deles tenha saído de casa. Esse tipo de guarda permite uma maior responsabilidade dos pais no tocante às necessidades dos filhos. A relação entre os pais é permeada por uma maior interação, visto que ambos passam a cooperar de forma mútua na demanda das necessidades da criança (GIESEN, 2003 apud MANZKE; ZANONI, 2007).

SOBRE A ANGÚSTIA

Freud tão sabiamente em Além do Princípio do Prazer ([1920] 1996, p.27) relata que a compulsão à repetição das crianças ao brincarem expressam tentativas de elaborarem situações que foram traumáticas gerando a angústia para elas. “[...] É claro que em suas brincadeiras as crianças repetem tudo que lhes causou uma grande impressão na vida real, e assim procedendo ab-reagem à intensidade da impressão, tornando-se por assim dizer, senhoras da situação. Afirma ainda, que em suas brincadeiras, as crianças “[...] são influenciadas por um desejo que as domina o tempo todo: o desejo de crescer e poder fazer o que as pessoas crescidas fazem”. As crianças também fazem brincadeiras com coisas trágicas e traumáticas. Para isso, basta recorrermos as nossas lembranças e brincadeiras que fazíamos quando crianças. 34

Para Freud ([19161917] 1996, p.394) a ansiedade é um “[...] estado afetivo”, o que corresponde a uma série de determinados sentimentos pertencentes à série prazer-desprazer. Ainda, para este autor à angústia está vinculada a mãe e o sintoma ao pai, sendo que uma formação no sintoma se torna uma das saídas para a angústia. E a percepção provém de um resíduo específico, ou vários sentimentos que deixaram marcas correspondentes a restos afetivos e que vivenciamos numa ou noutra etapa de nossas vidas. Sendo assim, é possível conceber a angústia como uma espécie de resposta ou a ameaça de ocorrência de uma situação traumática, ou seja, a constituição de uma situação de perigo. Freud (op. cit.) traz ainda, que vários são os específicos perigos capazes de proporcionar uma situação de angústia e que estes são próprios de cada período da vida, tais como: o nascimento, a perda da mãe como objeto, o medo da castração, o perigo de perder o amor do objeto, dentre outros. Tais medos ou perigos podem conduzir a um acúmulo de desejos insatisfeitos, o que por sua vez ocasionará a uma situação de desamparo. De acordo com Chemama (2002, p.14) a angústia para Freud é originada pela falta do objeto altamente investido, que pode relacionar-se com a separação da mãe ou até mesmo do falo. Enquanto que Lacan a concebe como uma falta objetal, ou seja, “[...] ela sempre surge em uma certa relação entre o sujeito e o objeto perdido, antes mesmo de ter existido”. Para Lacan, segundo Chemama (op. cit.) esse objeto não é totalmente perdido, sob a forma que acreditamos, tendo em vista seus traços serem encontrados sob a denominação do sintoma, ou ainda, “[...] nas formações do inconsciente”. Lacan diz no Seminário X ([1962-1963] 2002), que a angústia é despertada no sujeito no momento em que este é confrontado com o desejo do Outro. É por não saber que objeto ele é para esse desejo que a angústia se instala, ou seja, é uma manifestação em forma de afeto atrelado ao desprazer, em lugar de um sentimento que nem sempre o sujeito possui condições de nomeá-lo. A angústia pode ser traduzida ainda, de forma simples por sensações físicas e que podem variar de um grau menor a um extremamente elevado acarretando relevante sofrimento psíquico ao sujeito. Ele relata ainda, que a angústia é sempre uma espera angustiante, uma expectativa angustiante, ela é considerada um sinal do encontro com o Outro sexuado. A angústia se instala “[...] quando a falta falta” (CARVALHO, 2006, p.90), pois na interseção do

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sujeito com Outro há um vazio significante. O surgimento da angústia ocorre no momento em que surge algo nesse vazio, ou seja, quando acontece uma ameaça de preenchimento, “[...] quando a angústia aparece na clínica, o analista deve estar advertido de que é justamente ali, onde algo da ordem do objeto está sendo convocado, por ser a angústia o principal substrato do objeto a” (op. cit. p.90). Gerbase (2006, p.112) destaca muito bem que a angústia vai aparecer “[...] sempre que o sujeito estiver diante de uma situação inefável. Quando não podemos dizer nada ou quase nada de uma experiência, aparece o afeto da angústia”. Lacan em seu Seminário R.S.I. ([1974-1975] s/d) chamou a inibição, o sintoma e a angústia de “Nomes-do-pai”. Ao tempo, que quando falha o que viria fornecer consistência a estrutura, o sujeito cria recursos na tentativa de fazer enodamento dos registros imaginário, simbólico e real. Pois, tanto o sintoma, quanto a inibição e a angústia operam como uma espécie de “anteparo” com vista a manter certa amarração da estrutura. O autor traz ainda, que o sintoma da criança pode representar a verdade do par parental ou pode ser conseqüência da subjetividade da mãe.

FRAGMENTOS DO CASO CLÍNICO

L. O. tem 11 anos de idade, foi trazida pelo pai e está cursando o 6º ano. Ao solicitar que falasse sobre o motivo que os trazem ao serviço, ela diz que o pai a trouxe porque ela está com dificuldades em algumas matérias e que isso aconteceu depois que os pais se separaram e “[...] eu tive que ficar com minha mãe, mas eu queria ir com meu pai. Só que ele não pode me levar porque foi morar com minha avó e lá não tem espaço prá mim”. O pai de L.O. relata que “[...] eu sempre me orgulhei dela, pelo fato dela se destacar bem em todas as matérias, lá na escola. Nunca perdeu o ano e nunca fez nenhuma recuperação. Agora, já está na 3ª unidade e perdeu em quase todas as matérias. [...] olhe aqui os boletins anteriores. Não tem nenhuma nota vermelha. [...] Agora, olhe este”, ao tempo que estende para mim os boletins. Continua ele “[...] estou triste, mas não é com ela (aponta para L.O). Estou triste com a situação e prejuízo que isso tá causando em nossa filha”. Ao falar sobre sua relação com o pai, ela diz: “[...] agora tive que ficar com minha mãe para tomar conta da casa, estudar, olhar meu irmão, pois ela é professora e dá aula o dia todo e ainda à noite. [...] não agüentava mais vê eles discutir. Ficava triste com isso”. É possível perceber que a motivação para estudar, está colocada em outro plano, em função das circunstâncias.

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Relata ainda, que sente uma “[...] angústia muito grande e piora na hora da prova, pois me dá um branco e eu esqueço tudo. Meu pai estudava comigo! Hoje tenho que estudar sozinha. Lá em casa tinha uma moça que fazia as coisas e tomava conta da casa. Hoje sou eu. Sinto um aperto muito forte dentro de mim”. É solicitado a L.O. para que fale um pouco mais sobre essa “sensação” e diz-me ela “[...] sabe, é uma sensação muito ruim, pois eu tento, mais não consigo explicar. É... parece que não tem nome prá isso. Só sei que a gente só sente”. Uma pausa, e depois continua “[...] é, né. É um aperto muito grande dentro de mim, mais não sei dizer de onde essa coisa vem”. É possível perceber de acordo com esta fala, que a angústia parte do real e produz sentidos no corpo, através desse sofrimento que não é possível nomeá-lo. Com isso, a criança passa a vivenciar uma situação de desamparo. Apesar de L.O. residir com a genitora, esta foi convidada a comparecer à clínica por diversas vezes, e em nenhum momento atendeu a solicitação. Os atendimentos aconteceram em função de L.O. ter sido acompanhada pelo pai. Assim como a família, a escola também precisa receber apoio para lidar com situações como a de L.O. e tantos outros, visto que, em função das situações que vivenciam no lar, podem expressar sinais de rebeldia, podem se tornarem briguentas e às vezes até agressivas. Desse modo, a escola também precisa oferecer uma “escuta”, observar e acompanhar mais de perto para que possa perceber a demanda da criança e efetuar um encaminhamento adequado. É possível pensar que professores, dentro e fora da escola, possam proporcionar e oferecer experiências de conhecimentos, tendo como foco o desenvolvimento da criança, não só de forma sistematizada, mas, sobretudo, de construção de subjetividades e de vivências interpessoais e com isso, possibilitar o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa. Na queixa trazida por L.O., onde ela relata “[...] me sinto só e abandonada. Não tenho vontade de sair. Prefiro ficar sozinha”. O processo psicoterapêutico nesses casos busca enfatizar a procura de novos caminhos de teorização sem excluir, contudo uma reflexão sobre as tendências anti-sociais, o medo e a angústia e com isso, possibilitar o processo de construção da própria subjetividade. Pois, a criança no momento que se sente acolhida, recebendo apoio, poderá desenvolver capacidades de aprendizagem que estão diretamente relacionadas com seu desempenho na vida. E quando se fala em aprender, é recomendável ter em mente que é algo bem mais amplo, como adaptação, projetos, qualidade de vida, do que apenas conteúdos escolares. 35


DISCUSSÃO

Em função de L.O. ter comparecido para atendimento na primeira entrevista e outros poucos encontros (em função de mudança de cidade), os dados obtidos são insuficientes até mesmo para proceder a uma melhor articulação com a teoria. E o fato de não ter tido a oportunidade de escutar a mãe (apesar das tentativas), sobre o encaminhamento da filha, se torna quase impossível proceder à articulação com o campo do saber frente à dinâmica funcional dessa família. Observa-se a partir de algumas falas de L.O. sua tristeza em função da impossibilidade de residir com o genitor. A partir do momento em que passa a conviver com a mãe, as dificuldades escolares aparecem. Para Lacan ([1954-1955] 1988) o olhar é a palavra de confirmação que garante para a criança que aquela imagem é dela. A criança se reconhece garantida na palavra do outro, como pode ser observado quando as mães brincam no espelho com seus filhos. É isso que faz Lacan ao mostrar como o eu é uma instância de alienação. Lacan se aprofunda e diz que não é aí que as pessoas se estruturam: o sujeito já está estruturado pela linguagem e é isso que faz com que seja capaz de se assumir como imagem no estádio espelho. É necessário ressaltar, que em muitos casos antes da efetivação da separação dos pais o contexto familiar se torne permeado pela instabilidade emocional frente aos desentendimentos, agressões psicológicas e por vezes até a prática da violência física. Em um ambiente permeado por desavenças familiares existe a probabilidade de a criança presenciar cenas fortes, e com isso passar a demonstrar tristeza, choro, agitação, entre outros.

Nesse sentido, o atendimento psicoterapêutico busca a integração do ser, no que se refere aos sentimentos de pertencimento, diferenciação e identidade. No entanto, o processo educacional deveria seguir um rumo próximo, na tentativa de proporcionar um ambiente seguro, no qual o sujeito sinta que suas competências possam ser trabalhadas, que suas dificuldades possam ser acolhidas e, sobretudo que o outro – aqui representado na pessoa do professor – possa exercer a maternagem (WINNICOTT, 1989). Ainda conforme Winnicott (1991) é possível pensar que o holding, o handling e a maternagem constituem e formam as bases para o atendimento na clínica. Para este autor, o terapeuta ou professor que conseguir suportar a angústia desse aprendente e devolvê-la trabalhada terá grandes chances de ser um construtor também da sua própria aprendizagem.

CONCLUSÃO

No sentido de preservar a saúde mental da criança é recomendável que os pais se apropriem de uma linguagem adequada ao nível de compreensão da criança para informá-la, sobre os acontecimentos. Pois, por mais cautelosos que sejam a criança percebe os fatos que ocorrem ao seu redor. No entanto, deve-se evitar, falar dos pormenores, pois existe a possibilidade de confundi-la, considerando o “peso” emocional atribuído aos fatos. Com a finalidade de diminuir, ou até mesmo não atribuir a “culpa”, é adequado que a criança seja informada que não contribuiu no processo de separação. A partir dessa perspectiva, vale salientar sobre a importância que o processo psicoterapêutico proporciona de forma positiva para cônjuges e filhos nos momentos que antecedem, no decorrer e após o processo de separação. Permitindo que os integrantes compreendam melhor as reações esboçadas por estes, e com isso, construírem juntos, um trilhar adequado para cada um. Como muito bem coloca Julien (2000, p.22) “[...] os direitos dos filhos nascem com o dever dos pais. [...] Segurança, proteção, prevenção, assistência, tais são as palavrasmestras do discurso social sobre a família”. Em função dos poucos dados, não é possível 36

pensar em fatos conclusivos, visto que não são suficientes, embora convenha considerar a importância de refletir com base no referencial teórico que a criança em muitas das vezes está na posição de corresponder ao que há de sintomático no “par” parental. É justamente esse “par” que em grande parte, a criança, a partir do seu sintoma, consegue testemunhar, denunciar ou destituir. Tal fato possui grande relevância para a clínica, pois a partir das experiências é possível refletir na sua amplitude acerca da estrutura familiar onde aquela criança se encontra inserida. Portanto, é muito comum, que crianças que vivenciem tal situação possam desenvolver um sentimento de que os pais se reconciliem, e em função de perceberem que isso não é possível, sintam-se frustradas e conseqüentemente diversas etapas no seu desenvolvimento sejam prejudicadas. No entanto, há outras que conseguem superar essas questões, demonstrando uma maior capacidade de adaptação frente aos acontecimentos. Porém, a forma como cada criança se colocará sobre a separação dos pais, está sujeito ao modo como estes lidam com o acontecimento entre si, com ela e sua interação depois desse processo. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 13 | abril 2009


Como podem ser observados, os sintomas de L.O. expressam a angústia, a frustração e o sofrimento psíquico, que se manifestaram através da tristeza, isolamento e diminuição do rendimento escolar, emergindo a partir da experiência de separação dos pais, onde ela é obrigada a conviver com a mãe, quando na realidade seu desejo era residir com o pai. Esta situação a conduz a uma “sensação” de desamparo. Para finalizar, as contribuições aqui apresentadas não possuem a pretensão de esgotar as reflexões acerca das questões envolvendo pais separados, guarda de filhos, a angústia e a clínica psicanalítica com crianças. De todo modo, o presente trabalho se apresenta como uma pequena e breve reflexão sobre a temática. No entanto, é possível que as reflexões aqui suscitadas possam contribuir como estímulo para futuros estudos acerca da temática objetivando melhor o seu desenvolvimento e aprofundamento.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, S. A angústia de morte. In: FREITAS, I. (Org.) Angústia. Salvador: Associação Científica Campo Psicanalítico, 2006. p.87-97. CHEMAMA, R.(Org.) Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2002. DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23.ed. vol. V. São Paulo: Saraiva, 2008. FREUD, S. [1916-1917] Conferência XXV: A ansiedade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago, 1996. ______. [1920] Além do princípio do prazer. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. GERBASE, J. MAS. In: FREITAS, I. (Org.) Angústia. Salvador: Associação Científica Campo Psicanalítico, 2006. p.112-115. JULIEN, P. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000. LACAN, J. [1974-1975] O seminário livro 22: R.S.I.

Rio de Janeiro: Campo Matêmico (s/d). ______. [1954-1955] O seminário livro 2: o eu na teoria de Freud e na teoria da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. ______. [1962-1963] A angústia: seminário X. Recife: CEF, 2002 (publicação para circulação interna). MANSKE, J. C.; ZANONI, D. Implicações psicológicas da guarda compartilhada. In: CARVALHO, M. C. N.; MIRANDA, V. R. (Orgs.) Psicologia jurídica: temas de aplicação. Curitiba: Juruá, 2007. p.223-243. WINNICOTT, D. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. Holding e interpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

AUTOR

Carlos A. Porcino | CRP/ 03 IP 4547 Psicólogo com experiência em psicoterapia de orientação psicanalítica, psicodiagnóstico, atendimento a crianças, adolescentes e adultos; graduado pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC Salvador), graduando em Enfermagem na Faculdade Dom Pedro II - Salvador-BA e membro do Núcleo UNIsex (Núcleo Universalidade e Diversidade Sexual). E-mail: carlosporcino@ig.com.br

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SEXUALIDADE

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AUTORA Suzanne Maria de Carvalho Leal | CRP 11/05399 Graduação em Psicologia pela FACID (Faculdade Integral Diferencial), Teresina/Piauí E-mail: suzanneleal@hotmail.com 40

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AMA &

MININA

ssa relação

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Este é um estudo qualitativo que teve como objetivo compreender como as mulheres portadoras e não portadoras do câncer de mama representam sua sexualidade, identificando os principais significados relacionados aos símbolos implicados nessas representações. Para o desenvolvimento do referencial teórico foi utilizado como base a Psicologia Junguiana, abordando questões sobre os significados dos símbolos como forma de expressão, os significados do adoecer, da sexualidade feminina e do câncer de mama. Foram entrevistadas 10 mulheres, 5 portadoras do câncer de mama e 5 não portadoras, escolhidas com base em sua acessibilidade. Como instrumento, utilizou-se a entrevista livre e figuras que remetem à sexualidade feminina. A análise do conteúdo das entrevistas possibilitou perceber que estes traduzem representações subjetivas da vivência de cada mulher, envolvendo o relacionamento familiar e conjugal, os diversos significados do seio, a percepção e o contato consigo mesma e sua sexualidade, bem como o medo da morte. Este trabalho mostrou que a vivência satisfatória das próprias sensações, de seus desejos, de permitirse ser mulher, entrar em contato com seu corpo, com sua sexualidade e feminilidade, são essenciais para que cada mulher possa estar em equilíbrio, não construindo ou oportunizando o surgimento de doenças psicossomáticas como o câncer, doença que surge como um sintoma, mostrando que algo no ser está disfuncional e precisa de atenção e de cuidado.

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E

mbasado na Psicologia Junguiana, este trabalho busca compreender como a mulher simboliza sua sexualidade com e sem o câncer de mama, retratando questões sobre o adoecer e identificando os possíveis significados relacionados aos símbolos implicados nessas representações. Os seios são uma das representações de feminilidade da mulher, da sua sexualidade. É de se supor, portanto, que o câncer de mama expressa uma possível perda de contato consigo mesma, tocando profundamente sua estrutura emocional e física. Considerando o sintoma como um símbolo e que o adoecer modifica a relação da mulher com o mundo e consigo mesma, este trabalho explora a questão da doença como uma representação simbólica da psique, considerando a interação entre psique, símbolo e sexualidade feminina, bem como enfatizando a totalidade do ser e a sua integração. A presente pesquisa sobre “Câncer de Mama e Sexualidade Feminina – os simbolismos existentes nessa relação”, trata-se de um trabalho de conclusão de curso de graduação em psicologia e foi realizado em um Hospital Geral da cidade de Teresina-PI, durante o período de agosto a novembro de 2008. Com o objetivo geral buscou-se compreender como as mulheres, com e sem o câncer de mama representam simbolicamente sua sexualidade. Os objetivos específicos são: levantar através da literatura os símbolos utilizados na cultura ocidental sobre a sexualidade; verificar os símbolos femininos utilizados pela mulher para descrever sua sexualidade; identificar os significados possíveis relacionados às representações desses símbolos; e captar a percepção da mulher em relação à sua sexualidade depois do câncer de mama. Para a mulher, os seios são carregados de forte acepção simbólica e vistos como uma insígnia de sua identificação e sua sexualidade. Por isso buscase compreender como a ocorrência do câncer de mama pode influenciar na simbolização da mulher e de sua sexualidade, estudando a existência de diferenças antes e depois do surgimento da doença, contribuindo para a construção da subjetividade feminina. Espera-se que essa pesquisa possa contribuir para a construção de propostas práticas que tragam melhor qualidade de vida para a mulher com câncer de mama, atenuando o impacto emocional, propiciando-lhe vivenciar melhor a sua sexualidade. E, contribuindo inclusive, para a não recidiva do câncer de mama.

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REFERENCIAL TEÓRICO

A capacidade de reter, evocar e relacionar experiências sensoriais em forma de símbolos é um traço distintivo do ser humano, em relação ao reino animal. Assim sendo, o símbolo, ao substituir na mente a experiência em si mesma, permite ao homem elaborar, em seu intelecto, uma quantidade imensa de informações que envolvem a codificação dos dados sensoriais em forma de palavras ou imagens, a sua memorização, a sua correlação com outros símbolos e o raciocínio (JUNG, 2008). Tomado nesse sentido, é evidente que o símbolo está intimamente relacionado a todas as manifestações tipicamente humanas. Assim sendo, utiliza-se o símbolo como abordagem deste trabalho, explorando seus significados diante do processo do adoecer da mulher com câncer de mama. A palavra “símbolo” deriva da palavra grega symballein, que significa algo como juntar, reunir (DAHLKE, 2004). Segundo Ramos (1994) o símbolo é a expressão da percepção do fenômeno psique-corpo, através de uma conexão inesperada entre imagens simbólicas da psique e de acontecimentos da realidade exterior. Jung foi responsável por descrever categorias simbólicas e sua preocupação era mostrar que a intuição, a emoção e a capacidade de perceber e de criar por meio de símbolos são modos básicos de funcionamento humano. Um funcionamento inadequado da psique pode causar tremendos prejuízos ao corpo, da mesma forma que, inversamente, um sofrimento corporal pode afetar a psique, pois ela e o corpo não estão separados (Jung apud Ramos, 1994).

METODOLOGIA

O método utilizado para realizar a pesquisa de campo foi o estudo qualitativo. Este estudo trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas (MINAYO, 2002). A pesquisa foi realizada em um Hospital Geral da cidade de Teresina-PI, referência regional no tratamento do câncer. Foi realizada com uma população de 10 mulheres, com idade entre 35 e 55 anos. Dentre estas, 5 foram mulheres que desenvolveram câncer de mama e 5 que nunca o apresentaram.

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A emergência de alguma doença no corpo é, em sua maioria, uma manifestação simbólica em que a psique codifica apresentando ao corpo de maneira consciente para que possa haver uma conscientização psíquica da manifestação simbólica (ALT, 2000). Destaca-se também a idéia central de que os pacientes psicossomáticos se diferenciam dos demais pela pobreza do seu mundo simbólico. Frente a qualquer estresse, reagiria com uma doença somática. Neste caso, o símbolo aponta uma disfunção, um desvio que precisa ser corrigido (RAMOS, 1995). Segundo Jung, um funcionamento inadequado da psique pode causar tremendos prejuízos ao corpo (JUNG, 2007). De acordo com Dethlefsen & Dahlke (1996) a doença significa a perda relativa da harmonia dos traços psíquicos e corporais, se manifesta no corpo como um sintoma, indicando que alguma coisa não está em ordem. Portanto, o adoecer mostra diversos significados que, de certa forma, interrompe no nosso modo de vida e de experienciar. É preciso compreender para onde o sintoma está apontando. Passa-se agora a considerar a relação símbolo/ sexualidade. Neste ponto, busca-se compreender o que a mulher deixa na sombra pra não ter na consciência, mostrando que uma representação simbólica pobre da sua sexualidade pode contribuir para a manifestação do câncer de mama. O significado do seio e da sexualidade aqui abordado está ligado à cultura ocidental, que considera o seio como símbolo de sexualidade da mulher.

Para Seixas (1998) a sexualidade humana é uma construção da espécie, vinculada às formas de relação interindividuais. É uma função normal, aceitável sob qualquer forma que se apresente. Ao longo da vida da mulher a mama sempre esteve relacionada, em nossa cultura e também em outras, à identidade corporal feminina e aos sentimentos de auto-estima, (SEDIKIDES e GREGG, 2003), sendo também símbolo extremamente narcisista (BASEGIO apud MALUF, 2008). Tudo isso reflete de forma diferente na construção da autoimagem da mulher (DUGAS, 2000). Gradim (2005) afirma que mulheres com câncer de mama sofrem alterações diretas em um órgão tido como erótico e ligado à sexualidade feminina. Isto poderá afetar fortemente na percepção da sua sexualidade e na sua vivência como mulher. Em relação à construção da feminilidade, as mulheres que retiram a mama, por exemplo, relatam a sensação de estarem "incompletas", que perderam sua feminilidade (JESUS; LOPES, 2003). O câncer de mama sinaliza que a suave maneira feminina tornou-se um empecilho para o domínio da vida, que a suavidade se transformou em dureza e que, se as circunstâncias o permitem, é preciso renunciar totalmente a uma parte da feminilidade (DAHLKE, 2004). Portanto, o câncer de mama é entendido como uma mensagem na qual a mulher ainda pode buscar uma “correção” para sua totalidade de ser. Esta ‘correção’ pode não garantir o controle do câncer, mas possivelmente contribui para sobrevida e qualidade de vida significante para a mulher, que conseqüentemente poderá vivenciar melhor sua sexualidade.

Inicialmente foi realizada uma entrevista (APÊNDICE A), apenas com o objetivo de traçar o perfil sócio-demográfico das entrevistadas. Como procedimento de coleta de dados, foi utilizada a associação livre de idéias, método desenvolvido por Jung que trabalha através de símbolos. Para isso foram utilizadas figuras (APÊNDICE B) que remetem a sexualidade feminina, o qual visa fazer emergir conteúdos relativos a representação simbólica da sexualidade de cada mulher. A associação livre de idéias permite a atualização de elementos implícitos ou latentes que seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas (GARCIA-ROSA, 2005).

Utilizou-se nas entrevistas um gravador de áudio com garantia de maior fidelidade. A autorização para a coleta de dados foi obtida pelo termo de consentimento livre e esclarecido, documento que expressa o compromisso de cumprimento de cada uma das exigências definidas na Resolução CNS 196/96. Trata-se de uma declaração elaborada pelo pesquisador, em que se esclarece, ao sujeito voluntário, a pesquisa pretendida (BRASIL, 1996). E também segundo os critérios éticos do Conselho Federal de Psicologia, resolução nº 016/2000. Após a coleta dos dados foram identificados e analisados todos os dados obtidos através da análise de conteúdo.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

“Meu marido me ensinou que nada disso é pecado, que é uma coisa muito natural”. (Lírio) Isso mostra que estas mulheres conseguiram despertar-se para a sua sexualidade e sua feminilidade, relacionando-se bem consigo mesma e com o parceiro. Costa (2004) relata que as mamas são zonas erógenas fundamentais, cuja estimulação isolada em algumas mulheres pode levar a atingir o orgasmo. Duas das entrevistadas não portadoras do câncer de mama, trazem o prazer relacionado ao seio: “(...) até mesmo em pegar (fala se tocando), é bom demais. Meu seio faz eu sentir alguma coisa né... prazer... e saúde também”. (Azaléia) Uma das portadoras que retirou um quadrante de um dos seios, destacou o seguinte: “(...) falta um pedacinho" (Jasmim) A dificuldade de se ver ou de se ter um corpo mutilado pode trazer sentimentos que terão que ser trabalhos introspectivamente para aceitar a situação e, quando ela ocorre em um órgão de identificação feminina, leva a mulher a reconstruir um conceito sobre esse novo corpo. Uma das portadoras do câncer de mama relata o seguinte: “Quando eu tirei, me senti nua (...)”. (Tulipa) Isso mostra a dificuldade de entrar em contato com seu novo corpo e consigo mesma, simbolizando o seio como uma identidade, que lhe dava segurança e proteção. Quanto ao contato/percepção do corpo, um ponto importante a destacar é que uma das mulheres portadoras do câncer de mama passou a ter maior contato com seu corpo, a se conhecer, se perceber, após o surgimento do câncer. Como afirma a teoria da doença como oportunidade de crescimento, o câncer surgiu como uma forma dela

Sabe-se que o câncer de mama reflete, ao mesmo tempo em que favorece, o surgimento de muitas questões na vida das mulheres, como implicações sociais, psicológicas e sexuais. A análise do conteúdo traduzem representações subjetivas, familiares e sociais em torno do câncer de mama e da sexualidade feminina, descritas neste trabalho como: relação conjugal, significados do seio, autopercepção, relacionamento familiar, percepção da sexualidade e medo da morte. Em se tratando do modelo de relacionamento conjugal tradicional, os papéis de gênero são demarcados de forma rígida e a conduta feminina é enormemente controlada (HEILBORN, 2004). As entrevistas mostraram que as mulheres com câncer de mama perceberam o relacionamento conjugal como ruim. A exemplo: “Minha vida sexual não era mil maravilhas não, não era prazeroso, até porque meu esposo era grosseiro, não tinha afeto nenhum, mas eu o aceitava”. (Jasmim) A submissão das mulheres à vontade sexual de seus maridos aparece neste estudo. Uma vez que, mesmo não tendo muito interesse pelo sexo naquele momento, elas o faziam. Uma delas mostra como se submetia a relação sexual contra a própria vontade para proteger os filhos ou preservar a imagem familiar: “Quando ele chegava em casa, ele queria me obrigar a ficar com ele, eu me sentia forçada a ir, às vezes eu me sentia estuprada. (...) Eu me sentia obrigada a ter relações com ele pra evitar alarme (...) pra proteger os filhos”. (Tulipa) Dentre as mulheres não portadoras do câncer de mama, todas elas relatam um relacionamento conjugal prazeroso. Destacam-se a seguinte fala:

APÊNDICE A – ENTREVISTA 1. NOME (Fictício): 2. IDADE: 3. ESTADO CIVIL: 4. ESCOLARIDADE: 5. FILHOS:

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APÊNDICE B – FOTOS

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entrar em contato com seu próprio corpo e consigo mesma. A exemplo: “Não me dava conta do meu corpo (...). Hoje cada pedacinho do meu corpo é importante pra mim”. (Girassol) A perda do seio pode ter um impacto significativo, causando distorções na auto-imagem e na percepção de si mesma. Destaca-se a seguinte fala: “Me sinto desigual das outras” (Hortência) Nesta fala nota-se o sentimento de “diferente, desigual”, mostrando que esta mulher ainda não desenvolveu estratégias para lidar com as dificuldades conseqüentes à alteração da imagem corporal. Às vezes uma doença/sintoma apontam que algo está errado, que precisa de atenção e de cuidado, como aparece na fala de uma entrevistada portadora do câncer de mama, que passou a se perceber e se amar após o surgimento da doença: “(...) eu aprendi a me amar”. (Girassol) Duas das entrevistadas não portadoras do câncer de mama destacam a educação rígida e o conservadorismo da família ao falar sobre sexualidade. A exemplo: “(...) eu sempre tive uma educação... assim, muito rígida, muito travada, onde sexualidade era um tabu. (...) falar de prazer sexual era um verdadeiro absurdo”. (Lírio) Apesar da educação rígida recebida, essas mulheres puderam se perceber como mulher e descobrir sua sexualidade após o relacionamento com o parceiro. A sexualidade é inerente ao ser. De um modo geral, sabe-se que a doença nem sempre é um obstáculo para a prática sexual. No caso de mulheres com câncer de mama, há alteração direta em um

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órgão tido como erótico e ligado à prática sexual (GRADIM, 2005). Uma fala mostra como a entrevistada (não portadora do câncer de mama) simboliza sua sexualidade como uma borboletinha, mostrando que hoje ela possui um contato maior, mais seguro e mais experiente com sua sexualidade: “Uma borboletinha... é isso! Antes ela voava meio sem rumo e hoje ela já sabe a altura que ela voa”. (Camélia) Uma das mulheres portadoras do câncer de mama retrata que após a perda da mama havia perdido sua sexualidade. Ela associa o seio como um fato denominador da sua sexualidade: “Quando eu perdi a mama, senti que não tinha mais”. (Tulipa) A temática confirmação do câncer de mama é geralmente associada a uma doença com desfecho ruim, a possibilidade da morte. Uma das entrevistadas enfatiza não se importar em perder o seio, contanto que ainda possa viver: “(...) não me importo em tirar o seio, pode tirar tudo, se for pra salvar a minha vida e viver mais”. (Violeta). Estes relatos mostram que mais uma vez o câncer está associado a uma doença carregada de negatividade que momentaneamente parece afastar qualquer sentimento de esperança para a continuidade da vida. Segundo Rossi; Santos (2003) ao receberem o diagnóstico de câncer de mama as mulheres passam a ter consciência da morte iminente, além de sentimentos como tristeza e angústia. Por isso, constata-se que o medo da morte é um fator muito presente em pessoas que desenvolveram o câncer.

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CONCLUSÃO

Inicialmente, ressalta-se que a utilização das figuras serviu de apoio para o surgimento dessas questões, mas por serem algo que merecem uma análise mais aprofundada e mais atenção, elas serão utilizadas para a discussão e análise em um outro trabalho. Culturalmente a mulher ainda é criada e educada para ser mais reservada e não demonstrar desejo. No conteúdo das entrevistas, percebe-se a submissão de algumas mulheres portadoras do câncer de mama à vontade sexual de seus maridos em detrimento da sua. Nota-se que as mulheres não portadoras do câncer de mama puderam vivenciar e experienciar várias questões subjetivas referentes à sexualidade e a feminilidade, sentindo mais prazer, tocandose, conhecendo-se. Já as portadoras do câncer de mama tiveram menos prazer, menor contato consigo mesma e com o corpo. Foi possível, entretanto, observar que algumas das mulheres portadoras do câncer de mama apresentaram dificuldade no que diz respeito ao relacionamento conjugal. Três delas se divorciaram e ficaram vários anos sem manter nenhum tipo de relacionamento amoroso ou sexual, dedicando-se apenas ao cuidado dos filhos. As não portadoras do câncer de mama fazem uma avaliação positiva em relação a sua autoimagem e a sua auto-estima. Já as portadoras fazem uma avaliação negativa a respeito do seu corpo, com exceção de uma delas que se percebe positivamente, mas ressalta-se que isso ocorreu somente após o surgimento do câncer. Para uma das entrevistadas, portadora do câncer de mama, a doença surgiu como uma possibilidade de contato consigo mesma, onde

ela passou a se dar valor e a se amar depois do aparecimento da doença. A mudança desta mulher mostra que mesmo após seu surgimento, ainda é possível se amar, se valorizar, ter desejo, ter prazer, ser mulher. A sexualidade, como qualquer outro campo da vida do indivíduo, requer um aprendizado que se faz socialmente, fazendo parte do construto da identidade feminina e de como a vivenciamos. Isso pode contribuir para que a mulher entre em contato ou não com os aspectos subjetivos da sexualidade e feminilidade. O sintoma surge como uma possibilidade de voltar ao equilíbrio, mostrando que algo no ser está disfuncional e precisa de atenção e de cuidado. Ressalta-se que existem diversas pesquisas que envolvem e discutem incessantemente questões referentes ao medo, aos conteúdos e significados que surgem na mulher após o aparecimento do câncer de mama. Mas, poucas falam e se preocupam em saber como elas viviam antes da doença, como era sua estrutura emocional, como vivenciavam seu próprio corpo, sua sexualidade, sua feminilidade e como isso pode ter contribuído para o surgimento da doença. Por fim, destaca-se que esta pesquisa não objetiva demonstrar caminhos para evitar o câncer de mama. Mas o fato é que, entrevistar mulheres não portadoras do câncer de mama e fazer uma comparação com as portadoras, fez-se de suma importância para que se pudesse perceber como a vivência satisfatória da sexualidade, feminilidade, sensações e desejos, são essenciais para que elas possam estar em equilíbrio, não construindo ou oportunizando o surgimento de doenças psicossomáticas como o câncer.

REFERÊNCIAS | ALT, Cleide Becarini. Contos de Fadas e Mitos: um trabalho com grupos numa abordagem junguiana. São Paulo: Vetor, 2000. | BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 196/96, 10 de outubro de 1996. Disponível em <http://conselho.saude. gov.br/comissao/conep/resolucao.html>. Acesso em 27 de maio de 2008. | COSTA, M. Mulher: a conquista da liberdade e do prazer. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. | DAHLKE, R. A doença como linguagem da alma. 9ªed. São Paulo: Cultrix, 2004. | DETHLEFSEN, T. DAHLKE, R. A doença como caminho. 4ªed. São Paulo: Cultrix, 1996. | DUGAS, B. W. Tratado de Enfermaria prática. 4ª Edição. Barcelona, Espanha: McGraw Hill Interamericana editores. S. A. de C. V., 2000. | GARCIA-ROSA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 21º ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. | GRADIM, C.V.C. Sexualidade de casais que vivenciaram o câncer de mama. 2005. 182f. Tese (Doutorado) - Programa Interunidades de Doutoramento da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2005. | HEILBORN, M. L. Dois é par: gênero e identidade sexual em contexto igualitário. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. | JESUS, L. L. C.; LOPES, R. L. M. Considerando o câncer de mama e a quimioterapia na vida da mulher. Rev. Enferm. EURJ, v. 11, 2003. | JUNG, Carl Gustav. Eu e o Inconsciente. 20ª Ed. São Paulo: Vozes, 2007. | JUNG, Carl Gustav. O homem e seus Símbolos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. | MALUF, M. F. M. O perfil da sexualidade em mulheres com câncer de mama [Dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, 2008. 190p. | MINAYO, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade / Suely Ferreira Deslandes, Otavio Cruz Neto, Romeu Gomes; Maria Cecília de Sousa Minayo (organizadora). – Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002. | RAMOS, Denise G. A Psique do Coração: uma leitura analítica do seu simbolismo. 10ª ed. São Paulo: Cultrix, 1995. | _____. A Psique do Corpo: uma compreensão simbólica da doença. São Paulo: Summus, 1994. | ROSSI, L.; SANTOS, M. A. Repercussões psicológicas do adoecimento e tratamento em mulheres acometidas pelo câncer de mama. Psicologia Ciência e Profissão, v.23, n.4, p. 32-41, 2003. | SEDIKIDES C.; GREGG A. P. Portraits of the self. In: HOGG MA, COOPER J (eds). Sage handbook of social psychology. London: sage. 2003. | SEIXAS, Ana Maria Ramos. Sexualidade feminina: história, cultura, família - personalidade & psicodrama. São Paulo: SENAC, 1998.

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COLUNA ATLASPSICO

FAXINA.VIRTUAL F

inal de semana chega e mais um dia de faxina doméstica começa: arrastamos sofá pra um lado, colocamos as cadeiras em cima da mesa para passar um pano úmido no chão da copa, varremos o chão dos quartos e assim nos preparamos para receber parentes e amigos além de iniciarmos uma semana agradável e organizada. Nos sentimos extremamente bem após o término dessa faxina geral na nossa residência. E na sua vida online, como é essa faxina? Se você chegou até essa coluna, possivelmente você possui uma vida ativa na internet. Naturalmente deva ter pelo menos duas ou mais contas de email, recados lidos e dezenas de recados não lidos, sem falar de um perfil em sites de relacionamentos com centenas e centenas de desconhecidos e colegas do passado adicionados no seu profile, sobretudo diversas comunidades das quais está cadastrado e nem mesmo participa das discussões. Depois de meses ou anos e anos inscrito em determinadas comunidades, os títulos já não te agradam mais, não há uma identificação direta com sua personalidade ou a forma de pensar. Se isso já não bastasse, softwares de mensagens instantâneas, como o MSN por exemplo, é um acumulado de nicknames dos quais você olha e diz: “mas quem é esse fulano nos meus contatos?!” – “Como ele veio parar aqui?”.

Depois de certo tempo, arquivos que seriam úteis, hoje são desnecessários; aquela comunidade adicionada no profile – não nos identifica mais com o nosso verdadeiro propósito. Por questões práticas e funcionais, para que serve tudo isso? Após concluir a leitura dessa coluna, faça o exercício de abrir seu MSN e observe nas dezenas e dezenas de contatos, analise um a um: quem é essa pessoa? Quantas vezes conversei com ela? Qual foi o assunto? As centenas de comunidades adicionadas no seu profile, talvez você nunca tenha parado para ler uma a uma. Entre no seu profile e leia os títulos um a um e verifique quantos não fazem mais sentido para você. Sinal de amadurecimento ou superação sobre alguma temática ou setor em sua vida.

Me refiro a faxina virtual como sendo um processo de discriminar o necessário do desnecessário, das relações efêmeras às duradouras. As mensagens, emails, vídeos, etc, você pode ler, reler, visualizar quantas vezes quiser e obter um entendimento diferente a cada momento, dependendo da fase da sua vida que esteja passando. As amizades virtuais não são menos importantes do que aquelas que mantemos na vida real. Fazem parte da sua “segunda vida” e ajudam muito na rotina online. Na Era digital, aderimos a tantas coisas Em contrapartida elas podem atrapalhar. A vida que fica difícil digerirmos tamanha quantidade virtual deve estar integrada harmonicamente a de informação ao mesmo tempo: correntes e nossa vida real. boatos, piadas, notícias, emails, comunidades de relacionamentos, perfil, fotos, vídeos, sites, músicas, bate-papo, jogos online, downloads... além de decorarmos senhas, logins e por aí vai...

AUTOR Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156

Psicólogo Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade Tuiuti do Paraná e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas - RH na Faculdade OPET (em curso). e-mail: atlaspsico@atlaspsico.com.br

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