ENTREVISTA EXCLUSIVA | O PSIQUIATRA FRANCÊS CHRISTOPHE DEJOURS FALA SOBRE A PSICODINÂMICA DO TRABALHO
ATLASPSICO PSI JURÍDICA
MAIORIDADE PENAL
PSI TRÂNSITO COMPORTAMENTO PELA VIDA
GESTÃO RH CULTIVANDO TALENTOS TORRE DE BABEL E A COMUNICAÇÃO
NÚMERO 15 | AGOSTO 2009
A Revista do psicólogo
PSI INFANTIL ABUSO SEXUAL E HTP
MATURIDADE E O DESVíNCULO SOCIAL
EXPEDIENTE REVISTA ATLASPSICO EDIÇÃO DE AGOSTO 2009 Brasil | Curitiba | Paraná EDITOR-CHEFE Psicólogo Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 AGRADECIMENTOS AOS PROFISSIONAIS COLABORADORES... Psiquiatra Christophe Dejours Psicólogo Fernandes de Andrade Professora Madalena Assante Psicólogo Sérgio Gomes da Silva Psicóloga Carina Duzioni Mengue Psicóloga Márcia Souto de Araújo Psicóloga Ana Artigas Psicóloga Patrícia Maria De Lima Freitas Acadêmico Rodrigo Robson Lolatto Psicóloga Aline Monteiro da Silva Psicóloga Camila Christine Volles Psicóloga Greici Maestri Bussoletto Psicóloga Marília Fructuoso Machado Psicóloga Suela Maiara Bernardes Psicólogo Marcus Antonio Britto de Fleury Jr Psicólogo Armando Correa de Siqueira Neto Psicóloga Márcio Roberto Regis ARTE | DIAGRAMAÇÃO Márcio Roberto Regis
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A Revista do Psicólogo
ÍNDICE
ATLASPSICO número 15 | agosto 2009
MATÉRIA DE CAPA
Maturidade e o desvínculo social
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EDITORIAL
O mundo do trabalho e saúde mental parecem coisas desconexas, incoerentes e muito distantes, mas você já parou para pensar como anda sua qualidade de vida no trabalho? Para essa edição comemorativa do Mês do Psicólogo, preparamos uma entrevista exclusiva e inédita com o conceituado psiquiatra francês Christophe Dejours. Dejours fala sobre a Psicodinâmica relacionando o mundo do trabalho e a saúde mental do trabalhador. A entrevista foi elaborada e traduzida pelo psicólogo franco-brasileiro Fernandes de Andrade formado pelo Conservatoire des Arts e Métiers (CNAM) de Paris em conjunto com a professora de Literatura Madalena Assante. Na matéria de capa, abordaremos a Maturidade e o desvínculo social. Artigo de autoria da psicóloga Mestra Patrícia Maria de Lima Freitas, docente do curso de Psicologia da Faculdade–Ingá UNINGÁ, e do acadêmico paranaense Rodrigo Robson Lolatto. Parabéns à todos os Psicólogos pelo seu dia e pelo ótimo trabalho! Boa leitura! Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156
Psicólogo e editor ATLASPSICO | www.atlaspsico.com.br
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Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
PSICODINÂMICA
Reflexões de um psicólogo clínico franco-brasileiro que pratica a psicodinâmica do trabalho
PSICOLOGIA INFANTIL
Abuso sexual e HTP correlações possíveis
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12 Bent e a abstrata nudez de ser unicamente humano
Torre de Babel e a Comunicação Cultivando talentos: como desenvolver continuamente as competências profissionais
COLUNA ATLASPSICO No caminho dos psicopatas
Psiquiatra francês Christophe Dejours, fala sobre a Psicodinâmica do trabalho
PSICOMOVIE
GESTÃO RH
60 Segundos
ENTREVISTA EXCLUSIVA
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PSICOLOGIA DO TRÂNSITO Avaliando o comportamento humano pela vida
PSICOLOGIA JURÍDICA Redução da Maioridade penal: uma pena de morte velada
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ENTREVISTA | CHRISTOPHE DEJOURS
PSICODINÂMICA DO TRABALHO Arts e Métiers (CNAM) de Paris, psicossociólogo formado pela Ecole de Hautes Etudes en Science Sociales (EHESS). Autor de vários estudos sobre a questão intercultural para a Marie de Paris. Atualmente trabalha para France Télévision onde exerce como consultor na área clínica de desenvolvimento profissional. Ministra regulamente palestras e cursos na França e no Brasil nas áreas da interculturalidade dentro do desenvolvimento profissional. Numa entrevista desenvolvida exclusivamente para a Revista ATLASPSICO, Fernandes conversa com Christophe Dejours, autor de cinco livros, psiquiatra, psicanalista, psicossomático, professor e diretor da cadeira de psicanalise da saúde e do trabalho e da ação no CNAM (Conservatoire des Arts et Métiers) de Paris. Dejours abordar a psicodinâmica do trabalho no Brasil e fala um pouco da sua história. Confira: Fernandes de Andrade: Como Christophe Dejours se definiria? Christophe Dejours: Questão difícil! Se tivesse que me definir, me definiria como pesquisador. Penso que sou fundamentalmente pesquisador. Mesmo sabendo que estou implicado em outras práticas, em outras esferas de ações–pesquisas, de intervenções científicas como a psiquiatria, a psicossomática, a psicanalise, a medicina do trabalho, etc. E como pesquisador que me interesso a compreensão: compreender como funcionam os Seres Humanos, a sociedade, o trabalho, a saúde, etc. E como pesquisador que sou diretor do laboratório de psicanálise da saúde e do trabalho no CNAM. Nesse âmbito, estou ligado à uma equipe de trabalho, à projetos de pesquisas de campo, à reflexões teóricas. Atualmente trabalhamos sobre a questão da emancipação. Questiona-se sobre o que quer dizer ‘emancipação’. Se esse termo tem algum sentido, alguma significação como seria possível de avaliála? Quais são as dimensões da emancipação? E se podemos avaliá-la, mesurá-la, quais seriam os campos de sua aplicação, da sua ação? Qual a ação da emancipação no plano individual? No plano da transformação da organização do trabalho? No plano da saúde? 6
imagem capturada em carnetsdesante.fr
ernandes de Andrade é Franco-brasileiro, F trabalha e mora em Paris desde 1983, psicólogo clinico formado pelo Conservatoire des
Christophe Dejours, autor de cinco livros, psiquiatra, psicanalista, psicossomático, professor e diretor da cadeira de psicanalise da Saúde e do Trabalho e da Ação no CNAM (Conservatoire des Arts et Métiers) de Paris.
Aí estão os grandes eixos de pesquisa sobre as quais trabalhamos atualmente dentro do laboratório de psicologia do trabalho e da ação. Esses grandes eixos temáticos são discutidos com pesquisadores no campo das ciências humanas e sociais, visto que no domínio do político (falo do político como instituição governamental), como administração dos negócios da “cité” (polis), na arte de governar. Nesse aspecto, existe atualmente na França um desinteresse quase completo pela questão da emancipação dentro da classe política francesa. Quando falo do domínio política, falo do viver em comum. E nesse aspecto que discute-se atualmente a questão da emancipação com filosofia política. O fato de me definir como pesquisador me autoriza a me diferenciar do militante. Militante, eu fui, não sou mais, e, penso que nunca mas serei! Fazem muitos anos que abandonei o militantismo político. A razão principal encontra-se no contexto de maio de 1968. Nos anos 60-70, eu era militante do movimento pela solidariedade e pelos direitos do trabalho para as populações de emigrantes vindos da Africa do Norte (especialmente Algerianos, Tunisianos e Marroquino). Essa categoria socioprofessional de trabalhadores trabalhavam na indústria francesa de automóveis. Em uma das ações organizada pelo movimento, a situação se Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
degenerou. Fui preso junto com outros militantes. Durante o interrogatório policial sofri de violências físicas. Mas o pior foi a repressão policial que se exerceu dentro das comunidades dos emigrantes trabalhadores. O fato de dirigir uma ação de militante que se transformou em desastre, de sofrer ações repreensivas ligadas com o militantismo político, tudo isso me colocou em questão. Coloquei em questões minhas convicções, minha maneira de pensar e de agir. Coloquei em questão o problema da legitimidade de uma ação. Minha posição de pesquisador vem desse questionamento. A experiência de militante me fez refletir. Cheguei a conclusão que não sabia nada sobre o conhecimento do mundo, nada do que é justo e do que é injusto, nada sobre o bem e o mal de uma ação no mundo. Descobri que não sabia nada sobre o conhecimento do mundo do emigrante. Foi nesse momento que eu passei do militantismo ao trabalho de pesquisador (…). Assim, eu me defino como pesquisador me diferenciando do militante e do praticante de base que clama uma generosidade bem-pensante, que clama um poder benfeitor de sua prática! Tudo isso é sem dúvida muito ‘bom’ mais do meu ponto de vista não é suficiente: eu sou pesquisador e faço da pesquisa uma profissão.
A ideia central que circulava dentro desses debates públicos brasileiros é que o sofrimento no trabalho é um problema fundamentalmente político. Fernandes: Quais são os seus conhecimentos sobre à implantação da psicodinâmica do trabalho no Brasil? Dejours: Psicodinâmica do trabalho tem uma longa história com o Brasil. A primeira vez que fui ao Brasil foi em 1984. A primeira tradução do livro “A loucura do trabalho” (1987). A história da psicodinâmica do trabalho no Brasil é feita de um acolho entusiasta. De fato, a condição humana relativa ao trabalho, um dos temas focalizados pela “loucura do trabalho” teve maior impacto no Brasil que na França. Fernandes: O período do acolho entusiasta da psicodinâmica do trabalho no Brasil não seria relacionado com o militantismo da época? A França do Gaullismo de 68 guardava ainda traços da supremacia do poder militar. Enquanto que nos anos 80, o Brasil lutava justamente para sair dessa ideologia. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
O movimento ‘Diretas já’ foi, no meu ponto de vista, uma verdadeira revolução popular. Uma revolução pacifista que transformou completamente o sistema político brasileiro. Ora, o problema é que, do meu ponto de vista, a psicodinâmica do trabalho no Brasil ainda não fez o trabalho de questionamento que foi feito de sua ação como militante: o Brasil acolheu a psicodinâmica do trabalho dentro de uma visão entusiasta, próximo de um idealismo paternalista: os valores axiológicos do sofrimento do trabalho na França é acolhida de uma forma entusiasta como se esses valores fossem uma realidade brasileira. Do meu ponto de vista, ainda não houve um questionamento sobre o que faz a especificidade do sofrimento no trabalho brasileiro. Dejours: Eu tenho algumas coisas a lhe dizer sobre isso. A história da implantação da psicodinâmica do trabalho no Brasil é a seguinte: O livro ‘A loucura do trabalho’ foi traduzido e publicado por uma casa de edição sindicalista. Em 1987, quando fui ao Brasil posso lhe afirmar que toda à ‘tournée’ do lançamento do livro, todas as entrevistas nas mídias brasileira foram inteiramente organizados pelo sindicalismo brasileiro. Eu posso então afirmar que na época havia toda uma discussão, todo um debate sobre a questão da relação existente entre ditadura, militantismo e política. A ideia central que circulava dentro desses debates públicos brasileiros é que o sofrimento no trabalho é um problema fundamentalmente político. Aí está a diferença entre o que se passa na França e o que se passa no Brasil: o Brasil compreendeu muito antes que a França que o sofrimento no trabalho é antes de tudo um problema político. Na França, a visão dominante no mundo sindicalista da época era a afirmação de um cepticismo. O argumento que fundava essa visão céptica era que o sofrimento no mundo do trabalho françês era um problema individual, um problema de pequeno burguês! No Brasil, o que para mim foi um choque, o mundo sindicalista já havia considerado a ideia que o sofrimento no trabalho passa por uma ruptura com a visão marxista do trabalho (…). Os dez primeiros anos de instalação da psicodinâmica do trabalho no Brasil foram essencialmente focalizados nesse âmbito: o sofrimento no trabalho passa por uma reflexão política, medical e sindicalista. Na verdade, eu vi as mudanças que pouco a pouco se instalaram. Nos anos 80, o mundo do trabalho brasileiro acolhe com entusiasmo a questão do sofrimento enquanto que na França esse problema é recusado! Existe uma denegação do sofrimento da parte 7
dos sindicalistas e da classe política francesa. Na França a preocupação principal era a instalação do neoliberalismo e isso tão bem no mundo político que no mundo do trabalho. Nesse âmbito, o objetivo principal era de eliminar as ciências do trabalho do mundo do trabalho. Ora, eu chego ao Brasil e vejo toda essa levada entusiasta sobre as questões vinda do mundo do trabalho e isso em vários estados que visitei como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, etc. Tudo isso é muito motivador para um pesquisador. Mas é verdade que a situação mudou. O problema é que no Brasil tudo toma proporções e ritmos consideráveis, surpreendentes. As mudanças são consideráveis! Tudo se transforma muito rápido: transformações sociais, econômicas, políticas que são verdadeiros fenômenos. Eu penso que se a psicodinâmica do trabalho pode se instalar no Brasil, foi porque a porta foi aberta pelo movimento ergonômico dirigido por Alain Wisner. Foi ele que me fez entra no círculo de contatos que ele tinha no Brasil. Mas se o movimento conheceu um desenvolvimento considerável no Brasil é porque ele considera a questão do futuro no âmbito político, social, econômico da condição humana. E isso é uma coisa boa! Mas, agora que o entusiasmo passou, o problema à ser colocado é da qualidade científica da psicodinâmica do trabalho no Brasil. Assim, há um período de instalação entusiasta do movimento psicodinâmico do trabalho no Brasil segue um período de sucessão. A questão que se coloca é de saber como revezar um saber teórico e metodológico, sabendose que uma grande parte dos cientistas brasileiros que trabalham com a psicodinâmica do trabalho receberam uma formação no laboratório do CNAM de Paris. Existe muitos problemas ligados com a questão da transmissão. Eu posso citar dois: 1. Tenho problemas ligados com os profissionais que se interessam ao trabalho mas que se posicionam como militantes. Esse profissionais não são formados a questão psicológica. São engenheiros, formados em engenharia, dirigentes de empresas, gestionários, ergônomos, etc. Esses profissionais se interessam às condições de trabalho mas ignoram quase tudo do trabalho no âmbito da questão psicológica. 2. Do lado dos profissionais psicólogos, existe o fato que a psicologia no Brasil é um sucesso. É verdade que para esses profissionais a questão do trabalho é do outro mundo. Além disso eles não são nada interessados pelas questões que vêm do mundo do trabalho. Assim, eu tive muitas dificuldades para criar uma célula de pesquisadores que possa assumir uma verdadeira pesquisa científica no Brasil. 8
Eu penso também que é verdadeiramente necessário uma autonomia da pesquisa em psicodinâmica do trabalho no Brasil. Esse projeto de autonomia levou muito tempo para se colocar em prática mais agora ele existe. Ele existe na Universidade de São Paulo. Posso citar o grupo de Selma Lancman ou de Laerte Sznelman. Os grupos composto por esses pesquisadores, que seja o da Selma ou do Laerte, são compostos por profissionais formados em várias disciplinas. Além disso esses grupos têm uma verdadeira cultura comum do trabalho, do Ser Humano e da teoria social. O grupo de Selma e de Laerte formam um núcleo sólido em que diz respeito às pesquisas de campo da psicodinâmica do trabalho no Brasil. Hoje eu posso dizer que existe uma verdadeira escola de psicodinâmica do trabalho brasileira com o pensamento voltado quase unicamente para as questões brasileiras. Um segundo núcleo importante de psicodinâmica do trabalho no Brasil é o de Brasília. O núcleo de Brasília se desenvolve muito rapidamente, tão rapidamente.
...Gozar da sua traição, gozar da sua transgressão. Isso funciona aqui na França: quanto mais se ganha dinheiro mais satisfação se tem... Fernandes: Eu estou de acordo com o constato de desenvolvimento rápido de certos núcleos de pesquisas no Brasil. Por ter participado de um desses grupos de pesquisa, a impressão que tive foi que eles estão mais preocupados em se desenvolver rapidamente, em aplicar paradigmas teóricos da psicodinâmica do trabalho francês que eles esquecem muitas vezes do que está em jogo no mundo do trabalho brasileiro. É o que está em jogo no mundo do trabalho brasileiro é, de meu ponto de vista, a questão da dominação. Dejours: É evidente que o que está em jogo na questão do mundo do trabalho é o problema da dominação. Ora, o problema é que muitas vezes essa questão é evacuada da pesquisa de campo! E isso não somente no Brasil como também na França. Por essa razão que todo grupo de trabalho que intenciona fazer uma pesquisa de campo é obrigado de colocar o problema da dominação e da relação de dominação dentro das relações de trabalho: dominação dos homens sobre outros homens, dominação dos homens sobre as mulheres, etc. Ora, se defende um modelo do homem fundado no Ser Humano, existe uma necessidade Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
de questionamento nesse tipo de modelo sobre o problema da dominação do homem. Homens e Mulheres não vivem as mesmas experiências de trabalho. Existe de uma parte a questão da dominação que deve ser colocada nesse tipo de modelo do homem. E de outra parte, um outro pólo de questões que falta nesse modelo é o problema da saúde mental. A saúde mental não é um determinismo: a saúde mental é uma luta! Uma luta para não cair na loucura. A psicodinâmica do trabalho se questiona sobre a relação existente entre esses dois pólos do trabalho (…). Pólo saúde: questiona-se sobre o que está em jogo na saúde do trabalhador dentro do mundo do trabalho. Pólo social: questiona-se o que esta em jogo na injustiça, na dominação e na reprodução desses problemas dentro do mundo do trabalho. Eu posso afirmar que no núcleo de Brasília tem pesquisadores que estão preocupados com esses problemas. Mas eu estou de acordo com você que tem outros núcleos que não estão muito atentivos a esses problemas que encontram-se na realidade do mundo do trabalho brasileiro. Fernandes: Venhamos agora sobre as questões que surgem no mundo do trabalho francês. A despolitização, no sentido de retirar das discussões quotidianas, temas sobre a vida em comum, é um fato não somente dentro do mundo social que dentro do próprio mundo do trabalho francês. O que é que o senhor tem à dizer sobre essa despolitização das questões do trabalho na França? Dejours: O problema da despolitização das questões que surgem no mundo do trabalho é um problema antigo na França. Mas é verdade que atualmente é muito difícil de entabular uma discussão política na França de hoje. Existe discussões politiqueiras e não discussão política. Ora, as discussões politiqueiras são essencialmente fundadas na política partidária. Ela emprega processos que visam à satisfazer um clientelismo. Nessas discussões trata-se do político como valor mercantil. Do meu ponto de vista, isso é uma prática característica do clientelismo e não da política. Isso é prática comercial. No clientelismo o importante é os números de votantes, o números de eleitores que serão satisfeitos com as promessas eleitorais. Na França, as discussões politiqueiras se desenvolvem ao níveo local, nacional e mesmo regional. As grandes questões políticas não são tratadas no país. E isso nem pelos políticos, nem pela sociedade civil. Na verdade, existe hoje na França uma grande dificuldade à federalizar sobre interesses comuns. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
Dificuldades a reunir, a motivar indivíduos a participar de decisões da vida em comum, a tratar problemas do dia-a-dia, à relevar questões sobre modos de vida, sobre as orientações morais, éticas, sobre o justo e o injusto, sobre a questão do dinheiro, sobre a questão da educação das crianças, sobre a relação das mídias com a cultura. Não se consegue mais iniciar um verdadeiro debate político sobre a infância, sobre as questões ligadas com a sexualidade. Portanto esses temas são onipresentes. E isso tão bem na sociedade civil que no mundo do trabalho. Eu penso que o resultado dessa despolitização da vida em comum induz as pessoas à uma grande solidão. A solidão é uma realidade social na França de hoje. As mídias se desenvolvem. Fala-se de tudo e ao mesmo tempo de nada. Entretanto nada se sobressai no domínio dos valores. Tem duas coisas que se sobressaem: 1) O poder do dinheiro e 2) O poder do prazer. Quanto mais dinheiro se tem, mais jubilosa é a vida! Vivese dentro de um sistema onde a obrigação imposta é o oportunismo. Transgredir, trair e tudo isso com
A solidão é uma realidade social na França de hoje. As mídias se desenvolvem. Fala-se de tudo e ao mesmo tempo de nada. o único objetivo de sentir o sentimento agradável do prazer! Gozar da sua traição, gozar da sua transgressão. Isso funciona aqui na França: quanto mais se ganha dinheiro mais satisfação se tem! O Prazer e a fieldade tornaram-se um modo de contentamento do Eu francês. A traição se investi no oportunismo político. Ela é uma realidade não somente na França como em boa parte da Europa. O oportunismo tornou-se um valor elevado, um talento dentro na classe política francesa. Alguns políticos socialistas entraram no governo de Sarkozy. O ministério da identidade nacional é ocupado por um socialista. Ora, esse ministério representa uma forma de racismo organizado. Existe um reverso desfavorável da situação política francesa. O racismo e a xenofobia tornaram-se normalizados. O oportunismo político tornou-se valorizado. Nós vivemos dentro de um mundo onde ninguém sabe mais distinguir o bem do mal, o justo do injusto. Não existe atualmente um consenso sobre os valores veiculados pelo sociedade, pelo político, sobre o que é a verdade e o que é falso. O mundo do trabalho francês vive no ritmo de crise de despolitização, de crise moral. Lá onde uma empresa 9
ganha dinheiro, no mesmo instante ela desemprega milhões de salariados. Lá onde uma empresa rentabiliza ela decide de se deslocar. Nós vivemos em um mundo onde a mentira tornou-se institucionalizada e isso tão bem no mundo político que no mundo social! E isso é uma realidade: os governos mentem, os banqueiros mentem. Existe um fenômeno de denegação da realidade. De uma maneira geral, as pessoa são confrontadas a essa denegação da realidade. Denegação da realidade mas além disso elas devem enfrentar sozinhas essas denegações da realidade! Isso implica que existe dificuldades para compreender e interpretar o que é verdadeiro, o que é falso, o que é justo e o que é injusto.
A competitividade vai até a concorrência desleal entre trabalhadores. A mentira tornouse normalizada no mundo institucional. De fato, a carga que pesa sobre cada cidadão é enorme! As pessoas se sentem sozinhas e angustiadas porque eles desconhecem de que sera feito o futuro. A política desertou o viver em comum. Mas por que que a política desertou o viver em comum? Por que a política desmoronou o viver em comum? Do meu ponto de vista, a despolitização não é um fenômeno de nosso mundo moderno. Ela é um processo que começou na antiguidade. Entretanto o que é moderno é que o fenômeno da despolitização organizada. Ela é organizada pela organização do trabalho. E é aí que a tese da centralidade do trabalho aparece. A França introduziu novas formas de organização do trabalho que acabaram por destruir o político no sentido do viver em comum dos trabalhadores franceses. O viver em comum se deteriora cada vez mais na França. Todo um patrimônio tradicional fundado sobre a questão da solidariedade, da ajuda entre pessoas, etc., ou seja, o que fez a força da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial contra o ocupante alemão se encontra assim em pleno desabamento. E nesse desmoronamento é a tradição sindicalista francesa que se afunda. O pior é que o ataque veio do interior mesmo das empresas francesas. Foi do interior das empresas que a politica se consumiu; nas novas formas de gestão, de administração, etc., e sobre tudo das novas formas de avaliação personalizado de performance. A avaliação personalizada de performance é o cavalo de Tróia do mundo do trabalho francês. Ela 10
começou com o desenvolvimento da tecnologia cibernética. A utilização de aparelhos eletrônicos, usados para receber, processar, guarda e tornar accessíveis informações nas redes de montagem ou nos postos de trabalho, revolucionaram o mundo e a vida do trabalhador francês. Todo posto de trabalho na França tem um computador. A vitória da tecnologia cibernética vem do fato que ela foi instrumentalizada pelos métodos gestionários. De fato os métodos gestionários apoiamse nos microprocessadores como instrumentos de informações. Tudo que se faz no trabalho é registrado e permite de fazer um diagnóstico sobre o que se faz e o que não se faz, o sucesso ou fracasso da experiência de trabalho. O computador é a ‘boîte noîre’ (caixa negra) da atividade de trabalho. Ora, a avaliação de performance sempre foi de todo tempo o desejo oculto de toda organização do trabalho. Taylor começou a colocar em prática a vigilância dos trabalhadores nas redes de montagem. Hoje em dia ninguém precisa mais vigiar os trabalhadores, o computador toma as devidas precauções! Ele tem uma câmera para vigiar, um fone para falar e uma escuta para receber as ordens. Além disso, o computador tem uma memória multifuncional capaz de exercer um controle direto do trabalho do trabalhador. Um outro aspecto da avaliação personalizado de performance é o aspecto concorrencial. Os trabalhadores vivem dentro de um sistema competitivo. A competitividade vai até a concorrência desleal entre trabalhadores. A mentira tornou-se normalizada no mundo institucional enquanto o engano proposital entre trabalhadores se institucionaliza dentro do mundo do trabalho. Os trabalhadores estão sempre à procura da melhor performance. Existe entre os trabalhadores um desejo explícito de fazer, de ser, de se mostrar sempre melhor que o outro colega: ‘se um tal fez isso eu sou capaz de fazer como ele, e, mesmo melhor!’ No mundo do trabalho francês aprende-se a desconfiança, a suspeitar uns dos outros. Mesmo entre pesquisadores! Os pesquisadores vivem um verdadeiro inferno: é um querendo ser mais inteligente, mais brilhante, mais performance que o outro. Eles são mesmo capazes de passar uma rasteira no outro para conseguir o melhor contrato, a melhor pesquisa de campo. A solidariedade, a reciprocidade entre obrigações e interesses desaparece! Os sindicatos desabam-se na França. Uma das razões principais desse fenômeno de desaparecimento do político é avaliação personalizado de performance que destrói solidariedades dentro do mundo do trabalho, dentro do domínio político, dentro do mundo Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
social, acadêmico e mesmo dentro do domínio da saúde (hospitais e clínicas). Na verdade, para pensar o político, no sentido do viver em comum, é necessário começar pela ideia do coletivo, do amar o Ser humano! Ora, no mundo de hoje nos aprendemos a nos detestar, a nos odiar. Em soma, no mundo do trabalho francês de hoje o trabalhador encontra-se sozinho face a esse drama humano, a essas contrariedades e acaba sombrando na doença (…). A empresa citadina perverteu o direito civil, o direito do trabalho. No mundo do trabalho de hoje se faz o aprendizado do melhor, ou seja, do viver em comum, mas igualmente o aprendizado do pior: o individualismo, o sofrimento. Hoje, a questão do sofrimento no trabalho é um problema político. A questão está em saber como podemos partir desses contatos para reconstruir do político dentro do mundo do trabalho? Eu penso
que para reconstruir do político, no sentido do viver em comum, é necessário de construir zonas onde as pessoas possam viver em conjunto, possam construir uma relação de confiança, possam ter confiança uns nos outros. Em soma, o problema fundamental é a reconstrução da cooperação no mundo do trabalho. Contrariamente o que se pensa, eu acredito que isso é possível: em certas empresas quando se quer fazer alguma coisa, se faz! Nosso laboratório experimenta atualmente alguns métodos de avaliações que demonstram que o viver em comum é possível. Fernandes: Sua última obra se intitula ‘Suicide au travail: que faire?’ (‘O suicídio no trabalho: que fazer?’)? Dejours: Ela será publicada em setembro.
OBRAS DE CHRISTOPHE DEJOURS PUBLICADAS NO BRASIL: DEJOURS, C. ABOUDOUCHELI, E., JAYET, C. (1994): “PSICODINAMICA DO TRABALHO”. Editora Atlas S.A. SAO PAULO. DEJOURS, C. (2002): “A BANALIZACAO DA INJUSTICA SOCIAL” 5ª edição, Fundação Getúlio Vargas Editora, (Rio de Janeiro). DEBRAY R, DEJOURS C, FEDIDA P (2002): “PSYCHOPATHOLOGIE DE L’EXPERIENCE DU CORPS”. Editions Dunod, (Paris) 170 pages. “Le corps comme exigence de travail pour la pensée”. DEJOURS, C. (2003): “O FATOR HUMANO”, 3ª edição, Fundação Getúlio Vargas Editora, (Rio de Janeiro). DEJOURS C. (2004): “DA PSICOPATOLOGIA A PSICODINAMICA DO TRABALHO”, in Selma LANCMAN & Laerte Idal SZNELWAR (orgs.), Edição Paradelo 15 & Coedição Fiocruz, Brasil. OBRAS DE CHRISTOPHE DEJOURS PUBLICADAS NA FRANÇA: Dejours,C.2000, Travail, usure mental, Bayard. Dejours,C. 1988, Souffrance en France, Points. Dejours,C.2003, L’évaluation du travail à l’épreuve du réel.INRA. Dejours, C.2001, Le corps, d’abord, Payot. Dejours, C.Suicide et Travail: Que faire? ENTREVISTA, foi feita no escritório parisience de Christophe Dejours, ou seja, no laboratorio do CNAM. Durou 2horas e foi realizada e registrada em francês. A tradução do francês para o português foi elaborada pelo próprio Psicólogo frances Fernandes de Andrade. AUTOR & TRADUTOR Fernandes de Andrade | Franco-brasileiro, trabalha e mora em Paris desde 1983, psicólogo clinico formado pelo Conservatoire des Arts e Métiers (CNAM) de Paris, psico-sociólogo formado pela Ecole de Hautes Etudes en Science Sociales (EHESS). Autor de vários estudos sobre a questão intercultural para à Mairie de Paris. Atualmente trabalha para France Télévision onde exerce como consultante na área clínica de desenvolvimento professional. Ministra regulamente palestras e cursos na França e no Brasil nas áreas da interculturalidade dentro do desenvolvimento profissional. Email: fernand.joseph.deandrade@wanadoo.fr
COAUTORA E AUXÍLIO Madalena ASSANTE, professora de literatura.
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PSICODINÂMICA
PSICODINÂMICA DO TRABALHO REFLEXÕES DE UM PSICÓLOGO CLÍNICO FRANCO-BRASILEIRO QUE PRATICA A
O texto apresenta uma reflexão sobre alguns aspectos teóricos da psicodinâmica do trabalho, movimento da psicologia do trabalho criado por Christophe Dejours. Cristophe Dejours é médico francês, com formação em psiquiatria, psicanalise e psicossomática. Ele foi durante muitos anos diretor do Laboratório de psicologia do trabalho e da ação no ‘Conservatoire des Arts et Métiers’ (CNMA) de Paris. Autor de vários livros publicados na França e traduzidos no Brasil, sua obra trata de questões relacionadas com o ‘mundo do trabalho’ e a ‘saúde mental’. Para tal reflexão utilizaremos o conceito de sociocultural articulando-o com a experiência profissional de psicólogo clínico franco-brasileiro.
A
ideia do texto vem de uma atitude sincera da redação do Portal ATLASPSICO. A uma proposta de matéria sobre a psicodinâmica do trabalho, a resposta que recebi foi ‘falar da psicodinâmica do trabalho’, mas ‘não compreendese’ muito bem o enfoque desse movimento. Constata-se então que tal resposta é em ressonância com alguns testemunhos que já tinha escutado em conferências que fiz no Brasil: muitas pessoas (estudantes e acadêmicos) já ouviram ‘falar’ da teoria, do enfoque metodológico mas não compreendem muito bem as propriedades formais dos paradigmas, das ‘técnicas de intervenção terapêutica’, ou, dos ‘meios usados’ nas ações de intervenção. Diante de tal contexto, e, uma vez formulada o pedido de realização da presente matéria, decidiu-se em conjunto à orientação do texto. Em ocorrência, 12
seria o de ‘colaborar com informações’ ‘sobre a teoria psicodinâmica do trabalho’ e as ‘técnicas de intervenção’ para ‘acadêmicos e profissionais brasileiros’. Para isso, nosso proposito aqui é de cria um campo de inteligibilidade, ou seja, empreender uma reflexão sobre os conhecimentos relacionados com o movimento psicodinâmico do trabalho como fato sociocultural, estrutura teórica e metodológica. Faremos, em primeiro lugar, uma definição provisória da teoria e do conceito. Em segundo lugar, tentaremos examinar a trajetória da psicodinâmica do Trabalho no Brasil através de uma das publicações da obra de Christophe Dejours no Brasil. Dentro desse âmbito examinaremos os pilares paradigmáticos da teoria. Finalizaremos com uma reflexão sobre os méritos e as limitações da teoria e da metodologia. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
PSICODINÂMICA DO TRABALHO
une definição provisória da teoria e do conceito
Em geral, uma ‘teoria’ é um conjunto coerente de estruturas conceituais de conhecimentos. Christophe Dejours introduz o conceito de ‘psicodinâmica do trabalho’ para caracterizar um movimento científico que ele criou nos anos 70. A teoria psicodinâmica do trabalho é alicerçada sobre três pilastras paradigmáticas: o ‘Trabalho’, a ‘Saúde’ e ‘Sujeito’ ou o Ser Humano. É importante assinalar também que os conhecimentos e concepções da psicodinâmica do trabalho são resultados obtidos da observação, da análise, da interpretação e da compreensão de fenômenos relacionados com o ‘mundo do trabalho’ moderno. Como teoria do conhecimento, a psicodinâmica do trabalho é um movimento científico que existe dentro das Ciências Humanas e Sociais. Ela se insere no campo da psicologia do trabalho e da sociologia da ação. O ponto de convergência dessas duas disciplinas é a tradição compreensiva. A abordagem da psicodinâmica do trabalho é a clínica do trabalho. O objetivo teórico e metodológico é de desenvolver um trabalho de campo. A intervenção do psicodinâmico é uma ação-pesquisa, ou seja, o profissional intervêm no ‘mundo do trabalho’, com grupos de trabalhadores, e, isso com o objetivo de compreender os processos soma-psíquicos envolvidos na ação do ‘Trabalho’, da ‘saúde’ e dos indivíduos trabalhadores. Para o clínico do trabalho, o desafio da intervenção é justamente de compreender o que está em jogo na ‘saúde’, na experiência dos ‘indivíduos’ no ‘mundo do trabalho’. Como conceito, o termo ‘psicodinâmica’ vem da união de três palavras ‘psico’, ‘dinâmica’ e do ‘trabalho’. Aqui a teoria freudiana nos ajuda a compreender a significação da expressão ‘psicodinâmica’. De fato, a psicanalise aborda os fenômenos psíquicos como a resultante de conflitos ou de movimentos de forças que se opõem. A teoria ‘psicodinâmica’ enuncia que esses princípios são antes de tudo somato-psíquicos e podem ser confrontados dentro do ‘mundo do trabalho’. O que importa para a psicodinâmica do trabalho são as repercussões desses movimentos de forças no ‘mundo do trabalho’, na vida somato-psíquica dos trabalhadores. O que resulta dessas definições provisórias é o interesse de saber como é que esse movimento se desenvolve no Brasil.
A PSICODINÂMICA DO TRABALHO NO BRASIL um problema de pontuação, de tradução ou uma necessidade de contextualização do ‘mundo do trabalho’
No Brasil, o movimento teórico da psicodinâmica se instala no final dos anos 80. Em 1987 é publicado no Brasil o livro de Cristophe Dejours ‘A loucura do Trabalho’. Editado na França em 1980, o livro tem um título menos apelativo, ou seja, o título em francês é ‘Travail, usure mentale’ que pode ser traduzido em português do Brasil por ‘Trabalho, desgaste mental’. Que a obra e o autor sejam conhecidos no Brasil, isso é um fato que não se contesta. Mas que uma grande parte do conhecimento teórico e metodológico do movimento psicodinâmico do trabalho seja uma experiência quase sem conteúdo, ou seja, incompreensível, isso, do meu ponto de vista, necessita de um questionamento. Começamos pela questão de saber porque a tradução brasileira não traduz em português do Brasil o título original francês? Por que ela não utiliza os mesmos sinais de pontuação referenciados na edição francesa? A ideia que gostaria de desenvolver aqui é que a publicação desse tipo de literatura no espaço social brasileiro levanta não somente a questão do problema de tradução do título, mais também um problema de especificidades socioculturais existentes no ‘mundo do trabalho’. Tais especificidades seriam relacionados com os conhecimentos, os modos de vida, de pensar, de falar e de agir, que por serem relacionados com as tradições específicas à cada país são socioculturais. As especificidades socioculturais fazem referência a relação que cada Ser Humano tem com o mundo sociocultural. O que sobressai na versão francesa é o título e o uso da pontuação. No título, o autor da informações sobre o tom da obra. Para o público francês o termo ‘Trabalho’ seguido de uma vírgula induz a pensar que ali existe um código de comunicação, ou seja, o autor informa que o ‘trabalho’ tem uma ligação direta ou indireta na causa do ‘desgaste mental’ do trabalhador francês. A tradução aproximativa do título e a ausência dos sinais topográficos na tradução brasileira induz um outro tipo de comunicação ao leitor: o título brasileiro parte de uma frase afirmação dentro da qual duas ideias se articulam, ou seja, ‘a loucura’ encontra-se diretamente ligada ao ‘Trabalho’.
O que importa para a psicodinâmica do trabalho são as repercussões desses movimentos de forças no ‘mundo do trabalho’, na vida somato-psíquica dos trabalhadores. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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Para efetuar esse tipo de passagem tradutivo, pressupõe-se que tiveram que tomar em consideração não somente as especificidades das diferências linguísticas existentes entre o francês e o português do Brasil, como também das especificardes socioculturais. Para compreender o que está em jogo em termo de especificade sociocultural é necessário evocar o significado da expressão ‘usure/desgaste’ no senso comum francês. Na França, ‘usure’ utiliza-se como nominação ou como verbo. Em geral, em francês ‘usure’ faz referência à ‘usage’ no sentido de interesse, ou seja, no interesse do que está em uso. Nesse sentindo ‘usage’ faz referência a uma regra, a de uma norma sociocultural. Entretanto existe também um outro sentido de ‘usure’: a expressão faz referência à ação de deperecimento, de deterioração, do desgaste mental ou fisiológico da experiência do trabalhar quotidiano no ‘mundo do trabalho’ francês. O fato de expressar ou de dizer que se sente ‘us(e)é’ (usado ou desgastado) significa que se serve, se mobiliza alguma coisa para produzir algo: a corporalidade, a inteligência, a competência, o conhecimento, o desejo, a vontade, etc. O que está pressuposto nesses tipos de enunciação é que o Ser Humano tem habilidades, que ele decide em consciência à orientação de suas ações. Por ter habilidades, ele é produtivo, se não, ele não se sentiria ‘desgastado’. Ter consciência do ‘desgaste’ é uma das razões possíveis que explica o cansaço, a deterioração que ele sente no fundo do seu ser. Isso significa que o trabalho ‘usa’, ‘desgasta’ não somente o fisiológico, o biológico, como também o ‘mental’ do trabalhador. Nos anos 80, falava-se na França de ‘profissionais usados, desgastados’ pelo trabalho. Falava-se também do ‘desgaste do poder político’ em referência a um rompimento de orientação política na França: o socialismo acede ao poder. Nesse sentido, o título da obra francesa é em coerência com as problemáticas e os conhecimentos ligadas as tradições socioculturais dos trabalhadores franceses. A questão é de saber porque o termo ‘desgaste’ não foi utilizado na tradução brasileira? De fato, a tradução brasileira optou pelo título ‘A loucura do trabalho’. Do ponto de vista clínico, a palavra ‘loucura’ tem uma definição específica. Entretanto, a expressão ‘loucura’ tem também um senso
comum no Brasil. Ela expressa um sentimento, uma interjeição, uma enunciação, um jogo de linguagem, etc., como expressão de um sentimento, a palavra é em correlação com o termo francês ‘usage/desgaste’ usado de maneira habitual. Assim é habitual para o brasileiro escutar alguém se exclamar ‘que loucura!’ seguido dos regionalismos ‘meu, velho, cara, macho, mulher, etc.’ Ora, nos anos 80-90 a ‘que loucura de trabalho!’ é relacionado com o fim da ditatura militar. O país vive um período não somente de reestruturação econômica mas também produtiva. ‘A loucura do trabalho’ brasileiro é a emergência de novos modelos produtivos, de novas formas de trabalhar do trabalhador brasileiro. Se pensarmos nessas expressões a luz do percurso da psicodinâmica do trabalho na França e no Brasil, elas mostram que as questões ressaltadas por Christophe Dejours saem do campo acadêmico, passam pelo campo socioeconômico e ganham um impacto no espaço social francês e brasileiro. Essas expressões fazem referência a alguma coisa que se passa no ‘mundo social’ ou no ‘mundo do trabalho’. Claro que o quadro referencial e contextual do ‘desgaste’ não é o mesmo da ‘loucura’. Entretanto a abordagem científica, socioeconômica, psicológica do ‘trabalho’ ganham uma função informativa. Os termos utilizados, integram o ‘desgaste’ e a ‘loucura’ dentro do espaço público. Eles evocam experiências vividas, interpelam o público sobre o que um modo de existência dentro do ‘mundo do trabalho’ francês e/ou brasileiro. O título e os códigos de comunicação mesmos que sejam ausentes da tradução brasileira, abrem uma passagem sociocultural à palavra-chave. Entre o ‘Trabalho’ que causa o ‘desgaste’, e, a ‘loucura do trabalho’, existe uma relação que pode ser estabelecida. Entre ‘trabalho’ e ‘desgaste mental’ o foco informativo é que o trabalho está profundamente relacionada com a ‘saúde’. Essa relação interpela o senso comum francês. Ela atira a atenção do leitor sobre o drama vivido pelo trabalhador francês. Enquanto que a afirmação expressiva ou comum do título brasileiro ‘A loucura do trabalho’, interpela o senso comum brasileiro sobre a ‘doidice’, a ‘insensatez’, a ‘imprudência’ ou a alienação que se passa no ‘mundo do trabalho’ brasileiro dos anos 80.
a expressão ‘loucura’ expressa um sentimento, uma interjeição, uma enunciação, um jogo de linguagem 14
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O ponto de passagem sociocultural marca um estado de mediação na compreensibilidade contextual do texto. Na verdade, o texto faz a transição entre trabalho acadêmico, mundo socioeconômico e mundo social. Além da questão referencial, da contextualização e da abordagem sociocultural que podem ter a obra de Christophe Dejours, existe também concepções inovadoras: são as possibilidades abertas pelas reflexões, pelas temáticas sobre o ‘mundo do trabalho’ ao público trabalhador da França e do Brasil. Para que possamos entender todas essa sutilezas inovadoras, seria interessante de ressaltar que o essencial é de saber que o ‘Trabalho’ que Marx fez um princípio vital, e, Hannah Arent considera uma
das ‘condições do homem moderno’, passa a ter um novo foco de reflexão e de pesquisa de campo nas ciências Humanas e Sociais. O historicismo crítico que sobressai do analise de Christophe Dejours sobre o ‘mundo do trabalho’ questiona o senso comum, o mundo socioeconômico sobre o ‘desgaste’, a ‘loucura’ que se passa dentro do ‘mundo do trabalho’. Ou seja, a psicodinâmica nasce de uma tomada de consciência com novas realidades investidas nas estruturas tradicionais socioculturais, socioeconômicas e humanas no mundo do trabalho francês. O fato da obra ter uma tradução brasileira pressupõe-se que tais estruturas estão implicadas no ‘desgate’, na ‘loucura’ ou no ‘sofrimento’ do trabalhador.
Constata-se que para definir a psicodinâmica do trabalho, Dejours utiliza o termo ‘confrontação’ e ‘discussão’. PSICODINÂMICA: UM CONTEXTO PARA UM NOVO CAMPO DE ESTUDO Como psicólogo clínico do trabalho tenta- que existiu da parte do autor, problemáticas, se compreender a contextualização do ‘mundo questionamentos, e, que as respostas obtidas seriam do trabalho’, sua especificidade sociocultural. a consequência desse trabalho. Para compreender Questiona-se sobre os agrupamentos específicos a senso de ‘resultados’ de um trabalho acadêmico conceituais tais como ‘desgaste’, ‘loucura’ e que se encontra em grande parte condensado no ‘sofrimento’. Do nosso ponto de vista, tais contextos texto ‘Trabalho, desgaste mental’, ou, da ‘A loucura socioculturais específicios devem ser observados, do trabalho’, é necessário refletir ao contexto analisados e interpretados e colocados em validação sociocultural que fez surgir o movimento da nos trabalhos de campo ou nas intervenções. psicodinâmica do trabalho na França. A reflexão sobre as especificidades da obra Constata-se que para definir a psicodinâmica de Christophe Dejours, ou seja, o conhecimento do trabalho, Dejours utiliza o termo ‘confrontação’ referencial, a contextualização sociocultural do e ‘discussão’. De fato, nesse período a França, ‘mundo do trabalho’ francês e do ‘mundo do como também uma grande parte da Europa, vive trabalho’ brasileiro na obra ‘A loucura do trabalho’, com grande intensidade alguns acontecimentos nos induz a perguntar: como é que esse movimento socioculturais importantes. No prolongamento de teórico aflora na França? maio 1968, novas formas de mobilização coletivas A psicodinâmica do trabalho surgiu na se intensificam e dão continuidades aos movimentos França no final dos anos 1970. Ela nasce dentro de reivindicação feminista, ecologista, regionalista, de um contexto, de uma situação particular da homossexuais e de direito do homem. história sociocultural francesa. Nesse sentido, a Já no meio dos anos 70, começava então as psicodinâmica do trabalho é um fato socicultural. grandes ‘confrontações’ que induzem discussões e Cristophe Dejours define a psicodinâmica do trabalho reflexões críticas sobre os regimes totalitários, sobre como sendo ‘o resultado de uma confrontação o liberalismo da economia de mercado, sobre os entre três disciplinas: a psicanálise, a psiquiatria modelos racionalistas das organizações de trabalho e a ergonomia. No centro dessa discussão três importados dos Estados Unidos, ou seja, o taylorismo questões essenciais: o sujeito, a saúde e o trabalho’. e o fordismo, sobre os critérios da verdade dentro Antes de evocar alguns conhecimentos específicos das pesquisas científicas. Existe nesse período um a cada um desses temas de discussões na teoria vento de contestação não somente na França como psicodinâmica do trabalho, seria interessante de também em uma grande parte da Europa. saber que significação tem o termo ‘resultado’ no ‘Confrontar verdades’ ou ‘realidades’ referencial dejourniano. estabelecidas pelos movimentos sociopolíticos, epistemológicos dominantes nas Ciências Humanas Pressupõe-se que ‘resultado’ faz referência e Sociais. Confrontar ‘conhecimentos’ sobre a à uma lógica conclusiva. Resultado evoca a ideia tensão crescente dos trabalhadores diante da Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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ameaça do desemprego. Tais ‘confrontações’ abrem espaços a ‘discussões’. Na verdade, o movimento da psicodinâmica do trabalho é ‘confrontado’ com novas realidades socioculturais que induzem Christophe Dejours a ‘discutir’ com outras tradições epistemológicas francesas que vão da psiquiatria social à psicanalise ou à ergonomia. Confrontá-las a essas tensões, a essas realidades vinda do mundo socioeconômico francês. ‘Discussões’ com os pesquisadores do grupo de trabalho de Louis le Guillant sobre a psicopatologia do trabalho francês. ‘Discussões’ com os psicanalistas. Integra-se nessas discussões as ‘problemáticas‘ que procedem das questões vindas de Jean Laplanche sobre a necessidade de repensar a ‘novos fundamentos para a psicanalise’. É nesses novos fundamentos associa-se questões sobre a causalidade psíquica, sobre as ‘mensagens enigmáticas’ que são emitidas pelos adultos, as crianças e que muitas vezes restam sem nenhuma tradução. Porém ecoa também nos ‘resultados’ de Christophe Dejours a dúvida cartesiana. ‘Confrontar’, colocar em ‘discussão’ conhecimentos acadêmicos, é uma forma derivante da dúvida, ou seja, é questionar o saber acadêmico sobre o que se passa no terreno empírico do ‘mundo do trabalho’. Por mais improvável ou absurdo que essas confrontações possam ser, o intuito é de ver se alguma coisa resta à reconstruir a discutir sobre o ‘mundo do trabalho’ moderno. Questionar o ‘Trabalho’ é pressupor que o ‘trabalho’ tem um aspecto ‘enigmático’. É avançar hipóteses segundo a qual tudo ainda não foi dito sobre o ‘mundo do trabalho’. As considerações cépticas que usam Christophe Dejours abrem ‘discussões’ com a ergonomia sobre o ‘trabalho humano’. Nota-se claramente que o contexto social e acadêmico que deu origem à psicodinâmica do trabalho na França incorpora todo um trabalho
de elaboração reflexiva e autorreflexiva. Um conhecimento acadêmico e de campo que são em coerência com as tradições socioculturais existentes na França nesse período. Nesse sentido, não é exagerado de afirmar que a psicodinâmica do trabalho é uma teoria provinda de um processo de elaboração. Muitos esquecem que dentro do termo ‘elaboração’ existe a raiz etimológica do termo ‘labor’, ou seja, ‘trabalho’. De fato, o trabalho de Christophe Dejours é um trabalho de elaboração que exige ‘confrontação’ e ‘discussões’ com o mundo social e o mundo acadêmico. Entende-se aqui mundo social como os conhecimentos empíricos tradicionalmente incorporados na sociedade francesa dos anos 80. No caso da psicodinâmica do trabalho, a confrontação é com as tradições culturais do mundo acadêmico da França dos anos 70 e 80. Avaliar o que existe de compatível ou de incompatível com o conhecimento da realidade existente no ‘mundo do trabalho’, tal processo revela que a psicodinâmica do trabalho integra esse movimento laboral da experiência humana do trabalhar, como também do trabalho acadêmico e do trabalho de campo. De onde se conclui que ‘resultado’ tem um referencial específico na psicodinâmica do trabalho. O termo se refere ao trabalho de confrontação e de diálogo que nascem do estado de coisas inquestionáveis. O ensinamento que o psicólogo clínico do trabalho tira dos ‘resultados’ é o questionamento sobre os instrumentos teóricos e metodológicos que ele utiliza na sua intervenção. Questionar-se sobre o que está em jogo nas referências tradicionais, nas referências teorias e métodos que ele utiliza. Discernir a significação que uma intervenção implica na sua ação de ‘trabalho’, na sua experiência clínica com os indivíduos trabalhadores do ‘mundo do trabalho’.
O ‘TRABALHO’ COMO TEMA DE ‘CONFRONTAÇÃO’ Christophe Dejours formula três temas de propõe um análise precisa do ‘Trabalho’. Porém o ‘confrontação’ e de ‘discussão’ que dão nascimento ergônomo é desconcertado pela ‘depressão’, pelo ao movimento da psicodinâmica do trabalho francês. ‘sofrimento’, pelas ‘contrariedades’ que sentem os O primeiro tema é o ‘Trabalho’. O conceito tem em trabalhadores franceses no mundo do trabalho. psicodinâmica do trabalho um valor paradigmático Dessa colocação surge a ‘confrontação’ e central. o ‘diálogo’ com a psiquiatria e a psicopatologia. O autor procede de um constato que a questão Na verdade, essa duas disciplinas defendiam do ‘Trabalho’ em alguns movimentos psiquiátricos uma ideia binária do ‘Trabalho’. Se o trabalho é franceses é tratada de maneira convencional, ou causa de doenças, ele tem também uma função seja, como um ‘décor’, uma ‘decoração’ na vida terapêutica, ou seja, ele tem um lado ‘bom’. Ora, psíquica e afetiva dos trabalhadores franceses. essa representação do trabalho conserva ainda Enquanto a psicanálise considera o ‘Trabalho’ um vestígio da tradição ideológica taylorista. Para no âmbito da sublimação. Quanto a ergonomia, os organizadores tayloristas, o trabalho tem uma 16
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função terapêutica: ele é ‘bom’ para o trabalhador. Se o ‘Trabalho’ é ‘bom’ para o trabalhador, como se explica então esse ‘desgaste mental’ do trabalhador francês? Como se explicar então essa ‘loucura do trabalho’ no Brasil? Para Christophe Dejours, a função da organização do trabalho e das relaciona humanas existentes dentro do mundo do trabalho não são neutras na vida socioprofissional dos trabalhadores franceses. O ‘mundo do trabalho’ não seria uma ‘decoração’ mas um espaço, ou melhor, a cena principal, onde o ‘sujeito’ trabalhador atua em um ou vários atos de sua existência. A questão do espaço anacrônico e sincrônico do ‘Trabalho’ na vida do trabalhador induz o autor a interpelar a ergonomia e a psicanálise: entre a análise empírico do ‘trabalho prescrito’ e do ‘trabalho real’ existe um espaço que se abre ou não ao fenômeno da sublimação. Entretanto o que se constata é que esse espaço é ‘dinâmico’. Ora, é na dinâmica existente nesse espaço que o trabalhador constrói ou não sua identidade socioprofissional. E nessa articulação que o autor defende a ideia que o ‘Trabalho’ é central. Em psicodinâmica a
abordagem principal é a ‘centralidade do trabalho’, ou seja, o movimento clínico recoloca o ‘Trabalho’ no centro dos processos sociais humanos. Um dos ensinamentos que tira-se dessa reflexão da psicodinâmica do trabalho é que cabe ao psicólogo clínico do trabalho de tentar compreender o que constitui o ‘enigma do trabalho’, o que está em jogo nesse espaço vital onde o ‘mundo do trabalho’ é imbricado no ‘mundo social’ e na existência do trabalhador. Para isso a psicodinâmica do trabalho tem uma abordagem metodológica fundada na pesquisa de campo: analisar a solicitação ou o pedido vindo de instituições ou do empregador. Investigar, observar, interpretar e sintetizar os resultados da pesquisa de terreno. Validar as observações, as interpretações com grupos de trabalhadores. Não insistiremos muito sobre as questões relacionadas com o ‘espaço a palavra’. O importante é de ressaltar que é incontestável o trabalho de investigação. E investigando o ‘enigma’ que constitue o ‘Trabalho’ que o psicólogo clínico reflete sobre o que está em jogo no ‘desgate’ ou na ‘loucura’ como fenomêno de descompensação psicológica do trabalhador.
A ‘SAÚDE’ COMO TEMA DE ‘CONFRONTAÇÃO’ Todos esses movimentos epistemológicos (psiquiatria, psicanálise e ergonomia) tem uma preocupação comum: a saúde dos trabalhadores. Mas qual é o sentido do termo ‘Saúde’ para o trabalhador? É se sentir ‘são’ fisicamente, mentalemente, ou, se sentir integro, sincero, verdadeiro com a experiência do trabalhar quotidiano? Existe na abordagem de Dejour um trabalho reflexivo e autorreflexivo: ele se pergunta o que é a ‘saúde mental’, o que é a ‘normalidade’, como adaptar o trabalho ao homem. E ‘confrontando’ esses questionamentos téoricos com os resultados das pesquisas de campo que Dejours abre um campo epistemológico inovador. Neste sentido a reconstrução teórica de Christophe Dejours defende a ideia que o ‘Trabalho’ é ambivalente para o trabalhador: ele tem uma função estruturante na vida soma-psíquica do trabalhador. Mas o trabalho tem também um poder deletério: ele pode ser pernicioso para a saúde do trabalhador. É a função ambivalente do trabalho. O centro de interesse é voltando então para as questões sobre a normalidade do trabalhar. É nesse aspecto que a teoria psicodinâmica do trabalho inova não somente na França como também no Brasil: falar da normalidade do ‘Trabalho’, da normalidade do se sentir ‘desgaste’, da normalidade da ‘loucura do trabalho’ é abri caminhos para tomadas de consciência, individual ou coletiva, inesperadas sobre o prazer/e ou sofrimento humano na vida do trabalhador quotidiano. Existe igualmente tomadas de consciência que emergem sobre o que está em jogo no prazer/e ou no sofrimento vividos dentro no ‘mundo do trabalho’. O MODELO DO ‘HOMEM’ COMO TEMA DE ‘CONFRONTAÇÃO’ Em geral, todo movimento científico tem um A psiquiatria e a psicanálise trabalhavam com interesse sobre o “homem” como objeto de estudo. um modelo do homem enfatizando uma estrutura O termo ‘homem’ é utilizado aqui como sendo o autorreflexiva dividida em sistemas ou instâncias: ser humano, ou seja, o indivíduo sem distinção pré-consciente, inconsciente, consciente. Essa sexual ou étnica. As expressões concepções e as estrutura fixa a coexistência do Eu, do Superego ideias formadas acerca do ser humano na época e do Isso. A ergonomia trabalha com o modelo do da criação da psicodinâmica na França são ricas e ‘operador’. Porém esses modelos do homem nem variadas. sempre são presentes na percepção imediata que o indivíduo tem dele mesmo. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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Cristophe Dejours parte dessas constatações. Ele questiona-se sobre um modelo do homem capaz de estudar a relação existente entre ‘homem-trabalhosaude’. Um dos ‘resultados’ desses questionamentos é incorporados no modelo do ‘sujeito’ que defende a psicodinâmica do trabalho. O ‘sujeito’ que postula Christophe Dejours é o ser humano dotado de inteligências. Inteligências se escrevem aqui no plural. Isso significa que o sujeito possui: inteligência como competência fisiológica (saber corporal). Inteligência como competência cognitiva (saber representativo, de desenvolvimento, de manter-se e de saber utilizálos como formas de conhecimentos). Inteligência como ser de liberdade. O sujeito dejourniano é um ser de competência. Ele é capaz de aceder a inteligibilidade, ou seja, ‘a compreensão das coisas ou das situações’ (o saber das coisas) do mundo e de agir em consequência. Isso quer dizer que o modelo do homem que defende a psicodinâmica do trabalho é o do ser racional. O sujeito age em ‘função de uma razão’. Para compreender o que está em jogo no ‘Trabalho’ e na ‘saúde mental’ do sujeito trabalhador, o psicólogo clínico necessita analisar esses dois pilares paradigmáticos da psicodinâmica do trabalho. Uma grande parte do trabalho do psicólogo clínico do trabalho é de penetrar nessas zonas enigmáticas que existem nessa relação ontológica. Ou seja, a relação que existe entre ‘mundo do trabalho’, ‘sujeito’ e os ‘outros’ trabalhadores. Cada palavra, cada gesto (explícitos ou implícitos), cada pensamento produzido pelo indivíduo trabalhador tem uma carga significativa, ou seja, tem uma mensagem enigmática. Em resumo, seria nesse processo de apreensão do caráter significativo do ‘trabalho’, da ‘saúde’ e do ‘sujeito’ trabalhador que o psicólogo clínico do trabalho compreende o que está em jogo nas singularidades do ‘mundo do trabalho’. Assim, a visão antropológica do sujeito na psicodinâmica do trabalho abre um novo campo de pesquisa sobre o modelo do homem. O centro gravitacional da pesquisa de campo revela-se então tridimensional. Ela parte de um fato empírico, ou seja, que o trabalho seja a causa de descompensações patológicas, de doenças no mundo do trabalho, isso é um fato irrefutável. Mais que fazem os sujeitos para viverem com essa ‘loucura no trabalho’, ou seja, como fazem os trabalhadores para fazer face a essa ‘loucura do trabalho’? Com essa questão, ou seja, se interrogando sobre a normalidade da ‘loucura’ vivida dentro ‘do trabalho’, a ‘loucura’ e o ‘trabalho’ tornam-se enigmáticos. Dejours se opõe a ideia de um ‘sujeito’ trabalhador egocêntrico, ou seja, de um sujeito 18
narcisista, em relação autorreflexiva, solitário, agindo em função de seus próprios interesses pessoais. O sujeito dejourniano age de forma reflexiva e autorreflexiva. Autorreflexividade implica que tudo que o sujeito faz, produz, é em coerência com ele mesmo, com o ‘mundo do trabalho’ dentro do qual ele vive. É reflexividade no sentido que o sujeito é em relação com os ‘outros’ sujeitos trabalhadores e que os mesmos estão em relação com o ‘mundo do trabalho’. Nessa abordagem tridimensional, o sujeito é em situação real de trabalho e na relação com os ‘outros’ trabalhadores. A questão central é então de saber como fazem os sujeitos trabalhadores para viverem com essa ‘loucura do trabalho’ e tudo isso trabalhando ‘normalmente’? Dejours chega à conclusão que o ‘desgaste’ ou a ‘loucura’ seria o resultado de um ‘compromisso’ entre o ‘sofrimento’ causado pelo ‘desgaste’ ou a ‘loucura do trabalho’ e as estratégias individuais ou coletivas construídas para lutar contra essa ‘loucura’ produzida pelo ‘trabalho’. A psicodinâmica do trabalho tenta entender a ação diária da ‘loucura do trabalho’ na vida dos sujeito(s) trabalhador(es) nas situações de trabalho. A visão do sujeito de Dejours é instrutiva. Porém dentro da questão sociocultural me paresse que o paradigma do sujeito teria que estar aberto aos pressupostos da categoria mediação sociocultural, e, dos direitos universais do homem. De fato, os direitos universais do homem fazem parte integrante do conhecimento, do saber de nosso mundo social e do mundo do trabalho. No mundo social considera-se que todo indivíduo tem o direito ‘ao reconhecimento de sua pessoa jurídica’. Ou seja, direito à individualidade como também ‘direito de expressão’. Durante os dias 22 a 26 de maio de 2000, na sede da ONU em Nova Iorque, occorreu um evento histórico: o ‘Millennium Fórum’. Em seu discurso de abertura ao Fórum do Milênio, Kofi Annan retoma o convite que dirigira em 1999 ao Fórum econômico de Davos onde se propunha ‘a adesão a certos valores essenciais no domínio das normas de trabalho, dos direitos do homem e do meio ambiente’ dentro de um ‘pacto econômico mundial’. Considerar e estabelecer laços dessas novas ‘realidades’ sociais com os numerosos intrumentos elaborados pela psicodinâmica do trabalho são, de meu ponto de vista, necessários. Existe na abordagem tridimencional do ‘sujeito’ a questão da individualidade. De meu ponto de vista é nessa questão da individualidade do sujeito que encontra-se componentes socioculturais implícitos que se exprimem ou não. Seria na noção de direito como capacidade pela qual o sujeito ou indivíduo pode expressar uma disposição que, do Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
meu ponto de vista, é o ato fundador do direito às individualidades e às expressividades. Enquanto que sem direito o homem ou o sujeito é destituído da sua individualidade, condenado à inexpressividade. A inteligibilidade viria ao psicólogo clínico do trabalho não tanto da conduta expressiva do ‘sujeito’ trabalhador, nem tão pouco de sua motivação, mais do sentido que o sujeito ou indivíduo trabalhador daria à sua reinvidicação expressiva. Ou seja, é
o fato de comunicar, de colocar um ‘outro’ em relação com suas reinvidicações de sujeito ou de indivíduo trabalhador que produz uma atitude expressiva. Essa atitude expressiva faz referência a racionalidade subjetiva que é em coerência ou não com sua história de vida. E ela que da ou não acesso à conhecimentos, à esfera de valores e à saberes específicos existentes dentro de tradições socioculturais do ‘mundo do trabalho’.
MÉRITOS E LIMITAÇÕES DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO As reflexões apresentadas aqui induzem à palavra no espaço público faz parte de uma aos seguintes resultados. Depois dos anos 80, realidade histórica. De fato, no início do século XIX, a psicodinâmica do trabalho se desenvolve não o saber implicado nas questões sobre a pobreza, a somente na França como também a através do exclusão, a proteção social e a saúde da população mundo. Nas tradições epistemológicas modernas, em grande precariedade fazem incursão na vida o movimento teórico e metodológico se constitui pública francesa dando nascimento ao movimento como um saber científico. No Brasil, o movimento ‘hygiéniste’ (higienista) francês. O psiquiatra e a metodologia encontraram certa ressonância no Esquirol foi um dos criadores da ‘ligue d’Hygiène meio acadêmico, entre pesquisadores técnicos de mentale’ (liga de Higiene mental). vários domínios das Ciências Sociais e Humanas. Entretanto, na vida pública brasileira essa Mas a questão que se coloca é de saber se mesma dinâmica sociocultural existe. Na mesma esse conhecimento científico abre novos caminhos época o espaço público brasileiro era ocupado pelas para a compreensão da especificidade histórica mesmas problemáticas e os mesmos temas tinham do ‘mundo do trabalho’ brasileiro? Se existe um o direito à palavra. conhecimento, uma referência teoria e prática da De fato, o Brasil do século 19 vive as mesmas psicodinâmica do trabalho no Brasil, qual é então o preocupações francesas com a saúde pública. No seu significado no mundo social como também no solo brasileiro, esses temas investem as discussões mundo do trabalho brasileiro de hoje? sobre a exclusão social das populações pobres, Dentro de nosso contexto, e, como psicólogo da vida dos ‘cortiços’ e das ‘senzalas’ brasileiras. clínico do trabalho franco-brasileiro essas questões Esses temas dão existência a debates públicos apresentam um interesse particular. Elas permitem sobre a questão da escravidão. Sabe-se que o tema a abertura de um espaço sociocultural interno da escravagem coloca na cena pública brasileira ao ‘mundo do trabalho’. De fato, a análise da a condição desumana e miserável dos escravos contextualização sociocultural da psicodinâmica indígenas, de origem africana e afro-brasileiros. do trabalho francesa mostra que ela se edifica nas Ela coloca igualmente em questão à exploração do ‘confrontações’, nos ‘diálogos’ epistemológicos que ‘trabalho escravo’. ela encontra nas constatações socioeconômicas. A O século é marcado pelas relações políticas tensas força da psicodinâmica do trabalho francesa é do entre conservadores e liberais. Os conservadores direito à palavra. Esse direito se aplica na conquista apoiados pelos representantes dos proprietários de do espaço que o movimento téorico e metodológico escravo eram contra o voto de um projeto de lei epistemológico conquistou na França. visando por fim a escravidão. Enquanto os liberais Na ‘confrontação’ e no ‘diálogo’, o movimento apoiados pelos abolicionistas conseguiram levar em encontrou um espaço público onde forças inovantes frente o projeto e assim obter a votação e por fim e forças tradicionais estáveis ou contraditórias se a escravidão no Brasil. apropriam de uma história sociocultural, de uma Entre o movimento higienista francês e o epistemologia, de valores e ideologias veiculadas movimento abolicionista brasileiro existe certas pelo ‘mundo do trabalho’ francês. O movimento convergências: o primeiro releva o problema psicodinâmico do trabalho francês seria o ‘resultado’ da pobreza, da proteção social e da saúde da de um compromisso entre forças conservadoras população que vive em grande precariedade na e inovantes específicas do mundo do trabalho França. Enquanto o segundo releva a questão da francês. pobreza, da exclusão social dentro da população Mas o direito à palavra seria uma especificade escrava vivendo no Brasil. sociocultural francesa? Vale a pena ressaltar que Fala-se então no espaço público brasileiro dentro da tradição sociocultural brasileira o direito do ‘trabalho intenso’, ‘regular’ e ‘compulsório’ Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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praticado pela população em grande precariedade como aquelas que vivem na condição de escravo. Fala-se do ‘sofrimento’ dessa mão-de-obra. O ponto comum entre essas duas tradições socioculturais é o direito à palavra desses problemas dentro do espaço público. Dessa maneira o direito à palavra e o direito à expressão são dois elementos que constituem a especificiade sociocultural francesa e brasileira. Eles me parecem importantes pois trata-se de dois vetores inibidores, conjurantes da passagem ao ato de impulsões violentas individuais e mesmo coletiva que se revelam na ‘flexibilização’, na ‘precarização’, na ‘terceirização’, na ‘livre concorrência’, etc., que afetam diretamente o ‘mundo do trabalho’ brasileiro. A questão a ser colocada aos seguidores da psicodinâmica do trabalho no Brasil é de saber:
onde encontra-se essa tradição do debate público, da ‘confrontação’ e da ‘discussão’ dos problemas relevantes do mundo do trabalho brasileiro de hoje? Onde fala-se sobre o ‘Trabalho’, sobre a ‘Saúde’ ou sobre a condição do ‘Homem’, ou seja, do Ser Humano trabalhador brasileiro dentro da sua especificidade histórica e social profissional? Do meu ponto de vista, o desafio da psicodinâmica do trabalho brasileira é justamente de proceder à um processo dos conhecimentos relacionados com a ‘saúde’, à experiência dos ‘indivíduos’ dentro da especificidade histórica sociocultural do ‘mundo do trabalho’ brasileiro. De maneira à ‘confrontá-los’ e ‘discutí-los’ abrir possibilidades à livre expressões sobre ‘a loucura do trabalho’. A livre expressão não seria aí uma forma de integrar o trabalhador brasileiro no espaço público e social do trabalho?
CONCLUSÃO ‘Compreender’ um movimento teórico como o da psicodinâmica do trabalho tem muito a ver com a estrutura etimológica da palavra: compreender deriva imediatamente da raiz latina ‘cum/com’ e da palavra ‘apprehedere/apreender’. Compreender um movimento teórico ou metodológico que existente dentro da psicologia do trabalho é exumar um pouco a sua história, o seu contexto sociocultural. Compreender onde esses fênomenos se inseram. Compreender as forças produtivas que os compõem. Estabelecer ligações com conhecimentos implica uma tomada de consciência, construir passagem entre instrumentos teórico e metodológicos utilizados nos contextos de uma intervenção, ou seja, em uma ação no ‘mundo do trabalho’. Essa tomada de consciência é fundamental na prática da psicologia do trabalho em nosso mundo moderno. Agir de uma maneira coerente e responsável com os nossos conhecimentos é sem duvida um caminho à percorrer em toda prática Profissional e não somente do psicólogo do trabalho ou daquele que pratica a psicodinâmica do trabalho. No entanto se a contribuição da obra e do trabalho de Christophe Dejours é inegável para o desenvolvimento da disciplina não somente na França como também no Brasil, não se pode negar que existe no Brasil um consenso, uma ausência de discussão crítica em torno desse movimento epistemológico. Esses consensos são característicos pelo um acordo entre uma visão ordenada e progressista do ‘bem fundado’ de um movimento epistemológico sem que se faça um esforço de apropriação por meios reflexivos da relação, das situações passarelas que existem em toda situação sociocultural. É sem dúvida por essa razão que expressivos como ‘ouviu-se falar’, ou seja, as percepções auditivas induzem o pensar a existência de alguma coisa como a ‘psicodinâmica do trabalho’ mais essa percepção é deslocada do contexto, do referencial sociocultural. Ora, a contextualização e o referencial sociocultural são ao centro de toda inteligibilidade das coisas existentes no mundo. Enquanto na França o movimento e a metodologia se alimentam dos debates, das reflexões críticas e autocríticas que se materializam nas produções do trabalho de campo. Nota-se que nesse aspecto, o consenso das produções brasileiras são incorporados sem nenhuma revisão crítica do que faz a especificada tradicional do ‘mundo do trabalho’ francês e as especificidades do mundo do trabalho brasileiro. AUTOR | Fernandes de Andrade | Franco-brasileiro, trabalha e mora em Paris desde 1983, psicólogo clinico formado pelo Conservatoire des Arts e Métiers (CNAM) de Paris, psico-sociólogo formado pela Ecole de Hautes Etudes en Science Sociales (EHESS). Autor de vários estudos sobre a questão intercultural para à Mairie de Paris. Atualmente trabalha para France Télévision onde exerce como consultante na área clínica de desenvolvimento professional. Ministra regulamente palestras e cursos na França e no Brasil nas áreas da interculturalidade dentro do desenvolvimento profissional. Email: fernand.joseph. deandrade@wanadoo.fr
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PSICOLOGIA JURÍDICA
REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL uma pena de morte velada D iante do espelho, onde, o indivíduo, no desespero em ver-se no outro, encontra como possibilidade em alienar-se de si mesmo, as mais atrozes práticas de segregação e elaborações maniqueístas, gerando o discurso frágil, mesmo dotado de argumentações que estejam amparadas na ética, cria como forma em defender, não somente seus interesses, mas, satisfazer a ordem sobreposta à desordem que ele próprio cria, e, para tal, adota e elabora suas razões fundamentadas na exclusão, no castigo, na anulação e nas mais variadas estruturações de mortes veladas. Não estamos, mesmo que cronologicamente, distantes das diversas formas em fazer desaparecer diante dos nossos olhos aquilo que, na idade média, recorria aos métodos de banimento psicossocial, onde, eram lançadas por detrás dos muros, as mais variadas formas de manifestações, desde o que denominavam por loucura, por senilidade, por incapacitação física, por homosexualidade, por delinquência, por prostituição e, até mesmo, a multidiversidade sócio-histórico-cultural. Estamos frente, não muito diferentemente, aos métodos aplicados em Bicetrê, ou Salpêtrière, ou em Howard, mas, recriando os mesmos espaços dentro de novas formas, não apenas na ilusória tentativa em fazer um mundo correcional, entretanto, além disso, um campo onde exista uma jurisprudência que destitua a responsabilidade do Estado ao que ele próprio cria quanto às relações de poder com os variados grupos, entre eles, o das nossas crianças e adolescentes relegados, não ao esquecimento, pois, muitos que lembram-se de suas existências, nada mais fazem, senão, imputar os superficiais juízos de valores fundamentados na ordem condenatória, como se a mesma fosse fazê-los desaparecer diante
dos olhares que não os suportam, criando assim, modelos de expiação para tentar “reorganizar um novo mundo ético, novas linhas de divisão entre o bem e o mal, o reconhecido e o condenado, e o estabelecimento de novas normas na integração social.” (Michel Foucault) O uso da moral condenatória, da inútil tentativa em criar “um herói nacional”, deseja estabelecer aos nossos meninos e meninas (adolescentes), a farsa da redução penal, e isso nada mais seria, senão, uma pena de morte velada, afinal, o sistema prisional não passa disso, e, possivelmente, ao Estado conservador, independente de seus viéses doutrinários, torna-se mais fácil trancar a gaveta com as chaves dentro das mesmas, evitando, contudo, investir em novos modelos sócioeducacionais. Parece-me que, os que aí estão, ainda que apresentem-se com roupagens novas e “engomadinhas” propostas, continuam sendo, não um modelo de educação, mas sim, de segregação e exclusão. Condenar um adolescente ao sistema prisional consiste em investir, não em sua “reinserção, mas sim, num rito sádico em sua total aniquilação psíquica. Seria o eliciador sem retorno de diversas psicopatologias. Além do mais, eles teriam que criar um corpo imaginário sobre aquele que possuem para, dessa maneira, defenderem-se, projetando em meio ao medo, estratégias que revelariam elevadas formas de agressividade. Assim eles procedem frente as ameaças existentes, afinal, estar debaixo do descaso, da fome, do medo em serem mortos, da extorsão, dos abusos, da gigantesca aparência da ameaçadora ambivalência da lei, pois essa, ao mesmo tempo que tem o discurso da proteção, os faz sentir o descaso pleno, cuja aplicabilidade não lhes diz respeito.
AUTOR| Marcus Antônio Britto de Fleury Junior CRP 09/4575 Psicólogo e coordenador do Atelie de Inteligência. E-mail: ateliedeinteligencia@gmail.com
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BENT
PSICOMOVIE
E A ABSTRATA NUDEZ DE SER UNICAMENTE HUMANO
D
urante o período que marcou a Segunda Guerra Mundial, muitos foram os relatos históricos que chegaram até nós sobre as atrocidades cometidas contra os judeus devido a obstinação de Adolf Hitler em promover uma limpeza étnica, transformando o império germânico numa raça pura, única e superior. Para tanto, como se sabe, Hitler mandou milhões de homens e mulheres para os campos de concentração, condenando-os a sobreviverem em condições desumanas, a trabalhos forçados, quando não, ao extermínio nas câmaras de gás. Muito se sabe sobre o que aconteceu aos judeus durante a Segunda Guerra através dos sobreviventes do holocausto, mas nos campos de concentração, não foram apenas os judeus que tiveram sua história tristemente marcada pela intolerância. Registros mostram que além deles, ciganos, presos políticos, imigrantes, intelectuais e homossexuais foram perseguidos, torturados e mortos por agentes da gestapo, em plena ascensão do nazismo. No que compete a este último grupo, não há estatísticas oficiais de quantos homossexuais foram exterminados nos campos de concentração - os arquivos também foram destruídos por soldados da SS, polícia nazista, mas estima-se que muito 22
mais de 50.000 pessoas tenham sido condenadas por "homossexualismo" e morrido das formas mais perversas. Uma boa oportunidade para ver parte dessa história ser contada é o filme “Bent” cujo roteiro de Martin Sherman foi baseado na peça homônima escrita por ele em 1978 e premiada com o Royal Court Theatre em Londres no ano seguinte. A peça já foi encenada em mais de 50 países, e por onde passa, tem ganhado prêmios por sua montagem tal como já aconteceu no Brasil. Quando a peça foi estreada, não havia praticamente nenhuma pesquisa acadêmica nem informação pública sobre a perseguição aos homossexuais durante a Segunda Guerra Mundial pelos nazistas, nem muito menos sobre a destruição do “Institut für Sexualwissenschaft” (Instituto para o Estudo da Sexualidade) em Berlim. O filme é dirigido por Sean Mathias e tendo nos personagens principais os atores Clive Owen (Max), Lothaire Bluteau (Horst) e Brian Webber (Rudy), excelente em seus personagens, cujo título refere-se ao termo que em alguns países da Europa se utiliza para referir-se aos homossexuais. “Bent” conta a história de um amor entre dois homens em pleno campo de concentração. A história se passa no início da década de 30, em plena Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
“A vida traz em si mesma o sonho – ou o pesadelo – da sobrevivência” Giorgio Agamben
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ascensão do nazismo e do Terceiro Reich, onde começa uma perseguição contra "o amor que não ousava dizer seu nome", para relembrar a expressão do escritor inglês Oscar Wilde. Na história, a dor e a humilhação de ser homossexual, a perseguição, o desespero, as torturas e a morte nos campos de concentração estão todos lá, postos a nú para qualquer um ver. Mas na história de “Bent” há também momentos de puro encanto, beleza, magia, paixão, ternura e amor quando homens lutam para defender seus sentimentos, não se rendendo as atrocidades realizadas pelo nazismo. A história de “Bent” pode ser dividida em duas partes. Na primeira, somos introduzidos na Berlin dos anos 30, através de um jovem casal, Rudy e Max, que sobrevivem indiferentes às atrocidades cometidas pelos soldados da gestapo contra os judeus, quando suas vidas são postas à prova. Na noite em que Max decide levar para casa um soldado nazista que conhecera num famoso cabaré frequentado pela comunidade gay de Berlim, Hitler decide acabar com todos os judeus e "pervertidos sexuais" da cidade, incluindo aqueles que tinham ligações com altas patentes da SS, sobretudo, os frequentadores do cabaré de Greta (Mick Jagger), na noite em que ficou conhecida como sendo a "Noite dos Cristais Roxos". Berlim vira um caos, e os soldados vão até a casa de Max e Rudy, em busca do soldado alemão, matam-no, mas deixam escapar o jovem casal, dando início a uma perseguição e fuga sem precedentes. Tempos depois, eles são presos e levados para o campo de concentração de Dachau. Na viagem, após o bárbaro assassinato de Rudy, Max conhece Horst, um jovem que também está sendo enviado ao campo de concentração, condenado por "homossexualismo" após assinar um panfleto em defesa dos direitos dos homossexuais, e com quem Max desenvolverá uma amizade e, posteriormente, virá a se apaixonar. Obrigados a carregarem pedras de um lado para o outro, sem poderem se falar, sem poderem se olhar, sem poderem se tocar, sob a ameaça de serem sumariamente assassinados, eles vão descobrir o amor um pelo outro. De modo geral, sabemos muito pouco sobre o que aconteceu aos homossexuais dentro dos campos de concentração durante o nazismo. “Bent” nos dá uma pequena amostra do que foi a barbárie desse sistema de governo, do horror da intolerância, da destituição do status de sujeito e cidadão, da banalização da vida humana em tempos em que o Brasil amarga o peso de ter aumentado em 30% o número de assassinatos a homossexuais durante o ano de 2007, segundo estatísticas oficiais 24
divulgadas pelo Grupo Gay da Bahia e publicada pelo Jornal Folha de São Paulo. “Bent” também é o que restou de uma triste história para ser contada: uma história de luta e de sofrimento, mas também uma história de resistência, de quem pôs a prova os limites humanos para sobreviver e viver a todo custo. É importante que se relembre que, de acordo com a filósofa Hannah Arendt, que se debruçou exaustivamente ao analisar os sistemas totalitários, a genealogia do nazismo operava de modo a transformar a natureza humana em algo abjeto dentro dos campos de concentração. Havia lá uma fabricação de uma espécie humana semelhante aos outros animais. Produziam-se cadáveres vivos, através da aniquilação jurídica da pessoa moral do indivíduo e da identidade pessoal, eliminando sua espontaneidade, dando lugar a uma sociedade de moribundos, a uma sociedade de mortosvivos (também chamado de muçulmanos) ou de indivíduos privados totalmente de sua vida e até mesmo de sua morte, categorias essas que foram esvaziadas de sentido. É preciso ainda que se diga que nesse tipo de sistema, os indivíduos foram reduzidos à mera natureza humana, ao simples fato biológico, à vida nua, nas palavras do filósofo italiano Giorgio Agamben, ou até mesmo àquilo que Hannah Arendt descrevia como sendo "a abstrata nudez de ser unicamente humano". Bem entendido, "vida nua" aqui é denominada aquela vida destituída de qualquer valor, é a vida que pode ser matável sem que ninguém seja responsável pela sua morte; é uma vida na qual um indivíduo ou grupo de indivíduo pode ser exterminado, banido da face da terra sem que ninguém sofra punição; é a completa destituição do estatuto de sujeito de direito e de dever, na qual a pessoa é despida de sua maior condição, qual seja, a de ser exatamente um indivíduo e daquilo que o distingue do resto dos animais: a sua condição de ser unicamente um “ser-humano”. Neste caso, o horror e o grito mudo, desesperado e pungente de Max frente à morte do seu companheiro é a cena exata que traduz o horror do nazismo. Naquele mundo, o horror pode existir, mas ele tem de permanecer calado, vedado, não pode ser mostrado, exibido, ouvido. O grito, assim como o horror, tem de ser mudo! “Bent” também serve para nos mostrar que o horror do nazismo e a violência cometida contra esse e outros grupos ainda não está extinta, nem é apenas uma página virada da nossa história. Ela permanece viva nas estatísticas oficiais e oficiosas que nos mostram todo o horror de um grupo que ainda não aprendeu a ser respeitado no que se Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
refere a sua dignidade humana. Nós reconhecemos a violência, mas não estamos impassíveis diante dela! Entre os pontos altos do filme, destaco três cenas de grande impacto e que representa toda a abjeção que os prisioneiros dos campos de concentração durante a Segunda Guerra sofreram: A primeira é aquela em que Max descreve o que precisou fazer para conquistar a “estrela amarela” no seu uniforme. A estrela amarela designava os judeus nos campos de concentração e o “triângulo rosa” designava os homossexuais. Ser portador de um triângulo rosa significava estar no mais baixo escalão dos prisioneiros dos campos de concentração. Os homossexuais naquela época eram considerados como lixo, a escória da humanidade, podendo ser humilhados e torturados tanto por soldados quanto por seus companheiros prisioneiros. Pois bem, para provar que Max não era homossexual, os oficias obrigam-no a fazer sexo com o cadáver de uma menina de treze anos, morta pelos oficiais da SS. "Não me toque!", grita Max para Horst ao querer confortá-lo, com nojo de si mesmo. "Eu sou podre!", continua ele. A segunda é a antológica cena de amor e sexo entre Max e Horst que faz com que “Bent” seja reconhecida no teatro e no cinema. É uma cena de um lirismo ímpar e de uma sensibilidade esmerada nunca antes vista. De igual modo é a cena em que Max tenta aquecer Hosrt em pleno inverno alemão. Finalmente, a cena mais forte do filme, de grande apelo dramático, estético e carga emocional, na qual Max pela primeira vez abraça Horst em meio a um choro e um grito de horror, que pouco a pouco vai dando vazão a um clamor no peito de um homem que reconhece o seu sofrimento e o seu amor diante da bestialidade do nazismo: “Assim eu posso ficar abraçando você, assim eles vão ter que
deixar eu te abraçar”. E reconhece, absorto em suas lágrimas: “É a primeira vez que eu tenho você em meus braços (...)”. Finalmente, o reconhecimento do sentimento nascido em um mundo onde o amor era o último dos sentimentos que poderia brotar naquele solo: “Sabe de uma coisa, eu acho que eu amo você. Não conta para ninguém, mas eu também amei um rapaz, mas não lembro mais o nome dele”. Seguido de uma pergunta que levamos conosco para casa, propositadamente para nos fazer pensar acerca da natureza humana: “Eu amo você, e o que há de errado nisso?". É lirismo puro! É dor! É sofrimento diante da abjeta crueldade do nazismo. É realidade nua e crua de um povo que sofreu o horror por ter seu desejo esmagado diante da brutalidade e loucura de um homem que inflamou multidões com seu discurso maníaco. Mas também é o mais puro sentimento da uma alma de um povo que, assim como os judeus, sofreram todo o horror da perseguição dos nazistas e continuou sobrevivendo à duras custas, mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial, pois os homossexuais presos nos campos de concentração continuaram a serem tratados como criminosos e pessoas de menor valor até 1968 na Alemanha Oriental, e até 1969, na Alemanha Ocidental. “Bent” é uma ótima oportunidade para aprender sobre a nossa "natureza humana". É um momento para olharmos para dentro de nós mesmos e vermos o que fomos capazes de fazer com seres demasiadamente humanos. É, na verdade, um exercício de introspecção pouco visto no teatro ou no cinema. Todo aquele que tiver um mínimo de sensibilidade e comprometimento ético para com o ser humano, está intimado a conhecer essa história que se não nos fizer pensar, ao menos serve de alerta para que o horror do nazismo jamais volte a acontecer.
PARA SABER MAIS AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Universitária, 1987. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1989. PLANT, Richard. The Pink Triangle: The Nazi War Against Homosexuals. New York: Henry Holt and Company, 1986. AUTOR Sergio Gomes da Silva | CRP 05/38428 Mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ; Membro do Fórum do Instituto de Estudos da Complexidade (IEC); Psicoterapêuta da Clínica do Social do IEC; Pesquisador do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Tanatologia e Subjetividade da UFRJ (NEPTS); Especialista em Direitos Humanos pelo Dpto. Filosofia/UFPB; Especialista em Sexualidade Humana pelo CE/UFPB; Psicólogo Clínico Graduado pela UFPB. Email: sergiogsilva@uol.com.br. Site: sergiogsilva.sites.uol.com.br | Blog: sergiogsilva.blog.uol.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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COMPORTAMENTO
PSICOLOGIA DO TRÂNSITO AVALIANDO O COMPORTAMENTO HUMANO PELA VIDA
Este artigo aborda a interação entre a Psicologia do Trânsito e a contribuição que a mesma faz em função de um construir um trânsito mais humano e seguro. A preocupação de quem atua na área do trânsito para com as práticas de valores, conscientização e responsabilidade no ato de dirigir tanto com a disseminação de informações e esclarecimentos acerca desse fenômeno. O profissional de Psicologia do Trânsito usufrui de instrumentos como testes psicológicos, observação e entrevista que auxiliam no momento de analisar as características psicológicas compatíveis com a capacidade de dirigir. O psicólogo do trânsito não tem dimensão do vasto campo que se tem para trabalhar na área do trânsito, e quanto sua atuação é importante nesse processo.
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A
Os testes psicológicos
Psicologia de Trânsito de aferição de dados e dimensionar teve início em não consistem numa esse conhecimento (ALCHIERI & meados do século XX, CRUZ, 2003). aproximadamente em exemplar neutralidade Em outra ótica, avaliação 1920, conforme afirmam Hoffmann, psicológica é um conjunto de Cruz e Alchieri (2003). Foi nos e eficácia em 100% nos procedimentos para a tomada de últimos anos da década de 1950 e no informações de que se necessita seus resultados, mas começo dos anos 1960, porém, que e não deve ser entendida como a psicologia do trânsito começou a um momento único em que um isto não implica que se desenvolver. Enquanto diversos instrumento poderia ser suficiente os mesmos devam ser para responder às questões países do mundo, como Inglaterra, Finlândia, Áustria, Holanda, Suécia, relacionadas ao problema que se dispensados. França, Canadá e Estados Unidos, pretende investigar (GUZZO, 1995começaram a estruturar centros de 2001, p.157). pesquisa para estudar essa área e o comportamento Um dos procedimentos desse conjunto na humano nesse contexto, no Brasil pouco foi avaliação psicológica que falaremos um pouco desenvolvido (Alchieri & Stroeher, 2002). é a entrevista, instrumento fundamental e A Psicologia contemporânea parece confundir- obrigatório conforme prevê resolução em vigor, se com a aplicação dos testes e, em alguns casos, porém sua utilização está sendo deixada de lado julga-se que, sem esse tipo de instrumento, o pelos profissionais da área. Muitos desprezam esse psicólogo não seria capaz de fazer qualquer instrumento, mais por não saber ou não querer afirmação científica do comportamento humano. utilizá-los do que a partir do seu conhecimento. Talvez seja pelo fato das ciências serem conhecidas por suas técnicas que lhes permitem aplicações e A entrevista psicológica sofreu algumas resultados visíveis. Assim, como o público tende a modificações no início do século XIX, quando ver os antibióticos como capazes de curar todas predominava o modelo médico. Naquela época, as infecções, por analogia, também à considerar Kraepelin usava a entrevista com o objetivo de os testes como recursos infalíveis para conhecer as detalhar o comportamento do paciente, e, assim, pessoas e suas aptidões. poder identificar as síndromes e as doenças No entanto, assim como o médico é obrigado a específicas que as classificavam segundo a conhecer a potencialidade dos remédios e a levar em classificação das doenças, vigente. Enquanto conta suas contra-indicações, da mesma forma o isso, Meyer, psiquiatra americano, se interessava psicólogo deve saber, não apenas as vantagens dos pelo enfoque psicobiológico (aspectos biológicos, testes, mas, também os limites de sua utilidade e históricos, psicológicos e sociais) do entrevistado. validade. Do contrário, correrá o risco de apresentar A partir de Hartman e Anna Freud o interesse diagnósticos falsos ou deformados, pois estariam da entrevista se deslocou para as defesas do baseados em resultados falhos e incompletos. paciente. Isto é, a psicanálise teve sua influência Os testes psicológicos não consistem numa na investigação dos processos psicológicos, sem exemplar neutralidade e eficácia em 100% nos seus enfatizar o aspecto diagnóstico, antes valorizado. resultados, mas isto não implica que os mesmos Nos anos cinquenta, Deutsch e Murphy devam ser dispensados. Desde que atendidas as apresentaram sua técnica denominada Análise pré-condições de sua aplicação, e que o psicólogo Associativa que considerava importante registrar examinador tenha conhecimento, domínio da não somente o que o paciente dizia, mas, também, aplicação e da avaliação, os testes se instalam como em fornecer informações sobre o mesmo. Desse referencial que elimina boa parte da “contaminação” modo, desviou-se o foco sobre o comportamento subjetiva das suas percepção e julgamento. É psicopatológico para o comportamento dinâmico. importante ressaltar a condição dos testes como Ainda nesta década, Sullivan concebeu a entrevista mais um recurso que auxilia o profissional na como um fenômeno sociológico, uma díade de compreensão e fechamento das considerações a interferência mútua. respeito de um examinando, complementando Após este período, a entrevista e o Aconselhamento assim outros instrumentos da avaliação psicológica, Psicológicos se deixaram influenciar, entre outros, como a entrevista direta. por Carl Rogers, cuja abordagem consiste em centrar O conceito de avaliação psicológica é amplo, se no paciente. Ou seja, em procurar compreender, refere ao modo de conhecer fenômenos e processos de acordo com o seu referencial, significados e psicológicos por meio de procedimentos de componentes emocionais, tendo como base a sua diagnósticos e prognóstico, para criar as condições aceitação incondicional por parte do entrevistador. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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DEFINIÇÃO DE ENTREVISTA PSICOLÓGICA uma avaliação na renovação dessa concessão, ou A entrevista psicológica é um processo seja, participar de todo acompanhamento na vida bidirecional de interação, entre duas ou mais do sujeito enquanto portador de uma concessão pessoas com o propósito previamente fixado no para circular com veículo automotor no ambiente qual uma delas, o entrevistador, procura saber o que onde é necessária uma responsabilidade com ele e acontece com a outra, o entrevistado, procurando com o outro. agir conforme esse conhecimento (WIENS apud A sociedade não tem uma cultura de NUNES, In: CUNHA, 1993). Enquanto técnica, segurança, não existem hábitos de prevenção. Aos a entrevista tem seus próprios procedimentos poucos o país está engatinhando num processo empíricos através dos quais não somente se amplia de desenvolvimento, mas é necessário reforçar os e se verifica, mas, também, simultaneamente, costumes da educação, dos valores e da ética. Todos absorve os conhecimentos científicos disponíveis. podem contribuir com o processo educativo, mas é Nesse sentido, Bleger (1960) define a entrevista necessário o papel do psicólogo nesse meio, como psicológica como sendo “um campo de trabalho facilitador, resgatando os conceitos necessários, para no qual se investiga a conduta e a personalidade que estes possam ser compreendidos e seguidos. de seres humanos” (p.21). Uma outra definição A psicologia do trânsito vem a contribuir com a caracteriza a entrevista psicológica como sendo construção de um trânsito mais humano, seguro, “uma forma especial de conversão, um método partindo de valores que preservam e respeitam a sistemático para entrar na vida do outro, na sua vida humana. intimidade” (RIBEIRO, 1988, p.154). Enfim, Gil Nessa linha de raciocínio vimos à necessidade (1999) compreende a entrevista como uma forma de de adotar comportamentos que colaborem com a diálogo assimétrico, em que uma das partes busca redução de acidentes e com a harmonia de todos coletar dados e a outra se apresenta que convivem no espaço público. como fonte de informação (p.117). Adotar comportamentos No processo de obtenção a a entrevista é uma saudáveis é agir de acordo com as CNH a entrevista psicológica tem normas impostas pela sociedade, de diálogo é saber viver em harmonia. Os por objetivo um prognóstico do forma candidato. Assim, faz-se necessário assimétrico, em que condutores de veículos automotores uma coleta de dados sobre a têm que estar cientes que as normas história do candidato, seu histórico uma das partes busca e regras de trânsito foram elaboradas escolar, familiar e profissional, coletar dados e a outra visando a organizar a circulação de seus motivos para a obtenção todos nas vias públicas, a fim de da habilitação, os indicadores se apresenta como evitar atritos, acidentes, colisões, de saúde/doença, aspectos da fonte de informação onde cada um tenha sua vez de conduta social, envolvimento em passar, ceder e contribuir com a infrações e acidentes de trânsito, segurança do ser humano. opinião sobre cidadania e trânsito e sugestões A avaliação psicológica pode colaborar para redução de acidentes. Todos esses dados são identificando comportamentos que podem gerar variáveis amplas para a aquisição de conhecimentos acidentes e imprudências no trânsito, como sobre o entrevistado. Apesar de nessa situação, passividade, competitividade, distração, egoísmo, dificilmente o psicólogo conseguirá aprofundar agressividade, medo, frustrações, angústias, a relação, o encontro permanece mais em nível insegurança, ansiedade, entre outros. Paralelo a formal e informativo do que espontâneo, criativo e isso, complementar com a ajuda dos profissionais da transformador. Isto não quer dizer que seja menos área do trânsito no sentido de educar, conscientizar válida ou mais superficial. e evitar situações de risco. Em contrapartida a Tanto o instrumento de testes psicológicos, esse trabalho, é necessária a iniciativa de órgãos quanto à entrevista é indispensável para analisar públicos para termos ambientes adequados para se se o candidato é portador naquele momento de comportar, como sinalização, calçadas adequadas, características psicológicas compatíveis com a faixas de pedestres, rotatórias, vias iluminadas, capacidade de dirigir. Ë importante o candidato estar acessos para portadores de necessidades especiais, ciente que ele está obtendo uma concessão para entre outras. Nessa ótica, a psicologia contribui para dirigir, sendo assim, não tendo comportamentos humanizar a cidade, com ambientes adequados adequados, essa concessão pode ser retirada. Tão para pessoas e não carros, priorizando o transporte importante quanto o trabalho da psicologia do coletivo, a acessibilidade, construindo espaços trânsito estar participando no processo e obtenção públicos com maior segurança para o convívio e da Carteira Nacional de Habilitação, quanto fazer circulação de todos. 28
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Os condutores de veículos automotores têm que estar cientes que as normas e regras de trânsito foram elaboradas visando a organizar a circulação de todos nas vias públicas... CONCLUSÃO A circulação humana é realizada no meio ambiente. O ser humano não apenas vive no ambiente, mas pertence a ele. Essa interação permite compreender a interface do ambiente, trânsito e psicologia. O ambiente do sistema de trânsito exige do participante algumas condições psicológicas fundamentais para o convívio. Uma das intervenções importante e ainda insuficiente dos profissionais de Psicologia é a educação para o trânsito. A educação para o trânsito é um compromisso social e político de todos os cidadãos, e é necessário criar estratégias de atuação na área da educação, tendo como objetivo contribuir com criações de atitudes, comportamentos e pautas de conduta da população alvo, seja condutor, pedestre ou passageiro. As ações de políticas públicas estão intimamente relacionadas às necessidades de articular conhecimentos produzidos com o comportamento humano. Para que essa integração aconteça, ações educativas são essenciais para a promoção da consciência cidadã em crianças, jovens, adultos e idosos, auxiliando na adaptação de comportamentos adequados e favorecendo a construção de responsabilidades coletivas para melhorar o relacionamento humano no trânsito.
Junto ao ato de educar, a disseminação da psicologia do trânsito com condutores de veículos automotores, aos pedestres e todos que utilizam de uma forma ou de outra a via pública, é fundamental, para compreender como reflete diretamente o comportamento humano nos acidentes de trânsito e de alguma forma no comportamento de infratores. Pesquisas mostram que noventa por cento dos acidentes é falha humana, sendo assim, o fator humano é objetivo de trabalho da psicologia do trânsito. O trânsito deve ser prioridade em todos os aspectos, enquanto isso o número de vítimas aumenta, as famílias desestruturadas com a perda de um ente familiar cresce e reflete na sociedade, as dificuldades de portadores de necessidades especiais em transitar e assim por diante. A Psicologia como ciência pode contribuir para o processo de conhecer e de produzir conhecimentos sobre os fatores que interferem na circulação humana, colaborando com a redução de acidentes, com um ambiente circular mais saudável, propiciando comportamentos adequados para preservação da vida.
REFERÊNCIAS Alchieri, J. C. & Stroeher, F. (2002). Avaliação Psicológica no trânsito: O estado da arte sessenta anos depois. Em R. M. Cruz, J. C. Alchieri & J. J. Sardá. (Orgs.). Avaliação e medidas em psicologia: produção do conhecimento e da intervenção profissional (pp. 155-170). São Paulo: Casa do Psicólogo. BLEGER, José. Temas de psicologia: entrevista e grupos. Trad. Rita M. de Moraes. São Paulo: Martins Fontes, 1960. CUNHA, Jurema Alcides e cols. Psicodiagnóstico-R. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999. GUZZO, R. S & PASQUALI, L. Laudo psicológico: a expressão da competência profissional. In: PASQUALI, L. (Org.) Técnicas de exame psicológico – TEP. Manual. Vol. I: fundamentos das técnicas psicológicas. São Paulo: Casa do Psicólogo / CFP, 2001. Hoffmann, M. H., Cruz, R. M. & Alchieri, J. C. (2003). Comportamento humano no trânsito. São Paulo: Casa do Psicólogo. RIBEIRO, J. Ponciano. Teorias e técnicas psicoterápicas. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1988. AUTORA Carina Duzioni Mengue | CRP 12/08106 Psicóloga formada na Universidade do Sul de Santa Catarina, Perita Examinadora do Trânsito, formada pelo ICETRAN/SC. Email: carina.psi@bol.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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ORGANIZACIONAL
TORRE DE BABEL
E A COMUNICAÇÃO “A Torre de Babel na História...”; “A Torre de Babel na vida Pessoal e Profissional...”; “A Torre de Babel na Organização...”; “A Torre de Babel no Mundo”. Esta representação está mais presente do que se imagina. Construir e edificar requer visão, determinação, disciplina e comunicação! Principal fator de produção, porque gera informação e constrói o conhecimento organizacional. TORRE DE BABEL? O que isso significa... ela realmente existiu? Por que a construíram? Será que acreditavam que chegariam aos céus e quebrariam os limites entre o humano e o divino, o profano e o sagrado, o céu e a terra... encontrariam a imortalidade? Por que será que essa história não se perdeu no tempo? Representa algum símbolo a ser decifrado? Qual é seu significado prático, como aprender com ela?
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m acadiano Babel significa Porta de Deus; E para os judeus significa confusão. Fazendo uma reflexão sobre, como se dá
a comunicação em nosso MUNDO INTERNO, percebemos o quanto consciente somos sobre nosso monólogo pessoal, nossos pensamentos e o que expressamos. Nossa comunicação se dá de forma verbal: o que é dito, a quem e com que efeito. Existe também a comunicação não-verbal que mostra através da expressão corporal como: o olhar, a atitude, o tom da voz. Quando há coerência entre o que pensamos e o que falamos, sentimonos integrados e vivenciamos um sentimento angustiante quando existe confusão. Numa analogia com a Torre de Babel, a confusão está instalada dentro de si mesmo, em sua própria casa. Gatilhos pessoais dão a resposta emocional imediata – descubra formas divertidas, autocrítica de contorná-las. A comunicação no RELACIONAMENTO INTERPESSOAL, é baseado na realidade e nas impressões pessoais. Qual é o tom de seu discurso? Como é a sua escuta. Escuta o que está sendo dito ou só o que quer. Tem alcançado resultados na regras da comunicação que diz: comunicar é dialogar, trocar, gerar entendimento, e acima de tudo – comprometimento. Quando o “outro” discorda de seu ponto de vista, você abre espaço para existir essa diferença e alinhá-la na mesma proposta ou nega e continua fazendo as coisas como quer. O Conflito é um instrumento de transformação em busca de um objetivo, uma vez que nos leva à revisão de valores e pontos de vista. Também é um risco para a humanidade, uma vez que as guerras se originam aí, no conflito, na falha da comunicação. Pessoas que pensam diferente fizeram a humanidade dar grandes saltos. O comprometimento com os resultados a unidade na diversidade, são fatores de crescimento e criatividade. Revendo a HISTÓRIA, mencionada no livro bíblico Gênesis, Babel (Babilônia) foi uma das primeiras cidades construídas após o dilúvio pelos descendentes de Noé. Num vale da Mesopotâmia, os descendentes dos filhos de Noé, se puseram a construir uma enorme Torre. Empilharam milhares de tijolos, colocandoos uns sobre os outros, com betume, para fazer com que um dia, o seu ápice penetrasse nos céus. Nessa época, todos se serviam da mesma língua e das mesmas palavras, até porque a humanidade estava se refazendo após o dilúvio. Provavelmente a intenção era agradecer à divindade por terem escapado ao terrível dilúvio que tudo arrasara em tempos remotos. Mas não foi assim que Jeová entendeu, não viu isso como um agrado, Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
mas sim como prova da soberba (superioridade e arrogância dos homens). Assim Jeová resolveu intervir. Desceu em meio aos construtores e num gesto, todos começaram a dizer palavras em línguas diferentes e ninguém mais se entendeu.... Tamanha foi a desavença entre os humanos, que cada grupo resolveu partir para um canto distinto da Terra. Assim as línguas separaram a humanidade. Essa seria a origem das confusões e desentendimentos. Desde então, inúmeras tentativas para unir a humanidade em uma só voz tem fracassado. (unidade extraviada) A confusão que se instalou no passado se manifesta também nas EMPRESAS, quando não existe um alinhamento com os objetivos organizacionais. E isto só será atingido se houver uma comunicação vertical e horizontal satisfatória e a consciência que todos os funcionários fazem parte de uma mesma engrenagem e que todos são fundamentais para se atingir as metas desejadas. Para existir a sinergia nesse grupo é fundamental a comunicação clara e o respeito às diferenças como fonte de criatividade. A falta de unidade é um risco para a organização enquanto metas, objetivos, valores e resultados. O grande desafio é estarmos atentos à visão local X visão global No MUNDO, a consequência direta da globalização através do avanço tecnológico e o reconhecimento da interdependência das nações e da biodiversidade, pode ser vista como uma tentativa para fazer com que a humanidade reencontre uma maneira de “falar a mesma língua”, de tentar unir-se, em uma só voz na busca da preservação do Planeta Terra. Isso sinaliza a necessidade da universalidade das relações humanas. Desenvolver novos valores, habilidades e criatividade para criar alternativas de sustentabilidade, afinal somos humanos e temos as mesmas necessidades básicas, como o ar que respiramos, a água, o alimento, o contato, a paz, o amor, etc.. “Eis que todos constituem um só povo e falam uma só língua, isso é o começo de suas iniciativas! Agora nenhum desígnio será irrealizável para eles” (Gênesis 11). AUTORA Márcia Souto de Araújo | CRP 17590 SP Psicóloga, Reichiana e Bioenergética, com 26 anos de experiência em Clínica, Grupos de Terapia e Grupos de Formação (para profissionais da área da Saúde) e Empresas. Especialista em Qualidade de Vida no Trabalho e Desenvolvimento da Excelência Pessoal e do Potencial Humano. E-mail: dra.marcia@soutolins.com.br Site: www.soutolins.com.br 31
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GESTÃO RH
CULTIVANDO TALENTOS como desenvolver continuamente as competências profissionais
O
s profissionais que geralmente se preocupam com o alto desempenho e com a sobrevivência no mercado não têm dúvidas de que necessitam desenvolver suas competências continuamente. Nesse caminho, as organizações que pensam no sucessivo crescimento de seus colaboradores, estão buscando formas de tornar esse desenvolvimento mensurável. Os motivos são claros: se a organização possui um "jatobá" entre seus funcionários, será mais adequado oferecer a ele o ambiente apropriado para se desenvolver e se tornar a "árvore grandiosa" para a qual foi criado do que tentar encontrar na floresta do mercado outro "jatobá" que se adapte à cultura organizacional e à missão que possui pela frente. Dentre as formas de desenvolvimento de competências há maneiras diversificadas de se tratar cada necessidade e cada indivíduo. Dentre os formatos mais individualizados estão a terapia, o mentoring e o coaching. Por mais que as expressões possam parecer ter o mesmo significado e possam ter eventualmente o mesmo objetivo para o profissional que procura tais serviços, há diferenças determinantes nas atividades que definem a abrangência, o tempo e os resultados que se pretendem alcançar. TERAPIA Em geral, uma sessão de terapia psicológica possui o intuito de auxiliar o indivíduo nas decisões, problemas, tendências e comportamentos que envolvem as relações dele com família-trabalhosociedade, com ele próprio e seus objetivos. Numa sessão de terapia, que é mediada por um psicólogo, na maioria das vezes o paciente traz para ser trabalhado o que lhe incomoda ou no passado ou no momento atual, os acontecimentos que fazem parte do seu dia-a-dia e que interferem na qualidade de vida e nos resultados conseguidos em todos os campos.
MENTORING O Mentoring baseia-se, em grande parte, em quem é o mentor, e quem é a pessoa que irá estimular o desenvolvimento do profissional. Essa pessoa normalmente é alguém que está na mesma área que o profissional, trabalhando geralmente na mesma empresa em um cargo superior. O mentor é o espelho no qual o profissional visualiza seu crescimento. É o guru que possui uma carreira que o profissional almeja seguir. O processo de mentoring depende muito da relação entre os dois profissionais. Há os que colocam suas dúvidas numa conversa informal e há os que planejadamente, marcam encontros periódicos, a fim de desenvolver as habilidades e competências do profissional. Como um protetor na organização, o mentor orienta os passos e aconselha as decisões a serem tomadas. Não se exclui deste modelo, todavia, mentores que sejam de outras empresas. COACHING O Coaching, termo e prática que significam o acompanhamento e desenvolvimento periódico de uma determinada competência por um profissional especializado, um consultor externo à organização que possui know-how para ajudá-lo a desenvolverse. Ao contrário da terapia, o coaching trabalha uma determinada competência - normalmente a que o profissional e seu superior indicam que precisa ser desenvolvida - até conseguir os resultados almejados. Após o trabalho ser desenvolvido com a competência escolhida, passa-se a analisar e desenvolver outra característica ou talento. Como um treinador de times esportivos, o papel do coach é estimular e corrigir possíveis práticas advindas de uma determinada competência que precisa ser desenvolvida focando metas alcançáveis. O coaching é indicado para um trabalho pontual e específico, com planos de conquistas de resultados num curto espaço de tempo.
AUTORA Ana Artigas | CRP 08/05494 Psicóloga, Diretora de Projetos da Tekoare Vending e Entretenimento Corporativo Email: ana@tekoare.com | Site: www.tekoare.com
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MATÉRIA DE CAPA
MATUR
e o desvínculo socia
A
maturidade é a fase do desenvolvimento humano tanto no âmbito pessoal quanto social. É um perí anos de idade, repleto de responsabilidades e exigência vivenciado de maneira saudável às responsabilidades graves conflitos ao indivíduo. Entre eles, está o desvin levá-lo a refugiar-se nas ruas. Para entender melhor de Maringá-PR quatro observações de um morador d Desenvolvimento II do curso de Psicologia da Faculdad 34
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RIDADE
al
o que o indivíduo vivencia grandes transformações íodo que corresponde entre os vinte aos cinqüenta as em relação à sociedade e a si mesmo. Quando não s adquiridas decorrentes da maturidade pode gerar nculo do indivíduo com os laços sociais, o que pode r como ocorre essa relação, foi realizado na cidade de rua como prática da disciplina de Psicologia do de Uningá. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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O
presente estudo foi realizado em um determinado morador de rua da cidade de Maringá-PR como prática da disciplina de Psicologia do Desenvolvimento II do curso de Psicologia da Faculdade Uningá. A prática foi pautada no método de observação sistemática, onde foram realizadas quatro observações em um morador de rua da cidade. Através do referencial teórico estudado sobre o desenvolvimento humano - a maturidade-, busca-se compreender como essa fase pode estar relacionada com a temática do morador de rua. Assim, o presente estudo, tem por objetivo propor uma análise da problemática vivenciada por um morador de rua e, procurar através disto, entender como ela pode estar associada com a maturidade. Para entender melhor como ocorre esse processo, tomemos como ponto partida os trabalhos desenvolvidos por D’Andrea (2006) sobre a maturidade. Para ele, a maturidade é um longo período que vai aproximadamente dos vintes aos cinqüenta anos. Pode ser dividida em duas etapas: Adulto Jovem e Meia-Idade. Aqui, em especial, daremos ênfase à primeira etapa, o adulto jovem, que corresponde dos 20 aos 35 anos de idade. Para o autor, o jovem adulto deve enfrentar através de um mais amadurecido relacionamento interpessoal, três grandes responsabilidades em relação à sociedade e a si mesmo: o ajustamento profissional, o casamento/ajustamento sexual e a paternidade. Passemos agora a discutir e a entender cada uma dessas responsabilidades apontadas pelo autor. Assim, para o autor, a profissão representa um dos caminhos de orientação vital e de definição pessoal. Condicionada pelas demandas do meio e também pelos traços de caráter do indivíduo, a profissão determina o status na comunidade, os papéis sociais e os padrões de vida. Se a personalidade influi na escolha de uma profissão, as profissões influem consideravelmente nas pessoas que as exercem. Muitos traços de personalidade, maneiras de comportarem-se, valores morais e sociais, atitudes, opiniões e crenças podem ser criados ou modificados no exercício de uma ocupação. Neste aspecto, em nossa sociedade, as influências que uma pessoa exerce sobre a personalidade, reforçando os traços subjacentes ou modificandoos, tornam-a um ponto de referência fundamental para o rumo que seguirá a personalidade na continuação do seu desenvolvimento, naturalmente é mais importante para o homem e para a mulher que permanecer solteira, pois a pessoa que se casa tende a continuar o seu desenvolvimento fundido 36
sua personalidade com a do marido, sendo também seu, o caminho que ele seguir. É muito importante a resolução dos conflitos vocacionais e dos fatores ambientais que possa originar-se nesta fase, para que assim, a pessoa possa conseguir um bom ajustamento profissional. O desajustamento pode ser atribuído ao conflito vocacional mal solucionado na adolescência. É muito comum jovens adultos passando por crises profissionais que muitas vezes se confundem com crises de identidade tardias. O indivíduo supunha-se realizado como pessoa e de repente por um suceder de frustrações descobre que havia tomado um caminho falso. Porém, se ele não assumiu uma falsa identidade, no sentido global da personalidade e o problema apenas diz respeito à ocupação, terá relativamente, maior facilidade para mudar. Outra responsabilidade que o adulto deve enfrentar nesta fase do desenvolvimento é definida por D’Andrea (2006) como sendo o casamento e o ajustamento sexual. Para ele, a decisão de casar-se é um dos passos mais importantes que os jovens devem dar no decorrer de toda a sua vida. Casar-se representa uma mudança de status e papéis sociais, uma renúncia ao descompromisso da vida de solteiro, uma recanalização dos afetos e uma responsabilidade sexual e social para com um companheiro com o qual se compartilhará todas as importantes decisões futuras. Nem sempre os jovens que se casam estão plenamente conscientes destes aspectos, principalmente a mulher que tende a firmar sua identidade na união com um homem. Ofuscada pelas perspectivas de liberdade sexual ou de prestígio social, deixa de levar em conta o risco de não cristalizar a sua identidade, se a escolha não for adequada. Desta maneira, o casamento, inevitavelmente, provocará mudanças na personalidade dos cônjuges. O alcance de uma situação ideal não depende só das sanções sociais, mas também do reconhecimento, às vezes tardio, de que homens e mulheres nem sempre buscam, em proporções iguais, os mesmos objetivos e que deveriam ter-se conhecido melhor e assumido compromissos para a satisfação dos desejos de um para com o outro. Não só discrepâncias entre traços de personalidade são causa de desajustamentos conjugais. Diferenças acentuadas entre hábitos, costume e tradições adquiridos pelos indivíduos nos seus grupos de origem e diferenças étnicas ou de classe social, também podem ser fontes de problemas no casamento. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
O noivado é uma ótima oportunidade para se colocar os “pingos nos is”. Não muito curto nem excessivamente longo, é a ocasião oportuna para que haja entre os noivos uma exploração mútua da personalidade. O casamento, que deveria ser o prêmio para um desenvolvimento satisfatório no qual o indivíduo, tendo superado os conflitos básicos de cada fase, estaria apto para intimidade com uma pessoa com a qual construiria os anos futuros de sua vida, constitui-se, em muitos casos, num castigo ou numa inadequada compensação para problemas não resolvidos da vida pregressa. O casamento mal sucedido tende a reforçar os conflitos e os aspectos negativos da personalidade de cada um e a incentivar os sentimentos de isolamento que, mascarados ou não, refletem-se em todas as suas participações sociais. O bem sucedido, porém, promove uma reorganização de certos aspectos da personalidade e esta reorganização influenciará positivamente na cristalização da maturidade. Do mesmo modo que a profissão escolhida ajuda a desenvolver traços pessoais e a mudar valores, o casamento cria condições de aspectos menos desejáveis de cada um. Assim o casal bem sucedido, isto é, aquele que conseguiu vencer as barreiras pessoais e interpessoais e alcançou um grau razoável de ajustamento nas várias esferas da vida em comum; aquele em que esposo e esposa puderam integrar suas identidades sem perder a individualidade e que assim conservam um adequado juízo crítico um em relação ao outro; aquele que é capaz de dividir funções ou papéis que dinamicamente se completam, está apto para assumir as responsabilidades da paternidade. Assim, para D’Andrea (2006), ao tornarem-se pais, marido e mulher assumem novos e importantes papéis que vão influenciar profundamente sua orientação frente ao futuro. O nascimento de um filho normalmente tende a reforçar os vínculos conjugais e a definir mais solidamente o status do casal. Obviamente não basta adaptar-se à nova situação. Há que criar o filho e diante da realidade dos vários anos que serão necessários para o cumprimento desta tarefa, podem evidenciar-se as fixações, regressões e conflitos encobertos pela expectativa da paternidade.
Um casal em que um ou ambos os cônjuges não conseguir superar tais conflitos não terão condições emocionais para uma amadurecida realização da paternidade. Por isso tornam-se mais dependentes de influências externas e os conflitos conjugais e familiares terão maiores oportunidades de ocorrer, com indubitáveis prejuízos para a criança. Não se pretende que os pais sejam perfeitos e nunca errem nas suas atitudes para com os filhos. O que se pretende é que o casal tenha maturidade suficiente para reconhecer e discriminar suas falhas de conduta possibilitando um contínuo aprimoramento nas relações com os filhos. De modo geral, as mais importantes influências que os filhos exercem sobre os pais relacionam-se à auto-estima. Para alguns pais, o crescimento e o sucesso dos filhos representam à satisfação de antigos ideais e a superação de sentimentos de inferioridade. Não é preciso dizer que o maior bem-estar é transmitido pelos pais quando eles se sentem satisfeitos em suas próprias necessidades. Ao dedicarem-se exclusivamente aos filhos, além de privá-los de uma relação de independência futura, deixam de lado sua própria pessoa, o resultado pode ser um mal disfarçado, demonstração de cansaço e infelicidade. A maturidade, sem dúvida, representa uma importante fase do desenvolvimento humano que o indivíduo passa a vivenciar, tanto no que se refere às agregações adquiridas quanto dos conflitos delas resultantes. Tais conflitos podem desencadear sérios agravos na vida pessoal do sujeito. Neste estudo, em especial, daremos ênfase ao abandono que o sujeito faz de seu lar, indo refugiar-se nas ruas. MORADOR DE RUA “Quem são essas pessoas que procuram por sobrevivência aos olhos de todos, percorrendo as veias da cidade, construindo espaços reais num mundo ilusório?”. Eichemberg (online, 2008, sp). Quando se comenta sobre morador de rua muitas pessoas parecem não entender sobre o assunto ou quando defronte com esta realidade acabam esquivando-se totalmente dela.
Quem são essas pessoas que procuram por sobrevivência aos olhos de todos, percorrendo as veias da cidade, construindo espaços reais num mundo ilusório? Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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Alvarez (et al., online, 2008, p. 50) afirma que: a sociedade está doente, cindida, e não há perspectiva de cura próxima. Os meios de comunicação brasileiros exibem a todo o momento - ao vivo e em cores, em tempo real - a dinâmica doentia desse corpo social esfacelado. Esses retratos dinâmicos são oferecidos nos jornais nacionais televisivos como parte dos jantares de cidadãos que olham tudo atônito e respiram aliviados quando o foco da emissora passa para cenas mais amenas. Varanda e Adorno (online, 2008, p. 58/59) buscando situar as identidades que se constroem entre a população de rua, destacam as nomeações pelas quais os moradores de rua se identificam, mesmo que estas reproduzam os enquadres institucionais que lhes são impostos, como morador de rua, ou termos que se referem as práticas voltadas para grupos específicos. É bastante comum, entre aqueles que dormem nas ruas, o uso do termo “maloqueiro”. Quem usa albergues são identificados simplesmente como usuário de albergue ou albergado. "Trecheiro" também é bastante usado entre os moradores de rua; o termo é oriundo dos trabalhadores que transitam de uma cidade para outra a procura de trabalho. Para os autores, o enquadre institucional na área dos serviços de saúde tem interferido nas categorizações da população. Essas divisões e identidades refletem também a internalização culpabilizante da fala institucional. Os usuários de álcool são chamados de “bêbados”, bebuns, alcoólatras. Há também o uso de outras drogas na rua, como a maconha, o crack e a cocaína. Os usuários de outras drogas são chamados de “nóia”. Os que usam crack são chamados de "pedreiros". A situação também é mais complexa à medida que se observa a construção de várias categorias, a partir de funções, estudos acadêmicos ou de seu uso a partir da própria incorporação, via social. Quem cata papel, latinha e cobre na rua, por exemplo, são os catadores – trabalhadores que vivem na rua –, reconhecidos legalmente por essa ocupação profissional. Grande parte deles se considera morador de rua, mas muitos, que têm o seu núcleo familiar constituído, estão vinculados a associações ou cooperativas e nunca estiveram na situação de dependência direta de serviços públicos assistenciais, morando nas ruas.
Para Escorel (1999 apud VARANDA; ADORNO, online, 2008, p.61): a exclusão social é um “processo no qual – no limite – os indivíduos são reduzidos à condição de animal laborans, cuja única atividade é a sua preservação biológica, e na qual estão impossibilitados de exercício pleno das potencialidades da condição humana. Com o aumento da população o número de lixo produzido pela sociedade se torna cada vez maior. E, é na rua, muitas vezes, “no meio ao lixo” que os moradores de rua vão residir. O lixo de consumo da sociedade torna-se fonte principal de sobrevivência. Assim, por exemplo, um pedaço de plástico torna-se um teto, um pedaço de jornal transforma-se em cobertor, um papelão em parede. Para Mizoguchi (et al., online, 2008, p. 40) é justamente no sumidouro da rua que o morador de rua se encontra. É onde o cidadão comum se perde que ele encontra seu lar, seus pares, seus nichos. É nesse tempo e nesse espaço que ele se faz sujeito, que ele se identifica: é no fluído que ele estanca e se faz pessoa. Justo (1998 apud PERES, online, 2008, p. 67) afirma que: Nos dias de hoje, a chamada “globalização” provoca mudanças sociais, econômicas e políticas que levam cada vez mais a um rompimento com os espaços sociais fechados, a um desenraizamento que exige grande mobilidade psicológica a fim de permitir uma rápida reorientação de identificações, comportamentos, sentimentos e relacionamentos. Esse mundo em constante transformação reacende os movimentos de andança humana, protagonizados por indivíduos que rompem com a acomodação, motivados pelo desejo de encontrar um lugar melhor. Para Vieira (et al., 1994 apud ALVAREZ et al., online, 2008, p. 50) muitos dos moradores de rua, os caídos pertencentes a esse segmento social de excluídos, perderam-se de si mesmos. Junto às perdas de endereços, certidões de nascimento, carteiras de identidades - símbolos de cidadania entrecruzam-se as perdas de esperança, do sentido da vida, da vontade de viver. Enquanto alguns se afogam na bebida alcoólica ou nas drogas, amortecedoras da dolorosa agonia da falência psicossocial, outros, reagindo violentos, lançam-se
...o que leva a pessoa a se refugiar de tal maneira nas ruas, é entendido e denominado por ele como sendo uma “errância”. 38
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O lixo torna-se fonte principal de sobrevivência... um pedaço de plástico tornase um teto, um pedaço de jornal transformase em cobertor, um papelão em parede. ao crime, inserindo-se através dessa forma escusa nos processos sociais. É quando, paradoxalmente, adquirem um status de bandido que nessa hora recobram o endereço e a identidade do prontuário policial. Segundo Peres (online, 2008, 68/69) o que leva a pessoa a se refugiar de tal maneira nas ruas, é entendido e denominado por ele como sendo uma “errância”. A errância gera uma revisão e alteração de crenças, valores, representações mentais e esquemas de sobrevivência construídos em função da adaptação a uma realidade relativamente estável dada pela fixação do sujeito a um determinado lugar. A ruptura com os referenciais que dão estabilidade e segurança a uma pessoa, como a família, o trabalho, os amigos, assim como o rompimento com a rede social e a impossibilidade de se estabelecer qualquer espécie de vínculo duradouro faz com que a errância do andarilho seja uma das mais intensas possíveis. Para se compreender a errância em seus diversos aspectos é preciso, segundo autor, que se atente para a intrincada multifatorialidade característica desse complexo fenômeno. Faz-se necessário um exame de cada um dos fatores que podem atuar como motivadores da ruptura com as malhas da rede social e que se procure estabelecer as corelações e articulações entre os mesmos. Desta forma, Peres afirma que a economia globalizada do mundo capitalista contemporâneo leva, em última instância, à precarização das relações de trabalho e ao desemprego, gerando o aumento da vulnerabilidade social, a desfiliação, a segregação, a pobreza e a exclusão social. A falta de um emprego e a decorrente ausência de reconhecimento social causa experiências de sofrimento, associadas à segregação e à exclusão, de tal maneira que a vida pessoal desses indivíduos entra em crise, o que levam muitos deles a se agregarem aos que vagam pelas ruas, sem teto e sem vínculos sociais estáveis. Peres acredita ainda, que os conflitos e desavenças familiares, tanto com os pais no núcleo familiar originário, quanto com a esposa e filhos, são fatores preponderantes para a ruptura do sujeito com o nicho social no qual está inserido. A ausência de uma constelação familiar continente, os desentendimentos com os genitores e os conflitos afetivos decorrentes de relacionamentos Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
amorosos que tiveram um final desestruturante em virtude de traições e/ou infidelidade conjugal são acontecimentos perturbadores que, atuando em conjunto com outras motivações igualmente intensas, podem levar um sujeito a romper com as malhas da rede social. Para finalizar, o autor afirma que, de qualquer modo, abandonar os referenciais sociais que norteiam a vida no mundo atual e as fixações sociais, geográficas e afetivas é uma atitude drástica, tendo em vista as dificuldades que são instaladas com a errância. Por isso acredita-se, segundo ele, que nenhum evento isolado, por mais desestruturante que seja, leva, por si só, uma pessoa à condição de nômade errante. Tudo indica que, na maioria absoluta dos casos, há uma interação dos diversos fatores que concorrem para a deserção. Esta realidade atinge, de modo geral, todo país e cabe o poder público junto com os municípios criar medidas de apóio e inserção destes moradores de rua. Uns dos exemplos dessas medidas são desenvolvidos pela Prefeitura Municipal de Maringá-PR junto com a SASC “Secretaria de Assistência Social e Cidadania” que implantou o “Serviço de Atendimento à População de Rua”. O serviço vem sendo oferecido pelo SASC deste o ano de 2002. Inicialmente, a equipe de abordagem integrava a então denominada Política de Inclusão de Grupos Sociais em Risco. O serviço sofreu várias modificações, e a partir de 2004, tendo como base às novas orientações da Política Nacional de Assistência Social, passou a compor o eixo das Políticas de Proteção Especial. Deste modo, tem como missão, a construção de ações que venham de encontro à proposta da Política Nacional de Assistência Social no que refere às pessoas em situações de risco. Portanto, abordar e intervir no espaço público ou privado por onde circula a população de rua pressupõe um trabalho de campo, atendimento técnico, orientações sócio-educativa, benefícios emergenciais e encaminhamentos para serviços da rede. O serviço realizado em Maringá presta atendimento aos moradores de rua da própria cidade, entretanto pelas características do públicoalvo, estendem-se também a usuários de outras regiões. 39
Um exemplo deste serviço pode ser ilustrado nos números de atendimento realizado pelo SASC no 4º bimestre de 2008 correspondendo aos meses de julho e agosto. Foram atendidas 583 pessoas. Desses atendimentos realizados apenas 13 foram crianças de 0 a 13 anos. Adolescentes de 14 a 17 anos somaram-se apenas 02 atendimentos. Jovens de 18 a 29 anos corresponderam a um total de
197 atendimentos. Os atendimentos realizados com adultos (30 a 59 anos) somaram-se o maior número de dados, num total de 345 atendimentos. Já atendimento a idosos (acima de 60 anos) corresponderam 26 atendimentos. São ações de atendimento e inserções como estas que ajudam à população de rua a se orientar e a se inserirem novamente na sociedade.
MATERIAL E MÉTODOS Para realização do presente estudo foi utilizado o método de Observação Sistemática e uma breve Revisão Bibliográfica. O sujeito participante foi um morador de rua observado na zona 07 da cidade de Maringá-PR, do sexo masculino, com aproximadamente 34 anos de idade. Ocorreram 04 (quatro) observações em dias variados com duração de 1 (uma) hora cada. É importante destacar a importância que a observação tem na composição dos dados coletados, assim como o de seu registro. Para Danna e Matos (1999), observar significa “examinar minuciosamente; olhar com atenção; estudar pessoas e/ou ambiente que as cercam”. Assim, foi utilizado para registro de todas as observações um modelo pré-estabelecido de registro “protocolo de observação”, na qual foi empregada a técnica de registro contínuo cursivo, procurandose assim, registrar os dados à medida que foram ocorrendo, espontaneamente, tendo como melhor ocasião para o registro o local onde ocorreram os eventos. A revisão bibliográfica soma-se no conjunto dos dados obtidos, pois ela permite, segundo Marconi e Lakatos (2005/2006), colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Para entender melhor um dos motivos que possam levar uma pessoa ao completo abandono de seu lar, foi necessário conhecer um pouco da realidade vivenciada por um morador de rua. Por meio das observações realizadas e de uma breve revisão bibliográfica foi possível levantar hipóteses sobre as possíveis causas deste abandono. Assim as observações proporcionaram um contato mais direto com o sujeito observado. Foi possível compreender por meio delas, por exemplo, o quanto a sociedade estigmatiza e negligência o morador de rua. A exemplo disto, pode ser observado - durante as observações -, que a maioria das pessoas que transitavam próximo ao morador de rua mudavam a direção do olhar, demonstrando possivelmente ignorá-lo. Como demonstrou Alvarez (et al., online, 2008, p. 50) os meios de comunicação mostram a todo momento cenas que retratam o morador de rua. Os cidadãos ao se depararem com tais cenas demonstram um olhar espantado e respiram aliviados quando o foco da emissora passa para cenas mais amenas. Conforme os comportamentos registrados, as observações, de modo geral, despertaram no observador um certo “espanto” pela naturalidade 40
e comodismo em que o morador de rua se comportava na maioria das vezes. Em um dos relatos pode-se notar que o sujeito demonstravase estar aparentemente tranqüilo com a situação, até pelo modo em que se apresentava: “sentado com as pernas esticadas e sobrepostas uma sobre a outra”. É como se nada o preocupasse ou temesse. Um outro fator interessante foi o círculo de supostas amizades que o morador de rua mantinha, antes percebido como um sujeito sozinho, isolado do seu contexto, torna-se comum em algumas observações relatá-lo conversando com outras pessoas em situação igual à dele. Como retratado por Mizoguchi (et al., online, 2008, p. 40) é justamente na rua que o morador de rua se encontra. É onde o cidadão comum se perde que ele encontra seu lar, seus pares, seus nichos. É nesse tempo e nesse espaço que ele se faz sujeito, que ele se identifica: é no fluído que ele estanca e se faz pessoa. As condições precárias de vida que se encontaravam o morador de rua tambérm foram observadas. Algumas sacolas, pedaços de papelão, roupas velhas desbotadas e condições escassas de higiene configuravam seu contexto. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
é justamente na rua que o morador de rua se encontra. É onde o cidadão comum se perde que ele encontra seu lar, seus pares, seus nichos. Escorel (1999 apud VARANDA; ADORNO, online, 2008, p. 61) ao retratar a situação do morador de rua diz que a fuga social é um processo no qual os indivíduos são reduzidos à condição de animal, cujo único objetivo é a sobrevivência, e na qual estão impossibilitados de exercício pleno das potencialidades humanas. Em outras situações foi possível observálo ingerindo supostamente bebidas alcoólicas e cigarros, que segundo Vieira (et al., 1994 apud ALVAREZ et al., online, 2008, p. 50) afirma que muitos dos moradores de rua perderam-se de si mesmos e que junto às perdas de endereços, carteiras de identidades, entrecruzam-se as perdas de esperança, do sentido da vida, da vontade de viver. Enquanto alguns se afogam na bebida alcoólica ou nas drogas, amortecedoras da dolorosa agonia da falência psicossocial, outros, reagindo violentos, lançam-se ao crime, inserindo-se através dessa forma escusa nos processos sociais. Entender a faixa etária do sujeito observado proporcionou compreender quais são as expectativas e demandas sociais que se esperam dela. E assim, num segundo momento, esclarecer quais as relações que ela faz com a temática morador de rua. Pelos aspectos físicos o sujeito observado tinha por volta de 34 anos de idade o que o enquadra, segundo D’Andrea (2006) na fase da maturidade. Como foi visto, a maturidade é uma das fases do desenvolvimento humano que o sujeito passa a agregar várias responsabilidades. A profissão, o casamento e a paternidade podem ser vistos como exemplos destas responsabilidades.
É importante compreender que tais responsabilidades podem gerar sérios conflitos à vida do sujeito, quando não vivenciadas de modo adequado e somar-se com uma das eventuais causas de desagregação familiar e levar o indivíduo a refugiar-se nas ruas. Por exemplo: uma profissão escolhida de forma insatisfatória, precipitada, fora das características pessoais do sujeito ou de um casamento iniciado de forma desestruturada/ conflituosa ou até mesmo quando o fruto desta união resulta numa paternidade desequilibrada. Pode-se correlacionar a isso, o que é denominado por Peres (online, 2008, 68/69), como sendo uma errância. Para ele a errância gera uma mudança nos pensamentos de modo que a ruptura com os referenciais que dão estabilidade e segurança a uma pessoa, como a família, o trabalho, os amigos, assim como o rompimento com a rede social e a impossibilidade de se estabelecer qualquer espécie de vínculo duradouro, faz com que a errância do andarilho seja uma das mais intensas possíveis. Ele acredita, ainda, que nenhum evento isolado, por mais desestruturante que seja, leva, por si só, uma pessoa à condição de nômade errante. De modo geral, não se sabe ao certo afirmar quais foram os motivos que realmente motivaram o morador de rua observado a cometer tal ato, mas pode-se inferir que quais sejam esses motivos, eles estão, de alguma forma, entrelaçados como sendo desencadeados por vários conflitos.
CONCLUSÃO Através das observações realizadas e de uma breve revisão bibliográfica sobre o assunto abordado, pode-se levantar algumas hipóteses para a problemática vivenciada pelo morador de rua. Foi possível compreender que as expectativas e demandas decorrentes da maturidade podem desencadear vários fatores que podem contribuir para a exclusão do sujeito com os vínculos sociais. Para tanto, não só a teoria se fez presente, mas junto a ela somou-se a prática da observação, proporcionando entender uma realidade tão presente e ao mesmo tempo tão esquecida e incompreendida por muitos. Desta forma o trabalho propiciou uma mudança na maneira de perceber o próximo, de buscar compreender o morador de rua não sobre olhares preconceituosos da sociedade, mas sim de tornar o invisível em visível aos olhos de todos.
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GESTÃO RH
60 SEGUNDOS O
tempo é uma dimensão pitoresca, pois ele pode ser percebido conforme o gosto do freguês. Se a experiência é boa, o tempo voa. Se ela é desprazerosa, dura uma eternidade. Para o jovem, custa a passar. Para o idoso, anda a galope. Tempo de trabalho para a aposentadoria, então, nem se fale. Para aquele que labuta, e não gosta do que faz, diz-se comumente: “Dá dez da noite, mas não chega o fim da tarde”. Quem dormiu tarde (sem contar o porre da noite anterior) e precisa madrugar para enfrentar o cabo do guatambu: que sina! O tempo é, pois, muito, pouco, bom, ruim, marcante, insignificante, coerente, insensato... Todavia, há um intervalo de tempo que merece a nossa mais profunda reflexão. Refirome aos sessenta segundos de duração das nossas preocupações relacionadas às penúrias que assolam o planeta. Ou seja, os jornais estampam a tragédia e nos sentimos mal e pensamos, por exemplo, acerca da pobreza que desnutre outros seres humanos em 2009, o total de pessoas subnutridas deverá superar a marca de 1 bilhão, conforme a estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU). Tal atenção por nós dispensada, dura geralmente um minuto. Em seguida, sem qualquer cerimônia, nos voltamos às amenidades, e, em alguns casos, às queixas pessoais sobre todo tipo de situação que chateia, tal como a falta de dinheiro para comprar um novo celular (o quarto ou quinto, talvez), um tênis mais incrementado (apesar de já existirem outros tantos no armário), uma bolsa que combine com a sandália creme (afinal, o que os outros vão achar?), entre outros.
Assistimos atônitos aos noticiários que revelam os desmatamentos florestais, o uso desregrado da água e sua provável escassez futura e sobressaltamos o ânimo, apontando o dedo da culpa para todos os lados (menos para nós próprios), num gesto de revolta, que dura... Sabe quanto? Sessenta segundos! Lá está o tempo novamente, em sua elasticidade mais breve. Mas preferimos gastar as nossas energias e boa carga horária com a mesquinhez pessoal. Tal consumo, infelizmente, rouba a cena na qual deveria, de forma equilibrada, permitir maior quantidade de tempo para a essencial ponderação que deve eleger assuntos inquestionavelmente mais relevantes. Não se pretende aqui, contudo, encorajar o abandono das atividades pensantes corriqueiras. É sugerido que haja um pouco mais de dedicação ao direcionar o foco das preocupações para a análise dos problemas que fazem substancial número de pessoas terem uma miserável qualidade de vida. E, para tanto, é devido ultrapassar os infrutíferos 60 segundos da atenção dirigida a tais questões, ampliando o tempo e a capacidade de se pensar criticamente. É preciso ir além das notícias e formar conceitos próprios cujo incômodo decorrente é capaz de estimular a autocobrança e, em maior escala, a cobrança sobre o estado com o passar do tempo. Ah! O tempo. Tão bem estudado quão pobremente aproveitado. Porquanto, quem sabe se alguns minutos reflexivos o levem a mudar de postura a respeito dos acontecimentos globais? Não demore, o tempo urge.
AUTOR Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo (CRP 06/69637), diretor da Self Consultoria em Gestão de Pessoas, palestrante, professor e mestre em Liderança pela Unisa Business School. Coautor dos livros Gigantes da Motivação, Gigantes da Liderança e Educação 2006. E-mail: selfcursos@uol.com.br
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PSICOLOGIA INFANTIL
ABUSO SEX
c o r r e l a ç õ e s
A bibliografia sobre abuso sexual refere que em apenas 30% dos ca nem sempre se baseia em evidências físicas, requerendo dos prof para tal situação. O HTP pode ser uma ferramenta útil no proces mantidos em segredo. Como técnica projetiva, permite expressão e tem dificuldade em falar do assunto abertamente. 44
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XUAL E HTP
s
p o s s í v e i s
asos há indícios de violência, portanto, a identificação dos mesmos fissionais envolvidos, experiência e treino em técnicas específicas sso de entrevista nestes casos, principalmente quando ainda são espontânea e não direcionada, visto que a maior parte das vítimas Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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O
presente trabalho propôs uma revisão de literatura a respeito dos indicadores de abuso sexual nos testes projetivos, mais especificamente no teste HTP, cujo manual autorizado para uso pela resolução 02/2003 do CFP, é o de John Buck. Partindo deste instrumento, pretendeu-se levantar outras referências sobre os indicadores visando aprofundar o tema.
METODOLOGIA A pesquisa é de cunho bibliográfico e foram revisados artigos, manuais e cartilhas sobre testes projetivos e abuso sexual, escritos em português. Com relação a ambos os temas, embora já exista literatura significativa, não foi possível abrangê-la integralmente - o que suscita posterior ampliação desta proposta.
ABUSO SEXUAL Segundo ROCHA é um conceito abrangente, podendo ser todo ato ou jogo sexual (em relações hetero ou homossexuais) cujo agressor esteja em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente. Varia desde ato sem contato sexual (voyeurismo, exibicionismo), aos diferentes tipos de ato com contato sexual sem penetração (sexo oral, intercurso inter-femural) ou com penetração (digital, com objetos, intercurso genital ou anal). Engloba ainda a situação da exploração sexual, visando lucros, como prostituição e pornografia (apud PIZÁ, 2004).
CORRELAÇÕES Alguns autores citam a possibilidade do uso de testes projetivos no diagnóstico de abuso sexual (BERALDO, CAPITÃO & OLIVEIRA, 2006; BUCK, 2003; CUNHA, 2000; FARINATTI, BIAZUS & LEITE, 1993; FONSECA & CAPITÃO, 2005; GAY & COSTA JR., 2005; PINHEIRO, 2005), sendo que o teste mais freqüente em pesquisas experimentais é o do Desenho da Figura Humana (BERALDO, CAPITÃO e OLIVEIRA, 2006; FONSECA e CAPITÃO, 2005). Outras referências tratam da utilização da técnica do desenho livre em processos terapêuticos no atendimento às vítimas (AZEVEDO, 2001; PIZÁ, 2004). HTP Os textos revisados abrangem além destes, o O teste HTP (House, Tree, Person), criado por CAT (FONSECA e CAPITÃO, 2005), o HTP (BUCK, John Buck, originou-se na década de 40 e foi 2003; CAMPOS, 1969; HAMNER, 1981; PICOLLO, inicialmente utilizado como medida de inteligência, 1996) e o teste da árvore (KOCK, 1978). evoluindo para o uso como técnica projetiva no Apresentamos a seguir os indicadores de abuso estudo da personalidade. É constituído por uma em crianças, presentes no teste HTP, conforme bateria de três desenhos, sendo eles o da casa, citados por BUCK e uma comparação entre as o da árvore e o da pessoa, realizados na forma interpretações deste e dos demais autores sobre tais acromática e cromática. indicadores: Indicadores /
AUTORES
BUCK
OUTROS AUTORES
Nuvens
Ansiedade
––––
Sombreamento da face, do corpo, dos membros, das mãos ou do pescoço da pessoa
Ansiedade
Conflito e ansiedade sexual se o sombreado for na calça (COX, 1995)
Genitais desenhados na pessoa
Patologia; comum em adultos estudantes de arte ou em processo de análise
Enfatizados significam alteração na imagem corporal (AZEVEDO, 2001); Revolta contra a sociedade e conflitos sexuais (HAMNER, 1981); Esquizofrenia, homossexualidade (PICOLLO, 1996); Curiosidade pela sexualidade transformada em experiência afetiva e sexual impactante (PIZÁ, 2004)
Mãos muito grandes
Impulsividade e trato social deficiente
Dificuldade de contato social (HAMNER, 1981)
Olhos da pessoa enfatizados e muito grandes
Paranóia
Esquizoidia e homossexualidade (PICOLLO, 1996)
Olhos pequenos ou omitidos
Patologia, presença de alucinações visuais. Introversão, voyeurismo
Pernas da pessoa juntas e pressionadas uma à outra
Desajustamento sexual
Formas triangulares no desenho da pessoa
Associado a violência sexual
Se combinam com braços junto ao corpo - introversão, isolamento, problema sexual, sentimento de culpa (CAMPOS, 2002) –––– Galhos fálicos - Preocupações sexuais e/ou esforços de conquistar virilidade (HAMNER, 1981)
Árvores fálicas
Associado a abuso sexual
Ênfase vertical no desenho da casa
Contato pobre com a realidade, satisfação na fantasia, preocupações sexuais (comum em crianças pequenas).
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––––
––––
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CONCLUSÃO Dentre os autores que fazem correlações entre técnicas projetivas e abuso sexual nos textos revisados, somente BUCK faz referência aos indicadores de abuso no teste HTP. Os indicadores mais associados ao abuso, tanto para BUCK quanto para os autores de outros textos, são os sexuais - que refletem problemática na área, e os emocionais - que retratam desde o trauma propriamente dito até as seqüelas do mesmo, como ansiedade excessiva, dificuldades nas relações sociais, introversão, impulsividade e agressividade. Em ambos os casos, a maioria dos indicadores não se restringe à situação de abuso, podendo estar relacionados a transtornos ou conflitos diversos. Embora sirvam como sinalizadores de problemas na área emocional ou sexual são insuficientes para comprovar ou não a hipótese do abuso. É unânime a opinião de que a entrevista psicológica, com a suposta vítima e seus familiares, é fundamental para realizar o diagnóstico, pois através da mesma serão levantados outros indicadores como comportamentais, sociais, familiares, emocionais e escolares (FARINNATTI, 1993; FURNISS, 1993; GAY & COSTA JR., 2005; PINHEIRO, 2005). Conclui-se que estudos experimentais sobre o tema são necessários para definir indicadores de abuso com maior fidedignidade. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Elaine C. Atendimento psicanalítico a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual .Psicologia ciência e profissão, Brasília, v.21, n.4, p.66-77, dez. 2001. | BUCK, John N. H-T-P: casa-árvore-pessoa, técnica projetiva de desenho: manual e guia de interpretação. São Paulo: Vetor, 2003. | BERALDO, Flávia N. M.; CAPITÃO, Cláudio G.; OLIVEIRA, Katya L. Indicadores sexuais no Desenho da Figura Humana e abuso sexual. Avaliação Psicológica, Porto Alegre, v.5, n.1, p.67-76, jun. 2006. | CAMPOS, Dinah Martins de Souza. O Teste do Desenho como Instrumento de Diagnóstico da Personalidade: validade, técnica de aplicação e normas de interpretação. 34 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. | CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, Brasília. Resolução 02/2003, 16 de março de 2003. Define e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos e revoga a Resolução CFP nº 025/2001. | Disponível em: http://www.pol.org.br/legislacao/pdf/resolucao2003_2.pdf (acesso em 10 nov. 2007) | COX, M. V. Desenho da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1995. | CUNHA, Juraci A.; URBINA, Susana. Psicodiagnóstico-V. 5ª. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. | FARINNATTI, Franklin; BIAZUS, Daniel B.; LEITE, Marcelo B. Pediatria Social: a criança maltratada. Rio de Janeiro: Medsi, 1993. 313 p. | FONSECA, Ana Rita; CAPITÃO, Cláudio G. Abuso sexual na infância: um estudo de validade de instrumentos projetivos. PSIC, São Paulo, v.6, n.1, p.27-34, Jan./Jun. 2005. | FURNISS, Tilmann. Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisciplinar – Manejo, terapia e intervenção legal integrados. Porto Alegre: Artes Médicas. 1993. | GAY, Simone R.; COSTA JR., Áderson L. Descuidos com crianças violentadas nos hospitais públicos. Psicologia ciência e profissão – diálogos. Brasília, v.2, n.2, p.53-55, mar. 2005. | HAMNER, E. F. Aplicações clínicas dos desenhos projetivos. Rio de Janeiro: Interamericana, 1981. | KOCH, Karl. Teste da árvore. 4ª. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978. | PICCOLO, E G. Indicadores Psicopatológicos nas técnicas projetivas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. | PINHEIRO, Solange Maria Amaral S. Crianças e adolescentes vitimizados: rotina dos atendimentos. In: SHINE, S. (ORG). Avaliação psicológica e lei: adoção, vitimização, separação conjugal, dano psíquico e outros temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005. Cap. 8, p. 51-72. | PIZÁ, Graça. Os afetos emparedados do incesto. In: PIZÁ, G.; BARBOSA, G. F.; (ORG). A violência silenciosa do incesto. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. Cap. 1, p. 25-56. | ROCHA,Therezinha. Da violência à denúncia: a violência sexual e os recursos médico-assistenciais. In: Pizá, G.; Barbosa, G. F.; (ORG). A violência silenciosa do incesto. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. Cap. 5, p. 92-104.
AUTORAS Aline Monteiro da Silva | CRP 06/94393 Camila Christine Volles | CRP 12/05679 Greici Maestri Bussoletto | CRP 12/05896 | greici_maestri@yahoo.com.br Marília Fructuoso Machado | CRP 08/12307 Suela Maiara Bernardes | CRP 12/05617 Pós Graduandas do Curso de Psicologia Hospitalar e da Saúde da Faculdade Pequeno Príncipe – Curitiba/PR Trabalho apresentado em formato de pôster no ALAPSA 2007 – IV Congreso Latinoamericano de Psicología de la Salud e XI ENPAH – Encontro Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar, sendo premiado como menção honrosa no evento. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 15 | ago 2009
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COLUNA ATLASPSICO
NO CAMINHO DOS
PSICOPATAS T
enho acompanhado pela televisão o trabalho da atriz paranaense Letícia Sabatella em “Caminho das Índias”, aonde interpreta a vilã Yvone, uma psicopata desprovida de qualquer valor moral e ético. A atriz desenvolve muito bem a personalidade, a leitura corporal, o jogo de cena, a trama e todo o lado doentio, perverso de uma pessoa comprometida clinicamente. O indivíduo psicopata é aquela pessoa portadora de uma personalidade antissocial, incapazes de discriminar o certo do errado desde criança. Na fase adulta, serão capazes de tudo para alcançar seus objetivos de forma torpe. Não é possível tornar-se um psicopata e sim, nascesse. Psicopatas foram criados por pais que são psicopatas. É um comportamento (des)aprendido por observação de seus genitores ou uma herança biologicamente.
metrópoles, pode ser um chefe, um sócio ou até mesmo funcionário de uma organização ou até mesmo um (ex-) membro da família (ou agregado), prontos à dar o bote e tirar vantagem, sem se importar com o próximo e os que estão em volta. A psicopatia é incurável, um problema de ausência de caráter e empatia. O que a maioria da população aprende como sendo comportamentos adequados para conviver em harmonia numa sociedade, assim como princípios e valores morais, ético e o respeito ao próximo, o psicopata não consegue assimilar esses conceitos. É impossível ensiná-lo a colocar-se no lugar do outro. Ele pode errar, se envolver em processos jurídicos enumeras vezes, mas nunca terá a capacidade de fazer diferente. O psicopata não consegue aprender com os próprios erros. O psicopata só usa as pessoas próximas, sua rede de contatos como simples objeto para alcançar poder e dinheiro. No caso da psicopata Yvone, ela só deseja o poder e dinheiro. Quanto mais se tem, mais se querer. E como se consegue isso? Trapaceando, sem se importar com os outros. A impunidade é um trunfo.
Geralmente, os psicopatas não são necessariamente criminosos em série como nos cinemas e nos noticiários da TV, e sim (também), estão soltos por aí, disfarçados de cordeirinhos, de bons samaritanos. Os psicopatas são persuasivos, sedutores, simpáticos e prestativos. Se comportam de forma evasiva, não falam da vida pessoal No convívio social e profissional, o psicopata é para não cometerem deslizes. Falam baixo, se uma pessoa que inveja o outro, pode ser pelas suas contradizem muito acreditando na própria mentira conquistas, pela sua ótima formação acadêmica, com argumentos infundados. pelos projetos profissionais e familiares, enfim. Psicopata na vida de uma pessoa de bem é a mesma Os psicopatas circulam pelas ruas como coisa que uma bomba atômica: arrasa tudo que você um cidadão acima de qualquer suspeita. Para se levou anos para construir até então. A única coisa aproximar de suas vítimas, se disfarçam de melhores que um psicopata inveja e não consegue roubar é o amigos, instalados em condomínios das grandes caráter, honestidade e a dignidade alheia.
AUTOR 48
Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 Psicólogo Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade Tuiuti do Paraná e MBA em Gestão Estratégica de Pessoas - RH na Faculdade OPET (em curso). e-mail: atlaspsico@atlaspsico.com.br
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