Fábio França
PÚBLICOS Como identificá-los em nova visão estratégica
BUSINESS RELATIONSHIP
3a edição
revista e atualizada
PÚBLICOS Como identificá‑los em nova visão estratégica
BUSINESS RELATIONSHIP
Fábio França
PÚBLICOS Como identificá‑los em nova visão estratégica
BUSINESS RELATIONSHIP
3a edição
revista e atualizada
Copyright © 2004 Yendis Editora Ltda. 3a edição – 2012 Todos os direitos reservados. _________________________________________________________________ Editora: Dirce Laplaca Viana Coordenadora de texto: Gabriela Hengles Coordenadora de arte: Aline Gongora Coordenadora digital: Cristiane Viana Assistentes editoriais: Camila Lins, Marcelo Nardeli e Paula Jacobini Assistentes de arte: Bárbara Lorente, Fabio Augusto Ramos e Fabio Oliveira Assistente administrativa editorial: Thais Rodrigues Preparação de texto: Gisela Carnicelli Revisão de português: Renata Alves Editoração eletrônica: Felipe Hideki Imanisi Projeto gráfico: Let’s Type Design e Fabio Augusto Ramos Capa: Fabiane Maieron Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem a autorização escrita da Editora. As informações e as imagens são de responsabilidade dos autores. A Editora não se responsabiliza por eventuais danos causados pelo mau uso das informações contidas neste livro. Impresso no Brasil Printed in Brazil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) França, Fábio Públicos: como identificá‑los em nova visão estratégica: business relationship / Fábio França. – 3. ed. – São Caetano do Sul, SP: Yendis Editora, 2012. Bibliografia. ISBN 978‑85‑7728‑270‑8 12‑08114
CDD‑649.2
Índices para catálogo sistemático: 1. Organização e público: Relacionamentos: Relações públicas: Adminis‑ tração 659.2 2. Público e organizações: Relacionamentos: Relações públicas: Adminis‑ tração 659.2
R. Major Carlos Del Prete, 510 – São Caetano do Sul, SP – 09530‑000 Tel./Fax: (11) 4224‑9400 yendis@yendis.com.br www.yendis.com.br
Nota do Editor
Esta terceira edição de Públicos: como identificá‑los em nova visão estratégica, totalmente revisada e ampliada, preenche uma lacuna existente na área acadêmica de Comunicação. Principalmente voltada para os estudantes e profissionais de Relações Públicas, a obra é essen‑ cial também para todos os agentes da Comunicação. Fábio França, há anos exponente das Relações Públicas, oferece ao leitor um novo conceito de públicos, usualmente estabelecido pela Sociologia. Dessa forma, o autor consegue aproximar o tema à realida‑ de empresarial, ressaltando o valor da compreensão de que as relações entre as organizações e os públicos estão diretamente ligadas ao êxito institucional. É com imensa honra que a Yendis Editora agrega a seu catálogo esta obra significativa, e a seu rol de autores este tão estimado.
V
Autor
Fábio França Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Pau‑ lo – Relações Públicas (CRP–ECA/USP), tem formação em Filosofia e Psicologia. Foi executivo de Relações Públicas por mais de 20 anos em empresas nacionais e internacionais. Docente em programas de gra‑ duação e pós‑graduação em instituições universitárias brasileiras. Co‑ autor de Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos (2011) com J. E. Grunig e M. A. Ferrari; Manual da Qualidade em Projetos de Comunicação, com Sidinéia Gomes Freitas (1977); A Comunicação como Estratégia de Recursos Humanos (2011), com Gutemberg Leite; Relaciones Públicas: naturaleza, función y gestión en las organizacio‑ nes contemporáneas (2011), com M. A. Ferrari. É consultor de Relacio‑ namentos Corporativos e de Comunicação Organizacional.
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Agradecimentos
Agradeço a Fabiane Maieron França pela montagem dos gráficos, qua‑ dros e figuras ilustrativas desta edição. Sou grato também aos profis‑ sionais, professores e estudantes que colaboraram comigo, enviando comentários que muito contribuíram para a melhoria desta obra. Em especial, expresso meu reconhecimento à Yendis Editora por confiar em meu trabalho e proporcionar‑me a oportunidade de retrabalhar este livro, tornando‑o mais completo e didático.
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Sumário
Prefácio à 3a Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XIII Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XVII Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
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Origem e Evolução do Conceito de Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Público como Objeto Específico de Relações Públicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Origem do Conceito de Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Conceito Sociológico de Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Público Racional e Irracional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Teoria Situacional de Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Lucien Matrat e os Públicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Portfólio de Públicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Conceito de Stakeholders . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Conceituação de Públicos Internos, Externos e Mistos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Incongruência da Conceituação Tradicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41 Análise Crítica dos Conceitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
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Pesquisa sobre o Conceito de Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Necessidade da Pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Delimitação da Pesquisa e de seu Público de Interesse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 Resultados Gerais da Pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Resumo dos Principais Resultados da Pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Conclusões da Pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
3 Conceituação Lógica de Públicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Conceituação Lógica versus Conceitos Analisados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 Referencial Teórico da Conceituação Lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 Por que Conceituação Lógica? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Públicos em Relações Públicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Objetivos do Relacionamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Critérios de Relacionamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Estrutura da Conceituação Lógica de Públicos (CLP) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Questionamentos: grupos de pressão e redes digitais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
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Como Identificar e Fazer o Mapeamento Lógico dos Públicos: modelos de classificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 Valor Estratégico da Conceituação Lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Como Proceder na Identificação e no Mapeamento dos Públicos (IMP) . . . . . . . . . . . 94 Modelos de Classificação de Públicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Tabelas de Classificação por Modelos Estudados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
5 Aplicação do Conceito Lógico na Gestão da Comunicação e em Pesquisas . 115 Públicos e Gestão da Comunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 Públicos e Opinião Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 Uso do Paradigma Lógico em Pesquisas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
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Prefácio à 3a Edição
O tema deste livro é complexo e de interesse de todos os pro‑ fissionais da comunicação: jornalistas, relações públicas, publicitários etc. Todo comunicador visa atingir seu público específico, mas o pro‑ blema está em saber exatamente a que público ele se dirige. Diver‑ sos autores afirmam que os profissionais da comunicação dão pouca importância ao estudo dos públicos. Solano Fleta (1995, p. 173), da Universidade Complutense de Madri, ao citar a obra notável de Sorokin (1968) Sociedade, cultura e personalidade, diz: “nuestro autor dedica al concepto de público, en uma obra de más de mil páginas, unas pocas líneas”. Dennis Wilcox, da San Jose University, em Relaciones Públicas (2001, p. 233), chega a afirmar que o conhecimento das características do público – suas crenças, atitudes, preocupações e estilo de vida – é parte essencial da persuasão. Tal conhecimento possibilita ao comuni‑ cador particularizar as mensagens, responder a uma necessidade per‑ cebida e oferecer argumentação de ação lógica. O autor ressalta, ainda, que é possível estabelecer diretrizes para a seleção de estratégias e táticas adequadas para se alcançar os públicos definidos. Trata‑se, portanto, de um tema de grande relevância para os comunicadores. Quando se procura estudá‑lo, verifica‑se que, com exceção de capítulos esparsos em manuais, como afirmou Fleta, há pouca literatura sobre o assunto. O público como conceito é anali‑ sado principalmente pelos sociólogos e as definições clássicas foram formuladas por eles. Vale lembrar que definem público como grupo de pessoas com interesses comuns que se vê diante de uma controvérsia e procura resolvê‑la por meio do debate. Mas essa definição continua sendo válida para os relacionamento das organizações reestruturadas e globalizadas na realização de seus negócios? Parece que ela não se
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
aplica mais à realidade mercadológica e competitiva de hoje, pois o objetivo das organizações diante de seus públicos tornou‑se extrema‑ mente específico, visando ao desenvolvimento de parcerias comerciais de interesse de ambas as partes. A falta de estudos sobre essa nova inter‑relação tem levado ou‑ tros autores a criar definições que acabam permanecendo dentro da visão sociológica. Se o objetivo maior no âmbito atual é a realização de negócios, será preciso encontrar um conceito de caráter geral, aplicável aos princípios estratégicos das organizações, que são, em sua essência, uma concatenação lógica de ações destinadas a atingir as grandes me‑ tas empresariais de produtividade e lucratividade. Foi a partir desse raciocínio, com o suporte de uma pesquisa qualitativa realizada junto a grandes organizações, que surgiu a pro‑ posta de uma conceituação lógica de públicos, desenvolvida sob a linha do planejamento por diretrizes estratégicas e da administração pela gestão do conhecimento. Dessa forma, essa proposta foi capaz de ex‑ plicar os diversos tipos de composição de públicos e de suas relações com as organizações na realização de seus negócios. O interesse pela definição dos públicos é de todos os comuni‑ cadores, mas a pesquisa bibliográfica levou o estudo a se concentrar nos autores dedicados à atividade de relações públicas, que, dentre todos, são os que mais estabelecem diretrizes e descrevem as formas de relacionamento com os mais diversos públicos que interagem com as empresas, tanto do ponto de vista institucional como mercadológi‑ co. Por isso, o teor do livro está centralizado no estudo de públicos em relações públicas, mas suas conclusões contribuirão para todos os comunicadores. As descobertas são apresentadas aos comunicadores como uma colaboração para a análise da função estratégica das rela‑ ções de negócios (business relationship) das organizações globalizadas com os seus mais diversos públicos. A importância do conhecimento preciso das relações das orga‑ nizações com os públicos é condição obrigatória para o sucesso dos negócios. Diante das mídias digitais, que aumentaram a vulnerabili‑ dade das organizações, dos setores governamentais e de prestação de
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Prefácio à 3a edição
serviços, tornou‑se evidente a preocupação de todos em dar pronto atendimento aos cidadãos e consumidores por meio de programas es‑ pecíficos e até da contratação de ombudsmen e ouvidores capazes de responder as suas indagações de forma rápida e convincente. A exigên‑ cia básica para o êxito dessas medidas é o conhecimento dos públicos da organização, do seu perfil, de suas expectativas e dos modos de sua inter‑relação com ela, visando a defesa de seus direitos. Com o intuito de aperfeiçoar esta obra, desde o lançamento da primeira edição, temos acompanhado a aplicação da conceituação lógica por consultorias de relações públicas, agências de comunicação, por organizações preocupadas em melhorar suas relações com colabo‑ radores, consumidores, fornecedores e setores governamentais e até em concursos públicos. Por meio desse trabalho, recebemos sugestões de profissionais, professores e estudantes que nos permitiram reavaliar nossa proposta, corrigir falhas, esclarecer dúvidas e reformular, onde foi necessário, o texto deste livro. Na busca de maior clareza, revisamos e tornamos mais precisas as definições, explicitamos a necessidade de gestão dos relacionamentos, reformulando, por motivos didáticos, os Capítulos 3 e 4 aos quais foi acrescentado o Capítulo 5. Essas alte‑ rações tiveram por objetivo ressaltar a apresentação da conceituação lógica, bem como suas aplicações no tratamento com diferentes tipos de públicos, na gestão da comunicação e na elaboração de pesquisas. Conforme afirmado na primeira edição, esta obra não tem a pre‑ tensão de negar as diferentes conceituações de públicos empregadas pela academia e pelas organizações contemporâneas. Muito menos de utilizar teorias complexas sobre o campo da lógica, os seus meios, os seus limites e os seus métodos (lógica das proposições, dos predica‑ dos etc.), pois é dirigida aos acadêmicos da área de comunicação que, infelizmente, não contam com esta disciplina nas matrizes pedagógicas de seus cursos. Por isso, a terminologia empregada se limita ao uso de alguns termos, explicados de modo a ser compreendidos por quem não teve contato com a sistemática das expressões lógicas. Esta obra representa apenas a contribuição de um pesquisador para o aprofunda‑ mento do estudo do conceito de público e para a análise mais profunda
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
e produtiva da interatividade das organizações com os públicos de re‑ ferência na realização de seus negócios. Esperamos que esta 3a edição, revisada e ampliada, contribua para alcançar os objetivos anteriormente apontados e continue a merecer a consideração dos leitores para o seu aperfeiçoamento.
Professor Dr. Fábio França São Paulo, outubro de 2011
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Apresentação
Apresentação
Destituída dos seguintes atributos: vínculo com modismos, uso de termos vagos, nenhum senso de organização didática; cientificidade questionável, total desvinculação com as necessidades e a realidade do mercado de trabalho, enfim aquela obra que acrescenta, opina, mas não resolve problemas, finalmente o leitor encontrará um novo paradigma para pensar e aplicar o conceito, a classificação e a instrumentalização de públicos nas ações, no fazer profissional dos comunicadores do Brasil. Podemos ir além de nossas fronteiras, posto que autores inter‑ nacionais foram avaliados e, em alguns casos, questionados. Esparávamos todos, em especial os profissionais de relações pú‑ blicas, conhecidos como RPs, uma efetiva contribuição que atendesse o ensinar e o fazer do comunicador. Conscientes de nossa fragilidade filosófica (lógica), necessitavam todos: RPs, jornalistas, publicitários, comunicadores e áreas afins de um pensador que reunisse humildade, cultura geral sólida, formação multidisciplinar, larga vivência profis‑ sional e coragem suficiente para criar, contestar, reafirmar, avançar e nos brindar com um paradigma baseado na lógica aristotélica testado e aplicado ao mundo globalizado. Certamente é um marco inquestio‑ nável, que emociona, quando nos deparamos com o talento do doutor Fábio, que percorre com maestria os clássicos nacionais e internacio‑ nais com didática e proficiência. Cria, ensina e comprova. Realmente uma obra que nos encanta. A leitura de sua obra nos permite perceber claramente que a atividade de comunicação vem crescendo e se alicerçando notadamente após o processo de globalização em que estamos inseridos e que se refletiu de forma positiva em uma das habilitações do campo da Comu‑ nicação Social ‑ Relações Públicas ‑ na medida em que a comunicação
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
informatizada exige cada vez mais a comunicação dirigida, que não substitui a comunicação de massa, mas que reflete a precisão do pla‑ nejamento científico. Por outro ângulo de análise, os sociólogos afir‑ mam que, no mundo “pós‑moderno”, todos nós pertencemos a grupos e públicos que se constituem e se desfazem com maior velocidade de comunicação. Orientados que somos por interesses comuns, naquele momento, naquele tempo, determinando novas formas de relaciona‑ mento. Ora, a atividade de relações públicas e por que não afirmar, de grande parte dos comunicadores, depende do gerenciamento dos rela‑ cionamentos com os públicos das organizações e perante novas formas de organização da sociedade globalizada. Portanto não basta analisar o novo. É preciso prever como se trabalhar com o novo, notadamente no campo da ciência social aplicada em que se insere a comunicação social e onde estão localizados os “especialistas” nas relações com o público. A sociologia contribuiu e contribui, mas definitivamente os con‑ ceitos adaptados em público interno, externo e misto passaram a ser motivo de sátira, à medida em que as organizações dependem cada vez mais dos relacionamentos para a eficácia de seus negócios. Localizar e classificar com que sentido, com que argumentos lógicos? As relações entre uma organização (conceituada como um organismo vivo) e seus públicos é finalidade precípua das relações públicas e da comunicação. O veículo é meio apenas para se atingir o relacionamento, mas as re‑ lações para os RPs são fundamentalmente business relationship. Rela‑ ções de negócios, de trabalho que estão a exigir melhor e mais precisa identificação dos públicos em nova visão estratégica. Mas como usar o termo público estratégico ou público essencial, sem explicar, sem demonstrar, sem comprovar? Era a superficialidade que criticávamos. Era preciso buscar um novo paradigma. É o que o leitor encontrará. Aprendendo e apreendendo. Aplicando e testando, porque o autor ofe‑ rece flexibilidade de modelos suficiente para o que se destina, ou seja, o planejamento das atividades de comunicação no mundo dos negócios e do mercado globalizado cujo fato, positivo ou negativo, depende da correta gestão do conhecimento.
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Apresentação
Quando falarmos do nosso plano de comunicação, nós, todos os comunicadores sociais, não poderemos mais responder que tudo “dependeu”. Dependeu da empresa, dependeu da situação, dependeu do ramo de atividade, dependeu dos interesses em jogo. Essa pos‑ tura, após a leitura desta obra, permitirá ao leitor assimilar a opera‑ cionalização da logicidade. Algo que transcende as preferências, os modismos no uso de termos, o marketing pessoal do profissional que promove seu trabalho, ou a preferência do empregador que acreditou na comunicação e abriu‑lhe espaço em seus planos estratégicos. O que é lógico explica‑se com naturalidade e conhecimento em seu sentido mais amplo. A lógica aristotélica aliada à experiência profissional e cultura sólida do doutor Fábio resultou nesta mudança de paradigma do con‑ ceito e classificação de públicos e ainda oferece aos profissionais de comunicação, em especial às relações públicas, uma clara demonstra‑ ção da busca de cientificidade de que precisamos. Particularmente, foi uma imensa honra e satisfação ter podido compartilhar das discussões e das críticas construtivas que pudemos construir ao longo do desenvolvimento deste precioso trabalho. Cres‑ cemos todos nós.
Professora Dra. Sidinéia Gomes Freitas
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INTRODUÇÃO
Introdução
Os autores que se dedicam ao estudo de relações públicas in‑ sistem em afirmar que os públicos representam o objetivo maior da ati‑ vidade, mas poucos profissionais se dedicam à sua precisa categoriza‑ ção. Não basta citar um rol de públicos, é preciso se convencer de que o trabalho de relações públicas exige que se defina com clareza a quais públicos estamos nos dirigindo e qual a interdependência existente nessa associação com relação às pressões exercidas entre as partes e às vantagens que podem ser auferidas desse convívio. Em artigo publica‑ do em 1998, intitulado “Uma esfinge chamada público”, que enfoca o público cultural, o professor João Denys Araújo Leite, da Universidade Federal de Pernambuco, atribui a complexidade do estudo dos públicos à sua pluralidade e à sua inexatidão conceitual quando afirma: Examinar o público significa examinar os públicos em sua va‑ riedade e dimensionalidade. Analisá‑lo, conhecê‑lo e dominá‑lo quer dizer: compreender o ser humano em sua totalidade. Dito dessa forma, público cultural poderia ser uma área de conheci‑ mento; não é matéria nem disciplina. Sua interdisciplinaridade cobre toda a geografia do ser no espaço e no tempo de jogo, tanto ao nível do particular, quanto ao nível do universal. Os en‑ trecruzamentos e interdependências desta área se operam entre a filosofia e a política, entre a antropologia e a história, entre a so‑ ciologia e a psicanálise, entre a economia e a arte. (Leite, 1998) Percebe ‑se, nesse posicionamento, como afirmam Andrade (1989, p.68) e Wilcox (2001, p. 249), que público não é um todo mo‑ nolítico, ao contrário: “é uma mescla complexa de grupos com diversos enfoques culturais, étnicos, religiosos e econômicos, e cujos interesses às vezes coincidem e outras vezes entram em conflito”. A complexidade do termo traz a dificuldade em precisar seu exato sentido. A filosofia ensina que quanto maior a extensão do termo,
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
menor é a sua compreensão. É possível, portanto, analisar os públicos de maneira ampla ou restrita. A amplitude do conceito pode ser con‑ siderada quando se focalizam os multipúblicos que podem ser identi‑ ficados em qualquer interação social ou quando o conceito é visto sob os ângulos geográfico, territorial, sociológico ou como representante de segmentos da sociedade (públicos especiais, por exemplo: terceira idade, jovens, grupos políticos, associações civis, sindicatos, grupos religiosos, ONGs etc.). Nesse caso, admite‑se até a existência de pú‑ blicos preestabelecidos, como observa Wilcox (2001, p. 250): Há alguns segmentos que são fáceis: Zoc Mac Cathrin deno‑ mina “públicos pré‑acondicionados” aos que pertencem a essa categoria. Trata‑se de públicos bem organizados cujos mem‑ bros associaram‑se em torno de um interesse comum; para os relações‑públicas que elaboram projetos para atingi‑los repre‑ sentam objetivos já preparados. Alguns exemplos desses públicos “pré‑acondicionados” são os membros de negócios dos Rotary Clubs ou os amantes dos animais da Humane Society. Essa interpretação não se aplica, porém, a outras categorias de públicos, como os governamentais, empresariais, de prestação de ser‑ viços e do terceiro setor. Os públicos governamentais, por exemplo, apresentam uma estrutura juridicamente hierarquizada tendo cada um de seus segmentos bem determinado na sua constituição e nas suas funções nos níveis federal, estadual e municipal. Da mesma forma, há uma rede estruturada de relações, nem sempre bem definida, para des‑ crever os demais públicos, o que leva à utilização de termos genéricos para identificá‑los, como: subpúblicos, públicos remotos, pulveriza‑ dos, radicais favoráveis e inflexíveis, neutros (Mestieri, 2004, p. 128 ‑129), não público, público latente, público consciente e público ativo (Grunig, 1984, p.146). Além da designação de grande público empre‑ gada por alguns autores, temos a declaração de Herbert Baus (1963, p. 41) afirmando que “o público, em seu sentido amplo, é a humanidade”. Fica, portanto, evidente o acerto do axioma filosófico, quando se refere à dificuldade de se definir um termo de grande extensão.
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Introdução
Do ponto de vista estrito, o da compreensão, procura‑se delimitar ao máximo a extensão do termo “público”, para sua melhor compreensão. Esse conceito, na visão filosófica, é definido por Mora (2000, p. 507): Compreensão de um conceito é o nome dado ao seu conteúdo, motivo pelo qual se deve entender “o fato de que um conceito determinado se refira justamente a esse objeto determinado” (Pfänder), o fato de que o conceito se refira a um objeto e seja composto pelas referências mediante as quais o conceito expõe seu objeto, as constâncias mentais que no conceito correspon‑ dem às notas constitutivas do objeto (Romero). À luz desse raciocínio, o público é analisado em sentido estrito, quando se procura definir de modo específico, quanto a organização, tipo de relação, objetivos e expectativas que se tem dela. Sob o mesmo ponto de vista, é possível, inversamente, indagar os públicos que tipo de relação, objetivos e expectativas eles têm das organizações com as quais estão ligados ou podem ligar‑se (públicos potenciais). São dois pólos interdependentes que se encontram no estabelecimento de re‑ lações recíprocas em busca da obtenção de vantagens compensatórias em seus negócios. Este trabalho contextualiza a relação estrita entre organizações e públicos, pois é nesse cenário que atuam os profissionais da comunica‑ ção, inclusive os relações‑públicas. A realização de um trabalho eficaz exige uma definição de públicos que corresponda às suas notas consti‑ tutivas e que seja capaz de determinar o conteúdo das inter‑relações das partes, de modo a obter com segurança a apuração de todas as fases da relação, o tipo e os objetivos da relação, a importância da dependência entre as partes, a temporalidade e as expectativas dessa interação. O detalhamento dos componentes da relação tem como objetivo delimitar a ação dos públicos que interagem com organizações empre‑ sariais e que com elas colaboram no desempenho de seus negócios e nas suas políticas empresariais e comunitárias, ou seja, o público de interesse maior do trabalho dos profissionais de comunicação e de re‑ lações públicas como “segmento do público que se pretende atingir e sensibilizar em uma campanha, um anúncio, uma notícia etc.” (Rabaça e Barbosa, 2001, p. 604). Não há pretensão de definir todas as redes de relação que são desenvolvidas na sociedade, mas apenas de encon‑
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
trar uma conceituação que contribua para esclarecer o relacionamento das organizações com as partes interessadas. Focaliza‑se, portanto, um universo delimitado, embora ainda bastante amplo, da interação da or‑ ganização com seus pluripúblicos. Ao analisar a rede de públicos e tentar mapeá‑los, procura‑se apreender o conhecimento explícito do conceito encontrado na pes‑ quisa bibliográfica e captar os elementos tacitamente contidos nele. Em seguida, passa‑se a examiná‑lo de forma mais profunda em busca de um sistema lógico que possa ser aplicado, apropriadamente, às mul‑ tirrelações das partes, identificando, por meio de pesquisa qualitativa, o processo típico das inter‑relações organizacionais com os públicos. Na busca desse objetivo, o Capítulo 1 aborda a origem do con‑ ceito, como desenhado por Gabriel Tarde, Alvin Toffler e autores de obras sobre comunicação e relações públicas. Examinam‑se as defi‑ nições fundamentadas do modelo sociológico de Blumer e Dewey; destacam‑se enfoques como o situacional de James E. Grunig e as pro‑ postas comumente apresentadas na categorização de públicos internos, externos e mistos, protagonizada por Teobaldo de Souza Andrade. A proposta é fazer a releitura do conceito de público, examinando o al‑ cance e a propriedade do posicionamento dos diversos autores. Esse procedimento permitiu conhecer as dificuldades encontradas no estudo do tema e verificar a validade ou não das definições em pauta. Diante dessas barreiras, o Capítulo 2 apresenta uma pesquisa qualitativa, realizada em grandes empresas que atuam nos setores in‑ dustriais e de prestação de serviços, com a intenção de analisar as inter‑relações dessas organizações com seus públicos, a fim de identi‑ ficar as formas de relacionamento e os elementos que poderiam fazer parte dessa convivência. Os dados apurados na pesquisa possibilitaram o entendimento, com maior abrangência, das modalidades da relação empresa‑públicos e da posição objetiva existente nessa relação. Surgiram, assim, de maneira clara, elementos não considerados de modo específico nesse tipo de estudo, como a necessidade de iden tificar quais públicos são de interesse efetivo e permanente por parte das organizações. O Capítulo 3, fundamentado nos referenciais da pesquisa, em princípios do raciocínio filosófico e da gestão do conhecimento, pro‑ põe conceituar os públicos a partir dos aspectos essenciais e não es‑
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Introdução
senciais da relação. Reforçou‑se, dessa maneira, a ideia de que o rela‑ cionamento das organizações com seus públicos, para atender a seus objetivos de negócios, não poderia ter fundamento apenas no conceito sociológico. A proposta de um novo paradigma está explícita nesse ca‑ pítulo, que utiliza as inferências lógicas para detalhamento das relações reais, virtuais, sociais e comerciais existentes no cenário interno e ex‑ terno da interação da organização com seus públicos e, inversamente, dos públicos com a organização. Com o intuito de oferecer caminhos para o correto entendimento dessa conceituação, o Capítulo 4 apresenta exemplos da sua aplicação. A base da existência dos públicos é a relação, ou seja, a neces‑ sidade de troca de experiências entre as pessoas, de bens e serviços entre os grupos ou entre uma organização e os públicos dos quais ela depende para sua constituição, seu desenvolvimento e sua sobrevivên‑ cia. Continua‑se, portanto, em um campo complexo e mutável pelo seu caráter situacional. A codificação lógica proposta não pretende limitar a liberdade que cada organização ou profissional tem de selecionar seus públicos de interesse e de utilizar qualquer classificação que lhe for conveniente para estabelecer relacionamentos bem orientados. Na identificação de relações puramente sociais, permanecem válidos os conceitos piscossociológicos ou a categorização geral de públicos in‑ ternos e externos. Esta obra, no entanto, defende o princípio de que, quando se tratar dos relacionamentos de negócios, é preferível adotar a conceituação lógica, pois oferece respostas precisas e coerentes para determinar o papel de cada público e de sua interação com qualquer organização, o que pode contribuir de maneira eficaz para que os co‑ municadores se tornem experts no assunto e obtenham resultados mais satisfatórios junto aos públicos com que tiverem de atuar. O Capítulo 5 foi acrescentado para oferecer maiores explicações sobre públicos e a opinião pública, bem como o uso estratégico dessa conceituação inovadora em projetos de comunicação e pesquisas. Este trabalho emprega uma linguagem didática para facilitar a compreensão do raciocínio lógico que é empregada nele como sendo de aplicação global, pertinente à realidade das organizações atuais, empenhadas na gestão do conhecimento como vantagem altamente competitiva.
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CAPÍTULO 1
Origem e Evolução do Conceito de Público
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
Público como Objeto Específico de Relações Públicas O Parlamento Nacional de Relações Públicas, movimento de atualização da atividade, ao apresentar o Documento Final de seu tra‑ balho no XV Congresso Brasileiro de Relações Públicas, realizado em 1998, na cidade de Salvador (BA), estabeleceu que cabe à atividade de relações públicas “diagnosticar o relacionamento das entidades com seus públicos” e “propor políticas e estratégias que atendam as neces‑ sidades de relacionamento das entidades com seus públicos”1. Admitindo que relações públicas dizem respeito a uma ativida‑ de cujo objetivo primordial é consolidar a marca da empresa, promo‑ ver seu conceito corporativo e estabelecer relacionamentos planejados estrategicamente com os públicos, ela se torna mais compreensível e recebe um foco diferente daquele que lhe é conferido pelas inúmeras definições descritivas que apenas indicam suas funções e proprieda‑ des. Nesse contexto, poderá ser definida por meio de um conceito preciso de relacionamentos com públicos específicos para atingir seus objetivos institucionais e mercadológicos. Foi nesse sentido que o Parlamento Nacional, em suas conclusões, considerou que a ativida‑ de tem por objetivo o “estabelecimento de relacionamentos”. Dessa forma, todos entenderão que “o estabelecimento de relacionamentos estratégicos da organização com os públicos específicos é atividade de Relações Públicas”. O novo passo a ser dado, com base em critérios seguros, será explicar, de forma coerente e precisa, como estabelecer relacionamen‑ tos estratégicos por meio do conhecimento dos públicos de interesse
1 As conclusões do Parlamento Nacional de Relações Públicas foram formatadas a partir da Carta de Atibaia, de outubro de 1997, redigida por uma comissão nomeada pelo Conferp, sob a gestão da Professora Dra. Sidineia Gomes Freitas (exercício 1995 ‑1997), e o condutor do Parlamento foi o Professor Dr. Júlio Zapata. Compuseram a comissão redatora: Cândido Teobaldo de Souza Andrade, Celso Alexandre de Souza Lima, Elizabeth Pazito Brandão, Fábio França, Jorge Eduardo de Araújo Caixeta, Júlio Zapata, Paulo César Coelho Ferreira e Roberto Porto Simões.
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
das organizações, definindo‑se, igualmente, os tipos, objetivos e as expectativas desses relacionamentos. É fundamental estudar o conceito de público encontrado na li‑ teratura acadêmica, identificar os públicos com os quais as empresas lidam e as razões dessa ligação. A primeira preocupação é o estudo teórico do tema a partir dos conceitos comumente admitidos, verificando‑se se são adequados ou não à atual realidade organizacional; se existem convergências ou divergências em sua formulação e aplicação, procurando ainda identi‑ ficar os critérios que sustentam as definições. Discorre‑se sobre a for‑ mação do conceito de público, o posicionamento de diversos autores e focaliza‑se a análise crítica dos conceitos encontrados. Propõe‑se, também, um paradigma que permita definir com maior precisão os pú‑ blicos e os papéis que estes desempenham perante as organizações, pois é um “erro generalizado” não fixar uma conceituação exata para público em relações públicas, segundo Andrade (1989, p. 68). O pú‑ blico representa, para ele, a “matéria‑prima” de relações públicas, mas este é um tema pouco analisado (1980, p. 22) até mesmo por autores clássicos dessa teoria. Andrade foi, no Brasil, quem mais se preocupou em esclarecer esse conceito em suas diferentes obras, defendendo uma posição psicossociológica. Ele observa que apenas alguns se dedicam ao estudo da natureza dos públicos, a saber: Bertrand Canfield, Scott Cutlip e Allen Center, Harwood Childs. Pode‑se acrescentar ainda Ga‑ briel Tarde, James E. Grunig e Todd Hunter, John E. Marston, Philip Lesly, Roberto Lammertyn, Dennis L. Wilcox, Luis Solano Fleta e Wal‑ dyr Gutierrez. A necessidade de se determinar de maneira clara os públicos aos quais são dirigidos os projetos de comunicação e com os quais as empresas têm necessariamente de lidar pode ser verificada na seguinte afirmação de Philip Lesly (1995, p. 46): “as comunicações são básicas para a existência diária de todo indivíduo moderno e de toda organiza‑ ção, de qualquer tamanho”. E Lesly completa seu pensamento dizendo que, até mesmo nos níveis mais primitivos, o ser humano precisa classi‑ ficar o que acontece em seu ambiente. Da mesma forma, a organização
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
necessita saber o que acontece entre os grupos que a influenciam para poder atingir de modo objetivo os diversos públicos de seu interesse. Reconhecidos autores de relações públicas como Philip Lesly, Doug Newsom e Alan Scott, Scott M. Cutlip, Allen H. Center e Dennis L. Wilcox, ao estudar os relacionamentos das organizações com os públicos, consideram essa relação dentro de uma visão macro, dire‑ cionada aos papéis que os diferentes públicos desempenham na so‑ ciedade e, como parte dela, estudam os laços desses públicos com as organizações. Lesly, por exemplo, analisa com cuidado vários públicos, como os empregados, a comunidade na qual situa todos os demais públicos, como se nela formassem uma “pirâmide do poder”. Dirige ainda atenção aos públicos, que denomina especiais, representados pelas mulheres, jovens, negros, idosos e outros. O público não é um todo monolítico, observam os autores. Para Wilcox (2001, p. 249), “trata‑se de uma mescla de grupos com diversas características cultu‑ rais, étnicas, religiosas e econômicas, cujos interesses podem coinci‑ dir ou não” (2001, p. 249). Os manuais são unânimes ao afirmar que é fundamental identificar os públicos, conhecê‑los e saber lidar com eles, a fim de que as organizações sejam bem‑sucedidas nesse relacio‑ namento. A partir desse preceito, apresentam extenso rol de públicos, considerados como principais e prioritários para a empresa, que pre‑ cisa relacionar‑se com eles por motivos institucionais, promocionais e de negócios. A prática de relações públicas no Brasil, durante muito tem‑ po, dedicou‑se, por razões históricas, à atuação interna nas empre‑ sas. Perdeu, assim, a perspectiva ampla e estratégica de se concentrar no gerenciamento das relações externas da organização, nos assuntos públicos e na relação com os poderes constituídos. Essa visão míope talvez possa ser atribuída à reduzida aceitação da atividade no mercado e à manutenção de sua posição conservadora, que se reflete, inclusive, em relação ao conceito de públicos, cristalizado em três categorias: in‑ ternos, externos e mistos. As transformações sociais e organizacionais demonstraram que essas categorias não mais correspondem à realidade enfrentada pelas empresas na relação com os públicos, nem à segmen‑
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
tação desses mesmos públicos, entendidos hoje como nichos específi‑ cos aos quais deve ser dirigida a ação das empresas.
Origem do Conceito de Público Para Rodrigues (2000, p. 97), a definição de público é: categoria moderna, criada no século XVIII, que, na origem, era constituí‑ da por pessoas esclarecidas com vista ao livre debate político, literário ou científico. Tratava‑se de uma categoria política empenhada no esclareci‑ mento e na emancipação do homem moderno em relação ao obscuran‑ tismo e ao domínio do poder autoritário e coercitivo do Antigo Regime.
Dessa forma, Lesly (1995, p. 15), ao abordar as relações da or‑ ganização com os diversos grupos, diz que uma das concepções desse papel era: dirigir o que eles devem pensar e fazer de acordo com os desejos da or‑ ganização envolvida. Esta é a aproximação de ação, que vê os públicos como alvos dos próprios interesses da organização. Era esse o aspecto predominante da ascensão de relações públicas durante a época na qual a sociedade era dominada de modo inquestionável pelas instituições que a regiam.
Esse dado histórico remete à necessidade de investigar qual deve ser o conceito de público que explique as inter‑relações deste com a organização. Para definir essa ideia, de acordo com os princípios da filoso‑ fia, é preciso averiguar o significado e determinar suas características essenciais. Na literatura sobre o assunto, encontram‑se diversas ex‑ plicações sobre a natureza e a significação desse conceito, nem sem‑ pre convergentes e, por vezes, limitadas e contraditórias. Optou‑se primeiramente por apresentar um histórico da formação da definição que foi sendo desenvolvido sob diferentes enfoques na medida em que surgiram fatores de caráter sociológico, político, mercadológico e outros, que vieram interferir diretamente na sua formação, como o aparecimento da imprensa industrial, a institucionalização dos meios
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
de informação de massa. Dessa forma, o público torna‑se produto do próprio funcionamento dos órgãos de informação, dando origem, se‑ gundo a explicação de Rodrigues (2000, p. 97), à categoria audiência. Em Gabriel Tarde (1992, p. 30‑34)2, há um interessante estudo sobre a origem do conceito de público. Após afirmar que não se pode confundir a multidão com o público, questiona: De onde vem o público, como ele nasce, como se desenvolve; suas varie‑ dades; suas relações com seus dirigentes; suas relações com a multidão, com as corporações, com os Estados; sua força para o bem ou para o mal e suas maneiras de sentir ou de agir: eis o que nos propomos a pesquisar neste estudo (1992, p. 30).
O intento deste trabalho é o mesmo: averiguar a noção de públi‑ co a partir de suas origens, comparando‑a com as definições atuais, a fim de compreender melhor o que é o público e como os relacionamen‑ tos com ele mudam, seguindo a diversidade dos contextos econômico ‑social‑mercadológico e técnicos de cada época. Ao estudar o público e a multidão, Tarde atribui à relação social de massa o nome de público. Portanto, não se refere a público como se faz hoje, dando‑lhe conotação política, mas como um conceito psi‑ cossociológico que explica de modo uniforme os relacionamentos das diferentes camadas da sociedade. Para o autor: Não há palavra, nem em latim nem em grego, que corresponda ao que entendemos por público. Há as que servem para designar o povo, a as‑ sembleia dos cidadãos armados ou não armados, o corpo eleitoral, todas as variedades de multidões. Mas qual o escritor da Antiguidade que pensou em falar de seu público? Nenhum deles jamais conheceu senão seu auditório (1992, p. 33).
Da mesma forma, os leitores de esparsos manuscritos copiados à mão, com pequeníssimas tiragens, “não tinham consciência de formar 2 Gabriel Tarde (1843‑1904) era sociólogo, filósofo e criminalista francês. Como pesquisador das ciências sociais e humanas, seu trabalho é importante para o estudo da comunicação. Sua obra L’opinion et la la foule (1901), citada neste texto, foi a primei‑ ra a estudar o conceito de público e de suas relações com a multidão.
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
um agregado social, como no presente os leitores de um mesmo jornal ou, às vezes, de um mesmo romance em moda”. E indaga Gabriel Tarde: Havia um público na Idade Média? Não, mas havia feiras, peregrinações de multidões tumultuosas dominadas por emoções piedosas ou belico‑ sas, cóleras ou pânicos. O público só pôde começar a nascer após o primeiro grande desenvolvimento da invenção da imprensa, no século XVI (1992, p. 33‑34).
O autor observa ainda que a leitura cotidiana e simultânea de um mesmo livro, a Bíblia, editado pela primeira vez em milhões de exem‑ plares, começou a dar à massa uniforme de seus leitores a sensação de formar um corpo social novo, separado da Igreja. Todavia, para ele “o público como tal só de destacou um pouco mais claramente sob o reinado de Luís XIV”. Mas, mesmo nessa época, quando a sociedade lidava com multidões como hoje o público não se compunha muito mais do que de uma pe‑ quena elite de “homens de bem” que liam sua gazeta mensal, que liam, sobretudo livros, um pequeno número de livros escritos para um peque‑ no número de leitores. Além disso, esses leitores estavam em sua maior parte reunidos em Paris, ou mesmo na corte (1992, p. 35).
Somente no século XVIII, argumenta o autor, o público cresce rapidamente e se fragmenta, fazendo surgir as características que co‑ meçaram a determinar com maior precisão o conceito. Na segunda metade do século XVIII, nasce, cresce um público político, que em seus transbordamentos irá em breve absorver, como um rio, seus afluentes, todos os outros públicos, literário, filosófico, científico (1992, p. 35).
Mas, segundo Tarde, o conceito independente de público firmou‑se somente após a Revolução de 1989 com a multiplicação de jornais, avidamente devorados. Sem tiragens diárias, esses periódicos eram lidos apenas em poucas cidades e “cada um destes grandes e odiosos publicistas – Marat, Desmoulins, Duchesne – tinha seu pú‑ blico”. Todavia, a concentração do público revolucionário em Paris, as
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dificuldades técnicas de distribuição dos jornais para todos, ao mesmo tempo, impediam “a sensação de atualidade e a consciência de una‑ nimidade simultânea, sem as quais a leitura de um jornal não difere essencialmente da de um livro”. Essa consciência começou a existir apenas no século XIX depois da invenção da tipografia, da estrada de ferro e do telégrafo, que permitiram ampla difusão do que era publica‑ do. Gabriel Tarde não vislumbrou na sua obra a sociedade da informa‑ ção, do conhecimento, da informática e da rede mundial da Internet, fatores que não só alteraram, mas aceleraram de maneira inconcebível a transmissão de informações e a sua recepção pelos públicos de todo o mundo, instantaneamente, modificando também todas as formas de relações das organizações com eles. Quem explica esse novo mundo é Alvin Toffler (1995), cujos conceitos são desenvolvidos a partir de sua trilogia de sucessivas ondas do desenvolvimento da sociedade. Ao traçar o perfil da sociedade do século XXI pela análise das transformações na natureza do poder, Toffler (1995, p. 372‑373) de‑ monstra como se deu o desenvolvimento da comunicação em três for‑ mas básicas, a saber, a da primeira, da segunda e da terceira onda. Empregando tal analogia, é possível identificar, de igual forma, três tipos de público: 1. O da “primeira onda”, ou seja, das sociedades agrárias, quan‑ do o público era o interlocutor imediato. As comunicações passavam de boca em boca e de rosto em rosto dentro de grupos muito pequenos. Como passar dessa comunicação restrita para outra mais ampla – de massa –, isto é, como atingir outras audiências? Em um mundo sem jornais, rádio ou televisão, a única maneira de uma mensagem atingir uma audiência em massa era uma reunião de uma multidão. A multidão foi, de fato, o primeiro meio de comunicação em massa (Toffler, 1995, p. 372).
Deduz‑se dessa afirmação que a multidão foi, também, o pri‑ meiro e o maior público das sociedades agrárias, embora ainda limita‑ do na sua extensão e sem tecnologia.
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
2. O público da “segunda onda” insere‑se no sistema de cria‑ ção de riqueza. Toffler (1995, p. 372) o define como um público que, baseado na produção fabril em massa, precisou de mais comunicação a determinada distância e provocou o desenvolvimento dos correios, do telégrafo e do telefone. E para atender as necessidades da força de trabalho das novas fábricas foram inventados os meios de comunicação de massa baseados na tec‑ nologia. Jornais, revistas, cinema, rádio e televisão.
Milhões de pessoas podiam receber as mesmas mensagens transmitidas quase que simultaneamente pelo poder dos diferentes veí culos da sociedade industrial. Segundo essa perspectiva, o público já se tornara massa muito mais difícil de ser atingida por falta de segmen‑ tação, como ocorre hoje. 3. A “terceira onda” reflete as necessidades da emergente eco‑ nomia pós‑produção em massa. Tal como as mais recentes fábricas de “manufatura flexível”, o sistema de comunicação individualiza os seus produtos e envia diferentes imagens, ideias e símbolos para segmentos da população, de mercados, categorias etárias, profissões, grupos técnicos ou de determinado estilo de vida, to‑ dos mediante uma conceituação específica (Toffler, 1995, p. 372‑373).
As afirmações de Toffler, analisando os públicos e a mídia desde a sociedade agrária até a sociedade pós‑industrial, demonstram duas realidades: a mobilidade do conceito de público e as formas flexíveis que apresenta. Tais formas passam pelas mensagens que inicialmente eram centralizadas no indivíduo, partindo deste para as massas e des‑ tas para os públicos segmentados, diferenciados da massa para serem adequadamente atingidos. Nasce daí o conceito de uma comunica‑ ção explicitamente dirigida para um público igualmente selecionado. Chega‑se ao momento do domínio da tecnologia, da informática, da rapidez da comunicação e da multiplicidade de meios de transmissão que conduzem à desmassificação da mídia, a fim de torná‑la segmen‑
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tada de modo a atingir públicos específicos, dirigidos, objetos da ação estratégica de relações públicas.
Conceito Sociológico de Público Os manuais de relações públicas citam, em geral, conceitos so‑ ciológicos e políticos de público, que representam a opinião da maioria dos autores que estudam essa questão. Nessa acepção, a noção básica de público refere‑se ao que é pertencente ou destinado ao povo em ge‑ ral, à coletividade em toda sua extensão. No sentido político, refere‑se ao que pertence ao governo de um país e está colocado aos cidadãos. A definição etimológica pode auxiliar na compreensão do con‑ ceito em estudo. Explica o latinista Saraiva (1924, p. 976‑977) que o termo publicus estava ligado a questões jurídicas, ao que é de interesse e de utilidade do bem público, que era propriedade pública, ligado a poblicus, contração de populicus, de populus, portanto, pertencente à comunidade dos cidadãos, ao Estado. O adjetivo público assumiu, mais tarde, a categoria de substantivo para significar apenas “o público”, ou seja, grupo de pessoas envolvidas em determinado assunto. Para Hou‑ aiss (2001, p. 2330), o termo público opõe‑se ao particular, o que per‑ tence a todos, sem caráter secreto; manifesto, transparente. Ou seja, aquilo que é notório, conhecido de todos, praticado sem segredos. Em sentido mais restrito, Ferreira (1999, p. 1.414) afirma que público pode apresentar três significados: 1. o conjunto de pessoas que leem, veem, ou ouvem, uma obra literária, dramática, musical; 2. o conjunto de pessoas que assistem efetivamente a um espetáculo, a uma reunião, a uma manifestação; 3. o conjunto de pessoas às quais se destina uma mensagem artística, jornalística, publicitária, etc.
Esse mesmo autor define público, no sentido sociológico, como: “agregado ou conjunto instável de pessoas pertencentes a grupos so‑ ciais diversos, e dispersas sobre determinada área, que pensam e sen‑
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tem de modo semelhante a respeito de problemas, gestos ou movimen‑ tos de opinião”. Os primeiros autores que chamaram a atenção para o estudo de público como manifestação consciente de comportamento coletivo e de suas importantes manifestações na vida social foram Herbert George Blumer e Karl Mannhein. Segundo Andrade (1989, p. 34): Coube a eles ressaltar, objetivamente, que, embora toda a atividade grupal seja manifestação de comportamento coletivo do ponto de vista prático, especial destaque deve ser dado às formas de comportamento elementar e espontâneo, que não estão sujeitas a normas e estruturas sociais definidas.
Andrade (1989, p. 84) acredita ser o conceito psicossociológico de público e de opinião pública de Herbert G. Blumer o melhor para a compreensão e prática das relações públicas. Grunig (1984, p. 143) compartilha tal opinião ao afirmar que as definições de público do sociólogo Blumer e do filósofo John Dewey pertencem ainda ao rol das mais claras e mais úteis atualmente e lamenta que os profissionais de Relações Públicas as tenham esquecido no seu trabalho. Segundo Blumer (1971, p. 181), o termo público é usado para designar um grupo de pessoas que: 1. estão envolvidas em uma dada questão; 2. que se encontram divididas em suas posições diante dessa questão; 3. discutem a respeito do problema.
A presença de uma questão, de discussão e de uma opinião coletiva constitui a marca do público. Ao citar Blumer, em artigo publicado no livro Le destin des re‑ lations publiques, Andrade (1977, p. 65‑85) diz que para ele público é a reunião “elementar e espontânea” que age diante de uma questão controversa. Tal grupo não apresenta organização, uma vez que sua existência está centrada sobre o problema em questão. Quando surgem as controvérsias, então nascem os públicos.
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É importante frisar o conceito sociológico de Blumer: “o público” constitui um agrupamento natural e anticonvencional, espontâneo e que não é o preestabelecido”. Não há entendimentos prévios, definições ou regras que indiquem como deve ser tal ação. Se o público só existe com o surgimento de uma questão, não há necessidade de assumir a forma ou a organização de uma sociedade. Explica ainda Blumer (1971, p. 182‑3) que “público” são as pessoas que não desempenham status ‑papéis fixos; o público não tem o sentimento grupal ou a consciência de sua identidade. “A peculiaridade do público reside no desacordo e na discussão quanto ao que se deve fazer.” Em relação ao padrão de comportamento do público, o autor afirma que ele não age como uma sociedade, uma multidão ou massa. A sociedade age por meio de um padrão definido ou consenso; a multidão pelo estabelecimento de uma relação e a massa pela convergência de escolhas pessoais. “O público adquire seu tipo particular de unidade e procura agir com o intuito de alcançar uma decisão coletiva ou de desenvolver uma opinião coletiva.” Dewey (apud Grunig, 1984, p. 145) define público quase na mesma linha que Blumer, afirmando que é um grupo de pessoas que: 1. enfrenta problema similar; 2. reconhece que o problema existe; 3. organiza‑se para fazer alguma coisa sobre o problema.
O sociólogo Artur Ramos (1952, p. 197) define o público anali‑ sando os elementos psicológicos de sua composição: O público tem sua psicologia própria. É constituído por um grupo de indivíduos unidos por laços psicológicos que se resumem numa função, a da opinião. Nesse sentido, público tem o mesmo sentido do que chama‑ mos de mundo: o ‘mundo literário’, o ‘mundo político’, etc. Há, portanto, muitos públicos, isto é, muitos agrupamentos psicológicos de indivíduos motivados por interesses, atitudes, opiniões, provisoriamente comuns. Pode‑se verificar isso facilmente considerando os públicos dos jornais especializados, que constituem os clientes comerciais, religiosos etc.
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A opinião de Ramos reforça o conceito de que muitos e mais amplos são os públicos de relações públicas e que devem ser condu‑ zidos de acordo com o interesse da empresa, atendendo‑os dentro de suas características e necessidades. Os manuais da atividade ensinam como se relacionar de modo adequado com cada um dos diferentes públicos. Simon (1972, p. 237‑238) cita como exemplo a opinião de J. J. Brown, que afirma: Há um público geral e dentro deste, muitos outros públicos especiali‑ zados, composto por profissionais reconhecidos como tal. Têm caracte‑ rísticas muito diferentes. O público geral é muito grande e a massa do público tende a pensar, agir e sentir de uma forma, aceitando o que lhe é transmitido pela mídia e pelos líderes de opinião; o grupo de profissio‑ nais, que compõe público menor, tende a pensar, agir e sentir de outra forma e tem condições de influenciar, por seu conhecimento e técnica, no processo dos relacionamentos da empresa. Para atingir esses públi‑ cos especializados, o profissional de relações públicas deve agir como um verdadeiro técnico do assunto.
Outra visão a respeito do conceito sociológico de público é a de Eva Maria Lakatos (1985, p. 116), que também ressalta a visão sociológi‑ ca do conceito de público e descreve os elementos que o compõem e a maneira como estes contribuem para que seja entendido corretamente. Público é o conjunto de indivíduos em que: a) é praticamente igual o número de pessoas que expressam e recebem opiniões; b) a organização da comunicação pública permite uma resposta ime‑ diata e efetiva a uma opinião publicamente expressa; c) a opinião, formada por meio dessa discussão, encontra possibilidades de se transformar em ação efetiva, mesmo contra o sistema de auto‑ ridade, mais ou menos vigente, se necessário; d) as instituições de autoridade não têm penetração: o público é, por‑ tanto, mais ou menos autônomo em suas ações.
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Tais características de público – considerado como forma de com‑ portamento coletivo, propriamente dito –, na opinião de Andrade (1989, p. 41), podem favorecer a tentativa de se estabelecer uma definição psi‑ cossociológica para o termo. Desse modo, para Andrade, público é: O agrupamento espontâneo de pessoas adultas e/ou de grupos sociais organizados, com ou sem contiguidade física, com abundância de infor‑ mações, analisando uma controvérsia, com atitudes e opiniões múltiplas quanto à solução ou medidas a ser tomadas perante ela; com ampla oportunidade de discussão, e acompanhando ou participando do debate geral por meio da integração pessoal ou dos veículos de comunicação, à procura de uma atitude comum, expressa em uma decisão ou opinião coletivas, que permitirá a ação conjugada.
Essa conceituação psicossociológica, aparentemente, é a que mais tem influenciado os diversos autores na busca de definições preci‑ sas de públicos. Entre os autores brasileiros, Andrade foi quem prestou maior contribuição para o aprofundamento de estudo desse conceito nas obras: Curso de Relações Públicas (1980, p. 22‑29), Psicossociologia das relações públicas (1989, p. 33‑44; 65‑86), Para entender relações públicas (1993, p. 7‑15), além da explicitação do conceito no Dicionário profissional de relações públicas e comunicação (1996, p. 97‑8). Vale ressaltar a preocupação desse autor em diferenciar os con‑ ceitos de multidão, massa e público, já lembrados por Tarde (1992) e Toffler (1995). Andrade (1989, p. 34) acredita que “as conceituações de multidão e massa facilitarão, por certo, o estudo do público, evitando possível dúvida na caracterização desses três tipos de agrupamento elementar”. Procura evitar, para a correta compreensão do conceito de público, que haja superposição de significados para termos muitas vezes considerados de forma indistinta e confusa. Massa: agrupamento de pessoas sem contiguidade espacial; é composta de indivíduos anônimos, que participam de um mesmo comportamento coletivo, porém sem apresentar organização e unidade, e que convergem para um acontecimento importante, à base principalmente de conside‑ rações emocionais (1996, p. 75).
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Multidão: grupo espontâneo de indivíduos, unidos por laços de contigui‑ dade física. Age baseada em impulsos, sendo inconstante, sugestionável e irresponsável. A formação de uma multidão pressupõe, inicialmente, a ocorrência de algum acontecimento emocionante que atraiu a atenção de várias pessoas (1996, p. 78).
Ao definir público, Andrade recorre ainda às opiniões de outros estudiosos e discute‑as em suas obras, considerando a amplitude do termo em seu aspecto sociológico, político e econômico, bem como a presença do interesse comum, da controvérsia e da busca por uma solução. Essa diversidade de enfoques mostra a dificuldade de se obter uma definição do que é e das características específicas de público. Na área de relações públicas existe uma pluralidade de públicos e Andrade (1980, p. 22) confirma essa opinião citando as palavras de L. Justet: pode‑se dizer que as Relações Públicas se dirigem ao público, ou mais exatamente aos diferentes públicos. Com efeito, não existe um público, mas uma pluralidade de públicos, um grande número de públicos que são, de tal forma, diferentes uns dos outros que falar a um, não quer dizer, que os outros possam compreender‑nos.
Convém observar que a afirmação acima diferencia a relação da atividade com os públicos. Pois o profissional não se envolve apenas com um público, mas interage com diversos outros. Pode‑se, portanto, afirmar que é da essência das relações públicas a multirrelação, a qual é estabelecida com os públicos, que podem ser chamados de pluripúbli‑ cos. Na prática, Andrade (1989, p. 40) alude ainda a outras definições, coletadas entre autores nacionais e estrangeiros. 1. O público tem o direito a ser informado (Nelson Marcondes do Amaral). 2. O público tem o direito de ser informado sobre questões controver‑ sas (Bertrand Canfield). 3. O público constitui fator primordial e essencial da atividade de rela‑ ções públicas (Hugo Barbieri).
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4. Em relações públicas, o termo “público” não significa todo o público de uma comunidade, mas apenas aquele setor de interesse imediato da empresa (Hugo Barbieri). 5. Público significa aquele grupo particular de cujo consenso depende a vida de um negócio (Carlo Majello). 6. A atuação do público pode afetar a ação de uma organização (Insti‑ tuto de Relações Públicas da Grã‑Bretanha). 7. Público é um grupo de indivíduos relacionados entre si por interes‑ ses comuns e que compartilham de um sentimento de solidariedade. (Scott M. Cutlip e Allen H. Center). 8. O público se compõe de grupos de pessoas unidas numa causa co‑ mum de interesses correlatos, de cuja reciprocidade têm plena cons‑ ciência (Bertrand Canfield).
A diversidade de enfoques permanece dentro da conceituação psicossociológica. As mudanças sociais e o surgimento dos meios de comunicação de massa interferem nas definições de massa, multidão e público, como observa Andrade (1980, p. 22): O que se nota em nossos dias é a transformação das multidões em mas‑ sa e estas em públicos, graças ao desenvolvimento espantoso dos meios de comunicação e, principalmente, ao progresso seguro da educação em todos os quadrantes do mundo.
A linha conceitual da “terceira onda” de Toffler confirma a opi‑ nião citada e a segmentação dos públicos, que passa a exigir dos pro‑ fissionais de relações públicas mensagens dirigidas e específicas a cada um deles. Andrade (1980, p. 28) afirma que: Cabe às Relações Públicas a importante tarefa da formação de públicos junto às empresas ou instituições, levantando as controvérsias, forne‑ cendo todas as informações e facilitando a discussão à procura de uma opinião ou decisão coletivas, tendo em vista o interesse social.
A tarefa delegada às relações públicas exclui a formação espon‑ tânea de públicos e requer dos profissionais capacitação e habilidades
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para analisar os cenários e identificar quais grupos são estratégicos ou de interesse para as organizações para as quais trabalham. Andrade permanece fiel à conceituação sociológica que, para nós, não define a formação dos públicos em relações públicas, pois necessita da adoção de critérios que considerem a significação da rela‑ ção e que dê a ela a estabilidade necessária para a constituição desse conceito, caracterizado neste trabalho pelas ligações públicas e de ne‑ gócios. A propósito, o único autor encontrado e que chama a atenção sobre esse fato é Solano Fleta (1995, p. 167), quando cita a escassa relação dos públicos em relações públicas com o conceito sociológico. Advertimos que o conceito de Público ou Públicos no âmbito de Rela‑ ções Públicas tem relação muito escassa com o conceito sociológico cor‑ respondente (...). Trata‑se de modo definitivo, de um conceito, se é que se pode denominá‑lo assim, como difundido pela prática profissional, ao que posteriormente a teoria tentou delimitar mais rigorosamente.
Embora tenha essa visão, em “Teoria de los públicos”, Fleta não desenvolve tal ideia; continuando preso à teoria sociológica. Ten‑ ta, porém, uma definição que prescinde da configuração sociológica tradicional e carrega consigo a ideia de pluralidade de públicos nos relacionamentos com a empresa. Ele indaga (1995, p. 178): Mas, o que é, ou melhor, quais são os públicos em Relações Públicas? Entende‑se por “público” em Relações Públicas, toda a pluralidade de in‑ divíduos ou de grupos que se consideram afetados, direta ou indiretamen‑ te, pela atividade real ou presumida de uma pessoa física ou jurídica, assim como aqueles conjuntos de caráter desconexo que surgem como resposta social a um comportamento extraordinário ou anormal da mesma.
Público Racional e Irracional Enquadra ‑se no conceito sociológico a opinião de Canfield (1961, vol. 1, p. 27) quando afirma que o público é um grupo de pes‑ soas unidas numa causa de interesses correlatos, de cuja reciprocidade têm plena consciência. Assinala que há diversos e importantes tipos de
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
público que têm um interesse comum numa empresa da qual dependem para salários, dividendos, encomendas ou lucros; entre eles encontram ‑se fregueses, empregados, acionistas, fornecedores e distribuidores. Ao analisar‑se o comportamento e as reações desses públicos, pode‑se distingui‑los em dois tipos: o público irracional e o público racional (1961, vol. 1, p. 35‑38). O público irracional caracteriza‑se pelo comportamento forte‑ mente influenciado pelas emoções e instintos. Pela falta de conheci‑ mento dos fatos e de experiência diante de problemas controversos, é levado a emitir opiniões irracionais, sem considerar os aspectos racio‑ nais do problema enfrentado. Embora possa também sofrer influência das emoções, o públi‑ co racional representa grupos de pessoas que habitualmente pesam e consideram vários métodos de ação em face de um problema contro‑ verso, baseando as suas opiniões em raciocínio lógico e não apenas emocional. Esses grupos conhecem os fatos, são capazes de analisar e comparar com clareza suas vantagens e desvantagens, estando aptos a formular opiniões racionais de conformidade com as circunstâncias.
Teoria Situacional de Público Para muitos autores, público é o oposto de privado. Outros con‑ sideram como públicos os leitores de um jornal, de uma revista ou os espectadores de um canal de televisão, por exemplo. Há aqueles que entendem como públicos os empregados, os consumidores, sem con‑ siderar que há diferentes tipos de empregados e de consumidores. Há também quem classifique de acordo com as características demográfi‑ cas ou geográficas (idade, sexo, etnia, local de residência), e, quando se solicita uma definição precisa, é comum a alegação de que se foca‑ liza o público em geral. Constantin Lougovoy (1974, p. 9‑10), por exemplo, utiliza o conceito de grand public para explicar como diversos grupos podem pressionar a empresa e a opinião pública. Se passarmos em revista os diferentes grupos do meio ‘social’ que pres‑ sionam para restringir a ação do empresário, encontramos fora do Es‑
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tado e de seus órgãos administrativos o “Grande Público” – quer se trate de público‑cliente ou simplesmente da opinião pública na sua acepção mais geral, aquela que está no momento traumatizada pelos problemas da qualidade de vida, dos agentes poluidores, dos danos, do meio am‑ biente físico, incluindo os salários pagos pela empresa, os acionistas, os diversos níveis profissionais – parceiros, concorrentes, terceirizados, fornecedores; o meio universitário e educacional, que podem ocasionar futuros problemas; e, afinal, os públicos internacionais.
Para Grunig (1989, p. 138), “público geral é impossibilidade ló‑ gica. Públicos são sempre específicos; têm sempre um problema em comum. Portanto, não podem ser gerais”. Ao estudar a tese de interdependência das organizações de seus públicos, exposta por Milton J. Esman, Grunig e Hunt (1984, p. 138 ‑9) concentram‑se nos critérios dos vínculos das empresas com seus públicos e nas consequências originárias desses vínculos: Para os públicos de uma organização, o problema comum que cria e identifica um público será usualmente a consequência de alguma pres‑ são que a organização exerce sobre esse público ou que o público exerce sobre a organização.
A prioridade fundamental de relações públicas, segundo Grunig (1989, p. 139), é identificar como a organização influencia e se liga a outros sistemas – públicos e outras organizações – em seu contexto ambiental, concluindo que há, portanto, dois conceitos para definir essa relação: a. os “vínculos” da organização com o meio ambiente; b. a natureza dos públicos. Grunig trabalha com a definição sociológica de públicos criada por Esmam. Em relação ao ambiente externo, afirma que a existência de um sistema de interdependência entre empresa e públicos pode gerar algum conflito. Para resolvê‑lo, a organização deve negociar e assumir um comprometimento com o sistema que a interpenetra e, consequen‑ temente, deve alterar o seu comportamento. O objetivo será, portanto,
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estabelecer um equilíbrio com o ambiente, o que implica a utilização de três procedimentos: 1. Identificar os sistemas de interpenetração entre organização e públicos. 2. Determinar qual o sistema de interpenetração que mais pro‑ vavelmente rompe o equilíbrio. 3. Planejar os programas de comunicação com o sistema de maior perturbação do equilíbrio, de modo a conseguir de forma suave a movimentação para o equilíbrio. Nesses sistemas de interpenetração da organização e de seus públicos, que são medidos pelas consequências desses laços, podem existir dois tipos principais de elos que permitem explicar melhor os mais importantes sistemas de interdependência: os input sets e os ou‑ tput sets, ou seja, a consideração das influências de entrada e saída. Pelo referencial dos inputs sets, explica‑se que a organização se liga a outras organizações que fornecem inputs, como por exemplo, aos fornecedores de matéria‑prima, de mão‑de‑obra, e às agências gover‑ namentais com seus inputs reguladores. No referencial organizacional de outputs, pode‑se incluir, por exemplo, os revendedores da compa‑ nhia, as agências de propaganda que ajudam a vender os produtos, associações de classe com seus lobbies ou organizações beneficentes da comunidade. São quatro os principais vínculos da organização com seus pú‑ blicos, segundo estudo de Milton J. Esman, citado por Grunig e Hunt (1983, p. 140‑1, 161): 1. Vínculos de poder: são as relações com organizações e grupos sociais que autorizam e facultam os controles de recursos que garantem a existência da organização. Pertencem a esse grupo: governo, conse‑ lhos de administração, acionistas, Congresso, leis estaduais e líderes comunitários. 2. Vínculos funcionais: são as relações com organizações ou públi‑ cos que fornecem inputs e recebem outputs. Os vínculos de inputs referem‑se às relações com empregados, com fornecedores e sindica‑
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tos. Os vínculos de outputs podem ocorrer com outras organizações que utilizam os produtos da empresa, como por exemplo, a indústria automobilística que utiliza chapas de aço, ou organizações que uti‑ lizam serviços governamentais, ou com consumidores, usuários dos produtos da empresa. 3. Vínculos normativos: tratam‑se de relações com organizações que enfrentam problemas similares ou trocam valores similares. Por exemplo: intercâmbio entre universidades, associações de empresas em câmaras de comércio, grupos políticos etc. 4. Vínculos gerais ou difusos: representam as conexões com “elementos da sociedade que não podem ser claramente identificados como organiza‑ ções formais”, na expressão de Esman. Seriam públicos que surgiriam pelo fato de a organização receber pressões de organizações: ambienta‑ listas, estudantes, eleitores, minorias, mídia e outros públicos.
Para definir os tipos de públicos, Grunig segue Dewey e con‑ sidera que existem três condições necessárias para a existência de um público, as quais também foram colocadas por Andrade: a. enfrentar um mesmo problema; b. reconhecer a existência do problema; c. organizar‑se para fazer alguma coisa sobre o problema. Reconhece o autor que em alguns grupos existem a primeira ou a segunda das condições, mas não a segunda ou a terceira. A partir desta constatação, Grunig e Hunt (1984, p. 145) estabelecem quatro tipos de públicos: 1. O não público, isto é, o grupo ao qual não se aplicam as três condições citadas para a constituição de um público. Diante de um não‑público a empresa não exerce influência sobre ele, nem ele sobre a empresa. 2. Público latente: quando os membros de um grupo enfrentam um problema similar resultante da organização, mas não o detectam. 3. Público consciente: quando o grupo reconhece o problema. 4. Público ativo: quando o público se organiza para discutir e fazer alguma coisa sobre o problema.
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A teoria situacional, desenvolvida por Grunig, é de cunho so‑ ciológico e reveste‑se de certa complexidade, pois dedica‑se ao es‑ tudo das percepções provenientes da comunicação com os diferentes públicos. A teoria pode ser estudada nos textos do autor citados na bibliografia deste livro.
Lucien Matrat e os Públicos3 A verificação de que a tradicional divisão de públicos (interno, externo e misto) não atende mais às necessidades de equacionar as relações da organização com os diferentes grupos com os quais intera‑ ge tem levado estudiosos a buscar novos conceitos para substituí‑los. Simões (1995, p. 135) observa que há outros parâmetros além da classi‑ ficação “geográfica” (público interno, misto ou externo) ou estratificada (classe A, B, C, D e E); para ele (1995, p. 61), o público é “definido como um conjunto abstrato de pessoas com interesses comuns entre si e referentes à organização”. Sem formular uma teoria, Simões (1995, p. 132‑133) recorre à tipo‑ logia de Lucien Matrat, citado também por Andrade, que classifica os pú‑ blicos em quatro categorias: decisão, consulta, comportamento e opinião. Para Matrat, são públicos de decisão aqueles dos quais a em‑ presa depende no exercício de suas atividades. Ele cita, como modelo universal, o governo, detentor do poder concedente e suspensivo so‑ bre o funcionamento e a permanência da organização no seu ramo de negócio. Nessa categoria podem ser citados também os conselhos de administração, diretoria etc. A segunda categoria é representada pelo público de consulta, o qual é sondado pela organização antes de agir ou tomar decisões estra‑ tégicas. Incluem‑se os acionistas, os sindicatos patronais, as entidades representativas de categorias etc. 3 Lucien Matrat (1906‑1998) é considerado o “pai” das relações públicas da França. É autor do Código de Atenas, aprovado, em 1965, pela Associação Internacional de Relações Públicas (IPRA), no qual estabelece as normas universais de conduta ética da profissão. Foi o idealizador do Club de La Maison de Verre, ligado à Associação Francesa de Relações Públicas (AFREP).
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Os públicos cuja atuação pode estimular ou prejudicar a orga‑ nização, chamados de público de comportamento, compõem a terceira categoria. Pertencem a esse grupo os funcionários, pois deles depende a execução das atividades‑fim e meio da empresa, além dos clientes, pois por conta de sua ação individual, estes podem interferir na sobre‑ vivência da organização ou prejudicá‑la gravemente. O quarto tipo de público é o de opinião, representado por aque‑ les que influenciam a organização pela simples manifestação de seu jul‑ gamento e de seu ponto de vista. Fazem parte deste os formadores de opinião, líderes de opinião, jornalistas, comentaristas de rádio e televi‑ são, ou seja, os representantes da mídia em geral.
Portfólio de Públicos Outra classificação existente para público, também de cunho so‑ ciológico, é a apresentada por Fortes (1999, p. 100‑17). Ele argumenta que, assim como há um portfólio de produtos, há também um de pú‑ blicos. Para ele, os públicos se formam de acordo com as controvérsias existentes no ambiente interno e externo à instituição, e os esforços de relações públicas “procuram detectar na massa aqueles cidadãos e gru‑ pos que têm ou que possam vir a ter interesse pela organização”. Ao definirem esses públicos, as instituições devem respeitar a multiplicidade de interesses que as cercam: (...) quando reconhecem que os indivíduos e os grupos sofrem incessan‑ temente as influências do ambiente externo, estrategicamente, a orga‑ nização não pode unicamente reagir aos embates proporcionados pela ação conjugada dos públicos; deve manter um relacionamento estável com cada um dos grupos, mais ou menos próximos, que venham, com muita disposição, a mensurar as suas atitudes. Incrementa‑se esse relacionamento em diferentes níveis, contando a companhia com grupos dedicados a uma participação efetiva nos seus interesses; outros seriam tidos como neutros, não apóiam, mas também não comprometem os negócios. Deve‑se evitar, portanto, choques com grupos específicos que se aproximam no sentido do debate de opiniões,
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visto que detêm um conceito público muito negativo da organização. (Fortes, 1999, p. 101‑2).
O autor argumenta que a maneira de precisar os relacionamen‑ tos, os tipos de públicos e seu envolvimento com a instituição depen‑ derá da variável envolvimento ou proximidade, componente da “matriz portfólio de públicos”, por ele assim explicada: 1. A variável envolvimento ou proximidade, determinada no eixo hori‑ zontal da matriz, indica um interesse em elevação, e o afastamento, por sua vez, dilui a variável conceito público, mostrada no eixo verti‑ cal, positivo, negativo ou indiferente, quando não é sequer estabele‑ cido. Quanto maior for a participação e crescimento da empresa no mercado, maiores serão os interesses afetados, e maior será o número de grupos atingidos que reagirão favorável ou desfavoravelmente.
As categorias e as estratégias específicas para trabalhar com o portfólio de públicos foram distribuídas em seis grupos: a. defensores esclarecidos (área forte) – funcionários, consu‑ midores e outros públicos como ex‑alunos de uma escola, ex‑pacientes de uma unidade de saúde, etc.; b. contribuintes reservados (área interessada) – conjunto que abarca segmentos como os poderes constituídos, a imprensa e os consumidores em potencial; c. observadores ativos (área vulnerável), que reagem positiva‑ mente quando conquistados por meio de informações e da co‑ municação – funcionários e as pequenas e médias companhias que utilizam parcos recursos de relacionamento público; d. expectadores massivos (área diluída) – públicos que podem se confundir com a massa e podem ser acolhidos pela em‑ presa por meio de serviços específicos, como consumidores e indivíduos do público em geral que, quando mal atendidos, criam imagens desfavoráveis da empresa; e. conflitantes mobilizados (área de choque) – grupos que po‑ dem acabar contaminando os demais relacionamentos da or‑ ganização, como por exemplo, a imprensa, a administração
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pública, os grupos de pressão que podem boicotar os produ‑ tos ou serviços oferecidos pela empresa, etc.; f. críticos acomodados (área de tensão) – grupos que enca‑ ram, sistematicamente, com desconfiança os diversos tipos de organizações empresariais, com ou sem razão, como os sindicatos de empregados, os consumidores insatisfeitos, a imprensa e os poderes públicos.
Conceito de Stakeholders Trata‑se de um conceito hoje muito utilizado também no Bra‑ sil para descrever a relação das organizações com seus públicos. Essa conceituação de público foi construída por Edward Freeman em 1984. O autor designa o público pelo critério do poder, considerando a ca‑ pacidade que ele tem de afetar as decisões das organizações ou de ser afetado por elas, e o define nestes termos: “qualquer indivíduo ou grupo que pode influenciar ou ser influenciado por atos, decisões, políticas, práticas ou objetivos de uma organização” (Freeman, 1984, p. 25). Stakeholders é, segundo observa Carroll (1998, p. 38), um: 1. termo idiomático inglês que define todas as pessoas que possuem interesse em relação às empresas, ou organizações: shareholders (acionistas), o governo, os consumidores e os grupos ativistas de con‑ sumidores, funcionários, as comunidades representativas e a mídia.
Observam Grunig e Hunt e Grunig (2011, p. 88) que 1. os profissionais (de relações públicas) usam os termos stakeholders e
públicos de forma intercambiável. Ao contrário, nós fazemos distinção entre stakeholders e públicos e utilizamos ambos os conceitos para seg‑ mentar a população em geral em categorias que auxiliam os profisiso‑ nais de Comunicação a identificar os segmentos estratégicos e a planejar e avaliar o programa de relações públicas.
Para Grunig, os gestores de relações públicas estratégicas ne‑ cessitam determinar se de fato os públicos existem, se eles se comuni‑ cam ativa ou passivamente, que mídias utilizam e que outros métodos de comunicação podem ser utilizados com eles e conclui afirmando
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
que “esse processo de segmentação de públicos se inicia com a identi‑ ficação dos stakeholders”. Carroll adverte que para a compreensão do conceito de stakehol‑ der, é preciso entender o constructo de stake. Um stake é um interesse ou participação em determinado empreendimento (relacionado aos ne‑ gócios da organização) e é também uma reivindicação. A ideia de stake envolve desde um simples interesse por algum empreendimento até uma reivindicação legal de extrema importância. Em relação a estes dois ex‑ tremos há, pelo menos, dois tipos de direitos que podem ser reivindica‑ dos: os direitos legais, típicos do proprietário, acionistas, alguns direitos do funcionário ou direitos de um consumidor (reivindicação ou reclama‑ ção); os direitos morais, que podem ser representados pela necessidade do funcionário ser tratado com justiça ou com imparcialidade.4 Ao explicar o termo, Carroll (1998, p. 38‑40) diz que, “um ‘stakeholder‘ é qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos que reivindi‑ ca ter um ou mais de um ‘stake‘ nos negócios da empresa, firma, com‑ panhia ou organização”. Vale ressaltar que, assim como os stakeholders podem ser afetados pelas decisões da empresa, eles também podem afetar as ações, decisões e políticas daquela. Na sua presença existe sempre uma interação bidirecional ou troca de influências, havendo aqui dois pontos importantes: “1) o de que um ‘stake‘ é um legítimo, ge‑ nuíno interesse ou reivindicação em relação à companhia e não apenas às reflexões dos espectadores interessados; 2) ‘stakeholders‘ podem ser indivíduos ou grupos que reivindicam ter ‘stakes‘ legais ou morais”. O neologismo stakeholders e o limitado conhecimento do termo fazem com que ele seja entendido como se significasse o mesmo que qualquer tipo de público. É importante ressaltar ainda que o termo não 4 Stake, em inglês, significa estaca, baliza; interesse ou participação em negócio; e, de forma coloquial, ainda pode significar também financiar (empreendimento), pres‑ tar auxílio financeiro a. Hold é o ato de segurar, domínio, poder, autoridade, ponto por onde se pega. Holder, proprietário, dono, portador, pegador (Webster’s Dicionário inglês‑português. Antônio Houaiss. Record: Rio de Janeiro, 1982). Por ser um idiomatis‑ mo, não há uma tradução própria para stakeholders; poderíamos dizer que se refere ao público conectado com a empresa por razões de participação, investimentos; que tem participação; um ponto de apoio na empresa. Não confundir o termo com stockholders, que significa acionistas, assim como shareholders.
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se subdivide em designações de públicos internos e externos; carac‑ teriza pessoas ou grupos que “estão ‘conectados’ a uma organização porque eles e a organização mantêm um encadeamento lógico de um em relação ao outro”, segundo Hunt e Grunig (1994, p. 14). A quem poderemos, então, chamar de stakeholders? Existem muitos indivíduos e grupos que são stakeholders, mas, explicando com precisão o termo, afirma Carroll (1998, p. 39): Do ponto de vista de negócios, os mais legítimos “stakeholders“ são os “shareholders“ (acionistas), os consumidores e os funcionários. Do pon‑ to de vista de uma sociedade altamente pluralista (diversificada), os “stakeholders“ podem incluir outros grupos, assim como: a comunidade, os grupos com interesses especiais, o governo, a mídia e o público em geral.
Em síntese, Carroll conclui: “os stakeholders incluem todos aqueles indivíduos ou grupos que possuem legitimidade e/ou poder”.
Governo
Alta administração
Empregados
Grupos de pressão
Consumidores
Organização
Associações e entidades de classe Representantes da comunidade
Sindicatos
Comunidade financeira
Fornecedores
Mídia
Concorrência
Figura 1.1 Públicos comumente citados como stakeholders.
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
Conceituação de Públicos Internos, Externos e Mistos Este trecho é dedicado ao exame da definição de público mais comum e aceita pelas escolas brasileiras, a qual defende a classificação simplista de públicos em internos, externos e mistos. Essa conceitua ção é analisada à parte porque se tornou paradigma quase único na explicação da relação das organizações com seus públicos e fundamen‑ ta também a criação de novos conceitos, como os apresentados por Lammertyn, também analisados neste texto. Ao se referir à classificação de público sob o critério geográfico (contiguidade, proximidade física) em internos, mistos e externos, Si‑ mões (1995, p. 131) afirma que “ninguém a contestou na visão anterior de relações públicas, apesar de sua restrita utilidade para a elaboração de diagnósticos e prognósticos da dinâmica da relação”. E acrescenta: “Os públicos precisam ser compreendidos sob outra ótica. É impres‑ cindível identificá‑los, analisá‑los e referenciá‑los quanto ao poder que possuem de influenciar os objetivos organizacionais, obstaculizando ‑os ou facilitando‑os”. Em busca de critérios para a identificação de públicos, ques‑ tionei a conceituação tradicional no artigo “Relações Públicas: visão 2000” (França, 1997, p. 13), quando escrevi: O estudo do público é outro tema a ser analisado e pesquisado pelos profissionais de comunicação, pois, na prática, há inúmeras dúvidas quanto ao conceito de público objeto do trabalho de comunicação. O critério de públicos interno, externo e misto não satisfaz mais as condi‑ ções atuais de relacionamento das organizações por não abranger todos os públicos de seu interesse, não defini‑los adequadamente, nem preci‑ sar o tipo e a extensão de relacionamento deles com a organização, nem explicar sua dimensão.
Nessa mesma matéria, depois de um levantamento sobre cri‑ térios que poderiam ser empregados na classificação dos públicos de modo a atender às novas formas de relação da empresa com eles, acenou‑se com a criação de um paradigma que considerasse os públi‑
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
cos constitutivos da organização, os que contribuem para a sua viabi‑ lização e aqueles que colaboram, de maneira qualificada, para o êxito empresarial, tema que se tornou o objeto de pesquisa e permitiu chegar aos resultados deste trabalho. A preocupação dos manuais de relações públicas é criar listas de públicos e estabelecer normas heterogêneas para se lidar com cada um deles e com alguns de seus segmentos, não apresentando referen‑ cial teórico confiável. O sucesso do trabalho depende do acerto dessa proposta, de seu planejamento e execução, segundo as opiniões de Marston (1979, p. 76) e de Newsom e Scott (1976, p. 44). A crítica que se faz é que essa maneira de raciocinar trata todos os públicos como se sua interação com a empresa fosse sempre igual e apresentasse o mesmo peso, critério que não pode ser aceito. Muitos autores des‑ crevem os públicos como grupos reunidos e com interesses comuns, em sintonia com definições psicossociológicas. É nesse sentido que o conceito de público é definido por Rabaça e Barbosa (2001, p. 604): “Conjunto de indivíduos cujos interesses comuns são atingidos pelas ações de uma organização, instituição ou empresa, e cujos atos afetam direta ou indiretamente os interesses da organização”. Acolhendo esses conceitos sociológicos como aplicáveis às re‑ lações públicas, verifica‑se que permanece a ideia de público como grupo de pessoas que enfrentam uma controvérsia e tentam resolvê‑la dentro de parâmetros que podem ser favoráveis à organização ou até contrários a ela, na medida em que os públicos podem ser mais ou menos autônomos em suas ações, na expressão de Eva Lakatos. Na prática, persiste o foco tradicional das três categorias de públicos; sem consistência por falta de critérios sólidos que as sus‑ tentem. Cada autor determina aleatoriamente quem são os grupos que compõem cada categoria, muitas vezes até de maneira contraditória, não havendo, portanto, acordo quanto à definição e à segmentação dos públicos. Andrade (1977, p. 80 e 1989, p. 78) consolidou esse conceito e o expressou categoricamente ao dizer: Para nós, os públicos classificam‑se em: interno, misto e externo, que se originam, respectivamente, dos funcionários e seus familiares, da clien‑
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tela e dos espectadores, após o estabelecimento do “diálogo planificado e permanente”, entre a instituição e os grupos que estejam ligados a ela, direta ou indiretamente.
Esta obra focaliza, para efeito de clareza, as três categorias se‑ paradamente, pois há uma grande confusão em sua explicitação. Foram selecionadas as opiniões de alguns autores para explicar o sentido dado a cada um desses conceitos, que podem ser verificados detalhadamente na tabela comparativa no final desta análise (Tabela 1.1). Público Interno Em sua acepção mais comum, o conceito está baseado nos cri‑ térios das ligações socioeconômicas e jurídicas, que podem existir ou não entre públicos e organizações, conforme é ensinado nos cursos de relações públicas: • público interno é aquele que apresenta claras ligações socioeconô‑ micas e jurídicas com a empresa onde trabalha, vivenciando suas rotinas e ocupando espaço físico da instituição. O público interno é, basicamente, constituído pelos emprega‑ dos. Outras definições, mais amplas ou restritas, mantêm o foco da ligação jurídica ou de aproximação. Para Ferreira (2001, p. 1414): 1. Público interno: segmento do público constituído essencialmente dos diretores e empregados de uma empresa ou organização, incluindo, eventualmente, acionistas, conselheiros, vendedores.
Rabaça e Barbosa (2001, p. 605) apresentam uma definição ain‑ da mais abrangente: Conjunto de segmento do público, constituído pelas pessoas que são mais próximas à organização, instituição ou empresa. Classificam‑se como públicos internos de interesse da empresa os seus empregados, diretores, acionistas, e, conforme a estratégia de endomarketing, os re‑ vendedores, fornecedores, prestadores de serviços, representantes, fran‑ queadores etc.
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
John E. Marston (1979, p. 45) atribui ao conceito de público interno maior extensão do que os demais autores consultados, apli‑ cando à sua definição dois critérios: o de ligação já existente com a organização; e o de conexão maior ou menor existente de forma ordinária entre a organização e seus públicos internos na execução de suas atividades ordinárias. Os públicos internos são as pessoas ligadas a uma organização e com as quais ela se comunica no dia‑a‑dia do trabalho. Os públicos inter‑ nos típicos de uma indústria são os empregados, acionistas, fornece‑ dores, revendedores, clientes e a comunidade próxima à empresa. Em um estabelecimento escolar são públicos internos os vários tipos de empregados, estudantes, pais, fornecedores, e o público geral dividido em vários subgrupos.
Conforme é possível observar, há uma extensão do conceito de público interno que vai muito além da definição tradicional de ligação jurídica com a organização, mas que, ao mesmo tempo, é confusa por igualar diferentes grupos que se relacionam com a empresa e têm, po‑ rém, interesses divergentes. A generalização, portanto, não convence como critério preciso de uma definição. O autor argentino Roberto A. Lammertyn (1997, p. 129‑131) pro‑ cura resolver o problema da classificação dos públicos por meio de de‑ finições de sentido mais estrito, em relação ao público interno, porém mais ampla na conceituação de públicos mistos e públicos externos. Para ele (1997, p. 129): Públicos internos são os grupos que estão estreitamente vinculados aos objetivos da organização, fortemente compenetrados de sua missão es‑ pecífica e compõem seu quadro de colaboradores permanentes, isto é, recebem salário e possuem relação de dependência.
Lammertyn subdivide esses públicos em três níveis: gerencial (diretores, gerentes e subgerentes); dirigentes intermediários (chefes, subchefes e supervisão); setor operacional (funcionários). Pode‑se,
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
ainda, incluir áreas de especialização (administração, marketing, com‑ pras, expedição etc.). É possível dizer, porém, que a melhor definição de público in‑ terno (uma visão jurídica) é a da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, art. 2o): “são pessoas físicas que prestam serviços de natureza não eventual a uma empresa, sob a dependência dela e mediante rece‑ bimento de salário”. Em síntese, as definições citadas, com exceção da legal, de‑ monstram confusão e superpõem diversos públicos na categoria de pú‑ blico interno, colocando, por motivos legais ou mercantis, na mesma categoria, diretores, empregados, fornecedores, acionistas, clientes, revendedores e familiares de empregados. Público Externo Focalizando o conceito de público externo, nota‑se maior coe‑ rência nas diferentes definições, a começar pela mais tradicional: • público externo é aquele que não apresenta claras ligações socioeconômicas e jurídicas com a empresa, mas que inte‑ ressa à instituição por objetivos mercadológicos, políticos e sociológicos. Esta definição é também inexata por não dar suficiente atenção às inter‑relações jurídicas e econômicas de alguns públicos com a orga‑ nização para a qual prestam serviços, como, por exemplo, vendedores externos e representantes, que em geral não vivenciam as rotinas da empresa e podem estar a ela juridicamente ligados ou não, como os representantes autônomos. Ferreira (2001, p. 1414) afirma que: Público externo é o segmento do público de certa forma relacionado às atividades de uma empresa ou organização, mas não faz parte in‑ tegrante desta (v.g., fornecedores, consumidores, autoridades governa‑ mentais, público em geral).
No Dicionário de Comunicação, Rabaça e Barbosa (2001, p. 604) definem o público externo como:
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
Qualquer conjunto de indivíduos que têm interesses comuns com a organi‑ zação, instituição ou empresa, direta ou indiretamente, a curto ou a longo prazo, por exemplo, fornecedores, consumidores, concorrentes, entidades patronais, sindicatos profissionais, órgãos de informação (imprensa), auto‑ ridade (governo), público em geral.
Os públicos externos são compostos, segundo Marston (1979, p. 45), “por pessoas que não se encontram necessariamente ligadas de perto a uma organização privada. Por exemplo, jornalistas, educadores, autoridades governamentais ou do clero podem ou não despertar inte‑ resse para uma indústria”. São também públicos externos, para esse autor, agentes da mídia, líderes de opinião, líderes políticos, experts financeiros e outros. Ele afirma ainda que o relacionamento desses públicos com a organização depende do grau e da natureza desses contatos, que podem ser mais ou menos voluntários. A organização não pode admitir o interesse automáti‑ co desses públicos para com ela, mas pode optar por atendê‑los ou não. Porém, não pode ficar sem manter contatos com os públicos internos. Os critérios apresentados por Marston não parecem em si sufi‑ cientes para serem aplicados de forma universal à definição de públicos externos, pelo fato de não permitirem a caracterização precisa do tipo de relacionamento específico de cada público com a organização. Por exemplo, o autor coloca na mesma categoria empregados e familiares, pais, acionistas e outros públicos, obviamente distintos quanto à im‑ portância de suas relações com a empresa. Embora não façam parte da organização, alguns dos públicos externos são tão importantes que, pela sua atuação, podem até interferir na sobrevivência da empresa, como, por exemplo, os acionistas, fornecedores e clientes. Avilia Lammertyn (1997, p. 131) aborda os públicos externos com grande amplitude e os define como: “os que influenciam na organiza‑ ção a partir de um interesse relativo”. Em seguida, apresenta extensa lista desses públicos, que abrange todas as categorias da sociedade, como consumidores, pessoas físicas, associações, polícia, bombeiros, jornalistas, líderes de opinião, áreas governamentais, partidos políti‑ cos, associações de consumidores, bancos, grupos de pressão etc.
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
Público Misto A definição do público misto comumente utilizada pela acade‑ mia é: • público misto é aquele que apresenta claras ligações socio‑ econômicas e jurídicas com a empresa, mas não vivencia as rotinas da empresa e não ocupa o espaço físico da instituição. Compõem esse público, segundo a visão tradicional: familiares dos empregados, fornecedores, acionistas e até concessionários ou re‑ vendedores de produtos. É interessante notar que essa definição de público misto é re‑ corrente em autores brasileiros. Os autores estrangeiros que a citam foram, ao que parece, influenciados pela conceituação brasileira, como Amado J. Andrés, F. Aguadero e Roberto A. Lammertyn. Este (1997, p. 130), por sua vez, afirma que os públicos mistos não estão estreitamente vinculados aos objetivos da organização, mas têm relação próxima com sua missão específica ainda que não perten‑ çam a seus quadros de colaboradores permanentes, isto é, se relacionam mais do que os externos.
Lammertyn inova quando divide esses públicos em semi‑internos e semiexternos, embora não os distinga com clareza. Semi‑internos são aqueles que “sem pertencer à organização têm estreita relação com ela e colaboram fortemente para a consecução de seus objetivos”. Compõem esse grupo: familiares dos empregados, acionistas, contratados, asses‑ sores, consultorias, distribuidores e fornecedores exclusivos, delegados sindicais, aprendizes e trainees, entre outros. Já os públicos mistos se‑ miexternos seriam “aqueles que sem pertencer à organização tem com ela relação próxima, porém não tão estreita como os semi‑internos, po‑ rém maior do que a relação dos públicos externos”. Exemplos: distribui‑ dores e fornecedores sem exclusividade, revendedores, assessores exter‑ nos, bancos, acionistas da empresa, sindicato da categoria de interesse das empresas, instituições que mantêm convênios com a organização.
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
Incongruência da Conceituação Tradicional Opiniões Divergentes Esse estudo comparativo da definição de públicos por diferentes autores evidencia a falta de consistência dos conceitos, de unanimida‑ de entre os diversos autores e demonstra a inexistência de uma teoria que dê sustentação às diferentes posições encontradas ou que permita estabelecer os tipos de relações objetivas entre organizações e seus públicos. A confusão reinante torna‑se eloquente na tabela comparati‑ va das definições desses públicos apresentadas na Tabela 1.1. Além dos autores citados ao longo do texto, para ampliar a amostragem, foram inseridos outros igualmente conhecidos e que empregam os mesmos conceitos. Tabela 1.1 Demonstrativo das divergências da classificação de
públicos
Públicos internos
Públicos externos
Públicos mistos
Acionistas
Acionistas
Acionistas
Assessores
Assessores
Clientes
Clientes
Clientes
Comunidade
Comunidade
Corpo discente
Corpo discente
Corpo docente
Corpo docente
Distribuidores
Distribuidores
Estagiários
Estagiários
Familiares dos empregados
Familiares dos empregados
Familiares dos empregados
Fornecedores
Fornecedores
Fornecedores
População vizinha
População vizinha
Representantes comerciais
Representantes comerciais
Revendedores
Revendedores
Sindicatos profissionais
Delegados sindicais (continua)
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
Tabela 1.1 Demonstrativo das divergências da classificação de públicos (continuação) Públicos internos
Públicos externos
Públicos mistos
Terceirizados
Terceirizados
Terceirizados
Trainees
Trainees
Corretores
Credores
Vendedores
Análise Crítica dos Conceitos O estudo desenvolvido até esse ponto demonstrou a lenta for‑ mação do conceito de público, descrito pela primeira vez por Gabriel Tarde. Toffler considera o conceito como fruto das relações existentes dentro do desenvolvimento das camadas sociais da primeira, segunda e terceira onda. As diferentes acepções do termo foram aprofundadas a partir das posições sociológicas de Blumer e Dewey. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Andrade passou a falar da psicossociologia das relações públicas e, como consequência disso, introduziu‑se o uso da expressão “conceito psicossociológico de público”. Segundo essa corrente, a existência de um público está condicionada à presença de um problema e de uma controvérsia a ser solucionada pelo grupo. Seguidor desse pensamento, Andrade afirma que cabe ao profis‑ sional de relações públicas a tarefa de formação do público e que, para ele, dividem‑se os públicos em internos, externos e mistos, definição que se consolidou no ensino dos cursos de relações públicas. Entende‑ mos que a “formação de públicos”, como diz Andrade, não é tarefa do relações‑públicas, pois eles existem sem a sua intervenção, e que, ao assim se expressar, queria dizer que cabe a esse profissional identificar e mapear os públicos. Canfield propõe a divisão de públicos em racio‑ nal e irracional, a qual não se sustenta por confusão semântica dos ter‑ mos na identificação dos públicos. Grunig defende a teoria situacional; dá maior valor às pressões existentes entre organizações e públicos, introduzindo o critério de interdependência entre essas partes em esca‑
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
la maior ou menor, distinguindo quatro tipos de públicos: não público, público latente, público consciente e público ativo. A análise dessa distinção demonstra que é inexpressiva a atuação dos três primeiros tipos de públicos, sendo ressaltada apenas a inter‑relação efetiva dos públicos ativos com a organização. Matrat introduz os conceitos de públicos de decisão, consulta, comportamento e opinião, sustentando ‑se no posicionamento sociológico, como o fazem também Fortes e Lammertyn. As definições sociológicas podem ser analisadas sob diversos enfoques, sendo aqui indicados os mais relevantes. A primeira refere ‑se a públicos gerais e não identifica com clareza quem são os públi‑ cos da organização, dando a entender que a formação dos públicos organizacionais segue os mesmos princípios sociológicos, quando, na verdade, são selecionados de acordo com suas competências para aten‑ derem às necessidades e aos interesses das organizações. Não definem a relação real entre organização e públicos, seus objetivos e expecta‑ tivas. Reúnem públicos de diversas categorias sob um mesmo enfo‑ que, superpondo‑os: diretores, empregados, fornecedores, sindicatos, familiares de empregados, cujos papéis são muito diferenciados no seu relacionamento, tanto pela sua importância na vida da empresa, como por seu peso de influência nos seus destinos e na opinião pública. A superposição verificada na Tabela 1.1 prejudica a compreensão do papel específico de cada público e também a sistematização de programas de relacionamento com eles, mas, principalmente, desconhece os papéis diferenciados que eles desempenham na estrutura atual das organizações. A justificação dos conceitos tem como base o comportamento ocasional do público, que se reúne em razão de um interesse comum e da existência de uma controvérsia e não por causa de seus vínculos permanentes de maior ou menor dependência nos negócios da organi‑ zação. Não apresentam uma fundamentação teórica confiável ou apli‑ cável, de maneira constante, às diferentes relações da empresa com as diversas categorias de públicos. Ficou, portanto, mais complexo identificar os públicos e estabe‑ lecer os tipos de relacionamento em determinados casos. Como classi‑
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Públicos: como identificá-los em nova visão estratégica
ficar, por exemplo, atualmente, os públicos terceirizados que trabalham para a empresa, dentro ou fora de suas instalações? Interno? Externo? Misto? E os parceiros nos negócios: são internos ou externos? Os em‑ pregados temporários, estagiários, trainees fazem parte de que públi‑ co: da agência que os contratou ou da empresa em que trabalham? E as pessoas que trabalham em escritórios próprios, em casa, por tarefas, em tempo parcial, que tipos de públicos são? Outro questionamento a respeito das definições tradicionais de‑ monstra que elas não explicam, de modo satisfatório, por exemplo, que tipos de públicos são os sócios de clubes e das associações filiadas a uma federação esportiva, os fornecedores, os familiares dos emprega‑ dos, o governo, a imprensa, a comunidade, os alunos de uma faculda‑ de, os franqueados etc. Qual será o critério a ser adotado para melhor conceituar os relacionamentos desses públicos com a organização? O vínculo empregatício? O trabalho em conjunto ou parceria? Depen‑ dência direta da empresa? Dependência jurídica? Nível de proximidade da empresa? Nível de participação maior ou menor nas atividades ou no desenvolvimento da organização? Parentesco com os empregados? Atendimento aos interesses da empresa? As falhas encontradas nas definições citadas exigem revisão e fundamentação dos conceitos em critérios mais coerentes e precisos. O posicionamento sociológico tornou‑se ineficaz para atender às ne‑ cessidades da organização na realização de negócios com seus mais diversos públicos. A formação de um público em relações públicas está alicerçada na defesa de interesses comuns entre as partes, não apenas para resolver controvérsias e chegar a decisões de consenso, mas para a celebração de contratos firmes e de parcerias operacionais estáveis com claros objetivos mercadológicos e institucionais. As definições sociológicas ignoram esse paradigma das transformações organizacio‑ nais, das exigências do mundo globalizado. O foco contemporâneo da relação situa‑se não em critérios de proximidade (geográficos), mas no do conhecimento, da qualificação e das competências das partes envol‑ vidas. Essa relação pode ser exemplificada no nível de exigências para a criação de um público: os empregados são selecionados pelos fatores
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Capítulo 1 • Origem e Evolução do Conceito de Público
do conhecimento, da competência e das habilidades; os fornecedores, pela tecnologia de seus produtos, pela certificação de organismos in‑ ternacionais e pela capacidade de atenderem à organização em regimes de comprovada eficiência produtiva, como o just in time. Os clientes, como principal público de sustentação de negócios, passaram a mere‑ cer atenção permanente das organizações desde o momento que ante‑ cede a compra, bem como durante a venda e a pós‑venda, técnica cada vez mais desenvolvida e denominada de marketing de relacionamento. O conceito mais próximo desse raciocínio encontra‑se na de‑ terminação de públicos como stakeholders. Embora se trate de uma classificação genérica, diferencia‑se das demais porque, segundo essa visão, consideram‑se públicos aqueles que têm uma parceria financeira ou comprometimento estável (stake) com a organização e, por isso, são considerados importantes sustentadores (holders) de negócios. Embora apresente maior consistência na descrição da inter‑relação organização‑públicos, a classificação stakeholders também não permite determinar com exatidão essa interação, por ser genérica e não precisar os tipos e os objetivos dos vínculos que podem ser estabelecidos com os públicos segundo critérios que permitam identificar o caráter de maior ou menor relevância dos públicos para a organização. As reflexões sobre o conceito de públicos em relações públicas geraram a preocupação de vencer a impropriedade do conceito socioló‑ gico para tentar estabelecer fatores que servissem de base na identifica‑ ção mais objetiva das inter‑relações organizações‑públicos. Nasceram desse raciocínio algumas descobertas, estando entre as mais significa‑ tivas as que permitiriam conhecer os tipos e os objetivos das relações, sua estabilidade, duração, expectativas e, além disso, saber das organi‑ zações como classificam seus públicos em termos de relacionamento, importância e de realização de negócios. Dessa forma, podemos dizer que o termo público pode ser assim definido: grupos organizados de setores públicos, econômicos ou sociais que podem, em determinadas condições, prestar efetiva colaboração às organizações, autorizando a sua constituição ou lhes oferecendo o suporte de que necessitam para o desenvolvimento de seus negócios.
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Entender e saber classificar os públicos de uma organização é uma atividade complexa que requer conhecimento, pesquisa e visão de business. Os públicos são o objeto mais precioso para os profissionais da comunicação, pois são eles que apoiam ou pressionam as iniciativas das organizações, sejam elas públicas ou privadas. A bibliografia de Relações Públicas vem amadurecendo nos últimos anos no Brasil, porém ainda são poucos os estudos que tratam do relacionamento dos públicos com as organizações. Desde 2004, o professor Fábio França tem brindado a comunidade acadêmica e o mercado profissional com uma nova conceituação que vem enriquecendo o estudo dos públicos. Seu trabalho tem sido utilizado tanto por alunos como por comunicadores que desejam mapear os públicos de uma forma mais completa e abrangente. A terceira edição revista e ampliada de Públicos: como identi ficá-los em nova visão estratégica surge em um momento em que, graças ao crescimento das redes sociais, o entendimento sobre relações entre públicos e organizações se torna ainda mais necessário. Expressões como vínculo, engajamento e impacto, que estão no cotidiano das organizações, são tratadas com muita consistência e precisão. Esta obra apresenta uma conceituação inédita por meio da utilização de teoria lógica para classificar os públicos. Sua leitura é obrigatória tanto para profissionais que atuam no mercado como para professores e alunos que buscam novas formas para mapear seus públicos estratégicos mediante os critérios de dependência, participação e interferência. “Business relationship”, expressão que integra o título do livro, nos mostra que seu conteúdo está alinhado com as mais recentes tendências da sociedade contemporânea, o que coloca esta obra entre as indispensáveis para os comunicadores. Gisele Lorenzetti Profissional de Relações Públicas, Sócia e Diretora Executiva da LVBA Comunicação
ISBN 978-85-7728-270-8
9 788577 282708