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Jaider Esbell

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Isaias Miliano

Isaias Miliano

Jaider Esbell (Normandia-RR, 1979)

GALERIA JAIDER ESBELL DE ARTE INDÍGENA, EM 18 DE MARÇO DE 2015.{

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Qual a sua etnia?

Eu sou índio Macuxi. Nasci na área onde hoje é a Raposa da Serra do Sol, a maior área brasileira demarcada e acho que uma das últimas, dentro dessa perspectiva de terras contínuas. Nasci lá e morei lá até os dezoito anos e depois eu mudei pra Boa Vista.

Como que tu começou a trabalhar com a arte?

A minha vontade de fazer arte já vem desde a infância. Desde que eu me entendo por gente, eu sempre quis ser artista. O meu contato com o mundo da arte, com a literatura, veio com a minha própria origem. Meu avô contava os mitos e lendas e eu queria ver aquelas cenas que ele contava ilustradas, materializadas, enfim. E queria também escrever nossas próprias histórias. Então, desde a minha primeira infância sempre tive essa vontade de ser artista, de ser escritor, mas sempre tive a consciência de que isso era uma coisa quase que impossível para a minha realidade e isso me motivou a deixar a reserva pra ir pra cidade e estudar e criar essa condição de ser artista. Minha vida foi toda baseada nesse planejamento. Vim,

estudei, fiz concurso, fiz faculdade, criei minha estrutura, ajudei minha família. Aí depois, já com trinta e um anos, em 2010, eu me inscrevo em um edital de literatura da Funarte e fui contemplado. Então, no ano seguinte comecei a escrever o livro e a pintar minha primeira coleção de pinturas. Eu optei pelo acrílico sobre tela, que é pra mim uma forma muito simples, barata e fácil de se expressar, porque quanto mais simples a arte pra mim, melhor nesse sentido de expressar um pensamento e, partir daquela imagem, criar toda uma ideia de contextualização.

Sou autodidata, nunca fiz curso de pintura, aprendi fazendo, tô aprendendo ainda, mas muito dificilmente devo mudar de estilo ou mudar de uso de materiais, vou continuar com o acrílico porque pra mim é suficiente pra materializar um pensamento e dar início ao grande processo de transformação que a arte proporciona pra todos, inclusive pro artista. Em 2011, fiz minha primeira exposição, voltei pra Normandia, pra cidadezinha onde eu estudei e cresci. Foi minha primeira exposição, chamada Cabocagem, o homem na paisagem. Na verdade quando fui pra Normandia, em 2011, eu levei um pacote de serviços artísticos e culturais, porque eu fui levando uma exposição minha de fotografia, porque eu gosto de fotografia também, fui levando quatro vídeos pequenos que eu também faço, levei o projeto do livro já da Funarte e levei a exposição de artes plásticas. Eu chamei na época de 1º Mostra Jaider Esbell de Artes Integradas, levei esses quatro produtos e fiquei quinze dias interagindo com a comunidade. Minha estreia oficial no mundo das artes é quando eu apresento esses quatro produtos. Eu já vinha fazendo e estudando por conta própria e aí, surgiu essa oportunidade de mostrar essa produção toda de uma única vez. Ainda em 2011, eu vim pra Boa Vista e apresentei meu trabalho na Universidade Federal com uma proposta e tal, e a Universidade de primeira mão aceitou, me cedeu um espaço, e a gente fez a segunda exposição já aqui em Boa Vista, foi quando meu trabalho teve uma visibilidade midiática. De lá pra cá, eu só tenho aumentado as minhas atividades, que envolvem basicamente produção. Eu divido meu tempo como produtor cultural, como pesquisador e como artista. Escrevo pra sites, escrevo livros, ajudo em muitas pesquisas de pesquisadores Brasil a fora, produzo pinturas, faço estudos em esculturas e novas possibilidades.

A literatura tem dado certo, as artes plásticas têm dado certo, mas eu fico livre, como eu sou totalmente autodidata, não tenho compromisso com escola nenhuma, com academia nenhuma. Então, eu tenho toda a liberdade para experimentar e ver o que funciona. Em 2011, quando eu percebo a potencialidade do meu trabalho, eu busco dividir essa responsabilidade com os outros artistas indígenas que já estavam trabalhando há mais de vinte anos aqui em Roraima também, de uma maneira autônoma, sozinhos, desarticulados, e eu convido esse grupo de artistas, em torno de oito artistas, pra compor um coletivo e fazer nossa proposta de trabalhar a arte segmentada, trabalhar a arte indígena contemporânea de uma forma contextualizada com o

movimento indígena, com a realidade do índio urbano, do índio da comunidade e dessa realidade amazônica em relação ao local-global. A gente saí daqui do nosso local e leva pro mundo, através da internet e de outras exposições que a gente faz pelo Brasil e outros países, essa realidade da Amazônia mais real digamos assim, a gente meio que desmistifica um pouco essa Amazônia fantasiosa e fantástica que as pessoas sempre tem a ideia de paraíso, de lugar perfeito, né? Então, a gente já aborda na nossa arte essa questão real, o quê que as pessoas que moram aqui passam, quais são as expectativas dela, como é a vida por aqui. A gente trabalha entre esses dois universos: o mundo indígena com todo seu universo, com toda a sua complexidade, também tá muito ligado com o mundo moderno, contemporâneo da grande sociedade. De uma certa forma, o que a gente faz é apresentar os índios pra grande sociedade e a grande sociedade para os índios e apresentar índio pro próprio índio e toda essa coisa de contextualizar o índio nos dias atuais. É um trabalho de arte mais focada, que tem um resultado prático, a gente trabalha um pouco essa função social da arte, que vai muito além do mercado e da arte pela arte.

Fala um pouco mais sobre o coletivo. Tem nome?

O coletivo é uma forma experimental de organização. A gente ainda não tem um nome específico. A gente trabalha no coletivo o encontro de todos os povos, a gente reúne artistas de várias etnias e a partir da reunião desses artistas, a gente foi estimulando pessoas dessas mesmas etnias a se apresentarem, a sentir convidadas a participar. Esse coletivo ele teve primeiramente o apoio da FUNAI e da Universidade Federal de Roraima, em 2013. Em 2014, essa demanda já cresceu. Mais e mais pessoas quiseram participar e a Universidade institucionalizou parte desse trabalho, que ela atribuiu aos estudantes indígenas da Universidade que cuidam mais dessa parte da produção científica dos alunos indígenas, da parte de produção acadêmica também, pesquisas, e a outra parte fica com os artistas que trabalham a arte e o livre pensamento, a subjetividade, a autonomia na forma de se expressar.

Jaider, como é o teu processo criativo dentro das artes visuais?

Eu penso muito. Toda a minha referência é a minha infância e juventude. O local onde eu nasci, como eu vivi, vendo os indígenas se envolvendo com a grande sociedade e vice-versa, sofrendo, se adaptando, aprendendo as malícias de tudo. Esse processo é o que fornece subsídio pra eu materializar as minhas obras. O meu processo criativo é todo interno. Quando eu paro para pintar, eu já tenho a ideia pronta na cabeça. Todas minhas pinturas, mais de duas mil desde o início da minha carreira, é como se fossem uma interpretação de um grande banco de dados que ainda tem muito para ser mostrado. Eu não pinto todo dia, mas quando eu fico muito tempo sem pintar o meu corpo pede pra eu pintar, materializar alguma coisa.

Ana Mendina (Santana do Livramento-RS, 1977) {

STUDIO DA ARTISTA, EM 18 DE MARÇO DE 2015.

Ana Medina

Como você veio aqui pra Boa Vista?

Eu cheguei aqui com sete dias. Porque minha mãe veio no Projeto Rondon, com os primeiros advogados que vieram pra cá, antes de se tornar Estado. Era território ainda. Então, ela veio e me trouxe pequenininha. E aí, eu cresci aqui. Cresci aqui e fiquei até uns 14, 15 anos. Depois, eu fui para o Rio Grande do Sul pra terminar o segundo grau [Ensino Médio], daí fui de férias para Austrália. Quando fui para Austrália eu estava cursando jornalismo, aí eu desisti e comecei a cursar artes lá. Fiz meu primeiro curso na Austrália, depois estudei um ano na Costa Rica, depois fui para Londres e aperfeiçoei um pouco mais a cerâmica e a escultura. Depois, o último curso que eu fiz foi na Nova Zelândia, fiquei cinco anos lá, onde fiz mais um curso de arte e fiz arte Maori, no Pacífico, me especializei em cultura do Pacífico, eu fui aceita pelos Maoris para estudar na escola indígena de arte deles.

E como surgiu seu interesse por arte?

Foi vendo a arte primitiva da Austrália. Eu vi os nativos de lá fazendo arte primitiva e arte deles na galeria e lá é um lugar muito forte artisticamente. Acho que o lugar e tudo que eu estava vivendo na época fez eu me interessar por essa área, que eu sempre gostei. Mas lá, eu tive a certeza que eu queria trabalhar com isso. Daí eu me lembrei dos nossos nativos, esse foi o link. Através de outro povo, super longe da minha casa, eu lembrei do que eu tinha em casa. E daí comecei a me interessar muito sobre cultura indígena da Amazônia. Eu comecei a estudar os Yanomami em inglês, na Inglaterra, comecei a estudar eles de dentro pra fora. Quando eu cheguei aqui, em 2009, em vim e organizei uma exposição e eu já estava com uma pesquisa um pouco mais avançada, já estava começando a pintar coisas da cultura deles, vincular com natureza e procurar mais conhecimento. Então eu chamei o Davi Kopenawa [Yanomami] e o filho dele, o Dário, pra nomear e interpretar a exposição que eu tinha feito. Então a gente expôs juntos aqui, foi a coisa mais linda. E daí começou a minha amizade com eles e a parceria também.

Quais são as técnicas e as linguagens que tu utiliza no teu trabalho?

Eu gosto de falar a palavra mix mídia, porque ultimamente o resultado é mix mídia, porque eu misturo acrílico, eu misturo desenho com pintura para chegar onde eu quero chegar. Mas eu pinto bastante com acrílico, gosto muito de pintura. Mas desenho e fotografia também fazem parte da minha produção. E o body art, que agora pulou da tela para a pessoa. É mais experimentando também a instalação, eu adoro instalação. Eu gosto muito de criar o personagem e de falar do aspecto da natureza que está dentro de cada um. Não interessa quem tu é, se tu é índio ou não, alguma parte do teu ser vai estar conectado ao local de onde tu veio, que é a natureza. Então eu tento, de uma forma ou outra, expandir essa mensagem através do material que eu tenho em mãos. Ultimamente, eu estou querendo pintar pessoas, como se tivesse que tirar a natureza de dentro pra fora dela.

Eu fiquei interessada em saber sobre o teu conceito de mix mídia. Fala um pouco mais sobre isso.

Quando você começa, a mídia é o meio. O que é? É pintura? É fotografia? É carvão? É desenho? Então, digamos que eu comece com carvão, daqui a pouco eu pego os traços do desenho que eu quero. Está tudo sob controle, mas eu estou aberta a misturar os materiais e ver que reações vão ter, entendeu? Quando eu estava na escola, sempre falavam: “óleo e acrílico não se mistura”. Bem... sim, se a pessoa tiver o controle do que ela está fazendo, a arte fica tão aberta que tu começa a manipular as mídias, os meios que tu tem na mão ao teu favor, a favor da tua ideia, da onde tu quer chegar. Eu gosto muito de misturar os materiais quando estou trabalhando. Geralmente está tudo à minha volta. É como se o desenho fosse pedindo. Sai do teu controle, mas começa a te dar novas possibilidades.

E como que é o teu processo criativo?

Eu geralmente vejo pronto. Aí, eu tento entender como que eu vou chegar naquele resultado que eu vi. É bem intuitivo. A peça me pede o que eu tenho que fazer para chegar no resultado que eu imaginei. Então, eu deixo aberto. Por isso é importante ter o domínio de quanto mais técnicas e maneiras de criar. É livre. Eu gosto de começar uma coisa e terminar ela para que eu possa ver, tocar nela. Eu gosto de ler sobre o que eu vou fazer, não só ler, mas ver alguma coisa, saber um pouquinho a respeito, até pra poder dar a minha visão. Eu falo dos Yanomami, mas os Yanomami me abriram os olhos para olhar como que todo o povo vai fazer isso. Então, em todos os lugares que eu vou eu tento ouvir as pessoas nativas do lugar, depois vem a forma plástica que a nossa sociedade deu pra isso. Eu tento sempre ir à fonte pra tentar pegar o mais puro possível para dar uma resposta contemporânea para aquele assunto.

E qual é o ambiente que tu curte trabalhar?

Geralmente quando estou sozinha. É porque eu acho um processo muito incerto até você chegar no resultado final, nem você sabe direito aonde você vai ter que mudar ou o que vai acontecer. É bem pessoal. Eu me sinto exposta quando estou criando de verdade e alguém entra ali, me perguntando coisas com a expectativa que eu não tenho, porque a minha expectativa tá junto com o processo. Eu gosto de solidão pra criar. Às vezes eu vou pro Tepequém, que é uma casinha que eu estou construindo agora, que é em uma montanha daqui bem linda, aí eu fico lá, mas geralmente é a solidão. A arte ela é bem... uma profissão bem solitária.

E essa mulher? Que linda.

É uma mulher com um pássaro na cabeça. Eu sempre ponho um elemento da natureza, mesmo que ela esteja toda enfeitada com batom, com bolsa, na cidade. Esse é o link que eu gosto de fazer: entre o que a gente tem na Amazônia, com os grandes centros. Você não precisa

estar na Amazônia ou ser da Amazônia ou estar perto ou longe de uma floresta pra entender ela e saber que ela está lá pelo menos, entendeu?

Então, meu trabalho fala bastante sobre isso, sobre a conexão, esse fiozinho invisível que existe, que as pessoas sabem que está lá, mas, uma hora ou outra a gente tem que falar e isso faz bem pra pessoa, ela não se sente tão isolada. Isso é uma parte humana da gente bem boa, que faz as pessoas que moram em uma cidade grande fria sentirem um certo conforto. Eu tento levar o máximo que eu posso para esses grandes centros também.

O que quer dizer wataperarioma? [palavra escrita na parede do studio da artista]

Essa minha amizade com os Yanomami me geraram dois nomes. Eu tenho meu primeiro nome, Mirena, que foi o Davi que me deu. Mirena quer dizer espelho, então todos esses conceitos eu respeito pra caramba. Eles tiraram de algum lugar isso. A branca que consegue ver o que a gente faz e refletir para os outros sem mentir. Então, partindo desse principio, tudo é genuíno, eu sempre pergunto: “Tá certo? É assim? É desse jeito que vocês querem falar?” Porque eu só sou um instrumento, uma ponte. Muito lindo que eles deixam eu ser essa ponte. Então, eu tento ser transparente como água. E o meu outro nome foi o Julio Goes, que é um outro xamã lá do Pico da Neblina, que também me deu esse nome, Wataperarioma. E eu acho tão fofinho porque é espontâneo demais esse carinho, eu respeito demais, essa amizade nossa é pra sempre. Me ensinaram a me inspirar na natureza. Eles falam que os espíritos gostam de mim (risos).

E tu escreve sobre o teu trabalho?

Eu gosto de escrever. Eu gosto de usar frases junto com o que eu crio também, porque é parte da ideia, né? Da criação. Às vezes, a palavra também escapa da imagem. Eu gosto de misturar.

Eu gosto muito de criar o personagem e de falar do aspecto da natureza que está dentro de cada um. Não interessa quem tu é, se tu é índio ou não, alguma parte do teu ser vai estar conectado ao local de onde tu veio, que é a natureza.

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