PREFÁCIO
O retrato do casal figura na sala de uma casa do sertão. Um senhor de paletó e gravata, olhar fixo sobre a câmera, e uma senhora de cabelo liso, preso atrás. A fotografia esteve ali por décadas, olhando para os frequentadores da sala com mais atenção, quem sabe, do que eles quando a olhavam. É provável que o casal fosse enquadrado na sua função de ancestral próximo, garantindo um rastro de sentido permitido no mapa do tempo. Não se havia dirigido aos rostos ali entrelaçados pelo matrimônio e pela descendência a pergunta sobre a origem étnica de cada um. Eis que a nora da mulher que é neta dessa outra que permanece olhando, de dentro da fotografia, percebe que aquela ancestral próxima é uma índia. A mulher que guarda o retrato lembra-se de sua avó como uma matrona sertaneja rígida e racista. Entretanto, sua origem está ali e acaba de ser desvelada. Não estava propriamente escondida, mas calada, à espera da interpelação. Foi necessária a intervenção de um olhar externo àquela consanguinidade que se representou cuidadosamente, por mais de meio século, para que os antigos habitantes dos vales, montanhas e tabuleiros – que hoje se chama
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