UMA CULTURA FOTOGRÁFICA NOS SERTÕES Em uma fazenda no sertão da Bahia, na alvorada dos novecentos, a jovem senhorita Lili Gonçalves cultivou ao longo de algumas décadas o precioso hábito de colecionar postais e retratos trocados com amigas e familiares. Através daqueles artefatos visuais, mantinha intensa comunicação com o mundo exterior, informando-se dos seus entes queridos e alimentando relações sociais. Ademais, aquelas imagens abriam os horizontes do seu olhar, visualizando cenas de cidades, paisagens e pessoas, bem como das modas provindas da Europa. Essa pedagogia visual contribuiu, entre outras coisas, como forma de sua inserção no mundo da modernidade.1 Hoje, passados mais de cem anos, a residência familiar na Fazenda Piabas, no município de Campo Formoso, já não mais existe; restaram, contudo, aqueles retratos e postais como testemunhos do passado. Sua coleção é relativamente vasta e elegante. Há ali postais com imagens produzidas pelo renomado 1
A modernidade aqui é entendida como uma organização social que corresponde a um estilo de vida, historicamente marcado pelo advento da fase industrial no Ocidente, expandindo-se pelo mundo a partir do final do século XIX. A esse respeito, ver ORTIZ (2000), GIDDENS (2002), GARCÍA CANCLINI (2008). Este livro procura mostrar que os sertões baianos também tiveram um lugar dentro da construção dessa modernidade no Brasil.
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