ensar(es) 1999-2013
Revista Escolas | João de Araújo Correia
Nº 18 - Junho 2013
Escolas João de Araújo Correia «Deparou-se-nos há dias (...) uma árvore feliz. Foi um acontecimento! Árvore feliz é coisa rara como homem feliz. (...) Ficaríamos a contemplá-la até ao fim do mundo se ninguém nos dissesse: vamos, que são horas.» João de Araújo Correia, Pátria Pequena (1961)
AS ESCOLAS TAMBÉM PODEM SER FELIZES
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Índice
Editorial A. Marcos Tavares Viver, ou apenas existir? Alessia Teixeira Viver a vida Ana Araújo Querido Tempo Ana Meireles A máquina que faz girar o mundo Ana Viana É a amar Daniela Pinto Sonhar André Fernandes Pensar(es) Andreia Oliveira Crónica: «Corrida pela popularidade» Andreia Cardoso O que será de nós? Ângela Pinto A sociedade está perdida Andreia Guedes Papel e caneta ou Computador? Beatriz Xavier O que é preciso para ser feliz Beatriz Peixoto Aprendiz de sonho Fernando Fidalgo Vais ficar aí sentado Carolina Rodrigues As máscaras Conceição Dias O poder da canção Fátima Carlos O fenómeno do “fim” do mundo Cristina Borges Dicotomia do pensar Daniela Correia Reflexão ético-política Manuel Ferreira
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Um livro de história Inês Mesquita Crise de valores Isabel Gonçalves Apenas uma opinião Isilda Castro Neotenia e prematuridade João Francisco Metamorfose Maria Fortunato A realidade política Leandro Coutinho O que é ser humano? Maria Gomes A aprendizagem na escola A. Marcos Tavares Quem será? Severina Rodrigues Autorretrato Maria Freitas Porque não lemos? Madalena Moreira As cores Margarida Ribeiro Labirinto Marta Morgado Moda na moda Paula Branco O conto As asas brancas... Paulo Guedes Momentos Sara Fernandes A era da amizade virtual Pedro Brás Quão perto pode estar o sucesso Sara Rodrigues Grita Joana Oliveira Estou aqui Samuel Pereira
Editorial
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. «O coração é nosso: pode chorar; o rosto é dos outros: deve sorrir». Esta máxima, cujo autor desconheço, merece ser adotada como lema nas relações com outras pessoas. Nem sempre é fácil sorrir – não aqueles sorrisos «amarelos», de frete ou de sarcasmo, mas o sorriso franco, autêntico, comunicativo.
2. Desde 2006 que o editorial da Pensar(es) vem alertando para o que se sabe e para o que se esconde em Portugal. Já não há lugar para sorrisos. Nem mesmo para sarcasmos, nesta «apagada e vil tristeza» portuguesa. Tristeza tanto mais vil, quanto cada vez é mais óbvio que quem sobretudo vai sofrer nem sequer seremos nós, os pagadores de impostos do momento. O mais feroz ónus pertencerá aos nossos filhos e netos. O que agora se paga é engolido, sem deixar rasto, pela selvática voracidade do capitalismo sem rosto. Mas os buracos são cada vez mais profundos e o pagamento das dívidas lançado para cada vez mais longe. De vez em quando pode ser criada a ilusão de que as costas vão folgar, mas de facto a carga é projetada para diante e irá cair nas gerações futuras. É revoltante a subordinação presente aos grandes interesses do capital, mas é aviltante a herança que se prepara para as gerações vindouras. 3. A situação é trágica e perigosa. As expectativas são nulas. Na ausência da esperança, todos os desesperos são possíveis. E no desespero não há sorrisos. Só urros. 4. Não queria que assim fosse. Não podemos permitir que assim seja.
A. Marcos Tavares
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Viver, ou apenas existir? Alessia Teixeira . Aluna do 12º A
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Mas, afinal quem somos nós? Nascemos para viver, para desfrutar da nossa existência ou apenas para sermos “moldes” e somente existir?
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sociedade atual é resultado de uma longa e lenta evolução.
A sociedade baseia-se na informação, no conhecimento, na criatividade, na forma de ser das pessoas e dos seus requisitos, pois é o Homem que a constrói. Mas porque é construção humana tem também os seus perigos específicos. Cada vez mais, nos deparamos com más notícias, com desgraças… A fome que atinge cada vez mais crianças, o nível de mortalidade que cresce a cada dia que passa, os que morrem na guerra pretensamente a defender a sua pátria, a pobreza que leva muitas famílias ao desespero. Mas, afinal quem somos nós? Nascemos para viver, para desfrutar da nossa existência ou apenas para sermos “moldes” e somente existir? O Mundo depende de cada um de nós. Enquanto uns morrem porque nem sequer têm
pão na mesa, outros abarrotam-se com milhares e milhares de euros por mês que são usados no novo mercedes, gozando da pobreza dos outros. Porquê esta desigualdade? Atualmente, Portugal possui dos mais altos valores, à escala europeia, no que respeita aos indicadores de pobreza e assimetria de rendimentos. Quase meio milhão de portugueses vive do rendimento de uma pensão mínima. Os idosos têm dificuldades porque não tiveram acesso a boas carreiras educativas, vivendo de reformas mínimas. Como se vive assim? Em suma, a sociedade está dividida em dois mundos. O mundo pobre em que todos os dias as pessoas lutam para sobreviverem e o mundo rico rodeado de gente egoísta e ambiciosa. É preciso criar um terceiro mundo, é preciso mudar drasticamente para que a paz se encontre e cada um viva dignamente a sua própria vida. Se o Mundo assim continuar, não durará muito mais tempo … vamos torná-lo num Mundo justo!
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Viver a vida Ana Araújo . Aluna do P11º C
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Temos que viver cada dia como se fosse o último, mas com força renovada; temos que respirar como se o oxigénio estivesse a acabar e esta fosse a nossa última oportunidade de nos mantermos neste mundo.
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vida é um jogo do qual não é permitido desistir, no qual não há retrocessos, em que apenas é possível viajar numa única direção e em que arriscar é a palavra de ordem - não podemos viver o passado, não podemos odiar nem amar recordações. Se já passou não nos pertence, pois há sempre um novo dia, um novo sol a orientar a nossa vida e esse sim é nosso, é a nossa oportunidade de brilhar, a nossa oportunidade de mostrar que o mundo foi feito para nós, abrir as janelas de par em par e sorrir como se fosse a primeira vez que nossos olhos veem o sol, como se fossemos recém-nascidos e tivéssemos uma vida toda pela frente, como se o nosso coração não soubesse o que é sentir dor, fracasso, desgosto, vergonha, cansaço ou algo que nos impeça de andar em frente e de lutar por um
futuro que desejamos. Temos que viver cada dia como se fosse o último, mas com força renovada; temos que respirar como se o oxigénio estivesse a acabar e esta fosse a nossa última oportunidade de nos mantermos neste mundo. Assim, se algum dia se ouvir alguém a rir alto, dançar à chuva, abrir os braços ao vento, deixar as lágrimas correr pelo rosto, sorrir para o infinito de olhos postos no céu… pode muito bem ser a minha pessoa, pois eu não tenho vergonha de viver, não escondo sentimentos: a vida é algo demasiado precioso para ser desperdiçado!
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Querido tempo… A água da torneira velha Não para, Ouvimos o seu pingar O barulho da água Batendo no metal da pia Marca o tempo, O tempo que está a passar Faz-nos meditar No passado que passou No presente que passa No futuro que passará Faz de nós marionetas Lutando pela sobrevivência De mais um dia Afastando a mente, Porque depois de mortos O tempo não fará sentido Faz-nos pensar e arrepender Pelo que não foi dito Pelo que não foi feito Pelo que não sentimos Mas também… Só o tempo nos faz lutar, Lutar pelo que queremos É ele que nos define, É ele que nos limita… Porque o tempo é… O tempo é um lápis que parte, O ar que respiro, Uma torneira que pinga! Ana Meireles . Aluna do 11º D
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A “Máquina” que faz girar o mundo Ana Viana . Aluna do 12º E
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O que interessa mesmo é conseguir o Lucro. Isso sim, ecoa como se não houvesse amanhã, nestas nossas cabeças submetidas à escravidão involuntária do obscuro sistema em que estamos inseridos.
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oi em meados do século XIX que o mundo sofreu fortes mudanças, de tal ordem que estas deixaram marcas positivas, ou não, até à atualidade. Pois sim, refiro-me ao período da história que merece ser afirmado como a “génesis” da realidade que presenciamos: algo que eu gosto de denominar como a Era da Tecnologia. Quem é que atualmente não tem computador? Quem é que nunca teve o prazer de ver um bom programa na televisão? Estas são coisas simples a que quase toda a população mundial tem acesso, quer seja em casa, quer seja na escola, na biblioteca ou no café do vizinho. Claro que tudo isto está diretamente relacionado com as faixas etárias e, portanto, é óbvio que as gerações mais antigas são as menos influenciadas
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por estas máquinas que já tudo fazem por nós: “Se não sabe cozinhar, compre uma Bimby”; “Está farto de ver filmes na televisão? Então deliciese com o nosso leitor de DVD portátil”; “Está cansada de varrer a casa? Então compre o nosso novo aspirador que, além de aspirar, ainda limpa as manchas do chão através do novo sistema a vapor.”;… Mais, mais e mais publicidade que quase nos rouba a inteligência ao ponto de nos tornarmos em fantasmas consumistas. E “quem pode, pode”, diz o povo. Mas será que é mesmo assim que funciona? Não. As pessoas endividam-se o mais que podem nos bancos, pedindo mil e um empréstimos para cobrirem o primeiro de todos. E o mais absurdo é que isso é relevante. O que importa mesmo é andar com um bom carro, roupas de marca e ter uma boa casa com banheira de hidromassagem. Quanto à carteira, essa pode encher-se de ar e teias de aranha. E, agora, estamos a chegar ao ponto mais interessante de todos, que se resume numa só palavra: Capital - é esta a palavrinha mágica que nos condena até à hora da morte. Dinheiro, dinero, money, soldi,… O significado não muda, seja em que língua for. Na minha opinião, mais valia criar um termo universal que representasse este conceito. Porque não A Máquina? Não literalmente, mas digamos que é algo bastante significativo, visto que vivemos num mundo cuja essência é meramente capitalista, onde não se olha a meios para atingir os fins. Direitos humanos? De onde surgiu tal palavra? Que absurdo! O que interessa mesmo é conseguir o Lucro. Isso sim, ecoa como se não houvesse amanhã, nestas nossas cabeças submetidas à escravidão involuntária do obscuro sistema em que estamos inseridos. Esqueçamos a Era da Tecnologia referida anteriormente. Nós vivemos, sim, num mundo de hipocrisia, onde me irritam severamente as políticas ambientais; as organizações para ajudar os pobres; os peditórios do padre da freguesia cujo dinheiro, supostamente, se destina aos meninos de África. Deixo já assente, para não ser mal interpretada, que não sou contra os
banhos mais curtos para se poupar água, nem me oponho, muito menos, às ajudas dirigidas a quem mais precisa. O problema é que, no fundo, isto são factos fictícios, criados para embelezar esta sociedade e atenuar o nosso sentimento de culpa. Enquanto o Capital for a nossa base de sustento, não há necessidade de andarem a preocuparnos com o número de árvores cortadas no ano tal, ou com quantas pessoas morrem de fome todos os meses no país X. É triste, eu sei, mas tudo depende dos nossos “grandes” e “supremos” líderes, possuidores do planeta que deveria ser de todos. E quanto a nós, o que podemos fazer quanto a esta situação? Nada. Só nos resta assistir, como quem vê um jogo de futebol.
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É a amar É a amar e a viver intensamente, Que durmo acordado E sonho a dormir.
É a amar e a viver intensamente, Que recordo mil planos Feitos a correr.
É a amar e a viver intensamente, Que confundo palavras, Que começo a sorrir.
É a amar e a viver intensamente, Que descubro o valor De quem nunca vou ter.
É a amar e a viver intensamente, Que as horas passam a dias Dos quais nunca despertei.
É a amar e a viver intensamente, Que por teus olhos morro E por teu sorriso desvaneço
É a amar e a viver intensamente, Que descubro o valor Daqueles para quem nunca olhei
É a amar e a viver intensamente, Que acabo a mergulhar No silêncio onde adormeço. Daniela Pinto. Aluna do 11º A
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Sonhar André Fernandes . Aluno do 12º A
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De repente comecei a voar. Do céu vi os livros de matemática e química que, de tal perspetiva, não eram mais do que pequenos riscos coloridos no horizonte de um marinheiro.
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ela janela de meu quarto o Sol anunciava um novo dia de Primavera. Alguns raios solares incidiam na minha cara, fazendo-me sentir uma estranha sensação de ternura e calmaria. Parecia que não havia escola nem os temíveis testes, mas sim um longo momento de paz e de pura felicidade. Logo fui transportado por tal luz para outro mundo, outra realidade. Não havia barulho, talvez por não haver ninguém além de mim naquele mundo, e o silêncio transformouse numa serenidade e segurança nunca outrora sentidas, pelo que era reconfortante e agradável. De repente comecei a voar. Do céu vi os livros de matemática e química que, de tal perspetiva, não eram mais do que pequenos riscos coloridos no horizonte de um marinheiro. Mas caí. Não era capaz de voar, era um corpo pesado e denso. Agora, tudo o que tinha aprendido ao longo dos
anos parecia-me inútil e confuso. Para quê saber as razões trigonométricas se não somos capazes de voar? Naquele momento deixei de querer saber química ou biologia. Tinha ouvido dizer que nos sonhos tudo era possível, mesmo voar. Estava concentrado em sonhar. Não me lembro da última vez que sonhei, se é que alguma vez sonhei. Não consegui. Correntes de ferro amarravam-me de tal forma que era impossível soltar-me. Então interroguei-me de que valia o saber se nem sonhar conseguia. A resposta às minhas interrogações veio de um sítio que eu não esperava. “ André veste-te! Olha que chegas atrasado à escola. Já não és uma criança….”. Em apenas cinco simples palavras, a minha mãe retirou-me da minha ignorância. Não conseguia sonhar, não por ter correntes de ferro, mas por estar preso a correntes de responsabilidade. Já não era uma criança afinal, tinha responsabilidades e objetivos a cumprir. Não podia ficar simplesmente deitado na cama e sonhar.
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Pensar(es) Andreia Oliveira . Aluna do P11º C
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Aprendi com os meus próprios erros que sofrer não me torna mais poeta, chorar não me deixa mais aliviada e implorar não me traz ninguém de volta.
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. Na troca de olhares entre nós há milhões de palavras que poderiam ser ditas, mas eu prefiro transmiti-las através dos nossos lábios. Tenho medo de sonhar contigo pelo receio da minha pequenez, mas penso melhor e digo para mim mesma: “Se sou capaz de sonhar, também sou capaz de realizar”; só tenho de querer. 2. O amor não exige que estejamos todos os dias juntos. Não há um lugar, uma distância nem barreiras que possam desfazer um verdadeiro amor, porque há sinceridade, há um sentimento que nos torna as pessoas mais lindas do mundo e por mais longe que estejamos um do outro, nunca sais de mim, nunca sais do meu pensamento. É como se fossemos um só. 3. Aprendi com os meus próprios erros que sofrer
não me torna mais poeta, chorar não me deixa mais aliviada e implorar não me traz ninguém de volta. Aprendi também que por mais que eu te queira, ninguém vale tanto a pena a ponto de eu deixar de me querer. 4. Irónico é quando aquele que fala mal de uma pessoa por fazer alguma coisa errada logo a seguir faz exatamente o mesmo. Irónico é quando uma pessoa se torna justamente a pessoa em que dizia que nunca se iria tornar. Irónico somos nós quando nos julgamos uns aos outros, quando somos todos iguais, mesmo achando que não.
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Crónica: “Corrida pela popularidade” Andreia Cardoso . Aluna do 12º E
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Esquecem-se as opiniões próprias, a coerência e o sentido do correto, apenas para atingir uns meros dias de fama.
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os tempos que correm, o anonimato é inaceitável, quase vexatório em determinados casos, e a corrida pela popularidade é cada vez mais frenética, como se na linha da meta se encontrasse um gigantesco pote de ouro. A “fama” assumiu proporções irreversíveis na sociedade e as novas tecnologias, bem como os “media”, têm-se demonstrado instrumentos fulcrais. Já não se trata de ser popular por um grande feito, uma grande descoberta ou mesmo um irrefutável talento. Atualmente, são os estudantes no geral a procurarem novas amizades, novos círculos de relações, a propagar modos de vestir ou falar e até mesmo a fazer dos seus comportamentos ideias-chave. É quase lei afirmar: “Tenho mais de mil amigos no Facebook!”; “ Sou seguido por cem pessoas no Twitter”. Aí sim, a popularidade é atingida e com ela o sentimento de realização.
Por outro lado, existem os cada vez mais frequentes “realitysshows”, onde a manipulação é ponto assente e a falta de cultura, de valores e hábitos aceitáveis um faltar comum. Esquecemse as opiniões próprias, a coerência e o sentido do correto, apenas para atingir uns meros dias de fama e não ser apenas mais um nome entre tantos outros. A sociedade vê-se, assim, dominada por objetivos de vida cada vez mais redutores e frívolos, as relações construídas pelo tempo e confiança foram-se e o passar despercebido é já um conceito fora de compreensão. Incompreensível ou não, esta é a verdade atual.
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O que será de nós? O que será de nós Se formos como os outros? O que será de nós Se também não soubermos ser outros Melhores do que os outros? Quem nos irá ensinar a ser melhores? Os outros são tão iguais… Tão iguais e todos iguais a telhas, Telhas cor de ferrugem Que escondem o interior De uma casa desabitada Onde não há humanos Nem humanidade. Ângela Pinto . Aluna do 12º A
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A sociedade está perdida Andreia Guedes . Aluna do 11º C
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Nós vivemos iludidos com o futuro, enquanto que o nosso presente é gelado e muito escuro
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á ninguém se lembra da Revolução que trouxe o cravo, e o silêncio mantém o povo aprisionado, perdem-se direitos, o Mundo ficou acomodado. Pergunta-se: onde está a voz do povo revoltado?
Com a visão de crianças sempre esfomeadas, inocentes presos para salvar amigos, taxa de desemprego traz assaltos e violência, crianças que são crianças hoje em dia já não têm inocência. Questiona-se: onde estão os culpados da nossa decadência? Leis são quebradas pela nossa sobrevivência, assassinos hoje usam fato e gravata, o político, o doutor e o diplomata são os que deviam estar presos e andam em liberdade. Entende? Esta é a nossa realidade. Nós vivemos iludidos com o futuro, enquanto que o nosso presente é gelado e muito escuro. No futuro, vemos que as promessas não são reais e que a tendência para o crime vai aumentar cada vez mais.
A sociedade está perdida, vendeu-se à hipocrisia, hoje em dia já não há o que antigamente havia, hoje em dia não há respeito nem dignidade, todos querem ter proveito e destroem a sociedade. Há liberdade de expressão, mas ninguém tem opinião, porque na verdade o que falta é o amor pela nação, vivemos na ilusão num país mais que lindo, num paraíso real que aos poucos vai ruindo. A igualdade deste país ao tempo que já está morta, políticos roubam milhares e o resto não importa. E, por último, trabalhos já não há, e o que resta é seguir em frente e deixar as diferenças para lá.
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Papel e caneta ou computador? Beatriz Xavier . Aluna do 11º A
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Quando iniciei o texto num computador, nada fazia sentido, cada palavra que escrevia, cada frase, pareciam apenas letras soltas a dançar de um lado para o outro.
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m todas as aulas, ouvia o meu professor de Filosofia dizer: “Meninos, é preciso fazer o texto, não se esqueçam que o tempo está a acabar”. O mesmo repetia-se duas vezes por semana. Até que decidi que estava na altura de começar. Fui buscar o computador e abri o Word, uma página branca comum. Passaram cinco minutos, dez, quinze, vinte, quarenta, uma hora em frente àquele ecrã branco e nada surgia, nem uma pequena ideia. Desliguei o computador e fui dormir. No dia seguinte, estava decidida a fazê-lo, tinha de conseguir. Voltei a abrir a tão conhecida página branca, fiz várias tentativas, cerca de cinco textos inúteis. Nada me agradava e o destino de todos eles era a reciclagem.
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Até que uma luzinha na minha cabeça acendeu e lembrei-me do que a minha tia sempre dizia “Para uma boa inspiração, papel e caneta na mão”. Peguei numa folha de rascunho e numa caneta na esperança de que tudo se tornasse mais fácil, que as ideias começassem a surgir. E foi o que aconteceu mesmo. Comecei a escrever tudo isto que veem agora, um texto sobre o computador e uma folha de papel.
E é isso que acontece sempre que pego numa caneta e numa folha de papel. As frases escrevemse por si mesmas. Comecei a escrever tudo isto que veem agora, um texto sobre o computador e uma folha de papel.
Quem olha para o título não percebe o porquê deste título, mas no fundo, o texto identifica-se com a escolha do mesmo.
Quando iniciei o texto num computador, nada fazia sentido, cada palavra que escrevia, cada frase, pareciam apenas letras soltas a dançar de um lado para o outro. Apenas isso, mais nada, letras, letras, pontos, letras. Algo entediante e sem interesse algum. Mas quando peguei numa folha e numa caneta, tudo começou a ter um nexo, as palavras começaram a dar as mãos entre elas, formando algo que parecia ser um texto. Sem grande esforço, elas embarcaram num tapete voador e aquilo que se encontrava na minha cabeça passou para o papel. Não eram sentimentos, nem histórias de encantar, mas sim, ideias perdidas a vaguear à espera de serem encontradas.
Quando iniciei o texto num computador, nada fazia sentido, cada palavra que escrevia, cada frase, pareciam apenas letras soltas a dançar de um lado para o outro. Apenas isso, mais nada, letras, letras, pontos, letras. Algo entediante e sem interesse algum. Mas quando peguei numa folha e numa caneta, tudo começou a ter um nexo, as palavras começaram a dar as mãos entre elas, formando algo que parecia ser um texto. Sem grande esforço, elas embarcaram num tapete voador e aquilo que se encontrava na minha cabeça passou para o papel. Não eram sentimentos, nem histórias de encantar, mas sim, ideias perdidas a vaguear à espera de serem encontradas.
Quem olha para o título não percebe o porquê deste título, mas no fundo, o texto identifica-se com a escolha do mesmo.
E é isso que acontece sempre que pego numa caneta e numa folha de papel. As frases escrevemse por si mesmas.
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O que é preciso para ser feliz Beatriz Peixoto . Aluna do 11º D
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A felicidade não pode surgir assim. É preciso construí-la. Saber porque existe.
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a nossa idade parece que nem se pensa nisso. Aliás, quase não se pensa. É-se feliz e pronto. Basta ser feliz. Isto vem provar que estamos a construir e educar pessoas inconscientes que se contentam com tudo e não pensam a razão de existir. Não sabem quem são, nem porque são. A felicidade não pode surgir assim. É preciso construí-la. Saber porque existe. Na verdade, nascemos e morremos. Apenas isso. Sem segundas hipóteses. Sem um voltar atrás. Uma viagem única. A viagem. É algo mágico. Viver e morrer. Mas é só isso. Apenas isso. Depois de acabada esta viagem, não há mais nada. É tudo artificial. Toda a nossa felicidade é falsa. Ou ignorante. Ou talvez, na verdade, sejamos atores nesta vida e finjamos ser felizes. Não há a verdadeira felicidade. A felicidade esquece-se. Temos de esquecer e saber menos para podermos ser felizes.
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Aprendiz de sonho Como seria bom levar-te pela mão junto ao rio e mostrar-te como se desobedece o silêncio enquanto uma borboleta se eleva no pensamento. Como seria bom acender uma palavra pura para que pusesses sentir um pequeno deus abrir uma clareira no verão só para te revelar porque o sonho nasce no inicio do sorriso. Como seria bom pousar as mãos na geografia do teu rosto e demonstrar-te todos os incêndios da noite na brandura de um desprendido nada. Estou farto da perseguição desta lucidez contemporânea que nos condena ao logro e nos torna reféns de um perfeito abandono. Prefiro despir-me e deitar-me inocentemente nu nas margens e reaprender a nomear a pele, assim, como um aprendiz de sonho. Ali, mesmo ao teu lado! Fernando Fidalgo
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Vais ficar aí sentado? Carolina Rodrigues . Aluna do 12º E
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Sim, é isso, só precisamos de um toque, um “sinal” que nos diga: conseguem!
Epah, ando aqui a riscar folha mais folha à espera que me apareça uma ideia luminosa no meu lindo cérebro que me faça escrever sobre algo interessante. É pena, o que me passa pela cabeça é sempre a mesmo a ideia: crise! Isto porque é a notícia do ano. Ligo a televisão e o que vejo? O governo a dizer que isto vai ficar pior. Leio o jornal e o que leio? Baixa de salários, greves. O mesmo se passa na rua, oiço frequentemente pessoas a queixarem-se dos serviços médicos, da falta de emprego, “troika”, FMI... Porra, já chega, não? Estas notícias provocam efeitos negativos nas pessoas! Os adolescentes, como eu, gostam de ser positivos, de pensar que tudo vai melhorar, que vamos ter emprego quando for a nossa vez, que vamos ser ricos... claro, sonho, apenas isso! Mas podia deixar de ser, se esta bomba de informação e de más notícias parasse! O que os jovens precisam é de apoio, que alguém diga que vai melhorar, que vamos conseguir e nunca devemos desistir! Incentivar os adolescentes a apostarem na formação, tirarem cursos de que
gostam e, caso não consigam, que tentem dois, três vezes nem que seja 10, só não podem cruzar os braços. Isso é para os fracos e isso eu posso garantir que a minha geração não o é. O que não falta são jovens a terem sonhos, ideias que podem mudar o mundo, que conseguiam que este país (de que tanto falam mal) afinal saísse do buraco, evoluísse com estilo! Sim, é isso, só precisamos de um toque, um “sinal” que nos diga: conseguem! E então, vais ficar aí sentado?
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As Máscaras… Conceição Dias . Professora de Inglês
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Cabe ao interlocutor a árdua tarefa de decifrar o que está por detrás da máscara que cada um de nós “jornadeia”, seja por medo, seja por defesa ou simplesmente por hábito.
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ra aqui está um tema sobre o qual jamais ponderei reflectir, As Máscaras…
Em conformidade com a sabedoria popular, que tanto prezo, diga-se de passagem, idónea e incontestável, há sempre uma primeira vez para tudo e, desta feita, não será hoje que esta máxima sólida e universalmente alicerçada será contestada, não por mim. Posto isto, e a pedido de um colega de profissão aqui vai o que me apraz dizer sobre “As Máscaras…” As máscaras são formas mais ou menos sofisticadas, mais ou menos complexas, mais ou menos leais de encarar o mundo. Diria, em jeito de brincadeira, que as máscaras são expressões
integrantes do ser humano que a elas recorre para traduzir aquilo que sente, que pensa, que vê, ainda que de forma velada, camuflada e quase sempre irreverente. É neste faz de conta que reside o encanto e o charme das máscaras que por definição, não são mais do que um disfarce, uma aparência enganosa que tem por finalidade encobrir o rosto daquele que a usa. Obviamente que existem outros conceitos de máscara em que esta assume uma vertente prática e utilitária, tais como a máscara que filtra e purifica ao ar ou ainda aquela que protege o esgrimista, o soldado, o colmeeiro da impiedosa picada das abelhas.
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Todas estas máscaras são poderosos utensílios postos ao serviço do Homem mas que não contêm metade da poesia, metade da graça daquelas máscaras usadas com o único propósito de “enganar” os mais incautos. Estas máscaras são ardilosas, inteligentes, obliquas… são as “politicamente corretas”, são as socialmente “aceites”. Umas são rebeldes, contestatárias, destemidas… Outras são submissas acomodadas, sem vontade própria. Umas são voluntariosas, vanguardistas, incompreendidas… Outras são apáticas, baças, desprovidas de cor. São este tipo de máscaras que todos nós usamos no nosso dia-a-dia, mais ou menos conscientes do seu uso, mais ou menos habilidosos no seu manuseamento, mais ou menos capazes de seleccionar a máscara que nos convém, naquela hora, naquele preciso momento. Cabe ao interlocutor a árdua tarefa de decifrar o que está por detrás da máscara que cada um de nós “jornadeia”, seja por medo, seja por defesa ou simplesmente por hábito. Esta leitura nem sempre é de fácil perceção; é rica em nuances, encruzilhadas e malabarismos, tal como a própria vida, atrevo-me a dizer. É uma leitura introspetiva que exige ponderação, discernimento e elegância na conceção de juízos. A capacidade de ver para além da máscara torna-nos, juntamente com a implacável passagem do tempo, astutos, perspicazes e difíceis de defraudar por mais glamorosas e lisonjeiras que essas máscaras possam ser; deixamos de ser vulneráveis a elas, de ser joguetes das suas vontades, deixamos de ser ingénuos, por vezes a duras penas, mas deixamos, por fim, de ser incautos. Talvez advenha desta minha forma de sentir o meu absoluto desinteresse pelas máscaras que usamos ou alguns usam mesmo que seja para celebrar o Carnaval, uma festa pagão que cada vez mais se vulgariza à volta do mundo. Não
andamos nós de máscaras todo o ano? Parafraseando William Shakespeare, famoso dramaturgo, compositor, ator e poeta do séc. XVI, o mundo é o palco da vida, uma peça teatral e o Homem não passa de um simples ator que ora entra, ora sai de cena desempenhando vários e complexos papéis. Se acreditarmos nesta imagem tão habilmente criada por Shakespeare para descrever a labuta da Humanidade, o ator não passa de um mascarado multifacetado e talentoso, senhor de inúmeras máscaras, adornos, saberes e vontades. Não seremos, efetivamente, todos nós atores mascarados no grande palco da vida a tentar desempenhar o melhor possível o nosso papel? Penso que sim.
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O poder da canção Sem ver… Desenlaçámos o futuro Dissemos adeus ao alcançável E fintámos o impossível E fizemos com que a razão parecesse incerta E o mundo abrisse em prol de nós Até que a canção desabrochou Feriu o coração Provocou a emoção E todo o povo cedeu Para além de mim, Para além de ti. Ascendemos ao sol como em tribo E tínhamos e gozámos o desejo de não desejar nada Gozámos a união e a força da letra da canção Que nos fez descobrir que a matéria é efémera E a canção eterna Para assim relembrar a subida aos céus O desprendimento total, E a vontade reforçada De explorar, só. Fátima Carlos. Aluna do 12º A
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O fenómeno do “fim” do mundo Cristina Borges . Aluna do 11ºA
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Equilíbrio em que a cooperação, a entreajuda, o amor, a amizade e a paz sejam prioridades.
Ainda há relativamente pouco tempo, o mundo vivia numa grande ansiedade devido às previsões anunciadas pelo povo maia sobre o fim da nossa existência. As profecias apontavam para o terrível e surpreendente termo da humanidade. No entanto, quando chegou o dia do início do fim, nada aconteceu, nenhuma catástrofe natural, nenhuma chacina, nenhum atentado, nenhuma bomba, nada, tudo decorreu com naturalidade sem nenhuma anomalia. A verdade é que o mundo não acabou. Contudo, ele está a acabar, por mais que não tenha ocorrido nenhum desastre. Todos os dias é noticiado que mais uma camada do gelo do Ártico derreteu, que mais uma espécie se encontra em vias de extinção, que
mais uma mãe matou um filho, que mais uma simples discussão entre marido e mulher acabou em violência, que mais uma criança se suicidou graças ao bullying, que mais uma pessoa foi condenada inocentemente, que mais uma vez os impostos subiram, que mais tragédias sucederam. Não são estas situações suficientes para dizermos que o fim do mundo está para breve? Então não sei o que será. A hierarquia de valores mudou, tal como o tempo mudou, e creio que só uma reforma total ou uma lavagem cerebral absoluta são capazes de reestabelecer o equilíbrio. Equilíbrio em que a cooperação, a entreajuda, o amor, a amizade e a paz sejam prioridades. Equilíbrio em que as pessoas estejam dispostas a ajudar as pessoas idosas com necessidades. Equilíbrio em que o medo, a ganância e arrogância não têm lugar. Tenho a certeza de que todas as pessoas gostariam de viver num mundo assim, mas para isso é necessário um esforço conjunto e uma disposição para a aventura e a mudança.
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A Dicotomia de Pensar Daniela Correia . Aluna do 12º E
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Tal como o nosso coração bate e a respiração acontece, o pensamento surge. É algo natural que flui permanentemente, não nos deixando parar e tomar consciência da realidade. Muitas vezes somos confrontados com situações que requerem uma atitude. É nessa altura que é necessário agir, agir com o instinto, com aquilo que realmente será melhor para nós e nos trará a verdadeira felicidade. É neste momento que surge a insistente pergunta “e se?”. Todos nós pensamos demais, chegando isso, inclusive, a trazer-nos alguma dor. Já Fernando Pessoa nos dizia: “Doome até onde penso, / E a dor é já de pensar…”. Isto é, cada um de nós é responsável pelos seus atos, mas será que nos deixamos levar pelos nossos pensamentos? Será que nos deixamos ir a reboque destes intrusos por vezes desagradáveis que, por uma insistência tremenda, nos levam a criar arraiais e furacões dentro de nós? Será então o pensamento o verdadeiro culpado pela negação dos nossos desejos?
Tal como o nosso coração bate e a respiração acontece, o pensamento surge. É algo natural que flui permanentemente, não nos deixando parar e tomar consciência da realidade. É então legítimo afirmar que todos nós pensamos de mais e, pessoalmente, vai ser esta ação básica e essencial do ser humano a condicionar certas ações, comportamentos e opiniões. Todos nós temos momentos em que a nossa maior vontade é pregar a sete ventos, mas deixamos a nossa opinião reprimida devido ao nosso pensamento sobre o que é que a sociedade vai achar, por exemplo. De vez em quando o nosso pensamento parte a galope e é nessas alturas que nos deixamos dominar e, em vez de sermos nós a pensar, são os nossos pensamentos que nos, controlam, metaforicamente falando. É óbvio que o ser humano necessita de pensar! Mas será certo admitir que esta ação nos condicione? É certo que cada um de nós tem o direito de fazer o que quiser, dizer o que acha e agir de acordo com as suas leis morais, mas apesar desse desejo de liberdade e independência, vamos sempre ser condicionados. Há sempre algo que nos puxa para trás, forçando-nos a pensar duas vezes e desta forma tomar uma atitude que não nos fará cem por cento feliz. Se, por um lado, são os nossos pensamentos que têm a função de nos construir, por outro, poderemos afirmar também que são eles os responsáveis por nos destruir ou, na mínima das hipóteses, por nos reprimir.
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Reflexão ético-política Manuel Ferreira . Professor de Filosofia
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Continuo a pensar e a defender que, qualquer que seja a crise, a austeridade e as restrições, estas não podem colocar em causa o que é o bem e o bom para a humanidade.
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m face dos tempos que correm, complexos, difíceis e de instabilidade, é caso para cada um de nós se interrogar sobre o que tem feito e o que pensa fazer para ultrapassar este desastre que a nível social estamos a viver. Desastre social que tem expressão na maior pobreza, sofrimento e angústia e que é o resultado de escolhas políticas destruidoras dos valores da responsabilidade, da confiança, da esperança e do futuro, ideário pelo qual ao longo da história muitos homens das elites e anónimos lutaram e se bateram. É chegada a altura de despertamos do sono letárgico e da acomodação a que nos conduziu uma pseudo-sociedade de abundância, de bemestar, de facilitismo, de estímulo de projectos
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particulares e pessoais em vez de projectos comuns e sociais e que contribuiu para bloquear e controlar a nossa capacidade de discernimento e de reflexão crítica e autónoma. Chegados ao fim da linha, é necessário voltar a conquistar o exercício de uma cidadania plena. É importante voltar a vivenciar, experimentar e exercitar a dimensão da sensibilidade, é necessário voltar a personalizar os indivíduos, é essencial que as pessoas voltem a ser interventivas e que se comprometam para com uma sociedade que continue a oferecer oportunidades para uma vivência social mais equilibrada. Continuo a pensar e a defender que, qualquer que seja a crise, a austeridade e as restrições, estas não podem colocar em causa o que é o bem e o bom para a humanidade. Não é possível falar do social, da vida em comum sem ter como preocupação suprema o homem. É para este que devemos olhar, é ao homem que deve ser dada a prioridade. Por isso, não fazem sentido algumas medidas políticas que tentam degradar o seu estatuto ontológico, ético e psicológico e que o obrigam, no quotidiano, a viver situações de humilhação por não ter condições de autosustentação. O futuro, para voltar a ser melhor do que o presente, obriga a que seja orientado e
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perspetivado através de outras ideias e outras práticas. É necessária a afirmação de uma alternativa ao actual projecto de mundialização económica, que tem uma visão minimalista da democracia e que serve os caprichos de alguns homens, mas não o desenvolvimento humano. As dificuldades para ultrapassar esta pseudoorientação ideológica podem ser maiores ou menores, mas estou em crer que outras soluções vão aparecer e que outras maneiras de pensar, sentir e fazer a vivência social vão despontar. Para o efeito, cada um de nós deve voltar novamente a ser protagonista, libertar-se das amarras da alienação e da ditadura do conformismo e eleger como mola propulsionadora da sua visão e da sua ‘praxis’ não o mercado, o capital, o lucro, a economia, a finança, mas o elemento humano. No actual quadro, nenhum de nós pode dar-se ao luxo de ficar docilmente na soleira da casa. Temos de entrar e desarrumá-la. O que faz sentido é dizer ‘eu estou aqui, e estou aqui porque quero que a vida decorra com alegria e esperança’. É indispensável que sejam as utopias novamente a responder aos assuntos da vida.
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Um Livro de História Um livro de história; Guerras e armas, Os superiores e a escória, Também as doenças e sarnas. Um molho de pensares e religiões Assim como ideias e novas invenções. Um punhado e muito mais de acontecimentos. Por vezes ocultando sentimentos De quem já viveu e sentiu, Que já morreu, e já sumiu. Do início com pedras e fogo, Para arcos e espadas, Que após conquistas e anos passados Deram lugar a novidade e sonetos. Houve o gótico, Antoniette e Vitória, Bailes com vestidos esvoaçantes. E então passemos aos tiros sonantes E às estrelas amarelas Assim como na terra escavadas parcelas Um fanatismo lunático, Algo de sádico.
Assim como quando torres ruíram, E bombas do céu caíram, Pássaros mecânicos colidiram E fogo e fumo surgiram. O choro inocente de crianças, As balas de alguém Que com certeza, nada teria de bem. Um local de ensino, um campo de chacina. E dado os acontecimentos aqui presentes, Como me podem chamar não crente? Como se pode ter fé? Se a Humanidade é como é? Inês Mesquita. Aluna do 10º B
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Crise de Valores Isabel Gonçalves . Aluna do 9º E
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“No mundo há cada vez mais gente, mas cada vez menos pessoas”
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fogados pela evolução da tecnologia, levados pela onda do mundo moderno que tanto nos impele para as coisas supérfluas, vamos perdendo os valores humanos. Embrenhamo-nos tanto em nós próprios, focamo-nos no nosso ego de tal maneira que nos esquecemos de que, se não fosse pelos outros, não existiríamos. Será a evolução? Estará a espécie “humana” propriamente dita em extinção? Porque se é a capacidade de pensar e refletir que nos distingue dos outros seres vivos, começo a acreditar seriamente que essa capacidade nos estar a falhar… no sentido em que refletimos cada vez menos na nossa vida, nas nossas escolhas, na construção da nossa sociedade, e damos prioridade ao exterior das coisas. Existem demasiadas “distrações” que nos afastam do que é realmente importante… Falo principalmente dos jovens. Olhamos para nós e esmeramo-nos para nos tornarmos iguais aos
outros, pensarmos como os outros e “Maria-vaicom-as-outras”. E o ser diferente, verdadeiro e único, o contribuir para um mundo mais justo, o ser feliz nas coisas simples? Ficou debaixo da revista de moda e da nova playstation. Não venham dizer que é por causa da crise económica, que estraga o humor. Pode empobrecer as contas bancárias, mas a verdadeira pobreza é muitas vezes psicológica e mental, e não realmente económica. “No mundo há cada vez mais gente, mas cada vez menos pessoas”. Uma expressão que ouvi e com a qual, embora me custe admitir, concordo plenamente.
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Apenas uma opinião Isilda Castro . Aluna do 12º E
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Mas se sou o único... serei realmente o são? Não. Sou o louco.
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as onde está a sanidade mental? Sou o único são neste oceano de loucos, adeptos berrantes de futebol, de moda, de tatuados fanáticos, seguidores cegos do capitalismo e do jornal da manhã? Sou o único que não aceita a naturalidade com que olhamos para as mortes e desgraças diárias? Sou o único neste mundo que não se conforma com o destino da sua vida previamente traçado? Mas se sou o único... serei realmente o são? Não. Sou o louco. “Ah menina, as coisas estão cada vez piores! Mas o que fazer?” dizem as senhoras rugosas e simpáticas, sentadas nos bancos dos comboios matinais, desejosas de comunicar com a geração mais nova. Que conformismo superpoderoso! ”Mas o que fazer?” uma ova! Mas eu acho que se deve cumprimentar e felicitar os vencedores! Portanto, ouçam-me,
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Banqueiros, Políticos, Editores Corruptos dos Jornais, Grandes e Médias Empresas, Casas dos Segredos, Programas de Entretenimento Americanos, que ganham dinheiro com um monte de idiotas a comer asas de frango a um ritmo alucinante! Estão atentos? Eu vos saúdo! Mas que trabalho de génios! Confesso que quase me apanharam! Eu quase acreditei que esta sociedade defeituosa era a única realidade possível. Eu quase acreditei na inevitabilidade das mortes causadas por agressões. “Mas que desperdício de vida, morrer devido a um confronto de futebol”. E continuava a minha vida acreditando apenas nos defeitos individuais. Mas vi a luz, a minha salvação que me arrastou para a loucura. Por favor continuem! Deem a ideia de que os empregos não voltam devido à incapacidade política! Ignorem o facto de a tecnologia fazer um trabalho bem mais prático, rápido e eficiente, tanto para o consumidor como para o “Big Boss”. Por favor, continuem a acreditar piamente neste sistema capitalista, que desperdiça o verdadeiro ouro e idolatra a nota! Por favor, continuem a pensar que a vida humana finalmente vale mais que o capital. Nada me dá mais prazer que este desperdício de miolo cinzento.
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Quem disse que tu, sim tu, tens de trabalhar? Tens medo do desemprego ou da pobreza? O que queres é ser eficiente na tua área ou teres capacidade de sobreviver e teres a tua independência? Admite: Não é o emprego que queres, mas o dinheiro ganho e com o qual vais sobreviver. Admite: a escola, que supostamente promove o conhecimento e a capacidade crítica, apenas te prepara para o emprego escolhido e nada mais. Admite que vais ceder à pressão de escolheres o lucro em vez do sonho, e só depois de teres a noção de tudo o que perdes com o teu conformismo toma a tua decisão. Mas não percas a capacidade de ver a loucura, de pensar por ti próprio, de não perder a esperança e de desejar demais para ti, admitindo o igual direito dos outros de o desejaram para si também. Ama a loucura pois, como Fernando Pessoa diz em “D. SEBASTIÃO, Rei de Portugal”, “Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria?”
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Neotenia e Prematuridade João Francisco . Aluno do 12º A
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A neotenia e prematuridade, embora pouco vantajosas nos primeiros tempos de vida, são muito valiosas para o desenvolvimento humano, provavelmente responsáveis pelo contraste entre o homem e todos os outros seres.
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homem destaca-se de entre os outros seres pela sua incrível capacidade de se adaptar e criar soluções, vivendo em comunidade e aprendendo. Mas o que garante ao ser humano esta vantagem em relação a todas as outras espécies? O que há de especial e diferente no desenvolvimento humano que permitiu que tivesse tamanho sucesso na sua expansão pelo planeta e lhe atribuiu um lugar de superioridade na Natureza? Prematuridade Ao contrário da maioria das outras espécies, o homem tem um desenvolvimento lento e mantém-se dependente durante muitos anos. Enquanto outros animais nascem quase que
ensar(es) imediatamente com a capacidade de andar e alguns até conseguindo alimentar-se sozinhos, o homem nasce, basicamente, a saber apenas respirar e a ser alimentado. Este contraste em relação a outros seres é visto como uma prematuridade, ou seja, o homem nasce inacabado, retirado do útero ainda por formar. O que outros nascem a saber, de forma inata, o homem tem de aprender, observando ou por tentativa e erro, ao longo de vários anos. O corpo de um bebé está também pouco preparado para enfrentar o mundo, sendo fisicamente incapaz de digerir alimentos sólidos, por exemplo. Estando um bebé humano sujeito às mesmas condições e pressões que um animal selvagem, abandonado pela progenitora no momento em que deixa o seu corpo, seria pouco provável que sobrevivesse aos primeiros dias de vida. Neotenia A neotenia, a perpetuação da infância, ou seja, a presença de características próprias de uma criança num indivíduo adulto, é também óbvia no ser humano. Esta condição é uma consequência da nossa prematuridade e é responsável por uma maturação atrasada, lenta e incompleta. Embora isto possa parecer uma desvantagem, pode trazer consequências benéficas que ajudam a explicar o porquê da racionalidade humana. Um dos traços neoténicos do ser humano é, entre muitos outros, um cérebro grande. Esta característica é própria da infância, mas no homem mantém-se na idade adulta. Um maior volume cerebral contribui de forma positiva para uma maior facilidade na aquisição de conhecimentos e resolução de problemas. Por outro lado, o estado incompleto da nossa maturação tem como consequência a sua recetividade ao desenvolvimento, conferindo uma certa maleabilidade ou plasticidade ao nosso cérebro, que se adapta e aprende, critica e pondera. Assim, mesmo nascendo em desvantagem comparativamente a outros seres, que efetuam aprendizagens definitivas e não adaptáveis, o
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homem compensa o seu atraso e acaba por os ultrapassar. Outra consequência da neotenia é a sociabilidade do homem, resultado da sua dependência dos adultos. Se ao nascer, como se verifica noutros seres, fossemos independentes e autossuficientes, os laços entre pais e filhos não seriam necessários para a sobrevivência e provavelmente nunca se viriam a formar, o que consequentemente levaria ao desenvolvimento de uma espécie solitária, sem comunidades, sociedade e cultura. Consequências Mais recentemente, com a procura da juventude eterna, traços neoténicos são vistos como atraentes, especialmente em mulheres. Estudando a aparência de algumas personalidades famosas, conhecidas pela sua beleza, é provável encontrar certos caracteres juvenis. Isto é ainda mais óbvio na cultura japonesa, no Anime (desenhos animados japoneses) e Manga (banda desenhada japonesa), ou até em desenhos animados ocidentais, como a Betty Boop. Estas imagens infantilizadas levam à criação de pressões culturais para tentar estender a nossa neotenia por razões estéticas, ignorando o seu papel na evolução do homem. A neotenia e prematuridade, embora pouco vantajosas nos primeiros tempos de vida, são muito valiosas para o desenvolvimento humano, provavelmente responsáveis pelo contraste entre o homem e todos os outros seres. São talvez estes fatores o que nos diferencia das restantes espécies, deixando-nos com uma flexibilidade mental única, que se poderá ter desenvolvido para permitir o pensamento racional, sociabilidade e capacidade de aprendizagem, que tiveram como consequência a criação da sociedade e da cultura e de tudo o que daí resulta. Sem a neotenia e prematuridade, provavelmente não seríamos mais que qualquer outro primata.
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Metamorfose Acordei numa madrugada qualquer, sem nenhum porquê. Dei por mim a escrever – a vida. Não tenho horizontes, foram enterrados por ela – a vida. Criei laços, desfi-los, tornei a criá-los; senti o vento, com ele fui de encontro ao sonho; sonhei bem alto e, num sobressalto, caí – a vida. Maria Fortunato . Aluna do 12º D
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A realidade política Leandro Coutinho . Aluno do 12º E
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O povo não vale nada, simplesmente é o meio para os objetivos pessoais de quem tem autoridade se cumpram.
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esde o início do ser humano, da interação entre os indivíduos e com a criação das diversas comunidades e das diversas sociedades, que foi necessário elaborar uma pirâmide governativa para direcionar e orientar os povos. Em geral, os objetivos eram caminhar rumo à glória, ao sucesso, à disciplina interna e manter uma situação económica favorável. Mas na variedade de países e de povos, houve desvios governativos, levando à defesa dos interesses pessoais, desligando-se assim dos interesses gerais e essenciais. Com a mudança dos séculos houve em certos locais governadores com ideologias e com energia para lutar contra a discriminação, a exclusão, as graves desigualdades que existem em cada sociedade e com o intuito de levar o povo a uma vida digna, com regalias e com as necessidades básicas asseguradas. Porém, e numa maior
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escala, os governantes (desde reis, presidentes, ministros, deputados e todos os outros elementos ligados ao governo) só se preocupam com as suas necessidades “básicas”, ou seja, carros de luxo, a casa que ocupam anualmente, casa no campo, casa na praia, férias no estrangeiro, seguranças privados, ordenados exorbitantes e muitas mais regalias, e o povo nacional tem que sustentar a família, pagar água, luz, gás, produtos higiénicos, vestuário e calçado com 450 euros mensais e uma elevada taxa de desemprego, isto sem referir os idosos que, para além disto, têm também que comprar medicamentos e ir a consultas medicas, com uma miserável reforma que por vezes nem para comer chega. É triste observar um país, em que os pobres, que sempre tiveram poucos rendimentos, até na velhice são os que recebem menos, e os que sempre foram ricos, que tiveram grandes possibilidades financeiras, após a idade ativa são os que têm reformas exorbitantes. Assim, vive-se numa sociedade egoísta e cheia de desigualdades, e quando se tenta recorrer à proteção do governo que é eleito para estabilizar e gerir melhor o país, ele está mais ocupado com os interesses pessoais, das pessoas que os rodeiam e trocam “favores”, e não se interessem com os mais necessitados. Podem dizer “vamos baixar o défice”, “vamos apostar em mercados externos”, “vamos aumentar o IVA”, vamos, vamos, vamos, vamos… mas o que é isto?! Onde é que aqui se inserem as frases “vamos cuidar dos idosos”, “vamos cuidar das crianças e jovens”, “vamos aplicar medidas para baixar o desemprego e valorizar o nosso povo”, “vamos dignificar a nossa população e dar o que eles necessitam abdicando dos nossos excessos”. Onde estão estas frases chave para o bem social?! ONDE?!!! Aqui é que está o problema; podem passar meses, anos e até séculos que o problema é sempre: o nós e a parte financeira. O povo não vale nada, simplesmente serve como meio para os objetivos pessoais de quem tem autoridade. E quando estes sacrificados mais precisam não têm quem pense
neles nem tome posições ou medidas para os apoiar: os aumentos fiscais e cortes recaem sobre eles; os poderosos e ricos não têm penalizações e servem-se dos impostos dos mais pobres continuando com a sua vida cheia de excessos e desperdícios. Por fim, resta-me salientar que o propósito da defesa do povo português não é com o intuito de agredir ou dramatizar, mas, com o fim de referir a realidade nacional e do que se passa no meio onde estou inserido. Precisamos de um governo sério, honesto e que acima dos interesses pessoais, de grupos específico ou financeiros, pense essencialmente no povo, no ser humano e na dignidade humana!!!
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O que é ser humano? Maria Gomes . Aluna do 12º A
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Somos capazes de discriminar alguém pelas escolhas que faz, quando essas mesmas escolhas não nos vão afetar de maneira nenhuma.
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ós, os seres humanos, sempre nos pusemos no centro de tudo, fosse qual fosse a situação. Nós proclamámos a Terra o centro do Universo, não aceitámos quem dissesse o contrário, isto porque se na Terra nós éramos o ser mais inteligente e desenvolvido, é óbvio que se passava o mesmo com o resto do Universo. O ser humano não é nada mais do que um animal como qualquer outro, com o benefício de ter um cérebro maior e mais desenvolvido, dando-lhe as maiores capacidades adaptativas. No resto somos animais entre animais. Quantas vezes estamos nós sentados no sofá, a passar pelos canais da televisão e, por pura coincidência, paramos num documentário sobre a vida selvagem e ficamos horrorizados com o
que vemos? A maneira como a leoa salta sobre a gazela e lhe arranca a carne até ao osso, sem qualquer hesitação. É o que nós chamamos de animais selvagens. Mas o que é que realmente nos diferencia deles? Nós odiamos. Nós abusamos. Nós criamos guerras entre nós e assassinamos sem pensar duas vezes. Enquanto que os animais matam para sobreviver e se alimentarem, nós matamos por dinheiro, por ódio e por preconceito. Nós, os chamados seres civilizados, somos capazes de abusar verbalmente e fisicamente de alguém, pelo simples facto de ele ou ela acreditar em algo que nós achamos ser completamente descabido. Somos capazes de discriminar alguém pelas escolhas que faz, quando essas mesmas escolhas não nos vão afetar de maneira nenhuma. Somos capazes de discriminar alguém pela simples cor de pele! Acredito e espero que haja muitas exceções espalhadas pelo mundo fora, mas nós vivemos numa sociedade onde reina a corrupção, o ódio e o preconceito, e essa é a realidade, por muito triste que seja.
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A Aprendizagem na Escola A. Marcos Tavares . Professor de Filosofia
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De facto, na ausência de uma reflexão crítica sobre a educação, espreita o perigo de esta se tornar ou informática ou catequética.
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ntendo a educação como uma interacção dinâmica, sistemática e orientada para um fim, que é, em termos gerais, a realização plena da pessoa. A acção educativa não pode ser nem casual nem mecânica, mas deve dirigir-se ao ser humano no seu todo. A Lei de Bases do Sistema Educativo é bem clara neste aspecto ao enunciar como uma das finalidades fundamentais da educação o desenvolvimento global da personalidade, a realização plena e harmoniosa do educando. É, todavia, ainda hoje muito frequente, talvez demasiado frequente, encarar a instrução como a única função da escola. Esta é concebida como simples transmissora de conhecimentos e, portanto, centrada nos resultados cognitivos alcançados pelos alunos. Para os que adoptam esta opinião, o mais importante é que a escola ensine coisas e que os alunos aprendam os conteúdos programáticos. Claro que estes são, depois, os primeiros a culpabilizarem a
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escola pelos problemas sociais. Se há criminalidade, se há cada vez mais adolescentes grávidas, se há enorme sinistralidade nas estradas, se há grande abstenção nos actos eleitorais, então é porque na escola não há educação cívica e sexual, não se ensinam as regras do trânsito ou não se incentivam os alunos à participação política.
Há que, definitiva e decididamente, alargar as funções da escola. Para além da instrução (transmissão de conhecimentos e de técnicas), devem também ser consideradas as componentes de socialização (transmissão de normas, valores e crenças, hábitos e atitudes) e de estimulação (promoção do desenvolvimento global do educando).
De facto, na ausência de uma reflexão crítica sobre a educação, espreita o perigo de esta se tornar ou informática ou catequética. Informática no sentido de preparar pessoas bem instruídas e aptas para as necessidades de uma sociedade tecnocrática, submetida à lógica da eficácia; catequética porque dogmática, rígida e reprodutora do sistema, submetida aos jogos dos poderosos. No primeiro caso, a educação está a montante do sistema económico; no segundo, está ao serviço das ideologias mais ou menos totalitárias. Em qualquer dos casos, ficam em causa a autonomia e a liberdade humanas.O saber e os conhecimentos, por mais profundos e especializados, não são garantia de realização humana.
Importa aprender, mas importa também aprender a aprender e, como diz Bateson, aprender como se aprendeu a aprender. Este é o mais elevado nível da aprendizagem e corresponde a uma reorganização profunda do eu, isto é, a uma descentração para se compreender e agir em termos de contexto. Implica assim a compreensão, a reflexão, a recriação, a imaginação que permitam passar dos saberes recebidos aos saberes construídos.
Que ninguém entenda isto como um menosprezo pela instrução. Certamente que é importante aprender coisas e aprendê-las bem. O raciocínio, o espírito crítico e a criatividade não se exercem no vazio; necessitam de uma base sólida de conhecimentos rigorosos e de metodologias estruturantes. O que defendo é que a instrução por si só não basta: é necessária, mas não é suficiente.
Em suma, aprender na escola é, acima de tudo, aprender a ser. Aprender a ser traduzido na estruturação rigorosa da inteligência, na formação do carácter e da cidadania, na preparação para uma reflexão consciente sobre os valores, num equilibrado desenvolvimento físico.
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Quem será? Será um rapaz? Será uma rapariga? Que mistério é este, Que me causa tanta intriga? De quem será este olhar? Estes olhos negros como carvão, Quem estarão a observar? Será uma multidão? Estarão à descoberta, Do que virá em frente? Será que a fome aperta? Será este um dia diferente? Esteve a brincar no chão! Dá para constatar, Pela sujidade que traz na mão, E que pelas unhas se está a entranhar. Que intriga! Ai, que sufoco me faz… Será uma rapariga? Será um rapaz? Severina Rodrigues . Aluna do 11º C
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Autorretrato Maria Freitas . Aluna do 10º F
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Tento olhar-me ao espelho e fixar os olhos no meu rosto, mas tudo o que consigo ver é apenas uma silhueta, talvez a minha sombra.
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noite já se pôs há muito, e eu encontrome sozinha no quarto, perguntando em voz alta: “Quem sou EU?”.
De momento, não encontro sinais de vida, mas algo surge de repente… Será a minha imaginação, ou eu estou a ouvir a minha voz, sem sequer dizer uma palavra? É realmente espantoso! Nunca pensei que isto podia acontecer. A “voz”, que faz parte de mim, vai-se exprimindo lentamente, para que eu consiga perceber o que vai dizendo. Ainda tento calá-la, mas é impossível - ela continua a falar sem me pedir autorização. Tento olhar-me ao espelho e fixar os olhos no meu rosto, mas tudo o que consigo ver é apenas uma silhueta, talvez a minha sombra. Conforme a tal voz vai ganhando energia, eu consigo ver mais, mais do que apenas escuridão.
É algo profundo, enigmático e apaziguador. Os meus olhos castanhos coincidem com a cor do sítio onde quero viver para sempre, a Terra. Ao descer, encontra-se o nariz, um pouco arrebitado, mas proporcional e caracterizado pelos pequenos sinais que moram bem no centro, invadindo também as bochechas. Nos lábios, o sorriso de uma criança repleta de mimo. Uma tela de castanhos que vai ocultando as imperfeições, um cabelo com personalidade difícil. Aquela voz parece estar a perder a vontade de continuar, mas … ainda não acabou o seu discurso na descoberta de si. E continua… Personalidade deveras difícil, que não admite derrotas ou desistências. Umas vezes fria, outras cheias de paixão. Sensível aos afetos e às relações amorosas. Sobrevivente de uma vida repleta de confusão, mágoas e tristezas, mas que não se deixa abalar, porque dias são dias, e quem sabe se não somos como os gatos, talvez tenhamos 7 VIDAS. Um mistério, que a tudo resiste. Ao longo do discurso, tudo se altera. Já não me encontro no escuro, os contornos parecem mais claros que água. Tudo parece fazer sentido. Aquela pequena voz, já não se ouve e parece que consegui finalmente perceber quem sou.
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Porque não lemos? Madalena Moreira . Aluna do 12º A
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Quanto a mim, ler permite-me escapar da realidade, permite-me imaginar.
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leitura está lentamente a tornar-se tabu. Vivemos numa era em que a maior parte dos jovens considera ler um desperdício de tempo e uma actividade cansativa e os adultos se consideram demasiado ocupados, cansados e stressados para pegar num livro ao fim de um dia de trabalho. O ritmo rápido das vidas na nossa sociedade torna mais difícil uma tarde passada com um bom livro, e o mais alarmante é que parece que os poucos que tentam fazer a literatura voltar à “moda” assemelham-se cada vez mais a pedintes na rua, implorando ao público mas recebendo apenas um olhar de desdém. Todas as vezes que o assunto da leitura surge numa conversa, as razões para não ler são as mesmas: “Não tenho tempo”, “Muitas vezes quando tenho tempo livre estou cansado/a e não me apetece”, “Se já existe um filme/série de televisão baseado no livro, porque hei-de perder tempo e cansar-me a ler?”, “Livros são caros, não posso comprar um
sempre que me apetece.”, “Não tenho o hábito de ler, e por isso acho difícil concentrar-me no livro durante muito tempo”. Ironicamente, as soluções para todos estes problemas são conhecidas por aqueles que lêem regularmente e com gosto e não pelos que as procuram. Carregar sempre um livro ajuda em pelo menos dois destes problemas. Mesmo num dia ocupado, o tempo para ler pode ser encontrado enquanto se espera em filas ou salas de espera ou se viaja em transportes públicos. Ao começar a ler assim, aos poucos (talvez 10 minutos de cada vez, para começar), o hábito de leitura começa a surgir, pois este, como todos os outros, tem que ser criado, e não se pode esperar que ele se desenvolva num instante. Para a segunda parte das desculpas relativas ao hábito e à concentração, só posso dar um conselho: em geral, se chegar a meio do livro e ele não se tiver tornado menos maçador do que era no início, a melhor coisa a fazer é pousá-lo e arranjar outro. Nem todos gostam do mesmo tipo de literatura. Só porque um livro ganhou prémios e é muito aclamado, não quer dizer que todos tenham a obrigação de gostar dele. Não gostar do livro que ganhou o Nobel não é o mesmo que
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deixar cair o livro em cima do nariz quando se adormece (possivelmente é melhor deixar livros de capa dura para ler noutras alturas). Relativamente ao argumento da invasão dos meios multimédia, é de referir que nenhum filme, por grandiosos que seja, anula o prazer da leitura da obra escrita.
não gostar de ler. Significa apenas que se deve explorar outros tipos de escrita, outros géneros, outros autores. Já agora, o hábito de leitura também não consegue ser criado com a leitura escolar obrigatória. Esse programa é um daqueles com boas intenções e que é bom para familiarizar os alunos com autores importantes para a história da literatura ou para aumentar o vocabulário ou muitas outras razões que podem ser encontradas naquela secção presente de uma maneira ou outra em todos os livros do ensino básico e que se intitula “LER É IMPORTANTE”. O que acontece, no entanto, e isto é realmente um fenómeno impossível de evitar, é que (exceptuando, obviamente, aqueles que conseguem estabelecer aquela mágica e profunda relação espiritual com um livro lido para a escola, através de modos ocultos a meros mortais) por mais interessante que seja uma obra, a obrigação de a ler para fins académicos e de analisar cada detalhe até ao ponto em que a vontade de atirar o livro pela janela é colossal retira em parte ou totalmente o charme do livro, reduzindo-o a mais um ponto na lista de matérias a estudar para um teste. Vamos agora ao problema de estar cansado. Direi apenas que se um livro for suficientemente interessante, há uma garantia que o cansaço irá desaparecer e ser substituído pela vontade de saber o que acontece a seguir. Se isto não acontecer, no entanto, adormecer enquanto se lê não é de todo uma má experiência, especialmente se for possível evitar a experiência dolorosa de
Por fim, o preço dos livros, principalmente em Portugal, embora pudesse perfeitamente servir para encher páginas e páginas de uma carta furiosa às Editoras, pode ser facilmente contornado pedindo livros a amigos, comprando livros em segunda-mão e tratando as bibliotecas, hoje usadas principalmente para fins académicos, como amigas (várias outras soluções podem ser encontradas, só é necessário ter alguma criatividade). Assim ficam desmistificadas as desculpas para não ler, mas a coisa pode virar-se com a simples pergunta “Mas porque ler?”. Quanto a mim, ler permite-me escapar da realidade, permite-me imaginar. Os mundos presentes nos livros são flexíveis, os detalhes deixam de ser rígidos. A partir de uma descrição de um cenário a imagem criada na minha imaginação será provavelmente diferente da de outro leitor. De cada livro lido podem ser retiradas lições de vida, tanto óbvias como escondidas no subtexto. Imensas obras são ignoradas pelo público geral por serem destinadas a crianças ou adolescentes, mas a verdade é que nelas estão presentes os ensinamentos mais básicos que devem formar um ser humano, como a compaixão, a importância do amor e dos sonhos e que são esquecidos por muitos durante aquele processo assustador e difícil que é tornar-se um adulto realizado. Numa apenas citação: “Um leitor vive mil vidas antes de morrer, o homem que nunca lê vive apenas uma.”, presente no livro “A Dança dos Dragões” de George R. R. Martin. A verdade é que essas vidas, tanto reais como imaginárias, essas aventuras que vivemos através dos livros, dão uma nova luz à nossa.
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As Cores Encaro o mundo com as minhas próprias cores. Pinto cada cenário com a força dos meus sonhos, e cada “tape” não é mais do que o poder forte do meu desejo. Sou eu em cada sucesso e em cada fracasso, Sou eu em cada pequeno ou grande pedaço, Deste dom maravilhoso que é viver. E se encaro com alegria que viver também é sofrer, Mais depressa aceito que só a mim me compete vencer. Aceito cada desafio, como cada estação aceita as cores que lhe estão predestinadas. E obstinada, pintalgo, ao meu jeito e gosto, Este ou aquele esboço, Que me parece mais fosco, mais ténue. Porque quem se quer prezar dizer que viveu, tem que pintar sem medo, a sangue, suor e lágrimas, a sorrisos, gritos de alegria e de paixão, o seu próprio quadro, o seu próprio coração Margarida Ribeiro . Aluna do 12º D
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Labirinto Marta Morgado . Aluna do 11º A
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Encontrei vários possíveis labirintos, a começar pela morte.
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imon Bolívar, nos seus últimos dias de vida, retratados no livro O General no Seu Labirinto, de García Márquez, proferiu as seguintes palavras: “Como é que alguma vez haverei de sair deste labirinto?”. Quando me deparei com elas, questionei-me de que labirinto é que poderia ele estar a falar e qual seria a melhor maneira de sair dele. Encontrei vários possíveis labirintos, a começar pela morte. Digo a morte porque não sabemos o que esperar dela, ou até podemos, visto que existem várias teorias. Contudo, por agora não temos certezas, a não ser uma: não podemos escapar-lhe e também não sabemos o que iremos fazer quando ela nos apanhar - um perfeito labirinto, na minha opinião. A segunda hipótese em que pensei foi a vida nela aparecem-nos sempre problemas reais ou apenas existentes na nossa cabeça e passamos por sérias dificuldades em tentar resolvê-los.
Por vezes, para alguns deles ou para algumas perguntas nunca conseguimos arranjar solução ou resposta, e aí sim, entramos num labirinto. Por fim, pensei que o dito labirinto pudesse ser também o sofrimento, pois existe sempre e a muito dele não conseguimos escapar, como quando ficamos doentes ou alguém nos faz mal. Relativamente às saídas, quanto à do labirinto da morte, penso que só chegarei quando for a altura. Quanto aos outros, o melhor é mesmo fingir que não existem ou tentar superá-los com o que de melhor tivermos.
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Moda na moda Paula Branco . Aluna do 12º E
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Trocou-se a solidez da calçada pelo mistério do palco; a simplicidade pelo arrojo; o anonimato pela ribalta; o negro de uma vida pelas luzes de um momento…
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os dias que correm, a moda entre as camadas mais jovens tem tomado proporções quase impensáveis há alguns anos atrás. A beleza tornouse um requisito fulcral e mostrá-la é agora um passatempo, senão profissão extremamente comum. Trocou-se a solidez da calçada pelo mistério do palco; a simplicidade pelo arrojo; o anonimato pela ribalta; o negro de uma vida pelas luzes de um momento… Já não se trata de míseros traços que passam despercebidos mais sim uma mais-valia que pode ser posta a descoberto. São a segurança na imagem e auto-estima que imperam; e o espelho já não questiona, apenas afirma olhando-nos nos olhos, “És o/a mais bonito(a) de todo(a)s!”.
Modéstia? Timidez? De que servem quando o mundo cabe na palma da mãos? Pose… Flash… Pose…Flash… Não é o sonho, não é o conto de fadas, é a realidade eternizada por fotografias, por memórias, por momentos de poder que apenas quem sente é capaz de compreender. A moda está na moda e os seus representantes aumentam instantaneamente! Será assim tão crítico… tão reprovável…tão mesquinho… que num país, ou melhor, que num mundo onde cada vez mais tudo fica feio, tudo desaba e perde brilho, uma parcela insignificante dos seus habitantes queira proporcionar beleza e alegria à curta vida que os espera?
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O conto As Asas Brancas, de Teófilo Braga A Acção e algumas marcas filosóficas Paulo Pereira Guedes . Professor de Língua Portuguesa Este texto não utiliza o novo acordo ortográfico
APRESENTAÇÃO O conto As Asas Brancas, de Teófilo Braga, foi publicado na colectânea Contos Fantásticos em 1865. Em 1894, esta colectânea foi objecto de 2.ª edição, “correcta e ampliada”1 , sob a chancela da Livraria de António Maria Pereira. No paratexto “Preliminar”, publicado nesta 2.ª edição, o autor reflecte criticamente sobre os contos que publicara trinta anos antes, referindo as consequências negativas que decorreram da publicação de Contos Fantásticos em 1865, de que se destaca a recusa de aceitação da sua obra por parte da Literatura institucional ou institucionalizada, o que o levara ao abandono da Arte que o seduzia, “porque [me] abandonara a serenidade contemplativa”2 . Teófilo releva a ideia de que tratara com pouca profundidade o domínio do mundo subjectivo ou moral, enredado num estilo híbrido, demonstrativo da falta de segurança do pensamento de um jovem. O autor tem a consciência de que o drama da vida deve ser o tema eterno da obra de arte, noção que, porém, verifica não ter conseguido 1 Theophilo Braga, Contos Phantasticos, Lisboa, Colecção António Maria Pereira, 1894, 2.ª ed. 2 Idem, VI.
transpor devidamente para a sua obra. No entanto, considera que a paixão pela arte está bem patente na colectânea Contos Fantásticos, pelo que “ainda achei ali calor, a ardência de um organismo que se queima, a vibração sensorial de uma mocidade plena que se lança de peito aberto ao combate da vida” 3. A colectânea foi publicada “num dilema dos dois amores, em que ainda se debate o espírito, 3 Ibidem.
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atraído para a arte e seduzido pela ciência”4. Na dicotomia aqui referenciada radicará a modalidade fantástica, contrapondo o físico ao psíquico. AS ASAS BRANCAS – A ACÇÃO E ALGUMAS MARCAS FILOSÓFICAS Este conto de Teófilo Braga, impregnado de influxos e referências filosóficas claramente assumidas pelo narrador, inicia-se com a descrição de Ema, mulher de tristeza infinda, eivada de problemas existenciais – “Sempre o mesmo olhar doloroso! Uma constante expressão de mágoa, esse abandono, que é o tédio da vida!” (Contos Fantásticos: 1) –, o que causa estranheza no narrador, que se interroga acerca de uma mulher de vinte anos que, na flor da vida, reflecte na “face pura um clarão pálido e incerto como de agonias e desespero” (ibidem). Tal semblante enigmático feminino continua no capítulo II, mostrando-se a estranheza e hesitação do narrador, que perdura na sua indecisão, embora tente apresentar uma explicação, que remete para a possibilidade, nunca para a certeza: “Então julgo ver-te uma santa, sob o aspecto de penitente que acha cada sucesso da vida uma tentação oculta nas aparências mais risonhas...” (idem: 2). Esta personagem feminina revela traços essenciais à ocorrência de manifestações de índole maléfica ou sobrenatural, dada a pureza e inexperiência dos seus vinte anos. A sua caracterização reenvianos para a concepção de mulher arcangélica de Petrarca, ao apresentar “ombros de marfim” e “cabelos louros” (idem: 3), apontando para a excepcionalidade. O narrador procura as razões da postura da protagonista, aventando ser talvez o amor o móbil da atitude sonhadora da mesma: “Quem sabe se é o amor que a transporta assim para as solidões, como a pomba que vai esconderse na rocha alcantilada?” (idem: 4). Esta mulher apresenta um “segredo incomunicável” (ibidem), que oprime e “aterra como a esfinge propondo o enigma” (ibidem). O narrador dá-se conta do avolumar deste estado desfalecido e das tentativas da mulher no sentido de “iludir os desvelos da 4 Idem, VII.
família com um vigor que não tinha” (ibidem) e põe a questão de tal mulher gravitar em torno de um mundo no qual procurava absorverse, fundir-se, sendo a vida terrena apenas um “refluxo que a impelia para longe” (idem: 4 e 5). Só no capítulo IV o narrador desvenda o nome dessa mulher – Ema – e logo de seguida dá-nos conta de um estado de transfiguração que dela se apossara, parecendo “naquela tarde opressa por uma angústia mais íntima” (ibidem). Estava contemplativa, sorrindo, pairando no sonho, voando para o irreal, o infinito, o que talvez tenha sido despoletado por uma frase de Swedenborg5 : “Um anjo está presente a um outro, quando ele o deseja” (idem: 7). Esta frase parece remeter para a importância capital do desejo, da vontade, tendo em vista a ultrapassagem de um mundo empírico, que é, na esteira de Platão, grosseiro, em direcção a um mundo meta-empírico, da irrealidade, por natureza propiciador de felicidade porque decorre do sonho e da reminiscência relativa ao tempo belo da inocência. A filosofia da segunda visão, de Emmanuel Swedenborg, é confirmada pelo narrador com referências ao livro De varietate rerum, de Jerónimo Cardan, onde se explica a capacidade de objectivar as imagens criadas pela mente, através da imaginação e de uma “vista penetrantíssima” (idem: 8). Assim, “Quando eu quero, vejo o que me apraz, e isto não só com o espírito, mas com os olhos, com essas imagens que eu via na minha infância” (idem: 7 e 8). O facto de tal capacidade ser uma qualidade vulgar nos povos do norte (note-se a proveniência nórdica de Swedenborg) advém do uso intenso da imaginação como meio privilegiado de fuga a “pouca variedade de paisagem” (idem: 8), o que provoca a idealização de mundos fantásticos, configurada em avalanches, nevoeiros, toadas vagas e indefiníveis dos espíritos. O homem é chamado pela sua vocação cósmica a estabelecer uma ponte de união entre dois mundos. A dimensão interior é
5 Emmanuel Swedenborg (1688-1772), naturalista e místico sueco conhecido como visionário e fundador de uma religião, elaborou uma explicação do mundo de cariz mecanicista e materialista, sob a influência de Descartes e de Newton. A influência de Platão leva-o depois a conceber o mundo como emanação da divindade, graças a uma série de visões e sonhos de todo o género.
ensar(es) a chave. É o amor que dá a segunda visão, a vontade de materializar o sonhado, o idealizado. O misticismo de Swedenborg permite o acordo, aliás seguido por Balzac, entre o espírito e a matéria, entre a alma e a ordem do mundo, pois o universo visível está ligado por uma união indissolúvel ao universo imaterial. Tal doutrina de Swedenborg não foi acompanhada por Kant, que não entendeu a simbiose entre o lado físico e o lado sentimental nela presente. Kant mostra que a lógica da filosofia de Swedenborg não tem a garantia de corresponder à realidade, dado que não está fundada na experiência. Assim, compara as pretensas visões espirituais às especulações dos metafísicos que constroem os seus sistemas completamente desligados de uma experiência que lhes garanta o fundamento. Como já dissemos, Ema dá a entender ao narrador o poder da vontade como motor capaz de elevar a alma do estado de anima ao de spiritus, traço inconfundível da filosofia da segunda visão, que aposta no sentimento para elevar o homem “além das relações e das contingências” (idem: 12), fazendo-o voar da terra, o que Ema acaba por fazer suicidando-se. Haverá aqui conexões com uma visão budista do mundo, que implica a consideração de que o sofrimento está incluído
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em toda a existência, dada a instabilidade permanente dos fenómenos, que leva o homem a nada conseguir agarrar, sentindo frustração. O desejo é o que origina o sofrimento, que apenas terá o seu fim no nirvana, apagamento ou expiração. Antecipando o epílogo, procede-se a uma analepse, delimitando-se um nível hipodiegético de cariz explicativo, em que Ema regista a razão da sua tristeza, relacionada com a sede de amor provocada pela música interior que lhe parecia a produzida por um regato, deixando-se levar pelo devaneio, adormecendo, vendo então a “claridade de alvura” (idem: 13) de um cherubim, bem como a sua “serenidade augusta” (ibidem). Quando acordou, o mundo visível tornou-selhe um pesadelo, um desterro, uma prisão, o que incentivou nela o desejo de fuga para um mundo de beleza eterna, onde poderia viver o amor que a abrasava. No epílogo, a acção decorre durante a noite, uma noite fria, em que Ema fica só, lendo o seu livro predilecto. Quando amanhece, sente-se “um estrondo surdo, como o baque de um corpo morto” (idem: 14). Ema morrera, acompanhada do livro de Swedenborg, aberto numa passagem que apelava à transfiguração e ao passamento para um mundo dominado pela alma.
BIBLIOGRAFIA BRAGA, Theophilo, Contos Phantasticos, Lisboa, Colecção António Maria Pereira, 1894, 2.ª ed. COELHO, Jacinto do Prado, Dicionário de Literatura, Porto, Figueirinhas, 1989, 4.ª ed. Enciclopedia Universalis, Paris, 1990, 23 vols. FURTADO, Filipe, A Construção do Fantástico na Narrativa, Lisboa, Livros Horizonte, 1980 GONÇALVES, Henriqueta, O Fantástico em Contos Fantásticos de Teófilo Braga, UTAD, Vila Real, s/d Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Verbo, 1989, vol. 1 PLATÃO, A República, Livro VII, Livros de Bolso Europa-América, 1975 REIS, Carlos e LOPES, Ana Cristina, Dicionário de Narratologia, Coimbra, Almedina, 1991, 3.ª ed. SILVA, Aguiar e, Teoria da Literatura, Coimbra, Almedina, 1983, 5.ª ed. TODOROV, Tzvetan, Introdução à Literatura Fantástica, Editora Perspectiva, Col. “Debates” VAX, Louis, Les Chefs-d’Oeuvres de la Littérature Fantastique, Paris, Puf, 1979
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Momentos O sol não brilha sempre Existem períodos de chuva. Quando o coração desvanece É preciso ajuda! E são esses momentos, Que mostram a realidade Vemos o que temos e não temos Com a mesma intensidade! O sofrimento constante, A dor de sentir, O pensar que nada existe Com tudo a existir. Pensamentos soltos, Sem ordem e dolorosos Que fazem sofrer Corações piedosos! E nesta corda bamba Que é a nossa vida, Vivemos o presente Sem saber o futuro ainda! “Tudo vai passar” Dizemos nós tentando convencermo-nos Porque não queremos sofrer À esperança recorremos. Mas, se não fosse esse o nosso apoio? Como seria o nosso fado? Seria algo vazio, Um momento simplesmente passado! Sara Fernandes . Aluna do 12º E
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A era da amizade virtual Pedro Brás . Aluno do 10º G
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O certo é que deixam de conviver com os seus reais amigos para ficarem horas no quarto em frente ao computador...
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omingo de manhã: acordei com uma má disposição invulgar, fui tomar o pequeno-almoço e abri a minha página de facebook. O facebook... Apesar de ser um utilizador desta rede social, irrita-me o facto de toda a gente preencher os seus tempos livres nesta sociedade ilusória. Tenho saudades de quando era mais novo e me juntava com alguns amigos para partilhar brincadeiras, trocar sorrisos ou simplesmente falar. Para além de ser mais divertido e real, era muito mais saudável! Esta é a era da amizade virtual. Através do tão badalado facebook, os jovens fazem amizades, trocam opiniões, ... sem terem de sair de casa. Mas serão estas amizades verdadeiras? Pusme a refletir por alguns instantes e constatei que, de facto, estas não podem ser amizades verdadeiras. Ao abrirmos um perfil aleatório, é quase certo que o número de amigos da pessoa em questão seja enorme: fazer amizades é agora
um “concurso” para ver que alcança o maior número. O certo é que deixam de conviver com os seus reais amigos para ficarem horas no quarto em frente ao computador, isolados da sociedade e contribuindo para problemas de saúde futuros. Como utilizador moderado que sou, vejo nele, como é claro, vantagens e desvantagens. É vantajoso no sentido em que ajuda a preservar antigas amizades, é um meio de comunicação por vezes mais prático e barato. Porém, esta plataforma, no meu ponto de vista, tem também desvantagens, que podem ser mais ou menos, dependendo do tipo de utilizador que considerarmos: um utilizador menos consciente não tem a noção do impacto que uma frase ou foto publicada pode causar na sociedade. Parecendo que não, qualquer ficheiro por nós partilhado é rapidamente “espalhado” por uma imensidão de outros utilizadores, pondo em questão a nossa privacidade. Sou da opinião que a sociedade atual está totalmente dependente da tecnologia. Apesar da sua enormíssima utilidade e benefícios que trouxe ao ser humano, muitas das suas utilizações são um pouco prejudiciais. Hoje, dê atenção a um amigo, sinta o prazer que a natureza lhe está a proporcionar; combine um passeio ou outra atividade e vai perceber que é muito mais gratificante receber um «sorriso» do que um simples “like”!
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Quão perto pode estar o sucesso! Sara Rodrigues . Aluna do 11º A
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Um vencedor parte da solução, um derrotado parte do problema.
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ais importante do que vencer é jamais sentir-se derrotado.
Um verdadeiro vencedor sabe que o resultado das coisas depende somente de si, enquanto um derrotado se acha perseguido pelo azar. Aquele que quer vencer trabalha muito e arranja sempre tempo para tudo, até para si próprio, um falhado diz-se sempre “ muito ocupado” e nem tem tempo sequer para os seus. Quem possui sede de vitória enfrenta os desafios um por um, aquele que se deixa derrotar contorna-os e nem se atreve a encará-los. Para quem vence, o lema é “ Sou bom, mas ainda vou ser melhor”; para quem fracassa a desculpa é “Não sou tão mau assim, há muitos piores do que eu”. Um vencedor ouve, compreende e responde. Um derrotado não espera a sua vez de falar.
Quem procura vencer na vida respeita todos e tenta aprender algo com eles, enquanto que quem se sente uma nódoa negra resiste a todos os que sabem mais e apenas se fixa nos seus defeitos. Aquele que tem força de vontade sente-se sempre responsável por acrescentar algo mais ao seu trabalho, procurando sempre a melhor forma para o fazer, o que se acha suficiente faz somente o que lhe compete, e sempre da mesma forma. Um vencedor parte da solução, um derrotado parte do problema. Enquanto os derrotados procuram pretextos para as suas quedas, os triunfantes já estão prontos para tentarem novamente. A dúvida pode tornar-nos fracos e muitas vezes podemos ser derrotados por ela. Quando estiveres na dúvida, para e pensa. Pensaste? Então este é o momento de agir. Se errares não fiques triste, porque tu tentaste e ao tentares tu já és um vencedor porque eu nunca vi nenhum vencedor que não lutou, mais já vi muitos que foram derrotados porque não lutaram por aquilo que desejavam alcançar.
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Grita Para que te ouçam, fala Fala alto, bem alto E se não te ouvirem, grita E pula, e salta, e tenta E sobe montanhas, e chega ao topo E alcança o céu, e toca as estrelas E eleva a chama, e solta os ventos E cria tempestades e arco-íris E inventa flores e florestas E insiste, persiste, e resiste E se não fores ouvido, grita E derruba muros, e desvia estradas E cria nascentes, rios, e afluentes E agita o mar, e treme a terra E gira o mundo, e vibra o sol E corre, e rasga, e grita! Joana Oliveira . Aluna do 10º B
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Estou aqui… Samuel Pereira . Aluno do 11º C
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O maior risco da vida é não fazer nada. A vida é muito para ser insignificante
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á não sei o que fazer. Sinto uma enorme pressão no meu peito, tenho vontade de gritar, mas não consigo, vontade de te abraçar, de olhar no teu olhar e dizer-te ao ouvido “eu estou aqui”, é isso mesmo, uma vontade. A vida é resultado das escolhas. Com o passar do tempo perdoei erros quase imperdoáveis, tentei substituir pessoas insubstituíveis e tentei esquecer pessoas inesquecíveis. Como ser racional, perdoei e já dececionei quem não queria magoar, sou impulsivo. Não é impossível tornar realidade sonhos e vontades, o pior de tudo é não lutar para concretizar, desistir antes de tenta é cobardia, o que demonstra sinal de fraqueza. A vida só se torna vida quando se tem objetivos, sonhos e conquistas, não apenas bens materiais. Procurar a felicidade é o principal pbjetivo. Quem somos sem felicidade? Quem somos sem objetivos? Quem somos, se não lutarmos pelo que se pretende? É simples, não somos nada,
contudo é com erros passados que se aprende a viver no presente, e é a pensar no futuro que vivemos o presente, não podemos viver no limite do sofrimento, que mata aos poucos a vontade e a felicidade de viver. Não vale a pena pensar no passado. Ao longo do tempo descobri que a visão sem ação não passa de um sonho, que a ação sem visão é só um passatempo, mas, essencialmente, a visão com ação pode mudar o mundo. É impossível viver num mundo onde a falta de coragem de dizer “eu estou aqui, eu estou sempre do teu lado” é grande, e é por isso que a vontade não passa disso, de vontade. Ir à luta com determinação, abraçar a vida com alegria, perder com grandeza e vencer com humildade pertence a quem se atreve a fazer a vontade de dizer “eu estou aqui”, mesmo que no fim acabe por ser insignificante. Vivi! E ainda continuo a viver, e tu também não deverias parar de viver. Enfrenta a vida com toda a tua vontade, realiza-a. Imagina que é um JOGO, onde tanto podes ganhar como perder, de tal modo que a palavra jogar é fundamental. Não fiques parado, vai à luta com determinação, perde e conquistarás, assim é que se aprende a viver. Cais, mas levantas-te sempre mais forte. “O maior risco da vida é não fazer nada”. A vida é muito para ser insignificante!
ensar(es) Coordenação Professores de Filosofia Redação A. Marcos Tavares Manuel Ferreira José Artur Matos Colaboradores / alunos Alessia Teixeira, Ana Araújo, Ana Inês Meireles, Ana Viana, André Fernandes, Andreia Guedes, Andreia Oliveira, Andreia Cardoso, Ângela Pinto, Beatriz Peixoto, Beatriz Xavier, Carolina Rodrigues, Cristina Borges, Daniela Correia, Daniela Pinto, Fátima Carlos, Inês Mesquita, Isabel Gonçalves, Isilda Castro, Joana Oliveira, João Francisco, Leandro Coutinho, Madalena Moreira, Margarida Ribeiro, Maria Fortunato, Maria Freitas, Maria Gomes, Marta Morgado, Paula Branco, Pedro Brás, Sara Rodrigues, Samuel Pereira, Severina Rodrigues, Sara Fernandes Colaboradores / professores A. Marcos Tavares, Conceição Dias, Fernando Fidalgo, Manuel Ferreira, Paulo Guedes Design e paginação José Artur Matos Imagem da capa Constança Teixeira (aluna do 3º 3 - Centro Escolar da Alameda) Imagens Alunos do 11º C - Curso Profissional Impressão Tipografia Voz de Lamego Tiragem 300 exemplares
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DOURO Património Mundial da Unesco
“Douro verdejante de socalcos vinhedos, sustentam paixões de um Povo vigoroso que produz da sua terra sonhos e encantos.” António Barroso