Revista Pensares - Junho 2011

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1999-2011

pensar(es)

Revista Escolas | João de Araújo Correia

Nº 16 | Junho 2011



pensar(es)

Índice

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Editorial A. Marcos Tavares

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Sapatos Ana Margarida Almeida

Arrependimento sazonal Inês Pereira

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O lugar do morto José Artur Matos

Branco no preto Fernando Fidalgo

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30 32

O pensamento criador Cátia Pinto

08 10 12 14 17 18 19 20 22

35 36 38 40 41 42 45 46 48

Um só Ana Raquel Pinto

49 50 51

Solidariedade Júlia Korcheva

Sim! O homem tem medo... Manuel Ferreira

23 24 25

Manhã do talvez Maria C.

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Asas da filosofia Marta Arcanjo

O império das causas menores Raia Serra O grito da solidão A. Marcos Tavares As Palavras Conceição Dias Sem título Ana Inês Meireles Memórias Isabel Gonçalves Paradoxos Estela Ferreira Entre o homem e o animal Vanessa Pinto Revolta Fátima Carlos A Educação e o desenvolvimento Manuel Mesquita Felicidade Maria Francisca Cardoso A desatenção e os maus tratos Daniela Seixas Lembra-te de mim Ana João Marques

A existência em Kierkegaard Artur Manso

Drogas na adolescência Fábio Costa Mundo dos «flashes» Sónia Rodrigues Alteridade Helena Ferraz Alma Dulce Montes Para além do véu Ricardo Oliveira Talvez um dia Vanessa Guedes Gosto tanto de ti, Sócrates Ana Paula Lopes Mundos espelhados Daniel Carvalho

Sonhar é viver Inês Mesquita Nada dura para sempre Ana Xavier


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Editorial

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E

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i-la. Rosto jovem, formato moderno, roupagem da moda. Variam as sensibilidades, as percepções do mundo e da natureza; não podia deixar de variar a concepção estética. E a estética diz respeito não somente ao exterior mas a toda a estrutura do ser. Uma nova visão estética confere uma diferente perspectivação do real, uma outra ontologia. A revista Pensar(es), projecto iniciado em Maio de 1999, apresenta-se no seu 13º aniversário (o 13 pode ser o número da sorte), toda orgulhosa da sua idade e vaidosa do seu rejuvenescimento. «O alfaiate faz o homem», diz um velhíssimo ditado do mundo da alfaiataria. De facto, a Pensar(es) é outra revista. Mas, simultânea e coerentemente, apresenta o mesmo espírito. Hoje, passados 13 anos (é incomum tamanha longevidade de uma revista com as características desta) vislumbram-se os mesmos objectivos que nortearam a sua fundação. É «filha da audácia» e quer ser «um espaço onde possam ser expressas, por parte da comunidade escolar, as suas ideias, opiniões, experiências, a sua visão do mundo e das coisas. Um espaço de diversidade, construtivo, enriquecedor e potenciador de capacidades, tal como a escola que queremos». Um espaço marcado pela liberdade e pela pluralidade e que permite o confronto de ideias, de experiências, de soluções e de expectativas. No tempo conturbado e frágil que vivemos, este anúncio pode servir também de denúncia, como nos tempos proféticos. Um agradecimento profundo e intenso ao Zé Artur e aos seus alunos do 12º ano do Curso de Artes Visuais (turma D), deste ano de 2010/2011. Também uma palavra de gratidão para o Paulo Guedes, sempre disponível para a revisão dos textos. Para memória futura. A. Marcos Tavares Manuel Ferreira

Ana Paula Lopes


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A PROndSário Secu

Arrependimento sazonal Inês Pereira Aluna do 12º C

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Vivia uma vida que não era a de um homem com alma grande como a dele que sonhava e não se acomodava numa felicidade pequenina.

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uma terra pequenina dum país pequenino, saía à rua todos os anos uma grande procissão. Todos os anos o ritual se repetia, mas o facto de ser cíclico e exactamente igual ao ano anterior, não era motivo para os filhos da terra não regressarem para as festas. É o gosto pela tradição. Todos os anos, os morteiros que ditavam o começar do dia não acordavam somente os festeiros como o próprio sol. Todos os anos se vestiam as novas roupas para ir ver os velhos santos a desfilar na procissão anual. Como em quase tudo na vida há que respeitar uma certa hierarquia social, nem tanto pelo politicamente correcto das grandes cidades mas como sinal de respeito, algo apreciado em terras pequeninas como aquela. Desta forma, um dia, ninguém sabe quando nem quem, porém todos garantem que assim foi estipulado e assim deverá continuar a ser, como manda a tradição, organizou-se a procissão e a ordem pela qual os santos deviam surgir diante os olhos dos devotos. E em primeiro lugar claro está, vem o santo padroeiro da terra pequenina, S. Faustino, a quem


pensar(es) 04 seria de esperar que as festas fossem dedicadas. Mas não, a festança é para outra santa, de origem desconhecida, apesar de se contar que foi um filho da terra que emigrou para o Brasil que trouxe a Nossa Senhora do Socorro a quem tanta gente acorre e depois agradece nas festas da terra. E esta Senhora, já que tem as honras da festa foi colocada no fim da fila, que neste mundo não se pode ter tudo, já não bastava ser cabeça de cartaz ainda queria ir na frente? Não pode ser, que o povo é muito justo: padroeiro na frente, que o respeito é muito bonito, principal da festa no fim, também é da maneira que toda a gente vê a procissão até ao fim, senão passava a Senhora e ia logo tudo embora, para reservar os melhores lugares para o arraial da noite. É tradição. Ora tradição dentro desta tradição são os namoros que começam na festa da terra. Estavam os dois frente a frente. Ele viu-a primeiro, quando S. Faustino estava a passar. Ela, mesmo que olhasse para ele, não o conseguia ver devido ao sol que ainda não se tinha posto, pois o próprio sol queria ver o fim da procissão. Quando os carrinhos das pipocas e tremoços já estavam a arrumar as tralhas, e o sol, ainda que a custo, se meteu por detrás daqueles montes, ela viu-o. À noite, Martim convenceu o irmão mais novo a percorrer todo o cais onde as pessoas estendiam as mantas para verem o arraial, a fim de a encontrar. E como quem procura sempre encontra, ei-la mais bonita ainda do que lhe pareceu de tarde. Pelas conversas entre ela e as primas percebeu que se chamava Clara. Para desgosto do irmão fixaram-se ali toda a noite. Dos três, o irmão foi o único que viu o arraial. Passado um mês, para gáudio de Martim, e grande tristeza da mãe de Clara, assumiram o seu namoro. Passado um ano casaram-se. Estava um lindo dia, sim senhora, houve até quem dissesse que parecia um dia de procissão, tal foi a hora tardia a que o sol se pôs. Viveram pacatamente numa casa pequenina, onde nasceu o resultado de um ano feliz de casamento, uma linda menina.

Criaram-na juntos no amor durante oito anos, até que ele declarou “não sou feliz” e partiu. Era uma terra demasiado pequenina, e a pequenez sufocava-o. Vivia uma vida que não era a de um homem com alma grande como a dele que sonhava e não se acomodava numa felicidade pequenina. Não era vida! Não era homem! Era uma marioneta sem vontade própria, manejado pelo destino. Ele não suportava mais e fugiu para um país maior. Contudo, amava-a. E voltava todos os anos, no dia da procissão, fingindo querer ver o desfile, quando na verdade queria ver Clara. E ia sempre ver a procissão no mesmo sítio onde viu Clara pela primeira vez, pois era certo que ela lá estaria. Há coisas que nunca mudam, é a tradição. Todos os anos, após a separação de duas vidas com uma vida em conjunto, quando eles se encontravam separados por uma procissão que os uniu, e passava S. Faustino, que desde já se esclarece que foi a primeira testemunha do amor de Martim por Clara, levantava-se um vento gelado que arrefecia os braços despidos pelo verão. O povo, ensinado a assumir a sua culpa, a sua tão grande culpa, desde logo acreditou que aquele vento mais não era do que a revolta de S. Faustino por não


pensar(es) 05 ser o protagonista da festa. O povo ignorava que o frio vinha de Martim, do vazio da sua vida, da tristeza de ter abandonado quem mais amava por não conseguir tomar as rédeas da sua vida naquela terra. Ela não conseguia decifrar bem o que aconteceu, mas a sua pequenez fê-la aceitar o sucedido como uma vontade divina que se acata sem contestação. E foi por isso que ele se foi embora, pelo contentamento daquela terra, pecou foi por não lhe ter explicado. Ela também não lhe pediu, por medo de saber mais do que devia. Por tudo isto, Clara não mentia à filha quando respondia «não sei» quando esta lhe perguntava porque razão o pai as tinha abandonado. A filha nunca mais tinha contactado o pai. Criada naquela terra pequenina, e sendo ela mesmo pequenina quando tudo aconteceu, aceitou sem revolta. Até que um dia, anos mais tarde, ela foi à procissão com a mãe, sentiu o vento e viu a tristeza transfigurada no pai. Ela olhou a mãe fixamente nos olhos mas o que viu foi o seu coração e todo o arrependimento nele derramado. - Porquê tanto arrependimento, mãe? Porquê tanta coisa por alguém que te deixou? – de facto a revolta dela estava apenas adormecida pela pequenez da terra, sempre tinha herdado alguma coisa do pai: o descontentamento. - Não estou arrependida por ele, estou arrependida por mim. É só uma vez por ano. Eu é que desisti antes de sequer tentar! Quem luta nem sempre ganha, mas quem não luta perde sempre. – Em quatro frases pausadas Clara leu a sentença da sua vida. - Não podias lutar por algo que à partida sabias que ias perder! A mãe arregalou os olhos, surpreendida. Arqueou as sobrancelhas admirada, enrugou a testa estupefacta, como se todas as células da cara se reunissem e se moldasse num grande ponto de exclamação. Por fim, descontraiu e sorriu carinhosamente. Como está madura a minha filha. Tomando aquele sorriso como um incentivo,

a filha continuou: - O máximo que tu podias fazer era ultrapassar a tua dignidade e vencer a corrida da humilhação. As aparências até a perspicácia iludem, portanto o que interessa não é aparentar ser, mas sim ter espírito para se afirmar como tal. À vista desarmada era uma adolescente como qualquer outra, com os seus dias de chuva e de sol, sem nada que a distinguisse dos comuns mortais da sua idade. Contudo, foram as palavras sábias e singelas desta comum adolescente que fizeram a mãe mudar as regras do jogo da sua vida. Dora em diante, no dia da procissão, ela e a sua filha partiam na descoberta desse país, que embora pequenino, tinha muitas procissões grandes, noutras terras pequeninas, e só voltavam no dia seguinte à festa. Ele continuou a voltar no dia da procissão, durante muitos anos, mas como deixou de encontrar Clara, acabou por desistir. Então deixou de haver vento naquele sítio quando S. Faustino passava, e o povo pensou que ele se tinha finalmente acostumado ao facto de não serem para si as honras da festa. Esse povo, que fez as pazes com o santo, passou a honrar S. Faustino em Fevereiro. Às vezes é preciso romper com tradições, para que outras tradições melhores surjam.


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Branco no Preto Ave, sonho ou alucinação Margem, dor ou poesia Onde escondes o teu regaço Talvez no cansaço, Entre a noite e o dia Dá-me lume, dá-me pranto Eterna cicatriz da sedução Mergulho a pino nesse manto Aqui onde o sonho finda Inteira nasce a ilusão Sem ver teus olhos ainda.

Fernando Fidalgo


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O império das causas menores No mais profundo clamor da tua sede pediste-me um poema. Não sabias que eras a própria poesia. Que pena não ter um lápis que escreva o perfume das rosas em botão que limpe a poeira que vai turvando o mel dos teus olhos. Estarás viva nos lívidos recantos da memória enquanto a tua sombra permanecer no vento e retire do ar o meu único sustento. Praia do além, flor de miragem, como pudeste deixar que os putrificados albatrozes sociais te colocassem um elmo na cabeça e um florete na mão para assassinares o teu próprio coração? Nunca fareis da minha alma sargaço do vosso gáudio, não colocareis grilhetas nos meus olhos, porque navego num barco de papel que transporta a fúria de Circe que degela a inundação excrementosa dos vossos instintos. Quebraste a sacralidade do amor, mas o teu olhar ainda cai lindo no pátio do meu dorido sofrimento. O que resta daquele tempo não é saudade, antes o sabor do teu corpo de orquídea selvagem. Olho o céu. Cerro os dedos na candente trança da sabedoria das estrelas. Quero elevar-me da inóspita falésia que serve de abrigo aos negros anjos que inundam o mordaz tempo que acontece. Estou preso nos interstícios da loucura. Amarrado em obeliscas condenações. Não te amo nem te esqueço. E tu rio de águas pálidas leva-me para o reino dos adormecidos. Agora, enquanto é tempo. No império das causas menores, a semântica do meu sorriso, a alegria dos meus dias, o fulgor da minha paixão, o sentido da minha vida vale três papéis, dois serviços de mesa, um casaco, um poema e uma dourada caixa de afins. Eis o fruto da minha alteridade... Abandono irremediável do Mito Andrógino. Como a vida é p… para mim!

Raia Serra


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O grito da solidão A. Marcos Tavares Professor de Filosofia

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os trintões para cima, quem não se lembra da primeira carta de amor? Podia quase adivinhar-se o que diria, mas o coração batia descompassadamente. Retirava-se, a tremer, para um local solitário e sossegado a fim de a poder ler e beber o néctar que nela refulgia. O papel era o fiel transmissor do que não se ousara dizer presencialmente. 1. As cartas foram, durante muito tempo, o meio privilegiado da revelação de sentimentos. Havia-as coloridas e perfumadas. Foram sendo gradualmente substituídas, primeiro pelo telefone, depois por mensagens SMS e, agora, pelas mais variadas redes sociais. Comum a todas as situações é a constatação de um intermediário neutro na comunicação. Assiste-se a uma dificuldade quase paradoxal em desvelar os afectos mais profundos na presença das pessoas. Parece existir um receio fundamental de comunicar face a face. Há conhecidos e amigos que, lado a lado durante grande parte do dia, quase nem se falam. Mas, mal chegam a casa,

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O olhar do outro desvenda as misérias e os segredos humanos mais recônditos. Denuncia todos os fingimentos. Desnuda o que se queria esconder definitivamente.


pensar(es) 09 agarram-se ao telemóvel ou ao computador e enviam mensagens, tecem comentários, desenham sorrisos. 2. Qual será a razão de fundo para esta tendência de mediar a comunicação, para esta necessidade de utilizar um meio que nos dispense da presencialidade? Jean-Paul Sartre, na peça Huis Clos (1944), apresenta-nos três personagens, que se encontram no inferno: Inês, Garcín e Estelle. Ali não há propriamente demónios e fogo. O carrasco dos outros é cada um deles, forçandoos a confrontarem-se com as suas indignidades. O inferno, dirá Garcín, não é o lugar da tortura física, mas o do julgamento implacável do outro sobre nós. Por isso, «o inferno são os outros»: podemos querer esconder-nos na mais profunda indiferença ou na mais perturbante apatia, mas o olhar do outro, sempre posto em nós, revela-nos iniludivelmente o que de facto somos. É pelos outros que mais profundamente nos conhecemos. As vaidades de Estelle, a cobardia de Garcín e o coração de pedra de Inês não podiam ser disfarçados, por muito que eles o pretendessem. Tudo irá sendo desvendado no olhar do outro, sem fuga possível: irão passar a eternidade juntos. 3. «O inferno são os outros». É no olhar do outro que sentimos a culpa. É na face do outro que sentimos a vergonha É na presença do outro que sentimos a raiva e o medo. O olhar do outro revela-nos as nossas futilidades (é a fútil burguesa Estelle a caracterizar-se no espelho dos olhos de Inès). O olhar do outro desvenda as misérias e os segredos humanos mais recônditos. Denuncia todos os fingimentos. Desnuda o que se queria esconder definitivamente. Talvez por isso seja difícil a comunicação directa. Talvez por isso se prefira a comunicação neutra, mediada por um qualquer aparelho ou rede. Assim se pode evitar a proximidade, o olhar frontal, o debate, o confronto franco.

Na ausência do outro, cada um pode sentirse rei do seu próprio espaço. Aí, é a única voz, não há o perigo de ser contrariado, não tem por que se justificar. Sem o olhar, sem o rosto e sem a presença do outro, é como se permanecesse numa inocência original, absolutamente alheia à moralidade, «para além do bem e do mal», como diria Nietzsche. 4. Mas, a par da acusação, o olhar do outro pode também trazer a salvação. Pode alavancar o arrependimento e a redenção. O olhar do outro pode ser tanto o inferno como o paraíso. A comunicação sem proximidade é um caminhar solitário no meio da multidão. Todavia, não poderá ser o olhar do outro interpretado como o grito lancinante e silencioso da solidão a clamar pela solidariedade? O ser humano é ontologicamente solitário e solidário. Ser solitário – estar só – é um estado de alma. Ser solidário – abrir-se aos que estão sós – é uma atitude, um modo de vida. A solidão instala na individualidade; a solidariedade abre à comunicação, à pessoalidade.


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As Palavras Conceição Dias Professora de Inglês

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uma época conturbada em valores, num mundo em constante e rápida mutação, as palavras assumem uma expressão ainda mais forte e avassaladora. Assustam-me, confesso. Recordo, sabe-se lá porquê, o poema “Mudamse os Tempos” de Luís de Camões e percepciono, hoje mais do que nunca, a veracidade e a intemporalidade das palavras que ecoam agora longe e convidam à reflexão. Relembro, melancolicamente, a análise desse poema em contexto de sala de aula e o empolgamento com que a minha professora de literatura declamava tão visionário testemunho; as figuras de estilo, as imagens tão habilmente construídas pelo poeta extasiavamme e, descortinado o seu sentido, eclodiam na mensagem de que “Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. E que qualidades adquiriu este nosso mundo! É impossível negar as mudanças a que, numa base quase diária, assistimos em grande parte devido aos avanços das novas tecnologias que globalizaram o nosso planeta e o tornaram numa

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Penso que as novas “qualidades” a que Camões se referia não passavam por esta luta inglória de palavras que guerreiam entre si, lunáticas e stressadas, pobres em significado e em crise de identidade.


pensar(es) 11 12 pequena aldeia ao alcance de todos, ou de quase todos, a bem dizer. Neste mundo tecnológico, altamente automatizado e incrivelmente veloz, não encontro as palavras da minha infância, as palavras que aprendi nos bancos da escola, no seio da minha família, na sabedoria iletrada da minha avó… São palavras “esquisitas”, vazias de conteúdo, estrangeiradas; fala-se de Internet, email, youtube e sites… fala-se de software, motherboard e www… fala-se por siglas como se fosse penoso, cansativo, uma perda de tempo gastar tanto tempo com as palavras. Perdoem-me a redundância. São estas algumas das palavras nascidas da nova realidade contemporânea que todos tentamos avidamente absorver sob pena de nos tornarmos obsoletos e ninguém, ninguém mesmo quer ser obsoleto.

Acredito que a insatisfação inata ao ser humano, a sua procura incessante da perfeição, do desafio, da modernidade, o tornaram num ser mais completo, enquanto gerador de conhecimento e de mudança, mas mais infeliz e desumanizado porque deixou de reconhecer palavras como tolerância, gratidão, honestidade, amizade, respeito entre outras e, pior ainda, confunde-as e usa-as levianamente, denegrindo o seu sentido nas mais variadas vertentes da vivência humana. Observo, com desalento, esta triste verdade e pergunto-me se Camões, douto poeta do século XVI, perspectivou, de alguma forma, esta total inversão de valores, esta falta de decência e humildade que passou a comandar e a reger o rumo da sociedade actual que desprovida de vontade própria, acéfala e fraca cede, completamente rendida, aos caprichos e desmandos de um capitalismo torpe e de um consumismo desenfreado que vai, como se de uma doença degenerativa se tratasse, consumindo a essência do Homem e a sua capacidade de apreciar, no singelo brotar de uma flor, a magnitude da existência, o renascer da esperança, o poder regenerativo do pulsar da terra… Penso que as novas “qualidades” a que Camões se referia não passavam por esta luta inglória de palavras que guerreiam entre si, lunáticas e stressadas, pobres em significado e em crise de identidade. Não há rigor nas palavras, dá-se o dito pelo não dito com a maior desfaçatez, adulteramse mensagens e desvirtuavam-se conceitos morais e humanos sem o mínimo pudor… Assustam-me estas palavras frágeis, este adorno consentido, a lisonja falsa e refugio-me nas palavras da minha infância, palavras directas, frontais e simples que valem por si mesmo e que estando longe de serem eloquentes estão, irremediavelmente, enraizadas em mim.


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Sem Título

Porque os títulos ditam o que se escreve e deixa de haver surpresa. Ana Inês Meireles Aluna do 9º A

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hamam-me pelo nome e tenho tantos anos quantos os que conto desde que nasci. Nasci numa data, ou seja, num dia de um mês, de um ano. E, feitas as apresentações, irei dar-me a conhecer um pouco melhor através deste texto. Gosto de ser feliz, mas não penso no que tenho de fazer para o ser. Apenas tomo as decisões que acho acertadas, faço os amigos que me apetece e não deixo de ser eu para agradar a meia dúzia de “paspalhos” que não têm uma personalidade própria. Gosto de sentir a chuva bater na vidraça, relaxame. Deixa que os pensamentos comecem a desaparecer da minha cabeça e as baladas leves que me fazem adormecer venham. Gosto de desenhar, pois sinto que qualquer pessoa pode usar aquela peça que temos no cérebro para criar algo. Gosto de ler, uma vez que gosto de viajar e conhecer novos mundos e pessoas. Gosto de ser uma amiga fiel, boa ouvinte e

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Gosto de ser feliz, mas não penso no que tenho de fazer para o ser


pensar(es) 13 sobretudo boa conselheira. Não penso que sou a melhor amiga de alguém, apenas tento ser alguém para outro alguém. Gosto de amar e ser amada e não me perguntem porquê, pois para isto não há uma razão específica, há apenas o nosso bem-estar. Gosto de pessoas frontais, pois não falam mal por trás, apenas pela frente. Não gosto de pensar no futuro, vivo o presente intensamente e apenas relembro do passado as boas memórias. Não gosto de me enervar, pois há sempre algo que corre mal. Não gosto de pessoas que não cuidem dos animais, pois penso que não têm capacidade de viver em comunidade, mais precisamente com seres vivos. Não gosto de pessoas que não têm objectivos na vida… (pode não parecer, mas eu tenho objectivos). Não gosto de profissões que ocupem muito tempo às pessoas, visto que a vida é só uma e tem de ser bem aproveitada junto daqueles que me dizem algo e me são importantes. Não gosto de pessoas que não sabem reconhecer capacidades noutras, pois isso significa que têm inveja e que não o querem admitir. Não gosto de pessoas egoístas, já que elas não sabem viver perante os outros. Enfim, esta sou eu, sem papas na língua. Apenas fiz este texto para que, se algum dia for alguém e eu sei que vou ser, me possam compreender melhor.


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Memórias Isabel Gonçalves Aluna do 7º E

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Fugira pois órfão de mãe, o pai não só lhe dera tudo como dera demais, dera de acordo com o que ele queria e não como o filho precisava

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esse instante paralisou. Inicialmente o choque percorreu todas as partículas do seu corpo, devorando-o rápida e minuciosamente. Mas depois permaneceu como fogo que não se apaga, com dor lancinante. Consequentemente, elas voltaram como se fossem velhas amigas, denunciando os seus receios. As recordações, essas, conferiram os seus medos. Agora, perplexo, olhava para as suas feições altivas, carregadas de hipocrisia. Estaria a chover? A lágrima não é gelada, por natureza. Observava o seu rosto arrogante. A imagem deste homem à sua frente, sobrepunha-se a todas as suas memórias. Pois, mais que compreender o passado, é preciso aceitar o presente. Atirou-lhe um vaso antigo que estava mais à mão, enquanto deslizavam lágrima atrás de lágrima pela sua cara, como marca de desprezo, até ao queixo. Partiu-se em mil pedaços. A sua alma ou o que estava à sua frente? Um espelho. Gritou de raiva, cego pela dor. O seu filho fugira. Seria por causa da escola, seria por causa dos problemas que tinha, se é que tinha


pensar(es) 15 problemas, seria da adolescência, seria… Enquanto a avalanche de hipóteses que um adolescente teria para sair de casa o atingia, apercebeu-se que «Seria do pouco tempo que o pai lhe oferecia?» Um rapaz caminhava agora pela avenida principal, com o carapuço do seu pullover preto enfiado na cabeça e o fecho do mesmo apertado até ao nariz. As calças de ganga arrastavam no chão e a bainha estava desfeita em fiapos. Com as primeiras sapatilhas que tinha encontrado no armário, andava, baixando os olhos, por entre a multidão da metrópole de uma capital. Carregava uma mochila quase vazia, apenas com o essencial e alguns 300 euros. A chuva caía torrencialmente, apesar de despercebida para ele. Entrou num supermercado. Os olhares caíam sobre ele: o que andaria um rapaz com 14 anos a fazer totalmente encharcado, a tremer e com uma estranha mochila preta e o mais discreta possível? Parecia perigoso, devido à sua semelhança com um punk. Comprou bolachas, água, latas de conservas, pão, um saco-cama. Se fosse preciso, voltaria ali. Saiu e foi para um beco, procurando um canto para se refugiar. Chamavam-lhe o Beco dos Sussurros. Havia um atalho que ia dar a outra rua, com as partes dos telhados que saiam da estrutura das casas circundantes unidos, o que fazia com que ali não chovesse. O nome a ele não lhe dizia nada, já que “ele” não lhe dizia nada a si mesmo. Fugira pois órfão de mãe, o pai não só lhe dera tudo como dera demais, dera de acordo com o que ele queria e não como o filho precisava. Quando sua mãe morreu, aos 7 anos, viveu uns tempos com os avós pois não conhecia pai nenhum. E os avós davam-lhe o suficiente para se ser feliz. Viviam numa casa pequena, pobre, mas Ychirua tinha amigos e alguns brinquedos de madeira, que eram a sua maior riqueza naquela vida. Quando viu um senhor de cabelo castanho curto, olhos verdes e uma postura orgulhosa diante da velha porta que rangia, dizendo que era seu pai, não

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Recordava com muito carinho os seus avós, que sempre tinham falado com ele, tentado percebêlo. Mas agora tinha de ir em frente, esquecer o passado, por muito que lhe custasse.

quis acreditar, apesar de os seus avós dizerem «Vai com ele, vais ficar bem.» Claro que separar-se dos avós não tinha sido fácil. Mas acreditava neles e seguiu aquele vulto estranho. Começou uma nova vida. Uma vida à qual não estava acostumado. Na infância, era ainda inocente e tudo estava bem. Mas na adolescência o pai não o compreendia e parecia que não queria compreender. Ajudava o filho nas tarefas escolares, dava-lhe tudo e mais alguma coisa, mas Ychirua não era capaz de lhe dizer «És um óptimo pai, adoro-te». Recordava com muito carinho os seus avós, que sempre tinham falado com ele, tentado percebêlo. Mas agora tinha de ir em frente, esquecer o passado, por muito que lhe custasse. E elas deslizavam, silenciosas e cúmplices. Aquelas parvas lágrimas… «Estás a chorar como um bebé», pensou ironicamente. «Não sei quanto tempo durarei, não sei quanto tempo demorarei


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a encontrar-me a mim mesmo, quanto tempo demorarei a aceitar-me.» Passaram algumas semanas, e a cidade despiu o seu manto cinzento. Ychirua nem pensava no aspecto andrajoso e de mendigo que devia ter. Perdera a conta ao tempo, ao espaço, perdera sobretudo a conta à vida. - Que estás aqui a fazer, rapaz? Olhou para cima, sobre o saco-cama em que se tinha enroscado desde que ali chegara, e viu um homem: aparentava ser de meia-idade e estava sujo. Parecia um sem-abrigo. - Que… Quem é você? – perguntou Ychirua, sentando-se repentinamente sobre o saco-cama, encostando-se à parede húmida de uma das casas. - Simplesmente não sou ninguém. – retorquiu o homem, sentando-se a seu lado.

Apesar do medo que sentia, Ychirua não afastou o homem que olhava agora em frente para a outra parede amarelada, com uma expressão indecifrável. Não devia falar com estranhos, como lhe ensinaram os avós, mas há anos que estes não estavam presentes, e de alguma maneira, aquela pessoa inspirava-lhe confiança. Longos momentos se seguiram, num simples silêncio. - Sabe, menino, eu não sei porque estou aqui. Não me lembro de quase absolutamente nada. Sabe o que isso é, sentir que tudo está vazio? - cortou o homem. Amnésia, pensou Ychirua. Provavelmente era uma vulgar e pobre pessoa que tinha sofrido um acidente e perdido a memória. Vítima da própria mente traiçoeira, parecia inofensivo. A vida, essa, era como que invisível aos dois; sem destino. - Não, não sei o que é… -mentiu, com a certeza de que o outro não iria perceber. - Apenas me lembro de uma cena: Havia pedaços de vidro por todo o lado, ah sim, agora me recordo, cacos de vasos também; lágrimas que me turvavam os olhos… e uma imagem que me assaltava a mente: A cara de um homem maldoso e destruído. Depois disso, há apenas fragmentos de memórias; uma preocupação imensa sobre algo que já não estava presente por minha culpa, que tinha desaparecido ou fugido… Uma preocupação muito confusa, que me deixava as entranhas em brasa... Um turbilhão de sentimentos invadiu Ychirua, um turbilhão de lágrimas de compreensão inesperada, um turbilhão de recordações. O seu pai estava ali, com ele, tinha ido à sua procura, tinha-se preocupado. Quando deu pelo homem, viu que este estava com a cara no seu colo, olhando para ele, inocentemente e dizendo: - Diga-me, rapaz, porque chora? - Não são lágrimas. São memórias aconchegadas entre anos de afecto. E com confiança, começaremos memórias e vidas novas.


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Paradoxos Hoje acordei indisposta no sopro de calor que jaz na atmosfera. Pretensiosamente desencadeia-se uma turbulenta lentidão de espasmos que sussurra ao despertar... Aparece sumptuoso o dia e carrega com ele a frescura da vida que faz esquecer a perenidade da hora. É tempo de procura, que radica na substantividade do ser que não vegeta. Eterniza-se a presencialidade, contida no cântico das aves, e formaliza-se o desejo de um dia Feliz

Estela Ferreira, Professora de Filosofia


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A relação entre o homem e o animal… Vanessa Pinto Aluna do 12º G

A

interacção entre os homens e os animais existiu desde sempre. Os animais, tal como nós, herdaram o planeta e coabitam connosco. Infelizmente, nesta relação os “bichos” saíram continuamente pior,os homens jamais deram muita atenção à real utilidade desse relacionamento. Na realidade, o homem sempre achou que a única função dos animais no mundo é servi-lo, seja a que custo for. Mas os animais não existem apenas para nos servir, eles são importantes nas nossas vidas. Coabitamos e coexistimos no mesmo globo, todos somos seres vivos. Entretanto, cabe a nós, seres humanos, na condição de seres pensantes, a responsabilidade de proteger e respeitar as outras formas de vida que convivem connosco. Devemos entender que cada elemento tem o seu papel essencial no ciclo da vida, sem o que haverá um grande desequilíbrio, que prejudicará todas as formas de vida. A importância dos animais vai muito além do que podemos imaginar. Assim, como ainda não descobrimos a quantidade de espécies de plantas existentes no mundo, não descobrimos também o verdadeiro potencial dos animais. Estamos mais interessados em escravizá-los para nos servirem

como fonte de lucro fácil. Mas porquê? Não terão eles os mesmos direitos a coisas simples como nós? Não sentirão como nós? Descobrimos diariamente o desrespeitoso e antiético tratamento dispensado pelo homem aos animais. Baleias são cruelmente massacradas só por interesse económico de algumas nações, focas são cruelmente assassinadas em nome da supremacia humana, animais selvagens são retirados de seu habitat natural, onde cumprem um papel importante no ecossistema, para servirem de moedas vivas nas mãos de homens ávidos por dinheiro. Mortos simplesmente para vaidade das pessoas, como por exemplo os animais como o urso, que apenas serve para se fazerem casacos de pele… Onde estão a ética e o respeito dos seres humanos pelos outros seres vivos? Por onde andam a gratidão e a compaixão, os sentimentos nobres da espécie humana? Todos nós temos de pensar nisto, pensar que os animais são mais que nossos companheiros, são amigos que, ao contrário do homem, não agem por interesse mas sim por convívio, pedindo em troca apenas amor…


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ial io c e p s E iterár urso

Conc

L

IA POEnSdário Secu

Revolta Ah…

Para que foste noite

Pensar da minha noite

Quando era dia

Para que foste mais do que palavras?

Para que foste derrota

Para que imitaste o impensável e o impossível?

Quando era glória

Para eu me render

Para que foste doença

Ao horizonte do teu céu?

Quando podias ser a cura…

Para desesperar de angústia

E agora tropeço todas as noites

No sabor da tua loucura?

Nas pedras da calçada da minha tristeza

Para que foste tu

Porque pensava que eras alguém

Quando era eu?

Que trazia o Sol no desgaste inacabável da alma

Para que foste a chuva

E a inocência nos momentos de perturbação

Num dia de sol?

E agora sinto-me culpada

Diz…

Por ter pensado que a chuva podia não molhar

Não,

E os musgos podiam dar frutos

Não consigo escalar

Tudo porque estavas lá

A montanha do teu ser

E eu inocentemente aprendia a amar.

Não consigo perceber… Fátima Carlos , aluna do 10º B


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A educação e o desenvolvimento social Manuel Mesquita

Professor de Artes Visuais

N

os dias de hoje tornam-se cada vez mais necessárias estratégias de intervenção social no desenvolvimento das comunidades. Os problemas que as sociedades atravessam exigem respostas de vários tipos, no sentido de colmatar as dificuldades surgidas. Existindo em cada sistema uma identidade própria, será indispensável interagir através de um conjunto de comunicações, nas quais se pretende identificar as necessidades e, posteriormente, disponibilizar recursos com capacidade de resposta adequada proporcionando condições favoráveis ou desfavoráveis às intervenções preconizadas. Desde sempre coube à administração central o papel de intervenção junto das comunidades, legislando e disponibilizando os meios, mas este modelo, por ser centralizado, era ineficiente junto das populações locais. Nas palavras de D. Bell, a globalização das economias fez com que o Estado se tornasse demasiado pequeno para resolver os grandes problemas da vida, mas também se assistiu ao reconhecimento de que o Estado era demasiado

‘‘

Mesmo com os avanços na área da educação, uma grande franja da população, por várias causas, está excluída do sistema de ensino.


pensar(es) 21 grande para resolver os pequenos problemas da vida. As vicissitudes e os recursos foram evoluindo e, na actualidade, a intervenção processa-se de uma forma descentralizada composta essencialmente por três grandes modelos de apoio social: - Modelo de Desenvolvimento Local, caracterizado por uma intervenção muito localizada (perspectiva microssocial), orientada para o processo de criação de grupos de autoajuda; - Modelo de Planeamento Social caracterizado por uma intervenção de componente meso e macro mais acentuada, voltada para a resolução de problemas concretos na gestão de programas sociais; - Modelo de Acção Social caracterizado por uma intervenção de perspectiva integrada (macro, meso, micro), orientada para a alteração dos sistemas de poder . Mesmo com os avanços na área da educação pode-se considerar que uma grande franja da população (jovens e adultos), por várias causas, está excluída do sistema de ensino e acaba por se defrontar com a necessidade de concretizar a sua escolaridade numa sociedade onde a posse do conhecimento tem cada vez mais importância num mundo global e competitivo. Não é por acaso que se pode observar a mobilização internacional das últimas décadas. A Organização das Nações Unidas decretou o ano de 1990 como o Ano Internacional da Alfabetização. Nesta lógica, realizou-se em Jonthien, na Tailândia, no mesmo ano, a Conferência Mundial que aprovou a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos e o Plano de Acção para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem. A formação inicial marcou a educação durante vários anos. Considerava-se que os conhecimentos acumulados na primeira parte da vida de um indivíduo constituíam património cognitivo suficiente para o desempenho dos vários papéis que ele iria ter ao longo da sua vida. A esperança

média de vida e da redução drástica do ciclo de vida do conhecimento alteraram o rumo do ensino modificando a realidade existente. O paradigma da educação com que hoje os povos se debatem e aos quais urge ter capacidade de resposta adequada obriga à procura de medidas de solução. Entre as medidas aprovadas encontramse o alargamento da escolaridade obrigatória, o alargamento das taxas de cobertura dos ensinos secundário e terciário. A ideia de que a educação se deve estender às camadas infanto-juvenis e a toda a população adulta, activa ou não, tem contribuído para pressionar os sistemas educativos com uma sobrecarga de exigências a que estes não têm conseguido dar resposta. Esta mudança acontece também pela exigência da sociedade civil em colher uma resposta às suas necessidades efectivas. As transformações e as adaptações que se vão operando nos serviços públicos de ensino são produto desta interacção entre os interesses representados pelo Estado na sua política social e os interesses sociais que sobre ele exercem pressão. Pela insuficiência do estado em conseguir apoiar convenientemente estas necessidades, serão as autarquias, órgãos do poder mais próximo das populações, em conjunto com outros intervenientes locais, empenhados no desenvolvimento comunitário e acção macrossocial, a encontrarem as respostas mais apropriadas. Tais apoios serão condicionados pelos recursos disponíveis nas administrações municipais, bem como pelo compromisso político de cada governo com este tipo de ensino, intervindo socialmente no desenvolvimento de três tipos de estratégias educativas: - educação para a resolução de problemas básicos; reforço à educação formal e desenvolvimento da educação contínua.


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Felicidade Maria Francisca Cardoso Aluna do 12º G

A

lgures no meu ego, esconde-se uma saudade atrás de umas tantas memórias e raízes de felicidade, esconde-se uma esperança que por vezes espreita nos momentos brilhantes do dia, nos momentos dos sinais que me despertam para a vida. Sempre ansiei por uma vida repleta de magia e glória, mas as escadas são altas e custam a subir. Só chega quem tem esperança, a ânsia de desembrulhar o desconhecido e abrir portas que poucos conseguem abrir. É a vontade de ser feliz, o nunca cair até alcançar o nosso auge, são as guerras ganhas com as batalhas perdidas e feridas que custam a sarar. No fim, colhem-se os frutos, juntam-se os pedaços de “puzzle” que quase ficaram perdidos na noite de silêncio e escuridão. Invade-nos um sentimento que não conseguimos exorcizar e rimos de tantas noites passadas em branco, de tanto sangue que pensávamos ter sido derramado em vão, e abrem-se as folhas dos livros, aparecem os bocados rasgados e lemo-los como nunca tínhamos lido antes, completos e

com um coração impossível de ser penetrado por qualquer seta, por qualquer bola. Sim! Porque, quando sabemos que encontrámos a razão da vida, aquele alguém, aquilo que sabemos que nos irá fazer saltar, rodopiar, voar e rir, observamos a vida de outra maneira, com uma óptica vista por muito poucos! Mas pára! Há uma razão de ser, é o orgulho da vida, a essência de tudo, o sentimento mais lindo. Orgulho-me de estar numa batalha de encontro a isso e, com força e dedicação, nunca perderei o rumo com o apoio de quem preciso, de quem me agarra o coração e, nos momentos de solidão e tristeza, mo aperta. De quem me dá esperança para encontrar o bem mais precioso da vida, a FELICIDADE.


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A desatenção e os maus tratos Daniela Seixas Aluna do 12º E

I

nfelizmente, em algumas famílias as crianças pequenas são testemunhas de discussões violentas entre os pais e, às vezes, de agressões físicas, que acidentalmente podem incidir sobre elas. As crianças são, assim, colocadas em perigo e imensas vezes vítimas de violência, ainda que, passada a tempestade, venham as palavras doces. Se as crianças vêem violência à sua volta, é-lhes muito difícil distanciarem-se dela e acabam por utilizá-la como um método para solucionar os problemas e os conflitos que possam surgir nas suas relações com outras crianças. Por outro lado, a violência desperta nas crianças uma desconfiança em relação aos adultos, o que as obriga a amadurecer antes do tempo. As circunstâncias familiares das crianças maltratadas prejudicam o desenvolvimento da auto-regulação emocional, do auto-conceito e das capacidades sociais. Quando chegam à adolescência, estes jovens apresentam graves problemas de aprendizagem e de adaptação, que incluem dificuldades com os outros, fracasso

escolar, depressão, abuso de drogas ou álcool e delinquência. A propensão para comportamentos violentos permanece durante muito tempo no subconsciente das crianças, sendo expectável que periodicamente repitam as agressões com outras crianças. As angústias vividas por uma criança duram mais do que, às vezes, pode parecer e, como foi referido anteriormente, as consequências são que um jovem que tenha vivido na sua infância a violência no âmbito familiar tem mais possibilidades do que outro de cair em comportamentos desviantes e de apresentar dificuldades na sua integração social.


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Espec

Conc

urso

Literá

POES

Secun

IA

dário

Lembra-te de mim Quando o vento deixar de soprar,

Não penses em mim,

As marés deixarem de revolver a areia

Não me queiras,

E o sol já não brilhar…

Não me procures,

Lembra-te de mim.

Não me aches. Vê-me,

Quando a chuva não mais cair,

Sente-me,

A terra parar de girar

Lembra-te de mim.

E o ouro já não reluzir… Lembra-te de mim.

Se o céu cair e não se levantar Se o mundo ficar de pernas para o ar

Quando o sol não subir nos céus,

Se eu parar de respirar

A Lua não nos visitar à noite

Se eu soçobrar…

E secos ficarem os ilhéus…

Fica comigo e lembra-te de mim.

Lembra-te de mim.

Ana João Marques, aluna do 12º B

ial

rio


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Sim! O Homem tem medo… Manuel Ferreira Professsor de Filosofia

T

irito de medo – sim, de medo, porque o Homem tem medo –, quando avalio a minha relação com o tempo. É um desconcertante sentimento que me invade. O tudo e o nada, o importante e o insignificante, o absoluto e o relativo, a compreensão e a incompreensão, a ordem e a desordem, o mutável e o imutável, entre tantas outras polaridades. É o enigma que me desafia e me obriga a manter os olhos bem abertos. Eu quero mais. Eu quero tudo e o tempo é demasiado curto. Eu quero o sentido. Eu quero que os meus olhos contemplem a infância da Primavera, a adolescência do Verão, a adultez do Outono e que o Inverno se consuma a si próprio. Eu quero ser sempre eu. Eu quero um tempo sem tempo. Um tempo onde o meu eu pudesse estar permanentemente enamorado por mim e onde pudesse ser amado por mim próprio. Deus me perdoe. Será que me perdoa? Mas eu queria ser como ele. Eu queria ser condenado, pela fatalidade da minha condição, a ser e a existir. Sim, é essa a minha vontade. É esse o meu desejo. É essa a minha ambição. De Deus, só tenho inveja. Inveja da sua eternidade, da sua abundância, do seu absoluto, da sua completude, da sua perfeição. Da minha condição, tenho queixas da desgraça que me persegue e me acompanha, de ser incompleto, da sensação de falta, de ausência, de vazio e da impossibilidade de a poder preencher.

É frágil a vida. Ela se dissolve, se gasta, se anula num instante. Num tão breve instante, que quase não começa, quase não dura. Pobre homem este que, devorado pela ambição, dilacerado pelo desejo e vencido pelo real e pelo possível, tem de lutar para se realizar no inacabado. E esperar… É que, na vida, só se espera. E espera-se mentindo, mascarando, dissimulando, agredindo, sofrendo e sobrevivendo ao tormento da única verdade histórica da vida, que é a morte. E depois, no fim da linha, sonha-se e espera-se para não se perder a consciência, a memória, a vontade e a dignidade. Ai como eu gostava de nascer tantas vezes!


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Manhã do talvez Abre a janela, Deixa entrar a luz, Talvez voltem as andorinhas perdidas no Outono, As flores despertem a beleza, E o pólen se transforme em mel. Talvez acabem as guerras inúteis, E uma pomba sobrevoe a paz, Talvez a maré traga Nas ondas que carrega A beleza de uma madrugada. Agarra-te à luz do amanhecer, E focaliza-te no pôr-do-sol, Entre o sonho e a realidade, Entre o nada e o tudo Nessa magia incerta, Escuta a graciosidade do mundo.

Maria, Aluna convidada


pensar(es) ial io c e p s E iterár urso

Conc

L

IA POECSi c l o 3º

Sapatos Sapatos, sapatinhos, sapatões. Sapatos? Quem os não tem? Sapatos de bebé, pequeninos. Sapatos de menina com lacinhos! Sapatos do papá e da mamã que vão à festa amanhã! Sapatos, grandes, do Gulliver, do gigante, sapatos do anão que não quer por o pé no chão. Sapatos de Charlot, sapatinhos da bailarina, Sapatos do palhaço, sapatinho da Cinderela E do príncipe que queria casar com ela! Sapatos… A barata diz que tem, sapatinhos de veludo! É mentira da barata, ela tem é uns sapatos para correr o mundo! O mundo dos sapatos! É dos grandes e dos pequeninos. Das meninas e dos meninos. Eu quero comprar uns sapatos, de todos os tamanhos, de todos os feitios. Uf, sapatos, sapatinhos, sapatões, já estou cansada de andar aos trambolhões, com sapatos de tão altos tacões! Ana Margarida Almeida, Alauna do 7º 2

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O lugar do morto José Artur Matos

Professor de Artes Visuais

P

ercorria a estrada alienado no vento e no percurso tantas vezes repetido, quando me dei conta de algumas coisas significantes, dos mitos que criamos em torno do que já está definitivamente impresso na alma e da construção que ao longo dos anos fazemos de nós mesmos. Não adianta querermos mais e diferente pois o nosso caminho tem padrões bem traçados que, ora nos iludem, ora nos atormentam e alienam. A construção do indivíduo é coisa própria do mistério de existir, sem dúvida, da fidelidade que temos ou não a nós mesmos, da autenticidade que procuramos nos dias. Olho para o todo e vejo uma nuvem bem definida de comportamentos e atitudes que indiciam que daqui para a frente não vai ser particularmente diferente. Que o que verdadeiramente nos fascina foge-nos todos os dias das mãos inábeis para agarrar tanta imensidão. Que o que vemos é tão só o que efectivamente vemos e o resto se esfuma nas sinapses da mente. Gostaríamos de dar algum sentido a isto tudo e dar o rumo necessário às inquietações, mas limitamo-nos a olhar de soslaio para a vida que

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Nada nos fascina mais e nos atormenta do que a morte, morte em estado brutalmente puro. Morto encostado ao leito frio do xisto e projectando a sombra como último impacto na natureza, aquela natureza que os vivos ainda entendem.


pensar(es) 29 nos passa ao lado ou para os comportamentos em exaustiva e enfadonha repetição. Gostaríamos de ter a solução para um corpo morto, uma solução para um comportamento desestruturado, para na realidade nos agarrarmos à infinita e suprema ordem, ao caminho seguro para algum lado, ao caminho fácil que é querer que todos gostem de nós, à falsa transparência de cumprir objectivos mais ou menos estabelecidos, mais ou menos consensuais. Talvez esteja inscrito nos genes que não vamos abandonar uma certa forma de existir, que para todos os efeitos é uma estratégia obsoleta.

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Do corpo matriz do existir e do deixar de ser. Do corpo abandonado aos elementos e à combustão que estes provocam.

Nada nos fascina mais e nos atormenta do que a morte, morte em estado brutalmente puro. Morto encostado ao leito frio do xisto e projectando a sombra como último impacto na natureza, aquela natureza que os vivos ainda entendem. Morto junto ao verde crescente de uma primavera febril e explosiva, ao esplendor do bacelo jovem. Dois ou três olhares bastam para compreender a beleza horrível da putrefacção, do corpo finalmente humilde e pungente na sua comunhão com tudo o que existe. São efectivamente os dias débeis de uma primavera esplendorosa, quando um corpo distraído se encontra no nosso olhar temeroso perante o que se adivinha cruel e verdadeiro. Quando o nosso olhar rarefeito e simultaneamente atento se fragiliza e refugia no turbilhão sempre inconclusivo do nada, do vazio absoluto e do silêncio das coisas sérias. Das coisas que nos impelem a ficar quietos, quando nós só queremos avançar deixando para trás a dor de nos sentirmos inconclusivos e sem respostas, sem chão e sem nada.

Nas últimas semanas andei por aí com a morte no caminho, a coisa estranhamente inquietante do corpo inanimado, morto, alvo. Do corpo matriz do existir e do deixar de ser. Do corpo abandonado aos elementos e à combustão que estes provocam. Do corpo que segrega sucos, do corpo que exala perfumes atribuíveis às coisas mortas, às coisas que não queremos olhar, que não queremos ver, quanto mais cheirar. Em volta dele, do morto, iludimo-nos de que compreendemos finalmente o significado da existência, o significado da vida e da sua verdadeira e curta dimensão, para logo nos redimirmos de tal conclusão e avançarmos vivendo exactamente da mesma forma, como se fossemos eternos.


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O Pensamento Criador Cátia Pinto Aluna do 12º B

A

ntes de mais, é necessário definir pensamento. Assim, o pensamento é uma sequência de actos mentais dirigidos para um objectivo que é a resolução de problemas. Para que se possa falar de problema, é necessário que se verifiquem simultaneamente três condições: caracterizar-se pela novidade; suscitar uma resposta e ser algo para o qual não dispomos de solução. Habitualmente, para a resolução de um problema prático é necessário recorrer a uma sequência de actos: definição do problema; escolha de estratégia; aplicação das estratégias e por fim a verificação da eficácia das estratégias. Muitas são as estratégias usadas na resolução de problemas, tais como o ensaio e erro, o insight, o algoritmo e a heurística. Mas muitas são também as vezes em que o sujeito recorre à imaginação de forma a estruturar os dados de modo inédito. Esta capacidade apresenta-se como força impulsionadora nos processos do pensamento. No que diz respeito à imaginação, os psicólogos distinguem imaginação criadora de imaginação

‘‘

A imaginação… apresenta-se como força impulsionadora nos processos do pensamento.


pensar(es) 31 reprodutora. A imaginação reprodutora refere-se a evocação de imagens provenientes de percepções anteriores, reestruturando-as de modo a produzir novos padrões; a imaginação criadora permite combinar elementos nunca antes percepcionados de forma a criar coisas inéditas. Neste sentido a imaginação é sinónimo de fantasia. Esta capacidade, aliada ao modo como se pensa, à afectividade, aos interesses, aos sonhos e aos desejos leva o sujeito a criar algo novo, algo seu. Centrados nos resultados visíveis da criação, os psicólogos falam em criatividade – competência dos seres humanos para dar origem a qualquer coisa de inédito sentida como criação sua. A criação de algo novo implica o desenvolvimento do trabalho em quatro fases: preparação; incubação; iluminação e verificação. A preparação consiste na investigação e recolha de dados sobre o trabalho a desenvolver; sem trabalho e esforço nada se alcança. A incubação corresponde à fase de latência, em que o criador abandona o trabalho que realizava, por se sentir desiludido com o carácter infrutífero das suas indagações. A iluminação, inspiração ou imaginação de soluções consiste na descoberta do resultado de forma súbita quando este já tinha deixado de ser procurado. Assim surge por insight, provocando a “reacção: ah!”. Por fim, na verificação, as soluções são submetidas a controlo para testar a sua validade ou ineficiência. Tudo isto comprova que o pensamento criador não serve apenas para os artistas e investigadores nas suas produções artísticas e na investigação científica. Na realidade é necessário para que a mente atribua significados às coisas e situações do quotidiano.


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Para a compreensão da existência em Kierkegaard Artur Manso

Professor Univ. do Minho (Vem do número anterior)

4. O tempo e o instante: a angústia e o possível A angústia é a liberdade em exercício. Ela é o puro sentimento da possibilidade. A proibição divina inquietou Adão e despertou nele a possibilidade da liberdade. Ao homem foi dada a possibilidade de escolher e com esta possibilidade em exercício instalou-se a augústia, espécie de “antipatia simpática, ou de simpatia antipática”. O tempo vai-se dissolvendo continuamente à medida que o indivíduo vai existindo. Institui-se como um “ir sendo”, pois existir é decidir e a decisão implica que se fixem na existência a realização de múltiplos possíveis. Para Kierkegaard sem a possibilidade não há a realização do indivíduo. À partida toda e qualquer possibilidade minha, é uma possibilidade limitada. O homem marcado pelo forte momento da eternidade está na tentativa constante de se encontrar com o Todo, embora essa tentativa seja sempre vã: “o novo só aparece


pensar(es) 33 com o salto. Se o esquecermos, a passagem, com a sua determinação de quantidade, acabará por preponderar sobre o salto, com a sua elasticidade”. O tempo em Kierkegaard desconsidera quer o passado, quer o futuro, para se realizar no “Instante”, síntese paradoxal, que simboliza o momento em que o Eterno se fez homem, e por isso se institui como mistério e escândalo para a razão humana e o tempo histórico que ela nos formula: “todo o momento, tal como a soma dos momentos, é urna avançada (um desfilar), nenhum deles pode ser presente e, neste sentido, não há no tempo nem presente nem passado, nem futuro (…). A sucessão infinita do tempo é um presente infinito e vazio”.

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Angústia e desespero como que se completam entre si. A primeira antecede a liberdade, e o segundo sucede-lhe. A angústia revela a insatisfação dos possíveis actuais, e busca estados cada vez mais perfeitos que o eu possa realizar. O desespero acentua no homem a sua precaridade finita e instala-o face ao que nele há de eterno.

O tempo para Kierkegaard é simbolizado pelo instante misterioso que nos torna contemporâneos de Cristo e que por isso retira todo e qualquer significado à história: “o presente não é, contudo, um conceito temporal, salvo justamente como infinito desprovido de conteúdo o que, por seu turno, corresponde ao desaparecer infinito (…). O Eterno, pelo contrário, é o presente (...). Portanto, o tempo é a sucessão infinita: a vida (que só se vive no tempo e não se vive senão com o tempo)

não tem presente”. O instante surge assim no momento em que “o tempo e a Eternidade se devem tocar, só no tempo poderão tocar¬-se”. Mas esta relação é ambígua: “tal contado institui o conceito de temporal, em que o tempo não mais cessa de repelir a eternidade, e a eternidade não mais cessa de penetrar o tempo”. O presente histórico e cronológico, formulado a partir da ligação entre passado e futuro, não representa a autenticidade do tempo kierkegaardiano, já que apenas serve para fixar no dia a dia a categoria do “agora”, que por isso mesmo se apresenta como o tempo “inautêntico”. Para Kierkegaard o Instante está para além do tempo e representa uma fracção da Eternidade: “o Instante é, no fundo, um átomo não do tempo mas da Eternidade”. O Instante é a realização do Eterno e este é o “porvir”. O “porvir” revelar-se-á como angústia: “o futuro possível da eternidade (isto é, da liberdade), aparece por seu turno no indivíduo como angústia”. Neste quadro, a angústia e o desespero tomam o seu sentido mais puro. A angústia é o sentimento provocado pela possibilidade da relação do homem com o mundo: “para a liberdade, o possível é o porvir, para o tempo o porvir é o possível (…). A ambos na vida individual corresponde a angústia”. O desespero é o sentimento da estrutura do possível com o puro eu. Ele indica o sentido do eu: “o eu não é relação em si, mas sim o seu voltarse sobre si própria, o conhecimento que ela tem de si própria depois de estabelecida”. Angústia e desespero são “doença mortal” porque se vivem sob a forma de negatividade. A angústia está muito ligada à culpabilidade originária, ao pecado original, que é a marca da minha finitude, o nada de que decorre a minha possibilidade de ser livre: “a angústia é a fase psicológica que precede o pecado, que dele se aproxima o mais possível tão ansiosamente quanto pode, sem no entanto, explicar o pecado que só irrompe no salto qualitativo”. É pela liberdade que eu experimento o sentido


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da minha existência, mas sempre como liberdade angustiada, abstracta. O possível que eu sou fazme omnipotente. O desespero como estrutura do eu acontece em todos os estádios da existência, em toda a alternativa possível quer seja estética, quer seja ética, quer seja religiosa. A minha estruturação está assente no desespero: “em toda a vida humana que se julga já infinita e o quer ser, cada instante é desespero”. Ser si-mesmo é sempre para Kierkegaard uma aporia, porque se por um lado sou finito, por outro lado, desespero dessa finitude e padeço da sua existência. Jamais caibo nos limites da minha finitude. Nunca alcançarei o infinito a que aspiro ou que me marca: “perda do eu, perdido não porque se evapore no infinito, mas porque se fecha no finito, e porque em vez dum eu se torna um número, mais um ser humano, mais uma repetição dum eterno zero”. Desesperar do finito ou do infinito é desesperar sempre: “o eu tanto desespera por falta de possivel como por falta de necessidade”. Viver a morte do eu que sou é assumir a culpabilidade originária e assumir a finitude: “desespero doença mortal: eternamente morrer; morrer sem todavia morrer, morrer a morte. Morrer significa que tudo está acabado. Morrer

a morte significa viver a morte, e vivê-la um só instante é vivê-la eternamente”. Eu desespero de mim no sentido em que, em cada Instante me quero livrar de mim. Mas apesar de tudo eu sou aquele eu que verdadeiramente não sou. Pela razão não se resolve a existência, ela encobre e ludibria o sentido do existir. Quando o homem aposta na crença contra a razão, nada mais lhe resta do que desesperar: “a salvação é portanto o supremo impossível humano, mas a Deus tudo é possível! Esse é o combate da fé, a qual luta como louca pelo possível. Sem ele com efeito não há salvação”. Angústia e desespero como que se completam entre si. A primeira antecede a liberdade, e o segundo sucede-lhe. A angústia revela a insatisfação dos possíveis actuais, e busca estados cada vez mais perfeitos que o eu possa realizar. O desespero acentua no homem a sua precariedade finita e instala-o face ao que nele há de eterno. O homem finito, face a Deus infinito, vive no paradoxo e no absurdo. Quer alcançar a perfeição e julga poder realizar tais desígnios pela actualização pessoal da vivência do Eterno que deseja, mas do qual ainda não é digno: “vem em primeiro lugar um desespero do temporal ou duma coisa temporal, em seguida o desespero de si próprio quanto à eternidade. Depois vem o desafio que é no fundo desespero, graças à eternidade, e no qual o desesperado para ser ele próprio, abusa desesperadamente da eternidade inerente ao eu”. O desespero inconsciente que se institui na vivência estética a nada leva e nada produz, tal como o desespero exercido na ignorância de um eu eterno. Este avilta o homem e leva-o ao suicídio. O único desespero válido para Kierkegaard é aquele que o indivíduo experimenta no finito experimentando-se a si mesmo, no intuito de alcançar a fé. Desesperando, o homem escolhe e escolhe-se a si mesmo como potência de escolher.


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Um só! Quando a noite cai, num sonho, vejo os teus olhos a fechar. Sinto a silhueta do teu corpo nu e não há mais nada, só eu e tu! Violo todo o teu desejo, és meu! Enlaçando os nossos corpos, sob este manto aconchegado, meu amor, é tudo o que eu tinha esperado. Deixo que a loucura se instale, a tua voz meiga acalma-me, o teu ar beijando o meu pescoço, és o sabor tranquilo que existe! Percorri o teu aroma, encontrei a luz, que ambos quisemos pintar, a veia que percorre todo o meu corpo, aquela que sabe o que é amar(-te). Tu és o meu abrigo, tornaste-te num fascínio deslumbrante, doce e silencioso, vieste para me proteger do perigo; agora sei, meu amor, é contigo! Ana Raquel Pinto, aluna do 12º G

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Drogas na adolescência:

uma afirmação, um vício, ou uma maneira de diversão? Fábio Costa Aluno do 12º E

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empre se ouviu dizer que “o fruto proibido é o mais apetecido”. Este aforismo bem se pode aplicar à procura das drogas na adolescência. Tudo começa pelo cigarro fumado à pressa, no buraco mais discreto para que ninguém veja, pela cerveja quente, tirada da grade que está na despensa, bebida às escondidas e partilhada com os amigos. No fim, ficam tontos e mal dispostos e pensam que estão com a “moca”, mas apenas estão indispostos porque o corpo não está habituado. Quando essa fraca droga já não os faz sentirem-se mal, que é quando o corpo já está habituado, começam a comprar o diário maço de tabaco (diário porque os que ainda estão na fase anterior lhes pedirão o seu cigarrinho que dá a “moca” inicial, e esse maço também servirá de cravado) e a beberem uma cerveja, em vez de um sumo quando vão ao café. E agora como ficarão “pedrados”? Aqui é que aparece a “ganza” ou a erva. “Podíamos experimentar fumar um charro,

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Sempre se ouviu dizer que “o fruto proibido é o mais apetecido”. Este aforismo bem se pode aplicar à procura das drogas na adolescência.


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pessoal, se não gostarmos não fumamos mais, não vamos é morrer burros, o João fuma disso e, no entanto, é o rapaz mais respeitado da escola, gosto dos brincos dele, talvez fure as minhas orelhas e comece a andar de chapéu, mas, claro, às escondidas da minha mãe”. É aqui que está a barreira entre a afirmação/ diversão – se continuam apenas para ficar com a “moca estúpida” e para mostrarem aos outros que fumam – e o vício – se começam a comprar continuamente e a aumentar a quantidade consumida. Fumaram, gostaram, ficaram com a “moca”. O pessoal do “copinho de leite” e os ‘lobitos’ tabaqueiros passaram a temê-los. Compraram mais e passaram a comprar todas as semanas, deixaram de tomar o pequeno-almoço na escola e o lanche para terem dinheiro para os vícios, maço de tabaco a 3.50€, droga semanal a 10€ cada amigo, emagreceram, o corpo habituou-se e a “moca” cada vez é menor.

Ontem, o grupinho de “ganzados” lá do bairro foi a uma festa, fumaram “ganzas” como se não houvesse amanhã, para que pudessem estar com a maior “sarda” possível para “curtirem” a festa em grande, mas o que lhes aconteceu foi: haxixe, droga que diminui o batimento cardíaco, logo menos sangue será bombeado, por segundo, para os nossos músculos, o que nos fará ficar moles, com sonolência e cansados, quase sem nos mexermos; quanto maior for a quantidade consumida, pior será. A festa era de música electrónica, ou seja, com grande ritmo, e o grupinho não aguentou metade da festa. Até amanhã, “party”, e estão de volta ao bairro para dormirem cerca de 15 horas. Na próxima festa, para que não aconteça o mesmo que sucedeu na última, em que foram embora quase sem a festa ainda ter começado, decidiram comprar cocaína (60€), “speed” (25€) e “ md” (30€). Seriam estas as drogas que os fariam aguentar a festa toda. E assim foi: toda a noite aos saltos sem parar, beberam que se fartaram e não ficaram bêbedos. Porquê? Porque estas drogas aumentam o ritmo cardíaco e, ingeridas em demasiado, poderão até provocar morte imediata. A festa acabou e regressaram ao bairro e, ao contrário do que aconteceu na outra festa, em que vieram cedo e dormiram 15 horas seguidas, ainda ficaram mais 15 horas acordados, pois o efeito das drogas ingeridas nesta última festa ainda não tinha passado. É aqui, neste ponto, a que este grupo de jovens chegou, que está a barreira entre a diversão e o vício. É simples: continuam a “mandar” estas drogas diariamente – estão viciados; continuam a “mandar” apenas nas festas – pura diversão, ilegal, desaconselhável para a saúde, para a personalidade e para a carteira.


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Bem-vindo ao mundo dos «flashes» Sofia Inês Rodrigues Aluna do 9º A

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iz o meu primeiro trabalho em 1827, mas só em 1840 é que fui reconhecida como meio de arte e agradeço isso ao pintor francês Paul Delaroche. A minha função é produzir imagens através da fixação da luz reflectida pelos objectos numa superfície embebida num produto sensível. Comecei por observar e guardar momentos a preto e branco e assim continuei ao longo de mais de um século. Entretanto, arranjou-se forma de os fazer ” vomitar” para o papel. Mais tarde, pude guardar memórias a cores e, agora, aproximo ou afasto, guardo e apago, dou mais ou menos luz, sou maior ou mais pequena, arranjo óculos para ver cada vez mais longe, os quais são conhecidos por objectivas, por vezes faço filmes e, até, vejam só, ando debaixo de água! Impressionante, não? Sim, de facto, ser eu é muito bom. Mas há umas alturas melhores do que outras. Para além de festas, comemorações, eventos, viagens, pessoas, objectos, tenho também

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Comecei por observar e guardar momentos a preto e branco e assim continuei ao longo de mais de um século


pensar(es) 39 presentes lembranças de guerras, da fome, das doenças, das catástrofes. Hoje, as pessoas querem-me para vários fins. Há uns profissionais, a que chamam “fotógrafos”, que me usam como ferramenta de trabalho, mas isso é porque gostam de ficar com os louros. Sou mais do que uma ferramenta; sou uma colega, se fazem favor. Por mim, passam todos os dias as celebridades que posam à minha frente em busca de fama e dinheiro e as que são apanhadas desprevenidas ou semi-desprevenidas que aparecem nas secções das revistas in/out ou as “barracas” da semana. Também vou parar às mãos de fotógrafos considerados amadores, que fazem, muitos deles, trabalhos...correcção, arte maravilhosa com as minhas capacidades e o talento deles. E depois há as pessoas comuns, que tiram fotos para recordações de uma viagem, de uma ocasião especial ou simplesmente porque querem uma fotografia de qualquer coisa. Já agora, apresento aqui o «flash», tímido, luminoso e consumidor-de-bateria, as cuscas e observadoras «lentes», o neto da «película fotográfica», «cartãode-memória», fiéis assessores no desempenho das minhas funções. É, portanto, com a minha existência que é possível visualizar e recordar momentos marcantes da história da Humanidade do passado século e ocasiões não menos emblemáticas em família, do quotidiano, e cenários menos comuns. E, pronto. Para quem ainda não sabe, sou a Câmara Fotográfica, prazer. Por mim, já chega da minha auto-biografia por hoje. Um dia destes há mais, pois não me dedico a letras, mas sim à imagem, que toda a gente entende, onde quer que esteja, não importando a língua falada.


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Alteridade Se eu fosse um dia o teu olhar, saberia como me olhas, com teus olhos doces, muitas vezes perdidos na imensidão do mar, procurando as flores, que me queres dar. Se eu fosse a flor, que tu seguras na mão, sentiria teu toque, sem qualquer pudor, nas minhas pétalas, cor da paixão. Se eu fosse um poema, acariciava-te, sussurrava-te, amava-te, simplesmente com palavras. Se eu fosse apenas uma lágrima, seria um lágrima tua, que escorregaria, na tua pele, como uma carícia.

Se eu fosse uma escrava, seria tua e só tua, vivendo cativa, no teu coração, numa solitária ilusão. Se eu fosse um pássaro, tu serias o céu, e eu voaria, voaria, e não pararia, sentiria, teu perfume, veria, teu sorriso, e então, havias-me aprisionado, sem qualquer razão. Se tu fosses eu, verias, como te amo, como te desejo, como quero teu beijo, e, como isso me magoa.

Helena Ferraz, aluna do 11º B


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Alma Dulce Montes Aluna do 12º B

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omos um só ao unirmos as nossas almas. Encontramo-nos em paz ao fundirmos as nossas existências para caminhar uma estrada comum. Sabemos que não somos nada um sem o outro. Nada temos quando distantes e, se juntos, podemos conquistar o mundo. Não precisamos de palavras quando a nossa confiança é mútua. Os nossos olhos recitam os pensamentos que nos assombram a mente. Os nossos futuros entrelaçam-se enquanto lutamos contra a loucura, esse inferno solitário que faz com que nos tornemos algo que não somos. Tentando recusar essa escuridão que se apodera da minha alma apercebo-me que me encontro a desvanecer. Dissolvo-me neste mar espesso de angústia, insanidade e desespero. Não consigo distinguir a tua presença no meio da confusão da minha mente. Mas, de repente, uma luz, um ponto brilhante surge de entre o breu que é a minha consciência. Uma mão. Não. A tua mão. Tento estender os meus próprios membros e agarrar a salvação que se encontra à minha frente. Está quase. Tão perto. Sinto o calor emanado pelos teus dedos. Aprisiono a tua mão na minha

enquanto sou puxada para fora desta imensidão de tormentas. Ao atingir a superfície respiro pela primeira vez em sabe-se lá quanto tempo, soltando um suspiro de alívio. Abro os olhos e sinto mais uma vez a luz a atingir a minha pele. Os nossos olhos encontram-se. Sorrio. Nunca duvidei que irias conseguir salvar-me da demência em que me via sufocada. A tua presença é suficiente para eu ter força e levantar-me sozinha. Conseguimos construir confiança entre nós. Mas apenas obtivemos a verdadeira união naquele momento em que a tua alma, em conjunto com a minha, dançou do modo mais maravilhoso. Criámos uma melodia única ao ritmo da qual nos movemos. E isso nunca ninguém nos pode tirar.


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Para além do véu

Mark Tansey e o questionamento na pintura Ricardo Oliveira Professor de Filosofia

“Underneath each picture there is always another picture.”

D

Douglas Crimp

e leitura aparentemente linear, as obras de Mark Tansey são conceptualmente complexas. À primeira vista sugerem uma interpretação factual, realista, suportada pela qualidade quase fotográfica do desenho e pelo tom monocromático clássico de um testemunho de reportagem, que indicia uma ligação com a objectividade imparcial do olho mecânico da máquina, que inconscientemente captura o que está no seu raio de alcance no momento em que aconteceu.1 Contudo, apesar deste eco da realidade, subsiste uma estranheza, de algo levemente imperceptível, que convoca um exame mais atento e que, lentamente, desvela os contornos subtis de uma série de máscaras que se colaram à obra emprestando-lhe um carácter narrativo e uma face de evidência fotorrealística.2

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Cada obra de arte verdadeira contém – tal como a verdadeira obra filosófica –, neste sentido, a chave de decifração da própria arte e oferece-a a quem ousar aceitá-la. É preciso então mergulhar na vertigem.


pensar(es) 43 Neste momento de contraste tem início o jogo dialógico entre o artista e o espectador. Tornase imperativo parar e recuar, num movimento de exercício de depuração até ao momento original em que a obra é dada ao olhar. É deste ponto inicial, situado num breve instante antes da interpretação espontânea da obra que talvez deva ser procurada a sua compreensão, a chave que lhe permita franquear a entrada desse continuum dialógico entre o passado e o presente, um eu e um outro (tempos diversos, consciências estranhas entre si), ultrapassando as barreiras da própria finitude humana. É isto que possibilita, como afirma Jean Genet,3 que “escutemos aqueles que da outra margem do rio nos falam”. Cada obra de arte verdadeira contém – tal como a verdadeira obra filosófica –, neste sentido, a chave de decifração da própria arte e oferece-a a quem ousar aceitá-la. É preciso então mergulhar na vertigem. Contudo, o jogo de equilíbrios é delicado: a obra desnuda continua a revelar-se um mistério, cujo significado, entretecido na teia metafórica do indizível, corre sempre o risco do equívoco, dada a sua fragilidade. A obra «West Face», datada de 2004, é uma pintura de grandes dimensões (213 x 213 cm). Do ponto de vista da execução é soberba. O tratamento exímio da neve e do gelo (que se quebra e desfaz por baixo dos pés dos montanhistas) demonstra claramente a mestria de Mark Tansey enquanto pintor: ao raspar a tinta ainda fresca do gesso da tela, Tansey retira-lhe o excesso de modo a revelar o fundo branco, conferindo à imagem propriedades quase tangíveis. O quadro apresenta-nos uma vastidão paisagística na qual, à imponente paisagem montanhosa, se junta a força dos elementos (neve, nuvens e vento), que se pode claramente sentir (recordando-nos as obras do romântico alemão Caspar David Friedrich). À primeira vista, é o documento de reportagem de uma difícil aventura alpina. Em primeiro plano, um grupo de montanhistas

avança através da tempestade, enquanto um outro grupo mais à direita procura desesperadamente desmontar uma tenda. Um terceiro grupo, pouco visível, já percorreu uma boa parte do caminho até ao sopé da montanha.

Contudo, se num segundo momento, após contemplar a obra a uma distância segura, o espectador se aproximar com cuidado e procurar ler os seus detalhes, será gradualmente absorvido pela sua complexidade e aperceber-se-á que o tema da obra – apesar da precisão fotográfica com que a aventura é representada – é completamente diferente. A paisagem contém inúmeras surpresas e simbolismos, quase invisíveis, de tão óbvios… Aquilo que à primeira vista pareciam apenas rochedos, neve e gelo são, de facto, cabeças e figuras humanas (em alguns pontos tão simplificadas e reduzidas a contrastes de luz que as torna difusas, noutros distorcidas de modo a formarem os contornos da montanha). A primeira imagem é um grande retrato oblíquo de Friedrich Nietzsche, cujo Zaratustra clamava que as montanhas são o espaço vital para o pensador de visão. As paredes do rochedo sobre a sua cabeça contêm imensas figuras, comprimidas umas contra as outras, como se petrificadas durante o processo de formação das rochas. Entre estas encontramos o escritor irlandês James Joyce. Imediatamente por cima destas, encontramos um retrato, também oblíquo,


pensar(es) 44 de Ludwig Wittgenstein e, junto ao seu olho esquerdo, um retrato de Karl Popper. Uma vez que o olhar tenha escalado até aqui, a parte mais difícil da ascensão até ao topo tem início. Esta conduz-nos desde os materialistas históricos aos expoentes máximos do empirismo inglês, do racionalismo francês ao idealismo alemão, passando pelos existencialistas, estruturalistas e desconstrutivistas. Daqui chegamos ao triunvirato da Filosofia Antiga: Aristóteles, Platão e Sócrates. Perto destes encontra-se um perfil grego clássico contemplando um busto de Homero, expoente supremo do poeta épico e, simultaneamente, antepassado intelectual de James Joyce. Percorremos assim um círculo de eterno retorno? – um caminho que sabemos agora que já estava indicado desde o início, indicado pelo soldado situado em baixo, à direita.

talvez se torne mais claro se soubermos que a actriz desempenhou o papel principal no filme de 1929, realizado por Georg Wilhelm Pabst, “A caixa de Pandora”. Este último elemento tornase, pois, o verdadeiro elemento filosófico presente no quadro (os outros são memórias da história da filosofia). A energia intelectual da filosofia surge-nos assim é equiparada às forças sublimes da natureza e a sua prática é o mais radical dos desportos. Quem o faz, fá-lo por sua conta e risco. Neste sentido, seria errado pensar que os montanhistas são apenas figurantes. Se estes se virassem, reconheceríamos o nosso rosto, o rosto de quem teve um dia a vontade de espírito de chegar ao topo da humanidade, aventurandose em territórios desconhecidos, libertando a verdadeira força da humanidade. Equipara-se esta obra – quer na sua apresentação, quer na sua leitura – à Alegoria da Caverna, de Platão; o caminho tortuoso e perigoso da ascensão ao conhecimento. O conteúdo de ambas é tão complexo que não podem ser descritas, nem a sua riqueza intelectual abarcada, em meia dúzia de palavras. Para além da semelhança imagética evidente, as duas evidenciam que a fruição de uma obra de arte ou de uma ideia filosófica é um ruminar lento, em que cada passo tem que ser dado tacteando, mas de forma consciente, de modo a avançar… pouco ou nada avançando. Algumas obras de Mark Tansey podem ser encontradas em www.artchive.com Cf. Arte trompe l’oeil. 3 Jean Genet, O Estúdio de Alberto Giacometti, Assírio e Alvim, Lisboa, 1988 1 2

Deste modo, a simbólica conquista de uma montanha pelo seu flanco oeste confere, literalmente, um rosto à história do pensamento ocidental. Não é por acaso, pois, que reconheçamos, no canto inferior direito, um mapa do Mediterrâneo, berço da nossa civilização. Enigmática (por razões óbvias) é a presença (ainda que dissimulada) neste contexto da actriz do cinema mudo Louise Brooks. Mas o motivo

Bibliografia sumária: Danto, Arthur C., Mark Tansey: Visions and Revisions, Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 1992 Freeman, Judi, Mark Tansey, Los Angeles County Museum of Art & Chronicle Books – San Francisco, 1993 Mönig, Roland, Mark Tansey – Museum Kunsthaus Kleve, 23/01-24/04/2005, Kerber Verlag, 2005 Simms, Patterson, Mark Tansey – Art and Source, Seattle Art Museum, Seattle, 1990 Taylor, Mark C., The Picture in Question – Mark Tansey & The Ends of Representation, The University of Chicago Press, 1999


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Talvez Um Dia… Ficara sem ir ao mar alguns dias. Andava perdida, sem rumo. Pensei que tivera perdido todos os grandes poderes Que a Natureza se encarregou de me oferecer. Fui à janela… Olhei-o com grande apreço e emoção, Como se as minhas guelras me empurrassem para lá. Senti-me insegura… Mas, num ápice, respirei fundo e deitei-me à água. Foi tudo uma questão de segundos, Para que a força da Natureza apoiasse o que estava a sentir. Às profundezas cheguei e para meu espanto, bem lá no fundo, vi-o… Lá estava ele, gélido e rufia, zangado e rude, grande e poderoso. Mas havia algo que me dizia que para além daquela fisionomia grosseira, Tinha um lado difícil de se atingir. Era um lado mágico, lindo e forte. Forte na perspectiva de ser único e fantástico. Mas eu sabia que nada iria acontecer… Era algo impossível! Aproximei-me… E, no instante, aqueles olhos me abordaram. Dirigi-me a ele e perguntei-lhe se estava sozinho… Respondeu-me que sim, sem qualquer tipo de dúvida. Logo perguntei se não queria ir até aos corais dar um passeio… Em jeito de negação, disse que tinha de lá ficar em vigia. Senti que não havia nada a fazer, então disse adeus e vim embora… Não obtendo resposta, triste e sem nada a perder, volto atrás e digo: - Adamastor… E sem me deixar acabar enuncia: - Talvez um dia… Vanessa Guedes, aluna do 12º B


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Gosto tanto de ti, Sócrates! Ana Paula Lopes Professora de Filosofia

M

eu estimado amigo, Não imaginas a falta que tens feito. Gosto muito de ti! É verdade,

gosto mesmo! Aprecio a forma como percorres as ruas a despertar consciências. Gosto do modo como questionas as pessoas, como as fazes compreender que não se podem agarrar a falsas ideias, a inverdades. Gosto desse teu lado verdadeiramente humanista que defende a bondade intrínseca do ser humano, esse optimismo metafísico que te faz acreditar que só se erra por ignorância. Lamento que não te compreendam! Como é possível acusarem-te assim? Quem andas tu a incomodar para que te caluniem? Palpita-me que sejam esses senhores com aspirações políticas… Rasga-se-me a alma ao ver-te assim difamado. Calculo que com tanta pressão a recair sobre ti não andes a par dos acontecimentos mais recentes. A verdade, meu bom amigo, é que as tuas ideias não estão perdidas. Aliás, tem andado por cá um homónimo teu a calcorrear as ruas e não se cansa

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tem andado por cá um homónimo teu a calcorrear as ruas e não se cansa de repetir a “verdade”, uma vez atrás da outra, até que ela se entranhe na consciência dos seus ouvintes.


pensar(es) 47 de repetir a “verdade”, uma vez atrás da outra, até que ela se entranhe na consciência dos seus ouvintes. Não partilha exactamente do teu estilo. Não o vejo propriamente como um moscardo que nos desperta… É de outro género: agarra-se a nós com as consequências que todos sabemos. Mas, tal como tu, acredita na necessidade de instruir os homens e defende que quando erram não devemos castigá-los. Afinal, castigar alguém seria admitir que se erra ou se pratica o mal deliberadamente e nós sabemos que não é assim. Esse teu seguidor tão convicto está desta verdade que, em coerência com o seu pensamento, nunca castigou ninguém… Quando alguém comete erros, prevarica, logo se apressa a encontrar uma nova função para essa pessoa, pois, pode ser que com a mudança vá aprendendo. Também defende que o conhecimento é o nosso bem mais precioso e por isso, não se cansa de distribuir computadores e certificados. Bem vistas as coisas, só uma sociedade instruída pode fazer funcionar a democracia! Olha que este homem investe mesmo na educação!!! Vê lá tu que conseguiu desmoralizar esse bando de sofistas que, nas escolas, ensinava a troco de dinheiro. Complicoulhes a vida, colocou-os a preencher papéis uns atrás dos outros. E se por acaso algum tinha aspirações a fazer carreira no ensino, desengane-se! É tarefa mais difícil do que conseguir um qualquer cargo político. Tenho cá para mim, prezado amigo, que aquilo que ensinavam não tinha grande valia. Que utilidade têm o sentido crítico, a capacidade de análise ou de compreensão nos dias que correm? O que verdadeiramente faz falta é que se aposte nas novas tecnologias e que a banda larga chegue a todo lado. Não há nada que um professor diga que não se encontre na internet. É um homem com visão! Mas cá para nós, há algo que me inquieta. Tu sempre afirmaste “só sei que nada sei”, distinguindo-te pela douta ignorância. Ele prima por uma outra inteligência… Penso que é algo a ter em atenção.

De repente senti o aroma da cicuta… É melhor não me alongar mais embora muitas outras coisas tenha para te contar. Despeço-me por agora, Desta amiga que muito te preza, Pitonisa


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Mundos Espelhados Vivo uma ilusão. Apesar de me esforçar para isto mudar, Vejo quebrada a minha revolucionária visão. Contudo, nada me pode impedir de continuar a tentar. Desiludo-me por cada vez que olho em volta, Desiludo-me porque é nesta desilusão que surge a minha procura, E é através desta desilusão que a vou levar à derrota, Porque só assim se pode transmitir a cura. Multifacetado me encontro. Possuo o sonho de Pessoa, o fragmentado, E o espírito patriótico, contudo ignorado de Camões, mas num outro mundo, E é com isto que vejo o meu talento aumentado. Por vezes vejo-me numa sala cheia de espelhos de luxúria crescente, E diferentes partes de mim vejo em espelhos nesses espelhos. Apesar de diferentes, somos iguais, pois nenhum de nós mente, E todos queremos acabar com os tempos velhos. Dizem que não se pode fugir ao nosso Destino, Mas recuso-me a aceitar ter algo a manipular-me. Precipito-me contra as garras das três irmãs que contrariam o meu hino, Mas eu próprio sigo com a foice que prometeu eternamente obedecer-me. Daniel Carvalho, aluno do 12º A


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Solidariedade Júlia Korcheva Aluna do 12ºE

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penas umas semanas bastam, umas simples horas chegam para preencher o vazio que existe dentro do coração das pessoas mais carentes

e mais sós. Doentes, por vezes abandonados, os idosos são aqueles que mais precisam de carinho, de uns minutos de atenção. São muitos os que, incapazes de viver o seu dia-a-dia autonomamente e com histórias de vida para contar, não têm ninguém atento para as ouvir. Uma palavra ou simplesmente um olhar é o suficiente para pôr um sorriso, nem que seja pequeno, num rosto amadurecido, envelhecido com o passar do tempo. Uma tarde chega para perceber a importância que a nossa companhia, o nosso ombro, as nossas palavras têm para pessoas com tanta necessidade de amor. A um pouco de paciência acrescenta-se um bocadinho de bondade, com uns salpicos de compaixão, o que dá um resultado doce, um cenário bonito de se ver. É reconfortante e compensador ver a felicidade dos outros surgir de

pequenos nadas, de alguns gestos e de algumas brincadeiras. O voluntariado faz uma pessoa pensar, reflectir, dá-nos força para lutar, para poder transportar a nossa juventude para aqueles que já a perderam. São apenas momentos, momentos passados no auxílio, no convívio, com solidariedade. Porque um dia, se eu precisar, gostaria de ter alguém ao meu lado, que ouvisse as minhas aventuras, os meus desesperos, enfim, a minha vida em si!


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POES

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Sonhar é Viver Há quem sonhe sem nunca acordar, Há quem acorde e não volte a sonhar. Porque sonhar é viver. Há quem diga que sonhos não se concretizam Ignorância… Como podem eles não se concretizar, se existem? Para alguns, um sonho é o Mundo Para outros apenas um desejo. Porque para eles sonhar é desejar. Mas o que é desejar? É sonhar. Porque sonhar é viver. Mas o que é viver? Eu não sei… Inês Manuel Mesquita, aluna do 8º C

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Nada dura para sempre Ana Beatriz Xavier Aluna do 9º A

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ada dura para sempre, tudo tem um prazo, tudo termina. Nem sempre quando queremos, por vezes cedo de mais ou até mesmo tarde de

mais. Quando gostamos muito de algo ou de alguém, tudo o que queremos é que dure para sempre, que nunca acabe, porém isso não é possível. Assim como os produtos que compramos têm validade, também os acontecimentos têm um período de duração. Nem sempre a duração é suficiente, mas depois de acabar nada há a fazer. O que fazer para ultrapassar essa perda? Apenas uma coisa, seguir com a vida para a frente e enfrentar os medos e receios, as tristezas e agonias. O mesmo pode acontecer quando necessitamos que algo termine, como, por exemplo, quando queremos que uma certa dor acabe, mas não a conseguimos esquecer, porque ela é mais forte que qualquer outra coisa. Assim como a tristeza não dura a vida inteira, a alegria e a felicidade também não. Devemos,

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Devemos dar valor a cada momento da nossa vida

por isso, lutar sempre por aquilo que queremos, mesmo quando já conquistámos as coisas. Nunca devemos pensar que as temos para nós para sempre, pois elas podem acabar a qualquer momento. Devemos dar valor a cada momento da nossa vida, aproveitar cada semana, cada dia, cada hora, cada minuto e até cada segundo, pois não sabemos quando este poderá ser o último.


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A

filosofia é a base que sustenta o Mundo, é o observar minucioso do pormenor ao pormenor, até encontrar o que procura. É o “dar asas” às dúvidas que surgem e “semear” o saber pelos povos. Não há limites apenas metas, e as suas teorias propagam-se de geração em geração, transportadas pelas mãos invisíveis dos que cativa. Marta Arcanjo, aluna do 10º D


Pensar(es) 1999-2011

FICHA TÉCNICA Coordenação Professores de Filosofia

Redacção A. Marcos Tavares Manuel Ferreira Ana Paula Lopes

Colaboradores / alunos Ana Xavier, Ana Inês Meireles, Ana João Marques, Ana Margarida Almeida, Ana Raquel Pinto, Cátia Pinto, Daniela Seixas, Daniel Carvalho, Dulce Montes, Fábio Costa, Fátima Carlos, Helena Ferraz, Inês Mesquita, Inês Pereira, Isabel Gonçalves, Júlia Korcheva, Maria Francisca Cardoso, Marta Arcanjo, Sónia Rodrigues, Vanessa Guedes, Vanessa Pinto.

Colaboradores / professores A. Marcos Tavares, Ana Paula Lopes, Conceição Dias, Estela Ferreira, Fernando Fidalgo, José Artur Matos, Manuel Ferreira, Manuel Mesquita, Raia Serra.

Colaboradores / Convidados Artur Manso, Maria, Ricardo Oliveira

Design e paginação Paginado por José Artur Matos a partir das propostas originais dos alunos Luís Teixeira e Matilde Pinto.

Impressão Imprensa do Douro - Peso da Régua

Tiragem 300 exemplares


DOURO Património Mundial da Unesco “Douro verdejante de socalcos vinhedos, sustentam paixões de um Povo vigoroso que produz da sua terra sonhos e encantos.” António Barroso


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