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4 PRÓXIMO PASSO: A ESCOLA INTEGRADA
from Izabela Borges Corrêa - DE ALUNA A PROFESSORA DE TEATRO: influências e reflexões sobre a prática...
by Biblio Belas
4 PRÓXIMO PASSO: A ESCOLA INTEGRADA
Me foi dado a partir da minha experiência no módulo dois do Valores de Minas a oportunidade de conhecer o Programa Escola Integrada (PEI) das escolas municipais de Belo Horizonte. Após o fim do semestre letivo do VDM, tivemos uma reunião com a coordenação pedagógica do curso juntamente com pessoas da secretaria de educação de Minas Gerais e nos foi dito que, se tivéssemos o interesse de trabalhar em uma escola como oficineiro/monitor durante 4 horas semanais no turno de interesse, deveríamos buscar uma escola e enviar um email dizendo da disponibilidade e foi isso que eu fiz. Procurei uma escola próxima ao meu bairro e enviei um e-mail dizendo que tinha acabado de sair do VDM, que havia sido aprovada na graduação em Teatro da UFMG e que tinha o interesse em dar aulas de teatro no projeto, de acordo com as “Orientações Gerais para as escolas” de janeiro de 2012 é possível entrar na escola como: monitores de oficina, monitores universitários e estagiários do programa segundo tempo. E, naquele contexto, eu encaixaria como monitora de oficina.
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O meu interesse em participar do projeto vinha como uma oportunidade de ter uma fonte de renda e uma ocupação do tempo, já que eu estava sem atividades para realizar naquele primeiro semestre de 2012. Ou seja, o meu interesse em estar ali era basicamente para suprir uma necessidade de manter-me ocupada e hoje eu vejo que era justamente esse perfil de pessoas que as prefeituras precisam: pessoas dispostas a receber pouco, que consigam manter as crianças em “ordem” e ainda sejam capazes de realizar algo que fosse apresentável nos dias de encontros das escolas, como um grande festival das escolas integradas dividido por regionais. Mandei o e-mail, fui à entrevista com a professora comunitária, nome dado à coordenadora da EI. Fui à escola mais próxima da minha casa, mostrei alguns trabalhos realizados no VDM, expliquei o projeto que ela não conhecia e fui chamada para fazer parte do programa como monitora de teatro. No ambiente escolar regido pela EI a nomeação monitor ou oficineiro era muito presente, já na minha carteira de trabalho o meu cargo era de “monitora de oficina” e o meu salário era de 429,58 reais por mês, correspondente a 20 horas semanais trabalhadas.
Conheci os outros monitores e havia naquele momento apenas dois que eram estagiários. As oficinas ofertadas eram de artesanato, dança, xadrez, jogos matemáticos e artes visuais e tinha um dia que era o dia de esportes na quadra alugada de um clube pela prefeitura que ficava a quatro quarteirões da escola, e o trajeto até ela era feito por uma longa
caminhada. Tínhamos nesse trajeto de ida um auxilio de um guarda municipal que fechava as vias para que pudéssemos atravessar com os alunos. Já o outro espaço para a realização das oficinas era ainda mais longe, o trajeto era longo e quando chegávamos lá as urgências maiores eram de tomar água e ir ao banheiro. Um espaço continha um pátio grande que funcionava quase como uma área de recreação e uma única sala fechada, que inviabilizava a oportunidade de ocorrer duas aulas simultaneamente, como uma de teatro e outra de dança, por exemplo. Algumas horas depois naquele espaço já era hora de voltar à escola para almoçar e os alunos deveriam se preparar para as aulas da escola regular. O turno terminava quando chegavam os monitores da tarde e que ficavam olhando os alunos até chegar a hora do inicio das aulas, juntamente com a espera dos alunos do turno da manhã da escola regular que esperavam a hora para iniciar as atividades da EI. Meu primeiro dia de aula foi na quadra e ninguém havia me dito que lá não era o lugar que ocorriam as oficinas. Depois de ser apresentada a mais de oitenta alunos do turno da manhã, que tinham de 6 a 12 anos de idade eu aproveitei a curiosidade de alguns em conhecer a “professora nova” como eles diziam, e os convidei a fazer uma aula. Lembro que tinha feito um planejamento de aula de acordo com as minhas referências anteriores e comecei a realizar algumas atividades, pedindo para que caminhassem pelo espaço. Hoje penso que iniciei a aula sem saber o porquê de ter colocado isso no planejamento, sem pensar o porquê daquela atividade e para onde eu queria chegar com ela, era apenas uma reprodução de um ritual que eu fazia, mesmo sabendo que poderia trabalhar algum tipo de percepção do espaço eu não sabia o porquê eu estava fazendo aquilo. Dei alguns jogos e fui observando que ali era o local da recreação, que nenhum dos monitores estava conduzindo atividade alguma, eles apenas seguiam sentados observando os alunos e a mim naquele momento. Com isso, fui motivo de chacota por alguns companheiros de trabalho em alguns momentos futuros, “qualquer coisa pede a Izabela, ela anda esquisito com os meninos” “lembra daquele dia?”. Algum tempo depois conseguiram que a prefeitura alugasse uma casa próxima à escola para a realização das oficinas. Sabia que eu ia ter uma sala e que esse era o momento de realizar os meus planejamentos de aula, porque finalmente teria um espaço e conseguiria dar a minha aula. Mas, com o tempo eu fui percebendo que naquele ambiente não se fazia necessário essa preocupação anterior, uma porque o plano não era cobrado por ninguém da coordenação e outra porque naquele ambiente, cada dia era único, podendo faltar oficineiros –o que nos obrigava a ir para a quadra. A sala era tão pequena e a quantidade de alunos era tão superior que era inviável fazer qualquer atividade que eu tinha como referencia no teatro. Nesse momento da minha vida a “professora de teatro” que eu era acreditava que uma aula só
podia se iniciar com um deslocamento pelo espaço e porque ai iríamos para algum tipo de jogo. Para quê? Não sabia. Nesse contexto eu não tinha a concepção de que teatro na escola não é feito para formar atores e eu estava ali, passando tempo com eles de uma forma mais interessante, menos entediante, podemos dizer assim. Existiam desafios diários, muitas vezes deixei o papel de monitora propositora para ser ouvinte dos alunos, às vezes conselheira, ajudante de para casa, entre outras funções que o dia-a-dia nos pedia. Um dia que ficou muito marcante para mim foi quando ocorreu um surto de piolhos e após inúmeras tentativas de contato com os pais de alguns alunos sem resultado, algumas monitoras chegaram a limpar e catar piolho dos alunos. Ali eu pensei que eu não tinha o espírito maternal como as outras tinham. E que também não deveria ter, pois não era o meu papel, a minha função. Fiquei na escola muito mais tempo que eu imaginava. Eu tinha uma boa convivência com os alunos, o que talvez contribuiu para a minha continuidade no projeto. Houve um momento em que tive o desejo de buscar uma mudança naquela instituição, via o “corpo docente” em sua maioria muito desmotivado e, para além disso, desrespeitando aqueles alunos e aquele ambiente. Eu via muita coisa que eu não considerava certa e comecei julgar o papel de alguns daqueles monitores, não que eu fosse à monitora ideal e perfeita, mas havia situações em que eu não podia ficar calada. Havia muitos monitores que estavam lá há muito tempo e isso contribuía, em alguns, para a relação de estarem acomodados e que poderiam seguir assim, sem fazer nada, porque nada acontecia. Tinham como “carta na manga” algo preparado quando fosse necessário participar de alguma apresentação e mostravam à comunidade que o trabalho diário estava sendo feito - o que não estava. Depois disso entraram novas pessoas, principalmente estagiários e começamos a mudar as “regras” daquele lugar. Os monitores que eram estagiários tinham um compromisso muito maior e pensavam realmente naquele espaço como oportunidade de formação para si e para os alunos da escola. Houve momentos muito prazerosos no dia-a-dia daquela escola, foi o meu primeiro emprego. Ali eu via que a docência podia ser um lugar para mim, que me interessava dialogar, trocar com os meus alunos. Porém, chegou um momento que eu já não aguentava mais estar naquele ambiente escolar onde inventavam fofocas sobre mim. Quis sair porque não podia fazer algumas disciplinas no turno da manhã e isso podia prejudicar a minha formação universitária, quis sair porque descobri que existiam bolsas de pesquisa na UFMG e que eu ganharia quase o mesmo tanto, quis sair porque comecei a julgar o meu trabalho, o meu lugar naquele espaço.
Chegou um momento que eu dizia que o problema daquela escola definitivamente não eram os alunos. Era a comunidade escolar, a falta de espaços adequados, o monitor que faltava e prejudicava todos outros, o porteiro que não respondia um bom dia, a cozinheira que inventava fofoca. Um lugar que deveria ser fértil e fonte de inspiração e conhecimento começou a ser um lugar pesado. Eu acordava e sentia mal em saber que tinha que ir para aquele ambiente, e isso era eu, jovem, monitora, com apenas dois anos de escola, que não precisava do meu salário como fonte de sustento básico. Com isso, ficava imaginando apenas como era para os professores com longos anos de docência, com uma jornada dupla de trabalho, em que as condições de trabalho vivenciadas por eles, nesse ambiente escolar, podem chegar ao desenvolvimento de possíveis adoecimentos físicos e mentais como mostra Gasparini (2005) em seu estudo O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Ou até mesmo chegando ao ápice, ao abandono da profissão, como aponta Zaragoza (1999). Saí da escola quando um dia gritei com um aluno e vi que eu não queria mais estar ali e muito menos ter esse tipo de atitude. Depois da minha saída do projeto somente voltei à outra escola durante as minhas disciplinas de estágio.