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3.1 Muito Prazer, o meu nome é Valores de Minas
from Izabela Borges Corrêa - DE ALUNA A PROFESSORA DE TEATRO: influências e reflexões sobre a prática...
by Biblio Belas
por escolhas ou sob certas condicionalidades, há intencionalidades no seu desenvolvimento, o aprendizado não é espontâneo, não é dado por características da natureza, não é algo naturalizado. (GOHN, 2014, p.40)
Atualmente, o VDM é conhecido como Centro Interescolar de Cultura, Arte, Linguagens e Tecnologias (CICALT). A mudança de nome ocorreu após 2016 quando o projeto foi agregado à Secretaria Estadual de Educação, oferecendo aulas de artes por semana em cinco áreas: Arte Visual, Circo, Dança, Música (Canto, Harmonia e Percussão) e Teatro. Mas conforme informamos desde a Introdução, nos ateremos a dialogar com o Valores de Minas durante os anos em que estive presente na referida instituição.
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3.1 Muito Prazer, o meu nome é Valores de Minas
Conheci o projeto em 20103 através de uma ação que era realizado pelo PlugMinas nas escolas com intuito de divulgar o projeto. Com isso fiz a minha inscrição na minha própria escola. Estudava na Escola Estadual Professor Caetano Azeredo e me foi entregue um questionário onde além dos meus dados pessoais coloquei o núcleo do PlugMinas que me interessava, essa já era a minha inscrição ao projeto. Como eu não fazia mais teatro estava com um grande interesse em procurar saber sobre esse curso que ainda era desconhecido para mim e seria assim uma oportunidade de voltar a estudar teatro. A minha formação escolar, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio foi no ensino público estadual. E durante a minha trajetória de formação escolar pude vivenciar diversos acontecimentos como greve, falta de professores, más condições de estrutura escolar (carteiras quebradas, paredes infiltradas, etc.), explicitando um tipo de realidade das escolas públicas brasileiras fazendo com que, automaticamente, eu acreditasse que um projeto como o PlugMinas não fosse bom pelo fato de ser gratuito e ofertado pela mesma rede de ensino da qual eu havia estudado a vida inteira. Aqui percebo uma contradição, já que anteriormente eu havia realizado um curso que eu não gostava muito, atribuía à ideia de que a qualidade era relacionada com o fato de ser privado. Eu via amigos da minha escola saindo da mesma para ir estudar em instituições privadas, além de conhecer gente que era matriculada na minha escola como forma de “castigo” dos pais. Essa contradição se coloca como reflexo de um confronto que existe,
3 Em 2010 o projeto era fruto de uma parceria do Servas – Serviço Voluntário de Assistência Social com o Governo de Minas.
manifestado através de uma hegemonia no campo do ensino (PINHEIRO, 2001). Hegemonia essa, apontada por Carlos Cury (1992) como a polêmica do público x privado, que é conhecida pelo viés da realidade dos alunos com sinônimos como superioridade, liderança, dominação, influência, entre outros. Eu fui uma aluna que desejei, por muitos anos, ter a minha formação escolar realizada em um ensino privado, por ter o imaginário de que seria uma experiência muito melhor do que a que eu vivia na escola pública, pois teria acesso a laboratórios, a melhores estruturas físicas etc. além de acreditar que nunca vivenciaria algum tipo de paralização escolar –ocorridas em diversos momentos da minha trajetória escolar. Existia também uma questão de status4, pois imaginava ser muito prazeroso dizer que eu era aluna de alguma instituição privada. Durante a minha adolescência recordo de dizer que não gostaria de estudar em uma universidade pública porque era de graça e mesmo assim com tantos preconceitos, hoje identificados como sem fundamento e pertencentes ao senso comum, depois de uma conversa expondo as minhas dúvidas em relação a estudar ou não em um lugar público e gratuito, expondo os meus pré-conceitos, juntamente com a minha mãe e meu irmão mais velho eu decidi que seguiria com o processo seletivo daquela instituição pública, o VDM. Fui convocada para a segunda etapa do processo seletivo que consistia em uma entrevista individual com os próprios professores e coordenadores do projeto. Nessa entrevista, no decorrer da conversa e das perguntas que eram feitas, já evidenciávamos qual era a nossa principal área de interesse, dentre as citadas. Já na terceira etapa, os 700 jovens selecionados da etapa anterior, participavam de aulas experimentais de todas as áreas, que ocorriam durante uma semana e ao final deveriam escolher duas principais áreas de interesse. Depois disso era marcado o dia teste das duas áreas. A minha primeira opção foi o teatro e por isso tive que fazer uma cena5 , com um texto previamente escolhido pelos professores. O texto variava de acordo com o gênero6 dos alunos:
Você me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza de nada. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes
4 Tenho irmãos por parte de pai e eles sempre estudaram em bons colégios e eu sempre soube, pedia ao meu pai para me colocar e ele sempre dizia que não podia. 5 Eu já tinha mesmo que pequeno algum tipo de experiência de criação de cenas. A minha experiência na minha primeira escola de teatro finalizou quando eu percebi que havia algo ali na estrutura didática e estética que não me agradava. 6 A noção de gênero nessa proposta diz respeito ao gênero biológico.
desde que isso aconteceu... Receio que não possa me explicar, e é justamente aí onde está o problema. Posso explicar uma porção de coisas, mas não posso explicar a mim mesma. Retirado do diário de bordo da autora.
Um fragmento retirado da obra de Alice no país das Maravilhas e uma indicação para escolher algum tipo de animal e usar traços do mesmo como estímulo para a criação cênica; era isso que tínhamos para criar. Criei a minha cena sozinha, o meu repertório para essa criação baseava-se apenas nas aulas coletivas do próprio projeto e do meu semestre na minha primeira experiência de um curso de teatro já citado anteriormente neste trabalho. No dia do teste era possível assistir as cenas dos outros possíveis futuros companheiros de área. A sensação de competição existia para mim, e talvez não só para mim, devido a todo o contexto que nos rodeava, pois estávamos todos ali sentados em uma sala, em um silêncio absoluto, com pessoas avaliando, disputando por uma vaga no teatro ou até mesmo no projeto. A sensação de assistir aos outros candidatos era uma mistura de nervosismo (porque o texto se repetia e isso me deixava insegura, com medo de esquecer quando chegasse a minha vez) com entusiasmo (existiam momentos onde era extremamente agradável e prazeroso estar como plateia). Tivemos um tempo bom para dedicarmos à criação da nossa cena, algo de mais ou menos uma semana, que aconteceu desde o fim das aulas experimentais até o dia de realização do teste. O olhar dos meus concorrentes sobre mim não me incomodava, mas a dos professores/avaliadores sim. Eu, de fato, buscava a aprovação e não só naquele momento específico da cena, mas também durante as aulas práticas iniciais que estávamos constantemente em condição de avaliação. Naquele ambiente, conscientemente eu buscava uma interpretação favorável. Eu era participativa, queria dar o melhor de mim, estava em um contexto dentro de uma cultura de aprovação/reprovação, tal como já observado por Viola Spolin:
Nosso mais simples movimento em relação ao ambiente é interrompido pela necessidade de comentário ou interpretação favorável por uma autoridade estabelecida. Tememos não ser aprovados, ou então aceitamos comentário e interpretação de fora inquestionavelmente. Numa cultura onde a aprovação/desaprovação tornou-se o regulador predominante dos esforços... (SPOLIN, 2010, p. 6).
A espera tida como angustiante foi cortada pela sinalização de que era a minha hora de ir: “Izabela Borges”, naquele momento eu não tinha certeza se achava positivo ou negativo a
ordem alfabética. “Respirei fundo, me levantei do chão lotado de alunos sentados e me dirigi à frente da sala que ficava longe da porta e tinha um palco pequeno para que não ficássemos na mesma altura daqueles que estavam no chão, os espectadores. Variávamos de papel a todo instante, ora aluno participante daquele processo seletivo (quando acabava alguma cena e lembrávamo-nos do motivo que estávamos ali), ora espectador (quando iniciava a cena de alguém). Havia um momento em que erámos atores, esse momento era único e acontecia só
uma vez.
Acredito que a seleção era algo necessário para viabilizar a execução do curso de acordo com as demandas, existia um número de vagas inferior à quantidade de interessados ao teatro como primeira opção. Sei que avaliação já se iniciava desde as aulas experimentais, ou seja, antes da própria apresentação da cena, porém desconheço o peso de cada uma no processo de avaliação. Conheci pessoas que foram aprovadas na segunda área de interesse e demonstraram um descontentamento, mas não suficiente para sair do projeto. Eu com a minha pouca experiência teatral anterior me senti um pouco mais preparada para o ato de se apresentar, talvez isso tenha me privilegiado em algum ponto, mas houve aqueles que foram aprovados sem alguma experiência anterior. Nesse quesito me senti com sorte porque durante esse processo inicial fiquei surpresa ao descobrir que havia muitas pessoas que estavam no processo seletivo do VDM pela segunda, terceira vez. Texto decorado, repassando na minha cabeça durante o meu pequeno trajeto até o palco. O meu animal escolhido era um coelho e essa escolha aconteceu durante as aulas experimentais do teatro onde havíamos começado a explorar uma experimentação de um corpo humano somado a um animal. Eu nunca tinha feito nada antes parecido, não na condição de aula de teatro, no máximo na infância, brincando de faz de conta. A brincadeira onde eu desempenhava um papel com ações, imaginação, tinha o meu corpo, o meu gesto e onde eu dialogava ora comigo ora com o outro era repleto de teatralidades. Marina Marcondes Machado no seu artigo Teatralidades e Pequena infância aponta códigos que evidenciam a proximidade entre o brincar e o fazer teatral:
A busca de um “espaço” imaginativo, cênico e de um “tempo” ficcional (Agora eu era... Era uma vez, muito tempo atrás, muito longe daqui... Quando eu era); • uso do corpo de modo integral e imaginativo; • corporificação de um “quem” (que não sou eu, mas que está em mim); • composição, a partir de combinados, de uma narrativa a ser vivida, vivenciada pelos que combinam; • necessidade plena da capacidade humana para a invenção; • saída da vida cotidiana tal qual ela se apresenta (uma espécie de suspensão do tempo e do espaço realista estrito senso) (MACHADO, 2011, p. 4.)
A escolha do meu animal atribuiu à minha personagem umas mãos levemente levantadas e um nariz que não parava de se mexer, era quase como um tique nervoso. Lembro também que eu tinha alguns deslocamentos no pequeno espaço à minha disposição. Ia de uma ponta a outra e era tudo intencional. Lembro-me de escutar o riso da plateia e acreditar, através do senso comum, que era um sinônimo de algo positivo, afinal a plateia estava rindo –me sentia aprovada pelos risos, era uma interpretação favorável. Não recordo se haviam palmas ou se foi estabelecido bater apenas ao final do dia. Finalizei o meu texto e permaneci ali, parada por alguns segundos até me retirar da área de apresentação. Ao voltar para o chão era possível notar das pessoas que eu já tinha algum contato desde as aulas experimentais um olhar tranquilizador e apoiador de que tudo estava bem. Hoje, depois de uma experiência na disciplina de Montagem Cênica do quarto período do curso de graduação em Teatro da EBA/UFMG, eu sei que utilizar da observação como ferramenta para recriar é um procedimento conhecido como mimese corpórea, tal como destacado pelo pesquisador Renato Ferracini:
A arte busca a mesma potência de criação que a natureza, em si, possui - e porque não dizer vice-versa? E é nesse sentido, e dentro desse conceito, que a mimese corpórea, como entendida no Lume, se coloca: não como mera tentativa de cópia, reprodução ou mesmo representação do que foi observado, mas como busca de recriação que tem, como ponto de partida, as observações de ações físicas e vocais encontradas no cotidiano. (FERRACINI, 2006, p. 208)
Essa não foi à primeira vez em que eu me apresentei, havia apresentado na conclusão do primeiro semestre do meu primeiro curso de teatro, por isso eu já sabia lidar um pouco melhor com a ansiedade pré-apresentação, porque eu já sabia como o meu corpo ficava diante dessas situações. Porém, era a primeira vez que eu fazia uma cena que fosse parte de um processo seletivo. Ou seja, a primeira escola de teatro me ajudou nesse aspecto, já que fazíamos apresentação final para público externo. Já referente à criação da cena foi a primeira vez em que criei a partir de indicações (como a presença obrigatória da figura de um animal), além da abertura do texto permitindo uma criação livre. A minha segunda opção era a dança, onde ocorreu uma aula coletiva que basicamente era composta por repetições de movimentos onde vários professores de especialidades diferentes (dança afro, jazz, hip hop) passavam sequências que deveríamos repetir e havia aí também uma banca avaliativa. Confesso que para mim não era muito confortável estar sendo avaliada na área da dança, já que era uma área que eu tinha também o interesse (não igual ao
teatro), mas eu me sentia menos pertencente a esse lugar, me sentia “desengonçada”. Porém como eu queria ir para a minha opção número 1, não me importei muito em errar. Depois de alguns dias saía o resultado e nem todos os alunos conseguiriam entrar na primeira área de interesse ou até mesmo no projeto. Dos 700 candidatos desta etapa, apenas 500 entrariam para o projeto e eu, felizmente, consegui entrar para a primeira área escolhida. O interesse pela dança ocorreu durante o primeiro semestre letivo onde tínhamos uma vez por semana aulas nas outras áreas do projeto. Descobri ali que eu gostaria de ter começado antes. Concomitantemente, eu estava no último ano do Ensino Médio e começaria agora uma dupla jornada. Pela manhã estaria na escola regular e pela tarde faria o VDM. Lembro que houve uma reunião pedagógica com pais e alunos com o intuito de apresentar e explicar sobre o projeto. Como eu já tinha 18 anos, não precisaria da companhia da minha mãe para efetuar a matrícula, mas mesmo assim ela compareceu na reunião para conhecer o projeto. Havia o interesse da minha mãe em saber mais sobre aquele projeto que eu estava ingressando, interessava a ela saber o que eles esperavam de mim. Mas o maior motivo foi poder me acompanhar na vida escolar, já que durante a minha formação básica nas reuniões escolares, devido ao trabalho, a minha mãe nunca pôde ir, era quase sempre a minha avó, uma tia ou a Delba (cuidava de mim enquanto a minha mãe trabalhava). Então como existia uma demanda de participação da família no projeto e por se tratar de uma reunião noturna, ela felizmente pode comparecer. Na reunião da matrícula o que mais me chamou atenção foi a insistente fala da coordenação em relação ao comprometimento com a escola regular durante a participação do projeto. O aluno que fizesse parte do VDM e que ainda estudasse não poderia tomar recuperação, muito menos repetir o ano na escola, o que devia ser comprovado através dos boletins. Eu acreditei totalmente nessa condição, o que me fez ser aprovada na escola já no terceiro bimestre, inclusive em matemática, disciplina que não me saía tão bem nos anos anteriores. Eu gostava tanto do que eu estava fazendo que ser convidada a sair não fazia parte dos meus objetivos dentro daquele projeto. Dessa forma poderia agora dizer que essa foi uma das contribuições da educação não formal na minha formação da educação formal (o Ensino Médio), já que para permanecer no projeto, necessitava tirar boas notas na escola regular. Minha permanência no projeto durou dois anos. Em 2010, participei do módulo I e em 2011, do módulo II. Já a minha permanência no PlugMinas se estendeu até o ano de 2014, onde participei do curso de Espanhol. A seguir apresento o que desenvolvi em cada ano do projeto.