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3.3 Eu ainda quero estar aqui

Após a leitura desse artigo pude concluir que o meu diário de bordo eram as minhas “pegadas registradas” e que a utilização do mesmo serviria de uma maneira muito presente no processo de criação desse trabalho, afinal, as histórias aqui revisitadas foram vivenciadas há oito anos e com o meu registro eu consigo confirmar que algumas coisas realmente aconteceram e não foi invenção do meu imaginário. Mais do que isso: suas “pegadas”, assim como as cicatrizes dos joelhos, queixo ou onde as tiver, contam histórias da Izabela de hoje. Ao correr e cair entendeu que ao correr tem que tomar mais cuidado. Sua mãe talvez já avisasse isso, mas você precisou cair algumas vezes para o corpo entender isso. Mas, ao mesmo tempo existia uma resistência ao começar a leitura, pois sentia um pouco de vergonha de revisitar a minha escrita, porém essa vergonha aponta alguma mudança, faz parte do meu processo de formação:

A narrativa de si e das experiências vividas ao longo da vida caracterizam-se como processo de formação e processo de conhecimento. Essa experiência formadora consiste na narração dos “processos de formação, de conhecimento e de aprendizagem do ponto de vista dos adultos aprendentes a partir de suas experiências formadoras” (JOSSO apud FIGUEIREDO, 2015, p. 117)

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3.3 Eu ainda quero estar aqui!

O Módulo II funciona no turno da noite. Neste módulo, jovens selecionados que já passaram pelo Módulo I participam de atividades de criação artística através de aulas nas cinco modalidades do núcleo e também em disciplinas como edição de som e vídeo, produção cultural, didática de ensino, entre outras. Esses jovens se preparam para multiplicar, em suas comunidades e escolas, o conhecimento que adquiriram no Projeto. MINAS. Plug. Centro Interescolar de Cultura, Arte, Linguagens e Tecnologias (CICALT) - Núcleo Valores de Minas. [online]

Quando eu ainda estava no módulo I, o módulo II era conhecido como a oportunidade de ficar mais um ano no projeto, ‘‘a chance de fazer outro espetáculo no fim de ano’’ e ‘‘o pessoal que faz muita apresentação externa’’ pois eram ‘‘obrigados’’ a participar de todas as convenções, aberturas, comemorações referentes à política do Estado de Minas Gerais. Digo “obrigados” porque a instituição era convidada ou quiçá, intimada, porém o aluno, na maioria das vezes, podia aceitar ou não (ainda no meu módulo I, os alunos foram ‘‘convidados’’ a participar da abertura da cidade administrativa e eu pude escolher entre ir ou não ir, e acabei não indo). Em geral os alunos pareciam gostar desses eventos pelo fato de estarem apresentando, cantando, atuando, fazendo um show.

Em 2011 houve uma mudança de direção do módulo II e um discurso de que haveria mais “multiplicação”, ou seja, os alunos se ocupariam de ofertar mais oficinas ao invés de fazer apresentações e o curso nos proporcionaria mais aulas de outras áreas que não havia nos anos anteriores, como de teatro de bonecos e discotecagem. E assim foi. Em 2011 começaria o Módulo II e eu estava como excedentes no processo seletivo onde dos 500 alunos participantes do projeto no ano anterior somente 70 seguiriam para o próximo módulo. A escolha dos alunos era feita através de uma análise do ano anterior baseada em frequência e participação, além de uma carta de intenção. A princípio eu não havia sido aprovada e desconhecia o motivo, senti uma insatisfação tão grande que me fez dizer para mim mesma que eu não queria saber mais de teatro, já que agora iniciaria uma nova etapa após a conclusão do Ensino Médio, focaria em fazer algum curso universitário. Ao mesmo tempo tinha sido aprovada em uma faculdade particular para estudar Farmácia. Decidi por esse curso pelo simples fato de gostar da disciplina química e depois de ir a uma feira estudantil vi que parecia ser um curso legal. Além disso, quando comentava com alguns familiares, principalmente meu pai, eles opinavam que era um bom curso a se cursar devido às possibilidades de trabalho. Já a minha mãe sempre dizia que eu deveria estudar algo que eu gostasse e se fosse um desejo meu entrar em uma faculdade. Naquele momento era inviável estudar em uma faculdade particular, devido ao valor da mensalidade e como não era exatamente o que eu queria e estava recém-saída da escola básica, decidi fazer cursinho pré-vestibular. No final do mês de março iniciariam as aulas do módulo II e eu que já estava matriculada no cursinho pré-vestibular sem saber o que escolheria prestar, quando fui convidada a participar. Voltei ao VDM e ali tive a certeza que tentaria o curso de graduação em Teatro. Comuniquei à minha família sobre a minha decisão e escutei que finalmente eu tinha aceitado o que era para mim, que o meu caminho sempre foi fazer teatro, que era algo que eu realmente deveria fazer e com isso segui no cursinho, onde na segunda etapa de estudos para o vestibular eu tinha um professor que me acompanhava e que me ajudou no processo seletivo da UFMG, auxiliando em toda a criação da minha cena, no entendimento do edital, me dirigindo, além da minha amiga Rikelle10, que foi o meu braço direito nesse processo seletivo.

10 Rikelle Ribeiro é Licenciada em Teatro pela Universidade Federal de Minas Gerais, Atriz formada pelo Teatro Técnico da UFMG e atualmente é aluna do Mestrado Profissional em Educação nessa mesma instituição. No contexto onde ela foi citada ela era minha companheira de curso no VDM e como já era aluna da UFMG me ajudou muito na criação da cena para o processo seletivo, atuando como minha diretora.

As aulas eram divididas em duas turmas com alunos de diversas áreas. No primeiro semestre letivo tínhamos novamente as áreas de atuação, igual ao ano anterior, algumas com novos professores outras com os mesmos. No segundo semestre, após as férias foi quando ocorreu a mudança citada anteriormente, ela iniciou-se desde a grade curricular, agregando assim quatro aulas obrigatórias (Papo cabeça, Produção Cultural, Projetos, Vídeos e novas mídias) e três optativas que deveríamos escolher duas (Teatro de Bonecos, Discotecagem e Remix, Percussão e Intervenção Urbana). Ao final do ano letivo tínhamos que criar um plano de aula e deveríamos, em grupos, oferecer uma oficina em alguma das escolas vizinhas do PlugMinas, no bairro Horto em Belo Horizonte. Com isso tive a minha primeira experiência de criar um planejamento de aula e ministrar uma oficina. A preocupação em criar e ministrar uma oficina só veio ao final do curso, juntamente com a aproximação das datas de realização da mesma. Porque antes disso ainda participaríamos do espetáculo daquele ano, mesmo que fosse com uma intensidade diferente do ano anterior. A diversidade de pessoas, no geral, durante o módulo dois, era algo muito positivo durante as aulas, pois existia ali uma multidisciplinaridade que era positiva para os nossos trabalhos diários de criação, principalmente para as cenas que deveríamos fazer para o espetáculo. Porém, na definição dos grupos para a atividade final externa, muitos eram de pessoas oriundas da mesma área do ano anterior, como era o caso do meu grupo. Erámos diversos grupos pequenos que tínhamos que realizar uma “ação multiplicadora”. Anteriormente nos foi apresentando uma estrutura de criação de planos de aula com os seguintes tópicos: ‘’Definição do Tema’, ‘‘Objetivo ‘‘, ‘‘Materiais’ ‘‘Estratégia’’ e ‘‘Avaliação’’. Retomarei a seguir um planejamento realizado como exercício de aula. Ele retorna na condição de um material retirado das minhas fontes de registro. Retomando assim a minha sensação de sentir vergonha ao revisita-lo hoje em dia, porém destacarei adiante, após a imagem, uma consideração referente ao que Ricardo Figueiredo (2014) aponta como protagonismo de sua própria experiência, “penso em uma formação de professores que, aliada à história de vida dos mesmos, possibilite-os a serem protagonistas de sua própria experiência artística na escola.” (2014, p.3).

Fonte: Criada pela autora com dados extraídos do email pessoal.

Essa oficina nunca chegou a existir na prática, era somente um exercício. Hoje, avalio esse plano mais próximo de um plano de curso do que de uma aula. Classifico como o típico plano utópico, pois seria impossível em poucas horas, propor o que naquela época eu chamava de metodologia. Nesse plano existe uma confusão de conceitos onde conteúdos, objetivos, habilidades e competências são definidos como metodologia, entre outras indefinições. Já no dia da ação multiplicadora em si, recordo de estar com mais dois amigos, ministrando uma oficina para crianças pequenas e nos olharmos pensando que já desde o princípio tudo estava fora do planejamento devido à expectativa e realidade daquela situação. Imaginávamos que conseguiríamos seguir nosso plano inteiro e, no momento de realiza-lo, foi totalmente diferente, finalizando como algo mais recreativo do que teatral. Mesmo assim, tive

grande prazer em estar na condição de proponente, junto de outros colegas, de atividades lúdicas para crianças. O retorno da creche aos Multiplicadores baseava-se no agradecimento dos funcionários através de uma experiência pouco vivida pelos alunos da instituição. Houve apresentação de música, dança, palhaços, além das nossas ações “multiplicadoras”. Proporcionando uma experiência talvez desconhecida ou pouco vivida por aquelas crianças. Ou seja, a possível ausência de atividades artísticas na instituição, que é uma instituição pública e gratuita, foi o motivo da nossa acolhida integral, porém se formos pensar essa mesma situação em uma instituição privada onde existe na maioria das vezes o calendário letivo que já incluem atividades artísticas dentro dos projetos pedagógicos da escola, além da própria existência de aulas de artes, música e dança dentro do currículo como seria a recepção de uma ação assim? O ano letivo do módulo II finalizou com uma parceria entre o VDM e a Secretaria Municipal de Educação (SMED) onde descobrimos a possibilidade de trabalhar como monitores no projeto “Escola Integrada” das escolas municipais.

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