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3. Relatos do início do processo
from Paulo Henrique de Oliveira - PRINCÍPIOS DO TEATRO PÓS-DRAMÁTICO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
by Biblio Belas
3. Relatos do início do processo
O processo que iniciamos com a turma do sétimo ano da Escola Municipal Aurélio Pires teve como base os alunos e suas histórias e escolhemos princípios do teatro pósdramático como o modo criador para reverberar na construção do trabalho cênico. Então, partimos da experimentação vinculada ao processo, com enfoque nas histórias dos alunos para, então, dar início às experimentações e discussões dentro da sala de aula.
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Nas primeiras aulas começamos uma discussão sobre identidade, algo que representasse os alunos em palavras ou em algum desenho, para que começássemos a traçar algumas características deles e achar algum fio condutor para o início dos trabalhos. Em seguida propusemos aos estudantes que reunissem objetos pessoais e significativos em uma caixa, juntamente com uma carta escrita para si mesmo para ler daqui a 10 anos, relatando o que estava acontecendo nesse momento em sua vida. Nesse exercício, os alunos tiveram que apresentar para o grupo sua caixa e sua carta a fim de todos se conhecerem melhor e para que os alunos pudessem, com a carta e objetos (fotos, livros e outras particularidades), se mostrar e revelar histórias que muitos não conheciam.
Assim como Célida Mendonça (2009, p. 59) questiona em sua tese, também tentamos identificar qual “corpo queremos formar, ou qual é o tipo de pessoa que queremos formar na escola pública?” ou até “Como trabalhar com a hospitalidade na escola ao invés da hostilidade? Como formular questões de ética, respeito e responsabilidade para com o outro, pensando o outro como diferente, mas não como diferença?” (idem, p.93). Buscar por essa identidade de cada aluno nos possibilitaria entender quais eram suas questões e qual caráter o trabalho iria tomar a partir daquele momento.
Entretanto, a busca pela identidade de cada aluno não foi um trabalho simples, porque além da vergonha da exposição, processo pelo qual já estávamos trabalhando ao longo de 2015, os alunos, nesse trabalho, também deveriam se entregar ao processo. Se mostrar, se colocar enquanto indivíduos que participam do coletivo foi o grande desafio, porque além de mostrar aos alunos que eles poderiam falar e expor suas ideias, também trabalhamos bastante o respeito, pois fazer piadinhas ou comentários que pudessem fragilizar a abertura dos colegas que ocorreria nas apresentações seria danoso ao
processo. Isso porque nossa identidade também é fruto do que construímos nas relações com o outro, de como nos colocamos e nos apresentamos, então, para que esse processo pudesse acontecer, seria necessário o respeito e a confiança do indivíduo com o coletivo.
O foco Identidade que norteava o planejamento das aulas e a escolha das propostas para este grupo, encontrava o seu primeiro impasse no próprio tema. A noção e o sentimento de identidade passam necessariamente pelo outro, pela intermediação de uma alteridade a ser construída coletivamente. Assim, somos também formados na relação com outras pessoas, desenvolvendo o fator socialização, que se caracteriza não somente pela diferenciação individual, mas pela própria contradição de interesses e de posições enfrentadas pelos alunos [...] (MENDONÇA, 2009, p.92).
Ao revelarmos, ao longo do processo, a identidade de cada um, além das atividades de autoconhecimento e reafirmação das individualidades presentes na sala de aula, também foi trabalhado com os estudantes a necessidade de se entender enquanto cidadão e ser político e que essas palavras não eram distantes deles. Enxergar-se como parte de uma sociedade seria importante para o trabalho que estávamos iniciando.
Então, assim que acabamos as apresentações, começamos uma discussão sobre o que os estudantes entendiam sobre política e também acerca do que acontecia no país naquele momento. Sem fazer nenhuma apologia partidária, trouxemos questões de cidadania, democracia e direitos civis para dentro da escola, refletindo sobre as nossas atitudes e respeito para com o próximo. Diante das discussões, a palavra corrupção foi dita por muitos alunos na sala e como naquele momento essa palavra estava presente diariamente nos noticiários e internet, a Mônica e eu entendemos que seria importante nos aprofundarmos nesse termo. Ao invés de trazê-lo como algo que o outro, distante de nós, pratica, tentamos elencar algumas situações em que a corrupção estaria presente nas relações dentro da escola, a partir de atitudes que eles consideravam impróprias para alguém que busca por um país honesto. Os alunos falaram o que consideravam ser as “formas de corrupção” dentro da escola: furar fila do lanche, colar na prova, fingir ser amigo de alguém para ter algum tipo de vantagem, roubar comida ou até celular, cometer bullying, brigar, entre outras tantas situações vivenciadas cotidianamente e apontadas por eles.
A partir dos relatos, Mônica e eu pedimos para que eles pudessem se reunir em grupos para criar cenas que tivessem alguma situação dentro da escola, na qual houvesse corrupção. Após um tempo de ensaio, os alunos apresentaram as cenas e, ao término de cada uma, discutíamos sobre a situação apresentada e dávamos um retorno aos alunos, para que estes pudessem colher algumas impressões dos espectadores a fim de aprofundar as relações e insights iniciais para uma elaboração teatral mais consistente, com o intuito de apresentar novamente em um próximo momento.
Todas as cenas foram gravadas em vídeo e em outra aula foram mostradas aos alunos. Tentamos chamar a atenção deles para alguns elementos frágeis que já haviam sido trabalhados no ano anterior, por exemplo, como sua voz, seu corpo e seus gestos estavam, além do que precisava melhorar nas cenas a fim da proposta ficar mais compreensível para o público. Os alunos se mostraram interessados ao se observar e relataram que puderam entender melhor o que tínhamos discutido na aula anterior, no retorno dos professores após a apresentação das cenas e que se ver pôde mostrar a eles os ajustes necessários que precisavam ser modificados nas cenas. Então, esse processo de se assistir foi um fator marcante a todos, devido a melhor compreensão que esse movimento gerava na turma. E como resposta ao que foi observado por eles, os estudantes refizeram as cenas acrescentando novos elementos. Vale destacar que como já havíamos trabalhado com esses alunos no ano anterior, no qual também utilizamos o vídeo e desse momento de se assistir após as improvisações, a relação que se estabeleceu nesse momento foi de respeito e não houve nenhum problema com brincadeiras ou comentários desnecessários que pudessem agredir algum aluno, pois esse tipo de atitude já vinha sendo trabalhada durante todo o processo das aulas de teatro. Abaixo segue transcrito o relato de um dos estudantes a respeito das cenas apresentadas:
Ana Carolina Rosa:
“Na minha opinião, eu acho que as cenas foram bem divertidas, e nos deram a oportunidade de desabafarmos sobre aquilo que não gostávamos de ver alguns acontecimentos na escola como: furar fila, preconceito na sala de aula, brigas sem nenhum sentido, etc.”
Foto 1: Primeiras improvisações dentro da sala
Em seguida, para finalizar esse primeiro momento do trabalho, Mônica e eu pedimos para os alunos, em um momento de reflexão individual, desenharem em uma folha A4, com giz de cera colorido, algum elemento marcante do que havíamos feito até então, poderia ser algum fragmento da cena ou qualquer outra parte do processo que eles achavam pertinente. Após o término dos desenhos, colocamos as imagens espalhadas pela sala e fizemos um momento de reflexão e observação silenciosa. Por fim, em uma grande folha branca, foi proposto aos alunos que colorissem, um de cada vez, algum elemento do seu próprio desenho e este deveria se relacionar ao que já estava desenhado na folha8. A esse desenho do coletivo, simbolicamente foi representado um caráter teatral, que a partir da contribuição de cada um formou-se uma unidade que pertencia a todos. Era esse tipo de rito que estávamos buscando para o processo do coletivo.
8 Por exemplo, cada um estava desenhando um fragmento na mesma folha, então eu observaria o que já havia sido desenhado por meus colegas e em seguida tentaria perceber o que tinha do meu desenho que pudesse compor essa grande imagem final, para a partir daí, colocar o meu fragmento desenhado na grande folha da turma.