A Praia Açoriana Numa tarde de primavera, um velho pintor e escritor italiano chamado Libri chegou a uma bela cidade açoriana através de um mar dançante e azul safira. Libri nasceu em Veneza há muitos anos atrás, filho de um rude e popular comerciante de máscaras venezianas, Punto, e de uma belíssima bailarina de ballet, Littera. Quando era jovem, Libri era um menino muito manso que gostava de se sentar à sombra das árvores e ouvir o chilrear dos passaritos sempre que conseguia.
Viajava há mais de trinta anos pelo mundo à procura daquela palavra que sonhava encontrar. Durante todo este tempo, Libri esteve na Lituânia, na Noruega, na Escócia, no México, no Chile, em Espanha, França, Alemanha e em muitos mais países dos quais até já se esqueceu com o passar dos anos e em nenhum deles encontrou a tal palavra.
Já há dois dias que o seu barquito de madeira tinha um buraco pelo qual entravam águas infinitas e o pobre velho Libri queria muito encontrar um pedaço de terra segura onde pudesse embarcar e arranjá-lo. Remou e remou até que encalhou numa bela e longa praia paradisíaca. Os seus olhos maravilhados quase lhe saíam da cara, surpresos. As montanhas verdes cuspiam cascatas que lhe pareciam diamantes líquidos a cair em cima de pequenas poças rodeadas de pedrinhas perfeitamente redondas. O som das ondas a bater nos grãos de areia avermelhada soava-lhe a paraíso. Libri deixou o seu barquito numa gruta enquanto tomava um banho bem frio debaixo de uma pequena cascata e fazia uma fogueira com alguns galhos que estavam no chão para se aquecer. Acabou por adormecer, mas, quando acordou, estava mais desperto do que nunca.
Experimentou quase todas as madeiras que encontrou, contudo nada fazia o seu velho barquito flutuar como dantes. «Porque não explorar o que está por detrás das montanhas?», pensou Libri. E lá partiu ele em busca de algo que o fizesse ficar. Andou durante quase dois dias recusando boleias de quem passava de carro nas estradas, porque, quando perguntavam para onde ele queria ir,
Libri dizia: «Até onde os meus pés, filhos de bailarina, me levarem». Por vezes ia por caminhos sem saída, mas ele sabia que os seus pés iam levá-lo a algum lugar maravilhoso. E assim foi. Chegou finalmente a um sítio povoado, cheio de pessoas, a maioria delas tinham a sua idade também. Andavam de um lado para o outro. Umas com sacos de pão na mão, outras apressadas. Era tudo tão diferente dos outros sítios onde já tinha estado, era uma mistura de campo com cidade. Libri sentou-se numa esplanada e pediu um pão com manteiga. Enquanto esperava, um outro senhor sentou-se ao pé dele. Que estranho! Libri não o conhecia de lado nenhum. Tentava relembrar-se da cara dele, talvez viesse a ser um dos comerciantes amigos do seu pai. Mas não era. Era um senhor com uns olhos verdes, alegres, cabelos muito, muito brancos, porém bem arranjados e a barba bem feita. -O que traz o senhô aqui?- Disse o tal homem. Libri ficou ainda mais confuso. Ele quase que jurava que nesta zona se falava português… -Desculpe, pode repetir? - Perguntou Libri. -Reparei logo que não era de cá, parece uma barata tônta a andar por estas rúas. – disse o tal homem – Perguntei o que o senhô fazia’qui. Finalmente Libri conseguiu perceber. Com muito esforço, mas percebeu. -É uma longa história… -Tems temp! – Respondeu o senhor com uma gargalhada muito animada. - Bem…O meu nome é Libri e sou um pintor e escritor italiano que estava a caminho do Brasil, quando o meu barquito de madeira furou, e como tinha medo que não aguentasse até ao Brasil, fiz uma pausa aqui, neste sítio maravilhoso. - E o que ia fazê ó Brasil núm barquito? -Estou à procura de uma palavra! -Ahhhhhhhh! Já deve ter encontrado múntas, nã?
-Sim… Em todas as vinte e sete línguas que aprendi encontrei muitas palavras, mas não aquela que procuro. A palavra que procuro é muito mais do que uma palavra… É um tesouro! -Um tesôur?! – Perguntou o senhor, surpreendido. -Sim, um tesouro, daqueles que se encontram poucas vezes na vida. O pão e a manteiga chegaram. Como Libri era um homem muito simpático, ofereceu um pouco à sua companhia. O pão era mesmo delicioso!
- Como se chama? - Perguntou Libri quando se apercebeu que não sabia o nome do homem com quem falava. -O meu nome é Miguel. O simpático senhor Miguel teve a brilhante ideia de ir mostrar a restante beleza da sua ilha ao forasteiro.
Foram de carro até uma vila chamada Vila Franca do Campo. Lá, esperaram algum tempo por um barquinho, até que navegaram, juntamente com mais alguns turistas, até um ilhéu. Libri era pintor e já tinha pintado paisagens lindíssimas. No entanto, as paisagens que tinha pintado não eram nada comparadas com o que estava a ver!
Depois da mini viagem ao ilhéu, eles almoçaram num restaurante típico daquela zona e, como sobremesa, saborearam umas queijadas de comer e chorar por mais! Libri estava mesmo muito feliz por o seu barquito ter um buraco. Se não tivesse sido esse pequeno incidente, nunca teria conhecido Miguel nem nunca poderia ter explorado a ilha. Quando pensava que já tinha visto de tudo, Libri e Miguel foram até um sítio que tinha umas poças com bolhas e um fumo mal cheiroso a sair delas. Nessas poças estavam a cozer massarocas. -Hummm, estas massarocas são mesmo boas! Como se chama esta ilha? – Perguntou Libri. -Sã Miguel e é a maiôr ilha dô Arquipélag’ dôs Açôrs. -Arquipélago? Isto quer dizer que há mais ilhas? -Sim. Aind’ há más ôuito! - Respondeu-lhe Miguel. -Nossa Senhora Medianeira de todas as Graças! Onde é que eu estive toda a minha vida?! Miguel riu-se. -Anda lá! Despacha-t’qu’ainda tems úm jardim enorme pra ver hoje. Libri ficou ainda mais espantado com aquele jardim! Tinha uma piscina enorme de água castanha. Parecia que estava suja, mas o Miguel disse-lhe que ela era mesmo assim.
Os dois amigos jรก estavam cansados e cheios de sono. O Miguel perguntou ao Libri:
-Quand’ é que chegaste cá? -Há cerca de dois dias. -E onde passaste as nôutes? -No meu barquito. - Respondeu Libri. -Tá muito frí. Esta nôute ficas em casa de úma tia minha que alúga quarts a estrangers. Nem penses que te dêxaria a dormí núma praia! -Está bem. – Respondeu Libri. Quando chegou ao quarto onde ia passar aquela noite, tomou um banho, comeu um pouco e deitou-se. Tentou adormecer, mas não conseguiu. A felicidade de Libri era muito mais forte do que o sono e o cansaço que sentia. Nunca tinha tido um dia tão divertido como aquele. Talvez devesse arranjar uma casa na ilha de São Miguel. Afinal, já estava na hora de parar de viver num barquito de madeira com as mínimas condições. Um homem de sessenta e sete anos já devia ter uma casa sua em terra, não é? Segundo Miguel, o que Libri viu nesse dia era apenas uma parte de muitos mais sítios que iria visitar. Estava decidido! Quando acabasse de visitar a lista de locais que Miguel tinha planeado, ele iria procurar uma casa para viver! O seu sonho já se tinha concretizado… Finalmente, Libri encontrou a palavra tesouro que procurava há mais de trinta anos: «Amigo», a sua palavra tesouro era «amigo» e já tinha encontrado um, Miguel.
Libri nunca mais voltou a ver o seu velho barquito. A partir desse dia
escreveu mais livros do que em toda a sua vida e pintou os quadros mais belos de sempre.
FIM