Os Meninos Especiais

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Os Meninos Especiais


H

รก muitos, muitos e muitos anos atrรกs, uma menina de rostinho redondo e branco chamada Gisela encontrou um menino de rostinho

redondo e negro chamado Gabriel.


Gisela era uma menina que nasceu com um segredo, um segredo que ninguém, ninguém sabia, nem mesmo os seus pais. Gabriel era um menino que nasceu com um dom, um dom que mais ninguém tinha em todo o planeta e que era adivinhar qual o maior segredo de qualquer pessoa e ninguém o sabia. Certo dia, quando Gabriel ia a caminho da escola, viu Gisela e automaticamente descobriu o maior segredo da menina. Gabriel achou-o muito interessante e aproximouse dela. - Olá! Bom dia! – disse Gabriel. - Olá! – respondeu Gisela. - O meu nome é Gabriel. E o teu? – perguntou. - Eu chamo-me Gisela! Vais para a escola, Gabriel? - Sim, vou! – respondeu entusiasticamente Gabriel. - Então, podemos ir juntos! – disse Gisela, sorrindo. – Já te vi na escola algumas vezes. Tenho aulas no mesmo corredor que tu. - A sério? Nunca te tinha visto antes. – disse Gabriel. - Tenho aulas no fundo do corredor, talvez seja por isso que nunca me tenhas visto.


Continuaram a falar enquanto iam para a escola. Gabriel descobriu que Gisela gostava muito de desenhar e que a sua disciplina favorita era a de EVT. Gisela descobriu que Gabriel gostava de brincar aos detetives e que as disciplinas que mais gostava eram MatemĂĄtica e CiĂŞncias da Natureza.


Gabriel e Gisela moravam no mesmo bairro, só que a casa da Gisela ficava três ruas ao lado da do Gabriel. Gisela ia sempre para a escola de carro, mas, umas semanas antes, o seu pai teve um acidente e, então, ela teve de passar a ir para a escola a pé. Passados alguns dias, os dois meninos haviam-se tornado muito amigos e iam todos os dias juntos para a escola e juntos regressavam a casa. No início da primavera, enquanto iam a caminho de casa, o Gabriel disse a Gisela que tinha um segredo e que nunca o tinha contado a ninguém, nem mesmo aos seus pais. Gisela sorriu e disse-lhe que também tinha um segredo e que gostava de o partilhar com as pessoas à sua volta, principalmente com os pais e com os amigos, mas que tinha medo das suas reações. Deram alguns passos em silêncio e olharam um para o outro. Gisela agarrou a mão de Gabriel e levou-o até a um jardim que se encontrava ali perto. Ela puxou-o para perto de uma árvore e pegou numa pedra que estava perto dos seus pés e disse:


- Eu quero partilhar o meu segredo contigo. E tu? Queres partilhar o teu comigo? Prometo nunca o contar a ninguém! - Sim! Eu também quero partilhar o meu contigo, mas … eu acho que vais ficar zangada quando souberes o meu segredo… - Zangada?! Porquê? - Bem… não consigo explicar sem contar o meu segredo… - Fizeste algum mal? Roubaste? Bateste em alguém? - Não, nada disso. - Então eu não me zangarei contigo! – disse ela, com um terno sorriso. – Tu é que provavelmente vais-me achar estranha depois de saberes o meu. - Não vou nada! De certeza! A menina voltou a sorrir. Ela aproximou-se do tronco da árvore e disse: - Eu prometo guardar sempre o teu segredo, assim como o meu! – disse, fazendo um risco na árvore. – Agora é a tua vez!


- Eu prometo guardar sempre o teu segredo, assim como o meu! – disse o menino, também riscando no tronco. - Quem conta primeiro o seu segredo? – perguntou Gisela. - Podes ser tu! – disse Gabriel. - Bem… Todos os objetos que eu desenho aparecem. Eu desenho o objeto, escrevo uma frase onde aponto o nome do objeto e o local onde quero que ele apareça e ele aparece. Aparece mesmo aqui na vida real, assim que eu coloco o ponto final. – disse Gisela, envergonhada e nervosa. - Eu gostava de ver! – diz Gabriel, sorrindo. – Consegues fazer com que apareçam bolachas? Ela tirou do seu caderno uma folha e do seu estojo um lápis. Fez o desenho de duas bolachas e escreveu: “Quero que apareçam na mão do Gabriel estas duas bolachas.”. Gabriel estendeu as duas mãos, unindo-as, e as duas bolachas apareceram.


O menino arregalou os olhos e riu. - Fantástico! O teu segredo é sem dúvida o melhor segredo que já vi em toda a minha vida!



- A sério? E qual é o teu? – perguntou Gisela. - O meu segredo… é que, é que eu consigo ver os maiores segredos das pessoas. Eu soube qual era o teu segredo desde a primeira vez que te vi. Achei-o tão interessante que quis conhecer-te. A verdade é que o teu segredo é fantástico! Muito mais engraçado que o meu. - Então… Mesmo sabendo o meu segredo, quiseste ser meu amigo?! - Sim, claro! Gisela sorriu, satisfeita. - Mas, assim não tem piada. Já sabias o meu segredo! - Pois… estás zangada comigo? - Não, não estou. – disse, sorrindo. – Na verdade estou feliz. Eu sempre quis partilhar o meu segredo, só que tinha medo de o partilhar com as outras pessoas. Mas, se mesmo depois de o saberes, quiseste ser meu amigo, isso significa que o posso partilhar com os outros! – exclamou Gisela, feliz. - Pois, eu compreendo. Ninguém da minha família sabe. Mas, uma vez, enquanto tentava falar com a minha mãe sobre o assunto, dizendo-lhe que tinha lido num livro e que era engraçado que estas coisas acontecessem na vida


real… ela disse-me que elas não deviam de acontecer, porque há pessoas más que iriam abusar do poder dessas pessoas. Por isso, desde esse dia, prometi que não o contaria a ninguém, a não ser a alguém que tivesse um segredo tão especial como o meu. Quando iam para casa, os dois meninos encontram, sentado e sozinho, num dos bancos do jardim, um senhor idoso. O senhor tinha cabelos grisalhos, usava um chapéu gasto e castanho, um casaco longo da mesma cor e umas calcas azuis escuras. Na mão trazia um livro.


Gisela olhou para o livro e leu na capa: “ Os Lusíadas”. O senhor estava pálido e tinha uma cara triste. Ele estava sozinho. Gabriel olhou para ele e conseguiu descobrir o seu segredo. O senhor não tinha dinheiro para comer e não tinha coragem de contar aos seus filhos. Gabriel aproximou-se de Gisela, colocou a sua mão perto da orelha dela e em voz baixa contou-lhe o segredo do senhor. Gisela abriu a mochila e tirou outra folha do seu caderno. Nessa folha, Gisela desenhou três sandes com fiambre e queijo e três caixinhas de sumo com palhinha e escreveu: “Quero que estas três sandes e estes três sumos apareçam dentro da minha mochila.”. Os seis objetos apareceram dentro da mochila e os dois meninos aproximaram-se do senhor.


- Boa tarde! – disse Gisela, com uma voz doce. - Olá! – respondeu o senhor. – O que é que os meninos desejam? – perguntou, com um olhar simpático. O senhor tinha uma voz rouca e forte. - Nós queremos partilhar o nosso lanche consigo! – disse Gabriel. -

Comigo?

Porquê?

perguntou

o

senhor,

surpreendido. - Porque o senhor é um senhor simpático! – disse Gisela. - Como podem saber isso? – perguntou o senhor, rindo.


- Porque nós somos uns meninos especiais! – disse Gabriel. O senhor olha para eles e sorri. - Estou a ver que sim! Mas, só posso aceitar este presente se me fizerem companhia! - Está bem! – disseram os dois meninos ao mesmo tempo. - Somos três e, olha que sorte, temos aqui três sandes e três sumos! – disse Gisela e deu um sumo e uma sandes a cada um. - Que livro é este? – perguntou. - Ah! Este livro é o livro do Povo Português, o melhor livro que existe sobre Portugal. – diz o senhor, com um olhar satisfeito. - A minha mãe tem um igual! – disse Gabriel. - Vocês ainda são pequenos para o entenderem, mas, quando forem maiores, deverão lê-lo! Irão compreender melhor e darão valor ao que em tempos conquistámos. Gisela agarra o livro e começa a folheá-lo. Encontra um papel e abre-o. Tinha dentro do papel um número de telemóvel. - De quem é este número? – perguntou Gisela.


- Temos aqui uma menina muito curiosa! – diz o senhor, sorrindo. – Esse é o número de telemóvel do meu filho mais velho. Ele agora tem a sua vida, não tem tempo para se preocupar com um velhinho como eu. - Não diga isso! – disse a Gisela. – Os filhos preocupam-se sempre com os seus pais! A minha mãe está sempre preocupada com a minha avó, telefona-lhe todos os dias. O senhor sorriu. - Os vossos pais já devem de estar preocupados. Está a ficar tarde. É melhor irem. - Sim, tem razão. – concordou Gabriel. - Muito obrigada, meninos! Gostei muito da vossa companhia. Como se chamam? - Eu sou a Gisela! - E eu o Gabriel! - Como se chama? – perguntou Gisela. - Eu chamo-me Carlos! - Adeus, senhor Carlos. Até à próxima! – disseram os dois meninos ao mesmo tempo. - Adeus Gabriel e Gisela. Até à próxima!


Pelo caminho, Gisela disse a Gabriel que tinha memorizado o número de telemóvel do filho do senhor Carlos. Quando chegaram a casa de Gabriel, os dois meninos dirigiram-se ao telefone de casa e marcaram o número. Do outro lado atendeu um senhor com uma voz jovem. - O senhor é filho do senhor Carlos? – perguntou Gabriel. - Sim, sou. Quem fala? - Encontrámos o seu pai no jardim e ele não estava muito bem. - O que é que se passa com o meu pai? - Pelo que percebemos, ele já não come há dias. O senhor tem de ir procurá-lo, pois o seu pai tem medo de o incomodar. - Eu vou já procurá-lo! Mas quem é que fala? - Somos apenas dois meninos especiais que encontraram o seu pai. Gabriel desligou o telefone.



O filho do senhor foi procurá-lo e encontrou-o no jardim. Os dois abraçaram-se e o jovem disse que ia levar o pai para sua casa. O senhor Carlos ficou surpreso por ver o seu filho. Este disse-lhe que lhe tinham telefonado e que apenas lhe tinham dito que eram “dois meninos especiais”. O senhor olhou para o seu livro, beijou-o e do seu rosto caíram lágrimas.


- Obrigado, Fado, por me teres trazido aqueles dois anjos até mim! – disse o senhor, em voz alta. O filho não compreendeu aquela atitude, mas, ao ver o seu pai tão feliz, sorriu.

FIM


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