Unidos por um sonho
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Capítulo 1
Um sonho estranho
«Está tudo estranhamente calmo. Demasiado silêncio para meu gosto!» Decido continuar o meu caminho, quando, de repente, surge o vulto de alguém à minha frente, caminhando normalmente e que parece não ter reparado em mim. Sigo esse vulto e vou parar a uma clareira. Escondo-me atrás duma árvore, para não revelar a minha presença, pois estou cada vez com mais curiosidade. Vejo que olha em volta, para ver se estava ali mais alguém e, como não viu ninguém, tirou a enorme capa que lhe cobria o corpo. É uma rapariga! Está vestida de um tecido branco sedoso, suave e delicado, que começa a esvoaçar, enquanto dança e canta de uma forma que jamais vira. Saio devagar do meu esconderijo, um pouco contrariado e aproximo-me dela. Quando chego mais perto, fico envolvido por um círculo de água. - Salva-me João! Tira-me deste feitiço! Eu não quero fazer-te mal! - diz a rapariga. - Como sabes o meu nome? - pergunto eu. - Isso não importa! Salva-me antes que seja tarde demais! - Mas como é que te tiro desse feitiço? - Oh, não! A bruxa! Chegaste tarde, João! Já não podes fazer nada por mim! - Não te vás embora, ainda não é… João acordou. Outra vez aquele sonho! Eram as mesmas raparigas, a mesma clareira, a mesma canção. Há já dois meses que o sonho era sempre o mesmo. Que significaria? Será que alguma vez descobriria o significado? - João, acorda! São horas de levantar! – Chama-o a mãe, enquanto abria a porta e a cortina para entrar a luz clara da manhã. - Já estou acordado, mãe. Agora fecha a porta para me poder vestir. - Como? - Por favor, mãe. Deixa-me despachar. - Ok. Assim está melhor. João era um rapaz de doze anos. Tinha cabelo cor de avelã e um tom de pele claro. Os olhos eram castanhos e tinha um grande sorriso. Mal acabou de se vestir foi tomar o pequeno-almoço e despediu-se da mãe para sair para a escola. 3
Mas nem na escola o João se livrava do sonho, que vinha a ter nos últimos tempos. Se via uma rapariga loira, lembrava-se da rapariga do sonho. Lembrava-se do seu cântico triste a suplicar que ele a salvasse de um feitiço. Mas hoje estava especialmente atormentado. Eis senão quando o Miguel, vendo o seu melhor amigo tão triste, foi ter com ele, e tentou perceber: - João, tens andado estranho, que se passa? - Não se passa nada. Deixa-me estar. - João, diz-me: o que é que tu tens? - Nada. - João! Vá lá, conta-me. Somos amigos. - Já te disse que não tenho nada! Que chato, Miguel! - Ai sou chato? Pensava que éramos amigos! - E somos! - Não, enganas-te. Éramos, agora já não somos. - Não vais acabar a nossa amizade por uma coisinha de nada como esta, pois não? -Tanto vou, que já o fiz! Miguel levantou-se e deixou o João sozinho. «Como é que isto aconteceu?» pensava ele. José passava pela zona e reparou no João. À medida que se aproximava, fixou-lhe a cara e também a estranhou - O que é que te aconteceu? Estás bem? - perguntou o José, enquanto se aproximava. João nem se deu ao trabalho de responder. Mas as palavras “ O que é que achas?” estavam estampadas no rosto dele. - Responde, João. - É o Miguel. - O que é que o Miguel te fez? - Aquele parvo acabou uma amizade por eu não lhe contar porque é que estou mais estranho. - Mas o que é que aconteceu antes disso? - Também estás a ser chato, José! Já pareces o Miguel! - Só estou a fazer uma pergunta, não é preciso responderes-me assim! Já vi que não me vais facilitar a vida, por isso fala quando quiseres. - Ok, eu digo-te. Mas tens que prometer que não contas a ninguém, ok? - Ok. - Eu ando a ter uns sonhos muito esquisitos. São sempre repetidos e acho que significam alguma coisa, mas não sei o que é.
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José escutava o primo com atenção. Estremeceu ao perceber que ele mesmo já tivera sonhos semelhantes e que também o deixaram inquieto. Quando o João terminou, José disse: - João, não és só tu que tens esses sonhos. - Como assim? Tu também sonhas com isso? - Sim, também. João estava espantadíssimo. - E sonhas com essa rapariga loira? - Não, não é a mesma rapariga. A que aparece nos meus sonhos tem cabelo castanho e é alta, ao contrário da tua, que tem cabelo loiro e é mediana em altura. De resto, todo sonho é igual. Que estranho! Continuaram a conversar descontraídos e sentiram-se felizes por poderem confiar um no outro, partilhando os seus maiores segredos, sem medo que alguém os criticasse. José era um rapaz alto, da mesma idade que o João, de cabelo e olhos castanhos. Os dois eram parecidos, mas com características muito próprias. Dois bons amigos, respeitados na escola e na turma, dos quais toda a gente gostava. Podiam ter continuado a conversar, não fosse o toque para entrar na sala de aula. - Porcaria de toque! - disse o João - Já me tinha esquecido que estava na escola! - Também eu! E dirigiram-se à sala de aula.
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Capítulo 2
Sonho ou realidade? Estás a gostar? Assim espero, mas atenção ao que te digo: isto não é uma história ficcionada, para te entreter, se é isso que pensas. Isto aconteceu mesmo. As personagens existem mesmo e por isso não podes falar desta “história” a ninguém. Percebeste? Espero poder confiar em ti. Vou-te contar o resto, não é preciso ficares de mau humor e atirar o livro, está bem?
«O que se passa? Onde estou?» - penso eu. Ao longe, vejo o meu primo numa caminhada. - José! Ouve-me! José! O José ouve-me finalmente e olha para mim. Vou ter com ele mas, quando chego mais perto, ele já lá não está! «Podia jurar que ele estava aqui! Que estranho», penso eu. Ao continuar a caminhada, reparo novamente que o José está lá ao fundo, atrás duma árvore. Começo a correr em direção a ele, mas parece que ele se distancia cada vez mais, a cada passo que dou. Paro para descansar e começo a ouvir uma melodia lindíssima, como um coro de anjos a uma só voz. Volto-me e vejo duas raparigas, uma alta e morena, outra mais baixinha e com o cabelo cor do ouro. Ao pé delas, está o meu primo, a sorrir para a morena, que canta com ele. - José, que estás a fazer?! Mas ele não me responde. Aproximo-me mais um pouco e, ansioso por perceber o que se passa, a linda rapariga loira dirige-se a mim e fala-me com uma voz angelical: - João, salva-me! – Suplica, num cântico choroso - Salva-me! A rapariga de cabelo castanho, olha o meu primo e diz-lhe: - Salva-me, José! Livra-me deste feitiço! - Mas como? – Perguntamos os dois em uníssono. - Guardem-nos estas caixas e não vejam o que têm dentro até chegarem a casa – dizem-lhes as duas, ao mesmo tempo. Enquanto saímos dali, ainda enfeitiçados, olhamos para trás e vemos as duas amigas a desaparecer por entre o nevoeiro que entretanto se formara. Ainda conseguia ouvi-las a chorar, à medida que se esfumavam. - José! Consegues ouvir-me? José, não… 6
João voltou a acordar. Olhou para o relógio e viu que ainda só eram duas da manhã. - João, estás bem?- perguntaram os seus pais aflitos, entrando a correr no quarto do filho. - Que se passa, mãe? - Ouvimos-te a gritar e parecia que estavas a falar com alguém. Não está mais ninguém neste quarto, pois não? - Não, mãe. Mas João já nem sequer sabia se podia dizer que não estava ninguém naquele quarto. - Tens a certeza? Eu ouvi passos, João. Por essa, João não esperava. - Passos? - Sim, passos. - Pai, traz-me uma garrafa de água, por favor. - Sim, amor, traz-lhe uma garrafa de água.- pediu a mãe ao pai. Enquanto o pai se levantava, a mãe continuou: - Querido, que se passa? Dói-te alguma coisa? - Foi só um sonho, mãe. Não te preocupes. - Mas que sonho? Estás a transpirar. -Nada de especial. Foram interrompidos pelo pai: -Está aqui a garrafa de água que pediste, filho. -Obrigado, pai. – agradeceu o João. -Se precisares de alguma coisa, diz. -Ok, mãe. Os pais do João saíram do quarto do filho e ele olhou através janela do quarto, que estava com o estore semiaberto. «Amanhã vai estar uma bela noite de lua cheia!», pensou ele. Adormeceu a olhar para a lua mas o seu pensamento estava mais concentrado a pensar no que seria a caixa, que lhe tinha sido entregue pela misteriosa rapariga do sonho. Na manhã seguinte, o João levantou-se cedo e enviou uma mensagem escrita através do telemóvel, ao José: “Espera à entrada da tua casa. Vou aí ter daqui a pouco.” Depois, João despachou-se e foi para a cozinha tomar o pequeno-almoço, rapidamente. «Que estranho! Os meus pais já deviam ter acordado!» pensou. Depois de comer o pequeno-almoço à pressa, escreveu um bilhete aos pais:
Pai, mãe, desculpem não me ter despedido de vocês hoje, mas ainda estavam a dormir. O vosso filho, João
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Mais descontraído, saiu de casa e foi ter com o primo. - Já tenho barbas de tanto de esperar! Olha! – queixou-se o José, divertido, acariciando uma barba inexistente. João começou a rir. - Ri-te, ri-te, mas para a próxima quem fica com barba és tu! E começaram a caminhar em direção à escola. Eles costumavam ir a pé para a escola embora algumas vezes fossem de carro. De repente, João lembrou-se: - Ei, Zé, hoje tive um sonho muito estranho. Foi outra vez aquele sonho, só que desta vez tu também aparecias e a outra rapariga também. Eu chamava por ti, mas tu não me ouvias, de tal maneira estavas enfeitiçado. - Não me digas. Isto está a ficar cada vez mais esquisito. Tive um sonho igual, mas em vez de ser eu que não te ouvia, eras tu que não me ouvias e em vez de ser só a minha rapariga a aparecer, era também a tua que aparecia. João pôs as mãos nos bolsos, pois a manhã estava fresca e sentiu algo lá dentro, um objeto duro e frio. Quando tirou o misterioso objeto do bolso, não queria acreditar no que via. - Estás a ver o mesmo que eu?- perguntou. - Sim, a caixa do sonho!...
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Capítulo 3
Uma estranha revelação Pasmados, não paravam de se questionar: Teria sido mesmo realidade? Para confirmar, o José foi também ao bolso das suas calças e encontrou também uma caixinha. Estavam incrédulos, não conseguindo acreditar no que se estava a passar. - Abrimo-la? - Não, agora não. Logo à noite. Temos que chegar a tempo à escola. - Ok, pode ser. Chegaram à escola mesmo a tempo de ouvir o toque de entrada. Foram ter com os seus colegas e entraram na sala de aula. Bem, só uma parte deles é que entrou. O corpo estava lá dentro, isso sim, mas as suas mentes estavam lá fora. - …e então podemos concluir que… João! És capaz de nos explicar o que é que eu estava a dizer nem há dois segundos? - Pediu o professor. - Aaaaaah…bem…isto é… - Não sei o que se passa, João! Tu não eras assim! Tens sorte em teres boas notas, mas olha que é por pouco tempo, se continuares assim. - Ameaçou o professor. - Desculpe, professor, não volta a acontecer. – Desculpou-se João. «Pelo menos não nesta aula» pensou ele. - Espero bem que não. Ora onde é que eu ia…- disse, virando-se para a turma.- Ah! Já sei! Então eu estava a dizer que podemos concluir que… E continuou a lição. Mas João já não estava a ouvir novamente. Estava preocupado com o seu sonho, como é que a caixa tinha ido ali parar e o que conteria. Trrrrrriiiiiiiiiimmmmmm. -Toca a sair, meninos! Lembrem-se, na segunda há teste! Estudem! O João e o José saíram da sala de aula a correr e foram conversar: - O professor é mesmo chato! O Miguel e o Luís estavam a conversar muito alto e o professor não disse nada! Que injustiça! - Acalma-te, João, já passou. Viste aquilo? - Aquilo o quê? Onde? - Na janela. Estavam duas raparigas muito parecidas às misteriosas que aparecem nos nossos sonhos, a espreitar. Nem acredito. - Não vi nada. Tens a certeza que eram elas? - Eu disse que eram parecidas, não que eram elas. Mas, agora que falas nisso, também é uma hipótese. Tudo parece tão estranho. 9
- Vê as probabilidades. Achas que é possível? Se até as caixas apareceram nos nossos bolsos. Tudo é possível, pelo que vejo. - Não, sinceramente, não. Mas e se forem? E se forem mesmo elas? - Não sei, João, não sei... mas se há coisa que sei, é que não é agora que temos de tratar disso. Não é o momento certo. João concordou. Tinha acabado de tocar para a entrada na sala de aula. Eles pensavam que o dia ia passar rápido, mas estavam muito enganados! Entretanto, em casa do João, os seus pais estavam a passar pela cozinha quando repararam num papel. Depois de o ler, a mãe disse: - Ahhhhhhh...este João! Podia-nos ter acordado! Sorte é que hoje tirámos folga para poder descansar, senão chegávamos atrasados ao trabalho! - Mas não achas estranho os despertadores não terem tocado? - Se calhar não o programaste bem. - Não me parece. Deve ter havido um corte de luz, durante a noite. - Não, querido, se fosse um corte de luz, os relógios estariam baralhados, mas repara que estão uma hora atrasados. Muito estranho. - Mas então que pode ter acontecido? - Deve ter sido um problema qualquer nos circuitos. Não sei, deixa estar, o miúdo acordou a tempo e está na escola. Valha-nos isso, que o rapaz é inteligente e desenrascado. Ainda bem que eles não sabiam o que se tinha passado. Era um fenómeno demasiado elaborado para eles. De volta à escola... - Finalmente as aulas terminaram! - suspirou o João - Não me apetecia ter que aturar o professor durante mais tempo! - Nem a mim. – concordou o José. - Então como fazemos esta noite? - O plano é este... João sorriu. Adorava saídas clandestinas. Iam a caminho de casa quando o Miguel passou por eles e os cumprimentou: -Bom dia!. -Bom dia.- respondeu José. -Traidor…- sussurrou o João, entre dentes. Miguel ignorou o comentário e continuou o seu caminho. Para quê chatear-se com alguém inferior a ele? Quando chegaram à porta de casa, o José entrou em casa e o João continuou a subir as escadas em direção à sua. Mal podiam esperar pela noite!
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Mal terminaram de jantar, escovaram os dentes e foram cada um para o seu quarto, como combinado. Ficariam à espera que os pais subissem também para os seus quartos e adormecessem, e depois sairiam discretamente de casa. Mas não demorou muito, pois os seus pais foram cedo para cima e adormeceram muito rápido. Enviaram mensagem um ao outro, a informar que estavam a postos e levantaram-se silenciosamente da cama. Depois de verificarem que os pais estavam mesmo a dormir, desceram as escadas e encontram-se no jardim da frente. - Trouxeste a caixa? - Sim, está aqui. Abre a tua, que eu abro a minha. Quando abriram a caixa saiu de lá um papel, com uma estranha inscrição:
A vigiar-vos estaremos, E vamos vos ajudar: Todos nós só nos veremos Se fizerem o anel brilhar
- Ena… que estranho. Que anel? - perguntou João, surpreendido. - Estes. - disse o José, tirando dois anéis, um de cada caixa. Ficaram por momentos a olhar para os anéis. Com um olhar mais atento, era fácil perceber que se tratava de anéis únicos, que nenhum ourives conseguiria alguma vez fazer. Pareciam feitos de ouro e prata, finíssimos, entrançados e com pequenos diamantes incrustados como flores numa árvore. Por cima, tinham um diamante brilhantemente polido e com uma forma oval. -Temos que os iluminar. E se o fizermos à luz da lua? - sugeriu o José. Pegaram nos anéis com muito cuidado como sendo algo extremamente precioso e frágil, que eram. Através da árvore mais frondosa do jardim, surgiram dois finíssimos raios de luz que penetravam pelas folhas que pareciam ter sido feitos à medida daquele instante. Sentaram-se na relva e posicionaram os anéis de maneira a que os raios de luz os alcançassem. Mas nada aconteceu. -Achas que estamos a fazer isto bem? - perguntou o José. -Bem, não custa tentar. Começaram a rodar os anéis. Durante alguns segundos não aconteceu nada. Depois de breves momentos que pareceram uma eternidade, começaram a surgir luzes por todos os lados. As luzes separaram-se em seis partes e cinco delas concentraram-se no chão, 11
formando um pentágono luminoso perfeito, à volta deles. Exatamente no meio desse pentágono estava a parte de luz que se tinha separado inicialmente e começou a crescer. De seguida, dividiu-se em duas massas de luz, que começaram a ganhar a forma de duas raparigas. - Incrível!...- deixou José escapar. Estava boquiaberto e maravilhado. Ele não acreditava em magia e aquilo era algo que nunca imaginara ser possível. Quando as raparigas ganharam forma, disseram com uma voz cristalina, mas muito apagada: - João e José, nós precisamos da vossa ajuda. Vocês são os únicos que nos podem salvar. E não se preocupem com o facto de alguém vos poder estar a ver agora. Nós fizemos parar o tempo fora deste pentágono. Ninguém irá dar por nada. Agora temos que ir. - Esperem! Ainda há mais?! Mas elas já tinham desaparecido. E com elas, todas as luzes que iluminavam aquela noite escura, no jardim. - As vozes delas eram tão angelicais! - disse o José - Eu ainda não acredito que isto nos está a acontecer! - Nem eu, estou espantado. Que surreal. Belisca-me a ver se estou acordado. Guardaram os anéis com muito cuidado e levantaram-se. - Que frio! Vamos para casa e não contemos nada disto a ninguém, ok? - Ok. Despediram-se e foram cada um para sua casa. Ao entrar, tentaram fazer pouco barulho, pois a última coisa que queriam era que os seus pais acordassem, pois não saberiam explicar as razões de estarem levantados a uma hora daquelas.
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Capítulo 4
Um inimigo curioso Quando o João e o José acordaram, o primeiro pensamento foi o sonho que ambos tiveram, que parecia ter sido demasiado real. Mas, ao verem as caixas que estavam em cima das mesinhas de cabeceira deles, aperceberam-se de que não tinha sido um sonho, por mais que parecesse. Quando o João acabou de tomar o pequeno-almoço, despediu-se dos pais e foi ter com o José, que estava à sua espera, como habitualmente. - Só para ter a certeza…aquilo de ontem à noite não foi um sonho, pois não? Viveste o mesmo que eu, verdade? - Ainda estou arrepiado, sabes? E se fosse um sonho, eu não estaria todo dorido de estar sentado na relva. Enquanto conversavam e caminhavam em direção à escola, o Miguel surgiu de repente por trás deles. Como reparou que eles não o tinham visto, começou a esconder-se e a espiá-los, tentando ouvir o que diziam. Aproximando-se mais, sem eles se aperceberem, conseguiu escutar toda a conversa: - Então esta noite voltamos a fazer o mesmo? - Sim, esta noite a lua ainda continua cheia, por isso deve ser possível. Combinado? - Sim, combinado, mas só vamos nós os dois. -Não, enganas-te, João, vamos nós os três.- Sussurrou o Miguel, saindo dali a correr, deixando os primos que não se aperceberam que o seu segredo tinha sido escutado por ele. «Esta noite vou aparecer em casa deles e vou-lhes preparar uma surpresa. Eh eh eh» pensou ele. Mas a surpresa seria sua, pois ele não sabia no que se ia meter. Já na escola, o João e o José conversavam tranquilamente, quando o Miguel passou por eles e lhes sorriu. Sim, o Miguel que nunca lhes sorria, começava agora com gracinhas. -O Miguel está muito estranho, deve estar a tramar alguma... - disse o João. - Não está nada, está apenas a tentar ser simpático! Não vejas sempre tudo pelo lado mau! - Acredita em mim, aquele sorriso é de quem está a tramar alguma! - Não digas asneiras, sorri também. Mas o João tinha razão, como se veria mais tarde.
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Deu o toque para entrar e foram todos para as aulas. A meio da aula ouviu-se um estrondo do lado de fora da janela. - O que é que se está a passar? - Perguntou o professor. Os alunos ficaram em silêncio. Que haveriam de responder? Tinha surgido uma repentina e ofuscante luz do lado de fora e, de repente, tudo e todos ficaram parados, imóveis. Exceto eles. João e José escutaram então as vozes das misteriosas raparigas dos seus sonhos a chamar por eles e, de imediato, saíram da sala de aula, enfeitiçados com toda aquela situação. Pelos corredores, espantaram-se por verem as funcionárias imóveis, sem se mexer nem respirar. Havia uns miúdos que estavam a correr pelo corredor que ficaram suspensos no ar. Deviam estar a saltar no momento em que o tempo parou. Depois, passaram por um rapaz que ia atirar um balão de água a outro. O João decidiu mudar a posição deles e fazer com que o balão do rapaz caísse em cima do agressor em vez de cair na vítima. Que situações caricatas ficaram suspensas no tempo e no espaço. Ansiosos por chegarem perto das duas raparigas, apressaram o passo, ignorando a maioria do que lhes surgia à frente. Saíram finalmente dali e viram as raparigas a chamar por eles. Pareciam assustadas, a querer fugir dali, mas estavam presas por uma força desconhecida. João e José correram para ir ter com elas e libertá-las, mas elas disseram: - Não vale a pena tentarem salvarem-nos agora. É tarde demais. Peguem este papel:
Se nos querem libertar Alguns passos vão ter que seguir: Vão com os anéis para junto do carvalho Mas fujam se alguém vos vir.
João e José ficaram ofuscados pela luz, enquanto estas despareciam. Não conseguiam falar, tal o choque que toda esta situação lhes provocava. Voltaram para a sala de aula e, no momento em que se sentaram, o tempo voltou ao normal e a aula correu normalmente. Eles é que se olhavam, com o coração sobressaltado, sem saberem o que pensar. - Que se passou aqui? - Perguntou o professor. - O quê? - perguntaram os alunos - Devem-lhes ter apagado a memória.- sussurrou o José ao João. - Mas devem ter-se esquecido do professor. - Será que só eu é que vi? 15
-De que está a falar, professor? - Acho que preciso de descansar. Vou tomar um chá, por isso comecem a arrumar já os livros. Vão sair meia hora mais cedo. -Boa! - Disseram os alunos, em coro. -Mas não façam barulho! - disse o professor.- Não queremos chamar a atenção das outras salas. Mas mal acabou de dizer isto, um aluno saiu a correr deitando uma cadeira ao chão e fazendo um estrondo enorme. Há sempre um traquina. Depois deste enorme intervalo, seguiram-se todas as outras aulas, o que fez parecer o dia interminável. José e João, ainda incrédulos, nem conseguiam falar sobre o sucedido. Finalmente deu o toque de saída. - Abençoado seja este santíssimo toque!!! - exclamou o João, levantando-se da cadeira. Saíram da escola e foram para casa. Fizeram os montes de trabalhos de casa que tinham para esse dia (também chamados de Tortura Para Crianças) e viram alguma televisão. O José tinha uma irmã mais velha, a Teresa. - Tenho andado a reparar que estás diferente. Há alguma coisa que me queiras dizer? Ela gostava de saber tudo sobre ele. José sabia que podia confiar nela, mas para coisas como esta, não sabia o que fazer. Bem, no fundo ele sabia que podia contar com a sua discrição, ela não ia dizer a ninguém, mas não queria arriscar. - Não. Não tenho nada. Tudo perfeitamente normal. - Ok, como queiras. Se precisares de falar, estou aqui, mano. Ela sentou-se ao lado dele a ver televisão enquanto o pai e a mãe estavam a cozinhar. - Meninos, ponham a mesa por favor. - pediu a mãe. - Já vamos, mãe. Depois de porem a mesa, iam-se sentar novamente no sofá, quando ouvem a mãe a chamar: - A comida está na mesa. Levantem-se e vamos jantar. Falaram dos seus dias e partilharam situações engraçadas, dos seus empregos e da escola. Foi um jantar muito feliz. Mal acabaram de comer, arrumar tudo e escovar os dentes, o José subiu para o seu quarto. Faria como da última vez: esperaria que os seus pais adormecessem e depois sairia pela porta principal e iria ter com o João ao jardim. Não demorou muito para que os seus pais subissem e adormecessem. Fácil. Levantou-se com muito cuidado para não acordar os pais, nem a irmã e dirigiu-se para a porta principal. A noite estava muito clara e a luz da lua iluminava todos os telhados. As árvores pareciam feitas de prata e as pequenas gotas da chuva que caíra no final desse dia, pareciam pequenos diamantes a brilhar. 16
- Finalmente chegaste! - disse o João.- Estava a ver que nunca mais aparecias. Não vês que estou ansioso para resolver este mistério? - Eu disse que da próxima vez ias ser tu quem ia ficar com barba. - Ah!Ah!Ah!... Que piada! Trouxeste a caixa e o bilhete? Pega no teu anel e vamos para junto daquele carvalho. O carvalho era uma árvore frondosa que tinham no jardim, com um largo tronco, e através do qual os raios do luar, ao passar, criavam fantásticos efeitos de luz. - Estou com a impressão que está alguém aqui. Tens a certeza de que estamos sozinhos? -Sim, tenho. Já cheguei há algum tempo e não está aqui ninguém, podes ter a certeza. Mas não estavam sozinhos. Entretanto, o Miguel, sorrateiro, tinha conseguido escapar-se de casa e ido bisbilhotar o que o José e o João iriam fazer naquela noite. Estava escondido atrás do carvalho para o qual os primos se iam dirigir. Como o tronco do carvalho era muito grosso, eles não viram o intruso. O João e o José tiraram as pequenas caixas de dentro dos bolsos das calças e abriram-nas, tirando os dois anéis de prata, ouro e diamantes. Depois, alinharam os anéis com os raios de luar e, eis que surgiram luzes que quase os ofuscaram. As luzes cresceram e juntaram-se, formando um portal redondo, com uma estranha energia. O Miguel, escondido, observava, espantado, tudo aquilo, e nem queria acreditar no que os seus olhos viam. Subitamente, os primos levantaram-se e aproximaram-se do portal. Olharam para todos os lados para confirmar que não estava ali mais alguém e, como não viram ninguém, passaram o portal, sem qualquer medo. Miguel nem pensou duas vezes. Mal os viu a desaparecer pelo portal, levantou-se de um salto e atirou-se para o portal, desaparecendo também.
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Capítulo 5
Um abrigo no bosque Do outro lado do portal, era de dia. Chegaram a um bosque muito colorido, perfumado e cheio de luz. Segundos depois, o Miguel chegou também e caiu em cima de um arbusto. «Bem, é melhor que acertar no chão e partir a cabeça!» pensou, levantando-se com cuidado. «Ainda bem que eles não me ouviram!». Seguiu-os com muito cuidado para não pisar os pequenos paus e ramos que encontrava pelo caminho, não fossem os primos dar por ele. Depois de muito caminhar, o João reparou em algo: - José, olha para aquela árvore! É tão estranha! De facto, era uma árvore estranhíssima. O tronco era muito estreito perto do solo e depois ia alargando até chegar às folhas. Parecia um triângulo invertido. E o mais estranho de tudo, era que as folhas eram azuis! João aproximou-se para ver melhor a árvore e reparou num outro papel, pregado no tronco:
Se querem saber onde estamos, Sigam em direção a sul. Procurem um bilhete como este Numa árvore de tronco azul.
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-Existem árvores de tronco azul? – Perguntou, espantado, o João. - Ó totó, tu não vês que existe de tudo aqui? Nós acabámos de passar por um portal e estamos noutra dimensão! Eu já acredito em tudo. - Desculpa! Esqueci-me, mas isto já é demais! Já nem sei quando estou a sonhar ou quando estou acordado -desculpou-se o João. - E agora onde é que vamos encontrar uma árvore de tronco azul? - Temos que seguir em direção a sul. - E como sabemos para onde é sul? - Basta seguir a bússola. - E onde é que há… Antes que pudesse terminar a pergunta, ouve o primo dizer: - Aqui, João. - disse o José, tirando uma bússola do bolso. – Ando sempre com uma, incrível. Nunca pensei que que fosse necessária para um caso destes. O João achou que o primo era espetacular, a bússola vinha mesmo a calhar. Começaram a andar, e o Miguel seguiu-os, ainda espantado por tudo aquilo estar a acontecer, nem acreditava que estava MESMO a seguir o João e o José; estava MESMO à procura de uma árvore de tronco azul; e estava MESMO noutra dimensão. Demasiado estranho, o mais estranho que já tinha vivido. Depois de caminharem durante algum tempo, que, naquela dimensão parecia uma eternidade, viram ao longe algo azul, que se destacava do resto da paisagem. Seria aquela, a árvore que procuravam? Continuaram sempre naquela direção sem se aperceberem da presença do Miguel. Mas quando se aproximavam do ponto azul, que ainda estava longe, um estranho pássaro tirou-lhes a bússola. - Raio de bicho! Traz-nos cá isso, seu bicho reles! Mas o pássaro ignorou-os e desapareceu pelo ar, nem ligando às reclamações dos dois. - $%&*+#& ,%&@*%&!!!!!!!!!! (desculpem mas isto teve de ser censurado, tal como os dois minutos seguintes de fala do João)
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- João! Isso diz-se?! Não é a dizer essas coisas que vais conseguir alguma coisa. Tem mas é juízo! - aconselhou o José. - Juízo tem que ter aquele pássaro parvo! - Acalma-te, vamos lá resolver isto. Vê se te comportas! - Pronto, eu acalmo-me. Mas, agora, como vamos seguir para sul, sem a bússola? - Vamos ver o que é aquela coisa azul. Não falta muito. Se não a perdermos de vista, acho que conseguimos lá chegar sem a bússola. Oxalá seja a tal árvore. É que já estou a ficar cansado. E caminharam até esse local. Ao chegarem mais perto, ficaram satisfeitos ao ver que era a árvore que procuravam. Mas não havia lá nenhum papel. Estranharam. -Tens a certeza que é esta a árvore certa? - Só pode ser. Tem o tronco azul, como dizia no bilhete. E não vejo outra, tu vês? Olharam em seu redor e, de facto, não havia mais árvore nenhuma como aquela. Olharam para o céu. Estava a escurecer muito rapidamente e decidiram abrigar-se e passar ali a noite. Construíram um abrigo suficientemente grande para os dois, com folhas de árvore, galhos e algodão de uma planta que encontraram ali perto, numa plantação muito caricata, que parecia um campo de nuvens. Entretanto, o Miguel, não tendo sítio para dormir e com o frio que se começava a sentir, sem que o José e o João reparassem, retirou algum algodão da cama deles e subiu a uma outra árvore, ali ao lado. Nessa árvore, construiu um abrigo também muito confortável e seguro, com paus e folhas. Pensou em acender uma fogueira para se aquecer, mas achou melhor desistir da ideia, por várias razões: podia incendiar a árvore; a fogueira chamaria a 20
atenção dos colegas e, como apanhava calor da fogueira que os primos fizeram, não era o mais importante. Mas o que iria comer? Tinha apenas duas opções: ou descia silenciosamente pela parte de trás da árvore à procura de algo para comer, como frutos e raízes, ou simplesmente tentaria surripiar alguma da carne de coelho que os primos, muito desenrascados, já estavam a cozinhar na fogueira. Há algumas horas atrás, tinham-se prevenido, ao apanhar um coelho que os rondava, ao pé da árvore. Mataram-no já a pensar no jantar e isso agora é que os iria safar da fome certa. Assim que o João e o José acabaram de cozinhar o coelho, o José foi buscar água a uma fonte que sentiam a correr ali perto e disse ao João para fica a vigiar a comida. Mas, para distrair o João, o Miguel pegou numa pedra e atirou-a para uns arbustos. O João virou-se e perguntou: - Quem está aí? Silêncio. - José, és tu? Silêncio. João decidiu ir ver o que estaria ali, dando uma ótima oportunidade ao Miguel de ir buscar alguma coisa para comer. Enquanto o João se afastava, o Miguel aproximou-se silenciosamente e retirou estrategicamente alguma comida para eles não repararem que faltavam pedacinhos de coelho. Enrolou-a numa folha de planta e subiu à árvore, onde tinha construído o abrigo. Quando o João voltou, depois de ver que não havia mais ninguém à volta, sentou-se e começou a rodar mais um bocado os pedaços de carne no fogo, só para ter a certeza que estava bem cozinhada. Poucos instantes depois, o José chegou carregado com bilhas de água. - Olha só o que eu encontrei! – disse o José, referindo-se às bilhas de água. - Senta-te um bocado e come. Podes pousar as bilhas ali. -disse o João, apontando para um dos lados da tenda improvisada. - Hummm! Que bom está este coelho! Cozinhaste a carne mesmo bem, João, mas, sabes, eu tenho um pouco de pena do coelho. - Ora essa, é o que há! Se não gostas de carne, torna-te vegetariano! Por acaso tens pena dos hambúrgueres? - Não. - Então porque é que tens pena dos coelhos? Deixa-me adivinhar: porque são as criaturas mais fofinhas que este mundo já viu! José decidiu ficar calado, pois o que iria sair da boca dele não se poderia escrever aqui. Seria logo censurado. Por isso ainda bem que não disse nada.
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O Miguel também estava a desfrutar da comida. Por acaso, sabia mesmo bem. Era pena a sede que já tinha, mas disso ele já tratava. Já estava de olho nas bilhas de água dos colegas. Quando o João e o José adormeceram, de cansaço, o Miguel esgueirou-se para o chão e começou a beber água. Depois de matar a sede, subiu de novo para o seu abrigo na árvore. Pouco tempo depois adormeceu também.
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Capítulo 6
Poderes desconhecidos Acordaram com o sol a bater-lhes na cara, através de um buraquinho nas folhas da tenda. O José foi o primeiro a acordar. Que manhã tão linda aquela, naquela dimensão! Os primeiros raios de sol surgiam através do horizonte e iluminavam a paisagem. Depois, foi o João que acordou. Foi ter com o primo. Eles os dois sentaram-se a observar o nascer do sol e começaram a conversar: - Qual achas que é a probabilidade de os nossos pais terem dado pela nossa falta? – perguntou o João. - Eu diria que é cerca de 99,9%. - Devem estar mesmo preocupados. Desta vez não pararam o tempo. Que vamos fazer? Miguel acordou por causa do barulho que vinha lá de baixo. A sua primeira reação foi protestar num berro, mas antes de fazer qualquer ruído, lembrou-se de que não podia fazer barulho, não fossem eles dar conta que ele estava ali. Comeu um bocado de coelho que tinha guardado do dia anterior. Entretanto o João reparou num papel meio enterrado entre a folhagem caída no chão:
Agora olhem para o sol Separem os raios de luz solar; Vejam qual é o maior E sigam na direção que ele indicar
-Temos que fazer isto rápido, pois o sol vai-se elevar no céu e depois já não daria para os separar. – disse o João. - Enquanto falas, podias estar a ajudar, não? - Então vamos ver. Ei! Olha aquele! É o maior de todos e vai naquela direção! - Vamos segui-lo. – disse o José. Eles começaram a andar e o Miguel seguia atrás deles, tentando ser discreto. Chegaram a um ponto que tinham que parar para descansar. Beberam um pouco de água de um poço que ali estava e continuaram o seu caminho. Ao longe, viram uma grande construção, que, à medida que se aproximavam, dava para ver que era um castelo. Um castelo muito antigo 23
e assustador. Estava envolvido numa espécie de névoa e estava localizado no meio de uma floresta totalmente morta. Não havia mais vida ali do que aranhas, ratos e moscas. Mas mesmo assim os rapazes seguiram o caminho. Estavam a percorrer um caminho de terra batida pelo meio da floresta, quando reparam numa coruja. Era muito estranho ela estar ali porque aquilo era uma floresta morta, não era suposto haver vida, quanto mais uma coruja em plena luz do dia! Ela começou a voar em direção ao castelo e os rapazes ouviram passos atrás de si. Mas antes de terem tempo de olhar para trás, levaram com alguma coisa dura na cabeça. Mas ao contrário do que vocês devem estar a pensar, não foi o Miguel pois ele também caiu inconsciente. Acordaram numa cela muito pequena e suja. - Miguel! Que estás a fazer aqui?! – perguntou o João. - Eu posso explicar… - Como assim: podes explicar?! - Deixa-me adivinhar: seguiste-nos durante o caminho todo até aqui, não foi? – adivinhou o José. - Bem… - Pois, eu sabia. Mas… porquê? - É que eu… - Calem-se! - ordenou uma voz que vinha detrás das grades. – Já estou farto de vos ouvir! Um anão entrou na cela com três tabuleiros de comida. - Comam tudo! – disse ele – Senão… - Senão o quê? Ias-nos partir uma unha? Ou talvez irias arrancar-nos um cabelo? – provocou o Miguel. - Miguel, para! Não te metas com ele! – sussurrou o José ao Miguel. - Eu não me preciso de preocupar com ele. Aposto que nem sequer tem força para me dobrar um dedo. Não é, pequenote? - Depois não digas que não te avisei… - disse o José. - Meteste-te com a criatura errada! Vou-te ensinar a ter respeito pelos mais pequenos! – refilou o anão. - O quê? Vais… O anão não lhe deu tempo para acabar a frase. Correu, deu um salto mortal para a frente e aterrou mesmo à frente do Miguel. Depois, deu-lhe um murro no peito e dois entre os olhos. Quando este caiu ao chão, o anão levantou-o e atirou- o ao ar, segurando-o mesmo a um milímetro do chão. Provavelmente tinha-lhe partido alguns ossos. Depois saiu da cela, com um sorriso nos lábios. O Miguel gemia muito e os primos debruçaram-se sobre ele. Puseram as mãos em cima dele e disseram em coro: - Cura-te. Fica bem, Miguel. Não queremos que morras… 24
Momentos depois, viram uma espécie de brilho a sair das suas mãos para o corpo do Miguel e ouviram-se estalidos. O brilho percorreu todo o seu corpo e, depois disso, o Miguel levantou-se: - Como é que fizeram isso? - Não sabemos, foi a primeira vez que fizemos isto. Estavam realmente fascinados por terem sido capazes de fazer um milagre daqueles. Mas, teriam mais poderes? Resolveram experimentar. O José foi o primeiro a fazer o teste: concentrou-se na invisibilidade e a pouco e pouco, os colegas deixaram de o ver. - Onde estás, Zé? – perguntou o João. - Eu estou no mesmo lugar em que estava à pouco. Não me vês? - Não, não te vejo. - Então consegui! Tornei-me invisível! Experimenta! João concentrou-se muito para ser invisível e acabou por conseguir. Olhou na direção do José e conseguia vê-lo. - José, eu consigo ver-te! - Só nós os dois é que nos conseguimos ver um ao outro quando estamos invisíveis. Queres ver se também temos telepatia? -Sim. Tenta. José começou a pensar nas suas palavras e na cara de João. Passados alguns segundos, ele estava a ouvir o que o primo lhe dizia. «João, estas a ouvir-me?» «Sim, estou, e tu?». «Também.» Começaram a rir. Depois seguiram-se mais testes: uma bola de fogo por ali, e uma bola de água para a apagar; um deles estava no teto, e o outro estava no chão a pescar; um deles fez um arco-íris e o outro uma trovoada; depois fizeram um guarda-chuva, mas não lhes serviu de nada. Podia continuar a dizer tudo o que eles fizeram, mas posso simplesmente dizer que a cela ficou um caos. O Miguel tentou fazer alguma coisa mas não conseguiu. Nem sequer conseguia falar, tal era o seu espanto, perante os poderes dos colegas e toda aquela situação estranha. - Ei! Porque é que eu não consigo fazer isso? – tentou perguntar o Miguel, desiludido e com a voz arrastada. -Porque tu não fazes parte disto tudo, tu seguiste-nos, és um intruso, e não devias estar aqui. - Ohhhh… - Calem-se agora, por favor! – pediu o João. – Estou a ouvir passos. Fiquem invisíveis, agora! José, cobre o Miguel para ele se tornar invisível. 25
Ele assim fez. Quando o anão chegou à sala e espreitou, e não viu ninguém, começou a gritar: -Eles escaparam! Como é que eles escaparam? O que é que eu vou dizer à minha ama? Abriu a cela e correu-a de uma ponta à outra, sem conseguir ver os prisioneiros. Saindo a correr para ir contar a notícia à sua ama, deixou a porta aberta. «É mesmo burro, este anão!» pensou o João.
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Capítulo 7
De volta a casa Saíram da cela e seguiram pelos corredores, ainda invisíveis. Chegaram a uma sala muito grande, onde viram uma mulher horrível a gritar com o pobre anão: - Como assim, eles escaparam?! - De-de-desculpe minha a-a-ama. – gaguejou o anão, cheio de medo. - Já te perdoei muitas vezes, anão. Mas juro-te que a partir de agora já não cometerás mais erros. Aquela mulher esticou a mão para o anão e este transformou-se em cinzas. Depois, chamou outro anão e disse-lhe: - Leva estas cinzas para o monte, se não queres transformar-te nelas, anão miserável!... - Sim, minha ama. E lá foi ele, a chorar, com as cinzas do irmão, num saco. O João e o José decidiram ir ter com ela. O José esticou a mão para o Miguel e este ficou invisível, mas também não se podia mexer. - É para tua segurança. – disse o José. O José e o João foram ter com ela, ainda invisíveis. - Onde é que elas estão? – disseram. - Quem está aí? – perguntou ela, alarmada. - Isso não interessa. Onde é que elas estão? - Como é que sabem que elas estão aqui? - Acabaste de nos dizer. - Ahhhh! Nunca saberás onde elas estão. - Ok, se não vais a bem, vais a mal. Prepara-te, bruxa malvada! Eles aproximaram-se e esticaram as mãos para ela. Uma bola de fogo cobriu-a e ela disse: -Para as conseguires encontrar, terás primeiro que passar por mim! -Isso não é difícil. Ora toma!!! Tornando-se visíveis, apertaram a bola de fogo e ela morreu queimada, logo de imediato, engolida pelo fogo. No meio das suas cinzas, repararam em algo duro, a estalar. Era o coração da bruxa! - Até me espanto de ela ter coração! Tanta maldade a deste ser.
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Resolveram partir o coração, para que nada sobrasse da bruxa e, ao fazê-lo, uma luz muito brilhante surgiu por cima deles e dela surgiram as duas raparigas, agora a sorrir. - Obrigada por nos salvarem. Devemos-vos a vida. De imediato, foram ter com eles e beijaram-nos carinhosamente. Nesse momento, o castelo renovou-se, ganhou cor e vida. As árvores cresceram à volta do castelo e as borboletas esvoaçaram, contentes, pelos lindíssimos jardins. Abraçados às suas lindas princesas, eles tiraram as caixas dos bolsos das respetivas calças e puseram-lhes o anel no dedo de cada uma. Os anéis começaram a brilhar e prenderam-se aos dedos delas. Ficaram a olhar-se durante muito tempo, até que o João disse: -Temos que ir, não podemos ficar aqui. -Porquê? -Temos a nossa família, no mundo real. Este mundo não é o nosso. Não nos queremos separar de vocês, mas vai ter que ser. - Não vai nada, elas podem ir viver connosco. Os nossos pais deixariam à vontade que elas ficassem connosco. Mas como é que regressamos? - Nós sabemos uma maneira de voltarem a casa, disse uma das raparigas. Mal terminou de falar, abriu-se um portal luminoso e apontou: - Este portal vai dar a vossa casa. Podem ir lá e avisar os vossos pais. Nós vamos mantê -lo aberto para vocês. Eles saltaram para o portal e aterraram em casa. Os pais de ambos estavam juntos, desesperados por não saberem dos seus filhos. - João! José! Onde é que vocês se tinham metido? Estávamos tão preocupados! - Agora não há tempo para explicações. Explicamos depois. Mãe, pai, deixariam que trouxéssemos duas amigas para viver cá connosco? – perguntou o José. - Aqui, nesta casa, não há espaço, teríamos que comprar uma casa nova. - Não te preocupes com o dinheiro, isso não é problema. Teremos todo o dinheiro do mundo, que precisares. Então, deixas? Uma delas ficaria em nossa casa e a outra em casa do João. Vá lá! -Claro que sim. E quem são elas? Antes de obterem resposta dos filhos, estes voltam a desaparecer através do portal. Ao aterrarem do outro lado, com um grande sorriso, disseram às novas amigas: - Podem vir connosco. Se quiserem trocar o conforto deste palácio, pelas nossas casas do mundo real, venham connosco. As raparigas e o Miguel, que entretanto tinha sido libertado, passaram o portal e apareceram do outro lado. Os primos apresentaram-nas à família, que as acharam muito bonitas e educadas. 28
Todos juntos, dirigiram-se a um enorme terreno e as raparigas pediram a todos que se concentrassem numa casa de sonho. Ergueram as mãos e, num instante, começou a aparecer uma casa enorme, uma mansão enorme. Com piscina interior e exterior, muitos quartos e muito conforto. Do nada apareceu a casa perfeita, para todos poderem viver juntos, em harmonia. Uma enorme onda de felicidade invadiu-os a todos, nunca se tinham sentido assim. Quando o pai do João estava a preparar-se para ir buscar as coisas a casa, as raparigas disseram: - Deixe estar, nós tratamos disso. E fizeram aparecer todas as coisas que estavam na antiga casa bem embaladas em pacotes, devidamente classificados. Fizeram o mesmo com a casa de José. O Miguel regressou a sua casa. Mas antes de ir, o José chamou-o: - Estás perdoado e podes ser nosso amigo. Vem visitar-nos sempre que quiseres, mas não contes nada disto a ninguém. - Obrigado, amigo. Dito isto foi embora, um pouco assustado e envergonhado, por se ter envolvido numa história que não lhe pertencia. Mas ia feliz por ter sido perdoado e por ter o José e o João como amigos. O José estalou os dedos e apareceu um Lamborghini preto, lindíssimo. Saltaram, ele e o João, para dentro do carro e desapareceram a alta velocidade, regressando minutos depois, com enormes sorrisos estampados no rosto. - Filho! – alertou o pai do José – Mesmo com milagres e magias, tu continuas a só ter 12 anos. Não tens idade para conduzir. Dá cá as chaves do carro, que eu cuido bem dele até seres maior de idade. Contrariado, o José deu as chaves ao pai, mas sabia que ele tinha razão, por isso nem se atreveu a resmungar muito. Naquela noite tudo foi perfeito. Os rapazes estavam felizes e as raparigas tinham uma nova amiga, a Teresa, irmã do José. Durante o jantar, os rapazes contaram todos os pormenores da sua aventura e partilharam as coincidências dos seus sonhos. Como tinha sido possível, tudo aquilo? Soltaram umas boas gargalhadas ao lembrarem-se de momentos que antes não tinham tido piada nenhuma, mas que, agora, ao recordar se revelavam engraçados. Quando se foram deitar, nessa noite, sabiam que a partir daquele momento, as coisas nunca mais voltariam a ser como dantes.
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Sinopse Unidos por um sonho é um livro sobre dois rapazes que têm sonhos em comum e que mais tarde acabam por descobrir que não é apenas um sonho, mas sim a maneira de pedir ajuda de duas raparigas que foram aprisionadas por uma feiticeira. Serão eles capazes de as salvar? Ou irão desistir perante as dificuldades?
Trabalho realizado por alunos da turma do 6ºA- Escola Básica de Passos José
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