BY THE BOOK
Fado SINTÉCTICO PAULO LARCHER
ESCREVER 5 O Todo por Dizer 6 Encontro Crítico 8 Nasce a Frase 9 Eloquência Inútil 10 A Rudeza do Real 11 Eu Creio na Poesia 12 Exaltação do Poeta 13 Excurso Musical 14 O Atávico Cimento 15 Epitáfio 16 O Signo Libertado 17
PENSAR 19 Ecce Homo 21 Antrophos & C.ª 22 Ipseidade 23 Invocação 24 Epokhé 25 Tergiversando 26 Consagração a Orfeu 27 Cogito, ergo…? 28 Ser e não-Ser 29 Do Meu Ponto de Vista 30 O Solstício 31 A Aurora 32 A Vida 33
AMAR 35 Fado Sintéctico a priori 37 Morfeu 38 Desejo e Salvação 39 Eros 40 Na Pele que Sossega 41 Lenda Moura 42 Espaço Para o Nosso Olhar 43 Jamais Desistirei 44 O Verão da tua Pele 45 Era Noite 46 Já Acordaste, Meu Amor? 47
EXISTIR 49 Contingências 50 A Última Aurora 51 Crematório 52 Homo Moriens 53 A Problemática Aventura do Ser 54 Reflexão em Manikarnita Ghatt 55 Apenas Isto 56 A Minha Casa 57 O Acaso 58 A Tirania do Medo 59 A Praga 60 O Degelo 61 Apenas Nós 62 Cantemos e Dancemos 64
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ESCREVER À medida que avanço no labirinto da escrita O meu arado lavra e revolve O abismo seminal onde a palavra se entretece.
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O Todo por Dizer Alta, serena, inexpugnável Ergue-se em meu redor A muralha da língua de meus pais.
| ESCREVER
Com palavras tontas que eu invento, De coração expectante, Escavo um túnel sob a soberba muralha. Parece uma passagem estreita e perigosa Mas nela aprenderei o gosto de outros horizontes.
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De longe, Desde o espaço fechado onde a língua me encerrou, Vou saboreando novos códigos, outras métricas Diferentes fonéticas e costumes. Invade-me o prazer de descobrir um mundo novo Num delírio de símbolos, de regras e sinais, Numa exaltação de hieróglifos enigmáticos Gravados em pétrea expressão na areia ardente. Fruo a aprendizagem de pronúncias novas E o orgulho das páginas nunca escritas, Ingénua vaidade Presente em toda a frase por dizer.
A raiz rebelde que molda o meu destino, Sob os pesados panos de alvenaria e cal, Com ritos antigos e quereres incandescentes Logra ultrapassar o forte obstáculo da muralha.
Acordes da desconhecida música das esferas Alegram-me o espírito com expressivas melodias. Entendo finalmente que o Todo é indizível No espaço estreito em que a língua me encerrou. Suplico então aos arcanjos luminosos, aos sábios e aos mestres A iluminação, o êxtase, o nirvana, A graça de um cântico que o descreva e dignifique.
| ESCREVER
Encontro-me agora de fora do férreo muro. Vejo-o ao longe como um erro humano, apenas.
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Encontro Crítico
| ESCREVER
A poesia nasce de um desconforto súbito. A poesia nasce de um susto que arrepia a espinha, Pois a descida aos confins do Eu guiada pelo verso Deixa um rasto de assombro e de espanto.
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Nas minhas mãos que criam e destroem, Na boca gasta no discurso poético Recolho fragmentos de crenças e desejos, De ideias platónicas de perfeição mística, Indícios da hermética substância Que alquimistas à noite nos cadinhos Dissolvem e coagulam Na busca nunca terminada do encontro crítico.
Nasce a frase da terra bravia Em momento propício marcado pelos astros. Nasce na grande desordem da infância, No fulgor da semente enfim explodida. Grita e esperneia toda nua e crua, No respirar ardente de quem foi dado à luz e não o sabe. Acorrem os sábios, os magos e tutores A disfarçar com sabões, túnicas e léxicos A rude e vigorosa realidade que grita vibrante Na agitação jubilosa de quem nasce. Não tardaremos a devolvê-la ao íntimo silêncio de onde surgiu.
| ESCREVER
Nasce a Frase
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PENSAR Confesso que sempre me inquietou Que a radical impossibilidade de saber Pudesse abrir caminho à vaidade das opiniões
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Ecce Homo Na escuridão me acendi em ponto único e fugaz, De brilho breve e singular.
Iluminada pela racionalidade natural Inocente ainda, dúctil, curiosa, Luzia a minha identidade. Ao nascer porém do forte Sol, Para minha surpresa e susto O meu acréscimo de luz tornou-se invisível, E percebi então que fora de mim Apenas habita o Motor Imóvel Num momento original, sem passado nem futuro, E que o mundo inteiro é, afinal, apenas eu. Foi assim que, aconselhado pela hermética ciência, Escudado nos seus profundos mitos, Fui levado a abandonar a minha identidade Para deixar de ser eu próprio E me tornar, assim, Universal.
| PENSAR
Eis que se manifestava entre o Zero e o Um A realidade de uma nova consciência: Imprecisa, ôntica, orgânica, Aberta à substância secreta das coisas.
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Antrophos & C.ª
| PENSAR
À custa do engenhoso ofício do pensar, Espíritos pacientes e astutos, Escorados na filosofia, na ciência e na moral, Tentam compreender e julgar o Universo.
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Antrophos e companhia, porém, São um obstáculo de peso nessa busca, Pois o homem ser a medida de todas as coisas É causa de intermináveis controvérsias. É que esta absurda métrica do mundo Explica o êxito das doutrinas e religiões, Mas não justifica a rebuscada sapiência dos pensadores E as inevitáveis aporias da metafísica. Confesso que sempre me inquietou Que a radical impossibilidade de saber Pudesse abrir caminho à vaidade das opiniões. À cautela, discordo do que digo.
Pensar que existo num Espírito Divino É arrebatador e deprimente, Assim como o é a tentação De encontrar no Outro O que perdi em mim próprio. E em toda esta confusa mentira em que escavo Em busca da verdade cristalina, Enclausurada no mais secreto dos mistérios, Em tudo isso, todavia, eu sou.
| PENSAR
Ipseidade
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Invocação
| PENSAR
Ó vós!, grandes sábios, Acorrei com vossas crenças e rituais. Livrai-me deste labiríntico percurso Em que jamais me alcançarei.
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Ó tu!, Pitágoras, mítica criatura, Pai da santa Tetrakis, E todos os que te precederam E todos os que te continuaram, Apontem-me o caminho salvador. Ó vós! grandes pensadores, E estetas e místicos e sábios, Vinde em meu auxílio Com rezas intuições e silogismos, Ou então com regras e reflexões e axiomas, Mas vinde!, caramba.
Epokhé
Porventura não haja nem algarismos suficientes nem palavras, E seja incalculável e indescritível a Imensidão. Tudo seria bem mais simples e natural Se bastasse apenas não pensar.
| PENSAR
Esbracejando perdido entre o pó de códices secretos Abandono a estúpida ideia de medir o Infinito e a Eternidade.
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