5 minute read

Desastre em massa, aniquilamento das espécies e acumulação capitalista

Next Article
Expediente

Expediente

Leandro Neves - ADUFF Doutor em Psicologia Social. Professor do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo/INFES/UFF.

tenho tido, com frequência, a oportunidade de viajar pelo território brasileiro, o que me possibilitou constatar um processo de destruição das espécies vivas e não vivas, sobretudo da espécie humana. A partir de então, nos últimos anos, venho refletindo muito a respeito da destruição do planeta e comecei a discutir sobre o assunto em sala de aula com os e as discentes; inicialmente no curso de Psicologia na Universidade Federal Roraima e, posteriormente, no curso Interdisciplinar em Educação do Campo na Universidade Federal Fluminense. A ideia de destruição ou desastre em massa levou-me à primeira desconstrução, sendo esta a separação entre desastre em massa, o tempo presente e o território, tendo em vista que a ideia da destruição em massa nos parece distante no tempo e no território, mesmo recebendo informações diárias pela mídia das ocorrências dos desastres.

Advertisement

Eu só consegui fazer essa desconstrução no momento em que adotei o pressuposto que o desastre pode ser entendido como sinônimo de crise do tempo social em que vivemos, advinda, sobretudo, das ações da esfera econômica e política. Obviamente que não descarto outras questões como a cultura e as relações sociais, mas o desastre explicita a crise do modelo de racionalidade econômica em que vivemos e leva à destruição das espécies. Desta forma, para contrapor esse processo de destruição, urge a construção de um novo paradigma de humanidade. A não preservação da vida no planeta e o modelo hegemônico de racionalidade econômica engendra o surgimento de uma “era não humana”. Essa é uma acepção futurista e intuitiva, merece mais atenção em função do ritmo acelerado de aniquilamento das espécies que a intervenção humana está provocando. Nesse sentido, compreendo como “era não humana” um período societário, em que a terra passará por constante destruição em massa causada por eventos antrópicos e naturais. Os seres humanos correm risco de extinção, assim como as outras espécies vivas e não vivas. Os avanços tecnológicos estão a caminho da produção de robôs com inteligência artificial e o projeto capitalista é a substituição do trabalho humano pelos aparatos tecnológicos. Dessa forma, a exploração do trabalho em todos os setores será intensificada, ao mesmo tempo em que haverá a utilização inconsequente dos recursos naturais, acarretando a eliminação gradual da vida humana em decorrência da pobreza econômica, violência, doenças e outros. Para fugir do caos e desastres diários do planeta,

os humanos ricos concluirão um projeto de abandono do planeta, visto a insustentabilidade da vida na terra. Essa informação pode ser conferida nos projetos espaciais da NASA para os próximos 20 anos. Parto da constatação de que a sociedade capitalista é um sistema que produz crises cíclicas pela relação descontrolada e estratégica entre necessidades e produção de mercadoria, sendo impossível saciar todas as necessidades humanas criadas nessa lógica. A grande maioria da população é excluída desse processo. A produção incessante de mercadorias tem uma relação direta com a devastação ambiental e o tempo espoliado do trabalhador e da trabalhadora. Minha compreensão é que existe um esgotamento do sistema econômico, pautado puramente na racionalidade econômica; sistema esse que opera na contramão da preservação da vida no planeta. Entretanto, mesmo sendo uma racionalidade que promoveu avanços do ponto de vista tecnológico e no conforto das vidas humanas, no seu revés, promoveu muitas desigualdades sociais, econômicas e culturais e antecipa/acelera o desastre, que coloca em risco a diversidade biológica. Existem algumas estimativas para as próximas décadas que são alarmantes, tais como: A extinção de espécies, induzida pela atividade humana em uma velocidade cem vezes maior que extinção em condições naturais. Segundo dados do The Internacional Disaster Database, entre 1995 e 2015, foram registrados 6.457 desastres relacionados ao clima, que causou 606 mil óbitos e afetou mais de 4 bilhões de pessoas, entre feridos, desabrigados ou que precisaram de ajuda de emergência. No Brasil foram extintos centenas

de povos originários, considerando o período do início da colonização europeia no território, e esse número aumenta a cada ano, em função da extinção das políticas públicas protetivas e do amparo aos povos indígenas, populações quilombolas e povos tradicionais. Esses são alguns dados, para nos alertar da crise sistêmica do capitalismo e da crise de paradigma da racionalidade econômica, pois tal sociedade tem uma escala, de intensidade e ritmo, cuja preocupação central não é a vida em conformidade com a natureza. Esse modelo de sociedade claramente nos mostra um “impulso de destruição”, orquestrado pelas ideologias economicistas e militares, que invadem boa parte das visões atuais dos governantes mundiais e das empresas transnacionais. Assim, nessa reflexão, faço o esforço de circunstanciar uma ideia de desastre como um evento de destruição de massa que acontece. Entretanto, só têm visibilidade os episódios transmitidos nas mídias, mas a destruição em massa ocorre diariamente, com a população morrendo de fome, sede, com a exploração do trabalho, com a destruição das políticas de proteção social, entre outros eventos críticos do dia-a-dia. Todavia, quase todos os desastres, derivam direta ou indiretamente da atividade humana no planeta, e muitas vezes poderiam ser tipificados como crime contra a espécie humana, e um crime do humano contra outras espécies, pois na relação humana com a natureza existe uma apropriação destrutiva. Nesse momento histórico, vivemos a pandemia da COVID-19, associado ao novo coronavírus; estima-se a morte de centenas de milhares de pessoas pelo mundo até a pandemia “acabar”. Percebemos que a COVID-19,

ligou um alerta para o mundo, denunciando a fragilidade das políticas públicas e o fracasso do sistema neoliberal. No Brasil, temos um governo que se alinha às ideologias militares e economicistas, colocando em risco a vida de milhares de pessoas. A pandemia é o desastre do dia, e o avanço dela no mundo nos mostra que estamos em um sistema econômico e societário suicida, considerando que a acumulação de capital está na contramão do equilíbrio natural. Estamos acelerando a catástrofe natural de destruição de massa e diariamente produzindo crimes contra a humanidade, em escalas catastróficas, que põem a vida humana em alerta, caminhando para o que estamos chamando de uma “era não humana”. Urge um paradigma a ser construído, centrado na preservação da vida no planeta terra, na equidade social, no respeito à diversidade das espécies, na alteridade, ou seja, um paradigma no qual os seres humanos e a natureza estejam interligados, tornando possível a construção de um modelo de sociedade em que a racionalidade econômica esteja subserviente à vida, à ética e à equidade social.

Oficina Botânica Ordinária, 2016 Bruno O. e Victor Tozarin

This article is from: