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Ambientalismo, sindicato e luta de classes
AMBIENTALISMO, SINDICATO E LUTA DE CLASSES: COMO CHEGAMOS
ATÉ AQUI E COMO PODEMOS SEGUIR DAQUI PRA FRENTE Eduardo Forneck - APROFURG Jaqueline Durigon - APROFURG Doutor em Ecologia. Doutora em Botânica. Professor do curso em Tecnologia em Gestão Ambiental e professora do curso em Licenciatura do Campo, ambos na FURG Campus São Lourenço do Sul.
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Não é novidade para mais ninguém de boa-fé que o mundo encontra-se em uma severa crise ambiental. Na origem desta crise está a nossa espécie com seu comportamento desvirtuado, caracterizado pelo excesso de exploração e pela má gestão dos recursos naturais conduzidos pelo capitalismo globalizado. A ação irresponsável, planejada e, sobretudo, ecocida que o sistema nos impõe, gera a necessidade de entendimento claro e imediato para que possamos agir coletivamente em tempo apropriado, rompendo a estrutura que o mantém. Jared Diamond, no livro Colapso: como as sociedades escolhem o sucesso ou o fracasso, nos indica pistas relacionadas ao meio ambiente e a exploração (ou sobreexploração) de seus recursos para ajudar na compreensão da
atual crise ambiental. Estamos vivenciando o limite provocado por gerações de ignorância e descaso sobre a importância das relações ecológicas para sobrevivência de Gaia. Referindose ao planeta Terra, na teoria proposta por James Lovelock nos anos 1970, Gaia constitui-se em uma complexa rede que integra todos os seres vivos existentes, sem exceção, que ao relacionarem-se entre si e com o meio ambiente, mantém as condições de vida em nosso planeta. Por sua vez, Alfred Crosby, no livro Imperialismo Ecológico: a expansão biológica da Europa 900-1900, mostra que as grandes navegações levaram ao início da destruição dos ambientes ao longo dos continentes. A colonização europeia destruiu biodiversidade local e forjou a cultura de destruição e homogeneização da natureza aliada à expropriação dos recursos naturais, como minérios e commodities agrícolas. Nesse contexto, a América Latina e a África estão entre as regiões mais cobiçadas e, portanto, mais duramente assaltadas pela dominação colonial. No primeiro caso, Eduardo Galeano, autor do livro As veias abertas da América Latina, oferece uma excelente análise sobre a colonização europeia em nosso continente e as consequências desastrosas sociais, culturais, econômicas e ambientais. Contudo, foi a Revolução Industrial que nos trouxe à encruzilhada em que nos encontramos hoje. E com o objetivo de aprofundar o acúmulo de riqueza, a publicidade inventou e impôs no centro da felicidade a necessidade de comprar e consumir. Passamos a percebê-la pela lente disforme dos grandes grupos econômicos, o que nos tornou “reféns” do capital.
Diante deste cenário devastador, uma parcela da população acabou por se organizar para enfrentar a ação do capital sobre o ambiente, os povos originários e as populações tradicionais. O aumento da degradação ambiental impulsionou o início do movimento ambientalista organizado. Seja com a contribuição de Rachel Carson a partir do livro Primavera Silenciosa de 1962, que denunciou o grave problema dos agrotóxicos organoclorados nos EUA, seja pela Declaração de Estocolmo, produzido pela ONU em 1972, da qual o Brasil é signatário, a sociedade civil passou a pressionar por formas e regras de controle das ações humanas sobre a natureza. Em força oposta a este movimento, o capital e o seu aparato repressor passaram a criticar, perseguir e violentar ambientalistas com o intuito de desqualificar e demonizar o movimento. No Brasil, o golpe e o endurecimento da ditadura nos anos 1970 trouxeram tempos sombrios à luta da esquerda nacional. Nas décadas seguintes, um dos casos emblemáticos relacionado ao movimento ambientalista e sindical foi a luta de Chico Mendes – seringueiro, sindicalista e ambientalista – contra o avanço do agronegócio e o desmatamento da Floresta Amazônica iniciado e promovido pela ditadura militar. Seu assassinato, em 1988, exemplifica a violência que seguiu (e segue) nos anos seguintes da “redemocratização”. Um dos principais legados deste ícone foi a demonstração de que a comunhão entre o movimento sindical, o movimento ambientalista e os povos originários e populações tradicionais era uma poderosa parceria no enfrentamento do aparato repressor do sistema capitalista. Por isso mesmo, tornou-se alvo do capital. A violência contra
ambientalistas, como o caso da missionária Dorothy Stang em 2005, nunca cessou. Fazendo uma ponte para os dias atuais, em 2017 e 2018, o Brasil foi considerado o campeão mundial em assassinatos de ativistas ambientais; em 2019, fomos o 4 o colocado, segundo dados da GlobalWitness. Nas últimas duas décadas, muitos e muitas indígenas foram assassinados, assassinadas, violentados e violentadas em todos os biomas do Brasil, com destaque para Amazônia, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica, conforme mostra a Cartografia dos Ataques Contra Indígenas, publicado em 2018. Nas décadas seguintes, à exceção de alguns avanços tímidos em políticas públicas relacionadas ao meio ambiente dos governos Lula e Dilma, muito pouco melhorou concretamente na qualidade dos ambientes. Uma exceção foi a vitória pela suspensão da construção da hidrelétrica de Paiquerê, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, por pressão do movimento ambientalista, sobretudo, do Movimento dos Atingidos por Barragem e de alguns poucos sindicatos. Apesar disso, a luta do movimento ambientalista seguiu à margem do interesse da sociedade urbanizada, o que gerou muito pouca efetividade e visibilidade em suas ações. Paralelamente, muitos e muitas ambientalistas seguiram a via institucional, o que influenciou na publicação de relatórios como Nosso Futuro Comum da ONU, de 1987, e na elaboração da Agenda 21, lançada na ECO-92, no Rio de Janeiro. Apesar destes esforços, escassos resultados concretos foram obtidos na melhoria da qualidade ambiental. O movimento sindical e o movimento ambientalista fracamente se articulam para o enfrentamento do capital. Uma
das maiores dificuldades talvez esteja no entendimento da luta de classes e como ela determina, ou deveria determinar, as estratégias de luta e resistência de movimentos sociais, como o ambientalismo. Ainda que o sindicato surja como uma resposta do oprimido e oprimida na luta contra capital e, portanto, na luta de classe, a consciência de classe que levaria ao entendimento de que opressor e o sistema mantido por ele são os mesmos enfrentados pelos dois movimentos, parece ser condição ausente, ou em construção. Os grandes grupos transnacionais, o financeirismo, o agronegócio e a mineração são todos agentes principais ou secundários deste capitalismo moderno e globalizado. Enquanto o movimento ambientalista não internalizar a luta de classes em suas de estratégias de enfrentamento e luta, veremos ambientalistas de direita e indígenas concorrerem à eleição por partidos reacionários. Da mesma forma, ao tratar as pautas ambientais de forma periférica, o movimento sindical acaba por negligenciar a força da luta coletiva e importância do ataque sistêmico ao capital. A nova crise recente do capital levou o sistema a forçar golpes de Estado ao longo de toda a América do Sul, como no Brasil, Paraguai e Bolívia. Tal violência foi necessária para poder aniquilar os direitos trabalhistas e previdenciários, aumentar os ganhos (ou compensar os prejuízos) do capital, em especial do capital financeiro, e acelerar a expropriação dos recursos naturais. O atual governo brasileiro de ultradireita intensifica a perseguição aos e às ambientalistas, povos originários e populações tradicionais para viabilizar sua agenda entreguista e subserviente aos interesses do capital. Ou ainda de forma
mais perversa, incentiva e autoriza, em seus discursos de ódio, a perseguição e o assassinato destas pessoas. Aos e às sindicalistas, os mesmos tratamentos, para transformar trabalhadores e trabalhadoras em escravos e escravas; aposentados e aposentadas em miseráveis. No âmbito da “institucionalidade”, Jair Bolsonaro tenta destruir toda norma que assegure o mínimo de humanidade, solidariedade e preservação da natureza nas ações de regulação do Estado. Infelizmente, ainda não temos respostas definitivas para solucionar essa crise. Gostaríamos aqui de trazer alguns tímidos exemplos de como é possível articular parte da luta sindical com a luta ambiental e, assim, apoiar a resistência de povos originários e populações tradicionais. Um possível caminho está no enfrentamento desta nova fase de expropriação dos recursos naturais, denominada neocolonialismo, e a resistência de grupos que são ameaçados pelas grandes mineradoras. Em específico no Rio Grande do Sul, três grandes projetos assolam o horizonte próximo: extração de chumbo, de titânio-rutilo-zircônio e de fosfato. Em todos esses casos, indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais, agricultores e pecuaristas familiares, Unidades de Conservação, espécies de plantas e animais foram invisibilizados nos Estudos de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental disponibilizados à sociedade. A necessidade de contraponto ao posicionamento técnico-científico precariamente empregado pelos empreendedores e suas assessorias incentivou a parceria entre sindicalizados e sindicalizadas da APROFURG e os ameaçados e ameaçadas por estes projetos.
A demanda social era de contra-laudos e pareceres contrários ao diagnóstico falho e insuficiente dos estudos ambientais. Estes “contra-estudos” foram produzidos e integram parte do processo administrativo do licenciamento ambiental, tentando contrabalançar e relativizar a posição dos estudos apresentados pelos empreendedores. Por entender que a institucionalidade não resolve a maioria dos casos de injustiça ambiental, pois o capital também controla (ou tem grande poder de influência sobre) boa parte das instituições do Estado, o ANDES/SN, através da sua Regional RS e em parceria com a APROFURG e demais seções sindicais do Rio Grande do Sul, investiram na divulgação destes projetos e suas consequências negativas. Foram dois seminários promovidos para discutir os impactos da mineração sobre os territórios, realizados em 2017 e 2018, com a participação de sindicalizados e sindicalizadas de diversos sindicatos, em especial da educação, pesquisadores/as, indígenas, quilombolas, pescadores/as artesanais, agricultores/as e pecuaristas familiares, estudantes e público em geral. Tais eventos geraram o livro Impactos dos Projetos de Mineração: O que queremos? O que sabemos? Pra onde vamos?, publicado pela APROFURG em 2020. Estas ações pretendem denunciar mazelas dos projetos de mineração e subsidiar o planejamento de estratégias para o enfrentamento do movimento ambientalista junto às populações e aos povos mais vulnerabilizados pelo avanço deste setor, mostrando possibilidades de esforços conjuntos da luta sindical com o movimento ambientalista.
Movimento dos Atingidos por Barragens MAB bordando a resistência , 2017 Filme Arpilleras: atingidas por barragens
Para finalizar, gostaríamos de compartilhar uma angústia: a ideia de que a solução da crise ambiental passa, prioritariamente, pela busca e o desenvolvimento de tecnologias altamente dependentes de complexos processos industrializados e que demandam grandes quantidades de matéria-prima, especialmente da mineração e de energia, para funcionarem. O recente documentário de Jeff Gibbs e Michael Moore, intitulado Planet of Humans (2020), nos mostra uma armadilha do capital, uma vez que ao perseguir a implementação de tecnologias como eólica, fotovoltaica e biomassa em larga escala, seguiremos demandando matériaprima e sustentando o poder das grandes corporações. Pior, faremos isso aceitando o frágil verniz verde deste braço do capital, perpetuando o sistema responsável pela atual crise. O capitalismo produz o problema e, de forma perversa, apresenta “soluções” e lucra com elas. Ao contrário, a saída está, obrigatoriamente, na redução
drástica do ritmo de consumo, sobretudo dos países ricos, vinculada à construção de uma consciência de classe dentro do movimento ambientalista e da classe trabalhadora como um todo. Complementarmente, o fortalecimento de sistemas agroalimentares, assim como luta pela soberania na mineração, tal qual defende o Movimento pela Soberania Popular na Mineração — MAM, são respostas possíveis à crise ambiental e na direção da superação do capitalismo. Se estas pautas não forem consideradas essenciais à sociedade como um todo, será muito difícil desconstruir este sistema. Assim, tão essencial como ter apoio e solidariedade entre nós oprimidos e oprimidas pelo mesmo capital, é sindicalizarse, manifestar-se e juntar-se às manifestações e ações dos movimentos socais, do ambientalismo e do sindical com a consciência de classe que enfrentamos diferentes agentes e braços do mesmo sistema capitalista, neoliberal, ecocida, racista, machista e genocida. Vamos à luta por Gaia!