Sollicitare n.º16

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Sollicitare EDIÇÃO N.º 16 \ OUTUBRO 2015 \ €2,50

ASSUNÇÃO CRISTAS ENTREVISTA COM A MINISTRA DA AGRICULTURA E DO MAR

À CONVERSA COM FERNANDO JORGE PRESIDENTE DO SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS

DANIEL SAMPAIO PONTES COM A JUSTIÇA GRUPO DE INTERVENÇÃO CINOTÉCNICO DA GNR AO SERVIÇO DA SOCIEDADE


FICHA TÉCNICA

Sollicitare REVISTA DA CÂMARA DOS SOLICITADORES

EDIÇÃO N.º 16 \ OUTUBRO 2015

Diretor José Carlos Resende Editor Luís Goes Pinheiro Chefe de Redação Rui Miguel Simão Redatores principais Ana Filipa Pinto, André Silva Colaboram nesta edição: Alexandra Bento, Alípio de Melo Ana Luísa de Sousa, Ana Paula Gomes da Costa, Cláudia Cruz Diana Andrade, Helena Bruto da Costa João Capítulo, Luís Paiva Miguel Ângelo Costa, Patrícia Passos Samuel Sousa, Sérgio Fernandes Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 c.geral@solicitador.net Conselho Regional do Norte Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.norte@solicitador.net Conselho Regional do Sul Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.sul@solicitador.net Design Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão Lidergraf, Artes Gráficas, SA Tiragem: 6 000 Exemplares Periodicidade: Semestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade Câmara dos Solicitadores Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 c.geral@solicitador.net www.solicitador.net

Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

CÂMARA DOS SOLICITADORES ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE Rui Carvalheiro (Lisboa) 1.º SECRETÁRIO João Fonseca (Torres Vedras) 2.º SECRETÁRIO Vítor de Oliveira Gonçalves (Vila Nova de Famalicão) CONSELHO GERAL PRESIDENTE José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1.º VICE-PRESIDENTE Paulo Teixeira (Matosinhos) 2.ª VICE-PRESIDENTE Edite Gaspar (Lisboa) SECRETÁRIO Aventino Valdemar Martins de Lima (Lisboa) TESOUREIRO João Capítulo (Sesimbra) VOGAIS Elisabete Pinto (Porto), Carlos Matos (Lisboa), Júlio Santos (Silves), Rute Baptista Pato (Benavente), João Coutinho (Figueira da Foz), Luís Rua Teixeira (Lousada) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE António Brás Duarte (Lisboa) VICE-PRESIDENTE Jorge Cerdeira Gil (Évora) SECRETÁRIO Daniel Sales (Viana do Castelo) VOGAIS Miguel Ângelo Costa (Barcelos), Palmira Valério (Arraiolos), Maria de Lurdes Paiva (Lamego), Carla Carlão (Porto), Maria Conceição Torres (Marinha Grande), Jorge Lapa (Coimbra) COLÉGIO DE ESPECIALIDADE DE AGENTES DE EXECUÇÃO CONSELHO DE ESPECIALIDADE PRESIDENTE Armando A. Oliveira (Braga) VICE-PRESIDENTE Jacinto Neto (Loures) SECRETÁRIA Mara Fernandes (Lisboa) DELEGAÇÃO DO SUL DO COLÉGIO DE ESPECIALIDADE PRESIDENTE Alexandra Cidades (Lisboa) 1.ª VOGAL Maria do Carmo Borges (Sintra) 2.ª VOGAL Natália Ferreira (Vila Franca de Xira) DELEGAÇÃO DO NORTE DO COLÉGIO DE ESPECIALIDADE PRESIDENTE Duarte Pinto (Porto) 1.º VOGAL Nuno Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira) 2.º VOGAL Marco Santos (Santo Tirso) ASSEMBLEIA REGIONAL DO SUL PRESIDENTE Celestina Maria Isidoro Pardal Barneto (Montemor-o-Novo) 1.º SECRETÁRIO Rui Patrício Moniz de Melo e Sousa Melo (Ponta Delgada) 2.ª SECRETÁRIA Carla Cristina de Matos Pinto Henriques (Torres Vedras) ASSEMBLEIA REGIONAL DO NORTE PRESIDENTE Afonso Pereira Gomes (Porto) 1.º SECRETÁRIO José Luís Saraiva (Guarda) 2.ª SECRETÁRIA Paula Pereira (Viana do Castelo) CONSELHO REGIONAL DO SUL PRESIDENTE Armando Manuel de Oliveira (Lisboa) VICE-PRESIDENTE João Manuel Salvadinho Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIA Maria José Martins Palma Vieira dos Santos (Silves) TESOUREIRO António Serafim Correia Novo (Portalegre) VOGAIS Natércia Reigada (Lagos), Ana Paula Ferreira Gomes da Costa (G. Lisboa - Noroeste) CONSELHO REGIONAL DO NORTE PRESIDENTE Joaquim Baleiras (Porto) VICE-PRESIDENTE Luís Ribeiro (Matosinhos) SECRETÁRIA Lídia Coelho da Silva (Porto) TESOUREIRA Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS Paula Barbosa (Paredes), Alberto Godinho (Tomar) SECÇÃO REGIONAL DEONTOLÓGICA DO SUL PRESIDENTE Vítor Manuel Castanheira Nunes Mendes (Almada) VICE-PRESIDENTE Rosária Maria Cruz Rebelo (Rio Maior) VOGAIS Ana Teresa Moreira Marques Zorro (G. Lisboa-Noroeste), Diamantino Joaquim Inácio Jacob (Benavente), Manuel Godinho Gazua (Vila Franca de Xira) SECÇÃO REGIONAL DEONTOLÓGICA DO NORTE PRESIDENTE Mário Couto (Matosinhos) VICE-PRESIDENTE Otília Ferreira (Lamego) VOGAIS Maria dos Anjos Fernandes (Leiria), Eugénia Lima (Porto), Joaquim Marqueiro (Porto)

Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

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EDITORIAL José Carlos Resende

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publicação deste número da Sollicitare coincide com a publicação da na Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro, que determina a passagem da Câmara dos Solicitadores a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Vamos habituar-nos a esta nova nomenclatura de Ordem e à sigla OSAE. Neste âmbito, não podemos deixar de destacar: – O acesso a associado nas especialidades representadas pela Ordem passa a ser efetuado através da candidatura de licenciados em solicitadoria ou direito, após um estágio regulamentar, com sujeição a numerus clausus no caso dos agentes de execução; – Consagra-se a criação de um conselho profissional da especialidade de solicitadoria que vai passar a dedicar-se a esta atividade em exclusivo, em paralelo com o conselho profissional dos agentes de execução. Estes passam a prestar contas às assembleias de representantes da especialidade; – A Ordem passa a ter a possibilidade de reconhecer e regular o título de especialista; – Clarificam-se várias normas deontológicas, nomeadamente no que se refere a sigilo profissional; – São melhoradas as normas de acesso e estágio; – No que se refere aos agentes de execução, resolve-se o imbróglio dos advogados agentes de execução, que eram membros parciais da nossa associação pública, na qual só podiam participar, eleger e ser eleitos na assembleia do colégio de especialidade, estando excluídos das restantes capacidades eleitorais e da votação final de regulamentos que os afetavam; – Introduz-se o princípio da contingentação processual dando-se um passo decisivo para a defesa do cidadão e da dignidade e independência do agente de execução; – Permite-se a nomeação como agente de execução das respetivas sociedades profissionais, o que poderá fomentar uma estabilidade profissional completamente diferente e uma valorização do prestígio profissional. Todas as alterações de Estatuto têm as suas histórias. Lembre-se que o de 1976 previa a sua alteração no prazo de um ano. Só se concretizou 23 anos depois, após enésimas comissões e grupos de trabalho. Esta Lei também teve as suas atribulações. Relembremos as assembleias gerais de delegados e de agentes de execução

organizadas em janeiro de 2013, as múltiplas discussões em sucessivos conselhos gerais. O novo Estatuto resultou de vários debates com a Sr.ª Ministra da Justiça, com a Troika, no Parlamento (em especial com o deputado relator, Dr. Paulo Rios) e de um trabalho muito louvável e paciente por parte da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), com grande destaque na sua Diretora-geral, Dr.ª Susana Videira. Reconheça-se o especial mérito dos nossos colaboradores, do departamento jurídico e dos dirigentes mais diretamente envolvidos. Este novo Estatuto também mereceu algumas discordâncias da nossa parte, oportunamente manifestadas, mas consideramo-lo globalmente positivo pelo que estamos gratos a todos os que para ele contribuíram. Neste momento histórico de mudança, deve ser realçado que a Ordem vai manter toda a tradição que advém das nossas histórias profissionais individuais, referidas como solicitador ou procurador de que é exemplo o solicitador Fernão Botto Machado, mencionado neste número. Será sempre especialmente valorizada a nossa vida associativa e aqueles que a corporizaram desde as Associações de Solicitadores Encartados, iniciadas em 1866, passando pelas Sociedades de Socorros Mútuos, pelas Câmaras dos Solicitadores de Lisboa, Porto e Coimbra, criadas 1929, até à união numa única Câmara concretizada em 23 de janeiro de 1944. Orgulhamo-nos da nossa História com os seus bons e maus momentos, conscientes que os últimos nos fizeram aprender e corrigir comportamentos coletivos ou individuais. A Ordem irá assumir-se na plenitude no dia da tomada posse dos novos órgãos, o que prevemos que venha a ocorrer no mês de janeiro, após a organização das eleições para o conselho profissional de solicitadores e para o conselho regional de Coimbra (já foi nomeada a comissão instaladora) e para as assembleias de representantes. A Ordem continuará a ser a mesma associação pública, aquela que Estado encarregou de assegurar, aos cidadãos, que os seus associados se pautam por normas éticas, deontológicas e de qualidade profissional compatíveis com as prorrogativas que lhes são concedidas e que, por isso, têm o direito de usar o título profissional de solicitador ou de agente de execução. Manteremos esse grande objetivo, convictos que dele decorre a nossa evolução. : :

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Sollicitare ÍNDICE

N.16 \ OUT. 2015

Entrevista com Assunção Cristas 04 Ministra da Agricultura e do Mar

Fernando Jorge

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Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais

Arquivo Nacional da Torre do Tombo O arquivo da memória da Nação

Daniel Sampaio Pontes com a Justiça

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Fotografia capa: Cláudia Teixeira

Editorial 1 Câmara Uma nova Ordem? Conselho Regional do Sul promove Encontro de Solicitadores Formação O novo modelo de estágio de Solicitadoria Ensino Superior Entrevista a Melanie Neiva Santos, Coordenadora da Licenciatura em Solicitadoria do Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo

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Profissão Gerindo o escritório Novo Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo

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Eventos Jornadas de Estudo dos Agentes de Execução 2015 10 Delegações Entrevista a Elsa Mota Presidente da Delegação do Círculo Judicial de Loures

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Histórias Fernão Botto Machado

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Labor Improbus Omnia Vincit

Observatório Permanente da Justiça Entrevista com Conceição Gomes, coordenadora executiva

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Grupo de Intervenção Cinotécnico da Guarda Nacional Republicana

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Bombeiros Sapadores de Setúbal

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Luís Sénica

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Ao serviço da sociedade

Super heróis de verdade

Em cima de patins

Sociedade O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira Comentário ao Decreto-Lei N.º 30-A/2015 de 27 de Fevereiro que concede a nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus portugueses expulsos Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras Ordens A Dieta Mediterrânica Sugestões Livros Jurídicos Sugestões de leitura O Canyoning. Adrenalina rio abaixo

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Roteiro Gastronómico Retrokitchen “Um restaurante que enche alma e coração” Portarossa “Itália à beira do Douro”

84 85

60 78 66

Viajando por... Tomar “Histórias de uma cidade com História” Bratislava “A pérola escondida no Danúbio”

86 88

74 76 82

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ENTREVISTA

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Hoje, a agricultura é reconhecida socialmente no nosso país

ASSUNÇÃO CRISTAS MINISTRA DA AGRICULTURA E DO MAR

Entrevista Ana Filipa Pinto Fotografia Cláudia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

Assunção Cristas, Ministra da Agricultura e do Mar, tem um olhar feliz e uma voz tranquila. Tem a certeza dos princípios que defende e do quão aprecia argumentos com alicerces de verdade, assumindo-se incapaz de resistir a um bom debate. Aliás, diz ser isso que mais a cativa na política. Todos os dias são diferentes. E os compromissos não ficam fechados neste edifício, na Praça do Comércio. Ministra, mãe e mulher, Assunção Cristas, em quatro anos de mandato e de vida, nunca gostou de falhar um Conselho de Ministro nem um jantar em família. Fora do Ministério, poderíamos encontrá-la num museu, numa esplanada junto ao rio entregue a um livro de poesia ou a andar de bicicleta desde Belém até ao Cais do Sodré. Mas hoje está aqui e as janelas do gabinete estão abertas para deixar entrar a luz e a vista sobre Lisboa.

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Integrar um partido com uma determinada ideologia não a impediu de pensar diferente em matérias como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi uma espécie de condição que quis continuar a respeitar ao entrar no universo da política? Continua a gostar de enfrentar aquele que, numa entrevista, designou como “perigo intelectual”? Em primeiro lugar, gosto de ser fiel a mim mesma e dizer o que penso, com a delicadeza necessária, mas nunca prescindindo de dar a minha opinião. Isso é que é enriquecedor em política. Em segundo lugar, gosto de um bom debate e de um bom combate intelectual, desde que feito dentro daquilo que é a verdade. Se existe algo que me incomoda é encontrar argumentos que não têm uma base verdadeira, o que prejudica e dá mau nome aos nossos debates. Foi esse gosto pelos bons debates que a atraiu até à política? Acreditava que a sua vida passaria por esse universo antes do debate Prós e Contras sobre a despenalização do aborto? Existe todo um percurso ao longo do qual passei pelo parlamento, num tempo particularmente difícil, em que exerci o mandato durante os últimos dois anos da governação socialista, durante os quais tivemos o PEC I, II, III e IV e a vinda da Troika, estando eu na Comissão de Orçamento e Finanças a coordenar o CDS. Nessa altura, quando fui desafiada, por Paulo Portas, para o parlamento, como candidata a deputada, aceitei e achei que podia ser um desafio muito interessante. Achava muito interessante estar do lado da feitura das leis, algo que sempre me atraiu. Quando cheguei ao parlamento, o CDS lançou-me

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Eu creio que os instrumentos estão lá, é preciso começar a criar uma boa dinâmica e implementar o cadastro que queremos que seja feito de forma completamente diferente, contando com o apoio dos solicitadores. (...) Acredito que, no que respeita ao território, será um grande projeto da próxima legislatura. O cadastro permitir-nos-á tornar a Bolsa de Terras mais operacional.


ENTREVISTA COM ASSUNÇÃO CRISTAS

o desafio de substituir o então Eurodeputado Diogo Feio na Comissão de Orçamento e Finanças. Nessa altura, resisti imenso, porque achava que não sabia nada de orçamento e finanças. Era professora de Direito Privado, além do mais nem estava nas áreas do Direito Público e achava que não tinha conhecimentos e competências suficientes para assumir esse encargo. Integrar a Comissão de Orçamento e Finanças implicou muito estudo, falar com muita gente e preparar-me muito bem. Recordo-me que, no plenário, tínhamos três minutos para fazer perguntas ao Ministro das Finanças e aqueles três minutos levavam horas de trabalho e de estudo para garantir que não errava nas questões técnicas. Eu aprendi imenso e considero que fiz um bom trabalho. Posteriormente, quando Paulo Portas me desafia para o Ministério da Agricultura, do Mar e, na altura, Ordenamento do Território, disse desde logo: “também não sabias nada de orçamento e finanças e correu bem, portanto, agora, também podes aprender agricultura”. Confesso que, nesta ocasião, não resisti, porque já tinha tido a experiência da aprendizagem anterior e tinha percebido que é possível aprendermos fora da nossa área de conforto. Nunca escondi que não sabia de agricultura, nem de políticas agrícolas. Contudo, estava disponível para aprender. “Como é ser mulher na política?” – Na sua opinião, ainda é uma pergunta pertinente, ainda faz sentido colocá-la? Sim, continua a fazer sentido. Nós continuamos a ter mais homens do que mulheres. Com o regime atualmente vigente das quotas, esse cenário vai registando uma inversão, mas ainda assim não estamos à frente da Lei das Quotas. Curiosamente, no CDS, comentávamos que, para estas eleições legislativas, tínhamos mulheres em lugares elegíveis bem acima das quotas, cerca de 42%. Mas ainda existe a preocupação de procurar as mulheres, porque, de uma forma mais natural, elas estão numa posição mais discreta, menos visível, e, quando chega a altura de encontrar candidatos, não são as escolhas mais óbvias. Está tudo muito relacionado com a forma como a política se exerce, muito através da exposição e da palavra. Os homens são mais predispostos para esse tipo de exposição e as mulheres, tipicamente, mais predispostas para não quererem ter uma visibilidade tão grande. Como é o dia a dia de quem é ministra, mãe e mulher? É diversificado. Todos os meus dias são diferentes, até porque, neste ministério, os temas são sempre diferentes, as saídas para o terreno são sempre diferentes. Por vezes, saímos muito cedo para chegar muito longe, outras vezes damos voltas mais curtas. Eu diria que o dia mais típico que tenho acaba por ser a quinta-feira, dia do Conselho de Ministros. Só não estou presente quando estou fora país, algo que acontece com alguma frequência. Contudo, procurei sempre marcar as viagens de forma a conseguir estar presente no Conselho de Ministros. Como tenho de estar presente às 8h30, não consigo dar tanto apoio em casa. Nos outros dias, tento sempre ter uma agenda que me permita estar com as crianças de manhã e levar a mais pequenina para casa da avó. Vou fazendo um esforço, mesmo estando em locais mais

distantes (Trás-os-Montes, Minho), para estar em casa a horas razoáveis que me permitam jantar sempre em família. Lidou de perto com a descrença dos cidadãos na política e nos políticos? Poderemos acreditar que é possível inverter a situação? E sente que, apesar da descrença, os portugueses querem muito integrar um postal marcado por paisagens bonitas e empreendedorismo? No setor da agricultura, assistimos a uma transformação, ou seja, a uma renovação nos investimentos, à sofisticação e à instalação de jovens agricultores. Também ocorreu um outro fenómeno: algumas pessoas que não encontravam trabalho nas suas áreas de formação, acabaram por olhar para a terra que existia, dos pais ou dos avós, optaram por pensar no que poderiam fazer a partir dali. Aparecem experiências muito interessantes e continuam a aparecer. Com a profunda recessão que o país atravessou, existiu apenas um único setor de economia a crescer: o da agricultura e do agroalimentar. É extraordinário, mas, na verdade, está relacionado com os nossos recursos. As pessoas passaram a apostar na terra de uma forma mais expressiva e a própria sociedade voltou-se mais para os nossos recursos, pensando no que temos, no que produzimos e no que podemos potenciar. Recordo-me que a primeira e maior dificuldade que encontrei foram as queixas relativas à dificuldade de acesso ao crédito e aos juros caríssimos que pagavam. Numa pequena feira regional, lembro-me de um senhor me ter confessado que tinha um contrato feito para o Canadá, para vender o seu vinho, mas que não tinha dinheiro para comprar as garrafas, para fazer o engarrafamento. Normalmente, fazia-se o crédito, porque com o contrato celebrado não existiria risco. Contudo, não conseguia ter crédito a preços razoáveis e não iria ter dinheiro para fazer o negócio. Este problema, que era o maior aquando da nossa chegada, foi-se diluindo e eu vejo, com gosto, os bancos a virarem-se cada vez mais para a agricultura. Mudou bastante. Essa mudança também justificou o surgimento da “Bolsa de Terras”? O que representa este projeto num país como Portugal? A Câmara dos Solicitadores é GEOP, tal como outras entidades – é um projeto que cresce com base na cooperação? Nós possuímos um recurso precioso que é o nosso território e temos de o aproveitar ao máximo. Existe uma sensação e opinião pública formada em relação ao abandono de terras. Na minha opinião, esta situação é, em parte, verdade. Mas quem anda pelo país vê muita agricultura, muita floresta a ser gerida e percebe que não é exatamente assim. Existem, sem dúvida, partes do território que podiam ser mais e melhor aproveitadas e isso pressupõe que haja incentivos. A Bolsa de Terras está também relacionada com as terras abandonadas e sem dono conhecido. (…) A lei permite-nos adicionar à Bolsa de Terras esses terrenos sem dono e arrendá-los para aproveitamento do recurso. O projeto está ainda relacionado com a revisão do IMI rural. Quando chegámos ao Governo, no memorando

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da Troika estava prevista a revisão do IMI urbano e do rural. A minha preocupação, na altura, foi garantir que quem trabalhava a terra ou, não tendo condições para a trabalhar diretamente, a disponibilizava na Bolsa de Terras poderia ter isenção do IMI rural. Receava que o imposto passasse a ser muito pesado e que as pessoas tivessem ali mais um embaraço à sua atividade. Esta medida passaria então a servir de incentivo para que as pessoas trabalhassem as suas terras ou as disponibilizassem na Bolsa de Terras para arrendamento. A lei das terras abandonadas e sem dono conhecido está aprovada. Neste momento, poderemos dar início a esse processo que, embora venha a ser um percurso lento, com bons parceiros ao nível das GEOP pode funcionar bem e criar uma boa dinâmica. Começámos o projeto Bolsa de Terras colocando terrenos do Estado, mas o Estado não é um grande proprietário. Já colocámos e transacionámos cerca de 700 hectares de terras do Estado. No total, já foram transacionadas 25% das terras colocadas na Bolsa de Terras, sejam privadas ou públicas. Eu creio que os instrumentos estão lá, é preciso começar a criar uma boa dinâmica e implementar o cadastro que queremos que seja feito de forma completamente diferente, contando com o apoio dos solicitadores. A legislação está toda preparada, o Governo entendeu que não havia tempo na reta final do mandato para que esta fosse aprovada, mas será uma das primeiras peças legislativas do próximo Governo. Acredito que, no que respeita ao território, será um grande projeto da próxima legislatura. O cadastro permitir-nos-á tornar a Bolsa de Terras mais operacional. Se tivesse que compor um cabaz com o melhor de Portugal, o que caberia nesse cabaz? Certamente o vinho, o azeite, as frutas, os produtos hortícolas, as nossas raças autóctones – no âmbito da produção animal, temos variadíssimas e com reconhecimento crescente –, os belíssimos laticínios – muitos deles ligados a várias regiões do país –, os frutos secos… Nós temos um bocadinho de tudo. Aliás, este cabaz estaria muito relacionado com a nossa dieta mediterrânica, que faz bem à saúde, previne doenças cardiovasculares e que foi reconhecida como Património Imaterial da Humanidade. Foi assessora da senhora ministra da Justiça, Dra. Celeste Cardona, e dirigiu o Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (GPLP) na data em que entrou em vigor a reforma da ação executiva – como recorda essa fase? A reforma era essencial naquele momento? Estive três anos no GPLP. Foram três anos bastante intensos. Três anos durante os quais convivi com três governos. Fui nomeada pelo XV Governo Constitucional, acompanhei também os XVI e XVII. Naturalmente, fui pondo o meu lugar à disposição e dizendo que ficaria três anos e não mais, pois queria dedicar-me à minha carreira académica. Quando comecei a desempenhar funções do GPLP, estava preparada a reforma da ação executiva pelo governo anterior. Toda a legislação estava aprovada e estava previsto que entrasse em vigor a setembro

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de 2002. (…) Optou-se por se manter o que estava feito e por contribuir para que a reforma entrasse em vigor. Foram tempos muito desafiantes e difíceis. Creio que depois o tempo demonstrou que eram necessários bons afinamentos. Existe quem duvide que a reforma tenha sido bem desenhada, mas a verdade é que esses afinamentos, ao longo dos anos, foram feitos. Nessa altura, o nosso desafio era garantir que a reforma era implementada. Posteriormente, o Gabinete de Auditoria e Modernização acabou por ter um papel muito relevante, assumindo como uma das principais missões acompanhar a execução da própria reforma, com a promoção de muitas sessões de esclarecimento pelo país, com a produção de um livro com perguntas e respostas, contribuindo para que as pessoas mudassem a sua perspetiva e o seu paradigma. Estar com as pessoas, estar com pessoas diferentes é uma das melhores coisas que leva desta experiência como ministra? O que mais destaca? O que de melhor levo é sentir que, hoje, a agricultura é reconhecida socialmente no nosso país. As pessoas que trabalham na agricultura são reconhecidas e valorizadas. Não se tem a imagem do agricultor que se tinha há uns anos, nem da agricultura: uma agricultura dependente dos subsídios, mas que pouco contribuía para o país, feita de gente pouco preparada, ainda muito atrasada e num setor que estava muito pouco desenvolvido. Neste momento, temos uma agricultura muito diversa e no âmbito da qual conseguimos encontrar exemplos para tudo. Encontramos gente que exporta para os países mais recônditos do mundo. Nessa área, fizemos um trabalho enorme, abrimos 267 grupos de produtos para a produção portuguesa. Estamos a falar de 76 mercados diferentes, alguns deles pela primeira vez abertos aos produtos alimentares portugueses. Hoje temos agricultores que são verdadeiros empresários, que estão nas suas explorações mas que depois têm que ir ao estrangeiro, participam nas feiras internacionais, visitam países completamente diferentes do nosso, conseguem fazer negócios e isso é bastante visível. Falamos de um setor que se virou para fora, que bate recordes de exportações – o setor florestal já era muito exportador, exportamos 4,5 mil milhões de euros na fileira florestal e, na agroalimentar, exportamos 6 mil milhões de euros, batemos o recorde no ano passado. São 20% das nossas exportações, o que o torna num setor que está a conhecer uma transformação enorme, conseguindo manter a diversidade, isto é, temos quem opte por exportar, quem opte pelo pequeno mercado de proximidade, pelas cadeias curtas de distribuição e pela valorização do produto regional e local. Aliás, nós facilitámos muito a legislação e os requisitos nessa matéria, aprovando legislação sobre os mercados de proximidade. Temos também quem queira vender para as grandes superfícies, o maior canal de distribuição, e também aí procurámos equilibrar mais as relações entre a fileira. É uma área muito difícil, mas hoje o cenário está mais equilibrado e com mais consensos do que no passado. Eu diria que tudo isto faz parte deste reconhecimento e reabilitação da agricultura como sendo uma área relevante da nossa economia. : :


ENTREVISTA COM ASSUNÇÃO CRISTAS

(...) gosto de ser fiel a mim mesma e dizer o que penso, com a delicadeza necessária, mas nunca prescindindo de dar a minha opinião. Isso é que é enriquecedor em política. (...) gosto de um bom debate e de um bom combate intelectual, desde que feito dentro daquilo que é a verdade.

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EVENTOS

JORNADAS DE ESTUDO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO 2015

MAIS UM PEDAÇO DA HISTÓRIA Foi no Centro de Congressos do Estoril que decorreu mais uma edição das Jornadas de Estudo dos Agentes de Execução. 19 e 20 de junho foram os dias escolhidos para o debate em torno da ação executiva e dos novos desafios que surgem a cada dia. Texto André Silva Fotografias Nelson Ching

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primeiro dia ficou marcado pela presença de quase três centenas de participantes. Foi com a cerimónia de abertura, presidida pela ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que se iniciaram estas jornadas. Na mesma mesa estavam também Françoise Andrieux, Presidente da Union Internationaledes Huissiers de Justice, Luis Ortega Alcubierre, membro do Comité Executivo do Consejo General de Procuradores de España, Rui Carvalheiro, Presidente da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores, José Carlos Resende, Presidente da Câmara dos Solicitadores, e Armando A. Oliveira, Presidente do Conselho de Especialidade do Colégio de Agentes de Execução.

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Nas palavras de Armando A. Oliveira, dever-se-á continuar a inovar, explorando as novas tecnologias e procurando “uma informática para a justiça e não uma justiça para a informática”. Nas palavras de Armando A. Oliveira, dever-se-á continuar a inovar, explorando as novas tecnologias e procurando “uma informática para a justiça e não uma justiça para a informática”. José Carlos Resende, apesar de destacar um presente marcado por projetos como o Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo (PEPEX) e em que Portugal se assume como o primeiro país na Europa a implementar e operacionalizar a penhora eletrónica de depósitos bancários, olhou muito para o futuro da sua intervenção, destacando novas ideias e metas que se pretendem atingir como a organização de formações conjuntas para os diversos profissionais do universo jurídico. Por fim, Paula Teixeira da Cruz destacou estar a contar com o apoio e colaboração dos agentes de execução no âmbito do processo administrativo, dados os resultados alcançados por estes profissionais no processo civil. Terminou agradecendo toda a colaboração, apoio, empenho e dedicação na busca de soluções – uma atitude que disse sempre ter reconhecido na Câmara dos Solicitadores e nos profissionais que esta entidade representa. Terminada a cerimónia de abertura, era altura de começar um debate subordinado ao tema “Papel da Execução da Economia Pós-Troika”, o qual foi moderado por André Macedo, diretor do Diário de Notícias, e o qual recebeu a aprovação e o interesse de todos os presentes. Nele participaram Armando A. Oliveira, Presidente do Conselho de Especialidade do Colégio de Agentes de Execução, Edgar Lopes, Juiz de Direito

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e coordenador do Centro de Formação do Centro de Estudos Judiciários, Rui Leão Martinho, Bastonário da Ordem dos Economistas, e Mariana França Gouveia, professora universitária e membro do conselho de administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “A venda em processo executivo” foi o tema do painel moderado por Laurinda Gemas, Juiz de Direito e formadora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), o qual marcou o início da tarde do primeiro dia de Jornadas. Luís Carvalho, Juiz de Execução, explorou “a redução do valor da venda”, salientando o papel do agente de execução e o impacto do recurso a novas tecnologias. Seguiu-se Alexandra Cidades, Presidente da Delegação do Sul do Colégio de Especialidade de Agentes de Execução, que abordou o projeto “Leilão Eletrónico – O leilão regressivo”, tendo, durante a sua apresentação, analisado as novas soluções passíveis de implementação no futuro. Por fim, Sónia Loureiro, Diretora da Direção de Recuperação Executiva do IGFSS, explicou o funcionamento das “vendas nos processos de execução na segurança social”. Seguiu-se um painel dedicado ao tema “Insolvência e processo executivo”, moderado por Manuel Tomé Gomes, Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça. Neste interveio Renato Gonçalves, Subdiretor-Geral da Direção-Geral da Política de Justiça, que explorou “As diferenças entre a gestão da empresa em insolvência e a liquidação do seu património”. Já o


JORNADAS DE ESTUDO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO 2015

PROPOSTA DE RECOMENDAÇÕES PROPOSTA DAS JORNADAS DE RECOMENDAÇÕES DE ESTUDO DAS JORNADAS DOS AGENTES DE DEEXECUÇÃO ESTUDO 2015 DOS A5 1. Pugnar pela rápida implementação da venda através de leilão eletrónico. 2. Apelar ao Ministério da Justiça que, em caso de frustração da venda, seja alterado o regime no que se refere aos montantes percentuais mínimos aceitáveis como propostas de aquisição. 3. No que se refere aos processos de insolvência: a) Insistir com o Governo pela clarificação da forma de pagamento dos honorários e despesas devidas ao agente de execução nas execuções apensadas a processos de insolvência. b) Recomendar uma alteração legislativa que permita a colaboração do agente de execução com os administradores judiciais na fase de apreensão e venda dos bens da massa insolvente.

Paula Teixeira da Cruz agradeceu toda a colaboração, apoio, empenho e dedicação na busca de soluções – uma atitude que disse sempre ter reconhecido na Câmara dos Solicitadores e nos profissionais que esta entidade representa. tema “Procedimentos após a insolvência: a extinção do processo” ficou a cargo de Duarte Pinto, Presidente da Delegação do Norte do Colégio de Especialidade de Agentes de Execução. Por último e antes de ser permitida a intervenção do público, Inácio Peres, Presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ), analisou os “efeitos da insolvência em processo executivo e a articulação com os agentes de execução”. O último painel deste primeiro dia, subordinado ao tema “PEPEX”, um projeto que tem merecido os aplausos de todos os envolvidos, foi moderado por Mário Diogo, advogado. Neste, Jacinto Neto, Vice-Presidente do Conselho de Especialidade do Colégio de Agentes de Execução, apresentou a “estatística, evolução e desenvolvimentos” relacionados com o procedimento extrajudicial pré-executivo. Rui Simões, advogado, trouxe para

4. No que se refere ao PEPEX: a) Apelar ao Governo pela criação de um regime fiscal único, garantindo-se um custo uniforme do serviço, idêntico para os cidadãos, independentemente do regime fiscal de quem o efetua. b) Atento ao manifesto interesse social do PEPEX, pugnar pela redução para a taxa de IVA reduzida pela prestação destes serviços. c) Instar a Câmara dos Solicitadores e o Ministério da Justiça a promover uma campanha de divulgação do PEPEX. 5. Manifestar a disponibilidade dos agentes de execução para colaborarem nos processos de execução com benefício de apoio judiciário, mediante um regime especial a criar em colaboração com a Câmara dos Solicitadores. 6. Apoiar a proposta da Ministra da Justiça de introdução de alterações ao contencioso administrativo, no sentido de se possibilitar que os agentes de execução assumam a concretização dos atos de execução nestes processos. 7. Manifestar a disponibilidade dos agentes de execução para assumirem funções nos processos de execução fiscal para pagamento de quantia certa. 8. Desenvolver o regime de verificações não judiciais qualificadas, conferindo ao agente de execução um papel primordial nesta matéria. 9. Preparar a implementação do regime de arresto europeu de contas bancárias, conferindo ao agente de execução um papel central e dinamizador desta importante ferramenta, para assegurar uma maior confiança nas transações comerciais no espaço europeu. 10. Salientar a importância da aprovação da proposta de código mundial de execução pela UIHJ, como instrumento orientador das normas comuns a adotar internacionalmente, propondo a sua apresentação em todos os países da CPLP.

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JORNADAS DE ESTUDO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO 2015

o debate “a sensibilidade de um grande litigante” perante esta alternativa que pode revolucionar a ação executiva. Tendo o primeiro dia sido encerrado com o habitual jantar de convívio, o segundo iniciou-se com o debate em torno do tema “Estatuto e sociedades: os desafios de organização”. Este foi moderado por José Carlos Resende, Presidente da Câmara dos Solicitadores. No âmbito do mesmo, contou-se com a intervenção de Hugo Lourenço, presidente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, que abordou a temática “A fiscalização e a ação disciplinar como instrumentos de credibilização à luz de novos normativos”. Neste painel participou ainda o 1.º vice-presidente do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores, Paulo Teixeira, que analisou “a proposta de lei do novo Estatuto”. Também Carlos de Matos, membro do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores, assumiu um lugar nesta discussão, falando sobre “as sociedades profissionais”. De seguida, ocorreu o painel subordinado ao tema “Execução Administrativa: Tramitação processual”, moderado por Armando A. Oliveira, Presidente do Conselho de Especialidade do Colégio de Agentes de Execução. “A execução do ato administrativo no novo Código do Procedimento Administrativo”, “O papel do Agente de Execução” e “A reforma do contencioso administrativo” foram, respetivamente, as questões em análise nas vozes de Carlos Cadilha, juiz conselheiro no Tribunal Constitucional, Benjamim Barbosa, Juiz Desembargador no Tribunal Central Administrativo do Sul, e José Miguel Sardinha, advogado. No último painel das Jornadas foi abordada a “Penhora bancária”, tendo este sido moderado por António Brás Duarte, Presidente do Conselho Superior da Câmara dos Solicitadores. Paula Pott, Juiz de Direito e Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, Françoise Andrieux, Presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice, Luis Ortega Alcubierre, membro do Comité Executivo do Consejo General de Procuradores de España, e Mara Fernandes, Secretária do Conselho de Especialidade do Colégio de Agentes de Execução, trouxeram a debate, respetivamente, “o regulamento europeu de arresto de contas bancárias: expectativas”, “experiências de penhora de depósitos bancários na Europa”, “a penhora de depósitos bancários em Espanha” e a “realidade dos números da penhora bancária, levantamento dos bloqueios”. Após o debate e a votação das propostas de recomendação, aprovadas por unanimidade, teve lugar a sessão de encerramento. Concluídas as intervenções de Françoise Andrieux, de Luis Ortega Alcubierre e de António Brás Duarte, para além da habitual nostalgia, ficaram as palavras de motivação e agradecimento de José Carlos Resende e Armando A. Oliveira. Foi desta forma que terminou mais uma edição das Jornadas de Estudo dos Agentes de Execução, um evento que aproximou ainda mais os associados e que ficou, certamente, nas memórias de todos. No horizonte fica também a convicção: o caminho já percorrido fez sentido, mas apenas com o empenho e a dedicação de todos se poderá continuar a ambicionar chegar ao destino pretendido, aquele que jamais será o final. : :

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ENTREVISTA

Olhar nos olhos dos tribunais

FERNANDO JORGE PRESIDENTE DO SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS

Entrevista Ana Filipa Pinto, André Silva e Rui Miguel Simão Fotografia Claúdia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

“Estou convicto que os cidadãos confiam na justiça” – quem o diz é Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais. Estão lá diariamente, recebem quem chega, ouvem as histórias e dão, muitas vezes, abrigo a dúvidas e receios. Nas palavras de Fernando Jorge, “os oficiais de justiça são a face visível da justiça”, o rosto das suas instituições. Em entrevista ao presidente do seu sindicato, ouvimos a voz e olhamos nos olhos destes agentes da justiça que nos abrem as portas dos tribunais. Qual o papel assumido pelo sindicado nos dias que correm? O que é que o sindicato ainda pode fazer pelos funcionários judiciais? O sindicato tem, hoje em dia, um papel vastíssimo de intervenção na vida dos oficiais de justiça e até na própria vida da justiça. O sindicato é, por natureza, uma instituição reivindicativa e de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores – esta é a definição histórica do conceito. Todavia, o sindicalismo dos tempos modernos ganhou outras dinâmicas e outro tipo de ações. Apesar de a nossa ação sindical continuar a ser muito intensa no que diz respeito à defesa dos direitos e dos interesses dos trabalhadores, a verdade é que o sindicato diversificou a sua influência e a sua intervenção. Existem pelo menos três vertentes que consideramos fundamentais e que têm tido um desenvolvimento muito intenso nos últimos anos. A primeira coincidirá com o apoio jurídico que disponibilizamos aos associados, não só do ponto de vista socioprofissional, como também no âmbito de questões pessoais. A segunda vertente corresponde à formação. Temos um departamento de formação autónomo, através do qual tentamos suprimir as deficiências de formação que a administração tem manifestado ao longo destes últimos anos. O departamento de formação do sindicato tem procurado garantir a formação por todo o país, deslocando-se aos diversos tribunais e comarcas e mantendo também

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uma formação e-learning. A terceira vertente diz respeito ao departamento de ação médica que surgiu na sequência da extinção dos serviços sociais do Ministério da Justiça. Quando estes foram extintos sentimos uma enorme carência, mas percebemos que existia a possibilidade de intervirmos. Por isso, criámos um departamento de assistência médica. Considera que existe mais diálogo entre os operadores judiciários? Temos construído excelentes relações com todos os organismos da área da justiça. Mantemos uma disponibilidade e uma abertura para o diálogo permanente e efetiva. Contudo, considero que conversamos muito pouco sobre questões concretas, sobre as matérias, ou seja, deveríamos discutir alguns diplomas, reformas da justiça, etc. É disso exemplo a reforma do mapa judiciário – não houve articulação e faltou uma tomada de posição conjunta de todos os operadores judiciários, sendo que cada um apresentava uma visão diferente da situação, o que acabou por prejudicar até a própria implementação do mapa. Se tivéssemos debatido mais, talvez tivesse sido possível evitar os constrangimentos que entretanto surgiram. Isto é, existe um excelente rela­cionamento institucional, mas o diálogo não é tão eficaz ou tão profundo como

deveria ser. Não existe um diálogo técnico em torno das questões da justiça como eu acho que deveria haver. Quais os principais desafios enfrentados atualmente pelos funcionários judiciais? Desde já, tentar recuperar face ao que aconteceu devido ao mapa judiciário. Todos os constrangimentos, todos os atrasos e todas as insuficiências. Neste momento, o nosso maior desafio passa por tentarmos repor, nas secretarias dos tribunais, o número suficiente de funcionários, por forma a conseguirmos dar resposta aos constrangimentos que surgiram, e também por, junto de quem tem essas responsabilidades, reforçar que é necessário fazer alguns acertos e retificações ao próprio mapa judiciário. Que papel ainda está reservado para os funcionários judiciais no âmbito das inúmeras revoluções tecnológicas? O funcionário judicial é fundamental. Costumo dizer, sem prazer, que só se nota que os funcionários judiciais são importantes quando estes fazem greve. Eu gostava que fossem reconhecidos por aquilo que fazem. Como se viu recentemente, com a implementação do mapa e com o crash do sistema informático, os funcionários judiciais assumiram um papel fundamental. Transportaram processos, mobiliário e colaboraram, até, na limpeza das instalações. Muitas vezes, esse reconhecimento não acontece. Os funcionários judiciais, do ponto de vista da sua preparação técnica e da sua capacidade de desempenho, também estão subaproveitados. Existem determinadas matérias na área da justiça que, na minha opinião, poderiam ser atribuídas a funcionários judiciais com a formação adequada, libertando os juízes de tarefas como a passagem de certidões, atribuição de pensões provisórias, entrega de objetos e permitindo uma maior dedicação à nobre função de julgar e decidir. Está satisfeito com as qualificações atualmente exigidas aos candidatos a funcionários judiciais? O que acha do afastamento dos licenciados em direito ou em solicitadoria? Sou contra o afastamento dessas licenciaturas. Há muito tempo que temos essa proposta no Ministério da Justiça, eu julgo que é anterior a esta legislatura. Uma proposta de alteração de estatuto, permitindo que o ingresso na carreira se faça entre diversas licenciaturas. As licenciaturas de solicitadoria e direito são fundamentais, mas acrescentaria também as licenciaturas em gestão e sociologia. Eu considero que a alteração do estatuto nessa matéria, abrindo o ingresso a outras licenciaturas, é fundamental. Se pudesse fazer hoje uma reforma do estatuto do funcionário de justiça o que mudaria? Procederia, desde logo, à alteração do regime de ingresso na carreira, tornando obrigatória a conclusão da licenciatura.

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ENTREVISTA COM FERNANDO JORGE

O funcionário judicial é fundamental. Costumo dizer, sem prazer, que só se nota que os funcionários judiciais são importantes quando estes fazem greve. Eu gostava que fossem reconhecidos por aquilo que fazem.

classes profissionais assuma as suas responsabilidades. Todavia a experiência deste primeiro ano não tem sido muito feliz. Parece que a única função dos elementos dos conselhos de gestão das comarcas é deslocar oficiais de justiça de um lado para o ourtro. Como há falta de funcionários, resolvem a questão com recurso a uma mobilidade arbitrária, exagerada e, por vezes, contra a lei. Ora, as pessoas têm a sua vida pessoal e familiar. Serem colocadas hoje num local e amanhã deslocadas para outro a 50, 60 ou mais quilómetros é inaceitável. Acho que alguns elementos dos Conselhos de Gestão ainda não “aprenderam” bem a desempenhar as suas funções. Mas temos esperança que a situação melhore. Apostaria ainda na criação de uma carreira, quer horizontal, quer vertical, que fosse estimulante, bem como na definição de competências mais técnicas e abrangentes. Considera que o modelo de gestão dos tribunais também deveria mudar por forma a aumentar os níveis de eficiência? O que pode ser feito para otimizar o rendimento das secretarias judiciais? Olhando para a atualidade, costumo dizer, com toda a naturalidade, que, para o mapa entrar em vigor, teria sido necessário reunir três condições fundamentais: instalações para os novos tribunais, um número suficiente de pessoas para corresponder às necessidades da implementação do mapa e a certeza que o sistema informático iria funcionar. Estas três condições falharam. As instalações não existiam, como percebemos ao ver os contentores e as obras por esse país fora. O número de funcionários não era o suficiente, existia­um défice de quase mil funcionários. Por fim, o sistema informático, como se viu, falhou e era previsível que falhasse. Todavia, a reforma traz alguma vantagem. A nova gestão dos tribunais é interessante e essencial, principalmente para a responsabilização de todos os operadores judiciários. É importante que, no funcionamento do sistema de justiça, cada uma das diversas

A conjuntura socioeconómica nacional teve reflexos no funcionamento da Justiça Nacional? E essa Justiça, atualmente, garante mais respostas às exigências socioeconómicas? Desde logo, aumentou a litigância nos tribunais, sobretudo ao nível dos tribunais de trabalho e de família. Aí nota-se um efeito direto da questão da crise social que se abateu sobre o país nos últimos quatro anos. A questão da crise social nota-se nos tribunais de família, existindo mais divórcios, mais problemas com menores. Nos tribunais de trabalho, falamos em muitos despedimentos, muitas dificuldades. Constatamos ainda maiores níveis de agressividade, mais casos de violência doméstica e, nos tribunais, sentimos diariamente essa intolerância, por vezes, agressividade ou mesmo ameaças pessoais. Não podemos esquecer que o tribunal é um lugar onde as pessoas estão numa situação de tensão normal e compreensiva. Podemos então dizer que, na Justiça, sentiram-se consequências de duas naturezas? Também os cortes orçamentais tiveram impacto? Sim, tiveram ao nível do funcionamento, devido aos cortes que foram feitos, em alguns meios, nos equipamentos e

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nas despesas. (…) A justiça que o cidadão exige é uma justiça célere, eficaz, moderna e competente, mas trabalhar nestas condições é complicado. Após os primeiros meses de turbulência, mesmo de caos, com a entrada em vigor da reforma, as coisas foram melhorando, sobretudo depois de o sistema informático começar a funcionar. Há um ano, a situação era completamente caótica. Atualmente, podemos dizer que a situação melhorou, mas continua a ser difícil. Os funcionários acabam por ser o rosto humano do tribunal? São eles que contactam diretamente com as pessoas que vão aos tribunais. Eu costumo dizer que os oficiais de justiça são a face visível da justiça. É no balcão que a pessoa vai manifestar as suas críticas, os seus protestos, etc., e não no gabinete do Juiz. Os funcionários são também cidadãos que tiveram cortes enormes nos vencimentos, ou seja, que têm também o problema da crise social. A nossa disponibilidade emocional não é a mesma que nos caracterizava há uns anos atrás. Para além disso, estamos desmotivados, porque não sentimos o reconhecimento do nosso trabalho, os cortes são permanentes, os estatutos não são alterados, a carreira não progride devido ao congelamento das promoções e progressões, todos os

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É preciso clarificar qual é o papel do juiz na execução, qual o papel do oficial de justiça e qual é o papel do agente de execução. Por exemplo, será que, depois da decisão do tribunal, a execução não poderia passar para o agente de execução? É necessário caminhar na direção da simplificação da Justiça. O solicitador é, de facto, um extraordinário e indispensável agente da justiça. Vejo que os solicitadores têm o seu lugar, o seu espaço e a sua função na área da justiça.


ENTREVISTA COM FERNANDO JORGE

meses há novos cortes – tudo isto cria, também em nós, um estado de espírito de alguma desmotivação. Todos os dias as pessoas chegam ao balcão para resolver os seus problemas, que é algo legítimo, e nós estamos com cada vez menos capacidade de resposta porque os meios não são disponibilizados, quer humanos, quer técnicos. Hoje é muito difícil trabalhar nos tribunais. Prova disso é que, hoje em dia, há um número de funcionários com licenciatura elevado e, sempre que abrem concursos na função pública para outros organismos, eles optam por ir embora. Que alterações espera que resultem da colocação dos 600 novos funcionários admitidos no último concurso? É uma medida positiva mas, nestas condições, é muito pouco. Nos últimos dez anos, o número de magistrados judiciais, quer juízes, quer procuradores, aumentou sempre, mas o número de oficiais de justiça diminuiu, não contanto com os que saíram entretanto. Temos um défice, dos últimos anos, de 2000 oficiais de justiça. Vão entrar 600, mas precisamos rapidamente de outros tantos. Como correram as negociações com o Ministério da Justiça para, em tempos de austeridade, conseguirem uma admissão desta dimensão? O sindicato há muito tempo que vinha alertando para a falta de funcionários mas, normalmente, o sindicato tem sempre o rótulo de corporativismo. E houve uma altura em que toda a gente percebeu, pois os magistrados também estão a trabalhar nos tribunais. Começaram a perceber que o défice dos oficiais de justiça também se repercutia no seu próprio trabalho. Começámos a ouvir o Conselho Superior de Magistratura e a Procuradoria-Geral da República, cujos representantes falavam em falta de funcionários e, felizmente, o Ministério da Justiça compreendeu essa necessidade. Quando assim é, a única solução é abrir o processo de recrutamento e foi isso que aconteceu. No atual contexto, como avalia o papel assumido pelos agentes de execução? A situação da ação executiva é uma das que merecia um debate profundo. A reforma da ação executiva está mal resolvida. Temos muitos problemas, nós e os agentes de execução. Considero que é uma matéria que não está definitivamente esclarecida. O cidadão não percebe se a ação executiva é da responsabilidade dos agentes de execução ou se é da responsabilidade dos tribunais. Eu diria que esta reforma está, neste momento, equívoca. O processo termina no tribunal com a execução, passando depois a ser da competência do agente de execução, contudo, mantém-se pendente no tribunal. Em quase todo o país, nas secções executivas, existem milhares de processos. Não digo que a culpa seja dos agentes de execução

ou dos tribunais, mas devem ser pensadas novas soluções. É esse debate que é preciso fazer. Na minha opinião, existiu precipitação na implementação desta reforma em 2003. Nesse ano, não estavam criadas as condições. Atualmente, as coisas estão muito melhores. Tenho uma enorme admiração pelo Armando A. Oliveira, presidente do Colégio de Especialidade dos Agentes de Execução, que tem feito um trabalho extraordinário, mas é necessário irmos mais além, é necessário diminuir a pendência das execuções nos tribunais, é preciso simplificar muito o processo executivo. (…) É preciso clarificar qual é o papel do juiz na execução, qual o papel do oficial de justiça e qual é o papel do agente de execução. Por exemplo, será que, depois da decisão do tribunal, a execução não poderia passar para o agente de execução? É necessário caminhar na direção da simplificação da Justiça. E como olha para a figura do solicitador? O solicitador é, de facto, um extraordinário e indispensável agente da justiça. Vejo que os solicitadores têm o seu lugar, o seu espaço e a sua função na área da justiça. Na questão da insolvência, o papel do administrador judicial também é um tema importante? Estamos perante uma questão que deve ser reanalisada. O administrador judicial ganhou novas competências, nova importância na questão da insolvência. Continuo a achar que existe demasiada burocracia, é necessário tornar estes processos mais rápidos. É possível aumentar os níveis de eficácia. Se fizermos um inquérito de rua aos cidadãos, eles identificam, como problema mais importante, a falta de celeridade. É necessário tornar a resolução dos litígios mais rápida. Como considera que o cidadão português encara e avalia a justiça nacional? Ao contrário do que se pensa, estou convicto que os cidadãos confiam na justiça. Contudo, a justiça enfrenta um desafio: a sua mediatização. A comunicação social tem um tempo, hoje a notícia sai e amanhã deixa de ter interesse, mas para o tribunal não. Os processos têm outra duração. A mediatização da justiça é de facto negativa nesse ponto de vista, mas, por outro lado, a justiça tem alguma culpa, porque não consegue adaptar o seu relacionamento com a comunicação social. Ao invés de haver alguns agentes da justiça, nomeadamente magistrados, que são comentadores permanentes na comunicação social, devia existir um gabinete de comunicação e informação oficial, do próprio Conselho de Magistratura, capaz de fornecer todos os esclarecimentos e informações sobre as diversas questões e processos que tivessem interesse e impacto público. A justiça não pode ser secreta, mas deve ser discreta! Concluindo, acho que o cidadão acredita na justiça, por isso é que, quando tem algum problema, continua a recorrer a ela. : :

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CÂMARA

UMA NOVA ORDEM? Por Luís Paiva, Advogado

Foi finalmente aprovado, pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro, o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), que entra em vigor no dia 14 de outubro. É o culminar de um processo legislativo que se iniciou em janeiro de 2013 com a publicação da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e que, no que respeita à Câmara dos Solicitadores, teve a primeira audição aos associados em assembleia de delegados e em duas assembleias gerais que decorreram na Figueira da Foz e em Pombal nos dias 25 e 26 de janeiro de 2013.

A

futura Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) não é, na realidade, uma nova Ordem. O EOSAE, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, apenas transforma a mesma associação profissional, que continua a regular, por imperativos de tutela do interesse público, as profissões de solicitador e de agente de execução. Tal como acontece atualmente, a futura Ordem terá como fins o controlo do acesso e exercício da atividade profissional dos solicitadores e dos agentes de execução, elaborando as normas técnicas e deontológicas respetivas e exercendo o poder disciplinar sobre quem desenvolva essas atividades profissionais (sem prejuízo das competências da CAAJ, Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça). Façamos um breve excurso pelo novo diploma, realçando as principais alterações face ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores. 1 – NOVA ORGANIZAÇÃO DA OSAE Com o novo EOSAE é alterada a estrutura orgânica da Ordem, destacando-se a criação dos seguintes órgãos: – Assembleia de Representantes; – Provedor; – Conselho Fiscal. Merece ainda nota a reformulação da organização regional e local da Ordem, com a criação do Conselho Regional de Coimbra e a previsão da divisão local tendo como referência os distritos administrativos. Realçamos ainda a consagração de dois colégios profissionais, em via da autonomização do colégio dos solicitadores, bem como, na esteira da assembleia de representantes, a criação das assembleias de representantes dos colégios. Cumpre notar, ainda, a previsão da figura do referendo. 2 – REFORMULAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS DO CONSELHO SUPERIOR Neste âmbito, merecem destaque a previsão de competências de supervisão, bem como em matéria disciplinar sobre

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agentes de execução, quando estejam em causa condutas violadoras dos deveres para com a Ordem ou para com outros associados. Será ainda o Conselho Superior o órgão com competência para aferição da existência de incompatibilidades, escusas, impedimentos e suspeições, bem como a verificação da falta de idoneidade dos profissionais. 3 – REGIME DE INCOMPATIBILIDADES Esta matéria foi densificada face ao regime ainda em vigor. Merecem destaque a previsão de novas incompatibilidades, designadamente com as funções de revisor oficial de contas, técnico oficial de contas e administrador judicial ou liquidatário judicial. Já no que respeita à mediação, esclarece-se que apenas é incompatível a mediação imobiliária. Quanto aos agentes de execução, é de salientar a previsão da incompatibilidade dos agentes de execução com o exercício do mandato judicial. Nesta matéria importa ainda o disposto no regime transitório da Lei de aprovação do EOSAE: com exceção da incompatibilidade entre o exercício de funções de agente de execução e o mandato judicial (que teve como fundamento a especial missão dos agentes de execução na nossa ordem jurídica e que deve ser terminada até ao final de 2017 – sem prejuízo da manutenção dos mandatos judiciais já constituídos até à data da entrada em vigor do EOSAE), as incompatibilidades e os impedimentos previstos ex novo no EOSAE não prejudicam os direitos legalmente adquiridos. 4 – SOCIEDADES Esta matéria tem de ser analisada em conjunto com a Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, que estabelece o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais. Merecem destaque: a) A obrigatoriedade de as sociedades já constituídas adaptarem os seus estatutos no prazo de 180 dias; b) A inadmissibilidade de quaisquer sociedades multidisciplinares que integrem solicitadores ou agentes de execução;


c) A designação das sociedades para o exercício das funções de agente de execução. 5 – OUTRAS INOVAÇÕES a) Inscrição no colégio profissional de agentes de execução Destaca-se a eliminação do requisito de inscrição neste colégio de detenção prévia da qualidade de solicitador ou de advogado. b) Seguro de responsabilidade civil profissional Prevê-se um seguro para solicitadores, com o mínimo de 100.000€. Mantém-se a previsão de seguro para agente de execução, com o valor mínimo de 100.000€. Já o seguro mínimo das sociedades de profissionais é de 200.000€. Note-se que a previsão da obrigatoriedade do seguro tem como consequência a fixação de um limite máximo de indemnização quando a responsabilidade civil do associado se fundar na mera culpa. c) Maior densificação estatutária dos direitos e deveres dos associados, dos patronos e dos estagiários. d) Obrigação de prestação de caução, de acordo com valores a determinar por regulamento, para agentes de execução que recebam anualmente mais de 1000 processos, ou que tenham pendentes mais de 2000 processos. O valor da caução, calculado multiplicando-se o número de processos que ultrapasse

os limites referidos anteriormente por um fator entre 0,15 e 0,5 UC, visa garantir o pagamento das despesas decorrentes da liquidação dos processos, em casos de cessação de funções temporária ou definitiva do agente de execução ou de extinção da sociedade, bem como o pagamento das despesas decorrentes da gestão e manutenção do arquivo. e) Possibilidade de definição pela CAAJ de limites de designação para novos processos. f ) Previsão de ações de formação contínua, que é obrigatória para agentes de execução, com vista a assegurar o acompanhamento da evolução teórica e prática do exercício da atividade. g) Obrigatoriedade de publicação de todos os regulamentos previstos no EOSAE no prazo de dois anos Este passo na história da instituição reveste-se de uma grande importância, sobretudo porque permitirá aperfeiçoar os instrumentos de regulação, reforçando a garantia de transparência e o contributo desta organização para um melhor funcionamento da Justiça nacional, trazendo irrefutáveis ganhos e benefícios não só para os associados, mas também para os cidadãos. Resta aos dirigentes e aos associados da Câmara dos Solicitadores erigir o novo edifício desta associação profissional. Um desafio exigente, mas apaixonante. : :

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ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO O ARQUIVO DA MEMÓRIA DA NAÇÃO

Texto Ana Filipa Pinto Fotografias Cláudia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

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REPORTAGEM

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oder-se-ia dizer que, se a memória algum dia falhasse ao país, aqui seria certamente possível confirmar tudo quanto se tivesse passado na data procurada. As gárgulas protegem cada uma das fachadas, tomam conta deste espaço composto por duas estruturas, cada uma em forma de “T”, cuja grandeza espelha a missão e onde se guardam as páginas do diário de um país que muito tem vivido. E uma coisa é certa: viveu o suficiente para preencher 55 mil metros quadrados, mais de 100 quilómetros de documentos e seis pisos de depósitos. Silvestre Lacerda é Diretor-Geral da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas e não tem dúvidas quanto ao valor do arquivo que aqui mora. O mesmo integra documentos cujo nome chega a deixar com pele de galinha quem imagina estar no mesmo espaço que a Bula Manifestis Probatum, o Tratado de Tordesilhas ou a carta de Pedro Vaz de Caminha. Igualmente espantoso é saber que esta casa mantém a mesma designação desde o século XIV. Como afirma Silvestre Lacerda, esta é, “provavelmente, a instituição mais antiga que ainda mantém a mesma designação. Tombo significa registo ou arquivo. Torre era o local onde eram guardados esses mesmos registos”. Falamos de um tesouro, cujo valor coincide com a identidade de um país. Daí nada ter sido deixado ao acaso aquando da idealização deste espaço: “Houve um esforço muito significativo no planeamento desta obra. Antes do terramoto de Lisboa, a Torre do Tombo localizava-se na torre do castelo. Aquando do terramoto, um dos maiores problemas coincidiu com os fogos e as derrocadas. A torre onde estava o arquivo ruiu. Contudo, a estrutura da torre, ao ruir, abafou o incêndio, salvando-se imensos documentos. Este novo edifício é composto por duas estruturas em forma de T. Em caso de terramoto ou acidente, elas caem uma sobre a outra para proteger a casa forte, uma área específica onde estão guardados os nossos documentos mais importantes”. Mas desengane-se quem pensa que é impossível chegar aqui. Entre caixas e maços, Silvestre Lacerda clarifica: “o importante é entrar. Somos um serviço público, à disposição das pessoas. Qualquer cidadão português ou estrangeiro, com mais de 18 anos, tem acesso ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo”. Aliás, convém saber distinguir bibliotecas, arquivos e museus. “Não, não são a mesma coisa. Os arquivos são parte daquilo que é a autenticação das atividades. Um livro ou uma peça de museu não tem valor de prova. Já a função primordial dos documentos é funcionarem como prova”. O responsável partilha

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ainda uma convicção que faz pensar e olhar em volta, para lá das paredes da Torre do Tombo: “O arquivo ainda se pode sobrepor à força. O arquivo pode ser uma parte importante de uma visão de paz”. A curiosidade existe. As pessoas querem realmente entrar e conhecer. Prova disso são os números. Por ano, ocorrem “300 mil movimentações de caixas e maços de documentos para a sala de leitura”. Um utilizador, por dia, pode movimentar dez caixas”. Os documentos da Inquisição e da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) são os mais procurados por quem quer saber mais acerca do passado de um país ou, quiçá, acerca do passado dos seus. Tendo em conta que o documento mais antigo remonta ao ano de 882, esta seria, certamente, uma longa e viciante viagem no tempo. Para garantir que os documentos que aqui chegam podem servir esse fim precioso que é ajudar a contar uma história feita de tantas outras, é fundamental apostar numa equipa multidisciplinar, capaz de chegar mais longe, de reconstruir o passado juntando peças, por vezes, tão ínfimas. Já no laboratório de restauro e conservação, dir-se-ia que quem assume esta profissão como vida é certamente apreciador de puzzles e outros tantos quebra-cabeças: “São vários os perfis. Desde os técnicos que vão à prateleira buscar o documento aos técnicos especializados. (…) Estes técnicos precisam de saber ler

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documentos em latim ou com características paleográficas diferentes. Para além disso, ainda temos técnicos especializados em digitalização”, explica Silvestre Lacerda. Depois, é tudo tão simples. “Existem documentos aos quais os utilizadores não têm acesso por questões de conservação. Contudo, neste momento, praticamente todos os documentos da casa forte estão digitalizados. Fizemos um esforço de transferência de suporte para que estes possam estar acessíveis através da internet ou dos sistemas de leitura local de documentos. O cidadão chega, identifica-se, sobe uma escadaria. À sua direita, tem um local de receção, onde preenche uma requisição, sendo posteriormente encaminhado para uma sala de leitura. Se esse documento não estiver digitalizado, é fornecido o original. Nessa sala de leitura, estão dois


ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO

Arquivo Nacional Torre do Tombo CONSULTA 2ª A 6ª FEIRA: Sala de referência: 9h30 às 19h15
 Sala de leitura geral: 9h30 às 19h15
 Sala de leitura de microfilmes: 9h30 às 19h15 CONSULTA SÁBADO: Sala de referência: 9h30 às 12h15
 Sala de leitura geral: 9h30 às 12h15
 Sala de leitura de microfilmes: 9h30 às 12h15 REQUISIÇÕES 2ª A 6ª FEIRA: Sala de referência: 9h30 às 15h30
 Sala de leitura de microfilmes: 9h30 às 19h00
 Certidões e fotocópias: 10h00 às 17h00

técnicos que asseguram o acompanhamento. Para documentos mais frágeis, fornecemos um kit próprio, uma vez que é necessário todo cuidado a manusear os mesmos”. Tudo pensado para que o valor dos documentos não seja um impeditivo da sua consulta, mas sim mais um argumento para vir até cá e ficar boquiaberto com a beleza, a delicadeza e a sumptuosidade de peças, hoje tão banais, como mapas. Mas, por aqui, o tempo não anda apenas para trás. Também avança. E dos suportes tão variados como papel, pergaminho, têxtil ou metal chegámos ao depósito digital: “Neste momento, disponibilizamos cerca de 15 milhões de imagens, o que corresponde a 1% do volume global da documentação existente no arquivo. Temos de ter consciência que não podemos acabar com uma instituição que garante aquilo que é a nossa memória mas também os direitos dos cidadãos. Vamos ter de vencer o desafio de manter atual a Torre do Tombo, acompanhando os suportes e desafios inerentes à forma como lidarmos com a memória (…). Estamos a preparar a Torre do Tombo para garantir que o papel que ela desempenhava no passado vai poder continuar a desempenhar no futuro”, assegura Silvestre Lacerda, Diretor-Geral da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas e responsável pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo, um espaço que não envelhece, apenas cresce com o país. : :

REQUISIÇÕES SÁBADO:
 Sala de leitura de microfilmes: 9h30 às 12h15
 Sala de leitura geral: 9h30 às 12h15
 Requisições: as requisições de leitura para sábado deverão ser apresentadas até às 15.30 da 6ª feira anterior. HORÁRIO DE VERÃO O horário de verão decorre de meados de julho a meados de setembro. Consulte as notícias para ficar a conhecer as datas exatas do horário de verão. CONSULTA E REQUISIÇÕES 2ª A 6ª FEIRA: Sala de referência: 9h30 às 15h00
 Sala de leitura geral: 9h30 às 17h30
 Sala de leitura de microfilmes: 9h30 às 17h30 Encerramento aos Sábados. Contactos Arquivo Nacional da Torre do Tombo
 Alameda da Universidade
 1649-010 LISBOA Tel.: 210 037 100 Fax: 210 037 101 E-mail Geral: mail@dglab.gov.pt

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SOCIEDADE

“Falta esperança e isso é preocupante para o futuro.”

DANIEL SAMPAIO PSIQUIATRA E ESCRITOR Texto Ana Filipa Pinto Fotografias Cláudia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

69 anos de vida caberiam num livro intitulado “Luta permanente contra a injustiça da Justiça”. E ainda haveria espaço para ele nas prateleiras que preenchem o escritório onde passa as tardes de quinta-feira. Defensor de pontes e de novos olhares, Daniel Sampaio quis, um dia, ser jornalista ou escritor. Aliás, escreveu, desde sempre, por gosto e na ficção diz ser possível encontrar uma janela sobre a realidade. Optou pela psiquiatria e por continuar a escrever para melhor explicar e compreender. Na sua opinião, o mundo está muito diferente. E Portugal também. Falta-lhe confiança e esperança. É para esse país que olhamos numa entrevista que se pretende sem paredes nem preconceitos.

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ENTREVISTA COM ...............

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DANIEL SAMPAIO

Sabemos que sonhou vir a ser escritor ou jornalista. Optou por ser médico psiquiatra. Como poderemos compreender esta mudança de rumo? Sempre escrevi desde a adolescência, publicava pequenos textos num suplemento juvenil, chamado “Diário de Lisboa Juvenil”, nos anos 60. Fui sempre escrevendo e fui sempre lendo. Posteriormente, fui para medicina, mas poderia ter ido para psicologia. O que me interessava era a saúde mental, só que a psicologia estava muito embrionária na altura (…) e, como era filho de um médico, fui empurrado para a medicina. O meu primeiro livro foi sobre a experiência que tinha tido com toxicodependentes e os seus pais, chamado “Droga, pais e filhos”. (…) Ao longo da minha vida, fui retratando em livros as minhas experiências como psiquiatra, recorrendo, por vezes, à ficção. Contudo, nunca escrevi um romance. Quando se assume a profissão de psiquiatra, passa-se a olhar para os outros de uma forma diferente? É um desafio constante manter a fronteira face aos problemas de quem o procura? É uma questão de organização. Uma das coisas positivas que tenho é ser muito organizado, muito pontual, divido muito bem o tempo e chego sempre a horas. Trabalho no hospital todas as manhãs e na quarta até às 18 horas. A tarde de quinta-feira é para mim, seja para escrever, ir ao cinema, estar com amigos, etc. A organização do tempo que faço é muito boa. Escrevo, há 20 anos, uma crónica semanal na imprensa. Comecei no Notícias Magazine, depois passei para a X e agora estou na revista 2 do Público. Comecei em 1994. Eu e o Pacheco Pereira somos os cronistas mais antigos. Consigo fazer isso porque, ao domingo de manhã, escrevo sempre a minha crónica e, quando não sigo essa regra por qualquer motivo, já não sai tão bem. Quando tinha estagiários comigo, fazia-lhes imensa confusão esta minha organização. Por exemplo, marcava uma visita a um doente esquizofrénico das 9h às 10h, das 10h às 11h visitávamos uma escola, às 12h fazíamos um grupo de pais. Os estagiários estranhavam como podia ser tão assertivo no horário. Como referiu, mantém uma presença ativa nos media. Isso representa uma necessidade de chegar aos outros? Sim, acho os meios de comunicação fundamentais. A televisão foi, durante muito tempo, essencial. Neste momento, as redes sociais são importantíssimas.Tudo o que seja comunicar

de uma forma diferente representa uma maneira de chegarmos às pessoas. Eu ainda leio jornais em papel, mas verifico que, no meu serviço, quase ninguém lê jornais em papel. As pessoas preferem ver as notícias na internet. Essas formas de chegar aos outros são muito importantes, porque a psiquiatria não pode fica fechada, tem de ir ao encontro e perceber o que se passa com as pessoas. Os problemas das pessoas são muito diferentes dos que identificávamos há 20/30 anos. O mundo está muito diferente. Esta frase é uma banalidade, mas corresponde à realidade. São muitas as diferenças? O conhecimento do cérebro tem evoluído muito. A psiquiatria em que comecei há 40 anos é completamente diferente. Há uma grande evolução e o contexto também se modificou. As famílias alteraram-se muito, as relações são mais instáveis, etc. Como se explica, percebe e “mede” o sofrimento mental? O sofrimento mental é muito assustador. Não é fácil medir, não é fácil ver e não é fácil compreender. Em todas as épocas, a loucura era uma coisa que assustava as pessoas e isso também é por culpa da psiquiatria. A psiquiatria afastou-se da medicina. Existiam hospitais especializados, com muros muito altos para que os doentes ficassem lá fechados e a sociedade protegida da loucura, afastada dos alienados. Tudo isso está a mudar. Neste momento, os serviços de psiquiatria estão ao lado de outras especialidades. Há convívio com outros doentes. Mesmo assim, ainda assusta muito. A psiquiatria mudou. E o olhar de quem está de fora? Há um menor preconceito, mas continua a existir. Hoje em dia, já não é tão estigmatizante ir ao psiquiatra. Contudo, as pessoas ainda sentem dificuldade em falar de uma doença mental. A loucura é desconhecimento. São perturbações invisíveis e nem sempre é fácil determinar a causa de uma doença psiquiátrica. Por exemplo, se uma pessoa consumir drogas em grande quantidade, pode adoecer de um dia para o outro. Isso é muito assustador, porque ainda é relativamente desconhecido. Mas a comunicação social está mais atenta ao assunto e fala-se mais. Nesse aspeto, assistimos a uma significativa melhoria.

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Neste momento, em situações de divórcio já existem mais casos de guarda partilhada, o juiz tem mais em conta a opinião da criança, tem mais preocupação com as questões psicológicas. Por outro lado, o tribunal, muitas vezes, contribui para o aumento do conflito do casal, o que faz com que as crianças sofram mais.

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Ensinar é outra das suas paixões. Necessita dessa parte da sua vida para sentir que o resto faz sentido? Estou perto da reforma. Embora tenha de o fazer obrigatoriamente devido à idade, se me continuasse a sentir como hoje, poderia continuar a trabalhar. Ensino na Faculdade de Medicina e é muito estimulante porque os alunos são muito bons. Passaram o secundário a estudar, ganharam bons hábitos de trabalho e têm muito gosto em aprender. Isso é muito gratificante. As pessoas para terem êxito precisam de trabalhar muito. Foi um dos responsáveis pela introdução da terapia familiar em Portugal. Pretendeu contemplar no seu último livro a ligação dessa área à Justiça, nomeadamente num contexto crítico como o divórcio? Há ligação entre estas duas áreas? Sim e devia até existir mais. As fronteiras não devem existir. A sociedade deve estabelecer pontes entre os diversos saberes. Eu gosto muito de trabalhar com pessoas que não sejam da minha área. Em relação ao livro… Quando fiz a minha formação em terapia familiar, nos anos 80, tivemos muito contacto com o tribunal de família, porque existiam


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problemas de divórcio e violência doméstica. Ou seja, sempre trabalhei com famílias e casais em crise. Nos últimos anos, com o aumento do número de divórcios e tendo em conta os problemas que os casais jovens têm que enfrentar, a situação tornou-se mais aguda e eu voltei a interessar-me muito por esse tema. Considera que a Justiça nacional ainda não contempla este olhar mais humano sobre as questões? “O tribunal é o réu” é um título muito forte. Foi feito de propósito para obter o efeito de choque. O livro é muito crítico sobre o funcionamento dos tribunais de família. Continuo a concordar com tudo o que escrevi, mas tem existido alguma evolução. Por exemplo, neste momento, em situações de divórcio já existem mais casos de guarda partilhada, o juiz tem mais em conta a opinião da criança, tem mais preocupação com as questões psicológicas. Por outro lado, o tribunal, muitas vezes, contribui para o aumento do conflito do casal, o que faz com que as crianças sofram mais. Quando um casal com filhos passa por um divórcio litigioso há consequências graves para a criança. Isso está completamente comprovado. O conflito entre os pais é o principal fator de risco para saúde mental da criança no pós-divórcio. Por isso é que o tribunal tem de ser mais rápido a decidir e tem de ter uma avaliação mais cuidada para não cometer tantos erros. O tempo da Justiça ainda não é o tempo ideal para a vida de uma criança? Para um adulto, dois anos não é muito significativo. Para uma criança é bastante. As necessidades irredutíveis das crianças são diferentes conforme a idade. (…) O atraso da resposta do tribunal pode ter impactos negativos. Muitas vezes, no momento da sentença, a decisão já não está ajustada à idade da criança. Faria sentido existir uma assessoria mais frequente? É uma das coisas que eu proponho no livro. Já houve psicólogos nos tribunais de família e menores que estavam lá sempre e eram neutros. Chegava o processo ao tribunal, o juiz chamava o psicólogo e ele intervinha junto da mãe e do pai. Era o psicólogo do tribunal. Por falta de dinheiro e por várias reformas que se fizeram, deixou de haver psicólogos nos tribunais e recorre-se a assessorias externas, muitas vezes tendenciosas. Ainda no âmbito da Justiça, como encara a criação de uma base de dados de pedófilos? Não concordo que haja essa base de dados de fácil acesso. Existe um risco muito grande nestas situações: os falsos diagnósticos. A sociedade não se pode substituir ao tribunal. Se eu tiver acesso a uma lista e souber que na casa da frente vive um pedófilo, eu posso ter uma atitude injusta. Evidentemente que a pedofilia é um crime muito grave e devo dizer-lhe que é muito difícil de tratar. Eu nunca vi um pedófilo a confessar o crime. É muito difícil de confessar e de compreender e a psiquiatria não tem grandes armas para o tratamento de pedófilos.

Existem muitos erros de apreciação, sobretudo em casos de divórcio. Por exemplo, verificamos que muitas acusações de abuso sexual, posteriormente, revelam-se falsas. A conjuntura socioeconómica teve efeitos na saúde mental dos portugueses? Sim e já existem estudos sobre isso. A emigração acarretou problemas no âmbito do relacionamento das famílias. Muitas pessoas jovens que saíram e ficaram privadas do contacto familiar. Também não podemos esquecer problemas como o desemprego, o corte de pensões, entre outras situações complexas que marcam a vida das famílias. Estas situações abalaram muito a confiança das famílias e foi uma dimensão da crise que se notou muito na psiquiatria. Os pedidos de consulta, sobretudo para resolução de casos de ansiedade e depressão, aumentaram desde 2008. Neste momento, acho que falta confiança. Acho que os portugueses confiam muito pouco nos políticos e nas instituições. Falta esperança e isso é preocupante para o futuro.

Quando mais gosta de ouvir música clássica? O que ouviria agora? À Quinta ou Sexta-feira à tarde é quando tenho mais tempo livre. Não consigo estudar com música. O meu compositor favorito é o Bach. Ouviria as cantatas de Bach. Refere que gosta de brincar com gatos. Porquê com gatos? É uma coisa de infância. Vivi em Sintra até aos 15 anos, numa pequena quinta, e tinha vários gatos. Acho um animal bastante interessante e com uma personalidade muito viva. Eu não concordo que o gato seja traiçoeiro. Tive gatostoda avida. Se o tratarmos muito bem, ele tornase muito nosso amigo e segue-nos para todo o lado. Se o tratarmos mal, ele nunca se aproximará. O cão, mesmo que o dono lhe bata, ele nunca o abandonará. Eu gosto desta personalidade rebelde dos gatos. E quanto ao futebol – só vê? Consegue resistir a dar uns toques na bola? Só jogava quando era novo. Joguei futebol na faculdade, mas só entre amigos. Nunca fui federado. Tenho dois netos federados no futebol e um no andebol. Eu sou um desportista de bancada. Afirma também gostar de ler ficção – é um refúgio da realidade? Não acho. A literatura explica muito. Bons escritores explicam o mundo, captam e escrevem sobre a realidade, é lá que vão buscar as histórias, ajudando-nos a compreender a vida. : :

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FORMAÇÃO

O NOVO MODELO DE ESTÁGIO DE SOLICITADORIA

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDA-SE O PARADIGMA DO ESTÁGIO DE SOLICITADORIA EM PORTUGAL Por Helena Bruto da Costa, Diretora do Departamento de Formação do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores

A História da Formação dos Solicitadores remonta ao Séc. XII e, desde sempre, houve a clara consciência por parte de um grupo não muito alargado destes profissionais quanto à necessidade de aperfeiçoar e aprofundar não só os conhecimentos na área jurídica, mas também em todas as áreas que lhe estão conexas, com vista a alcançar uma defesa justa dos direitos das pessoas, seja no plano público, seja no plano das relações intersubjetivas privadas.

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olvidos tantos séculos, é profundamente reconfortante conhecer o trajeto levado a cabo pelos Solicitadores e concluir que, a aposta séria na formação, ditou o seu percurso até ao momento, na conquista de novas competências, com impactos indiscutivelmente positivos na defesa dos direitos em geral, e na forma de se ver e sentir a Justiça em Portugal. Após a aprovação do Estatuto da Câmara dos Solicitadores pelo Decreto-lei n.º 486/76 de 19/6, tornou-se imperativo acompanhar esta evolução, obrigando a um esforço na atualização de conhecimentos motivado, desde logo, pelas diversas alterações entretanto ocorridas, nomeadamente as de índole constitucional, respeitantes à organização judiciária e às modificações nas leis processuais. Até que, decorridos quase 40 anos, foi publicado o Decreto-lei n.º 8/99, de 8/1 que se tornou um marco incontornável na afirmação deste profissional na sociedade portuguesa. Mas foi em 1995 que a formação na Câmara dos Solicitadores se desenvolveu de forma organizada e especializada, afirmando-se verdadeiramente na nossa sociedade, enquanto classe profissional, dotada de conhecimentos particulares junto das pessoas singulares e coletivas. Foi precisamente nesta altura que, confrontados com o início da era tecnológica que não deixou ninguém indiferente, nos apercebemos do surgimento rápido dos novos meios de transmitir a informação, de comunicar, de alcançar uma justiça “mais justa”, a tão proclamada, justiça material. Durante os nove anos que se seguiram, os Conselhos Regionais do Norte e do Sul organizaram e colocaram em funcionamento três “grandes” Cursos de Formação. Tratou-se de um plano de formação extremamente

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inovador, intensivo e com objetivos muito claros, os quais foram conseguidos, marcando a diferença na atual formação dos Solicitadores. O ano de 2003 foi igualmente decisivo e constitui um marco histórico, pois acarretou um leque de oportunidades para estes profissionais, desde logo, por força da reforma da ação executiva. Muito mudou, desde então, para os Solicitadores. Com a introdução do Processo de Bolonha que se iniciou de modo informal em maio 1998, com a declaração de Sorbonne e que apenas se repercutiu em 2007 no âmbito da Solicitadoria, passou a exigir-se o grau de licenciatura, como requisito necessário para a inscrição na Câmara dos Solicitadores. Esta realidade, no seu conjunto, foi preponderante na elevada qualidade do conhecimento técnico-jurídico que hoje se exige aos Solicitadores, designadamente, aos estagiários. Decorridos estes anos, revolucionou-se forçosamente a forma de olhar o Direito e a Justiça no nosso País, tendo a Câmara do Solicitadores acompanhado de forma perspicaz esta mudança, apresentando, desde logo, alternativas processuais e tecnológicas com impacto direto na melhoria da defesa da Pessoa e com consequentes reflexos positivos na economia nacional portuguesa. Na sequência deste movimento, a Câmara dos Solicitadores, (futura Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução) implementou em junho de 2014 um inovador modelo de Estágio de Solicitadoria em que se deu prioridade ao rigor na avaliação dos estagiários. Este desafio tornou-se inevitável, desde logo, devido à proliferação de cursos de direito e de solicitadoria que, não tendo conteúdos programáticos uniformes, exigiram que se colmatasse a disparidade existente. O estágio que decorreu (2014-2015) teve a duração de 1 ano e terminou em julho último com a realização de um Exame Nacional, no qual se abordaram as quatro áreas indicadas no Estatuto da Câmara dos Solicitadores (Direito Civil e Processo Civil; Estatuto, Regulamentos; Deontologia; Direito Comercial, Notarial e Registal; Direito e Prática Fiscal). Pretendeu-se aferir, numa vertente essencialmente prática, os necessários conhecimentos jurídicos e científicos adquiridos pelo estagiário durante a sua licenciatura, e que permitirá o acesso à profissão de Solicitador(a). Com este novo modelo de estágio, os estagiários foram confrontados numa 1.ª fase, que teve a duração de 6 meses, com 12 Estudos de Caso, os quais versaram sobre a resolução

de situações quotidianas da prática de solicitadoria, transversais às diversas áreas do Direito. Realizaram-se 3 sessões presenciais com os estagiários, destinadas a permitir o debate das questões aí suscitadas, onde participaram formadores especializados, consoante as áreas abordadas. Na 2.ª fase do estágio, apostou-se na aprendizagem eminentemente prática, vivida em ambiente de escritório de um Solicitador que assumiu o papel de Patrono Formador, figura esta contemplada no Regulamento de Estágio n.º 53/2014, de 17 de março. Com efeito, é na observação concreta da atividade profissional dos solicitadores que os candidatos a esta profissão devem recolher os ensinamentos necessários à futura prática profissional. Neste âmbito, foram ainda organizadas duas sessões extraordinárias complementares de apoio e uma sessão especificamente destinada à preparação para o Exame Nacional de Estágio e esclarecimento de dúvidas dos estagiários. A Comissão Nacional de Formação e Estágio apostou e continuará a apostar fortemente na uniformização dos conteúdos a abordar no estágio a nível nacional, garantindo aos estagiários uma formação equitativa e de qualidade. A este propósito realçam-se os imprescindíveis contributos da Comissão de Auditoria e Fiscalização, entidade que promoveu reuniões com os Patronos Formadores em todo o território nacional, recolhendo experiências e sugestões que foram tidas em conta na construção do novo projeto de estágio. Reconhecendo-se os grandes desafios que o futuro apresenta, a estrutura do atual modelo de estágio é dinâmica, pressupondo uma constante adaptação a novas realidades, implicando o aperfeiçoamento contínuo deste projeto que recentemente se iniciou. Do que ficou dito, impõe-se um estágio de solicitadoria que seja científico e pedagogicamente exigente, rigoroso e dirigido à preparação efetiva do estagiário para os desafios atuais da solicitadoria, evidenciando-se necessariamente a responsabilização também do estagiário pelo seu percurso profissional. Na verdade, a formação é “o coração” de qualquer profissão liberal. E é com a clara consciência de que, na área da formação e por muito que nela se trabalhe, esta é sempre uma tarefa inacabada que a Câmara dos Solicitadores continuará empenhadamente a promover, pugnando pela constante dinamização da transmissão do conhecimento por forma a dotar os Solicitadores das ferramentas indispensáveis ao exercício de tão nobre e secular profissão. : :

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ENSINO SUPERIOR

Nos últimos anos, os cursos de solicitadoria têm vindo a conquistar público e destaque em diversas instituições nacionais de ensino superior. Visando garantir uma ponte sólida com todas elas, este espaço cheio de espírito académico, o qual irá percorrer Portugal e continuar a marcar presença nas próximas edições, tem como principal objetivo divulgar a história, os desafios, as conquistas, as aspirações, a “personalidade” de cada um destes cursos.

“É acertado afirmar que O CURSO REFLETE A EVOLUÇÃO QUE A JUSTIÇA E A PROFISSÃO TÊM REGISTADO” Melanie Neiva Santos Coordenadora da Licenciatura em Solicitadoria do Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo Entrevista Ana Filipa Pinto Fotografia Cláudia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

Há quantos anos foi instituído o curso? O que vos levou a apostar na sua criação? Hoje, olhando para trás, considera que foi o momento certo? A licenciatura em Solicitadoria foi criada no ano de 2007 e resultou da constatação duma crescente procura dos serviços dos Solicitadores, em especial dos Agentes de Execução. As reformas legislativas criaram novas oportunidades para os Solicitadores sendo que na altura da criação do curso a área mais evidente era a da ação executiva, existindo milhares de processos judiciais parados e poucos Agentes de Execução. Mas logo a seguir registaram-se outras conquistas como o alargamento das competências dos Solicitadores no domínio dos registos e do notariado. Neste contexto considero que a criação da licenciatura em Solicitadoria, no ISCET, foi definitivamente oportuna e veio dar resposta a uma efetiva necessidade de formação em resposta às necessidades do mercado. Como considera que tem evoluído ao longo dos anos? Que adaptações têm sido levadas a cabo? O curso é um reflexo da passagem do tempo, do incremento da exigência e da evolução das expectativas? E essas mudanças, esses sintomas de evolução têm tido impacto no funcionamento da Justiça em Portugal?

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A reforma da justiça a que temos assistido nos últimos anos em Portugal tem criado oportunidades para os Solicitadores, novas atribuições a que correspondem naturalmente novas responsabilidades. O plano de estudos é, pois, objeto de continuada reflexão e adaptação à evolução da profissão e das competências técnicas e éticas que o seu desempenho reclama. As revisões ditam adaptações quer ao nível dos conteúdos programáticos, quer ao nível da própria estrutura curricular. O plano de estudos foi, aliás, recentemente alterado e conta desde o passado ano letivo com uma nova estrutura curricular que reflete uma preocupação de especialização. Nesta medida, é acertado afirmar que o curso reflete a evolução que a própria Justiça e a própria profissão têm registado. Ao nível do funcionamento da justiça a implementação das tecnologias da informação neste domínio teve resultados muito positivos que se refletiram numa melhoria do acesso à informação, na gestão processual e na eficiência dos serviços. Muitas das tarefas que no passado recente implicavam formulários em papel, deslocações e filas de espera, são hoje executadas cómoda e rapidamente na secretária. Esta mudança de paradigma implica igualmente mudanças nos objetivos do curso ao nível das Tecnologias de Informação e Comunicação.


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LICENCIATURA DE SOLICITADORIA / ISCET

O que sublinha como aspetos diferenciadores do mesmo face aos outros existentes no país? Quais as vossas principais apostas? Aliás, tendo que descrever o curso e a formação que oferecem em apenas uma frase, o que diria? Conhecimento técnico-jurídico sólido acompanhado de competências conferentes de autonomia. A evolução do ordenamento jurídico obriga a uma constante atualização do conhecimento. Assim, o importante é que os diplomados adquiram por via da licenciatura as competências que lhes permitam no futuro desenvolver o conhecimento e proceder a uma correta aplicação do direito, isto é, sejam verdadeiros Administradores da Justiça e estejam dotados de competências técnicas e éticas para atuar com responsabilidade. Não se pretende que conheçam todo o ordenamento jurídico, sobretudo no atual contexto de ensino-aprendizagem, reflexo da reforma de Bolonha. O que se pretende é tão só criar hábitos e competências de rigor, estudo e gosto pelo Direito, bem como consciencializar os estudantes da importância do papel do Solicitador na Justiça e na sociedade em geral. A licenciatura em Solicitadoria do ISCET integra uma componente de estágio e conta com uma alargada rede de protocolos que permite aos nossos estudantes realizar o estágio em diversos locais. A par desta formação em contexto de trabalho, os estudantes têm ainda a oportunidade de contactar com profissionais que todos os anos se disponibilizam a intervir e partilhar a sua experiência em seminários e aulas. Neste ponto, destaco em particular a preciosa e frutuosa cooperação estabelecida com a Câmara dos Solicitadores e com o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz. Destaco ainda a composição do corpo docente que integra docentes com um perfil marcadamente académico, dedicados em exclusivo à investigação e docência, e docentes com um perfil profissional, todos com larga experiência nas suas áreas de atuação. A faculdade mantém relações com instituições estrangeiras e favorece a mobilidade dos estudantes? Valorizam essa aposta no âmbito do ensino superior? O ISCET completa agora 25 anos ao serviço do ensino superior e conta com uma importante rede de parcerias com instituições de ensino superior estrangeiras, que passa por países como Espanha, Alemanha, Polónia, Eslovénia, República Checa e Turquia. No âmbito destas parecerias o ISCET recebe e envia todos os anos, ao abrigo do programa Erasmus +, estudantes e docentes. Num mercado cada vez mais global a aposta na internacionalização, no enriquecimento pessoal pela aquisição de competências transversais, designadamente relacionais e culturais, o contacto com novas metodologias de ensino-aprendizagem, representam mais-valias para o futuro desempenho profissional dos nossos estudantes, bem como para o desempenho profissional dos nossos docentes. E a adesão/procura tem registado progressos? Se sim, como justificaria esse aumento? Dever-se-á a uma maior sensibilidade para compreender o papel do

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solicitador? Como consideram que a sociedade encara a profissão de solicitador? Tem registado mudanças essa forma de olhar a profissão? A licenciatura em Solicitadoria no ISCET é um ciclo de estudos reconhecido no mercado que tem registado um nível de procura elevado e constante desde a sua criação em 2007. A própria localização do ISCET, no coração da vida forense, permite criar sinergias muito interessantes: desde logo uma facilidade em visitar os tribunais e assistir a audiências de julgamento, contactar com conservatórias, bem como receber profissionais para seminários, tertúlias e outras intervenções. Este fator da localização tem ainda reflexo na procura, pois, a par dos estudantes que terminam o 12º ano e apostam na Solicitadoria como futuro profissional, temos estudantes que já integram escritórios de Solicitadores, de Agentes de Execução, Advogados com localização próxima do ISCET e vêm enriquecer o seu desempenho através de um aprofundamento dos conhecimento para progressão na profissão. Este aspeto permite criar uma dinâmica em ambiente de aula muito enriquecedora porque há um confronto diário da aprendizagem com os desafios que a prática profissional coloca, dinâmica que a todos beneficia. O papel atento da Câmara dos Solicitadores tem sido fundamental pela incansável busca de oportunidades e notável esforço de divulgação da profissão. Creio que a notoriedade que os Solicitadores hoje granjeiam muito se deve a este labor da Câmara, aliado ao contributo do ensino ministrado em

termos de ensino superior. Na realidade, as novas atribuições implicam responsabilidades acrescidas que reclamam esta necessidade de um conhecimento técnico-jurídico sólido, o qual, por sua vez, exige a sua aquisição a um nível a todos os títulos superior. Sente que o curso oferecido pela vossa instituição tem andado de mãos dadas com a atualidade e o mercado de trabalho? De que forma acompanham essa transição dos vossos alunos? O investimento em protocolos nacionais é uma constante preocupação? A intervenção de Solicitadores, Agentes de Execução, Administradores de Insolvência (Judiciais), Juízes, entre outros profissionais, em seminários e em ambiente de aula permite manter uma ligação muito estreita com o mercado de trabalho e auscultar a profissão. Por outro lado, os nossos estudantes realizam estágio no último semestre da licenciatura aplicando e aferindo na prática os seus conhecimentos. Neste domínio, contamos com inúmeros protocolos que permitem que os nossos estudantes estagiem, designadamente, em escritórios de Solicitadores, de Agentes de Execução e nos Julgados de Paz. Aliás, relativamente aos vossos alunos, o que diria que os pode distinguir nesse mercado de trabalho cada vez mais competitivo? No ISCET ministramos um ensino personalizado em que procuramos motivar cada estudante a dar o seu melhor e, em

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LICENCIATURA DE SOLICITADORIA / ISCET

resultado deste esforço, assistimos todos os anos a um gratificante crescimento pessoal de todos. Ao longo da licenciatura, os estudantes progridem neste desenvolvimento integral sustentado no conhecimento teórico-prático, no sentido de rigor e de ética, bem como em competências de auto-aprendizagem. Hoje sabemos que a realização de um estágio curricular é um fator de competitividade no acesso ao mercado de trabalho. Os nossos estudantes gozam dessa mais valia, tendo grande parte deles realizado o estágio nos Julgados de Paz e contactado com a adminstração da justiça em contexto real. Este conjunto de fatores determina uma elevada integração profissional dos diplomados seja pela entrada no mercado de trabalho, seja pela progressão nas respetivas carreiras profissionais. Como definiria as responsabilidades de uma instituição do ensino superior no contexto atual? De que forma é que participar, atualmente, na direção de uma instituição como esta é, por si só, um desafio? É um desafio e uma missão que se desdobra em diversos aspetos: - Contribuir para a inserção no mercado de trabalho combatendo os fenómenos do desemprego e da exclusão social; - Formar profissionais competentes e responsáveis face à relevância social que o papel do solicitador assume; - Promover o conhecimento e rigor científico pela orgnização de ações de formação superior e contínua, eventos científicos e atividades de investigação; - Divulgar conhecimentos de cariz científico pelo apoio a publicações nas diversas áreas de formação e investigação; - Desenvolver parcerias estratégicas com outras instituições. Estes objetivos que constituem a missão do ISCET são diariamente construídos pela comunidade ISCET, a qual é vivida porque construída por todos nós: os que detêm responsabilidades de gestão académica, os docentes, os discentes, os funcionários e os profissionais que, com igual espírito de missão,

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O papel atento da Câmara dos Solicitadores tem sido fundamental pela incansável busca de oportunidades e notável esforço de divulgação da profissão. Creio que a notoriedade que os Solicitadores hoje granjeiam muito se deve a este labor da Câmara, aliado ao contributo do ensino ministrado em termos de ensino superior. se prontificam a participar e colaborar nas iniciativas levadas a cabo pela instituição. O mérito é pertença e divisa de todos! Quanto ao futuro, que oportunidades e projetos é que se adivinham? Olhando para o futuro, podemos dizer que pretendemos: – Aprofundar os nossos projetos de investigação como é o caso da revista Percursos & Ideias, em especial o caderno de Solicitadoria, e do Observatório dedicado à resolução alternativa de litígios; – Prosseguir os objetivos do nosso Clube Jurídico, recentemente criado e que proporciona aos estudantes contacto com profissionais, a par de visitas de estudos, palestras, simulações de mediação, entre outros eventos de caráter interdisciplinar e com uma componente de aproximação à vida profissional que aqui se valoriza; – Prosseguir com o nosso esforço de internacionalização e estabelecer novas parcerias estratégicas no plano nacional e internacional; – Dinamizar a cooperação estabelecida com diversas entidades e personalidades; – Fomentar a especialização dos nossos estudantes sensibilizando-os para a importância da formação de nível pós-graduado; – Promover eventos científicos de cariz nacional e internacional; – Organizar e oferecer formações especializadas e de atualização aos profissionais do setor. : :


PROFISSÃO

GERINDO O ESCRITÓRIO Por João Capítulo, Tesoureiro do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores

“(…) as áreas da contabilidade e gestão estão em crescimento. Deve-se ao facto de este ser um domínio do conhecimento com extensão à sociedade.” José Godinho Calado

Pró-reitor da Universidade de Évora in 6.º Encontro Luso-Brasileiro de Contabilidade, maio2015

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escritório de solicitadoria/ agente de execução mais não é que uma empresa de prestação de serviços que atua num mercado (muito regulamentado e espartilhado), com características próprias mas muito concorrencial. A responsabilidade pela gestão deste nosso tipo de empresa recai, sempre, num solicitador(a) / agente de execução. Ora, este gestor, para além de, obrigatoriamente, ser um especialista do foro jurídico, tem hoje de estar atento a outras áreas no âmbito das quais os conhecimentos de contabilidade e fiscalidade não podem ser descurados sob pena de insucesso. Assim sendo, um escritório com esta essência, por natureza empresarial, tem no solicitador/agente de execução o seu mais importante capital (capital humano), sendo hoje reconhecido que este mesmo capital é peça fundamental na arquitetura de uma empresa. Também sabemos hoje que esse capital humano é tão mais valioso quanto maior for o investimento na formação. Modernamente indiscutível e obrigatória, a ser adquirida/ministrada ao longo de toda a vida útil, a necessidade de formação trata-se de uma verdade de que me apercebi há muito. Organizar um escritório de solicitadoria / agente de execução passa por pensar a sua estrutura técnico-administrativa, mas torna-se imprescindível estruturar a sua organização contabilística como fonte de informação interna, que habilite o solicitador/ agente de execução para as constantes tomadas de decisão a que este profissional está sujeito no quotidiano, se o quiser ver estável e em progressão. Esta organização contabilística habilita, do ponto de vista interno, não só o gestor/ solicitador/ agente de execução para a tomada de decisões, como é uma ferramenta de controlo da atividade desenvolvida que, a funcionar com precisão, representa um mecanismo de conciliação de todo o movimento dos fluxos financeiros da atividade e evitará muitos dos problemas que todos conhecemos. Ainda do ponto de vista interno, a organização contabilística gera relatórios conforme as necessidades do solicitador/

agente de execução, muitas vezes utilizando, como fonte de informação, os dados contidos nos relatórios da contabilidade financeira e em que esses mesmos dados são transformados numa linguagem mais simples e acessível. Atualmente, os relatórios financeiros deixaram de ser apenas informativos e numéricos, sendo que a informação gerada por uma boa organização contabilística é imprescindível aos parceiros com quem o solicitador/ agente de execução trabalha: – Desde logo, os seus próprios clientes; – Os fornecedores que estão interessados na sua capacidade de pagamento, ou seja, na sua liquidez; – As instituições financeiras que analisam a rentabilidade do escritório para financiamentos futuros; – E, ainda, as instituições de controlo e supervisão, sem esquecer a própria Autoridade Tributária e Aduaneira que utiliza os dados disponíveis para obter informações de índole fiscal e evolutivo da empresa/ escritório. Cada vez mais, o solicitador/ agente de execução, que é também um gestor, confronta-se com a necessidade crescente de informações úteis. Informações que o ajudem a gerir convenientemente os seus próprios resultados, dando primordial importância à transformação dos números em relatórios, coadjuvados por simples gráficos ou até mesmo por softwares especializados em gestão. A contabilidade torna-se assim imprescindível no dia a dia do seu escritório, não apenas como ferramenta insubstituível, mas também porque existe uma ética da contabilidade, a qual não se reduz apenas ao estrito cumprimento da Lei, outrossim radica na consciência do que é moralmente aceitável. Citando, com a devida vénia e profundo respeito, Sua Excelência o Senhor Presidente do Tribunal de Contas, Dr. Guilherme de Oliveira Martins, “(…) A sociedade tem sabido responder ao desafio do rigor e da exigência em favor da transparência (…) e as boas contas contribuem para o desenvolvimento Humano”. : :

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ENTREVISTA

Justiça testada em laboratório Entrevista a

CONCEIÇÃO GOMES

Coordenadora Executiva do Observatório Permanente da Justiça

Embora sem microscópios, no Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra amplia-se o funcionamento deste pedaço da sociedade, analisa-se de perto a aplicação da Lei, a perceção do cidadão, o impacto de cada mudança. Por aqui, observa-se a Justiça. Conversámos com Conceição Gomes, coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça, e, mesmo sem tubos de ensaio, percebemos como é possível testar uma Justiça que se quer sempre melhor.

Qual é o papel do Observatório Permanente da Justiça? O Observatório Permanente da Justiça, constituído em finais da década de 90, é um projeto do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O primeiro grande estudo do Observatório é de 96/97, materializa-se na publicação de um livro sobre a Justiça em Portugal (“Os tribunais nas sociedades contemporâneas o caso português”), ao qual foi atribuído o prémio Gulbenkian. É aqui que aparecem expressões como “litigância de massa”, “litigantes frequentes”, entre outras. No início da década de 2000, com António Costa como Ministro da Justiça, o Observatório celebrou um protocolo com o Ministério da Justiça, tendo sido desenvolvido um conjunto de trabalhos de diagnóstico e recomendações sobre a Justiça portuguesa. O que nos interessa é sempre a perspetiva de como é que o direito é aplicado. As normas e as reformas legais não são para funcionar no abstrato, têm uma aplicação concreta. Muitas vezes, o problema não está na lei, mas nas condições da sua aplicação. Dentro do próprio país, existe contacto com outras entidades? No nosso país, no que diz respeito ao estudo sobre a Justiça, é necessária a articulação com outras instituições. Mantemos uma excelente colaboração com todas as instituições judiciárias. Desde cedo, as instituições judiciárias compreenderam que a produção de conteúdos sobre

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Entrevista Ana Filipa Pinto André Silva e Rui Miguel Simão Fotografia Cláudia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]


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o judiciário é importante também para o seu trabalho. Existem colegas na Europa que não conseguem fazer trabalho de campo, não conseguem obter a colaboração das instituições locais. Em Portugal, existiu sempre uma colaboração estreita com as instituições judiciárias, sem qualquer obstáculo. Como é constituída a vossa equipa? Nós procuramos ter sempre equipas multidisciplinares. Temos uma pequena equipa, composta por sociólogos e juristas. Esta é uma área complexa. Os juristas conhecem o sistema judiciário, mas não conhecem as técnicas de investigação e os sociólogos dominam bem as metodologias, mas não conhecem a especificidade do campo. Isto torna difícil a investigação nesta área, mas faz com que tenhamos um grande esforço na constituição das equipas. Formar juristas que aprendam também a ser sociólogos e o contrário. Para além disso, temos, ainda, na nossa equipa, um colega que domina muito bem as bases de dados jurídicas. Nos nossos estudos, participam, frequentemente, consultores, juízes, magistrados do ministério público, advogados, etc. Esta interação é facilitada, quer pela nossa Unidade de Formação Jurídica e Judiciária (UNIFOJ), quer pelo programa de doutoramento sobre o “Direito e Justiça no Século XXI” - uma parceria entre o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, a Faculdade de Economia e a Faculdade de Direito. É um doutoramento que alia Direito a Sociologia. O Observatório também ajudou a criar este programa. É um doutoramento que alia Direito a Sociologia. O Observatório também ajudou a criar este programa. Podemos dizer que o cidadão consegue sentir o papel do Observatório na produção legislativa e na aplicação da lei? Se olharmos para os preâmbulos da legislação podemos ver muitas perspetivas de reflexão que resultam dos nossos trabalhos. Por exemplo, há sete ou oito anos atrás, falar de gestão judiciária era como se tivéssemos a atacar a independência judiciária. Neste momento, para além de todos falarem

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em gestão, tornou-se um conceito absolutamente central na reforma da justiça. Existiu uma mudança muito grande e o papel do observatório, nestas e noutras matérias, ajudou a mudar esta perspetiva analítica. É urgente integrar mais os cidadãos no universo judiciário? Poderemos afirmar que se registará um salto qualitativo quando o sistema de justiça não olhar para os processos na perspetiva da quantidade, quando o sistema perceber que, naqueles processos, há problemas de cidadãos. Por exemplo, alguns tribunais, no que diz respeito a decisões quanto a crianças que estão em instituições, demoram meses e anos. Dois anos na vida de uma criança é muito tempo. O sistema de justiça não tem noção da urgência. Os processos não podem ser urgentes porque a lei o diz, mas sim porque vida das pessoas exige essa urgência. No quadro europeu, esta é uma reflexão que já está a ser feita sobretudo nos países nórdicos. É uma mudança de paradigma de funcionamento que é necessário concretizar. Atualmente, podemos dizer que é mais fácil os cidadãos compreenderem a justiça? A justiça continua a não conseguir comunicar com os cidadãos, apenas o faz através da comunicação social. Quando existem determinadas decisões que são mais mediáticas, o sistema de justiça coloca a informação no site, mas apenas é inteligível para quem dominar a área. Por vezes, nem os jornalistas conseguem compreender o conteúdo da informação divulgada. A justiça não encontra formas de comunicar, não se adaptou ao novo contexto de mediatização e isso joga contra a própria justiça. Existe a unidade de formação jurídica e judiciária. A formação que aqui é prestada também tem esse elemento diferenciador por integrar os resultados? Tentam integrar profissionais de vários universos?


ENTREVISTA A CONCEIÇÃO GOMES

Poderemos afirmar que se registará um salto qualitativo quando o sistema de justiça não olhar para os processos na perspetiva da quantidade, quando o sistema perceber que, naqueles processos, há problemas de cidadãos.

Criámos uma unidade de formação jurídica e judiciária há cerca de quatro, cinco anos, celebrando um protocolo com a associação sindical dos juízes portugueses e o sindicato dos magistrados do ministério público. Isto por considerarmos que a formação que existia nesta área era uma formação de conferência, muito mais fragmentada. Considerámos importante apostar numa formação muito virada para as questões de natureza mais prática. (…) Muitas vezes as pessoas já dominam os quadros teóricos e o que elas precisam de conhecer é a aplicação prática. No que diz respeito aos formadores, procuramos trazer pessoas das universidades, mas também quem trabalhe diretamente nas áreas em questão. A nossa perspetiva é sempre o diálogo entre a teoria e a prática. Desde a década de 90, como é que tem evoluído a justiça? O que tem mudado? Os números são diferentes? Se olharmos para a justiça temos dois grandes vetores: por um lado, temos um sistema em permanente mudança, que está sempre em reforma; por outro lado, temos as perceções dos cidadãos que não mudam sobre a justiça. Quem tem responsabilidade nesta área deveria parar e pensar. Nos últimos 15 anos, tivemos reformas em todos os setores da justiça. Mapa judiciário, meios alternativos de solução de conflitos,

criação de julgados de paz, arbitragem, ação executiva, entre outros. Mais meios, mais juízes, mais funcionários e a reclamação contínua quanto à falta de recursos. Com tudo isto, se hoje perguntarmos ao cidadão o que mudou, constatamos que as perceções continuam a ser exatamente as mesmas de outros inquéritos realizados em 1991 e 2001. As pessoas não notam diferenças. Relativamente a estas últimas grandes mudanças, quando é que vamos poder olhar para trás e perceber essas mudanças? No caso do mapa judiciário, é uma reforma que tem de começar a ser avaliada a curto prazo. Recorrendo aos poucos instrumentos ao nosso dispor e com trabalho no terreno, no meu entender, têm de ser feitos, rapidamente, alguns ajustes. A solução não é mudar tudo novamente, mas tem de existir alguém que pare para pensar o que quer do sistema de justiça, no que a nossa sociedade precisa. Como avalia a figura do solicitador e do agente de execução na atualidade judiciária? No que diz respeito ao solicitador, não me posso pronunciar muito, porque, de facto, não tenho acompanhado e não existem estudos sobre essa matéria. Os agentes de execução têm feito um bom trabalho e desenvolvido um grande esforço de formação. Acompanhámos os agentes de execução no terreno e apercebemo-nos das suas necessidades. Na minha opinião, chegámos a um momento em que temos de voltar a refletir sobre este caminho e a questionar se mantemos este sistema híbrido ou não. Por fim, por onde vai passar o futuro da justiça? O futuro da justiça vai depender daquilo que nós quisermos fazer dele. Poderemos fazer da justiça um poder virado para a cidadania, um poder forte e democrático, ou poderemos mantê-lo como está neste momento. : :

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VIAGENS PROFISSÃO

NOVO REGIME GERAL DOS ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO Por Ana Luísa de Sousa Solicitadora

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) foi constituída em abril de 1991 com a missão de supervisionar e regular os mercados de valores mobiliários, instrumentos financeiros derivados (mercados de bolsa) e a atividade de todos os agentes que neles atuam. É um organismo independente, com autonomia administrativa e financeira. As receitas dependem das taxas de supervisão que cobra e não do Orçamento de Estado.

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Undertakings for Collective Investment in Transferable Securities (UCITS - Sociedades /entidades /organismos de investimento coletivo em valores mobiliários) Foram emitidas uma série de diretivas da União Europeia com o objetivo de permitir que produtos/fundos de investimento coletivo pudessem operar livremente em toda a Europa, desde que respeitando o mesmo enquadramento (legal e informativo). Fundos de Investimento Este é um património autónomo que resulta da agregação e aplicação de poupanças de entidades individuais e coletivas em mercados, primários e/ou secundários, de valores. Fundos de Investimento Mobiliário Aplicações fundamentalmente em valores mobiliários transacionáveis, cotados ou não cotados (ações, obrigações, etc.). Fundos de Investimento Imobiliário É um produto financeiro alternativo, para a aplicação das poupanças dos investidores, designadamente aos depósitos bancários e ao investimento direto no mercado de capitais, tendo a vantagem de as suas aplicações serem acompanhadas e geridas por profissionais especializados no mercado de capitais. Desde fevereiro de 2002, que a bolsa portuguesa está integrada na plataforma Euronext – Euronext Lisbon, a qual visa o incremento da competitividade, da liquidez, da dimensão dos negócios, bem como o acesso dos emitentes nacionais à poupança externa e às principais Bolsas Europeias. Integração da BVLP na Eunonext: tal trará benefícios para os emitentes e investidores nacionais, através da promoção da Euronext Lisbon nos principais mercados europeus e mundiais. A Euronext trata-se do primeiro mercado pan-atlântico e um dos maiores mercados bolsistas mundiais, o qual representa novas oportunidades de investimento, possibilitando divulgar as nossas empresas a investidores internacionais, captar fluxos financeiros importantes para o desenvolvimento e alavancagem de empresas nacionais, sobretudo as que necessitam de grandes montantes para desenvolvimento de projetos. CMVM Atividade de Supervisão – Acompanhamento e fiscalização das entidades que intervêm no mercado de capitais – negociação em bolsa

– Deteção de infrações e punição dos infratores (coimas, suspensão de atividade) – Difusão de informação, essencialmente sobre empresas cotadas · Entidades sujeitas a Supervisão · Emitentes de valores mobiliários · Intermediários financeiros · Fundos de investimento · Fundos e Sociedades de Capital de Risco · Auditores e sociedades de notação de risco · Fundos de garantia Atividade de Regulação – Elaboração de normas, regulamentos, instruções e pareceres sobre o funcionamento dos mercados de valores mobiliários Objetivos · Proteção dos investidores · Eficiência e regularidade de funcionamento dos mercados · Controlo da informação · Prevenção de riscos · Prevenção e repressão de atuações ilegais O novo código - Organismos de Investimento Imobiliário O novo regime geral regula a atividade dos Organismos de Investimento Coletivo, classificando-os como instituições dotadas, ou não, de personalidade jurídica. Estes têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.

Organismos de Investimento Coletivo

Organismos de Investimento Coletivo em Valores mobiliários (OICVM)

Organismos de Investimento Alternativo

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(OII) – Regime geral e regulamentação – Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro - Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo Revoga o DL n.º 63-A/2013, de 10 de maio – RJOIC Revoga o RJFII – DL n.º 60/2002, de 20 de março e DL n.º 71/2010, de 18 de junho Altera também o Regulamento Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e o Código dos Valores Mobiliários Regulamento nº 2/2015. Diário da República, 2.ª série – n.º 138, de 17 de julho de 2015 Revogará o Regulamento n.º 08/2002 da CMVM No novo código, o legislador faz a junção e homogeneização, num só diploma, da legislação ao revogar o DL n.º 63-A/2013, de 10 de maio (Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo – RJOIC), o Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (RJFII) – DL n.º 60/2002, de 20 de março, e DL n.º 71/2010, de 18 de junho, e alterando também o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e o Código dos Valores Mobiliários. – O Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo transpõe, para a ordem jurídica interna, as Diretivas n.º 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, e n.º 2013/14/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013 – ambas relacionadas com a matéria de Gestores de Fundos de Investimento Alternativos. – O novo regime geral regula a atividade dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC)-classificando-os como instituições dotadas, ou não, de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes. – Os OIC assumem a forma: · Contratual – Fundos de Investimento (entre os quais os Mobiliários e Imobiliários) – que são patrimónios autónomos sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão e que investem em ativos imobiliários (FII); · Societária – Sociedades de Investimento Mobiliário ou Imobiliário – que são Sociedades Anónimas de Capital Fixo ou Variável (SIMO) que podem ser: Autogeridas / Heterogeridas. Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários Quanto aos Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (OICVM-FIM), estes são organismos abertos cujo objetivo é o investimento coletivo de capitais de investidores não exclusivamente qualificados em valores mobiliários ou outros ativos líquidos, tais como ações, obrigações e outros

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valores mobiliários transacionados em mercados regulamentados. Substituição da antiga definição de Fundos de Investimento: – Fundos de Investimento Mobiliário tradicionais; – Fundos de Investimento Mobiliário (FIM); – Sociedades de Investimento Mobiliário (SIM). Nota: No site da CMVM, as sociedades anónimas com cotação na Bolsa de Valores deverão solicitar uma senha de acesso a fim de informar, por declaração, as alterações estatutárias e movimentos financeiros que sejam relevantes para o conhecimento geral no mercado de Valores Mobiliários. Novo Regime Fiscal – DL n.º 07/2015, de 13 de janeiro Entrou também em vigor, desde 1 de julho de 2015, o novo regime de tributação dos OIC, aplicável aos Fundos e às Sociedades de Investimento Mobiliário e Imobiliário, aprovado em janeiro. A Autoridade Tributária e Aduaneira divulgou o seu entendimento em junho, por meio da circular n.º 6/2015, prestando nela esclarecimentos quanto a algumas das principiais características deste novo regime e respetivas disposições transitórias (âmbito de IRS, IRC, IMT, EBF e TGIS). Também o Regime Fiscal dos FII - Tributação dos rendimentos pagos aos Participantes (Artigo 22.º e 22.º- A, DL n.º 7/2015) – passou a ser aplicável após 1 de julho de 2015, por fundos de investimento imobiliário, fundos de investimento mobiliário, sociedades de investimento imobiliário que se constituam e que operem de acordo com a legislação nacional. O novo regime fiscal tem por objetivo: – Implementar um regime fiscal que permita a comparação e aumente a competitividade dos (OIC) FII com os dos restantes Estados Membros da UE, nomeadamente com o Luxemburgo; – Proporcionar um enquadramento fiscal atrativo para os investidores institucionais e para os não residentes. O novo sistema de tributação à saída (em alternativa ao anterior) permite aos investidores não residentes continuar a beneficiar de uma isenção de imposto sobre os rendimentos pagos (FIM) e é alvo de uma retenção de 10% (FII); – Adequar o regime fiscal, por forma a permitir um desenvolvimento das Sociedades de Investimento Imobiliário. Conclusão Estamos assim na presença de novos instrumentos legais de enquadramento dos mecanismos jurídicos e financeiros acima descritos, algo complexos e que têm implicações nos códigos do IRS, IRC, IMT, EBF e TGIS. Será necessário dedicar a devida atenção a estas questões, as quais pretendi expor de forma simples e clara, deixando o seu estudo detalhado para outra ocasião. : :


CÂMARA

Conselho Regional do Sul promove encontro de solicitadores No passado dia 27 de junho, o Conselho Regional do Sul organizou, uma vez mais, o encontro de solicitadores e famílias. Por Ana Paula Gomes da Costa, Solicitadora e membro do Conselho Regional do Sul da Câmara dos Solicitadores

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stes (re)encontros são muito importantes para (re) aproximar os colegas que vivem a constante azáfama do dia a dia de quem pratica o Direito. Profissão tantas vezes solitária, tantas vezes stressante, tantas vezes exigindo sacrifícios, faz com que estes encontros, além de estimulantes, sejam relevantes também para a reaproximação de solicitadores no ativo e já aposentados. O Conselho Regional do Sul tem como objetivo proporcionar estas atividades e manter desperta a ligação aos associados, apostando em proporcionar um dia diferente e feliz. Assim, na data marcada, o grupo inscrito reuniu-se no Alqueva para um passeio de barco no lago e para poder, dessa forma, desfrutar da agradável vista que o rodeia. O dia, que estava magnífico com o calor próprio da época, ajudou à boa disposição dos colegas e incentivou os mais afoitos a praticar alguns jogos tradicionais portugueses.

Com o passeio e com o esforço investido nos jogos tradicionais cresceu o apetite e os convivas rumaram à aldeia mais próxima, a Amieira, ao restaurante “O Aficcionado” do Senhor Pedro. Presentearam-nos com uma ementa muito sugestiva, composta por sopa, um prato de bacalhau, seguido de um prato de carne e terminando com uma boa sobremesa de gelado, tudo isto regado com bom vinho da região. O encontro, que contou sempre com muito boa disposição, incluiu também animação musical, levando a maioria dos convivas a mostrar os seus dotes de dança. Ao fim da tarde e antes do regresso, o Senhor Pedro ainda nos serviu uma canja de galinha e frango assado com batatas fritas para aconchegar o estômago no momento da despedida. Foi um dia bem passado que deixou vontade reforçada para um novo (re)encontro. : :

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DELEGAÇÕES

Entrevista a Elsa Mota

PRESIDENTE DA DELEGAÇÃO DO CÍRCULO JUDICIAL DE LOURES

“Temos trabalhado e defendido os interesses dos Solicitadores e Agentes de Execução” Na sua opinião, como descreveria o papel assumido por uma delegação? Gostaria de salvaguardar o seguinte: É notório que este artigo não irá versar sobre o novo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. As alterações ao nível da estrutura orgânica são de tal forma dramáticas que esvaziam por completo o tema ora em questão. Assim, vamos falar do passado, por ora ainda presente. Esta Delegação de Círculo de Loures já não tem qualquer competência ou mesmo existência desde o dia 1 de setembro de 2014, aliás, como a maioria das outras que “existiam” e ainda “existem”... De notar que a grande maioria das delegações e delegados tomou posse em maio de 2014, três meses antes da alteração das Comarcas e do Mapa Judiciário. No estrito cumprimento da Lei, entendem os então eleitos para esta Delegação de Círculo de Loures que não só ficaram esvaziados de funções desde essa data, como não podem intitular-se como tal. Acima de tudo, não nos podemos esquecer que somos mulheres e homens de lei! Contudo, temos trabalhado e defendido os interesses dos Solicitadores e Agentes de Execução, junto de conservatórias, notários, tribunais e outras entidades públicas ou privadas. No limite da legalidade, entendem os então eleitos para esta Delegação de Círculo de Loures que todas as deliberações e ações provisórias, até que sejam organziadas novas eleições (a acontecer após a entrada em vigor do novo “Mapa Judiciário”, em 2014), deveriam ser tomadas em plenário das “extintas” delegações de Loures, Torres Vedras, Vila Franca de Xira, Alenquer e Lourinhã. Quanto à questão que me coloca, diria que a delegação deve, essencialmente, defender os seus pares junto das instituições públicas e privadas, tentando assim dar cumprimento às competências previstas no Estatuto, para além de uma ação de proximidade, aconselhamento e ajuda profissional. Acha que os solicitadores inscritos na região reconhecem, na generalidade, o trabalho desenvolvido pela respetiva delegação? Como descreveria a relação mantida com os profissionais? Muitos colegas recorrem com frequência aos delegados e delegações, pelo que penso ser um trabalho reconhecido. A relação costuma decorrer dentro da maior das cordialidades.

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Entrevista Ana Filipa Pinto


Considera que a delegação faz, de facto, com que os colegas se sintam mais próximos da Câmara dos Solicitadores (CS)? Quais são os principais motivos que levam os solicitadores a contactar a delegação? Na realidade, não. Os colegas procuram a delegação e os delegados para, na sua maioria, resolver problemas profissionais ou com instituições locais. Dada a proximidade com a sede, os problemas institucionais são tratados nesta. É prestado algum apoio aos colegas que, por exemplo, estejam a instalar-se na região? Claro que sim. Corresponde ao papel fundamental da delegação a receção ao colega, a entrega da cédula profissional aos novos Solicitadores, vistorias de escritórios e instalações de Balcão Único de Solicitador, entre outras tarefas. Que iniciativas têm desenvolvido e quais aquelas que conseguem uma maior adesão? Dada a proximidade à sede da ainda Câmara dos Solicitadores, futura Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, local onde amiúde se têm proporcionado ações de formação a todos os níveis e de elevada qualidade, raramente temos inscrições suficientes para promover ações de formação. De que forma são fomentadas as relações com os órgãos locais de outros operadores judiciários? Na Comarca de Loures, são praticamente inexistentes quanto à Ordem dos Advogados. Quanto às instituições públicas, são as de maior cordialidade e cooperação. Existe comunicação/contacto entre delegações? Sim, não com a frequência e intensidade que seria desejável, mas sim. Acredita que poderia ser positivo um reforço dessa comunicação? Obviamente que sim! E face aos órgãos nacionais, considera que existe uma comunicação fácil e eficiente? Considero que sim, dado que foram facultados meios eletrónicos de contacto e, sempre que necessário, os delegados são devidamente recebidos nos Conselhos Regionais de que dependem. As delegações devem, nos termos estatutários, combater a procuradoria ilícita. Conhecendo a realidade local e interagindo com os demais operadores judiciários, é mais fácil para as delegações conhecerem e denunciarem os casos de procuradoria ilícita?

Não. A procuradoria ilícita é um problema nacional e um dos grandes, senão o maior, procurador ilícito é o próprio Estado português. “Casas prontas, lojas do cidadão, conservatórias e até os CTT” constituem concorrência desleal. Têm conseguido cooperar com os órgãos nacionais neste âmbito? A delegação desconhece a atuação dos órgãos nacionais nesse sentido específico de cooperação, reconhecendo, desde já, que tem sido desenvolvido um trabalho bastante profícuo por parte dos órgãos nacionais, juntamente com a Ordem dos Advogados, nomeadamente através da lei dos atos próprios. As delegações auxiliam ainda os órgãos da CS na instrução de processos disciplinares. Quando se pretende ter uma relação próxima com os colegas não se torna mais difícil exercer esta competência? Raramente aconteceu nesta comarca termos de nos pronunciar sobre um colega próximo. No entanto, recebemos os despachos e pareceres referentes aos processos disciplinares. Uma vez que a CS tem apostado na formação e na respetiva descentralização, sendo essa também uma das competências das delegações, que temas considera que deveriam ser abordados em formações resultantes da iniciativa da delegação? Primeiramente, há que resolver a questão das comarcas. Não é viável, para já, pedir a um colega da Lourinhã, Vila Franca, Torres Vedras ou Alenquer que se desloque a Loures, quando têm melhores condições de formação na sede da Câmara, que fica a 15 km de distância de Loures. Julga que as delegações podem contribuir para que as formações se tornem mais ajustadas ao contexto local? A curto prazo e resolvida a questão das comarcas, no que respeita à comarca de Lisboa Norte, penso que sim, pois permitirá descentralizar a formação de forma eficaz. Já existem iniciativas programadas para o futuro? O futuro muito próximo é incerto, como sabemos. Vamos ter que dar cumprimento ao previsto no novo Estatuto. Qualquer iniciativa que se prepare pode não ter qualquer sentido na data da sua realização. Finalmente, pode contar-nos alguma história curiosa que tenha vivido enquanto Delegada de Círculo? Há algumas histórias curiosas, sim. No entanto, não quero referir nenhuma por poder ferir suscetibilidades de colegas e outros envolvidos (os prazos legais de prescrição ainda decorrem…). : :

Sollicitare 51


SOCIEDADE

O FUNDO EUROPEU DE ESTABILIDADE FINANCEIRA O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) foi criado em junho de 2010, pelos países da Zona Euro, como resultado da mais recente crise económica e financeira mundial. Este fundo de cariz europeu tem sede em Luxemburgo, sendo o seu responsável máximo o economista alemão Klaus Regling. À luz da lei luxemburguesa é considerada uma sociedade anónima, tendo como sócios os Estados-Membros do Eurogrupo.

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Por Diana Andrade, Coordenadora do projeto “Cobrança da Caixa de Compensações” do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores

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riado pelo Conselho Europeu em 1997, o Eurogrupo tem o propósito de centralizar a coordenação e supervisão das políticas e estratégias económicas comuns relativas à Zona Euro e é presidido por Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças holandês. Ora, a Zona Euro refere-se à união monetária dentro da União Europeia, na qual alguns Estados-Membros adotaram oficialmente o euro como moeda comum. O Banco Central Europeu, sediado em Frankfurt, é a entidade máxima que regula toda a política monteária. Atualmente, dos 28 Estados-Membros da União Europeia, 19 adotam o euro como moeda oficial: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Grécia, Eslovénia, Chipre, Malta, Eslováquia, Estónia, Letónia e Lituânia. Assim, podemos dizer que o FEEF nasceu como salvaguarda financeira dos países da Zona Euro, permitindo a revitalização do sistema financeiro europeu. Relevante foi a avaliação por parte de várias agências de rating, tendo o fundo recebido a nota máxima AAA (risco mínimo). Portugal, Grécia e Irlanda accionaram o FEEF o que levou os demais países do Eurogrupo a equacionar o seu reforço. Mas esse reforço gerou polémica, uma vez que a Alemanha, a grande financiadora do fundo, mostrou-se cética quanto ao aumento do capital investido no mesmo. O argumento de que esse reforço poderia levar os mercados a reagir inversamente, ou seja, a interpretar o alargamento do fundo como resposta a novos pedidos de ajuda por parte de outros países europeus veio ao de cima, e o governo de Merkel não tardou a sublinhar que poderia até colocar em causa a avaliação AAA, por parte das agências de rating, comprometendo o seu futuro.


DISCIPLINA

Muitas outras críticas foram surgindo, revelando que o FEEF estava longe de ser apenas bafejado com aspetos positivos, qual salvador da Zona Euro. Várias vozes se ergueram criticando as elevadas taxas de juro cobradas aos países que a ele recorriam, já de si em crise. Além disso, o fundo não tinha conseguido evitar o efeito contagioso da crise europeia, argumentavam. A pergunta que continuava a impor-se era: o objetivo do fundo é ajudar os países mais carenciados ou será o retorno económico através dos altos juros cobrados pelos países europeus mais abastados (e credores do FEEF)? Comentários idênticos são feitos ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que muitos acreditam servir também para enriquecer os seus maiores credores. Criado em 1944 com o objetivo inicial de auxiliar na reconstrução do sistema monetário internacional no pós-guerra, o FMI é atualmente uma organização de 188 países, com sede em Washington D.C. e tendo como Diretora-Geral Christine Lagarde. A sua principal função é assegurar a estabilidade do sistema monetário internacional, já que o mesmo é essencial para promover o crescimento económico sustentável e reduzir a pobreza. Todos os países membros contribuem com dinheiro para este fundo através de um sistema de quotas e podem solicitar assistência financeira ao FMI quando tiverem uma necessidade ligada à balança de pagamentos. FEEF e FMI aparecem assim como concorrentes, ou como fundos que cooperam entre si, tendo sido repartida entre os dois a ajuda internacional concedida a alguns países. A natureza provisória do FEEF levou ao nascimento do Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE), fundo permanente e mecanismo único para responder aos novos pedidos de apoio financeiro por parte dos países da Zona Euro. As duas instituições funcionaram em simultâneo a partir de outubro de 2012, quando o MEE entrou em funcionamento, até junho de 2013. A 1 de julho de 2013, o FEEF deixou de entrar em quaisquer novos programas de assistência financeira, mas continuou a gestão e reembolso das dívidas pendentes. No que diz respeito a Portugal, foi acordado, em maio de 2011, o Programa de Assistência Económica e Financeira, entre as autoridades portuguesas, a União Europeia e o FMI. Entre 2011 e 2014, o pacote de assistência financeira prévia consubstanciou-se num total de 78 mil milhões de euros, dos quais 52 mil milhões provieram dos mecanismos MEE e FEEF e 26 mil milhões chegaram através do FMI, ao abrigo de um programa de financiamento ampliado.A 30 de junho de 2014 este programa expirou, encontrando-se atualmente o nosso paísnuma fase de monitorização pós-programa. Se o euro estaria em causa sem estes mecanismos? Não sabemos. Mas fica uma certeza: a história da Europa dos últimos meses teria sido bem diferente. : :

SANÇÃO APLICADA PELO Conselho Superior da Câmara dos Solicitadores: José M. Antas (CP 2907) – Cancelamento da inscrição por falta de idoneidade para a profissão SANÇÃO APLICADA PELA Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça: Cristina Cancela (CP 2597) – Suspensão de atividade (2 anos)

CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA

JÁ FOI NOMEADA A COMISSÃO INSTALADORA

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om a entrada em vigor da Lei n.º 154/2015, que transforma a Câmara dos Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e aprova o respetivo Estatuto, para além dos Conselhos Regionais do Porto e de Lisboa, surgirá o Conselho Regional de Coimbra. Para que isso se torne possível, foi nomeada, mediante deliberação do Conselho Geral, a Comissão Instaladora do Conselho Regional de Coimbra. Esta Comissão será presidida por Cristina Ferreira, antiga Vogal do Conselho Superior (2005-2007). José Luís Fonseca, Delegado do Círculo Judicial de Coimbra, assumirá o cargo de Vice-Presidente e Maria dos Anjos Fernandes, membro da Secção Regional Deontológica do Norte e antiga Delegada do Círculo Judicial de Leiria, será Vogal desta mesma comissão. Os seus membros foram nomeados tendo em consideração a experiência acumulada enquanto profissionais e membros de órgãos dirigentes da associação pública profissional. A Comissão Instaladora tem como principal objetivo procurar e criar as condições necessárias para a instalação do Conselho Regional de Coimbra, tais como a abertura de uma sede, assumindo de imediato funções de gestão, nomeadamente na área da formação.. : : Sollicitare 53


REPORTAGEM

Grupo de Intervenção Cinotécnico da Guarda Nacional Republicana

LADO A LADO

“Esta história não se passou comigo. Foi em 1999, na primeira missão dos nossos cães de busca e salvamento. Foram à Turquia. Já tinham terminado as buscas e estavam a deslocar-se para o acampamento. De repente, há uma família que os chama. Identificou-os por causa dos cães. Faltava-lhes uma pessoa da família, mas tinham a certeza que estava num prédio que não tinha colapsado por inteiro. Pediram ajuda e a equipa não recusou, foram fazer a busca. O primeiro cão marca num determinado espaço e, depois, o segundo marca a mesma área. Repete-se o procedimento e fica-se com a certeza de que haveria ali alguém. Foram retiradas duas pessoas ainda com vida. (…) O cão traz e representa esperança”. Na voz do Major Costa Pinto, responsável pelo Grupo de Intervenção Cinotécnico da Guarda Nacional Republicana (GNR), esta história ganha outro tom, o do entusiasmo, da paixão, da entrega, de tudo quanto torna possível abraçar este trabalho em que o colega mais próximo tem quatro patas.

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Texto Ana Filipa Pinto Fotografia Cláudia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]


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om os sentidos alerta, quando lado a lado, formam o binómio, uma equipa que, há quase sessenta anos, passou a existir em Portugal: “A utilização profissional ou governamental de cães, ao serviço do Estado, em Portugal começou na Guarda, em 1957. Surge por iniciativa do Capitão Médico Veterinário Correia Monteiro, que estava ao serviço da GNR e que tomou conhecimento da utilização de cães não só nas Forças Armadas, mas também para forças policiais. Achou interessante e contactou a Guarda Civil no sentido de perceber como é que as coisas funcionavam. Eles já tinham cinotecnia desde os meados da década de 40. Também deriva da experiência da II Guerra Mundial, uma vez que os alemães, nas Forças Armadas, nas missões de Segurança de Bases Militares (entre outras missões), recorriam muito aos cães. A Guarda enviou, no ano de 1957, quatro militares para ministrarem o curso na área do uso da força e do seguimento de rasto. Vieram para cá e foi montado o centro de instrução de cães, ali na Ajuda. Começou assim e foi crescendo. Hoje temos uma estrutura de 244 binómios espalhados por todo o país”, conta orgulhoso e certo quanto ao crescimento do país nesta área:

“Estamos a aproximar-nos da consolidação de algumas técnicas, mas tudo o que ficou para trás não se perde, contribui para a construção de tudo o que vem à frente”. Aqui todos os dias contam. Os treinos não podem parar e a evolução faz parte do percurso trilhado em duas as grandes áreas de intervenção. Conforme explica o responsável, existe a área relativa ao “uso da força, isto é, os meios coercivos e que podem ser empregues em quatro níveis de intervenção (…). Os cães são, por vezes, utilizados para evitar o recurso às armas de fogo. (…) Também têm preparação para procurar pessoas desaparecidas, através da identificação de odor humano, fazendo ainda o seguimento de pista. (…) São os mais polivalentes. (…) Depois temos a área da deteção. (…) Dentro desta, temos a deteção de droga, a deteção de explosivos e a deteção de odor humano. Depois, agrupada à deteção de droga, temos a deteção de papel-moeda e a deteção de armas. (…) Nas vertentes de deteção de odor humano, dispomos de meios de busca e socorro, de deteção de vestígios biológicos e de deteção de cadáveres. Na busca e socorro, contrariamente aos cães da área do uso da força, estando destinados a operar em escombros (na sequência de catástrofes), não marcam objetos com odor humano, apenas as grandes concentrações

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de odor (pessoas). A capacidade de deteção de cadáveres e de vestígios biológicos surge no seguimento do caso Maddie, em que a Guarda identificou a necessidade de desenvolver e disponibilizar este tipo de recursos mais especializados. Neste momento, podem fazer a diferença, por exemplo, em casos de atropelamento com fuga. (…) Tivemos ainda cães especializados na conservação de espécies protegidas, ao abrigo de uma convenção internacional que identifica, em termos de fauna e flora, uma série de espécies que estão em vias de extinção”. No plano do combate ao crime ambiental, a Guarda faz também parte de dois Projetos LIFE (IMPERIAl e RUFIS) cofinanciados pela Comissão Europeia, para os quais criou a capacidade cinotécnica, inexistente em Portugal, de binómios de deteção de venenos. Os projetos estão em execução de 2015 a 2019. Contudo, a seleção daqueles que integram esta área é exigente e, mesmo com aprovação, muitos vêm a descobrir que não era exatamente o que imaginavam. Ou seja, cada dia representa uma nova prova: “Recorremos ao universo dos militares da Guarda, eles concorrem, têm que fazer os testes psicotécnicos, testes médicos, físicos e uma entrevista profissional. Pretendemos averiguar a motivação real para procurarem esta área. De cães, à partida, todos nós gostamos. Mas trabalhar com cães todos os dias é algo bem diferente, e há quem não se consiga adaptar. (…) Não se pode gozar muitos dias de férias consecutivos porque o cão, nesses dias, não opera. Embora isto funcione por parelhas e, quando um militar está de férias, há sempre outro que fica responsável pelo cão. No entanto, este não é treinado pelo militar em substituição e a alegria dos cães está no treino, está no trabalho diário, na execução de uma tarefa porque são recompensados por isso. Enquanto o resto do efetivo da Guarda, quando vai para casa, à noite, ou de férias, deixa lá a arma, a lanterna, o material todo, nós deixamos o nosso companheiro que fica aqui”, partilha Costa Pinto que nos confessa ainda que é bem possível que se passe mais tempo com os cães do que com as famílias. “As pessoas têm que estar preparadas para isso e a nossa dificuldade no processo de seleção é garantir que os militares que estamos a tentar escolher encaixam neste perfil. Não é fácil. Os militares, quando terminam o processo de seleção, ingressam num curso que, neste momento, tem a duração de 20 semanas. No fim desse curso, estão a operar durante um ano e esse período é probatório”. É uma relação que se vai construindo, tal e qual, um “casamento”. Pois, embora seja quase “matemático” e, ao fim de 20 semanas, as competências básicas estejam adquiridas, “o binómio vai melhorando com o passar do tempo. E os cães, com a experiência e a rotina, vão generalizando situações. Por exemplo, ao fim de algum tempo, se virem um conjunto de viaturas alinhadas, já sabem que vão proceder à vistoria das mesmas, já sabem onde procurar, vão aprimorando competências”. Convicto da relevância da relação militar-cão, Costa Pinto clarifica ser por esse motivo que um cão só trabalha com uma pessoa: “Se formos muito by the book, isto não deveria acontecer e deveríamos conseguir trocar um homem e o cão manter a sua performance. Mas nós temos aqui casos em que não é assim e nota-se a diferença no

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GRUPO DE INTERVENÇÃO CINOTÉCNICO DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA

cão, principalmente nos primeiros meses. Na minha opinião, do ponto de vista técnico, são todos iguais. Mas eu acredito e sei que aqueles que estabelecem uma relação mais próxima coincidem, em regra, com um binómio muito bom”. Estes militares ladeados pelos seus cães são olhados com admiração e curiosidade pelos cidadãos com quem mais facilmente se constrói uma relação de proximidade e, até, de cooperação: “Temos, na nossa essência, a busca da proximidade desde sempre. (…) E tentamos sensibilizar as populações transmitindo que, se os cães da Guarda conseguem fazer tudo isto, os lá de casa também poderão fazer muito. A Guarda está a constituir uma bolsa de voluntários, cujo objetivo é, no cumprimento das nossas missões para localizar pessoas desaparecidas, podermos apelar a recursos cinoténcnicos da sociedade civil, desde que devidamente testados e validados. Isto porque, quando estamos a tentar salvar uma vida, todos os recursos são poucos. Os binómios civis validados poderão assim atuar connosco”. Outra prova desta conquista de pontes que ligam a GNR à sociedade civil coincide com a “reforma” de alguns dos cães: “Quando os cães estão em fim de vida podem ser utilizados, por exemplo, em cinoterapia. Os nossos militares fazem terapia assistida com animais nas escolas do Agrupamento Escolar do concelho de Sintra que tem 38 crianças autistas ao abrigo do ensino especial público. (…) Esta proposta surgiu da escola. Assim, as escolas ganham uma valência para a qual não haveria orçamento e nós temos uma saída para os nossos cães mais velhos, que são uns pachorrentos e com os quais as crianças podem interagir à vontade”. Enfim. Diz-se, habitualmente, que são os melhores amigos do homem. Olhando para o que é o trabalho do Grupo de Intervenção Cinotécnico da Guarda Nacional Republicana, dir-se-ia também que são, provavelmente, bons colegas de trabalho. Aliás, verdadeiros companheiros com os quais poderá fazer sentido partilhar umas quantas ideias e desabafos. “Sim, quando se vê um militar a falar com o cão, pensamos ‘aqueles são os melhores’.” Pois. Se assim não fosse, talvez nada disto fizesse realmente sentido. : :

Os nossos militares fazem terapia assistida com animais nas escolas do Agrupamento Escolar do concelho de Sintra. (...) Assim, as escolas ganham uma valência para a qual não haveria orçamento e nós temos uma saída para os nossos cães mais velhos, que são uns pachorrentos e com os quais as crianças podem interagir à vontade”.

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Fernão Botto Machado Há 150 anos... Fernão do Amaral Botto Machado nasceu em Gouveia a 20 de julho de 1865. Fez os estudos primários em Gouveia – Magalhães Lima afirma que não os terminou – e aos 11 anos começa a sua aprendizagem como solicitador. Era o início de uma atividade ligada às leis e à sua prática.

Por Alípio de Melo, historiador

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O Solicitador e Jurista os 18 anos decide rumar a Lisboa. Os primeiros tempos são difíceis. Confessa que conheceu a miséria entre os anos de 1887 e 1888, chegou a dormir num sofá no escritório do conselheiro Tomás Ribeiro (o poeta de “D. Jaime”) e se não passou mais fome tal se deveu à generosidade do Dr. António Maria de Carvalho de Almeida e do Dr. Almeida Serra. O seu relógio esteve várias vezes empenhado. Com 21 anos, fundara, numa parceria com o advogado Alfredo Ansur, uma revista de jurisprudência intitulada “O Mundo Legal e Judiciário”. O primeiro número sai a 10 de outubro de 1886 e a revista publica-se durante mais de 29 anos (o último número é de 31 de março de 1915). A revista foi distinguida com o Grande Diploma de Honra na Exposição da Imprensa. É louvada pela Associação dos Empregados do Foro Português, de que será feito sócio benemérito e é eleito presidente da direção da Associação dos Solicitadores Encartados de Lisboa, em junho de 1891. A vida corre-lhe de feição, graças ao seu empenho e ao seu profissionalismo.

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HISTÓRIAS

O Republicano Em 1880, ou seja, com 15 anos, tem uma fugaz passagem por Coimbra, mas que constitui para ele o encontro com as ideias republicanas, militando quase anonimamente no Partido Republicano. A sua convicção republicana cimentar-se-á após o 31 de janeiro de 1891, a Revolta em que seu irmão Pedro tomaria parte e que lhe valeu a deportação para Angola. Já em Lisboa, a sua voz ouve-se atentamente nos comícios; a sua pena denuncia os escândalos da realeza, ataca o cercear das liberdades, proclama as excelências da vindoura República, embora esteja já ciente de que a reunião de todos os republicanos é imprescindível e que qualquer cisão do Partido Republicano só resultaria em vantagens para a Monarquia. Os republicanos reconheceram o fervor e denodo de Fernão e assim deram o seu nome a dois Centros Republicanos: um em Camarate e outro na Rua do Vale de Santo António, posteriormente transferido para a Rua do Paraíso, nº 1, em Lisboa. O Jornalista Tendo colaborado em vários jornais, Fernão Botto Machado travou inúmeras batalhas como jornalista. Salientamos ainda o seu verdadeiro pioneirismo na criação da Liga dos Direitos do Homem, na necessidade da emancipação da mulher, na luta contra o analfabetismo, na legislação adequada sobre o descanso semanal, na municipalização dos serviços coletivos e nos direitos dos trabalhadores. Todos estes temas podem ser analisados no seu livro “Crenças e Revoltas”. O Deputado e Senador A República chega a 5 de outubro de 1910. Uma nova vida começa. Eleito Deputado às Constituintes pelo Círculo Ocidental de Lisboa – depois eleito Senador – desenvolve nesse curto período uma extensa atividade parlamentar. No livro, saído postumamente em 1929, com o título “No Parlamento” e prefácio de Magalhães Lima, podemos encontrar os seus discursos e projetos. Magalhães Lima dá ao seu prefácio o nome de “O Sonho de um Idealista – Previsões e Realidades” e nele traça o perfil de Fernão e as iniciativas legislativas de certo modo proféticas. Tendo sido nomeado Provedor da Assistência (junho de 1911), apresentou uma reformulação das lotarias. Propõe também a reforma do Diário da República Portuguesa, porque era difícil de consultar e de preço inacessível. Sempre atento ao povo trabalhador, foi o primeiro a apresentar um projeto da limitação de 8 horas de trabalho por dia ou 48 por semana, antecedido de considerações de ordem social e histórica. Ainda dentro da sua devoção ao operariado, continuou a sua luta de anos pelo Seguro Obrigatório dos Trabalhadores, justificando o seu projeto com notações de carácter social, histórico e humanista. Mais uma proposta acerca de um assunto que ainda hoje é tema de polémica. Referimo-nos

às touradas. Mas o ponto culminante da sua atuação como parlamentar foi a apresentação de um projeto de Constituição ou Código Fundamental da República Portuguesa, em que propõe diversas inovações nos 10 títulos e 153 artigos. Magalhães Lima diz que Fernão foi profeta e que muito dos atropelos da 1ª República poderiam ter sido evitados, se a sua palavra tivesse sido escutada. O Diplomata Finda assim a atividade parlamentar, novos horizontes espreitavam a sua vida. Esperava-o a carreira diplomática e começa por ser indigitado Ministro Plenipotenciário na Argentina (agosto de 1911), cargo que não chegou a desempenhar, porque entretanto se achou mais conveniente que fosse nomeado Cônsul Geral de Portugal no Brasil (fevereiro de 1912). A sua intervenção no Brasil foi altamente elogiada e desdobrou-se em diversas atividades entre a colónia portuguesa que levaria à criação das Câmaras de Comércio. No Brasil esteve cerca de dois anos. Um novo posto lhe estava destinado: Ministro Plenipotenciário no Panamá, Venezuela, Costa Rica e Colômbia, por nomeação de outubro de 1913. Terminava aqui a sua carreira diplomática? Não. Em breve seguiria para Tóquio, como Ministro de Portugal no Japão. O Maçon Com toda a naturalidade ingressa na Maçonaria. Efetivamente, foi iniciado em 1893 na Respeitável Loja “Cavalheiros da Verdade” (Lisboa), com o nome simbólico de José Falcão. Em 1917 ascendeu ao Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito, tendo desempenhado vários cargos no Grande Oriente Lusitano Unido, entre os quais o de Presidente do Conselho da Ordem (1918-19), razões por que figura na galeria dos retratos do Palácio Maçónico. Falecimento Falece na sua Quinta do Encanto, a 3 de novembro de 1924. Tinha 59 anos. Como seu desejo, o funeral foi civil e pobre, mas constituiu uma grande manifestação de pesar por parte de uma multidão de pessoas que a ele assistiu. Legou à Sociedade “A Voz do Operário” quase toda a sua biblioteca e uma parte de rendimentos que aquela Sociedade entregaria mensalmente ao Centro Escolar Republicano Fernão Botto Machado “mas isto só enquanto o mesmo Centro existir como republicano e socialista e conservar no seu título o meu nome por inteiro...”. Fernão foi também membro efetivo do Congresso Permanente de Humanidade, da Sociedade Académica de História Internacional com Diploma de Honra e Medalha de Ouro. Possuía a Legião de Honra, entregue pelo Presidente Emile Loubet em 1906, a Comenda da Ordem de Cristo, a Sol Nascente, do Japão, e uma condecoração venezuelana. : :

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SOCIEDADE

COMENTÁRIO AO DECRETO-LEI N.º 30-A/2015 DE 27 DE FEVEREIRO QUE CONCEDE A NACIONALIDADE PORTUGUESA A DESCENDENTES DE JUDEUS PORTUGUESES EXPULSOS Por Miguel Ângelo Costa Solicitador e membro do Conselho Superior da Câmara dos Solicitadores

Com a expulsão dos Judeus de Espanha em 1492 e a conversão forçada dos Judeus Portugueses em 1497, no reinado de D. Manuel, transformando, de um dia para o outro, os Judeus em Cristãos Novos e, posteriormente, a seguir à instalação, em Portugal, no reinado de D. João III da Inquisição, mais propriamente no ano de 1536, começou a diáspora dos Judeus Portugueses, que durou o tempo da Inquisição – quase três séculos de 1536/1820, com um pequeno “oásis” no reinado de D. José I, por obra e graça do Marquês de Pombal que acabou com a divisão odiosa entre Cristãos Novos e Cristãos Velhos. A perseguição continuou após a morte de D. José, e consequente afastamento do Marquês de Pombal, com a sua filha D. Maria I e seu marido D. Pedro III, por sinal irmão de D. José, mas muito conservador e beato, entregando à Inquisição tudo que cheirasse a judaísmo.

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laro que muitos dos portugueses perseguidos pela inquisição, pese embora a sua ascendência judaica, nunca professaram o judaísmo, sendo alguns, até, fervorosos católicos. Neste particular, como dizia António José Saraiva e usando o título de um livro de Válter Hugo Mãe, a inquisição foi uma máquina de fabricar… Judeus. Porquê este introito? Porque o Decreto-lei n.º 30-A/2015, de 27 de Fevereiro, que em boa hora entrou em vigor no passado dia 1 de Março, de alteração do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, prevê a naturalização de estrangeiros que sejam descendentes de judeus sefarditas portugueses. Sefardita faz referência aos naturais de Sefarad que, em hebreu, significa Hispânia, portanto, toda a Península Ibérica e não, como muitos querem fazer crer, somente a actual Espanha. Na prática, é uma denominação utilizada em contraposição aos judeus de origem centro-europeu denominados ashkenazis. Os judeus expulsos e fugidos à Inquisição de Portugal e de Espanha, estabeleceram-se no Norte de África, Turquia e Balcãs (antigo Império Otomano), Holanda, norte da Alemanha, Sul de França, Itália e, mais tarde, na colonização de toda América Latina e do Norte. Desde a formação do Estado de Israel, em 1948, deveriam ter-se deslocado, para este novo país, cerca de 500.000 Sefarditas. Tinham, e têm, uma língua comum – o ladino – que é uma mistura de português e castelhano, que nós, portugueses, entendemos perfeitamente, para além de outros costumes muito similares aos portugueses. Com a instauração do liberalismo em Portugal, em 1820, já os nossos governantes pensaram em leis de retorno, tendo começado a regressar algumas famílias, mais até por razões económicas e afectivas, do que religiosas. Existem algumas comunidades judias em Portugal, mas ainda, infelizmente, com pouca representação para garantirem uma autoridade bem vincada sobre quem é ou não Sefardita. Para além disso, muitos portugueses Sefarditas, que não são judeus, mas de origem judaica, ou de portugueses que nunca o foram, encontram-se na diáspora e, por estas razões, nunca terão, de acordo com este projecto lei de alteração, a nacionalidade que, por direito, deveriam ter.

Dou como exemplo: dois irmãos de origem Sefardita portuguesa pedem a nacionalidade portuguesa. No entanto, um é Judeu que cumpre todas as normas religiosas do Judaísmo, o outro, por razões pessoais, muda de religião ou torna-se agnóstico ou ateu. Um vai ter a certificação da comunidade judaica portuguesa, e o outro? Há, pois, que ter atenção a este problema, visto haver, espalhados pelo mundo, cerca de 3,5 milhões de Judeus de origem Sefardita (Espanha e Portugal). Se existissem descendentes do filósofo Bento Espinosa, estes nunca poderiam solicitar a nacionalidade portuguesa, porque o filósofo holandês, filho de judeus Sefarditas portugueses, tinha sido excomungado (Cherem) e, portanto, expulso pela comunidade judaica de Amesterdão, no século XVII. Deste modo, as alíneas c) do n.º 3, a) e b) do n.º 5 do artigo 24.º. A entram em crise com o artigo 13.º da Constituição portuguesa:

Artigo 13.º Princípio da igualdade 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. Portanto, o Decreto-Lei em referência que, repito, em boa hora saiu das trevas para, em contraponto com os novos sinais dos tempos vindos da Europa, projectar Portugal para a vanguarda civilizacional, deixa de fora muitos descendentes de Judeus Portugueses que, por razões várias, deixaram de ser Judeus ou de pertencer à Comunidade Judaica e que nunca poderão exercer esse direito. : : Texto escrito de acordo com a antiga ortografia

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REPORTAGEM

Bombeiros Sapadores de Setúbal

SUPER HERÓIS DE VERDADE

Heróis da humanidade e das populações ou soldados da paz - qualquer uma destas expressões ilustra, na perfeição, uma das profissões mais reconhecidas de Portugal, a de Bombeiro. Sob as notícias que chegam, estão homens e mulheres que não conhecem a palavra hesitação ao toque da sirene. Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva Fotografia Cláudia Teixeira [Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

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dia a dia destes profissionais não chega aos noticiários e ultrapassa a época dos incêndios. Responder às populações está sempre em primeiro plano. Entre os seus 98 bombeiros (97 homens e uma mulher), é o espírito de cooperação e entreajuda que impera. Contudo, é obrigatório estar sempre alerta, pois, por aqui, não há rotina e a chegada do imprevisto é a única certeza. Assim, estão preparados para todos os desafios, desde o grande incêndio ao salvamento de uma cabra a afogar-se num poço. O intuito é apenas um: ajudar. Aqui, neste quartel, trabalham pessoas que “escolheram, como profissão, ser bombeiro”. Conforme esclarece Paulo Lamego, comandante dos Bombeiros Sapadores de Setúbal, “a diferença entre o bombeiro voluntário e o sapador está no vínculo laboral. Os bombeiros profissionais têm um vínculo laboral com a Câmara Municipal”. Para além de Setúbal, também em Coimbra, Lisboa, no Porto e em Vila Nova de Gaia, existem Bombeiros Sapadores, cujo emprego passa por desafiar o medo. Entrando, o vermelho vivo salta à vista. Motas, carros e carrinhas, todos eles alinhados na perfeição e prontos para arrancar. “(…) em termos técnicos e operacionais, tenho a noção que temos uma corporação de bombeiros muito bem preparada.”, afirma Paulo Lamego. Para estes profissionais do socorro, o importante é não perder tempo e todos os detalhes têm que estar pensados e planeados. “Eles vão sempre preparados para o pior cenário. Em 99% dos casos, esse cenário não ocorre. (…) Às vezes, queremos sair com todo o material, mas não é possível”.

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“Existem momentos de extrema alegria, quando alguém é salvo ou se domina uma situação. Mas também existem situações traumáticas, ainda mais quando estão envolvidas crianças. É muito complicado e precisamos de ter um grande controlo emocional”

Mas antes de saírem do quartel, precisam de conhecimento, formação e treino. Segundo o comandante dos Bombeiros Sapadores de Setúbal, os novos bombeiros “têm de prestar uma prova teórica e uma prova física. Além disso, precisam de ter exames médicos e um perfil psicológico traçado. (…) É feita a avaliação do candidato para saber se está pronto para enfrentar esta carreira”. Isto porque não é uma profissão fácil. Encaram, todos os dias, os perigos que apenas vemos nos filmes ou em séries. Quanto ao final, esse nem sempre se revela feliz. “Existem momentos de extrema alegria, quando alguém é salvo ou se domina uma situação. Mas também existem situações traumáticas, ainda mais quando estão envolvidas crianças. É muito complicado e precisamos de ter um grande controlo emocional”. Para conseguirem superar os desafios que surgem, não podem confiar no improviso e há que seguir um plano muito bem definido: “(…) cada um deles tem tarefas para garantir a preparação física e técnica. De outubro a maio, o maior período

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BOMBEIROS SAPADORES DE SETÚBAL

de preparação e treino, entram ao serviço e a primeira tarefa é verificar se o material está todo operacional. Depois têm a preparação física. Temos um ginásio bem equipado para que os bombeiros possam treinar. Além disso, diariamente, recebem formação sobre técnicas a utilizar em emergência”, conta-nos Paulo Lamego. Aliás, foi a preparação física que tornou tão famosa esta corporação, graças ao lançamento do calendário do bombeiro, uma iniciativa com grande impacto mediático: “Partiu dos próprios bombeiros. Apresentaram-me essa ideia e eu aceitei. Conseguiram mostrar que os bombeiros precisam de estar preparados para o auxílio da população. Foi essa a mensagem que se quis passar nestes calendários. Este projeto também tem um lado solidário, pois o dinheiro foi doado a uma instituição”.

“Quem abraça esta profissão tem o desejo de ajudar os outros. (…) A prioridade de um bombeiro é a vítima”

A cidade de Setúbal sabe que pode contar com esta equipa a todo o momento. Como garante o comandante, “(…) em menos de um minuto, quando existe uma urgência, temos sempre bombeiros disponíveis para arrancar. Garantimos, durante 24 horas por dia e 365 dias por ano, um socorro eficiente à população”. Mas, para estes bombeiros, as preocupações não se limitam ao socorro da cidade. O parque natural da Arrábida concentra uma grande parte da atenção destes profissionais: “Todos os bombeiros conhecem bem a serra, o que nos permitiu socorrer, por exemplo, de forma eficiente, uma pessoa que teve um acidente num dos percursos da Arrábida”. Para além disso, a prevenção é outra das prioridades: “Detetámos que muitos dos incêndios que ocorrem derivam do descuido com a mata (…). Nessas zonas, alertamos e acompanhamos a população para que vão fazendo as queimadas durante o inverno”. Até porque, estes bombeiros não pretendem ser fiscais, só querem que os ajudem a ajudar. Tão simples e ao alcance de todos. “Quem abraça esta profissão tem o desejo de ajudar os outros. (…) A prioridade de um bombeiro é a vítima”, reforça Paulo Lamego. Para os bombeiros não existe diferença entre uma noite fria de inverno ou uma tarde quente de verão. A comemoração do sucesso de uma missão é rápida e, muitas vezes, interrompida por uma nova emergência. Mas a recompensa, essa encontram todos os dias: um obrigado, um sorriso ou um abraço. Eles fazem acreditar que é sempre possível fazer mais. Fascinam pequenos e graúdos, fazem sonhar e inspiram os enredos mais fantásticos. Não, não têm poderes mágicos. São apenas seres humanos. Talvez por isso mesmo sejam os nossos super heróis. : :

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OPINIÃO ORDENS

A DIETA MEDITERRÂNICA A Dieta Mediterrânica é muito mais do que um regime alimentar: representa uma forma de vida e uma parte do património cultural dos países da região mediterrânica. A sua definição não é consensual, em parte porque este padrão alimentar é consideravelmente heterogéneo entre os países Mediterrânicos e mesmo entre regiões do mesmo país.

M

uitos estudos definem a Dieta Mediterrânica através da identificação de algumas características comuns, entre as quais se destacam o elevado consumo de hortofrutícolas, cereais, frutos secos e sementes, baixo consumo de carne e produtos lácteos, azeite como gordura de eleição e consumo de vinho. Destacam-se ainda questões sociais como a alimentação em família, em que a confraternização assume um destaque especial, juntamente com a atividade física. De uma forma geral, devido às suas características, é considerada saudável e com efeito preventivo, estando associado a um melhor estado de saúde e à proteção de doenças crónicas. Nas últimas décadas, têm ocorrido profundas mudanças socioculturais na região do Mediterrâneo que levaram a que as populações modificassem os seus hábitos alimentares, o que teve um impacto significativamente negativo na saúde (por exemplo, o aumento de doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, etc.). Portanto, tornou-se essencial desenvolver atividades que garantam a “sobrevivência” da Dieta Mediterrânica e assim prevenir a doença e promover a saúde pública. Para além disso, a promoção deste estilo de vida poderá ter uma relação direta e uma influência sobre a produção agrícola, na medida em que estimula o consumo destes produtos não só no mercado da bacia do Mediterrâneo, mas também no estrangeiro, promovendo a sua exportação.

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Por Alexandra Bento, Bastonária da Ordem dos Nutricionistas


A 16 de novembro de 2010 a Dieta Mediterrânica foi considerada Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO. Posteriormente, a 30 de março de 2013, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em Paris, deu entrada uma nova candidatura transnacional que, para além de Portugal e da sua comunidade representativa de Tavira, envolveu outros Estados e comunidades como Chipre/Agros, Croácia/Hvar e Brac, Grécia/ Koroni, Espanha/Soria, Itália/Cilento, Marrocos/Chefchaouen. Esta nova candidatura, com o objetivo do alargamento da classificação ao Chipre, à Croácia e a Portugal, recebeu, em menos de dois minutos, a aprovação por parte da Assembleia Geral no início de dezembro de 2013. Estando Portugal inserido neste grupo de promotores da Dieta Mediterrânica, criam-se novas oportunidades para a elevação dos produtos locais e do turismo, quer gastronómico, quer cultural, possibilitando igualmente a divulgação dos benefícios para a saúde pública deste estilo de vida, que detém todo um conjunto de características, desde a forma de estar, de viver o dia-a-dia ao que se come e como se come.

Para os que ainda apresentam dúvidas em relação a Portugal como sendo um país Mediterrânico, é de salientar que não é o mar que banha um país que faz dele Mediterrânico, é o clima e a natureza, são as produções agroalimentares, as convivialidades e sociabilidades. É, sem dúvida alguma, a nossa dieta baseada em produtos frescos, da época e produzidos localmente, com características comprovadamente preventivas de doenças cardiovasculares e cancerígenas, é este estilo de vida enraizado na cultura portuguesa. Um estudo realizado em 2009, pela Fundação da Dieta Mediterrânica, no qual é avaliada a adesão ao Padrão Alimentar Mediterrânico, mostrou que os países mediterrânicos se estão a afastar deste Padrão. Portugal, num período de cerca de 40 anos, sofreu um afastamento, caindo do décimo para o décimo oitavo lugar. Estudos como este alertam para a necessidade de Políticas Nutricionais que combatam a ocidentalização da Dieta Mediterrânica e a perda das suas características benéficas, sendo fulcral a preservação deste nosso tesouro e a transmissão às gerações vindouras. : :

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CULTURA

Os patins começaram a rolar aos 9 anos. Desde esse dia que não param. Ainda hoje, Luís Sénica, Selecionador Nacional de Hóquei em Patins, patina sempre que pode, seja nos treinos com a camisola das quinas, seja a ensinar o futuro desta modalidade. O treinador que coleciona vitórias fala-nos desta modalidade. Fala de uma paixão que não esmorece e de um desporto que nunca terminará. É cultural, como sublinha. E assim, como se de um relato de Artur Agostinho se tratasse, nesta entrevista assistimos, a viva voz, a cada passe decisivo rumo ao momento mais marcante que será sempre o que está para vir.

Entrevista com

LUÍS SÉNICA A patinar desde os 9 anos, pelo Grupo Desportivo de Sesimbra, sentiu, desde logo, que esta modalidade seria o seu projeto de vida? Existe, claramente, um projeto de vida à volta do hóquei em patins, mas houve um primeiro momento de deslumbramento pela prática desportiva. Eu começo a ter consciência de que o hóquei em patins podia ser importante na minha vida quando começo a receber os primeiros vencimentos como jogador. Quando saí a primeira vez de Sesimbra é que tive a noção que podia fazer um trajeto profissional. Aos meus 23 anos, quando faço a primeira saída para Turquel, para jogar também num clube de primeira divisão, começo a ter consciência de que há essa possibilidade. Nesse meu trajeto como atleta tenho momentos interessantes. A saída da terra que me viu nascer, uma terra muito característica, muito específica, aqui à beira-mar plantada. Consigo chegar até ao Sporting, passo uma época e acontece uma coisa muito interessante: o grau de exigência leva-me a ter que repensar um pouco aquilo que queria fazer. Cheguei a uma conclusão, provavelmente tardia: queria completar os estudos. Procurar saber mais, tentar documentar-me de forma a poder ser melhor no hóquei. É nessa altura que começo a sentir que a minha vida está determinantemente ligada ao projeto do hóquei em patins.

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[Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

Tudo começou neste ringue onde deu os primeiros passos sobre patins ou os relatos do Artur Agostinho representaram o primeiro empurrão? Este é um espaço de culto para mim. Estamos hoje numa estrutura completamente distinta. Os meus primeiros passos foram dados ainda sobre cimento. Começámos a aprendizagem na patinagem de uma forma bastante rudimentar. Não existia conhecimento da modalidade ou grandes referências. Tenho também que fazer referência aos relatos, à voz e à emoção que o Artur Agostinho depositava neles.

Entrevista André Silva e Ana Filipa Pinto Fotografia Cláudia Teixeira

SELECIONADOR NACIONAL DE HÓQUEI EM PATINS


Em cima de patins

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O interesse pela modalidade tem vindo a aumentar? Nos últimos anos sim. O hóquei tem sobrevivido a coisas muito interessantes, inclusivamente à segunda guerra mundial. O hóquei vem de Inglaterra, que dominava na altura, encosta-se à Península Ibérica e consegue sobreviver. O hóquei sempre sobreviveu, talvez por ser bastante social.Desdobram-se famílias e relações. É comum, há dois ou três anos, ouvirmos dizer que o hóquei está de volta, está na moda e isso é importante. Vejo muita gente a praticar, muitos jovens a procurar o hóquei em patins, o que não é expectável tendo em conta o contexto desportivo em que vivemos, no âmbito do qual o futebol é a modalidade com mais força. A comunicação social é muito importante nesta matéria. Hoje é possível ver praticamente todas as jornadas do campeonato nacional. Entre a BenficaTV, a Sporting TV e o Porto Canal, que transmitem os jogos dos seus clubes, temos também a internet como espaço de divulgação, no qual praticamente todas as equipas da primeira divisão têm as suas próprias televisões online que transmitem os jogos.

Foi por esse motivo que decidiu, na sua formação académica, especializar-se na modalidade de Hóquei em Patins? Neste meio, ainda que consignados à modalidade que praticamos, não deixa de ser exigente. Nós vamos à pista para ganhar e quando os adeptos estão no pavilhão a ver um jogo, a grandeza deste desporto não interessa, mas sim se o seu clube vence. Isso obriga a que, quando estamos de corpo e alma neste tipo de atividades, tenhamos que nos superar. A ideia de que sei tudo não está correta. Eu parto sempre de uma premissa que é: aquilo que tenho feito é um complemento para aquilo que irei fazer melhor no futuro. Sou sempre exigente comigo próprio, muito perfecionista, nunca estou satisfeito e acho sempre que podia ter feito melhor. E o hóquei em patins tem desejado fazer mais? A própria modalidade continuou a crescer? A modalidade tem contextos e momentos históricos. Somos uma potência. Portugal tem tido ciclos muito vitoriosos. Ultimamente, a nível das seleções, não temos conseguido esse ciclo, não por falta de condições, de treinadores ou jogadores, mas porque temos encontrado rivais de grande qualidade. Espanha, por exemplo, que dominou os últimos cinco campeonatos do mundo, acabou por cair no último mundial e, na minha opinião, fechou um ciclo. Portugal está num ciclo de retoma, num ciclo de grande dinamismo e está preparado para colher alguns dos frutos e do investimento que fez na formação. Somos das seleções que mais tem ganho nas camadas jovens. Somos campeões do mundo de sub-20, bicampeões da Europa de sub-20, somos campeões da Europa de sub-17, fomos campeões da Europa em título sub-23. Acreditamos que estes jovens, que agora chegaram ao espaço da seleção nacional, ainda que com um caminho longo a percorrer, podem retomar um ciclo vitorioso para Portugal.

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Caminhamos para um contexto de maior equilíbrio entre os investimentos nas modalidades em Portugal? Eu quero acreditar que sim, mas tenho a consciência que isso não é de todo possível. É importante que as modalidades, como o hóquei em patins, recebam mais apoios, consigam maior visibilidade, maior dimensão da sua massa adepta e mais qualidade. Portugal tem as suas características muito específicas, tem as suas assimetrias desportivas e nós combatemos num espaço que é praticamente impossível de superar, mas que não deve fazer com que baixemos os braços. Nós sabemos aquilo que o futebol tem de impacto em Portugal, sabemos a sua dimensão, sabemos como se canalizam todas as sinergias políticas, sociais e económicas e temos de olhar para isso como um fator de coabitação. Todas as modalidades têm o seu espaço e o que importa é sabermos que esta modalidade é querida em Portugal. É uma modalidade culturalmente nossa e não devemos ter vergonha de o assumir. Falando na componente local, como é que recorda os primeiros jogos aqui e o investimento do público nesses jogos? Inicialmente, era a novidade. Eu fiz parte da primeira equipa de formação e não tínhamos qualquer referência, a não ser os relatos e o pouco que tínhamos de imagens. Houve um primeiro acompanhamento por parte das famílias, eram elas que suportavam os custos, materiais e que fizeram crescer esta dinâmica. Existiu um momento marcante, histórico e que até ao momento não se voltou a repetir: a vitória do Sesimbra na Taça CERS (Competição Europeia de Clubes de Hóquei em Patins). Durante os anos 80 e com a vinda de vários jogadores das ex-colónias, o Sesimbra teve uma equipa que lutou pelos primeiros lugares. Uma particularidade interessante é que, passados 20 anos desde a Taça CERS ganha pelo Sesimbra, venci a mesma pelo Benfica. O hóquei, neste espaço e neste contexto, é impensável que acabe. É um culto das pessoas de


ENTREVISTA COM LUÍS SÉNICA

Cheguei a uma conclusão, provavelmente tardia: queria completar os estudos. Procurar saber mais, tentar documentar-me de forma a poder ser melhor no hóquei. É nessa altura que começo a sentir que a minha vida está determinantemente ligada ao projeto do hóquei em patins. Sesimbra e não só. Encontramos pelo país diversos locais onde o hóquei tem bastante força, tais como Turquel, São João da Madeira, Viana do Castelo, Estremoz, entre outros. Ter sido jogador ajudou-o na construção da sua carreira como treinador? Sente que foi uma vantagem? Sim, são fatores de consciencialização decisivos. É extremamente importante, do ponto de vista do treinador, perceber o que se passa com os seus jogadores porque ele também o viveu. Mas uma coisa é certa: é muito mais fácil ser jogador porque, ainda que tenha a pressão do resultado, posso desfrutar do jogo. Já como treinador, as coisas são completamente distintas. Temos muita gente à nossa volta, decidimos num conjunto de situações e decidimos sempre sobre pessoas. Tentamos decidir sempre em consciência, sabendo que não conseguimos agradar a toda a gente. Por isso é que é extremamente importante termos presente, no momento de tomar decisões, aquilo que vivemos enquanto jogadores.

Passou por diversas experiências durante o seu percurso profissional, que mais-valias traz essa diversidade? Perguntam-me, muitas vezes, como é que eu, treinando ao nível de uma seleção nacional, consigo descer à pista e trabalhar com jovens de 4, 5 e 6 anos. Só encontro uma explicação racional: a paixão que tenho pelo hóquei. Para mim não há distinções, desde que seja hóquei em patins eu faço o meu trabalho com a maior entrega e paixão. Essa paixão foi determinante para conquistar todos os títulos possíveis pelo Sport Lisboa e Benfica? Sim. As pessoas só veem aquele produto final, no qual se manifesta o sucesso, mas existe um trajeto duro, de grande sofrimento e de grande resiliência. Nesse trajeto nem tudo foi bonito, porque perdemos jogos e no dia a seguir tínhamos de dar a cara e estar lá a trabalhar. Quando isso acontece são fins de semana dramáticos, em que passo o tempo a pensar no que fiz de errado, para que não volte a acontecer. A vida de um treinador de vitórias e títulos resume-se a uma frase muito simples: umas poucas derrotas e muitas vitórias. E as poucas derrotas ensinam a conquistar mais vitórias? Sim, uma derrota é uma grande oportunidade para uma vitória.

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ENTREVISTA COM LUÍS SÉNICA

Enquanto treinador do Sport Lisboa e Benfica, o que sentiu ao vencer a Liga Europeia contra o Futebol Clube do Porto e em pleno estádio do dragão? Estava muito calmo. Exteriorizei aquilo que ia na alma em termos mais reservados, fiz o meu papel. Decidi que, assim que a taça fosse entregue, eu afastava-me. Tomei essa decisão porque tinha terminado ali o meu projeto. Terminou um ciclo de um trabalho muito importante, não só pelos títulos todos, mas por tudo o que se trabalhou, pelas relações que se criaram, pelo que chorámos, pelo que sofremos, etc. Em quatro anos, vencer tudo o que há para vencer num clube com a dimensão do Benfica não é tarefa fácil e faz-se, fundamentalmente, com um conjunto de jogadores de grande qualidade e humanidade. Enquanto selecionador nacional, o que faltou para ganharmos o Mundial? Faltou-nos, possivelmente, terem entrado aquelas três bolas que bateram no poste. Nós tivemos um momento no jogo muito forte. Quando virámos o resultado a nosso favor, tivemos mais uma bola ao poste, sofremos o golo e o jogo vira para a Argentina. Esta é a análise da sorte e do azar, mas, sendo sérios, foi um grande jogo de hóquei. A Argentina estava fortíssima, nós condicionámos muito, mas tivemos um ou dois erros que, infelizmente, pagámos com golos. Temos de continuar a lutar, há aqui gente com muita qualidade e eu defino-os de uma forma muito simples: fazem tudo com naturalidade, mesmo o erro. Esta facilidade com que executam e este prazer que têm em jogar hóquei são fatores que me dão garantias de que Portugal, mais cedo ou mais tarde, conquistará os seus títulos. Acredita, então, que temos condições para vencer o próximo Europeu de hóquei em patins? Quando fui para o mundial disse que correríamos por fora e nunca assumi que íamos ao mundial para ganhar, mesmo pressionado pela comunicação social. Determinámos que íamos para jogar, para trabalhar as vitórias em todos os jogos e foi isso que cumprimos. Assim que terminou o jogo do terceiro e quarto lugar, na conferência de imprensa, assumi que Portugal é candidato ao Europeu do próximo ano. Começámos, desta forma, a marcar uma posição. Para o ano, o Europeu é em Portugal, jogamos em casa e é extremamente importante começar a criar sinergias, para que esta geração, de competência e excelência, marque rapidamente o seu espaço. Nada melhor do que ter a oportunidade de o fazer em Portugal. Eu gostaria muito que estes jovens ganhassem o Europeu, porque acredito que, após esta competição, teremos muito mais possibilidades de vencer a nível mundial. O que lhe passa pela cabeça no momento em que ouve o hino de Portugal antes de uma partida? O hino nacional, em qualquer contexto, tem de ser sentido. Quando jogamos fora, sabemos que estão 100 ou 200 emigrantes na bancada que olham para a seleção nacional como a ponte que os leva até às vivências do seu país de origem,

tudo aquilo se torna muito emocional. Mas o sentimento ao ouvir o hino tem de ser o mesmo em Lisboa, em Angola ou em Sesimbra. Enquanto treinador, sente que é a grande referência nacional do hóquei em patins? O mais importante para um treinador, quando apontado como uma referência, é não se deixar condicionar por essa ideia. Na minha opinião, devido à exigência que coloco no meu trabalho, só poderei fazer um balanço quando terminar a minha carreira. Até lá e para nos mantermos no topo, temos de tentar estar sempre atualizados e dinâmicos. É simpático sabermos que somos uma referência, mas isso não faz com que ganhemos o jogo no dia seguinte. Qual foi o golo que mais o marcou na sua carreira (como jogador e treinador)? Como jogador, curiosamente, foi nesta baliza. Num ano em que o Sesimbra precisava de ganhar o último jogo em casa para não descer de divisão. Jogávamos contra a Oliveirense – uma potência já naquele tempo. Eu fiz o golo do 2-1, nesta baliza, e com um passe de um colega meu, o João Gomes. A partir daí não me recordo de mais nada, foi uma euforia brutal. Esse golo marcou-me, porque foi muito importante para mim, para a equipa e mesmo para Sesimbra. Como treinador, destacaria todos os golos que me deram vitórias. Foram todos importantes.

“ESCOLHAS…” de Luís Sénica Um Livro? O mundo de Sofia Uma Peça de Teatro? Gosto de assistir a uma Revista à portuguesa Um Filme? Astérix e Obélix Uma Música? Um bom fado Um Museu? Louvre Um Lugar? Sesimbra

Qual o momento mais marcante na sua carreira? O próximo. O que vier. Quais são as últimas palavras que diz aos seus jogadores antes de entrar em campo? Alguma da linguagem é muito de balneário (risos). Na seleção, preparamos o jogo no hotel e o balneário é apenas para as últimas indicações. Por norma, as últimas palavras são sempre positivas, motivadoras e para os fazermos acreditar que somos capazes. : :

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SUGESTÕES

LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS

COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA

Formulários de Contratos Civis • Noções elementares • Minutas diversas Maria Paula Gouveia Andrade, Mestre em Direito / Assistente Universitária

A Ação Executiva Anotada e Comentada

Esta nova edição disponibiliza um conjunto de novas temáticas e respetivos formulários. Designadamente: – contratos de prestação de serviços jurídicos; – contratos sucessórios; – acta de assembleia de condomínios para servir de título executivo; – Estatutos de IPSS. Foram também adicionadas e substituídas várias minutas, tais como: contratos de empreitada, de mútuo, de arrendamento para habitação (com fiança), declaração de reconhecimento de dívida, regulamento de garagem e outros. Inclui-se, ainda, um expositivo com doutrina e jurisprudência sobre noções gerais do «documento»: • forma e formalidades • estipulações acessórias • tipologia • forma: originais, públicas-formas e cópias • requisitos. Cada contrato ou minuta é antecedido da correspondente noção e do enquadramento legal. O livro inclui, ainda, um índice alfabético de formulários. Código dos Valores Mobiliários Anotado Jorge Alves Morais e Joana Matos Lima, Juristas Um livro com interesse para profissionais, estudantes e público em geral, em particular investidores. Disponibiliza a informação prática, acessível e clara sobre produtos financeiros no mercado e comercializados ao balcão de instituições financeiras ou na internet. Nesta obra, os autores transmitem a larga experiência da sua atividade profissional. Compilaram vasta documentação, jurisprudência, legislação, regulamentos e doutrina que complementam com os seus comentários. Inclui índice alfabético, com reporte quer para os artigos, quer para as anotações.

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Virgínio da Costa Ribeiro, Sérgio Rebelo A obra que agora se publica não é um texto académico nem pretende substituir os diversos manuais existentes sobre a ação executiva. Trata-se, antes, de um trabalho essencialmente prático, com uma visão acentuadamente jurisprudencial, fruto das reflexões que os Autores foram fazendo ao longo dos últimos nove anos de exercício como juízes de execução. Pretendeu-se, acima de tudo, elaborar um texto que qualquer agente judiciário (juízes, advogados, agentes de execução, solicitadores e oficiais de justiça) possa ter na sua mesa de trabalho e, no domínio da ação executiva, obtenha uma resposta pronta para as suas interrogações mais imediatas quanto ao âmbito de aplicação de cada uma das normas.

Lei Geral Tributária Comentada e Anotada José Maria Fernandes Pires (Coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal, Maria João Menezes “(…) A Lei Geral Tributária ocupa uma posição central na ordem jurídica tributária portuguesa. Nela se definem os elementos essenciais da relação jurídica que se estabelece entre contribuintes e administração tributária, determinando regras específicas de aplicação imediata e directa, de que são exemplos as normas sobre caducidade, prescrição, revisão dos actos tributários, determinação de matéria tributável por métodos indirectos e respectivo procedimento de revisão, entre outros. (…) A Lei Geral Tributária tem, assim, um carácter de transversalidade incomum, talvez único, neste específico ramo jurídico. Consequentemente, a sua compreensão é essencial à melhor interpretação e aplicação de qualquer norma de direito tributário. (…)” Da Nota introdutória.


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EDITORA WOLTERS KLUWER

PORTO EDITORA

Responsabilidade Civil Nos Contratos De Espetáculo Francisco Menezes Borges

Registos e Notariado – 3.ª edição Legislação – Notas Práticas

A primeira monografia publicada em Portugal sobre a responsabilidade civil derivada do incumprimento de contrato de espetáculo. A obra analisa os comportamentos dos diversos agentes indispensáveis à realização de espetáculos que podem dar origem à obrigação de indemnização do público em geral, considerada a parte mais enfraquecida para o exercício dos seus direitos neste tipo de situações. São apresentados casos concretos e exemplos de decisões dos tribunais embora se possa concluir pela insuficiência do sistema geral de imputação de danos no direito português para uma efetiva proteção do público. O autor propõe a delimitação de conceitos de todos os intervenientes no contrato de espetáculo recorrendo a citações doutrinais, juriprudenciais e a remissões legislativas, apresentando ainda aquele que é, na sua opinião, o caminho a seguir com vista a respeitar o princípio do ressarcimento completo e imediato da vítima nestas situações. O leitor da obra fica a saber: Quais são as obrigações decorrentes dos contratos celebrados com vista à realização de um espetáculo. Quem são as partes contratuais e as relações estabelecidas entre elas. Casos que dão origem à indemnização por danos sofridos em consequência da não realização de um espetáculo. Análise crítica da jurisprudência. O leitor pode tomar notas, sublinhar, marcar a página, criar pastas de apontamentos, imprmir ou enviar informação por e.mail. Característica da obra: Obra publicada em formato e.book e disponível em www.smarteca.pt.

Esta nova edição da obra Registos e Notariado – Edição Académica apresenta, além da adequada atualização dos vários diplomas legais, devidamente referenciada, o Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15/12, que instituiu o Procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquiridos por contrato verbal de compra e venda e o Decreto-Lei n.º 19/2015, de 03/02, que criou o Registo de Pessoas Jurídicas Canónicas. Com estas novidades, procuramos que esta publicação se mantenha uma referência para todos aqueles que lidam com estas matérias. Como é característico da coleção, todos os conteúdos são apresentados devidamente consolidados e organizados, com o máximo rigor e tendo em vista a facilidade de utilização. Código de Procedimento Administrativo Legislação – Notas Práticas A revisão do Código do Procedimento Administrativo era imperiosa, sobretudo quando os tempos atuais são marcados por exigências novas e complexas, que impõem à Administração Pública outra postura. O CPA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, em vigor a partir do dia 7 de abril de 2015, virá marcar uma nova era nas relações jurídicoadministrativas e promover uma Administração Pública mais aberta, transparente e célere, através da introdução de um exercício de responsabilidades partilhadas com os cidadãos. Foram muitas as alterações que requerem especial atenção. Neste livro, o autor clarifica alguns aspetos legais mais complexos e esclarece a aplicabilidade das normas através de notas claras e objetivas e de uma seleção de jurisprudência sobre este tema. Processo Especial de Revitalização Legislação – Notas Práticas O Processo Especial de Revitalização colocou à disposição do tecido empresarial um novo mecanismo que visa evitar as insolvências através da realização de um acordo judicialmente validado entre o devedor e a maioria dos seus credores. Numa época em que as empresas atravessam grandes dificuldades económicas e financeiras, foi sem grande surpresa que, logo após a entrada em vigor deste novo instrumento, os tribunais se viram perante uma série de processos urgentes de revitalização. Logo aí, muitas foram as dúvidas que se levantaram quanto à aplicação desta norma inovadora. Muitos destes casos foram acompanhados por Fátima Reis Silva. Este livro é o resultado dessa experiência adquirida e pretende apoiar, através de notas claras e objetivas e da seleção de jurisprudência recente, todos os envolvidos, sejam eles juízes, juristas, entidades financeiras, empresas ou outros, a serem mais céleres e eficazes no tratamento de processos desta natureza.

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SUGESTÕES

LEITURA… PARA TODOS OS GOSTOS

Leituras para todos os gostos: um ensaio clássico, um romance histórico, uma lição sobre a Europa e um livro de poemas. Por Ana Paula Gomes da Costa, Solicitadora e membro do Conselho Regional do Sul da Câmara dos Solicitadores

O Segundo Sexo Os Factos e os Mitos De Simone de Beauvoir (ED. QUETZAL)

“Porque razão o mundo sempre pertenceu aos homens e só hoje as coisas começam a mudar?” Com Beauvoir tomamos consciência de que, ainda hoje, a mulher quando quer descrever-se é obrigada, ao contrário do homem, a declarar “sou uma mulher”. No paradigma que continua a formatar-nos e que continua a perpassar pela sociedade, ela aparece como o negativo do homem, como já era para Aristóteles na Antiguidade Clássica: “A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades”, isto é, ela define-se por lhe faltar algo e não por ter algo. “O segundo Sexo” mais do que descrever o que é uma mulher, explica como se constrói uma mulher. O que mais impressiona neste livro, escrito no fim dos anos quarenta e passadas mais de seis décadas, é a sua atualidade. Em pleno século XXI, ainda se discute a condição da mulher, tema que continua a ser pertinente, dados os desequilíbrios do poder entre os sexos. Muito se conquistou já, mas ainda há um longo e árduo trabalho por fazer.

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A Vida Apaixonante de Adriano

A misericórdia dos mercados

De Marguerite Yourcenar

Não há mapa cor-de-rosa A História (Mal)dita da Integração Europeia

(ED. ULISSEIA)

De José Medeiros Ferreira

(ED. ASSÍRIO & ALVIM)

De Luís Filipe Castro Mendes

(ED. EDIÇÕES 70)

“Marulino, meu avô, acreditava nos astros. Esse grande velho emagrecido e amarelecido pela idade concedia-me o mesmo grau de afeição sem ternura, sem sinais exteriores, quase sem palavras, que dedicava aos animais da sua propriedade, à sua terra, à sua colecção de pedras caídas do céu.” As memórias da vida apaixonante de um velho Imperador, muito doente, contadas a um jovem, Marco Aurélio, que lhe sucederá no Império de Roma. Um dos mais belos romances da literatura em francês do século XX, aqui na magnífica tradução de Maria Lamas. Pela voz de um Homem culto e sábio, a autora fala-nos da vida, do amor, da morte e do Mundo. Um livro que, uma vez lido, jamais se esquece.

“Está pois na hora de revisitar os fundamentos da integração europeia. Esta, encarada do princípio (...) foi uma resposta pragmática à ausência de Tratado de Paz; vista no meio, (...) foi a vitória do conceito de ‘comunidade de destino’ (...); nos nossos dias anuncia desilusão e tempestade.” Tive a sorte de conhecer e conviver com José Medeiros Ferreira que, em 2013, escreveu esta profética antevisão da atual “crise grega”. Figura relevante da sociedade portuguesa, professor universitário, investigador, historiador e político. Europeísta da primeira hora (foi ele o Ministro dos Negócios Estrangeiros que assinou o pedido de adesão à então CEE), a fase atual da construção europeia enche-o de um lúcido pessimismo.

“Os que não têm lugar à mesa devem rodar delicadamente para trás e afastar-se sem barulho e sem notícia. Os lugares foram reduzidos por forma a um número crescente de convidados deixar de ter lugar no banquete, sem qualquer aviso prévio ou desculpa improvisada. Prontamente. Conhecer as regras é necessário, ignorá-las é soberano.” O meu querido amigo Luís Filipe Castro Mendes é, penso eu, um dos melhores poetas portugueses da atualidade. O seu último livro, “A Misericórdia dos Mercados”, é uma irónica e subtil peregrinação sobre a desumana ditadura que as “finanças” exercem sobre todos nós. Sarcástico, perspicaz, acutilante e, ao mesmo tempo, delicado e envolvente, retrata, como só o poeta o sabe fazer, a organização da sociedade atual, a regulação pelo capital com as suas leis e as inevitáveis consequências dessa regulação. Como afirma Luís Filipe Castro Mendes num dos poemas, “Nós vivemos da misericórdia dos mercados. / Não fazemos falta.”

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SOCIEDADE

RARÍSSIMAS ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFICIÊNCIAS MENTAIS E RARAS

Aqui sonhar não é raro E tudo começou num sonho de uma criança. O pequeno Marco fez o que todas as crianças fazem tão bem: sonhar. Sonhou uma casa onde podia crescer e uma escola onde podia aprender. Primeiro nasceu a Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras. Depois o sonho do Marco ganhou paredes de realidade interrompidas por janelas com vista para tantos sorrisos: a Casa dos Marcos. O primeiro Centro de Recursos em Doenças Raras em território nacional. Nela vivem crianças e jovens únicos, com personalidades diferentes, vontades, gostos e birras. E, claro está, sonhos. Texto Ana Filipa Pinto e André Silva Fotografia Cláudia Teixeira

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[Assista ao vídeo em www.solicitador.net]

uem entra encontra luz, azáfama, conversas cruzadas, cumprimentos já cúmplices, vida. A família e a casa do Marco vão crescendo de tal forma que já contam com cerca de cem membros. De acordo com Paula Brito e Costa, presidente, “a Raríssimas nasceu com um grupo de pais e médicos dos nossos filhos, porque percebíamos que, apesar das doenças serem diferentes, as necessidades eram iguais (…) Nasceu da vontade e da necessidade dos pais que sonharam”. E assim tem crescido. Este sonho é feito de muita gente. Contudo, para entrar neste sonho não basta saber sonhar: “É para isto que aqui estamos, para educar e, quando educamos, não o fazemos só com os meninos. Educamos também os colaboradores. (…) Nesta casa, se a presidente tiver de ensinar a mudar uma fralda, ensina. Se tiver de dar um banho, dá. Isto é cultural. (…) Esta foi uma casa construída para qualquer coisa de A a Z. Se a alguém for diagnosticada uma doença, pode ir para a Casa dos Marcos que de lá não precisa sair”, conta-nos Paula Brito e Costa. Foi a Raríssimas que fez com que Portugal falasse de doenças raras. Na perspetiva da sua presidente: “Na altura, não se falava do que era raro e a própria palavra tinha desaparecido do nosso léxico. A palavra foi ganhando força e hoje a Raríssimas fala por si (…). Hoje, quando se fala em doenças raras, toda a gente sabe onde tem de ir. Para quem faz um projeto destes é fantástico”. Nas palavras de Paula Brito e Costa, é na Casa dos Marcos que podemos encontrar reabilitação personalizada, retaguarda familiar, escola especial, respostas de saúde em alternativa à cama hospitalar, informação sobre doenças raras, novas áreas

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de intervenção, etc. Isto porque “foi esta a casa que o Marco quis para ele, foi esta a casa que a família construiu para os outros”. Passeámos pela casa do Marco. A cada esquina encontramos uma criança, um jovem, um sorriso e um “Olá!”. A Casa dos Marcos, como todas as casas, foi pensada para quem nela mora. Tem vários espaços e todos eles pretendem dar resposta às necessidades destes meninos e meninas que recebem quem chega com a alegria de quem abre a porta de sua casa. Nesta visita, conhecemos a residência autónoma, uma espécie de casa pequenina dentro da grande casa, uma zona mais independente, totalmente equipada e onde os jovens podem aprender a viver à sua maneira. Entre ginásios, salas de atividades diferenciadas, refeitório e um jardim que envolve,

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RARÍSSIMAS

chegámos à sala de Snoezelen. Repleta de luzes, som e cores, esta sala tem como objetivo o estímulo sensorial e a diminuição dos níveis de ansiedade e de tensão. Nascida em 2002 e com apenas 13 anos, a Associação Raríssimas tem contribuído para que o investimento na área não pare, nomeadamente no que diz respeito à investigação: “Neste momento, aparecem pequenas indústrias que são compradas pelas grandes empresas farmacêuticas. Quem faz mais investigação no mundo é a indústria farmacêutica.”, explicou a presidente desta associação. Para Paula Brito e Costa, o futuro é algo em que não pensa muito. Aprendeu com estes meninos que não há futuro, há apenas presente. Confessa-nos que “(…) para sustentar um projeto é assim que tem de ser. O resto é feito sempre com base nos sorrisos dos outros”. Foi assim que o sonho do Marco se tornou no sorriso de todos os outros Marcos. “É perfeitamente possível sermos felizes todos os dias. Uma coisa que aprendi com o meu filho, o Marco, e com todos estes Marcos, é que a felicidade deles e o brilho nos seus olhos quando me veem é um momento especial”. Esse é o momento que não se quer e não se pode esquecer. Nesse momento fica uma história, um rosto com o olhar aberto, um sorriso ansioso, um sonho que quer acontecer. E é difícil entender como o sonho se tornou tão raro. Pelo menos, fora desta casa. Aqui voltamos a acreditar que, no fundo, é tão simples sonhar! : :

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SUGESTÕES

Deixamos-lhe um desafio: entre execuções, autenticações e demais atividades profissionais, em momentos de pausa, férias judiciais e afins, ‘execute’ canyoning, deixe-se levar pela aventura!

O CANYONING ADRENALINA RIO ABAIXO Para quem nunca se aventurou neste recente desporto com pouco mais de 40 anos de existência na Europa e um pouco menos em Portugal, o Canyoning é uma atividade praticada em rios de montanha com baixos caudais, muitas cascatas, piscinas naturais e tobogãs. Consiste na descida de canyons, gargantas ou desfiladeiros seguindo o percurso do rio, com recurso a técnicas de rappel. Caminhar dentro de água, saltar para piscinas de águas translúcidas, escorregar por entre rochas moldadas pelo caudal da ribeira e desafiar as cascatas que jorram do alto, são estes os ingredientes para momentos de adrenalina e diversão, num autêntico parque aquático criado pela natureza.

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Por Patrícia Passos, Funcionária da Divisão de Gestão e Apoio aos Associados do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores


Interessado? Pois bem, antes de colocar os pés na água, cumpre a apresentação do fato isotérmico, que nesta atividade assume grande importância para os seus praticantes, já que elimina o desconforto que a temperatura das águas poderia provocar e permite-nos flutuar descontraidamente sem que tenhamos de exercer qualquer movimento. Até aqui tudo bem, nada de mais, equipados com o fato adequado, capacete, arnês e ganchos que serão importantes nas descidas que mais à frente ficarão a conhecer, sigamos o monitor. Entre rochas e subidas lamacentas laterais ao rio, caminhamos até ao início da aventura. No percurso, o contacto permanente com a natureza consegue transmitir uma sensação inexplicável de liberdade e harmonia. A verdade é que o canyoning permite-nos desfrutar de prazeres e sensações únicas, permite-nos explorar, admirar, nadar, flutuar, permite que a adrenalina nos absorva em lagoas naturais de água transparente e límpida, onde os peixes são os companheiros do lado, os caudais das lagoas são o nosso palco, por vezes esculpidos de forma desconcertante pela força e persistência das águas, pelo deslizamento dos troncos, pela indescritível natureza que desenha o cenário perfeito para a aventura perfeita. Atenção… Ainda não iniciámos a descida! Preparado? Não antes do briefing do monitor, feito de dicas e conselhos para que tudo seja feito com segurança e conforto. Passos curtos e firmes que garantam confiança no solo antes de se dar a próxima passada; apoio das mãos a cada passo, segurar nas rochas e outros pontos que encontremos ao longo do percurso; controlo das cordas no rappel conforme demonstrado previamente; mãos sobre o peito, pés unidos e adequados à inclinação dos tobogãs no deslizamento dos mesmos – estes são alguns dos aspetos a seguir religiosamente ao longo das cerca de três horas desta prática desportiva. A emoção e a adrenalina são a maior atração para os interessados nesta modalidade, não só pelos desafios conhecidos, como os saltos das cascatas, o deslizamento nos tobogãs ou o rappel entre lagoas desniveladas, mas também pelo fator surpresa que a natureza consegue oferecer, fazendo com que, após algumas semanas, novos obstáculos surjam. Alia-se a uma nova vontade para redescobrir determinado percurso ou para apresentar aos novatos como este é um desporto de aventura, radical, seguro e tão natural quanto a natureza mais privilegiada e escondida possa ser, que se permite dar a conhecer pela exploração de forma ativa através do canyoning. Iniciado o percurso, atreva-se a algumas das seguintes técnicas: Watertrek: Caminhada ou marcha pelo leito do rio, normalmente em sentido da corrente e onda haja pouca profundidade. Evita-se subir pelas pedras, pois aumenta o risco de acidentes; Rappel: Descida em corda, com o uso ou não de aparelhos, por meio aquático ou aéreo;

Natação: Em zonas de maior profundidade; Tobogã: Em posição ligeiramente deitado e com os braços cruzados sobre o peito para evitar bater com os cotovelos em saliências, deixe-se deslizar pelos obstáculos, sendo levado no sentido da corrente; Saltos: A técnica varia de acordo com a altura do salto e da profundidade do poço recetor. Verifica-se sempre, mesmo em locais já conhecidos, se não há novos obstáculos (árvores ou rochas) no poço.

Nestas e noutras técnicas menos conhecidas, como indicado anteriormente, a adrenalina atinge o seu auge. Veja-se o quão importante a adrenalina é no canyoning: em condições normais, a sua presença no sangue é muito pequena, porém, nos momentos de excitação, de medo, euforia ou stress emocional, uma grande quantidade de adrenalina é lançada para atuar sobre determinadas partes do corpo – nervos, músculos, pernas, braços – com o objetivo de prepará-lo para um esforço físico, como pular ou deslizar pelos tobogãs, controlando ainda o corpo e o equipamento nas descidas de rappel. Para a prática de canyoning, poderá encontrar várias opções mais a norte do país. Ainda assim, é inquestionável o privilégio dos micaelenses, ficando o convite para os demais: umas férias por São Miguel, nos Açores, obrigam a esta experiência! Além das magníficas paisagens que ali poderá encontrar, o interior da ilha esconde cascatas e ribeiras que reúnem as condições ideais para o canyoning. Contando com profissionais experientes, de excelência, certificados, extremamente atenciosos e divertidos, sugerimos que opte por “Picos de Aventura”, nas Portas do Mar em Ponta Delgada, São Miguel, Açores. : :

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ROTEIRO GASTRONÓMICO

Retrokitchen Um restaurante que enche alma e coração

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Sugestão de Cláudia Cruz, funcionária do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores

unca tinha tido um restaurante favorito em Braga (os cozinhados da mãe sempre me aconchegaram o estômago de estudante expatriada), até que um dia descobri a Retrokitchen. “A ementa sou eu!”, respondeu Rui descaradamente quando lhe perguntámos pelo cardápio. Ali no cimo da rua do Anjo, a Retrokitchen é como que um pequeno lugarzinho no céu de todos os que a conhecem. Pelas mãos da Tânia e do Rui (casados, bracarenses de gema), o rés do chão do número 96 virou uma espécie de “Casa da avó”, como carinhosamente lhe chamam os já fregueses. O espaço está decorado à moda antiga, ao estilo mais retro, repleto de objetos vintage catitas e com história. Mas não pense que a Retrokitchen enche somente a vista, é que enche bem as medidas. Até demais! Sem ser pretensiosa, esta cozinha retro, abastecida com os melhores produtos locais e regionais, traz-nos à mesa, ao almoço e ao jantar, pratos caseiros RETROKITCHEN e coloridos, dando um toque particular aos sabores mais tradicionais. A ementa varia todos os dias, sempre cantada pela boca do Rui ou Rua do Anjo, 96 da Tânia, mas há iguarias que são da casa. Tal 4700-305 Braga Telefone: 253 267 023 como a leve e saborosa Moqueca de Peixe e Aberto segunda, quarta a sábado, Camarão, única em Braga, ou a suculenta “Gan- das 10h00 à 24h00 da Posta” para os mais carniceiros. Para abrir o Encerra à terça e ao domingo. apetite nada como as tradicionais moelas ou o requintado queijo brie com mel no forno acompanhado com rúcula, por exemplo. O perigo é perder-se antes mesmo de chegar ao prato principal. Por outro lado, não se poupar para a sobremesa, face ao leque de perdições apresentado (uma gulosa baba de camelo, uma tarte de limão que é especialidade da casa, ou um cheesecake tipo kinder bueno), pode gerar um profundo sentimento de arrependimento. E tudo isto acompanhado por uma musiquinha boa, um pedacinho de sol entre portas e uma brisa refrescante. Aqui come-se com os olhos, com a boca, com o nariz… Com todos os sentidos. O ambiente é de pura descontração e a tranquilidade e familiaridade são de tal modo envolventes que dão vontade de ficar recostado neste cantinho no céu. A Retrokitchen enche a vista, enche o estômago, mas, sobretudo, enche alma e coração. : :

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Sugestão de Sérgio Fernandes, funcionário do Departamento de Formação do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores

Portarossa Itália à beira do Douro

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Portarossa é uma pizzeria que os amantes da gastronomia italiana poderão encontrar na Foz, mais concretamente na pacata rua de Côrte Real. Sofisticado e bem frequentado, o ristorante exibe um espaço extremamente acolhedor e decorado de bom gosto, congregando uma esplanada e um jardim soberbamente aproveitados nos serões quentes de verão, dispostos por detrás de um sui generis portão vermelho que inspira o nome Portarossa. Mas vamos ao que realmente importa: A elevada qualidade e boa apresentação dos pratos, a frescura dos ingredientes e o respeito pela tradição e rigor característicos dos pratos italianos e do respetivo processo de confeção. Outro fator a ter em conta para aqueles que, como eu, também se preocupam com o estado atual da economia, é o preço muito PORTAROSSA razoável que o Portarossa cobra, tendo em conta a elevada qualidade dos seus produtos Rua Côrte Real, 289 e serviços. Como admirador confesso das calzone, 4150-235 Porto Telefone: 226 175 286 não poderia deixar de recomendar este Fax: 226 108 210 menu que, de resto, já repeti: aceitem gene- Email: geral@portarossa.pt rosamente o ótimo couvert da casa (pão à Aberto ao almoço fatia e azeite, grissinos e azeitonas), pedindo todos os dias das 12h30 às 15h30 para entrada um queijo provolone gratinado Aberto ao jantar com figos, seguido da magnífica calzone da de domingo a quinta-feira casa (molho de tomate, mozzarella, cogu- das 19h30 às 00h30, melos, fiambre, espinafres e ovo), terminan- sexta e sábado das 19h30 às 1h30. do com um refrescante sorvete misto de limão e framboesa. Pese embora seja meu hábito solicitar um lambrusco rosso a acompanhar este tipo de refeições, a casa oferece uma carta recheada de bons vinhos portugueses que recomendo para regar o repasto. O número de porta do Portarossa é o 289 e nos dias e horários de suspeita enchente, como a sexta ou sábado à hora de jantar, mais vale prevenir e fazer a reserva através do sítio da internet (www.portarossa.pt) ou por telefone. : :

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T O M A R

HISTÓRIAS DE UMA CIDADE COM HISTÓRIA

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VIAGENS

Por André Silva, funcionário do Gabinete de Comunicação e Imagem do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores

saiko3p / Shutterstock.com

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á muito, muito tempo, corria o ano de 1160, quando D. Afonso Henriques ordena a Gualdim Pais, Mestre da Ordem dos Templários, a construção do Castelo de Tomar. É neste momento que começa a nossa história e a História de Tomar. Passados 854 anos, convidámos Gualdim Pais para voltar à cidade que fundou. Começámos o nosso passeio com um pequeno-almoço na “Doçaria Estrelas de Tomar”, local de passagem obrigatória que, desde 1960, adoça a boca de todos os seus clientes com as especialidades “Beija-me depressa” e “Fatias de Tomar”. Gualdim Pais não resistiu e levou uma caixa de cada. Subimos a Rua Serpa Pinto e dirigimo-nos à Praça da República. Aqui podemos encontrar os antigos Paços Reais, edifício mandado construir por D. Manuel I e onde estão instalados os serviços da Câmara Municipal de Tomar. Do lado oposto podemos ver a Igreja de S. João Baptista, concluída no início do século XVI. Mas foi na estátua erguida em sua homenagem que Gualdim Pais fixou o olhar. Construída em 1885, esta estátua apenas foi inaugurada, com pompa e circunstância, quarenta e cinco anos depois e graças a uma subscrição pública. Gualdim Pais não resistiu e tirou várias selfies para a posterioridade! Depois de recomposto da emoção, seguimos e passeámos pelas ruas estreitas e mais características da zona histórica de Tomar. Visitámos a Sinagoga, o templo hebraico mais antigo de Portugal, a Casa Memória Lopes-Graça e o Museu da Levada. Numa dessas ruas, na Doutor Joaquim Jacinto, encontra-se o local escolhido para o nosso almoço: A Casa das Ratas. Um dos restaurantes mais famosos de Tomar e que preserva até hoje o ambiente de uma verdadeira taberna. Com as baterias recarregadas após o nosso almoço, decidimos percorrer o Nabão, o rio que atravessa Tomar. Junto às suas margens visitámos a Casa dos Cubos, prémio internacional da arquitetura. Na outra margem, podemos ver a Igreja de Santa Maria do Olival. Mandada construir pelo nosso anfitrião no século XIII, foi Panteão dos Mestres Templários e serviu de exemplo a outras igrejas do mesmo estilo arquitetónico. Em jeito de confidência, Gualdim Pais falou-nos da lenda dos túneis, que ligam esta igreja ao Castelo, e do famoso tesouro dos Templários que dizem estar lá escondido. Eu até podia contar mais… Mas prometi segredo! Dirigimo-nos à Mata Nacional dos Setes Montes, conhecida como Cerca do Convento, um espaço de recolhimento e cultivo, e, encaminhado por Gualdim Pais, seguimos pelos antigos

caminhos dos templários em direção ao Castelo. O ex-líbris da nossa visita. Gualdim Pais contou-me, com tremendo orgulho, que o Castelo Templário/Convento de Cristo foi sede da Ordem do Templo, até 1314, e da Ordem de Cristo, a partir de 1357. Classificado pela Unesco como património mundial desde 1983, é a maior área monumental de Portugal e uma das maiores do mundo, com cerca de 54000 m2. Explicou-me ainda que divide este monumento em três partes distintas. A artística, como posso reparar em cada metro quadrado que percorremos, seja pela porta principal, a Charola, a Janela do Capítulo ou o Claustro de D. João III; O funcional, pois alojou inúmeros monges guerreiros e frades em clausura, utilizando recursos próprios; E o sentimental, pois sempre houve uma ligação à vertente religiosa bem evidente na procura da defesa do nome de Cristo. Para terminarmos a nossa visita e para que o nosso guerreiro possa repousar após tanta emoção, decidimos jantar no restaurante “Chico Elias”. Enquanto experimentávamos algumas das especialidade da casa, como a feijoada de caracóis, a canja de grão, a lampreia à bordalesa, entre outros, falei-lhe da famosa festa que existe em Tomar: a Festa dos Tabuleiros. A festa, que se realiza de 4 em 4 anos, no princípio de julho, inicia-se no Domingo de Páscoa, com a saída das coroas e pendões de todas as freguesias. No Domingo anterior ao grande cortejo, realiza-se o Cortejo dos Rapazes, no qual as crianças levam os trajes de tradição e transportam o tabuleiro que terá a sua altura. Mas voltando a pensar na ementa, é altura de pedir os doces. Leite-creme queimado, peras bêbedas ou doce de feijão com abóbora são algumas das sugestões. Já servidos, regressámos à animada e colorida conversa sobre a festa dos Tabuleiros. Por esses dias, as ruas do centro histórico de Tomar, visitadas de manhã, são ornamentadas com milhares de flores de papel, um trabalho da autoria dos moradores de cada rua e que é mantido em segredo até ao dia mais esperado. O Grande Cortejo realiza-se sempre ao Domingo. O tabuleiro tradicional deverá ter a altura da senhora que o leva e é decorado com flores de papel, espigas de trigo, 30 pães, entre outros adornos. No topo do tabuleiro, a Cruz de Cristo ou a pomba do Espírito Santo remata a coroa. Terminada a refeição e a visita a Tomar, a expressão de satisfação de Gualdim Pais não engana. A cidade que projetou, mesmo passados mais de 800 anos, não perdeu a sua história… E tantas histórias. : :

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BRATISLAVA a pérola escondida no Danúbio

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VIAGENS

Por Luís Goes Pinheiro, Secretário-Geral da Câmara dos Solicitadores

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as margens do Danúbio, a pouco mais de 60 quilómetros de Viena e junto à fronteira com a Hungria, encontra-se a capital da Eslováquia. É uma cidade pitoresca, com cerca de 450 mil habitantes, que, apesar de não rivalizar em dimensão e opulência com as suas homólogas austríaca, húngara e checa, tem na sua história e localização geográfica invulgar (bem no centro da Europa e na fronteira do antigo Bloco de Leste) argumentos mais do que suficientes para merecer uma visita. A história de Bratislava perde-se no tempo, remontando os vestígios de presença humana ao longínquo neolítico. Neste local, viveram tribos celtas, os romanos e, a partir do século V, os eslavos. No século X tornou-se parte do reino da Hungria, tendo sido a capital durante cerca de dois séculos e meio, até 1783. A derrota do império austro-húngaro, na I Guerra Mundial, esteve na origem da criação da Checoslováquia, que durou até 1993 e incluía os territórios da República Checa e da Eslováquia. O período mais negro da história de Bratislava iniciou-se nas vésperas da II Guerra Mundial, com a ocupação nazi, e durou até à “Revolução de veludo”, que, em 1989, pôs termo à ditadura comunista que causticou o país durante quase meio século. O fim da ditadura trouxe liberdade à cidade. A sua população jovem e qualificada (65.000 estudantes universitários) e a proximidade a Viena, território inacessível até à queda do muro, permitiram ao país rumar à prosperidade. O desenvolvimento trouxe a reabilitação do centro histórico, que é agora um espaço carregado de memórias e de turistas, facilmente calcorreável, que envolve a Praça Central (Hlavné Námestie) e desce a colina sobre a margem norte do Danúbio. É aí que se encontram os principais palácios e igrejas de Bratislava, como o Palácio do Arcebispo (edifício cor-de-rosa que é hoje a Câmara Municipal), com a famosa Sala dos Espelhos onde foi celebrado o Tratado de Pressburg (antigo nome de Bratislava), assinado pelos derrotados imperadores austríaco e russo, de um lado, e pelo vitorioso Napoleão Bonaparte, do outro. Um dos complexos arquitetónicos mais curiosos do centro é a Antiga Câmara Municipal, que reúne um conjunto de edifícios de traça e épocas diversas em que pontuam uma torre do século XIV e um discreto pátio que serve de passagem para o Museu de Bratislava e onde o visitante é surpreendido pelo som de um piano disponibilizado pela autarquia para os “artistas” errantes. Vale a pena passar também pelo Teatro Nacional da

Eslováquia, edifício neorrenascentista onde a ópera é rainha, ou pela imponente Porta de S. Miguel, a única das entradas originais da muralha da cidade que subsiste. A maioria da população eslovaca é católica e, por isso, as igrejas abundam. É obrigatória a visita da Catedral de S. Martinho, que começou a ser construída no início do século XIV. É um edifício gótico, de porte majestoso, que serviu de palco à coroação de onze monarcas da dinastia de Habsburgo. Igualmente imperdível é a romaria à Igreja Franciscana ou à invulgar Igreja de Santa Isabel, mais conhecida por “Igreja Azul”, por causa da sua cor. O edifício mais emblemático de Bratislava é, todavia, o castelo. Altivo e branco, ergue-se sobre a cidade desde o século XIII. Em 1811, foi abandonado na sequência de um incêndio e reconstruído apenas um século e meio depois. Um dos ex libris do castelo é o magnífico jardim com vista sobre o casario. Não faltam, aliás, jardins nesta cidade verde: o do palácio Grasalkovičov (residência oficial do Presidente) e o da praça Hviezdoslavovo destacam-se entre os demais. Neste último, o transeunte pode assistir a duelos de xadrez, travados num tabuleiro gigante, com peças de madeira de mais de meio metro de altura. A cidade tem ainda outra cor vista do rio. Navegar no Danúbio é a melhor forma de contemplar a Ponte Nova, com o seu observatório que lembra um disco voador, e a galeria nacional eslovaca, dois polémicos edifícios da era comunista. Alguns dos cruzeiros rumam ao castelo de Devín, o qual, além de proporcionar uma vista arrebatadora, é um dos sítios históricos mais relevantes da Europa Central. Já que o turista não vive só de cultura, vale a pena vaguear pelas bancas coloridas dos mercados de rua da Praça Central ou mimar a barriga num dos muitos e bons restaurantes que oferecem iguarias variadas, muito influenciadas pelas gastronomias húngara e vienense, como o goulash e os famosos panados (schnitzel). O prato típico é o Bryndzové Halušky, uma espécie de gnocchi de batata com queijo de ovelha, polvilhados com pequenos pedaços de bacon frito. Não sendo para todos os estômagos, cai melhor com uma cerveja local ou vinho, que, nestas paragens, é também tradição. Quando o sol cai, a festa continua num dos muitos bares do centro histórico ou simplesmente na rua. É que em Bratislava, no verão, esta é palco para todo o tipo de espetáculos. Não acredita? Atreva-se. Vá lá ver. : : Sollicitare 89



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