Sollicitare n.º 18

Page 1

Sollicitare EDIÇÃO N.º 18 \ SETEMBRO 2016 \ €2,50

À CONVERSA COM ANTÓNIO ISAÍAS PÁDUA PRESIDENTE DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA JÚLIO SANTOS O PRIMEIRO PRESIDENTE DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA O CAMINHO DA PREVENÇÃO

FRANCISCA VAN DUNEM MINISTRA POR UMA JUSTIÇA MAIS PRÓXIMA

Sollicitare A


FICHA TÉCNICA

Sollicitare

ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Diretor José Carlos Resende Editor Carlos de Matos Chefe de Redação Rui Miguel Simão Redatores principais Ana Filipa Pinto, André Silva Colaboram nesta edição: Amadeu Monteiro, Ana Paula Martins Cláudia Cruz, Diana Andrade Elisabete Couto, Helena Bruto da Costa José Jácome, José Luís Fonseca Luís Paiva, Mara Fernandes Miguel Ângelo Costa, Olga Coelho Patrícia Passos, Rute Baptista Pato Samuel Sousa, Sónia Costa Moura Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Tiragem: 6 000 Exemplares Periodicidade: Três vezes por ano ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.

EDIÇÃO N.º 18 \ SETEMBRO 2016

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE Rui Carvalheiro (Lisboa)

 1.º SECRETÁRIO João Fonseca (Torres Vedras)

 2.º SECRETÁRIO Vítor de Oliveira Gonçalves (Vila Nova de Famalicão) CONSELHO GERAL PRESIDENTE José Carlos Resende (Viana do Castelo)

 1.º VICE-PRESIDENTE Paulo Teixeira (Matosinhos)

 2.º VICE-PRESIDENTE Edite Gaspar (Lisboa)

 3.º VICE-PRESIDENTE Carlos de Matos (Lisboa)

 1.ª SECRETÁRIA Rute Baptista Pato (Benavente) 2.º SECRETÁRIO Rui Miguel Simão (Lisboa) TESOUREIRO João Capítulo (Sesimbra) VOGAIS João Coutinho (Figueira da Foz), Elizabete Pinto (Porto), Luís Rua Teixeira (Lousada), Carla Franco Pereira (Évora), Edna Nabais (Castelo Branco) CONSELHO FISCAL PRESIDENTE Miguel Ângelo Costa (Barcelos)

 SECRETÁRIA Dina Matos (Lisboa) VOGAL Mazars & Associados, Sroc, S.A. CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE António Brás Duarte (Lisboa)

 VICE-PRESIDENTE Jorge Cerdeira Gil (Évora) SECRETÁRIO Daniel Sales (Viana do Castelo) VOGAIS Palmira Valério (Arraiolos), Maria de Lurdes Paiva (Lamego), Carla Carlão (Porto), Maria Conceição Torres (Marinha Grande), Jorge Lapa (Coimbra), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Valter Rodrigues (Moita), Mário Couto (Porto) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE Júlio Santos (Silves)

 VICE-PRESIDENTE Aventino Valdemar Martins de Lima (Lisboa)

 VOGAIS Fernando Rodrigues (Matosinhos), Marco Antunes (Vagos), Cláudio Serra (Guimarães) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTE DE EXECUÇÃO PRESIDENTE Armando A. Oliveira (Braga) 

 VICE-PRESIDENTE Jacinto Neto (Loures)

 VOGAIS Mara Fernandes (Lisboa), Duarte Pinto (Porto), Otília Ferreira (Lamego) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE Joaquim Baleiras (Porto)

 VICE-PRESIDENTE Luís Ribeiro (Matosinhos)

 SECRETÁRIA Lídia Coelho da Silva (Porto)

 TESOUREIRA Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS Paula Barbosa (Paredes), Alberto Godinho (Porto) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE Cristina Ferreira (Coimbra)

 SECRETÁRIO José Luís Fonseca (Coimbra) VOGAIS Maria dos Anjos Fernandes (Leiria), Carlos Almeida (Viseu), Amélia Saraiva (Guarda) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE Armando Manuel de Oliveira (Lisboa)

 VICE-PRESIDENTE João Manuel Salvadinho Aleixo Cândido (Seixal)

 SECRETÁRIA Maria José Martins Palma Vieira dos Santos (Silves)

 TESOUREIRO António Serafim Correia Novo (Portalegre) VOGAIS Natércia Reigada (Lagos) Estatuto editorial disponível em: http://osae.pt/pt/pag/osae/estatutos-editoriais/1/1/1/361


EDITORIAL

D

José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

amos capa à Senhora Ministra da Justiça, Conselheira Francisca Van Dunem. Temos de confessar que, sendo uma magistrada com uma carreira notória, na qual sempre se destacou pela competência, simplicidade e simpatia, tem surpreendido pela capacidade de análise das problemáticas da justiça com um distanciamento evidente, essencial e louvável. É essa análise que constatamos na entrevista concedida à Sollicitare e nas suas intervenções públicas. É manifesta a vontade de, neste mandato, se trabalhar para uma conjugação dos serviços da justiça com reforço do cuidado com o ser humano enquanto seu principal utilizador. Pela nossa revista continuam a perpassar personalidades muito interessantes do mundo da justiça como o Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra. Destacamos ainda a entrevista com o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, o colega Júlio Santos, ou a reportagem sobre a histórica colega Maria Amélia Costa. Continuamos a esforçar-nos por espelhar a realidade que nos envolve. Comprova-se isso mesmo com a entrevista de Ana Zanatti e as reportagens sobre o Chapitô e o trabalho da Polícia de Segurança Pública. A Revista Sollicitare mantém ainda o registo das vivências profissionais dos solicitadores, dos agentes de execução e da OSAE: são exemplos disso os artigos sobre o trabalho das delegações distritais e concelhias e sobre a inauguração das instalações do Conselho Regional de Coimbra. Realçam-se também as reportagens sobre as últimas Jornadas de Estudo e sobre a reunião do conselho permanente da UIHJ que decorreu na sede da OSAE, na qual estiveram presentes delegações de cerca de 30 países. Confessamos que, no final de cada um destes eventos, houve um sentimento comum aos dirigentes, funcionários, colaboradores e participantes envolvidos: profunda satisfação por se alcançarem os objetivos com uma qualidade que surge refletida na satisfação evidenciada pelos participantes e pelas mensagens de felicitações recebidas. Temos de o continuar a fazer, mas de uma forma mais descentralizada. As segundas edições dos Fóruns serão uma aposta que evidenciará a vontade de fazer melhor e buscando uma maior proximidade. Destacamos ainda neste número o arranque dos leilões eletrónicos. Estamos convictos que, daqui a alguns meses, se poderá verificar a diferença nos resultados destas vendas: um processo mais participado, acessível, transparente e eficaz. Escreve-se este editorial num daqueles momentos ciclicamente habituais em que o país reconhece, com algum estupor, que continuam a arder áreas de dimensão inacreditável – situações que originam a perda de vidas, de casas e de património, situações que significarão custos exorbitantes que se sentirão nas próximas dezenas de anos. Em alturas como a que vivemos, todos têm análises fundamentadas e críticas certeiras. Contudo, há um detalhe que parece consensual e que foi referido pelo Senhor Presidente da República e pelo Senhor Primeiro-Ministro: não é possível intervir na gestão florestal sem um sistema de cadastro. A OSAE apresentou a sua proposta para ajudar a resolver este pequeno problema que tem contribuído para o drama cíclico dos fogos florestais. Estamos certos que, através do GeoPredial, com um conjunto de iniciativas legislativas simples, se conseguirá efetuar o levantamento cadastral do país em meia dúzia de anos e assumir uma gestão responsável do nosso património ambiental. Há medidas simples e de curto prazo que, neste domínio, poderão fazer a diferença. Que cada um dê o seu pequeno contributo efetivo e não só moral. Quando essas soluções existem, não é aceitável ver pessoas a morrer, como já aconteceu este ano, ver o nosso património ambiental destruído, assistir ao sacrifício de bombeiros para salvar eucaliptos ou pinheiros como aconteceu nos últimos anos! : :

Sollicitare 1


Sollicitare índex

N.18 \ SET. 2016

Francisca Van Dunem

4

MINISTRA DA JUSTIÇA Em busca de uma Justiça para o cidadão

Jornadas de Estudo 2016

10

Reportagem sobre o evento que ocorreu nos dias 29 e 30 de abril, em Lisboa

Tribunal da Relação de Coimbra

16

Entrevista com António Isaías Pádua

Polícia de Segurança Pública

21

Proteger e prevenir

Fotografia capa: Cláudia Teixeira

Editorial 1 Profissão Título Sucessório Europeu Solicitador – O Profissional Multidisciplinar e-leilões.pt – A tecnologia ao serviço da Justiça A tecnologia ao seu dispor – Doodle, TeamViewer e WeTransfer A importância do Protocolo na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução – As regras e o cerimonial como imagem de marca da classe Banda desenhada

2

24 30 39 46

52 74

Sociedade A Organização das Nações Unidas (ONU) Comunidade Vida e Paz – Sob um telhado de amor Projeto de intervenção Psico–Inclusiva “Escola com Vida” – Está nas nossas mãos 4.º Centenário da morte Miguel Cervantes e William Shakespeare

44 77 80 85

Ensino Superior Entrevista a Paula Quintas Coordenadora da licenciatura em Solicitadoria no Instituto Superior de Entre Douro e Vouga

40

Entrevista D. Isabel de Herédia “Os portugueses sentem que nos conhecem, que fazemos parte de uma mesma família”

33


Júlio TeatroSantos Nacional de São Carlos

26 24

Maria Costa Nuno Amélia Garoupa

54 32

Projeto Chapitô Entrevista com Um sonho na voz de Teresa Ricou Pedro Calado

70

O primeiro Presidente Um Teatro de todos. do Conselho Profissional do Colégiocom dos aSolicitadores Entrevista Maestrina Joana Carneiro

A vida e a carreira da solicitadora Presidente da Comissão Executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos

38

Alto-Comissário para as Migrações

Ana Luís Zanatti Buchinho

88 80

Contando histórias que pensar As linhas que cosem a fazem carreira do estilista.

Labor Improbus Omnia Vincit Formação PEPEX – Formação e Informação Além-fronteiras

51

Bibliotecas Jurídicas Biblioteca Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria da Faculdade de Direito da Universidade do Porto "Aqui cabem todos os saberes"

48

Ordens Uso Responsável do Medicamento – Somos Todos Responsáveis

38

OSAE OSAE acolhe reunião do Conselho Permanente da Union Internationale des Huissiers de Justice Conselho Regional de Coimbra – Um novo começo A OSAE pelo país – Iniciativas promovidas pelas Delegações Distritais e Concelhias À distância de um e-mail

32 58 60 62

Reportagem Reportagem sobre a vida e carreira da Solicitadora Maria Amélia Costa – "Uma vida cheia"

54

Sugestões Portugal, um palco à beira-mar plantado Shall we run or walk? Livros jurídicos Não deixe para amanhã o que pode ler hoje

68 81 82 84

Roteiro Gastronómico Yuko Tavern Taberna d’Avó

92 93

Viagens Lagos. Cá vos esperamos. Cambodja. Quando o sonho se torna realidade.

94 96

Sollicitare 3


ENTREVISTA

4


“Uma justiça mais humana pode implicar uma justiça suportada por mais ferramentas tecnológicas”

FRANCISCA VAN DUNEM MINISTRA DA JUSTIÇA

“HÁ LONGOS ANOS” QUE O DIA A DIA SE FAZ DE URGÊNCIAS E EXIGÊNCIAS, DE CORRIDAS CONTRA O TEMPO, DE PRIORIDADES QUE SE TENTAM GERIR PARA QUE NENHUMA DEIXE DE SER ISSO MESMO. ISTO É, UMA PRIORIDADE. HOJE, FRANCISCA VAN DUNEM É MINISTRA DA JUSTIÇA DE PORTUGAL. LISBOA ENTRA PELAS JANELAS COBERTAS POR UMA CORTINA DE LUZ. ESTAMOS NO GABINETE ONDE TRABALHA. FORA DAQUI, AS HORAS LIVRES SÃO PASSADAS A “DEVORAR LIVROS, A PERSEGUIR A MÚSICA”. POR CÁ, OUVE-SE A CIDADE. OUVEM-SE AS PESSOAS. E É ISSO MESMO QUE SE PROCURA FAZER, TODOS OS DIAS: OUVIR O PAÍS, OUVIR AS PESSOAS E CONSTRUIR UMA JUSTIÇA QUE, ACIMA DE TUDO, AS OUÇA. SEMPRE. Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Sollicitare 5


O percurso trilhado até aqui permitiu-lhe uma visão da Justiça com um cariz mais prático, com grande enfoque no processo penal, mas também nas áreas de tradicional intervenção do Ministério Público, nomeadamente na área da família, do trabalho, da reinserção social. Tendo em conta este percurso, quais foram os desafios que encontrou no Ministério da Justiça que a surpreenderam? E quais definiu como sendo as principais metas? Nesta etapa da vida já pouco nos surpreende. De qualquer modo, é impressiva a degradação das condições de ação da justiça administrativa. Por outro lado, a descontinuidade da informação estatística, decorrente do crash do CITIUS em 2014 – e só reposta agora, em 2016 – que, afetando o conhecimento da situação real, dificultava a definição de vias de ação. Numa perspetiva mais geral, o peso da componente administrativo-burocrática, que, não sendo exclusiva do Ministério da Justiça e correspondendo a exigências de rigor e disciplina financeiros, gera, por vezes, entraves excessivos ao desenvolvimento de uma agenda política que não seja unicamente assente na componente legislativa. Que aponte para a modernização, por

6

A JUSTIÇA, HOJE, É UM AMBIENTE COMPLEXO, PLURIDISCIPLINAR, ULTRA EXIGENTE E SOBRE-EXPOSTO. CONTINUO A PENSAR QUE É PRECISO CAPACITAR, PELA VIA DA ESPECIALIZAÇÃO E DAS ASSESSORIAS, SIMPLIFICAR SEM QUEBRA DE PRINCÍPIOS, MODERNIZAR AS ESTRUTURAS E OS SISTEMAS DE SUPORTE, MELHORAR A COMUNICAÇÃO. A ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO TEM DESEMPENHADO UM PAPEL VERDADEIRAMENTE EXEMPLAR NA IDENTIFICAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DE MEDIDAS QUE CONTRIBUEM PARA A MELHORIA DO DESEMPENHO DA JUSTIÇA CÍVEL NOS SEGMENTOS EXECUÇÕES E COMÉRCIO.


ENTREVISTA COM FRANCISCA VAN DUNEM

exemplo. Conhecia as dificuldades associadas à área cível e, em particular, aos segmentos execuções e comércio. Assim como o problema prisional, centrado na população excessiva, que induz constrangimentos na realização dos fins das penas. A maior dificuldade que a justiça enfrenta é o modo específico de estruturação da equação meios/resultados, num quadro que é, simultaneamente, de hipercomplexidade e massificação. A modernização dos serviços, a racionalização da gestão dos meios, a melhoria das condições de desempenho de magistrados, oficiais de justiça, agentes auxiliares, advogados, utentes dos tribunais e dos serviços de justiça, o reforço da capacidade da Polícia Judiciária estão entre os objetivos principais. Ao fim destes meses à frente do Ministério da Justiça, sente que a perspetiva que tinha das prioridades na Justiça mudou? A justiça é a praia a que aportam todos os naufrágios, todas as grandes fraturas sociais. Das crises do sistema financeiro às más práticas profissionais geradoras de danos físicos, passando por questões ambientais, de saúde pública, de urbanismo. A justiça, hoje, é um ambiente complexo, pluridisciplinar, ultra exigente e sobre-exposto. Continuo a pensar que é preciso capacitar, pela via da especialização e das assessorias, simplificar sem quebra de princípios, modernizar as estruturas e os sistemas de suporte, melhorar a comunicação. A visão da Justiça pelo cidadão é muito influenciada pelos casos próximos e, também, pelos mais mediáticos. O que considera premente mudar nesta relação entre a Justiça, a comunicação social e o cidadão? O judiciário deixou de estar confinado à coluna do crime, numa página interior dos vespertinos, como aconteceu quase até ao final da década de 80 do século passado. A justiça precisa de fazer caminho em matéria de comunicação. Precisa de normalizar canais, de assegurar informação regular e efetiva em condições de igualdade a todos os órgãos de comunicação, de se explicar para ser compreendida. Precisa de ser compreendida na diferença dos seus tempos, na diversidade possível das suas soluções, na diferenciação dos meios e métodos de ação. E, mantendo a simbologia ritual que lhe está associada, garantir mais e melhor qualidade da informação, pela simplificação da linguagem comunicacional, pela clarificação do sentido dos ritos e sinais. No esforço de aproximação ao cidadão, pondera a necessidade de reanimar soluções que passem por uma maior intervenção do júri, pela divulgação dos autos ao público em geral e pelo uso de uma linguagem menos tecnicista? O recurso ao júri é hoje muito residual. Os dados de 2012 e 2013 apontam para o requerimento de julgamento com intervenção de júri em 11 e 14 casos, respetivamente A experiência do tribunal de júri não está enraizada na tradição judicial portuguesa. Não tenho a perceção de que a justiça penal funcione mal e/ou que lhe falte democraticidade

interna a justificar uma maior abertura à intervenção do júri. A maior parte dos processos, hoje, não está sujeita a grandes limitações de acesso. Importa, no entanto, que quem a eles acede tenha um interesse legítimo na respetiva consulta. Os processos não podem constituir espaço de devassa da privacidade. Defendo, obviamente, a redução ao essencial da linguagem técnica. Penso que importará, no mínimo, aproximar da linguagem corrente o conteúdo das convocatórias de e para os atos judiciais e, também, eliminar as causas que conduzem a uma extensão por vezes excessiva de determinadas peças processuais. Dizia-se que a Justiça, lenta ou burocrática, tinha impactos negativos no funcionamento da economia e no desenvolvimento do tecido empresarial. Atualmente, a situação é diferente? Dizia-se e continua a dizer-se. Relatórios recentes do FMI e da Comissão Europeia renovam essa asserção. As questões da justiça económica continuam em voga não só na literatura especializada, como no léxico e nas preocupações das instâncias internacionais. O sistema de justiça foi profundamente afetado pelo impacto da crise financeira e da subsequente crise económica. As crises, embora não nasçam no interior do sistema, têm sobre ele um efeito de desestabilização. O sistema de justiça, tal como os demais sistemas de ordenação social, não estava preparado para a internalização da crise. A situação que se vive nas execuções e no comércio ainda é instável. Pese embora as melhorias registadas no plano quantitativo, continuam a ser sectores a carecer de atenção reforçada. A justiça administrativa também está sob grande pressão, em particular no que se refere ao processo tributário, em que, a um contexto de crise económica, se associou a ausência de condições para se acompanhar o aumento da eficácia da máquina fiscal. O Ministério da Justiça, pela sua relação com os tribunais e em função dos serviços que tutela (registos, propriedade intelectual), partilha responsabilidades na busca de soluções que contribuam para a melhoria do ambiente económico (investimento, revitalização do tecido empresarial, desenvolvimento de marcas e patentes). No âmbito do Observatório da Justiça Económica, está a ser desenvolvido um trabalho importante – com o contributo de profissionais do sector e da academia – , que se articula quer com o Programa Nacional de Reformas (PNR), quer com o Programa Capitalizar. Estamos a chamar pessoas de fora que possam dar contributos em matéria de organização, tecnologia, que nos ajudem a encontrar soluções. A tecnologia tem sido uma aliada importante nessa mudança? Ainda há um longo caminho de desburocratização a ser percorrido na Justiça nacional? Sem dúvida. A tecnologia, de per si, não fará milagres. Mas não temos dúvidas de que, no contexto atual, se posiciona como condição de mudança. O percurso a fazer é longo, mas é partilhado e participado. A experiência piloto “Tribunal +”, a decorrer na Comarca de Lisboa Oeste, tem sido muito estimulante e

Sollicitare 7


motivadora. Trata-se de alterar o “front Office”, melhorando a interação com os utentes do Tribunal e de redesenhar os fluxos no interior das secretarias, simplificando e tornando-os mais fluidos. O projeto Justiça + Próxima procura um equilíbrio entre a eficiência da tecnologia e a sensibilidade da mão humana? É possível uma Justiça mais humana implicar uma Justiça suportada por mais ferramentas tecnológicas? Corremos o risco de nos afastarmos de um ideal de humanização da Justiça? Sim. Essa foi claramente uma das questões centrais na definição do conteúdo e extensão do projeto. Saber onde a tecnologia tem de terminar o seu curso. Onde ela não entra, nem nunca poderá entrar, por poder implicar risco de interferência na judicatio. Parece paradoxal mas não é. Uma justiça mais humana pode implicar uma justiça suportada por mais ferramentas tecnológicas. Porque é preciso libertar magistrados e oficiais de justiça de tarefas marginais, de tarefas que não se integrem no seu domínio específico de ação. Do mesmo modo, é preciso simplificar a atividade das demais profissões do universo judiciário. O sistema de alertas de adiamentos

8

através de comunicação móvel para os mandatários, integrante do projeto Justiça +Próxima, atingiu, em dois dias, mais de dez mil aderentes! Se pensarmos que está em causa um universo de 30 mil advogados, aquele número é auto compreensivo da utilidade da medida, na conceção dos mandatários. Não corremos qualquer risco de afastamento de um ideal de humanização. A tecnologia apenas assegurará melhores meios de ação. Não substituirá os agentes e, em particular, os decisores. O incremento da proximidade foi o objetivo que norteou as recentes alterações ao mapa judiciário. Como avalia a criação dos presidentes de comarca e dos conselhos consultivos? São órgãos que se enquadram numa lógica de melhoria de gestão pela proximidade, de gestão local e de gestão participada das novas realidades que são as comarcas, cuja dimensão é, de facto, bastante superior à das realidades que, até então, a organização judiciária conhecia, com exceção do Distrito. A reforma de 2008 contemplava já a existência de presidências para as comarcas e de conselhos de gestão, nas comarcas


ENTREVISTA COM FRANCISCA VAN DUNEM

GOSTARIA QUE DA MINHA PASSAGEM FICASSE A MEMÓRIA DE UM TEMPO EM QUE A JUSTIÇA SE TORNOU MAIS COMPREENSÍVEL E + PRÓXIMA DOS CIDADÃOS. GOSTAVA DE PODER DAR UM CONTRIBUTO RELEVANTE PARA A RENOVAÇÃO DO PACTO DE CONFIANÇA ENTRE A JUSTIÇA E OS CIDADÃOS DO NOSSO PAÍS.

piloto. Apesar de não se ter procedido à avaliação dessa experiência, guardo uma ideia positiva, não só do desenho do modelo mas, sobretudo, da forma como foi interpretado na comarca piloto que acompanhei mais de perto, enquanto Procuradora-Geral Distrital de Lisboa: Grande Lisboa Noroeste. Olhando agora para a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e para os projetos mais recentes. Classificou o Leilão Eletrónico como uma “conquista revolucionária”. O que espera desta e de outras soluções, por exemplo, o PEPEX? Como tive ocasião de referir nas jornadas que tive o gosto de abrir, o leilão eletrónico é um instrumento que introduz transparência, amplia o conhecimento, favorece a igualdade de oportunidades e encurta o tempo dos procedimentos. Identifica-se nele capacidade autónoma para introduzir a diferença no processo executivo. Tenho, obviamente, as maiores expectativas em relação ao contributo positivo que este e outros mecanismos, nomeadamente o PEPEX , poderão aportar ao ambiente do processo executivo. O GeoPredial é outra aposta da Ordem. Como avalia este projeto no âmbito da criação de um cadastro nacional? A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução tem desempenhado um papel verdadeiramente exemplar na identificação e concretização de medidas que contribuem para a melhoria do desempenho da justiça cível nos segmentos execuções e comércio. O GeoPredial é uma ferramenta importante, de iniciativa da OSAE, que tem vindo a ser analisada com o Ministério da Justiça. A sua concretização poderá permitir um importante salto qualitativo, assegurando um registo cadastral moderno e atualizado, aportando ao sistema maior transparência e mais qualificada informação. A confirmar-se o potencial da medida conseguir-se-á, faseadamente, identificar, em todo o território nacional, a titularidade de direitos patrimoniais. É uma solução simples, mas de grande alcance, que poderá ter um impacto grande não só na atividade dos agentes de execução mas, também, nos elementos e bases do registro predial nacional.

Na área do direito administrativo foram definidas competências para os agentes de execução. Poderemos antever uma maior intervenção destes profissionais? Obviamente sim. Por onde passa o futuro da Justiça nacional e que marca gostaria de deixar na história da mesma? Se não suceder qualquer percalço no processo de integração europeia, o futuro da justiça nacional passa em muito pelo da justiça europeia. Os níveis de integração entre o sistema judicial nacional e o europeu tenderão a intensificar-se. Por isso, também ao nível das instâncias europeias, Portugal precisa de se empenhar ativamente no sentido da construção de um quadro legislativo solidamente ancorado nos valores que fizeram da Europa a grande referência em matéria de direitos humanos, de democracia e de liberdade. O entusiasmo e empenhamento com que desenvolvo as missões do Ministério da Justiça não têm qualquer relação com o objetivo de deixar uma marca ou de fazer história. Gostaria que da minha passagem ficasse a memória de um tempo em que a justiça se tornou mais compreensível e + Próxima dos cidadãos. Gostava de poder dar um contributo relevante para a renovação do pacto de confiança entre a justiça e os cidadãos do nosso país. : :

Sollicitare 9


OSAE


JORNADAS DE ESTUDO 2016 PELA PRIMEIRA VEZ E SOB A ÉGIDE DO NOVO ESTATUTO DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO (OSAE), AS JORNADAS DE ESTUDO 2016 JUNTARAM SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO. ESTE ENCONTRO DEU-SE NOS DIAS 29 E 30 DE ABRIL, NO ISCTE-IUL, EM LISBOA. Texto André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira


A

cerimónia de abertura, na qual marcaram presença inúmeras entidades e perto de cinco centenas de associados, foi presidida pela Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem. A mesa foi ainda integrada por Armando A. Oliveira, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, Júlio Santos, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, Juan Carlos Estévez, presidente do Consejo General de Procuradores de España, e José Carlos Resende, bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Foi José Carlos Resende quem usou da palavra em primeiro lugar. Para além dos agradecimentos, houve oportunidade para apresentar números que transparecem o trabalho levado a cabo pelos associados da Ordem e o contributo de uma Associação Pública profissional que pretende estar ao serviço de mais e melhor Justiça para todos. Já Juan Carlos Estévez, presidente do Consejo General de Procuradores de España, procurou espelhar, na sua intervenção, a relação de proximidade e cooperação que a organização que representa tem mantido com a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Por fim, foi Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça, quem tomou a palavra. A titular da pasta da Justiça garantiu que o Ministério estaria disponível para se associar, “com enorme satisfação, a este debate de ideias, manifestando, a intenção de analisar ponderadamente as propostas saídas destas jornadas, para as ter em devida conta na atividade regulatória e de desenvolvimento de novas medidas, sobretudo no quadro do programa Justiça + Próxima”. Francisca Van Dunem terminou sublinhando: “Os senhores fazem parte do processo de mudança. Quiseram sempre integrar a solução. Têm visão de futuro. O Ministério da Justiça conta convosco”. Após a cerimónia de abertura, ocorreu a apresentação do Leilão Eletrónico. Uma conquista “revolucionária” segundo Francisca Van Dunem e que, na sua perspetiva, “introduz transparência, amplia o conhecimento, favorece a igualdade de oportunidades, encurta o tempo dos procedimentos”. Armando A. Oliveira, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, ficou encarregue de explicar as vantagens de uma ferramenta que permite perceber como pode a tecnologia ser colocada ao serviço da Justiça, do ser humano e da defesa dos seus direitos. Contudo, salientou também o papel do agente de execução enquanto guardião do lado mais humano de uma Justiça que se quer próxima e compreensível. Ainda durante o período da manhã, teve lugar o debate “Justiça: Quais os limites da tecnologia perante o cidadão?”, moderado por Maria Flor Pedroso, jornalista e editora de política da Antena 1, no qual participaram Armando A. Oliveira, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Júlio Santos, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Fernando Seara, advogado, e João Tiago Silveira, professor universitário e diretor do Gabinete de

12

Francisca Van Dunem terminou sublinhando: “Os senhores fazem parte do processo de mudança. Quiseram sempre integrar a solução. Têm visão de futuro. O Ministério da Justiça conta convosco”.


JORNADAS DE ESTUDO 2016

Estudos do Partido Socialista. Perante questões de relevância inquestionável e facilmente apreensível pelo cidadão, foi possível contactar com diferentes perspetivas capazes de se complementarem. No final, restou uma conclusão: ambiciona-se uma Justiça próxima, rápida, em que a tecnologia seja uma aliada e não um novo entrave. Depois do período de almoço, tiveram início os painéis. Na sala “Solicitadores”, graças à moderação de Aventino Lima, vice-presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, e às intervenções de Paulo Branco, presidente da Delegação Distrital de Braga, Cláudia Boloto, advogada, e Cláudio Serra, membro do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, analisou-se o tema “Soluções Informáticas para Solicitadores | Gestão de imóveis e condomínios”. À mesma hora, na sala “Agentes de Execução”, a discussão centrou-se no tema “A arbitragem e a mediação na execução”. Esta contou com a moderação de Armando A. Oliveira e com as participações de Mariana França Gouveia, professora universitária, e de Carlos Cardoso, presidente da Direção da Associação Nacional de Resolução de Conflitos. Feita uma pausa para café, tiveram continuidade os trabalhos em ambas as salas. Na sala “Solicitadores”, a análise debruçou-se sobre “Constatação de factos | O uso do ROAS”. Moderado por Rui Carvalheiro, presidente da Assembleia Geral da OSAE, o painel integrou as intervenções de Irene Portela, diretora do departamento de direito da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, Stéphane Gensollen, representante da Union Internationale des Huissiers de Justice, e de Júlio Santos, presidente do Colégio dos Solicitadores. Já na sala “Agentes de Execução”, foi sobre o tema “Execuções administrativas” que ocorreram as participações de Jesuíno Alcântara Martins, professor universitário, Miguel Miranda, advogado,

Duarte Pinto, membro do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e Sérgio Fernandes, membro do Departamento de Formação da OSAE. O painel foi moderado por Edgar Lopes, coordenador do Departamento de Formação do Centro de Estudos Judiciários. Terminado que estava o primeiro dia destas Jornadas, seguiu-se um jantar na Gare Marítima de Alcântara. Um local encantador e cheio de história, propício para o habitual e essencial convívio entre os associados. Os trabalhos do segundo dia das Jornadas de Estudo 2016 tiveram início pelas 10 horas. A sala dedicada a áreas ligadas à solicitadoria arrancou com o tema “Cadastro – O Projeto GeoPredial”, com moderação de Edite Gaspar, vice-presidente do Conselho Geral da OSAE, e a participação de Armando A. Oliveira, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Rui Pedro Julião, professor universitário, e Carla Freitas, fundadora da GeoJustiça. À mesma hora, mas na sala “Agentes de Execução”, debateu-se o tema “As Sociedades Profissionais – A Transparência”. Nesta discussão participaram Hugo Lourenço, presidente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, e Susana Antas Videira, diretora-geral da Direção-geral da Política da Justiça, contando com a moderação de Carlos de Matos, vice-presidente do Conselho Geral da OSAE. Após a pausa para café, os temas continuaram a cativar a atenção dos associados. “O Solicitador no administrativo” foi o tema em análise na sala “Solicitadores”, um painel moderado por Brás Duarte, presidente do Conselho Superior da OSAE, tendo integrado as intervenções de Saraiva Lemos, advogado, Fernando Rodrigues, membro do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, e de Lídia Jacob, jurista. Enquanto que, na sala “Agentes de Execução”, “A venda” esteve em destaque, tendo sido possível conhecer as diferentes perspetivas de José Henrique Delgado Carvalho, juiz de direito, Mara

Sollicitare 13


JORNADAS DE ESTUDO 2016

Fernandes, membro do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e de Renato Gonçalves, Subdiretor-geral da Direção Geral da Política de Justiça. Este painel contou com a moderação de António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Concluído o período para almoço, houve ainda espaço para o debate em torno de dois temas integrados nas duas diferentes salas. “A Relação com o Cliente: Honorários | Prova | Consumidor” foi o assunto em análise na sala “Solicitadores”, sob moderação de José Carlos Resende, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Neste painel intervieram Vasco Marques Correia, advogado, Edgar Valles, advogado, e Aventino Lima, vice-presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução. A “Verificação não judicial qualificada” foi o tema escolhido para a sala “Agentes de Execução”, o qual foi abordado por Manuel Tomé Gomes, juiz conselheiro, Helena Bruto da Costa, diretora do departamento de formação da OSAE, e Jacinto Neto, vice-presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE. A moderação deste painel ficou a cargo de Maria José Costeira, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Terminados os painéis, teve lugar o debate e a votação das propostas de recomendações resultantes de mais umas Jornadas de Estudo, as quais procuram sempre representar soluções para o alcance de uma justiça melhor, com base na colaboração dos associados representados pela Ordem. As mesmas foram aprovadas por unanimidade.

Já em plena sessão de encerramento, houve espaço para um balanço muito positivo de mais umas jornadas intensamente participadas e irrefutavelmente profícuas, o qual ganhou voz nas palavras de Júlio Santos, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, de Armando A. Oliveira, presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, e de José Carlos Resende, bastonário da OSAE. A mesa que presidiu a esta sessão foi ainda integrada por Cristina Ferreira, presidente do Conselho Regional de Coimbra, por Joaquim Baleiras, presidente do Conselho Regional do Porto, e por Armando Oliveira, presidente do Conselho Regional de Lisboa. As Jornadas de Estudo 2016, as quais juntaram Solicitadores e Agentes de Execução, terminaram num ambiente de convívio e descontração, num cocktail servido aquando da hora da despedida. : :

14

Recomendações aprovadas pelos associados presentes I A componente tecnológica é de extrema relevância na garantia da eficiência e da eficácia processuais, mas não pode deixar para segundo plano a intervenção humana. A tecnologia deve ser usada para aproximar o cidadão da boa administração da justiça e não para constituir uma barreira desumanizadora. Assim, a política legislativa nesta matéria e o desenvolvimento de novas ferramentas devem ter, como princípio transversal, o direito do cidadão a conhecer, em linguagem facilmente percetível, o estado dos pedidos ou processos que tem pendentes, sejam estes de natureza judicial, fiscal ou administrativa. O combate à corrupção e a promoção da eficiência passa, em grande medida, pelo desenvolvimento de regras inclusivas e não pela criação de barreiras. II A Ordem e os agentes de execução têm demonstrado a sua preocupação com a necessidade de se assumir uma intervenção nos processos de execução que respeite os direitos dos executados e que recorra a meios proporcionais e sensatos. Impõe-se a humanização do processo de execução administrativo e tributário, sendo fundamental assegurar o respeito pelos direitos mais elementares do cidadão e promover o equilíbrio entre as partes (que resulta do Código de Processo Civil) – algo que tem vindo a ser, paulatinamente, esquecido naquelas execuções. Os mecanismos de proteção dos quais o Estado ainda hoje beneficia, criados num longo período em que os serviços tributários tinham dificuldade em cumprir a sua missão de cobrança, não são compatíveis com o atual estado de evolução da organização do Estado, não sendo aceitável que se mantenham privilégios que vão muito para além do seu objetivo de garantir o pagamento e que acabam por condicionar os legítimos interesses dos executados e de outros credores na recuperação dos seus créditos.


III A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e os próprios agentes de execução devem estar preparados para contribuir para um processo de cobrança célere e responsável, desenvolvendo-se para tal um procedimento específico para as cobranças de pequeno valor nas execuções administrativas e tributárias, com uma tramitação pragmática e facilmente compreensível pelas partes. IV O Estado deve adotar os mesmos mecanismos que ao longo dos últimos 20 anos tem vindo a recomendar para os cidadãos, nomeadamente o recurso aos métodos de resolução alternativa de litígios. V O Estado deve, nos processos de pequeno montante, declarar-se unilateralmente como disponível para recorrer à arbitragem. VI Reafirma-se a urgente necessidade de pôr termo ao limite de alçada para a intervenção do solicitador na primeira instância cível e administrativa, limitação que há mais de duas décadas condiciona a atividade dos solicitadores. VII Face à componente tecnológica que a OSAE tem vindo a desenvolver, com o desígnio de garantir mais eficiência, eficácia e, principalmente, segurança e transparência, recomendase a manutenção do investimento no desenvolvimento das plataformas de gestão de escritório (Soligest) e de gestão de bens e condomínio (Imosol), sustentadas num rigoroso controlo da conta-cliente e acompanhadas da intensificação das necessárias componentes formativa e fiscalizadora. VIII Recomenda-se que os associados assumam a elaboração de autos de constatação de factos e de verificações não judiciais qualificadas, não só para efeitos de prova em eventuais futuros litígios, mas também como elemento essencial para a formação de contratos

mais consistentes e seguros e, ainda, como fator de simplificação e agilização processual. Neste âmbito, recomenda-se ainda a dinamização de ferramentas eletrónicas de apoio à constatação de factos e à verificação não judicial qualificada, bem como, a promoção de formação intensiva. IX Deverá ser intensificada a promoção do projeto GeoPredial®, procurandose a criação da possibilidade de ser anotado, à descrição predial, o polígono georreferenciado do prédio, o qual pode valorizar significativamente a mesma, permitindo ainda que se inicie a recolha de preciosa informação geográfica para um oportuno cadastro predial sem custos para o Estado. X Recomenda-se a criação de um ponto central de publicidade de bens em venda judicial, mesmo para aqueles por negociação particular, devendo ser aproveitado o lançamento do portal de leilão eletrónico como ponto de viragem para uma nova realidade nas vendas judiciais. XI Deverá ser dinamizado o debate sobre os modelos de gestão das sociedades profissionais, sugerindo-se também a criação de centro de arbitragem para resolução dos conflitos sociais. XII É de grande relevância o aprofundamento do modelo de transparência processual criado com o PEPEX, procurando alargar-se o mesmo ao processo executivo e facultando-se o acesso ao processo às partes processuais, não só à sua tramitação, mas também aos movimentos financeiros. XIII Os meios alternativos de resolução de litígios devem fazer parte do dia a dia dos solicitadores e não devem ser vistos como uma limitação à sua atividade. A OSAE deve continuar a promover a formação nesta área e a equacionar a criação de um instituto que desenvolva e dinamize esta área de intervenção.

XIV Estão reunidas as condições para a adoção, a curto prazo, de uma nova matriz de distribuição de processos executivos, aproveitando-se o modelo criado e já testado no PEPEX, tendo por base critérios de proximidade, ficando assim assegurada uma maior independência do agente de execução e menores custos para as partes. XV Impõe-se que a OSAE recomende ao Ministério da Justiça a revisão do procedimento de realização de atos nas conservatórias que titulem direitos sobre imóveis, no sentido de evitar concorrência desleal, eliminando-se ainda as diferenças de custo resultantes do facto de aqueles atos não estarem sujeitos ao pagamento de IVA, tal como pagam os demais tituladores. Deve ser conferida igualdade de acesso e com o mesmo custo à informação registral, civil e comercial para os documentos de instrução desses atos, devendo ainda ser conferidas as mesmas garantias ao utente no sentido de assegurar a existência do duplo controlo da legalidade, desde sempre aplicada no nosso direito registral e atualmente aplicável a todos os atos exceto aos tramitados nas conservatórias. XVI A OSAE deve recomendar ao Ministério da Justiça que promova a criação da possibilidade de os solicitadores acederem: a) À consulta de informação automóvel simplificada, à semelhança do que acontece com o registo predial; b) À requisição, sem utilização do cartão de cidadão do próprio utente, de certidões do registo civil online, óbito, casamento e nascimento – estas últimas, eventualmente, com exceção das que contenham informação classificada, como, por exemplo, em situações de interdição, inabilitação ou contumácia; c) À consulta de informação civil simplificada: óbito, casamento, nascimento.

Sollicitare 15


16


ENTREVISTA

“Os cidadãos podem confiar na Justiça que têm.”

ANTÓNIO ISAÍAS PÁDUA PRESIDENTE DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Aos 8 anos, “quando frequentava a 2ª. Classe, da então Escola Primária de uma pequena aldeia do interior beirão, a senhora professora questionou os alunos sobre aquilo que gostariam de ser ‘quando fossem grandes’”. Chegada a sua vez, não houve dúvidas. “A resposta saiu de forma pronta: advogado. E, desde então, essa ideia não mais me abandonou ao longo do percurso académico que se seguiu e até entrar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.” Já terminado o curso de direito, fez “uma inflexão”, ao entrar, como Auditor de Justiça, no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), optando pela magistratura judicial. “Começara a fervilhar em mim a ideia de ser juiz, por entender que essa era a melhor forma de combater as ‘injustiças do mundo’, pois que a ideia de ‘Justiça’ era um valor que desde sempre, e cada vez mais, me foi particularmente caro: o sentimento de injustiça foi algo que sempre me tocou profundamente”. Depois de percorrer todas as etapas da 1.ª instância, desde juiz de tribunal de ingresso até juiz de círculo, António Isaías Pádua abraçou o cargo de juiz desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra. Um edifício cheio de história onde se escutam as histórias de uma vida em que se somam 33 anos deste percurso “muito intenso e exigente, embora extremamente gratificante”. Hoje, olhamos para este mesmo caminho que continua a cada dia. Lado a lado com a Justiça cujos passos têm que ser dados de olhos postos numa sociedade em constante mudança.

Sollicitare 17


Qual considera ser o perfil ideal para se assumir e desempenhar o papel de juiz? É hoje pacífico que, nos tempos hodiernos, o juiz não poderá mais manter-se fechado numa “torre de marfim”. Quer-se um juiz culto, bem informado, que domine as várias áreas do saber – e não exclusivamente do mundo jurídico – , mas também, e sobretudo, quer-se um juiz discreto, sensato e equilibrado, um juiz que tudo veja, mas não veja ninguém, um juiz bom, mais até que um bom juiz. Um juiz que seja humilde, mas não subserviente, que tenha a noção das suas limitações e de que, como qualquer mortal, pode errar; risco esse nesta área muito maior do que em qualquer outra, pois que não presencia os acontecimentos, estando dependente daquilo que trazem até si. Remato com as expressivas sábias palavras do “velho”, mas sempre intemporal, Sócrates (o filósofo Grego): três coisas devem ser feitas por um juiz. Ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente. Como se resume o quotidiano do presidente desta instituição? Embora seja juiz por formação e por convicção, ser presidente de um tribunal e, particularmente, de um Tribunal de Relação, é assumir uma veste de gestor, que extravasa a condição de ser juiz. Ao presidente de um Tribunal de Relação estão atribuídas várias tarefas que, simplisticamente, sintetizamos da seguinte forma: gestão administrativa e financeira do tribunal; gestão dos recursos humanos (magistrados judiciais e funcionários do próprio tribunal); gestão dos conflitos de competência entre

18

os juízes, quer da 1ª., quer da 2ª. instâncias; e representação institucional do tribunal em atividades, cerimónias e eventos da mais variada índole. Essa panóplia de tarefas exige muito de nós no nosso dia a dia, transportando-se, muitas das vezes, para os próprios fins de semana. Trata-se de um cargo que, como é natural, implica muita responsabilidade, mas que se assume como muito gratificante, nomeadamente pelas experiências e contactos extremamente enriquecedores que permite estabelecer com outras instituições e seus representantes legais ou com outras personalidades ligadas às variadas áreas de atividade e do saber. Coimbra é uma cidade irrefutavelmente ligada ao Direito e à Justiça. Exercer o cargo no tribunal da Relação desta cidade reveste-se de uma outra tradição e de outro peso institucional? Os rituais que marcam este espaço permanecem? Coimbra é uma cidade encantadora, não só para quem nela vive e trabalha, como também para quem a visita. Cidade essa que, como é sabido, ganhou especial protagonismo à “sombra” da sua secular e afamada Universidade, sendo que a sua Faculdade de Direito é, inquestionavelmente e desde sempre, uma das mais prestigiadas nacional e internacionalmente. Alfobre de grandes mestres do direito e de enormes vultos que se notabilizaram na comunidade jurídica, extravasando as nossas fronteiras, sendo que muitos deles ocuparam ainda lugares de destaque em várias outras áreas da sociedade civil. É uma cidade mítica, a transbordar de tradições, que se perpetuam no tempo, passando de gerações para gerações.


ENTREVISTA COM ANTÓNIO ISAÍAS PÁDUA

A JUSTIÇA É UM ENORME BARCO, DE CUJA RESPONSABILIDADE DE CONSTRUÇÃO E NAVEGAÇÃO NINGUÉM PODE SER EXCLUÍDO, DESDE O PODER JUDICIAL AO PODER POLÍTICO, PASSANDO PELO PODER LEGISLATIVO, PELOS PROFISSIONAIS JUDICIÁRIOS E PELA COMUNICAÇÃO SOCIAL, INCLUSIVE AINDA O PRÓPRIO CIDADÃO.

Os tribunais não devem, e não podem, abstrair-se das realidades intrínsecas do meio em que se inserem, devem “abrir a sua torre de marfim” e descer à terra, porque é lá que vivem as pessoas que os demandam para pedir Justiça. Nunca nos podemos esquecer que os tribunais administram a justiça em nome do Povo e para o Povo (que é composto de cidadãos de “carne e osso”). Só compreendendo a realidade desse Povo é que se pode fazer uma boa gestão da justiça. Sem nunca perder de vista o que acabou de ser dito, não cremos, todavia, que o exercício do cargo em que estamos investidos se revista de particulares tradições e de especial peso institucional, sendo certo que os tribunais sempre tiveram as suas próprias tradições e simbologias. Observando o tempo que passou – O papel assumido pelos juízes e pelos tribunais tem sofrido alterações? A atualidade pediria mais adaptações? Assistimos, de forma galopante, a profundas mudanças no mundo em que vivemos e que, ainda não há muito, eram, porventura, inimagináveis. Mudanças essas refletidas em todos os setores da sociedade e que exigem, cada vez mais, e a vários níveis, respostas adequadas e oportunas. Ora, isso transporta-nos, e naquilo que particularmente aqui nos diz respeito, para o mundo do direito e, mais concretamente ainda, para o sector da nossa Justiça. Sendo assim, o Direito, mais do que nunca, não pode ser estático, este só cumprirá a sua verdadeira função se acompanhar a realidade da vida. Embora não sendo realidades necessária e conceptualmente coincidentes, todavia, o Direito confunde-se com

Justiça e esta com os Tribunais. E daí que, perante o mundo em transformação, os Tribunais, os Juízes e todo o setor da Justiça não possam, na expressão feliz de Romain Rolland, ficar parados, sentados diante da balança a ver os pratos balouçar. À semelhança do que sucede com outros setores da sociedade, os Tribunais e os Juízes têm que encontrar respostas para as novas realidades trazidas pelo mundo em evolução. É isso que terá de se exigir de todos quantos se encontram ligados aos Tribunais e à Administração da Justiça, sob pena de não cumprirem a missão para a qual estão vocacionados: um esforço permanente e contínuo de adaptação evolutiva. Afigure-se-nos inegável que esse caminho tem vindo a ser percorrido, porventura não com a celeridade desejável. Mas também temos de reconhecer que não se trata de uma tarefa fácil, tanto mais que os Tribunais integram uma máquina complexa, composta por diversas carruagens interdependentes e que nem sempre é possível pô-las a funcionar ao mesmo ritmo. Há “coisas”, porém, da Justiça que não estão “nas mãos” dos Tribunais, mas sim do poder político. Na sua opinião, como é olhada a Justiça pelo cidadão português? Não podemos escamotear que, de alguns anos a esta parte, a nossa Justiça não goza de uma boa imagem aos olhos de uma faixa significativa dos nossos concidadãos, sentindo-se um défice de confiança destes em relação a ela. E essa imagem deve-se, a nosso ver, a uma conjugação de factores exógenos e também endógenos, que, por falta de espaço e de tempo, nos dispensamos aqui de escalpelizar. Todavia, genericamente, podemos dizer que, em nossa opinião, essa menos boa imagem tem muito a ver com o facto de a Justiça não ter sabido atempadamente adaptar-se e responder às novas realidades que foram crescentemente nascendo com as transformações, de que atrás falámos, sofridas pelo mundo, em geral, e pelo país, em particular, não nos custando ainda reconhecer que aqui e ali possam ocorrer situações em que as pessoas possam fundadamente ter razão de queixa da Justiça. A Justiça é um enorme barco, de cuja responsabilidade de construção e navegação ninguém pode ser excluído, desde o poder judicial ao poder político, passando pelo poder legislativo, pelos profissionais judiciários e pela comunicação social, inclusive ainda o próprio cidadão.

Sollicitare 19


ENTREVISTA COM ANTÓNIO ISAÍAS PÁDUA

A Justiça tem nesse aspeto sido penalizada por não ter ainda encontrado a melhor forma de comunicar com os cidadãos, a quem a mesma se dirige e se destina a servir. E um dos passos a dar terá, a nosso ver, de ir no sentido de resolver e clarificar, de vez, o seu relacionamento com a comunicação social e a forma de interagir com ela. Sem esse passo será muito mais complicado distorcer aquela imagem, menos positiva, com que a Justiça se apresenta aos olhos do cidadão. Não obstante algumas imperfeições, a exigir um permanente e contínuo aperfeiçoamento, os cidadãos portugueses podem confiar no seu Sistema de Justiça. É um sistema fiável, que funciona – com o seu tempo próprio – e que, efetivamente, garante a defesa dos seus direitos e liberdades fundamentais. Os cidadãos podem confiar na Justiça que têm. Neste domínio, como em outros, não se pode é confundir uma árvore, porventura doente, com a floresta.

É HOJE PACÍFICO QUE, NOS TEMPOS HODIERNOS, O JUIZ NÃO PODERÁ MAIS MANTER-SE FECHADO NUMA “TORRE DE MARFIM”. QUER-SE UM JUIZ CULTO, BEM INFORMADO, QUE DOMINE AS VÁRIAS ÁREAS DO SABER – E NÃO EXCLUSIVAMENTE DO MUNDO JURÍDICO – , MAS TAMBÉM, E SOBRETUDO, QUER-SE UM JUIZ DISCRETO, SENSATO E EQUILIBRADO, UM JUIZ QUE TUDO VEJA, MAS NÃO VEJA NINGUÉM, UM JUIZ BOM, MAIS ATÉ QUE UM BOM JUIZ. Analisando a criação de figuras como a do juiz presidente e a dos conselhos consultivos de comarca, o que salientaria? No que concerne ao novo modelo de gestão dos tribunais de 1ª. instância que a Reforma introduziu, é sabido que essa gestão de cada um desses tribunais passou a ser garantida por uma estrutura tripartida, composta pelas figuras do juiz presidente, do magistrado do Ministério Público coordenador e pelo administrador judiciário (os quais integram o Conselho de Gestão da Comarca), dispondo cada um deles de competência própria. Tendo em conta o novo conceito de Comarca que foi criado, afigura-se-nos que faz todo o sentido a criação da figura do seu presidente e que ela seja encarnada por um juiz. O que pode ser discutível é se a sua nomeação deve ser imposta administrativamente (como acontece atualmente em que a sua escolha é feita, em comissão de serviço, pelo CSM) ou se essa nomeação deverá resultar da eleição dos seus pares, à semelhança do que acontece nos tribunais judiciais superiores. De qualquer modo, cremos poder afirmar que a figura do juiz presidente do novo Tribunal de Comarca está hoje consensualizada, bem como do papel de relevo que tem vindo a desempenhar na implementação da aludida Reforma.

20

Outra das grandes novidades da referida tem a ver com a criação de um Conselho Consultivo em cada tribunal de Comarca. Temos para nós que este órgão é uma das “expressões” mais felizes e relevantes do novo modelo organizacional do nosso sistema judiciário. Com ele promove-se o envolvimento de todos os profissionais da justiça e das comunidades locais na gestão dos Tribunais de Comarca, estimulando-os, por um lado, a participarem ativamente no encontro das melhores soluções para o funcionamento da Justiça e, por outro, corresponsabilizando-os pelas falhas desse seu funcionamento. Constitui inolvidavelmente uma forma de aproximar ainda mais os cidadãos da Justiça e de contribuir para uma maior transparência da mesma. Em suma, tal órgão veio conferir ainda maior legitimidade pública aos Tribunais, ou seja, robustecendo-lhes a legitimidade que têm na administração da Justiça. Recentemente foi inaugurada a sede do Conselho Regional de Coimbra da OSAE. Essa cerimónia assinalou o reaparecimento deste órgão. Como interpreta este momento? Que peso considera que virá a ter na manutenção da cooperação interinstitucional, da Justiça e das profissões de solicitador e de agente de execução? Fui um dos que tive a honra de estar presente na referida cerimónia, tendo tido ainda o privilégio de, a convite do Exmo. Sr. Bastonário da OSAE e da Sra. Presidente daquele seu Conselho Regional, usar aí da palavra. Fi-lo por reconhecer estar-se num momento de especial importância e significado, não só para os dirigentes nacionais e regionais da Ordem e dos profissionais que a integram, como também para a própria Administração da Justiça. Na minha opinião, faz todo o sentido a existência de uma permanente cooperação institucional entre todos aqueles que, de uma forma ou de outra, têm por missão/vocação realizar a Justiça, pois que todos somos poucos para conduzir a bom porto o barco da Justiça, sem atropelos e com o respeito do papel que está legalmente reservado a cada um dos respetivos profissionais que nele navegam. Aos olhos do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, como considera que será o amanhã da Justiça nesta cidade e no país? A Justiça terá, a nosso ver, de continuar a passar pelos tribunais, órgãos de soberania, a quem a nossa Magna Carta atribui competência para a administrar em nome do Povo (art.º 201º, nº. 1, da CRP), revertendo-se um caminho que vem sendo cada vez mais percorrido no sentido da desjudicialização da Justiça. Para isso é preciso que o poder político aposte mais nos tribunais, dotando-os dos necessários recursos humanos e técnicos e criando ainda as melhores condições a todos os profissionais que neles trabalham e a todos aqueles que a eles se dirigem, por forma a que a Justiça possa ser servida, “nos pratos da balança”, aos cidadãos, cada vez com maior qualidade e oportunidade. : :


REPORTAGEM

A

ronda pelas escolas abrangidas pela área de intervenção daquela unidade da Polícia de Segurança Pública (PSP) começa. Sob o mote que dá nome à operação, a missão passa por garantir uma “Escola Segura” para todos. A Subcomissário Maria Marques Dantier e o Chefe Sousa Dias têm memorizados os horários e hábitos de cada estabelecimento, conhecem os diretores, os professores, os funcionários e, até, alguns dos alunos, sabem quando toca a campainha e quais os pontos de encontro. “Proximidade, confiança e proteção. É o que a população espera de nós. Que possam viver a sua vida sem sobressaltos, sem crimes e sem problemas”, sublinha Maria Marques Dantier com base nos inúmeros projetos que a PSP tem inaugurado e desenvolvido lado a lado com a população: “Desde 2006, foi implementado na PSP o modelo integrado de proximidade. Criámos equipas para que estejam próximas dos problemas e próximas das populações. Essas equipas têm como missão pôr cobro a situações que interfiram na segurança das populações. Esta medida acaba por criar uma rede, formal e informal, de parceiros no seu território. Juntas de Freguesias, instituições, IPSS, entre outras”.

POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

SEMPRE POR PERTO Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Sollicitare 21


Estar perto, presente, estar mesmo lado e, se possível, chegar antes do problema. Convictos da relevância de uma rede capaz de cooperar na identificação, acompanhamento e resolução dos casos, as equipas não podem resultar do mero acaso. Há um perfil definido e um percurso formativo que procura tirar partido dos pontos fortes de cada polícia escolhido para integrar estes projetos: “Estas equipas têm formação especializada. A PSP tem vindo a diversificar a sua intervenção e temos feito uma especialização na área da proximidade e dos projetos ligados ao apoio à vítima. Passámos a ter uma linguagem mais acessível e tentamos adaptar a nossa ação ao que o cidadão precisa neste momento. Nós fazemos parte da comunidade e a segurança não compete apenas à polícia. Todos nós podemos fazer alguma coisa pela comunidade. A segurança não começa nem acaba na polícia, envolve toda a comunidade”, sublinha o Chefe Sousa Dias sem tirar os olhos da estrada. Passam devagar, abrandam, estacionam. Junto à entrada de mais uma escola, abordam os alunos, tentam saber se está tudo bem. Acompanham o crescimento de muitos deles, conhecem as famílias. E não ignoram o poder do tempo e dos avanços tecnológicos. Sabem que, a cada dia, novos desafios ganham força e que a solução passa por prevenir, por sensibilizar os mais novos que levarão a mensagem para casa: “Com avanços como a internet, surgem tentações que antigamente não existiam. Os mais novos acabam por ser um alvo fácil. Por vezes, não conseguem perceber que os computadores são uma janela para o mundo e que, embora possam trazer tudo

22

de bom, também podem trazer muitas coisas más. Muitas vezes isso acontece porque não têm a supervisão adequada dos adultos. Aliás, muitas vezes, os próprios pais já não conseguem acompanhar a evolução das tecnologias”, conta Maria Marques Dantier que defende ser essencial estar sempre um passo à frente dos riscos. Regressam ao carro. Entretanto, evitaram uma discussão mais acesa entre estudantes. O trabalho destes polícias passa por estarem no momento certo à hora exata. A verdade é que, a par dos mais novos, também os mais velhos pedem cuidados redobrados, uma preocupação sincera, uma atenção que traga carinho nas entrelinhas. “Identificados os idosos, promovem-se as ações de sensibilização. A polícia participa nesses encontros e os idosos começam a assimilar uma cara e passam a fazer parte da comunidade. Os idosos, quando reconhecem que aquele polícia está no mesmo setor diariamente, comunicam mais facilmente algum problema que ocorra na zona. Se passar um carro de patrulha, ele ignora, mas se ele passar por ali, a pé, o idoso sente-se mais confortável para abordar o agente e conversar. É assim que nos aproximamos dos idosos. Com essa convivência, os idosos começam a contar-nos os problemas: crimes de burla, de extorsão, de violência doméstica, de maus-tratos, etc.”, descreve a Subcomissário, tentando salientar a importância da criação de hábitos, de relações próximas e de confiança. Com um sorriso típico de quem faz por gosto o seu trabalho, assumem que não é fácil devolver a coragem a quem deixou


POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

de acreditar na sua própria força. As vítimas poderão continuar a sê-lo pelo medo de quebrar o silêncio. E o medo é a maior das fragilidades. Como explica o Chefe Sousa Dias, “por vezes, quando a vítima ganha coragem para denunciar, esta pensa que é o fim desse caminho. Nós temos de preparar a vítima para o facto de aquele ser o primeiro passo de um caminho difícil até à audiência de julgamento final, na qual pode haver, ou não, condenação do agressor. A vítima vai ter de contar a sua história várias vezes”. Dada a complexidade de um contexto que é sempre diferente e jamais comparável, foi criado o Espaço Júlia, onde são recebidas as vítimas de violência doméstica. Terminada a ronda pelas escolas, é lá que o carro para pela última vez. Neste espaço há um conforto semelhante àquele que se encontra em casa de um amigo ou familiar. Pode ser servido um café, um chá. Há bonecos e jogos para as crianças brincarem enquanto a vítima relata o sucedido. Também elas têm que ser protegidas e deixá-las brincar num universo de “faz de conta” pode ser uma forma de se conseguir isso mesmo. “Temos que garantir que a vítima se sente segura”, salienta Maria Marques Dantier, segundo a qual ainda são muitos os casos em que é preciso capacitar a vítima para reconstruir a sua vida.

"NÓS FAZEMOS PARTE DA COMUNIDADE E A SEGURANÇA NÃO COMPETE APENAS À POLÍCIA. TODOS NÓS PODEMOS FAZER ALGUMA COISA PELA COMUNIDADE. A SEGURANÇA NÃO COMEÇA NEM ACABA NA POLÍCIA, ENVOLVE TODA A COMUNIDADE”, SUBLINHA O CHEFE SOUSA DIAS.

Mergulhados na velocidade dos dias, vale a pena parar para olhar. Os provérbios de outrora deixaram de fazer sentido e, por vezes, há que meter a colher: “O crime mais denunciado em Portugal é o furto de interior de viaturas, mas o segundo crime mais denunciado em Portugal corresponde a casos de violência doméstica. Algo que nos devia deixar a pensar. Falamos de 27 mil denúncias, mas haverá muitas mais que nunca serão feitas”, alerta o Chefe Sousa Dias que acaba por explicar a origem do nome do Espaço Júlia: “Existe em homenagem à D. Júlia que foi assassinada pelo marido após 42 anos de casamento. Foi degolada durante o pequeno almoço de um domingo. Todos os vizinhos sabiam que aquela mulher era vítima de violência doméstica. O senhor não tinha sequer uma contra-ordenação vulgar no seu cadastro. Era um cidadão exemplar. Os vizinhos diziam que ele era boa pessoa. Em média, uma vítima de violência doméstica faz oito tentativas para sair de uma relação abusiva. E a cada tentativa vai criando forças para alcançar o dia em que o conseguirá fazer. Mas isso pode demorar muito tempo”. Pois pode. Por isso, prevenir é a palavra de ordem. Só assim, um dia deixará de ser necessário correr contra o tempo. Só assim, um dia deixará de ser preciso assumir que “não chegou a tempo”. A Polícia de Segurança Pública continuará a estar por perto, “a evoluir, a adaptar-se”, como reforça a Subcomissário Maria Marques Dantier. Continuará a trabalhar junto dos “nossos futuros adultos”, acrescenta o Chefe Sousa Dias. Tudo para que, um dia, nunca seja tarde demais. : :

Sollicitare 23


PROFISSÃO

TÍTULO SUCESSÓRIO EUROPEU Segundo Viviane Reding, antiga comissária europeia responsável pela área da Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania no mandato 2010-2014, estima-se que, anualmente, sejam abertas, na União Europeia, aproximadamente 450 mil sucessões internacionais, ou seja, sucessões com pontos de contacto com vários países e que, por conseguinte, convocam mais do que um ordenamento jurídico.

Por Luís Paiva Advogado

24

E

m julho de 2012 foram adotadas novas normas na União Europeia que visam facilitar a gestão dos aspetos jurídicos das sucessões internacionais, através do Regulamento n.º 650/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho, publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 27 de julho, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu. Este regulamento é aplicável à sucessão das pessoas falecidas a partir de 17 de agosto de 2015, inclusive, em todos os Estados-Membros da União, com exceção do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca. É o resultado de um trabalho que deu os primeiros frutos em 2005, ano em que foi publicado o Livro Verde em matéria de sucessões e testamentos, que teve o objetivo de abrir caminho à elaboração de um regime jurídico que contribuísse para minimizar os entraves à livre circulação de pessoas no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça nos vários Estados - membros da União Europeia. Com este Regulamento pretende-se ultrapassar a complexidade e a incerteza decorrentes da aplicação dos diversos regimes nacionais dos Estados-Membros, uniformizando e, consequentemente, simplificando as regras aplicáveis às sucessões internacionais em toda a União Europeia. A entrada em vigor deste Regulamento vai tornar a vida mais fácil não só aos cidadãos, mas também aos profissionais que têm contacto com o direito sucessório, como é o caso dos solicitadores e dos notários. O Regulamento visa ainda facilitar a organização antecipada da sucessão e garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários, das outras pessoas próximas do falecido, bem como dos credores da sucessão. Permite que o autor da sucessão tenha maior liberdade de planeamento da sua sucessão (passando a ser possível que escolha, desde que reunidos determinados requisitos, a lei aplicável) e que, tanto quanto possível, toda a sucessão possa ser tratada perante uma só autoridade e à luz de uma só lei aplicável, evitando a duplicação de procedimentos e de custos para os cidadãos. Assim, o regulamento agrupa as disposições sobre a competência judiciária, a lei aplicável, o reconhecimento ou, consoante o caso, a aceitação, a executoriedade e a execução das decisões, dos atos autênticos e das transações judiciais, bem como sobre a criação do certificado sucessório europeu. Não interfere, no entanto, com as regras materiais nacionais aplicáveis ao fenómeno sucessório, de que são exemplo as regras sobre a determinação de quem são os herdeiros ou sobre a partilha da herança, as quais continuam a ser definidas pelas legislações nacionais de cada Estado Membro da U.E. Por último, a proposta propõe a criação de um certificado sucessório europeu, do qual constem, nomeadamente, informações relativas ao falecido e ao requerente, bem como elementos de facto ou de direito relacionados com a sucessão.


Assim, com a aplicação do Regulamento: – A sucessão da propriedade de uma pessoa falecida é tratada como um todo independentemente da natureza ou a localização dos bens; – Uma única autoridade será responsável pela sucessão; e – Uma única lei será aplicada para a sucessão, estabelecendo-se como regra geral a lei do Estado da residência habitual do falecido no momento da morte. Se uma pessoa quiser planear a sua sucessão de outra forma, pode escolher a lei de um Estado de que seja nacional. No entanto, o Regulamento não é aplicável a questões fiscais, sendo ainda excluídos do âmbito de aplicação questões como o estado das pessoas singulares, a capacidade jurídica das pessoas singulares ou as questões relacionadas com regimes matrimoniais. Reconhecimento e execução de decisões As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer procedimento. Em caso de contestação, qualquer parte interessada que invoque o reconhecimento de uma decisão a título principal pode pedir o reconhecimento dessa decisão. Documentos autênticos em matéria de sucessão a) Um ato autêntico exarado num Estado-Membro tem, noutro Estado-Membro, a mesma força probatória de que beneficia no Estado-Membro de origem (ou os efeitos o mais equiparáveis possível) desde que tal não seja manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro em causa. Deste modo, quem pretender utilizar um ato autêntico noutro Estado-Membro pode solicitar à autoridade que exarou o ato no Estado-Membro de origem que preencha um formulário, descrevendo a força probatória do ato autêntico no Estado-Membro de origem. O Regulamento de Execução (UE) n.º 1329/2014, 9 de dezembro, estabelece todos os formulários referidos no Regulamento. b) Os atos autênticos com força executória no Estado-Membro de origem são declarados executórios noutro Estado-Membro a pedido de qualquer das partes interessadas. c) As transações judiciais que forem executórias no Estado-Membro de origem são declaradas executórias noutro Estado-Membro a pedido de qualquer das partes interessadas. Certificado sucessório europeu (CSE) Não é obrigatório o recurso ao CSE, que se destina a ser utilizado pelos herdeiros, pelos legatários que tenham direitos na sucessão e pelos executores testamentários ou administradores de heranças que necessitem de invocar, noutro Estado-Membro, a sua qualidade ou exercer os seus direitos de herdeiros ou legatários e/ou os seus poderes de executores testamentários ou administradores de uma herança.

O pedido de certificado deve conter: a) Dados relativos ao falecido, ao requerente, ao representante legal do requerente, ao cônjuge ou parceiro do falecido e a outros eventuais beneficiários da sucessão; b) Finalidade a que se destina o certificado; c) Contactos do órgão jurisdicional ou de outra autoridade competente que se ocupe ou se tenha ocupado da sucessão enquanto tal; d) Elementos em que o requerente baseia, consoante o caso, o direito invocado aos bens da sucessão; e) Uma indicação de que o falecido fez, ou não, uma disposição por morte; se não tiver sido apenso nem o original nem uma cópia, indicação relativa à localização do original; f ) Uma indicação quanto à declaração feita, ou não, por um dos beneficiários relativamente à aceitação ou ao repúdio da sucessão; g) Uma declaração afirmando que, tanto quanto é do conhecimento do requerente, não está pendente nenhum litígio em relação aos elementos a atestar. O certificado inclui, entre outras, as seguintes informações: – Os elementos com base nos quais a autoridade emissora se considera competente para emitir o certificado; – Dados relativos ao requerente, falecido e beneficiários; – Informações sobre um eventual contrato matrimonial celebrado pelo falecido e informações relativas ao regime matrimonial de bens ou regime de bens equivalente; – Lei aplicável à sucessão e os elementos que estiveram na base da determinação dessa lei; – Quota-parte que cabe a cada herdeiro, bem como, se for caso disso, a lista dos bens e/ou direitos que cabem a um determinado herdeiro; – A lista dos bens e/ou direitos que cabem a um determinado legatário; – As restrições ao direito do(s) herdeiro(s) e, se tal for o caso, do(s) legatário(s) ao abrigo da lei aplicável à sucessão e/ou da disposição por morte; – Os poderes do executor testamentário e/ou do administrador da herança. Efeitos do certificado – Produz efeitos em todos os Estados-Membros sem necessidade de recurso a qualquer procedimento. – Presume-se que o certificado comprova com exatidão os elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão. Suspensão dos efeitos do certificado Os efeitos do certificado podem ser suspensos: a) Pela autoridade emissora, a pedido de qualquer pessoa que demonstre possuir um interesse legítimo na pendência da modificação ou revogação do certificado; b) Pela autoridade judicial, a pedido de qualquer pessoa com direito a contestar uma decisão tomada pela autoridade emissora. : :

Sollicitare 25


0SAE

A solicitadoria: Um futuro com história ENTREVISTA A

JÚLIO SANTOS PRESIDENTE DO CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES

Estamos na Biblioteca Daniel Lopes Cardoso. Um espaço onde se inala o cheiro dos livros, da memória com páginas amarelecidas, dobradas nas pontas, corroídas, por vezes. Mas também do futuro que se escreve a cada instante com nome de presente. A passagem a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução foi mais uma linha de futuro que se escreveu. Com ela nasceu um novo Colégio: o dos Solicitadores. Para Júlio Santos – primeiro Presidente do Conselho Profissional deste Colégio – nada mudou. Com ar sereno, normal de quem conhece a casa, os rostos, os hábitos e preceitos que a distinguem, Júlio Santos confessa que, com esta mudança, todos saíram enriquecidos. Principalmente, o solicitador. Esta profissão é mais do que isso. É um modo de vida. Apaixonante e marcada por uma fundamental proximidade ao cliente. Esses, à medida que os anos vão passando, tornam-se mais do que isso, tornam-se amigos. Como diz o presidente deste Colégio: “É uma relação para a vida”. E, nesta relação, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução quer assumir um papel ativo e cooperante, ambicionando continuar a escrever linhas para o futuro, sem esquecer as que o passado deixou.

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

26


Sollicitare 27


Como se chega a esta profissão? Assumir a profissão de solicitador é uma opção de vida. Embora, muitas vezes, surja na nossa vida porque alguém da nossa família é jurista ou funcionário judicial, quando a escolhemos, assim como em qualquer outra, pensamos sempre que é o nosso futuro. Mas poucas serão as pessoas que, escolhendo a profissão de solicitador, depois conseguem desistir dela. É uma profissão apaixonante, que envolve muito contacto com pessoas, muitas situações diferentes, vitórias sofridas mas que compensam todo o esforço. Até porque considero que o solicitador faz-se de pequenas vitórias, com muito trabalho, muito conhecimento de estudo, acompanhamento da legislação e adaptação às novas tecnologias. É um mundo muito grande. Muito mudou desde o dia em que passou a integrar a classe? Muito mesmo e em variadíssimos aspetos. Mudou, desde logo, a forma de acesso à profissão. Mudou também a relação com o cliente, o modelo de organização do escritório, o papel das novas tecnologias que tantas vezes substituem os contactos pessoais. Quando iniciei a profissão, era tudo muito pessoal. Hoje em dia, é tudo muito impessoal. Eu já tive um cliente que não cheguei a conhecer pessoalmente, pois tudo foi resolvido via e-mail. Se tivesse que descrever, em poucas palavras o solicitador, como o faria? É um profissional muito versátil e que, ao realizar o seu trabalho, desenvolve uma relação de confiança com o cliente, a qual pode durar uma vida.

28

NA MINHA OPINIÃO, HOJE, AS PROFISSÕES, DE UMA FORMA GERAL, TÊM DE SE ATUALIZAR CONSTANTEMENTE, SOB PENA DE O PRÓPRIO PROFISSIONAL SE SENTIR ULTRAPASSADO. O SOLICITADOR NÃO É EXCEÇÃO. TEM CERTAMENTE UM FUTURO, MAS SEMPRE COM MUITO TRABALHO E MUITO E ESTUDO. O QUE QUEREMOS É FAZER TANTO QUANTO SEJA POSSÍVEL NO SENTIDO DE MELHORAR O TRABALHO DOS NOSSOS COLEGAS, PODENDO CONFERIR-LHES TODAS AS CONDIÇÕES PARA QUE POSSAM PRESTAR O MELHOR SERVIÇO AO CIDADÃO. O cliente passa a ser um amigo? Na minha opinião, hoje em dia as coisas estão um bocadinho diferentes. Mas o trabalho tradicional do solicitador consiste em acompanhar a vida de um empresário ou de uma família e, muitas vezes, passam várias gerações pelo mesmo escritório e pelo mesmo solicitador. É um aspeto da profissão que nos enriquece muito, que gera uma confiança muito grande entre solicitador e cliente e que permite perpetuar uma relação que, muitas vezes, se confunde com uma amizade.


ENTREVISTA A JÚLIO SANTOS

É natural do sul do país. Isso garante-lhe a capacidade de ter uma outra visão sobre a profissão? Em alguns aspetos posso dizer que sim, nomeadamente pelas particularidades do género de comércio jurídico que se faz no sul do país. Gira muito à volta do comércio imobiliário, mas também em torno das heranças, das sucessões, etc. No entanto, existe uma outra diferença: em Inglaterra, existe a figura do solicitor. Sentimos que a atividade deste profissional é transportada para a atividade dos solicitadores no Algarve, pois grande parte dos associados a exercer nesta região do país têm como clientes não só britânicos, mas também pessoas oriundas do norte da Europa.

Hoje “facilmente” se juntam centenas de associados num evento como as Jornadas ou o Congresso. Considera que o sentimento de união e identidade entre profissionais está reforçado? Isso garante uma projeção mais evidente para o exterior? Eu diria que esses eventos são uma coisa muito nossa. Temos esta tradição de nos juntarmos, de organizarmos iniciativas em que aliamos o útil ao agradável, ou seja, o trabalho, o estudo de diferentes matérias e o convívio. Enraizou-se na Ordem e tem imensas vantagens. Mas não são só os Congressos e as Jornadas que registam estes níveis de adesão, os eventos regionais e locais também são muito participados.

A própria Câmara, hoje Ordem, mudou. É fácil explicar isso aos associados que acabam de fazer a sua inscrição? Basta dizer que, quando cheguei à profissão, a Ordem tinha dois funcionários e, hoje, tem muitas dezenas. Até aquilo que hoje os colegas esperam da Ordem é completamente diferente. Não havia formação nacional organizada, não havia a tradição do contacto com a Ordem, etc. Os solicitadores eram muito menos. Nos últimos anos, o número de associados cresceu imenso. Tudo isto cria uma relação diferente. A isso acresce o facto de grande parte do trabalho que fazemos ter, inevitavelmente, uma componente informática. Essa componente funciona melhor porque a Ordem conseguiu acompanhar a evolução, criar novas plataformas e, hoje, a maioria dos solicitadores depende desta relação umbilical com a Ordem, nomeadamente através das ferramentas informáticas e das ações de formação.

Sente que hoje existe uma maior sensibilidade para perceber a profissão de solicitador? Essa sensibilidade deriva do facto de sermos mais, de termos assumido algum protagonismo no panorama jurídico, da periodicidade das iniciativas e de uma maior projeção nos media. Tudo isso faz com que exista um olhar diferente sobre a profissão.

Na sua perspetiva, o que representa esta passagem a Ordem? E a criação do Colégio dos Solicitadores? Eu diria que, se esta mudança tivesse acontecido quando esperávamos, há 15 ou 20 anos, teria sido extremamente importante. Hoje já não sinto isso dessa forma porque a Câmara dos Solicitadores soube assumir o devido protagonismo no panorama jurídico português e, quando aconteceu esta transição, já não se sentiu de igual forma. De todo o modo, esta passagem a Ordem era um anseio das pessoas que estavam há mais tempo na profissão, comparável com a existência de uma sede digna ou de um estatuto condicente com aquilo que entendíamos ser adequado para a profissão. Na vida dos solicitadores, estes são três marcos importantíssimos. Tudo isto representa um enriquecimento para os profissionais e para a Ordem. Ser o primeiro presidente de um colégio que representa uma profissão com tanta história reveste-se de um simbolismo especial? Sente que está a ser escrita uma nova página desta história? É uma nova página e lutámos muito por isso. Contudo, mantenho a posição que sempre tive enquanto dirigente da Ordem há mais de 18 anos. Nada mudou. Quero dedicar-me à classe e tentar sempre sobrepor o interesse coletivo ao interesse individual. Felizmente, temos tido muitos colegas que têm feito progredir a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.

A profissão, embora com uma imensa carga histórica, tem dado passos importantes na criação e utilização de ferramentas tecnológicas. É um caminho expectável? Existe recetividade. Hoje em dia, torna-se praticamente impossível exercer a profissão sem o recurso a novas ferramentas informáticas. Os próprios serviços estão cada vez mais ligados às novas tecnologias. Trata-se da inevitável evolução da profissão e da sociedade. Tem existido a preocupação de dotar os nossos associados das ferramentas e dos meios necessários para abranger novas áreas de trabalho. Um bom exemplo foi a divulgação, nas Jornadas de Estudo 2016, da possibilidade de começarmos a realizar constatações de factos. É um projeto no qual acredito muito. Vai ser, certamente, no futuro, uma grande fonte de trabalho para os solicitadores. O futuro da profissão é, sem dúvida, uma certeza? Sim, mas sempre com muito trabalho. Nada se faz sem uma atualização permanente. Na minha opinião, hoje, as profissões, de uma forma geral, têm de se atualizar constantemente, sob pena de o próprio profissional se sentir ultrapassado. O solicitador não é exceção. Tem certamente um futuro, mas sempre com muito trabalho e muito e estudo. Quais são as metas para este mandato enquanto Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores? Essas metas foram definidas na nossa tomada de posse. São muito ambiciosas e estamos a tentar cumpri-las na íntegra, embora não seja fácil. Efetivamente, trata-se de um órgão novo e necessita de uma estrutura criada, mas, felizmente, temos todos os membros do colégio altamente empenhados para as funções que lhes foram confiadas. O que queremos é fazer tanto quanto seja possível no sentido de melhorar o trabalho dos nossos colegas, podendo conferir-lhes todas as condições para que possam prestar o melhor serviço ao cidadão. : : Sollicitare 29


PROFISSÃO

SOLICITADOR

O PROFISSIONAL MULTIDISCIPLINAR O profissional solicitador há centenas de anos que se vai adaptando às mudanças, por vezes radicais, na sociedade e nas forma de interagir com os respetivos órgãos, sejam eles públicos ou privados, tendo sempre como lema servir os cidadãos contribuindo para uma justiça mais célere e eficaz. Todos nós, há mais ou menos tempo na profissão, em algum momento tivemos que nos adaptar a novas tecnologias, novos procedimentos, novas formas de agir perante os órgãos ou entidades com os quais lidamos no nosso dia a dia.

Por Carlos de Matos, Solicitador, Agente de Execução e vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

30

A

lguns saudosistas ainda relembram o papel selado em que uma folha azul, de 25 linhas e com uma estampilha fiscal, servia para tudo, sem que os formulários fossem alterados num abrir e fechar de olhos, como atualmente acontece. Tudo isto pertence a um passado longínquo e que não deixa saudades. O solicitador, na atualidade, tem que estar predisposto a trabalhar sob um novo paradigma. Não faz sentido o solicitador alimentar a esperança de que vai desenvolver a profissão, ao longo da sua vida, numa determinada área de atividade, seja ela na área dos registos, no predial, no fiscal ou qualquer outra que possamos imaginar. O solicitador é um profissional multidisciplinar. É isto que nos distingue de outras profissões. Sim, porque o solicitador, acima de tudo, está obrigado a respeitar regras rígidas de ética e deontologia, pilares que teremos que ter sempre presentes no nosso dia a dia. Na nossa profissão, temos que estar sempre atentos a novos nichos de mercado. Uma alteração legislativa pode modificar, radicalmente, a atividade desenvolvida nos nossos escritórios. O SIMPLEX, nosso conhecido, seguramente que veio alterar os procedimentos de muitos escritórios, com toda a tecnologia que implicou e, consequentemente, com a simplificação do acesso, pelo cidadão comum, a dados, até então, de difícil consulta. Mas o solicitador é um profissional com uma capacidade de trabalho inimaginável e, de imediato, colaborou com os órgãos governamentais, abrindo balcões únicos e utilizando as ferramentas criadas, prestando serviços que o Estado passou a disponibilizar ao cidadão comum. Outras áreas de atividade devem ser acolhidas e desenvolvidas pelos solicitadores. Refiro, por exemplo, a propriedade industrial, vulgarmente conhecida por marcas e patentes. Apesar de o


Código da Propriedade Industrial consignar o solicitador como mandatário em propriedade industrial, são poucos os profissionais que se dedicam a esta área de atividade. Refiro ainda a gestão e administração de condomínios e de patrimónios. É esta, também, uma área em que o solicitador, profissional multidisciplinar, pode aplicar todos os seus conhecimentos, dando dignidade e transparência a atividades para as quais não existe regulamentação e que são exercidas, muitas vezes, por curiosos sem escrúpulos e sem qualquer habilitação legal, infringindo as mais elementares regras, criando graves problemas aos cidadãos e entidades que os “contratam”. Para aceder à profissão de solicitador é exigida a titularidade do grau de licenciatura em solicitadoria ou em direito que, a par de um estágio exigente com profissionais – patronos formadores –, confere a este profissional uma formação sólida nas várias áreas do saber. O solicitador é um profissional do foro, com competência a nível judicial, que deve assumir essas funções, como outros profissionais o fazem. O solicitador, profissional multidisciplinar, deve absorver toda a formação que lhe for disponibilizada, quer pela OSAE, quer por outras vias, para ser capaz de exercer sua profissão com qualidade, competência e transparência, em prol de uma melhor justiça para os cidadãos. Para uma maior eficiência, os solicitadores devem associar-se entre si, constituindo sociedades de profissionais, com todas as vantagens daí decorrentes. Só assim poderemos, de corpo e alma, assumir-nos como o profissional mais competente e disponível para resolver qualquer situação que o cidadão/cliente nos confie, fazendo jus a frases que já entraram no ouvido de todos nós, como “O solicitador resolve”, “Não se deixe enganar por procuradores ilícitos – recorra a um solicitador”, “Balcão Único do Solicitador – Um local, todas as soluções” ou, a mais recente, “Fale com o seu Solicitador”. Por tudo o que ficou dito, o solicitador é o profissional habilitado para apoiar os cidadãos e as empresas em todos os assuntos e procedimentos. : :

Sollicitare 31


OSAE

OSAE ACOLHE REUNIÃO DO CONSELHO PERMANENTE DA UNION INTERNATIONALE DES HUISSIERS DE JUSTICE Texto André Silva / Fotografia OSAE

A

Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) acolheu, no dia 20 de maio, nas instalações da sua sede, a reunião do conselho permanente da Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ), a qual contou com a presença de dezenas de representantes de organizações de profissionais oriundas de diversos países. No âmbito da cerimónia de abertura desta mesma reunião, a qual contou com a presença da Secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, foram encerrados publicamente os primeiros onze leilões eletrónicos. Tendo, nos dias 18 e 19, ocorrido alguns encontros preparatórios que juntaram os vários representantes, foi no dia 20 maio que teve lugar o momento alto do programa. Na mesa da cerimónia de abertura da reunião do conselho permanente da UIHJ estavam Anabela Pedroso, Secretária de Estado da Justiça, Françoise Andrieux, Presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice, José Carlos Resende, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, e Armando A. Oliveira, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução. José Carlos Resende, na sua intervenção, salientou o papel da União Internacional e o apoio que prestaram ao longo do percurso que tem vindo a ser trilhado pela OSAE. Aproveitou ainda a oportunidade para assinalar a relevância da aposta em novas soluções em prol de uma Justiça melhor e mais humana, tendo destacado a sensibilidade e a

32


NO ÂMBITO DESTE EVENTO, DECORREU AINDA, NA PRESENÇA DA SECRETÁRIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, ANABELA PEDROSO, A CERIMÓNIA DE ENCERRAMENTO DOS PRIMEIROS LEILÕES ELETRÓNICOS.

recetividade da Secretária de Estado Anabela Pedroso para os diversos projetos que a Ordem tem apresentado. Passada a palavra a Françoise Andrieux, para além de agradecer a hospitalidade na receção e de enaltecer os contributos da Ordem e dos seus associados para que a evolução seja constante, assumiu que uma das prioridades da União é proporcionar uma “justiça integrada”, garantindo a eficiência do setor, a qualidade dos profissionais e a independência dos mesmos, lembrando sempre a necessidade prioritária de agilizar decisões em matéria civil. Foi Anabela Pedroso quem interveio depois. Num discurso otimista e focado nas pessoas, a Secretária de Estado da Justiça corroborou a urgência do reforço “de um ecossistema na Justiça”, sempre com os olhos postos numa “melhor justiça para todos”. A introdução de novos mecanismos eletrónicos e a garantia de uma crescente humanização foram metas que defendeu para o alcance de um futuro melhor, em que a Justiça esteja mais próxima dos cidadãos. Anabela Pedroso

terminou pedindo a todos os países presentes que continuassem a olhar para Portugal como um parceiro. De seguida, teve lugar a cerimónia de encerramento público dos primeiros onze leilões eletrónicos na Justiça nacional. Nas palavras de Armando A. Oliveira, “a grande preocupação que está por detrás da plataforma de venda eletrónica é a Justiça, a transparência e a humanização de todo este processo. (…) Não se pretende efetuar uma venda rápida, mas sim segura, transparente e na qual se consiga obter o melhor valor possível (…). Além disso, tentamos equilibrar a questão eletrónica com a responsabilidade humana, pelo que há, inclusive, abertura para que qualquer cidadão se possa pronunciar, por meio da autenticação através do seu cartão de identificação”. Terminada a cerimónia de abertura, tiveram continuidade os trabalhos associados a esta reunião promovida pela UIHJ, os quais foram encerrados ao final da tarde com aplausos e evidente satisfação pelos resultados alcançados e pelo sucesso de mais uma iniciativa. : :

Sollicitare 33


ENTREVISTA

“Os portugueses sentem que nos conhecem, que fazemos parte de uma mesma família”

D. ISABEL DE HERÉDIA DUQUESA DE BRAGANÇA

“DISPONÍVEIS E AO SERVIÇO DE PORTUGAL.” É ASSIM QUE D. ISABEL DE HERÉDIA, MULHER DE D. DUARTE DE BRAGANÇA, DUQUE DE BRAGANÇA E PRETENDENTE AO TRONO PORTUGUÊS, DEFINE A MISSÃO DA FAMÍLIA À QUAL PERTENCE. UMA FAMÍLIA QUE, SEM NEGAR A HISTÓRIA QUE A TRAZ ATÉ AQUI, CONTA UMA HISTÓRIA MUITO SEMELHANTE À DE QUEM LÊ ESTA ENTREVISTA. MONÁRQUICA, ATENTA AO CENÁRIO SOCIOECONÓMICO NACIONAL E DEFINIDA PELO MARIDO COMO A “MINISTRA DAS FINANÇAS DA FAMÍLIA”, D. ISABEL DE HERÉDIA NÃO RECEIA A RESPONSABILIDADE DE QUEM SENTE QUE DEVE DAR O EXEMPLO. TAMBÉM NÃO ESCONDE A PREOCUPAÇÃO COM UM PAÍS QUE ACREDITA TER MUITO PARA DAR AO MUNDO. ALIÁS, É PELO MUNDO QUE PROCURA PROMOVER O QUE PORTUGAL TEM DE MELHOR, SEMPRE CONVICTA DO VALOR DE UM POVO QUE NÃO OUSA BAIXAR OS BRAÇOS. Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

34


Sollicitare 35


ENTREVISTA COM D. ISABEL DE HERÉDIA

Como começa a história desta família? Esta história começa quando eu tenho seis anos. Foi o meu marido que me ensinou a nadar. Aos 16 anos voltámos a encontrar-nos e ficámos os melhores amigos. Até que, aos 28 anos, percebemos que não éramos apenas melhores amigos. O que poderá distinguir esta história da história das outras famílias do país? E o que as torna semelhantes? Todas as famílias começam num encontro e isso aconteceu connosco. Tivemos uma sorte muito grande de nos conhecermos desde sempre. E tendo o meu marido sido, durante muito tempo, o meu melhor amigo, podemos dizer que nos conhecemos ainda melhor. Por esse motivo, conseguimos enfrentar mais facilmente as situações adversas. O amor, a cumplicidade e a amizade estão na base de uma família feliz, alicerçando a construção de um futuro. E isso é algo que acontece em todas as famílias. Como é o dia a dia numa casa que, muitas vezes, se crê diferente das restantes? Vivemos situações diferentes todos os dias, não existe uma rotina. Tentamos criar uma rotina por causa dos nossos filhos, mas nem sempre é possível. É uma vida normal: Trabalhamos e pagamos impostos como toda a gente. Temos este serviço que, desde sempre, existiu na família real portuguesa. Estamos

36

sempre disponíveis e preocupados em promover Portugal, os portugueses, a nossa cultura e o nosso património. Que ensinamentos têm que passar enquanto pais? Sabemos que a nossa família tem um papel social importante na História e na vida de Portugal. Por isso mesmo, os nossos filhos, desde pequenos, sabem que todos os nossos atos têm consequências e que estamos mais expostos do que a maioria das famílias. Mas o que incutimos neles é, acima de tudo, o orgulho em serem portugueses. É licenciada em Gestão e especializada em Finanças. Lemos, numa outra entrevista, que assume o papel de "Ministra das Finanças da família". Aplica essa formação no exercício das suas funções? A nossa formação acaba por se refletir sempre na nossa vida, mas essa frase foi mais um elogio do meu marido. Na verdade, tudo o que faço conta com o apoio e colaboração do meu marido. Neste momento, dedico-me muito ao setor imobiliário, pois temos tentado reabilitar o património que sobrou, uma vez que grande parte ficou para a Fundação da Casa de Bragança. Aliás, qual é o papel da mulher neste contexto? Eu trabalho e o que faço dá-me muito gosto. Dá-me imensa alegria ver que estou a preparar este património para os meus filhos. A minha filosofia é: sempre que nos deixam alguma


ESTAMOS SEMPRE DISPONÍVEIS E PREOCUPADOS EM PROMOVER PORTUGAL, OS PORTUGUESES, A NOSSA CULTURA E O NOSSO PATRIMÓNIO.

coisa, ou a mantemos ou a melhoramos. Neste momento, os meus filhos também trabalham comigo para perceberem como funciona. Sentem que são olhados como um modelo e que, também por isso, devem dar o exemplo? Como sente que a família real é olhada pelos portugueses? Sim, as pessoas reconhecem o papel interventivo da nossa família. O meu na área mais social e o do meu marido mais na área política. Ele tem projetos fora do país e tem uma ligação com os ministérios dos negócios estrangeiros para que exista mais sintonia. A sua posição é sempre a de promover a língua portuguesa, procurando abrir portas para o nosso país. E os portugueses sentem que nos conhecem, que fazemos parte de uma mesma família. Seguem a nossa história e sentem que

têm alguém que vai lutar pelo país e que não se vai embora daqui a pouco tempo. Vai continuar ali até ao fim, de geração em geração. Como é que um membro da família real olha para o atual contexto socioeconómico? Com preocupação. O mais importante para mim é a educação. Se nós quisermos que o povo saiba escolher e decidir, tem de saber pensar. Para mim este pilar é fundamental. E o resto é consequência disso. As pessoas têm de parar e pensar, seriamente, no que é preciso fazer. Se não fizermos nada agora, vai ser muito complicado para as próximas gerações. Contudo, deveremos salientar que os portugueses conseguem sempre reinventar-se nos maus momentos, conseguem sempre dar a volta e sair por cima nas piores situações. Seria possível voltarmos a um regime monárquico? A Constituição determina que Portugal é uma república, sem possibilidade de alteração de regime. Mas também determina que é um Estado de direito democrático. Considero que não há coerência. Os portugueses deveriam poder escolher o regime que preferem, monarquia ou república. Por outro lado, deveríamos pensar seriamente neste assunto e olharmos para os diferentes países com monarquias. Deveríamos perceber como é que estes países estão e compará-los com a nossa república. : :

Sollicitare 37


ORDENS

USO RESPONSÁVEL DO MEDICAMENTO

SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS Os medicamentos têm promovido, desde a sua introdução, a eficiência dos sistemas de saúde, por se revelarem uma tecnologia custo-efetiva com efeitos positivos sem precedentes, contribuindo para a redução da carga da doença e da mortalidade e para a melhoria da qualidade de vida.

Por Ana Paula Martins, Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos

C

ontudo, ampla evidência internacional demonstra que subsiste um potencial não aproveitado no investimento que se faz anualmente em medicamentos. Estima-se, segundo a Organização Mundial da Saúde, que cerca de 50% dos cidadãos, em todo o mundo, não tomam corretamente os seus medicamentos, por diversas razões. Por sua vez, calcula-se, ainda, que seja possível poupar, em todo o mundo, cerca de 370 mil milhões de euros em cuidados de saúde através da utilização otimizada do medicamento, o que corresponde a cerca de 8% da despesa mundial em Saúde, por ano, destacando-se as seguintes oportunidades de melhoria: adesão à terapêutica, utilização do medicamento no tempo certo, otimização do uso dos antibióticos, diminuição dos erros de medicação, utilização de genéricos e gestão da toma simultânea de vários medicamentos. Assim, promover o Uso Responsável do Medicamento deverá ser uma prioridade para a sustentabilidade do Sistema de Saúde, perspetivando ganhos em saúde e económicos para a sociedade em geral. O Uso Responsável do Medicamento visa garantir que: – Um medicamento é utilizado apenas quando necessário e que a sua escolha será apropriada e feita com base na mais recente evidência científica e/ou clínica, de forma a ser o mais eficaz possível e o menos suscetível de causar dano; – Há um acesso e uma disponibilização atempada de medicamentos com qualidade e que estes são administrados e adequadamente monitorizados quanto à sua eficácia e segurança; – É utilizada uma abordagem colaborativa multidisciplinar, abrangendo os cidadãos, agregado familiar e cuidados, além dos profissionais de saúde que auxiliam os doentes sob os seus cuidados. Neste âmbito, a Ordem dos Farmacêuticos desenvolveu uma campanha de consciencialização, intitulada “Uso do Medicamento – Somos Todos Responsáveis”, tendo como objetivos primordiais alertar a população, promover as boas práticas e debater a temática do uso responsável do medicamento, de forma a desenvolver propostas específicas que permitam maximizar o investimento realizado em medicamentos. Após a realização de diversas sessões temáticas multidisciplinares subordinadas às diferentes oportunidades de melhoria identificadas, em que participaram reputados profissionais de saúde – nomeadamente farmacêuticos, médicos e enfermeiros –, decisores políticos e representantes dos doentes e consumidores, e na sequência da recolha de diversos contributos no âmbito da temática, a Ordem dos Farmacêuticos desenvolveu um conjunto de Recomendações transversais para o Uso Responsável do Medicamento, que assumem posições construtivas nos diversos domínios do circuito do medicamento e resultaram, assim, de uma intensa e muito profícua união de esforços. : : Saiba mais em www.usoresponsaveldomedicamento.com

38


PROFISSÃO

E-LEILÕES.PT

A TECNOLOGIA AO SERVIÇO DA JUSTIÇA Com a entrada em vigor, a 1 de setembro de 2013, do novo Código de Processo Civil, nos termos do art.º 837.º do CPC, a venda de bens penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico.

C

om base na mudança de paradigma, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), em conjunto com a tutela, desenvolveu a plataforma e-leiloes.pt, aprovada por Despacho n.º 12624/2015, de 9 de novembro de 2015. Com esta plataforma, aberta a 4 de abril de 2016, pretende-se garantir uma maior transparência nas vendas, permitindo que todos os cidadãos e empresas acedam de forma simples e em absoluta igualdade. Anteriormente, a venda era realizada, na fase inicial, mediante proposta em carta fechada, sendo feita a publicidade no portal da OSAE e na plataforma CITIUS, sendo ainda afixado um edital na porta do respetivo prédio. Ou seja, a venda era apenas do conhecimento das partes processuais, de quem regularmente consultava o portal ou de quem habitasse a zona e visse o edital. Uma plataforma de venda na internet garante, assim, uma visibilidade dos bens em venda a um maior número de pessoas, aumentando a oferta até agora muito limitada e, consequentemente, contribuindo para o aumento do valor de venda dos bens. A venda em leilão eletrónico começa pela inserção do bem na plataforma, realizada pelo agente de execução. Este deverá ser devidamente identificado e descrito, com obrigatoriedade de inserção de fotografias e regime de visita ao mesmo. Os regimes de visita poderão ser: mediante marcação através da indicação do contacto ou mediante agendamento de dia e hora, sendo que, no dia agendado, o interessado poderá deslocar-se ao local e verificar o bem e o estado do mesmo. As regras para inserção do bem, assim como os documentos obrigatórios a juntar (no caso dos imóveis, caderneta predial e certidão predial e, no caso dos automóveis, certidão do registo automóvel) permitem ao interessado ter ao seu dispor o máximo de informações para que possa licitar em segurança e com conhecimento dos ónus que incidem sobre os bens. Após inserção do bem, paga a taxa de inserção pelo agente de execução, e depois de devidamente aprovado pela

Por Mara Fernandes, Solicitadora, Agente de Execução e Membro do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

plataforma, é publicitado o leilão com data de início, data de término e os valores de venda. Cada bem tem de estar em leilão entre 20 a 60 dias seguidos. Para quem licita foi criada uma plataforma intuitiva, com várias FAQ e vídeos de demonstração, bem como um acesso rápido e simplificado, mediante autenticação com certificado digital, cartão de cidadão ou através de um registo prévio que, após aprovação pela plataforma, permite o acesso mediante introdução do NIF e de password. Feita a autenticação, o interessado/licitante depara-se com os bens separados por categorias: imóveis, veículos, equipamentos, mobiliário, máquinas e direitos, facilitando, desta forma, a sua procura de acordo com os seus interesses. É ainda permitido ao licitante escolher, dentro dos bens em venda, os seus favoritos. Estes aparecerão num separador próprio, por forma a favorecer o acompanhamento do estado do leilão e das licitações que vão sendo feitas. Tal como a procura dos bens, a licitação é um ato simples. Escolhido o bem, insere o valor com que pretende licitar, valor esse que terá de ser sempre superior em 1% ao valor da última licitação. Poderá efetuar tantas as que queira até à data de encerramento do leilão, sempre com a consciência de que quem licita é responsável pelo pagamento do bem, no caso de este lhe ser adjudicado, incorrendo nas cominações previstas no Código de Processo Civil pela falta de depósito do valor. O primeiro leilão foi encerrado no dia 19 de maio, com 11 bens e apenas um vendido, número muito diferente do segundo leilão, encerrado no dia 6 de julho e que contou com 91 bens em venda, 45 deles com licitações, tendo sido vendidos 35 bens. O número de registos de utilizadores, o número de visitas à plataforma, bem como o volume das licitações decorrentes do segundo leilão mostram que a mudança foi aceite e que começa a dar os seus frutos. Contudo, convém salientar que, com esta nova ferramenta, o objetivo passa por colocar a tecnologia­ao serviço da Justiça, humanizando-a ao se tornar mais acessível e compreensível. : :

Sollicitare 39


ENSINO SUPERIOR

NOS ÚLTIMOS ANOS, OS CURSOS DE SOLICITADORIA TÊM VINDO A CONQUISTAR PÚBLICO E DESTAQUE EM DIVERSAS INSTITUIÇÕES NACIONAIS DE ENSINO SUPERIOR. VISANDO GARANTIR UMA PONTE SÓLIDA COM TODAS ELAS, ESTE ESPAÇO CHEIO DE ESPÍRITO ACADÉMICO, O QUAL IRÁ PERCORRER PORTUGAL E CONTINUAR A MARCAR PRESENÇA NAS PRÓXIMAS EDIÇÕES, TEM COMO PRINCIPAL OBJETIVO DIVULGAR A HISTÓRIA, OS DESAFIOS, AS CONQUISTAS, AS ASPIRAÇÕES, A “PERSONALIDADE” DE CADA UM DESTES CURSOS.

ISVOUGA INSTITUTO SUPERIOR DE ENTRE DOURO E VOUGA

40


Há quantos anos foi instituída a licenciatura em Solicitadoria? O que vos levou a apostar na sua criação? O Instituto Superior de Entre Douro e Vouga (ISVOUGA) não tinha nenhuma licenciatura na área das ciências jurídicas, algo que o mercado estava a pedir. Urgia colocar o ISVOUGA também com essa valência. O mercado aqui integra dois segmentos: alunos que vêm para esta licenciatura como primeiro ingresso e aqueles alunos que já estão completamente situados profissionalmente, mas que precisavam desta licenciatura. A maioria continua a coincidir com os alunos que já estão no mercado de trabalho. Na altura em que o curso foi aberto, o mesmo só existia na Maia e em Leiria. Existia um hiato geográfico considerável. Quando, em 2015, o curso foi reformulado, esse hiato diminuiu. No entanto, não temos nenhuma escola que tenha este projeto de ensino desde o Porto até Coimbra. As pessoas da região precisavam deste curso. Hoje, olhando para trás, considera que foi o momento certo? Teve de ser, porque o mercado assim o pedia. No fundo, este foi um curso pensado para o mercado por necessidades do próprio. E foi muito bem recebido, naturalmente. A escola tem sempre como ponto de entendimento a abertura à comunidade. O ISVOUGA quer estar aberto às parcerias, à comunidade forense e não forense, quer estar ligado ao município e àregião. Queremos manter essa proximidade. Existe uma grande ligação com as instituições da região e queremos que assim continue a ser. Aliás, Santa Maria da Feira e os concelhos envolventes têm um tecido empresarial muito saudável. Temos desenvolvido parcerias relevantes com grandes empresas da região.

“Queremos romper com o método tradicional de ensino.”

PAULA QUINTAS

Coordenadora da licenciatura em Solicitadoria no Instituto Superior de Entre Douro e Vouga

Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

Sollicitare 41


FOMENTAMOS O PENSAMENTO CRÍTICO DO ALUNO. QUEREMOS DAR CONHECIMENTO SÓLIDO E DE QUALIDADE, MAS QUEREMOS QUE O ALUNO SEJA UM IMPORTANTE PROTAGONISTA NESSA PARTILHA. O ALUNO TEM DE SABER PENSAR JURIDICAMENTE, ESCREVER JURIDICAMENTE E FALAR JURIDICAMENTE.

Que adaptações têm sido levadas a cabo? O curso tem refletido a passagem do tempo, o incremento da exigência e a evolução das expectativas? O curso, quando se iniciou, estava bastante focado em cadeiras de gestão. Talvez pela tradição da escola. Pouco tempo depois, entendeu-se que esta não era a melhor via. Quando o curso foi reformulado, reforçaram-se as cadeiras vocacionadas para a área do direito, mas direito de solicitadoria. Assim sendo, integrámos, no plano curricular, disciplinas próprias para este tipo de conhecimento, com uma incidência muito forte na parte dos registos, notarial e também noutras matérias que a atualidade pede: tecnologia de informação aplicada à solicitadoria, CITIUS, GeoPredial, entre outras matérias. Apostamos sempre numa abordagem a pensar no desempenho final do solicitador. O que sublinha como aspetos diferenciadores do mesmo face aos outros existentes no país? Quais as vossas principais apostas? Aliás, tendo que descrever o curso e a formação que oferecem em apenas uma frase, o que diria? A nossa abordagem passa pelo seguinte princípio: estamos completamente adaptados ao processo de Bolonha e somos apologistas de que o aluno aprende fazendo. Aqui investimos imenso no trabalho autónomo, achamos que esse trabalho é uma mais-valia. Os alunos, desde o primeiro ano, têm que se dedicar à investigação e à pesquisa autónoma. A defesa

42

presencial dos trabalhos apresentados pelos alunos é muito importante para nós, quer na vertente de trabalho individual, quer coletivo. O aluno tem de fazer defesa presencial como prova do trabalho que desenvolveu. Através dessa defesa também conseguimos desenvolver aspetos como a oralidade. Na minha opinião, em algumas escolas existe pouca preocupação com a retórica, a argumentação, o saber estar numa apresentação, a postura que se deve ter. Entendemos que esta área é importante para o curso e para o futuro profissional dos nossos alunos. O Instituto mantém relações com instituições estrangeiras e favorece a mobilidade dos estudantes? Valorizam essa aposta no âmbito do ensino superior? A vertente da internacionalização faz parte do programa da escola. Temos um protocolo com uma universidade polaca, a Universidade de Lazarski, mas queremos aumentar o número de protocolos. Contudo, também temos apostado em protocolos nacionais: seja com instituições de ensino superior, seja com outras instituições (Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Instituto de Mediação e Arbitragem), bem como numa ligação muito forte à comunidade. Essa ligação faz com que exista o envolvimento de técnicos nas áreas jurídicas, na docência, sejam advogados, solicitadores, agentes de execução ou administradores de insolvência. Aliás, o histórico de experiência profissional, por parte dos professores da casa, confere ao curso uma importante e aliciante ponte com a prática.


INSTITUTO SUPERIOR DE ENTRE DOURO E VOUGA

A ESCOLA TEM SEMPRE COMO PONTO DE ENTENDIMENTO A ABERTURA À COMUNIDADE. O ISVOUGA QUER ESTAR ABERTO ÀS PARCERIAS, À COMUNIDADE FORENSE E NÃO FORENSE, QUER ESTAR LIGADO AO MUNICÍPIO E ÀREGIÃO. QUEREMOS MANTER ESSA PROXIMIDADE. EXISTE UMA GRANDE LIGAÇÃO COM AS INSTITUIÇÕES DA REGIÃO E QUEREMOS QUE ASSIM CONTINUE A SER.

E a adesão/procura da licenciatura tem registado progressos? Como consideram que a sociedade encara a profissão de solicitador? Nós sentimos que ainda existe algum preconceito em relação ao curso. Aqui não há parentes pobres nem parentes ricos. Aqui existem necessidades diferentes, objetivos diferentes, com exigências profissionais distintas, mas que depois serão complementares. O advogado tem um patamar de intervenção e o solicitador tem um espaço de atuação profissional distinto. E o público que vos procura já traz outra bagagem? Já conhece o papel do solicitador e do agente de execução? Sim. Essas pessoas já vêm identificadas com um projeto e sabem, exatamente, o que a escola vai oferecer. Mas, para aqueles que ainda não estão bem situados, nas aulas de apresentação eu explico, claramente, o que o curso tem para oferecer. E, falando em procura, esta é uma escola pequena, mas temos um número de alunos estável e a tendência é para aumentar. O mercado pede esse aumento e não existe nenhum motivo para que a escola não consiga corresponder a essa necessidade. Relativamente aos vossos alunos, como funciona a transição para o mercado de trabalho? A escola possui um serviço de integração e acompanhamento profissional para que o aluno não se sinta sozinho. Este serviço apoia muito o empreendedorismo. Temos, também, um novo projeto muito interessante: “Sou Solicitador! E agora?”. Trata-se de um projeto que explica ao aluno as condições de estágio, como são feitos os exames na Ordem e quais as saídas profissionais. Existem várias saídas profissionais e é preciso explicá-las. Temos um observatório a funcionar na escola que avalia os estágios profissionais disponíveis e a empregabilidade. Temos um plano de estágios individual que apresentamos às empresas. Também temos uma bolsa de emprego online e desenvolvemos a área do coaching. Ensinamos a elaborar

um currículo e a preparar uma entrevista de emprego. São vários pilares importantes para o aluno. Queremos romper com o método tradicional de ensino. Fomentamos o pensamento crítico do aluno. Queremos dar conhecimento sólido e de qualidade, mas queremos que o aluno seja um importante protagonista nessa partilha. O aluno tem de saber pensar juridicamente, escrever juridicamente e falar juridicamente. Queremos apostar no e-learning. Usamos já o moodle de uma maneira muito dinâmica. Procuramos uma articulação entre a vida académica e a judiciária. Daí termos visitas de estudo institucionalizadas, visitas aos tribunais e, a partir do segundo ano, os alunos assistem a audiências finais. Também a partir do segundo ano, incentivamos a contribuição dos alunos na nossa revista jurídica e na nossa newsletter. Como definiria as responsabilidades de uma instituição de ensino superior no contexto atual? O nosso maior objetivo é proporcionar, ao nível de conteúdos e metodologias de ensino-aprendizagem, uma formação com qualidade científica, técnica e ao nível de softskills, para que os diplomados possam ter um reconhecido desempenho enquanto solicitadores ou agentes de execução. Saber adequar os planos curriculares às necessidades de mercado é o caminho a percorrer para garantir a atualidade e pertinência da licenciatura e das ferramentas que proporcionamos aos nossos alunos. : :

Sollicitare 43


SOCIEDADE

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) “Nós, os povos das Nações Unidas, decididos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra (...) a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem (...) a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos (...) resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objetivos.” PREÂMBULO DA CARTA DA ONU

R Por Diana Andrade, Jurista

44

ecuemos todos ao ano de 1945. A Segunda Guerra Mundial acabava e o mundo vivia atemorizado com a ideia de reviver semelhante conflito. A Liga das Nações, idealizada em 1919, em Versalhes, local onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz, mostrara-se claramente ineficiente. E Franklin Roosevelt, Presidente dos EUA, equacionava a urgência de encontrar substituto para aquela instituição internacional. Foi assim que nasceu a Organização das Nações Unidas. A 26 de junho de 1945 assinava-se, em São Francisco, a Carta das Nações Unidas, organização intergovernamental criada com o propósito de promover a cooperação internacional. Mas só a 24 de outubro do mesmo ano a Carta entrou em vigor. Este dia é anualmente celebrado, em todo o mundo, como o Dia das Nações Unidas. Dez anos volvidos, já em 1955, Portugal era admitido como membro das Nações Unidas. A escassez de credenciais democráticas inviabilizara o nosso acesso aquando da criação da ONU e não foi fácil o percurso português nesta Organização. Só com a Revolução de 25 de abril de 1974, Portugal passou a ser considerado “bem comportado” ascendendo, mais tarde, a lugares de membro não permanente do Conselho de Segurança, com prestações de grande qualidade, sobre décadas de presença sempre muito profissional e competente. Sem dúvida que o nosso país tem motivos para sentir orgulho da sua conduta, ao longo destas seis décadas nas Nações Unidas. O objetivo da ONU é unir todas as nações do mundo em prol da paz e do desenvolvimento, com base nos princípios de justiça, dignidade humana e bem-estar. Por esse motivo o logótipo da ONU representa o mundo rodeado por ramos de oliveira, símbolo da paz. Aos países é conferida a oportunidade de tomar em consideração a interdependência à escala mundial e os interesses nacionais, na procura de soluções para os problemas internacionais.


Nova Iorque acolhe a sede da ONU, embora os edifícios sejam território internacional. Já a sede europeia localiza-se em Genebra. São utilizadas seis línguas oficiais – árabe, mandarim, castelhano, russo, francês e inglês – e seis são ainda os orgãos principais das Nações Unidas. A Assembleia Geral é o órgão deliberativo principal, o Conselho de Segurança decide determinadas resoluções de paz e segurança, o Conselho Económico e Social responsabiliza-se pelo auxílio na promoção da cooperação económica e social internacional, o Conselho de Tutela auxilia os territórios na constituição de governos próprios, o Secretariado presta serviços a outros órgãos da ONU e administra as políticas que os mesmos elaboram e, por fim, o Tribunal Internacional de Justiça funciona como órgão judicial principal. O Secretário-Geral das Nações Unidas, o mais alto funcionário da Organização das Nações Unidas, é também o chefe da Secretaria da ONU, cargo este ocupado desde 2007 pelo coreano Ban Ki-moon, no qual sucedeu a Kofi Annan. A Carta das Nações Unidas prevê ainda que cada órgão principal da ONU possa estabelecer várias agências especializadas para cumprir as suas funções. A maioria é conhecida pelas suas siglas, caso da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), da OMS (Organização Mundial da Saúde), do FMI (Fundo Monetário

Internacional) e da OIT (Organização lnternacional do Trabalho). Hoje, a ONU é composta por 193 estados, 51 considerados membros-fundadores, que reúnem em Assembleia Geral, podendo ser comparada a um parlamento mundial. Cada país tem um único voto, mas as decisões tomadas não são vinculativas, tornando-se apenas resoluções, com o peso inerente da opinião da comunidade internacional. Haverá sempre quem duvide do seu papel, mas a ONU já foi laureada com o Prémio Nobel da Paz, em 2001, sendo vista por muitos como absolutamente crucial no que se refere a manter a paz e a estimular o desenvolvimento humano. Certo é que já interveio em várias missões importantes, nomeadamente em Timor-Leste, na sua transição para a independência, no Congo, na preservação do território, na Serra Leoa, ajudando a estabilizá-la e a desarmá-la, e no Haiti, auxiliando na sua estabilização depois de golpe de estado. Pegando nas palavras de Kofi Annan “(...) todos estamos, mais do que nunca, no mesmo barco. Muitos dos problemas com que nos vemos confrontados são mundiais e exigem uma ação mundial, na qual todos os povos devem participar”. Ban Ki-moon continuará à frente da ONU até ao final do ano e o seu sucessor assume funções logo no primeiro dia de 2017. Desta vez, pode ser português. : :

Sollicitare 45


PROFISSÃO

A TECNOLOGIA AO SEU DISPOR

DOODLE, TEAMVIEWER E WETRANSFER Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e 2.º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

E

stá a ver aquele evento há muito esperado mas que não consegue organizar por não ser fácil conciliar a agenda de todos os participantes? Seja uma reunião, um almoço de trabalho, um jantar de amigos ou um jogo de futebol, já todos passámos pelo pesadelo que é compatibilizar horários, compromissos, vidas. Para resolver esse problema existem algumas ferramentas informáticas que poderão poupar-lhe anos de vida e permitir um agendamento suave e compatível com as disponibilidades de toda a gente. A nossa sugestão recai sobre o Doodle (www.doodle.com), uma ferramenta on-line com aplicação também disponível para Android e IOS, a qual lhe permitirá anunciar, a diversos participantes, as datas em que tem disponibilidade de agenda. A partir daí, cada um dos demais interessados fará o mesmo, ou seja, dirá quais as datas em que teria disponibilidade para participar no seu evento. Depois disso, o Doodle irá identificar as datas em que será possível fazer coincidir as agendas de todos. Por outro lado, se já tiver uma data fixa e pretender simplesmente saber quem pode comparecer nessa data, pode também criar o evento no Doodle para que as restantes pessoas apenas digam se têm, ou não, disponibilidade para participar. E se as funções básicas do Doodle ficam assim explicadas, falta ainda dizer que existem várias definições que podem ser associadas ao seu evento, como, por exemplo, número mínimo ou máximo de participantes, quem pode ver o evento, ou as hipóteses de resposta ao convite que lhes está a estender.

46


Para dar a conhecer, aos eventuais interessados, que criou o evento, pode, desde logo, associá-los no Doodle por e-mail (receberão essa informação por esta via) ou, simplesmente, criar um link para o Doodle do evento e partilhá-lo onde pretender (redes sociais, e-mail, etc.). Outro dos problemas comuns com o qual nos deparamos frequentemente é o de necessitar de aceder a um computador que não está próximo de nós e no qual estão arquivados documentos ou instalados certificados digitais. O TeamViewer (www.teamviewer.com) é um software gratuito para uso pessoal, que lhe permitirá aceder remotamente a dispositivos cujo código conheça ou lhe seja facultado. Isto porque, logo que tenha o TeamViewer instalado, ser-lhe-á facultado um código ID de acesso remoto e uma senha. Poderá usar esses dados para trabalhar à distância em dispositivos que conheça, auxiliar um colega num trabalho específico ou entrar naquela reunião que agendou no Doodle, sem ter de se deslocar até ao local onde está o dispositivo desejado. O site do TeamViewer refere ter mais de mil milhões de utilizadores registados e cerca de 30 mil downloads por hora. Números impressionantes mas plenamente justificados pela facilidade de utilização deste programa que, para além de tudo, tem um aspeto muito simples e agradável para o utilizador. E já que estamos a falar de trabalhar à distância, a última sugestão que aqui deixamos vai permitir a partilha de ficheiros ou pastas cujo tamanho está longe de poder ser enviado por e-mail. Para resolver este problema existem também várias

soluções, uma delas é, por exemplo, carregar a informação para uma cloud que permita a criação de pastas partilhadas e dar acesso, por um link ou e-mail, à pessoa a quem deseja enviar os documentos. Contudo, existe uma ferramenta especificamente desenhada para fazer o envio de ficheiros de grande dimensão. Na versão gratuita, o WeTransfer (www.wetransfer. com) permite-lhe enviar até 2 GB de informação para os contactos que desejar ou criar um link de acesso ao conteúdo que poderá partilhar com quem quiser. Tenha em atenção que a informação não fica para sempre armazenada no WeTransfer, pois o serviço é dirigido para o envio de informação e não para o seu armazenamento. Por isso, os ficheiros deverão ser descarregados pelo destinatário, no máximo, após 7 dias contados a partir da data do envio, visto que, depois disso, os mesmos serão eliminados da plataforma. A versão Plus tem a mesma função mas deixa enviar até 20 GB, ficando os ficheiros disponíveis por um período mais alargado de 4 semanas e garantindo ainda o armazenamento em cloud até 100 GB. Se tem vários ficheiros a enviar, a nossa sugestão é que os agrupe numa pasta comprimida para fazer um único envio. Pode agendar eventos on-line, pode trabalhar em computadores à distância e, até, enviar ficheiros de grandes dimensões ao mesmo tempo. Mas, atenção! Pode também continuar a ligar aos amigos para marcar aquele café sempre prometido e continuamente adiado, ir ter com os colegas para trabalharem juntos no mesmo computador e, até, fazer uma deslocação para entregar, em mãos, ficheiros gravados numa pen ou CD-ROM. A escolha é sua. : :

Sollicitare 47


BIBLIOTECAS JURÍDICAS

De número em número, de biblioteca em biblioteca. Queremos saber tudo sobre as Bibliotecas Jurídicas do nosso país. Vamos entrar, conhecer as caras e os espaços, bisbilhotar as prateleiras e as histórias. No fim e a cada Sollicitare, iremos partilhar consigo todos os detalhes.

ONDE MORAM OS LIVROS

Biblioteca Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria da Faculdade de Direito da Universidade do Porto Aqui cabem todos os saberes

A

Texto Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Biblioteca Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria vive numa casa com uma história longa e numa Universidade com uma história ainda maior. Esta biblioteca vive na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, uma das maiores do país. As marcas do tempo conferem a este espaço uma beleza ímpar que prende o olhar e obriga quem entra a não ousar desrespeitar a imponência e a solenidade. Aqui, o conhecimento está arrumado nas prateleiras mas, todos os dias, viaja nas mãos dos muitos que por aqui passam em busca de respostas ou de novas questões. E serão muitas as páginas que se poderão folhear nessa pesquisa: “O espólio desta biblioteca ronda as 40 mil obras de âmbito geral. Acumulamos, ainda, o fundo do Centro de Documentação Europeia – um fundo que teve uma importância enorme nos anos 80 com a adesão de Portugal à União Europeia”, conta Maria José Parreira, bibliotecária. Esta biblioteca, que iniciou a sua atividade em fevereiro de 1996, está aberta a docentes, discentes e à própria comunidade. Uma casa de todos que só cheia pode fazer sentido e continuar a crescer: “As nossas portas estão abertas a toda a comunidade envolvente". E, para isso, é necessário uma atualização constante que garanta que este espaço continuará a servir todos que aqui chegam. O investimento é grande, sim, mas, para Maria José Parreira, “tem sido possível manter a biblioteca atualizada”. Até porque esta faculdade tem, “desde praticamente o seu início, para além do curso de direito, um mestrado em criminologia, que depois também incluiu a licenciatura. Isto é um traço de distinção, tendo em conta que é este aspeto que nos leva a apostar bastante na área da criminologia”, explica a bibliotecária.

48


Sollicitare 49


BIBLIOTECA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO HORÁRIO NOS PERÍODOS LETIVOS: 2.ª a 6.ª feira das 9h00 às 20h00 E AGOSTO: 2.ª a 6.ª feira das 9h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30 RESTANTES PERÍODOS DE FÉRIAS ESCOLARES: 2.ª a 6.ª feira das 9h00 às 19h00 CONTACTOS: Serviços de Documentação F aculdade de Direito da Universidade do Porto, Rua dos Bragas, 223, 4050-123 Porto Piso 2 - Sala 13 (Receção) Email: sdfdup@direito.up.pt Tel:+351 222 041 653 / Fax:+351 222 041 654 Contudo, esta atualização, ditada pelas exigências que mudam a cada segundo, tem vindo a significar mais tecnologia. Maria José Parreira vê isto com bom olhos e garante, sem hesitações, que a tecnologia é um aliado e não um inimigo: “Com o desenvolvimento das tecnologias, existe sempre um bocadinho dessa nuvem que paira sobre as bibliotecas. Mas não, as bibliotecas não acabam. É evidente que têm de ter a capacidade de se adaptar às novas circunstâncias e às novas tecnologias. As bibliotecas precisam de saber retirar o melhor partido delas para desenvolverem a sua missão e chegarem a um público cada vez mais vasto. Eu acredito que as tecnologias são um aliado e é assim que têm de ser vistas. A coexistência dos vários suportes é uma realidade, mas temos de saber acompanhar os desenvolvimentos mais recentes sem esquecer, também, o que já existe”. Estamos perante um novo modelo de biblioteca que faz com que, muitas vezes, os utilizadores nem cheguem a entrar no espaço. As bibliotecas, hoje, desconhecem fronteiras. “Nós servimos leitores que não chegam a entrar nas instalações da própria biblioteca. Neste momento, todas as bibliotecas têm o serviço de empréstimo bibliotecário. Este serviço é importante para alguém que necessite de uma obra e que, por exemplo, se encontre numa universidade estrangeira. Temos protocolos com a Faculdade de Direito de Lisboa em que esses serviços acabam por ser gratuitos. Só assim é que se entende que a informação é de todos.”E para que todos estes serviços se tornem reais, existem rostos que sorriem a cada nova entrada, que acompanham os passos de quem chega para que todas as dúvidas possam ser antecipadas, que se despedem com um “até à próxima”. “Normalmente as pessoas entram nas bibliotecas e pensam que as pessoas que lá trabalham limitam-se a arrumar e a colar umas coisas nos livros, mas não. Existe imenso trabalho que envolve o tratamento da informação, torná-la disponível e, como costumo dizer, hoje a informação não está apenas em formato papel, transcende completamente essa vertente. Por exemplo, neste momento, uma das nossas tarefas é auxiliar na pesquisa de informação.” Assim, as bibliotecas

50

continuarão a evoluir com o mundo que tanto de si deixa naquelas estantes de madeira escura que acompanham os pisos. O suporte tecnológico já é uma realidade e precisa de ser arrumado, explorado, tal e qual um livro que está em cima de uma mesa. Constituída pelo resultante das normais aquisições e pelas doações pontuais, nomeadamente o Núcleo Pedro Veiga e o núcleo doado pelo Centro Internacional de Criminologia Comparada, Maria José Parreira assegura que “houve, também, o interesse em dotar a biblioteca de meios e recursos bibliográficos, seja em suporte papel ou eletrónico, bases de dados, publicações periódicas, etc. A biblioteca é um laboratório, por excelência. Temos um fundo bastante rico que nos permite responder às necessidades da comunidade envolvente, quer de outras instituições de ensino superior no âmbito do próprio direito, quer do resto da comunidade”. Já que se fala na vasta comunidade que a esta biblioteca pode recorrer, desengane-se quem acha que, por viver numa casa do direito, esta biblioteca vive só para ele: “Pela nossa própria localização, temos uma procura muito grande de profissionais da área do direito (advogados, juízes, solicitadores, agentes de execução, etc.), mas não só. Até porque o próprio curso de criminologia nos obriga a fazer imensas pontes com, por exemplo, a psicologia e a filosofia. Acabamos por ter, na própria biblioteca, áreas diversas, mas importantes para os interesses da investigação da faculdade”, esclarece Maria José Parreira. Vale a pena entrar e ficar onde os saberes se arrumam, se consultam, se transmitem, entrelaçam e multiplicam. Na Biblioteca Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria não se conhecem fronteiras, não se nega o futuro. Os novos desafios trouxeram novas formas de chegar a este espaço cujas paredes contam histórias. A possibilidade de, a qualquer hora, em qualquer local, qualquer pessoa poder folhear um livro num ecrã não representa uma ameaça. Representa, sim, o momento em que a Biblioteca abre ainda mais as suas portas, virando a página na certeza de aqui continuarem a caber todos os saberes. : :


FORMAÇÃO

PEPEX FORMAÇÃO E INFORMAÇÃO ALÉM-FRONTEIRAS O Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo, doravante designado por “PEPEX”, foi introduzido pela Lei n.º 32/2014, de 30 de maio, e regulamentado pela Portaria n.º 349/2015, de 13 de outubro. Este procedimento, ainda pouco conhecido na sociedade portuguesa, é um instrumento acessível a todos, cidadãos e empresas, e visa alcançar, com celeridade e custos reduzidos, uma justiça mais eficaz por forma a dinamizar e a estimular a economia portuguesa.

T

rata-se de um mecanismo extremamente inovador e sem paralelo, sequer, noutros ordenamentos jurídicos, que foi pensado e construído por iniciativa e sob proposta da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). Pretendia-se permitir a desjudicialização de um expediente, tendo como principal objetivo retirar dos tribunais processos em que o critério da eficácia temporal é manifesto e relativamente aos quais o sistema judiciário não consegue dar resposta atempada. O recurso a este procedimento pressupõe que o credor esteja munido de um título executivo que permita a aplicação sumária do processo comum de execução (processo no qual o despacho liminar e a citação prévia se encontram dispensados) e tem duas metas por excelência: – Por um lado, facultar ao credor a possibilidade de conhecer a situação patrimonial do devedor, de forma a permitir a ponderação e a avaliação do sucesso da propositura de uma ação executiva para pagamento de quantia certa, identificando a existência ou inexistência de bens penhoráveis numa fase prévia à da instauração da execução; – Por outro, possibilita-se ao credor a faculdade de preencher os requisitos de reembolso do IVA relativo aos créditos incobráveis, sem necessidade de recorrer aos tribunais para esse efeito. A tramitação deste procedimento é da exclusiva responsabilidade dos Agentes Execução que manifestaram interesse na sua adesão, não existindo, tendencialmente, intervenção judicial no âmbito do mesmo. Trata-se de mais uma nova competência conquistada para esta especialidade, pressupondo, porém, um rigoroso e aprofundado conhecimento técnico jurídico deste instituto. Com efeito, tratando-se de um procedimento extrajudicial, o Agente de Execução tem responsabilidades acrescidas, desde logo por a intervenção do juiz ser meramente residual, a qual pode ter lugar mediante impugnação judicial, por qualquer interessado.

Por Helena Bruto da Costa, Diretora do Departamento de Formação da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

De acordo com o regime anteriormente em vigor, não tendo os credores a possibilidade de cobrar os seus créditos, sem a consequente recuperação do IVA que antecipadamente haviam liquidado, e não obstante conhecerem, à partida, a inexistência de património do devedor suscetível de penhora, impunha-se-lhes o recurso à via judicial, através da propositura de uma ação, com os custos inerentes e que tinha como única e exclusiva finalidade obter, por esta via, certidão de incobrabilidade. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 32/2014, de 30 de maio, “A dívida referente à certidão é considerada incobrável para fins fiscais e comunicada à administração fiscal por via eletrónica, para efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 78.º e no n.º 4 do artigo 78.º – A do Código do IVA, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 394 – B/84, de 26 de dezembro, na redação atual, e no artigo 41.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442 – B/88, de 30 de novembro, na redação atual”. Na verdade, com o recurso ao PEPEX, o credor obtém aquela certidão por via extrajudicial, com uma celeridade muito superior (cerca de 30 dias) e custos consideravelmente reduzidos, sem sobrecarregar os tribunais, já de si assoberbados, com expedientes que de jurisdicional nada têm. Por se reconhecer a importância que esta nova competência representa para os associados e no sentido de os dotar de conhecimentos, tanto na ótica do Solicitador, como do Agente de Execução, a OSAE tem promovido dezenas de ações de formação com a adesão maciça destes profissionais. Além destas formações, encontra-se em curso uma campanha de sensibilização junto da comunidade em geral, com a organização de sessões informativas que os cidadãos, os mandatários, as empresas, as associações e outras entidades podem solicitar através do preenchimento de um formulário disponível em www.osae.pt . A OSAE conta com a colaboração e o empenho de todos os associados na divulgação deste instrumento junto da comunidade, designadamente de Solicitadores, Advogados, empresas, associações e outras entidades, no sentido de os sensibilizar para as vantagens deste procedimento. Temos consciência de que o conhecimento deste inovador expediente pelos técnicos do Direito e da comunidade é determinante para a boa aplicação do Direito e da Justiça, cabendo à OSAE, em geral, e aos Agentes de Execução, em particular, garantir o sucesso deste desafio. São indiscutíveis os relevantes benefícios e o impacto positivo que o PEPEX representa para a sociedade portuguesa como alavanca dinamizadora e de crescimento da nossa economia. : :

Sollicitare 51


PROFISSÃO

A IMPORTÂNCIA DO PROTOCOLO NA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO AS REGRAS E O CERIMONIAL COMO IMAGEM DE MARCA DA CLASSE Num mundo cada vez mais global, exigente e competitivo, a necessidade de know-how torna-se numa mais valia para a prática de todas as profissões, até mesmo a dos solicitadores e dos agentes de execução. Uma ferramenta diferenciadora ou uma competência específica podem distinguir um pequeno de um grande escritório e, graças a isso, atingir-se um patamar de excelência.

O

recurso às regras e boas práticas protocolares, adaptado à realidade da profissão de solicitador e de agente de execução, pode ser um catalisador de profissionalismo, de respeitabilidade e de reconhecimento. Desde o estágio, à realização de diligências, sem esquecer a relação com as instâncias judiciais e com os órgãos da própria Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução – todas estas etapas têm regras e códigos que, sendo conhecidos e bem utilizados, podem dar o retorno e o proveito pretendidos. Perseverança, garra, força de vontade, humildade, disponibilidade, gentileza e foco são vetores necessários que, aliados às regras de protocolo empresarial, redundam numa chave de sucesso. Fazendo a diferença, de facto, entre os profissionais! A primeira formação em imagem e protocolo empresarial, ministrada por mim no ano passado, tentou ir ao encontro da necessidade de sensibilização da classe para a importância do protocolo e do quão poderão os profissionais beneficiar, como um todo, do seu saber. Em termos práticos, passou por uma primeira abordagem ao conceito, à história e sua importância. Na verdade, regras de conduta e de estar em sociedade remontam a tempos passados e, ainda que vão evoluindo com o avançar dos séculos, a verdade é que a sua base, a boa comunicação e a regulação da relação entre pessoas são aspetos tão essenciais para a convivência humana como a existência do Código Civil ou do Código da Estrada. Numa segunda fase, foi aflorada a questão da diferenciação entre o que se pode denominar por protocolo interno e protocolo externo de um escritório. Ou seja, entre as

52

Por Sónia Costa Moura, Gabinete de Comunicação e Protocolo da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

normas existentes dentro do mesmo para os funcionários e colaboradores e as normas que regulam as relações com os seus clientes, colegas e demais entidades judiciais. O conhecimento ou, melhor, o reconhecimento e a aprendizagem, desde logo, destas regras, além de primarem por zelar pela boa imagem do profissional no mercado, dando-lhe um cunho, um nome reconhecido, marcam ainda o bom funcionamento do seu escritório e, em última instância, a evolução da sua carreira. E um bom escritório para ser credível e ter o reconhecimento devido tem que ser mas, também, parecer, tal como a mulher de César: “Não basta ser séria, tem que parecer séria!”. Foi ainda abordada e reforçada a questão da importância da imagem na atividade profissional. Sabemos que a primeira impressão é sempre a mais importante e que dificilmente se ultrapassa uma primeira impressão negativa. Ora, precisamente para potenciar a imagem como ferramenta na profissão, foi dedicado algum tempo a esta questão. A importância da imagem dos profissionais, em termos de vestuário e atitude, da sua forma de estar, de se relacionar, de falar e até de escrever, é algo que pode marcar definitivamente a conceção do escritório. E não basta “vestir a camisola”, dever-se-á ter em conta que camisola vestir! Uma reunião de trabalho que finalize com a concretização dos objetivos pretendidos depende, em grande medida, da imagem que o profissional passa aos seus interlocutores. E uma boa imagem é ter credibilidade que, aliada ao cumprimento de regras básicas de protocolo empresarial, redunda em reconhecimento e credibilidade na área profissional. Não basta deter conhecimentos,


é necessário transmitir a credibilização dos mesmos por meio do cumprimento de códigos, da imagem e de conduta.

na formação, as manifestações recebidas foram bastante positivas e, certamente, darão azo a uma nova edição da mesma.

“O protocolo continua intimamente ligado ao poder. É uma afirmação de poder e uma personificação do mesmo.”

“O que é digno de fazer-se, é digno de que se faça bem.”

Isabel Amaral Outro vetor relevante corresponde às situações concretas do quotidiano, que podem ir desde um simples almoço a uma mera reunião de trabalho. A necessidade de ser pontual, a escolha do vestuário, a escolha do restaurante, a forma de receber o cliente e de o encaminhar, a escolha da sala, os temas polémicos a evitar na conversa, entre outros. Todos os aspetos que compõem um momento, para terem o cunho de um verdadeiro passo para se firmar um negócio, devem causar a melhor impressão possível no cliente, sendo então necessário respeitar determinadas regras de protocolo empresarial.

“As ações falam mais alto do que as palavras.” Roger Axtell Finalmente, articulou-se a questão do protocolo empresarial com as novas tecnologias, as quais dominam o dia a dia de qualquer escritório. Do formalismo de outrora, emerge cada vez mais um informalismo tecnológico, ainda que com regras. Mas, em boa verdade, o solicitador ou o agente de execução estão à distância de um clique ou de um telefonema (telemóvel). E a lógica profissional, bem como as suas regras, também se viram forçadas a alterar o seu paradigma. “Nesta parte, a questão da utilização de páginas de internet e das redes sociais (que deve obedecer ao disposto no Regulamento de Publicidade e Imagem da OSAE), como ação de marketing do escritório, caso não haja cuidado na gestão de páginas pessoais e do seu conteúdo, pode facilmente descredibilizar as pessoas e as suas organizações”. Num outro prisma, pela importância cada vez maior que detém, surge a questão da criação da rede de contactos (networking) ou do marketing “boca a boca” e de como conciliar tudo isto com o protocolo empresarial. Saber potencializar a presença em determinados eventos ou ocasiões sociais como as formações na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, as Jornadas ou o Congresso. Mais, saber criar a nossa rede de contactos e saber retirar dela o devido proveito são mecanismos que advêm da própria utilização das normas de atuação que constam no protocolo empresarial. É dado adquirido que uma pessoa que marque uma reunião ou evento pela positiva, quer seja pela intervenção que fez, quer seja pela sua forma de se relacionar, será mais facilmente recordada do que alguém que ficou na penumbra e sem o chamado efeito “Tchanan!” ou carisma. Em suma, pontos-chave a reter em matéria de protocolo empresarial: Valores, Ética, Princípios, Regras, Comunicação, Credibilidade e, acima de tudo, Disponibilidade e Humildade. Em termos de feedback por parte dos senhores doutores presentes

Lorde Chestefield A própria Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução quis acompanhar esta tendência de imagem de marca de profissionalismo, ética, transparência e credibilidade dos seus profissionais e, assim, ficou consagrada, no seu novo Estatuto, a importância do Protocolo refletida em artigos dedicados em exclusivo à questão. Tomemos, como exemplo, a questão das precedências protocolares extremamente importante para a estruturação das cerimónias de abertura e de encerramento das nossas Jornadas e Congressos, sobretudo no contacto com a tutela ou demais entidades: Artigo 13.º Órgãos da Ordem 1 – São órgãos nacionais da Ordem: a) O congresso; b) A assembleia geral; c) A assembleia de representantes; d) O bastonário; e) O conselho superior; f) O conselho geral; g) O conselho fiscal; h) As assembleias de representantes dos colégios profissionais; i) Os conselhos profissionais. 2 – São órgãos regionais da Ordem: a) As assembleias regionais; b) Os conselhos regionais. 3 – São órgãos locais da Ordem: a) As assembleias distritais; b) As delegações distritais; c) Os delegados concelhios. 4 – A hierarquia protocolar dos titulares dos órgãos da Ordem é a seguinte: a) Bastonário; b) Presidente do conselho superior; c) Presidente da mesa da assembleia geral; d) Provedor; e) Presidente do conselho fiscal; f) Presidentes dos conselhos profissionais; g) Presidentes dos conselhos regionais; h) Presidente da mesa da assembleia de representantes; i) Presidentes das mesas das assembleias de representantes dos colégios profissionais; j) Presidentes das mesas das assembleias regionais; k) Presidentes das delegações distritais; l) Delegados concelhios.

Na verdade, nos últimos anos, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução tem recorrido, cada vez mais, às boas práticas protocolares e de cerimonial para a organização, coordenação e acompanhamento do bom desenrolar dos trabalhos aquando dos eventos nacionais. Já é reconhecida a imagem de marca da equipa da OSAE que em todos os eventos é mobilizada para que, com o seu profissionalismo e low profile, auxilie o bom decurso dos mesmos. Com a máxima “estando na sombra, mas não às escuras”, toda uma equipa multifacetada se organiza para estruturar, minuto a minuto, cada parte das Jornadas, Congressos, debates ou outros. Ainda recentemente, acolhemos a realização da reunião do Conselho Permanente da Union Internacionale des Huissiers de Justice, em maio deste ano. A OSAE disponibilizou o espaço e a equipa de apoio para a realização dos trabalhos e, mais uma vez, foram recebidos simpáticos elogios que eleva internacionalmente o bom nome da Ordem em matéria de imagem de profissionalismo e rigor. É essa a imagem que se pretende do todo e esse somos todos nós! : :

Sollicitare 53


REPORTAGEM

1 DE ABRIL DE 1976. É ESTA A DATA QUE CONSTA NA FOLHA QUE COMPROVA A INSCRIÇÃO DE MARIA AMÉLIA COSTA COMO SOLICITADORA PROVISIONÁRIA. UMA MULHER TALHADA PARA SER POR INTEIRO MESMO QUANDO A ÉPOCA AINDA IMPUNHA LIMITES. MAS, AO MESMO TEMPO, DONA DE UMA ELEGÂNCIA QUE SEMPRE A DISTINGUIU E DE UMA DELICADEZA QUE A TORNA INESQUECÍVEL. MARIA AMÉLIA COSTA CONQUISTOU UM LUGAR NA PROFISSÃO E NA VIDA DOS QUE COM ELA SE CRUZARAM. 54


REPORTAGEM SOBRE A VIDA E A CARREIRA DA SOLICITADORA

MARIA AMÉLIA COSTA

Uma vida cheia Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

Sollicitare 55


C

omeçou a trabalhar ainda muito jovem, ao lado do solicitador Rui Cunha, um profissional conceituado em Sintra. Mais tarde, completou o curso de solicitadoria e resolveu abrir o seu próprio escritório. Constrói uma carreira. A persistência e a dedicação que coloca em cada caso, o gosto e o prazer com que assume uma profissão que não conhece horários nem rotinas foram os fatores que impressionaram e contagiaram: "Eu sempre vivi muito perto da minha tia e, durante toda a vida, ela considerou-me como uma filha. (...) Eu segui a profissão porque ela me incentivou a isso. (...) Sou solicitadora por causa da minha tia Maria Amélia. A paixão com que a minha tia vivia a profissão também me marcou", conta Ana Paula Gomes da Costa, solicitadora e sobrinha de Maria Amélia. "Geralmente, todas as crianças têm uma referência e a minha tia era a minha. Sempre foi uma mulher muito generosa, de forte carácter, muito determinada e profissionalmente muito conceituada. Não há ninguém em Sintra que não diga que a Maria Amélia Costa era uma profissional de mão cheia. (...) Era uma mulher sabedora e que nunca fazia nada sem ter a certeza que o estava a fazer bem. Recordo-me que, no dia do meu exame, veio comigo a Lisboa e, ao longo do caminho, íamos a contar os prazos", acrescenta com um sorriso nostálgico e grato. O escritório foi mudando de morada mas os clientes iam com Maria Amélia. Por onde passava deixava o melhor cartão de visita: boas referências em viva voz e, sempre que possível, bons amigos. "Conheço a Sra. D. Maria Amélia desde o ano de 1980. Ela foi para o escritório do Dr. Vera Jardim e do Dr. Jorge Sampaio onde eu trabalhava. Desde aí, cimentámos uma relação de amizade muitíssimo sólida que perdura até hoje. A par dessa relação pessoal tivemos uma relação profissional intensa. Acompanhou-me em processos muito complexos e apaziguou os meus momentos de pânicos. Falamos de alguém extremamente competente mas, ao mesmo tempo, muito serena", descreve Maria de Lourdes da Silva, advogada, Vice-presidente da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e amiga de Maria Amélia Costa. A doçura e o rigor não se anulam numa pessoa que sempre conheceu os benefícios do equilíbrio. Algo corroborado por quem trabalhou ao seu lado. "A Maria Amélia é uma pessoa inteligente, que subiu a pulso. (...) Nunca se esquecia dos meus aniversários e sempre que vinha a Lisboa trazia travesseiros ou queijadas. Eu tentava retribuir, mas estava sempre em falta. É um grande símbolo dos solicitadores nacionais. Eu sou um dos felizes contemplados com a amizade da Maria Amélia. Aquilo que eu lhe devo é muito mais do que o que ela algum dia poderia pensar que me devia" – é a emoção de Jorge Sampaio, antigo Presidente da República e advogado, que pontua um discurso feito de memórias espontâneas e autênticas que espelham a personalidade de alguém que se quer guardar para sempre. José Vera Jardim, antigo Ministro da Justiça e advogado, também não teve dúvidas disso assim que a conheceu e a imagem que fica é a de uma mulher para

56

quem desistir não era uma opção a ponderar: "Eu cruzei-me, em primeiro lugar, com o solicitador Rui Cunha, com quem ela começou a trabalhar. Uma vez cheguei a dizer ao solicitador Rui Cunha que a Maria Amélia era o braço direito dele. Ele respondeu que não, que ela era o seu braço direito, mas também o seu braço esquerdo". Nunca chegava a horas, andava sempre cheia de pressa e era fã de noitadas dedicadas ao estudo e à busca de respostas, Maria Amélia não prometia o impossível. Mas tentava, o máximo possível, devolver uma solução a quem lhe trazia dilemas: "Ela acompanhou todo o meu percurso profissional e sempre que aceitei novos desafios na profissão, ela era das primeiras a saber. Quando tinha dúvidas e, mesmo sem as ter, nunca poderia deixar de ouvir a opinião da Sra. D. Maria Amélia. (...) Sempre me ensinou que, quando não sabemos, não inventamos. Era aquela pessoa que ajudava todos. Eu tive a sorte

de ter um contacto muito privilegiado com ela e de ter trabalhado durante toda a vida com ela", salienta Maria do Rosário Lopes, solicitadora que também encontrou em Maria Amélia Costa uma inspiração e uma amiga. "Do ponto de vista pessoal, ela é uma pessoa rara. Seja em termos de sensibilidade, generosidade ou amizade. Ela mostrou sempre uma imensa disponibilidade e não existiam obstáculos para ajudar alguém. Mesmo nas situações mais adversas, ela era calma e sedutora, ou seja, conseguia sempre ficar bem com as pessoas. E não perdia o rumo, sabia que tinha um objetivo e tinha de o cumprir", acrescenta Maria de Lourdes da Silva. E, neste contexto em que o trabalho deixa nascer a amizade, também Luís Santos, solicitador, recorda a colega e a amiga como alguém com quem partilhou um bom pedaço de vida. Aliás, no que diz respeito a esta capacidade de conquistar pessoas, Maria do Rosário Lopes conta que, numa repartição de finanças, os funcionários chegaram a escrever uma quadra para Maria Amélia Costa, na qual se eternizava, com sentido de humor, a célebre hora de chegada da solicitadora aos balcões de atendimento dos serviços: 15h45. Cativava as pessoas com uma palavra, um sorriso, um gesto: "Aparecia frequentemente e sempre tivemos uma relação muito boa, até porque era uma pessoa estudiosa e empenhada nos seus processos.


MARIA AMÉLIA COSTA

Levava sempre os processos até ao fim e interessava-se muito pelos problemas. Era uma Senhora. Aquela figura sempre bem apresentada...", recorda Fátima Calisto, ajudante principal na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra. Algo também relembrado por Elsa Vasques, funcionária pública dos Registos e Notariado: "Era muito jovem quando comecei a trabalhar na conservatória predial e, no início, atendia determinadas pessoas e, entre ela, uma pessoa que me marcou, que foi a Sra. D. Maria Amélia, pela sua educação e pela forma profissional com que sempre agiu. Ela conseguia conquistar as pessoas pelo seu aspeto doce, pelo bom trato, mesmo aos mais jovens, como eu. Aprendi muito com ela. Nunca teve qualquer tipo de prepotência, autoritarismo ou tendência de superioridade. Uma pessoa muito acessível e com um espírito muito jovem. A Sra. D. Maria Amélia Costa foi uma das melhores solicitadoras de Sintra".

de manhã de Lisboa, chegou lá à uma hora da tarde, almoçou comigo e voltou às seis da tarde para Lisboa. Foi apenas almoçar comigo e adorou", recorda a sobrinha com um sorriso aberto. Apreciadora dos pequenos prazeres, alimentou sempre o que realmente considerava importar: "Nós convivemos há cerca de 40 anos. Estudámos juntas. A sua persistência é muito relevante, é uma mulher muito dedicada à causa e eu vivi algumas com ela. Tenho imenso orgulho em ser amiga da Maria Amélia... Ela não abdicava do jantar de festa do meu aniversário. Mesmo que não desse jeito, não abdicava disso. Todos os anos, sem exceção", reforça Teodora Freire, amiga de Maria Amélia.

“SOU SOLICITADORA POR CAUSA DA MINHA TIA MARIA AMÉLIA. A PAIXÃO COM QUE A MINHA TIA VIVIA A PROFISSÃO TAMBÉM ME MARCOU. (…) GERALMENTE, TODAS AS CRIANÇAS TÊM UMA REFERÊNCIA E A MINHA TIA ERA A MINHA.” ANA PAULA GOMES DA COSTA

Só ela própria saberia em qual dos montes estaria o papel que procurava, odiava apresentar os honorários aos clientes e não dispensava o chá da tarde. "Uma mulher com bom gosto e sempre muito cuidadosa com a sua aparência. Gostava de ir a sítios bonitos, a concertos, de ir ao cinema, de bons restaurantes e adorava viajar. Quando surgiram os primeiros computadores ela foi tirar um curso de informática e adaptou-se muito bem. Era uma mulher moderna", partilha Ana Paula Gomes da Costa com a mesma expressão de admiração por uma mulher que, segundo Maria de Lourdes da Silva, tinha "gosto pela vida". Prova disso foi o dia em que resolveu ir almoçar a Bissau e regressar no mesmo dia: "Estive a viver durante dois anos na Guiné-Bissau e, na altura, abriu uma linha, de uma nova companhia aérea. Perguntei-lhe se me vinha visitar. A minha tia saiu

Entre pequenos e grandes momentos, o tempo é assim: deixa viver. Mas não avisa que, na vida, as repetições chamam-se recordações. O orgulho transborda das palavras carregadas de saudade. O tempo não volta atrás e só assim deixa perceber o valor de tudo que nele trouxe. Maria Amélia Costa foi, entre tanto mais, solicitadora por amor a uma profissão que obriga a viver com ânsia e sofreguidão. E, com amor, fez dos outros amigos. Marcou todos os que tiveram o privilégio de a encontrar. Tenha sido em casa, no escritório ou no balcão de atendimento de uma qualquer repartição pública. Quebrou barreiras, fez a vontade a si própria, conseguiu lá chegar, enchendo o tempo com o que queria viver e não deixando para trás todos os que consigo queria levar. Por tudo isto, é o "obrigado" que faz a vez de ponto final em cada testemunho que aqui se apresenta. : :

Sollicitare 57


OSAE

Com toda esta simplicidade se revela e descreve Coimbra, a sua beleza, naturalidade e a mística da academia, banhada, pelo único rio, genuinamente português, o Mondego, que testemunhou, de forma cúmplice, os trágicos amores de Pedro e Inês. A “Coimbra das canções”, capital do amor em Portugal e das serenatas monumentais, dos históricos festejos da Queima das Fitas, a Coimbra que tudo ensina porque “Coimbra é uma lição de sonho e tradição”, iluminada pela ténue luz que reflete do espelhado leito do Mondego, rumo à foz e onde “Só passa quem souber”.

CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA

UM NOVO COMEÇO Por José Luís Fonseca, Solicitador, Agente de Execução e Secretário do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

“Coimbra do Choupal Ainda é capital Do amor em Portugal Ainda. Coimbra, onde uma vez Com lágrima se fez A história dessa Inês Tão linda Coimbra das canções Tão meiga que nos pões Os nossos corações A nu. Coimbra dos doutores P’ra nós os teus cantores A fonte dos amores És tu. Coimbra é uma lição De sonho e tradição O lente é uma canção E a lua a faculdade O livro é uma mulher Só passa quem souber E aprende-se a dizer Saudade.” Letra de José Galhardo, do fado “Coimbra é uma lição”

58

É

nesta Coimbra que, precisamente 40 anos depois de ter sido extinta, através do Decreto-Lei n.º 483/76, de 19 de Junho, a Secção de Coimbra da Câmara dos Solicitadores, que havia sido criada pelo art.º 721.º, n.º 1 do Decreto-Lei 44278 de 14 de Abril de 1962, que aprovou o Estatuto Judiciário, acaba de nascer, e vai crescer, o mais novo Conselho Regional da, também recém-criada, Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e que resultou da transformação da Câmara dos Solicitadores. Tudo começou com um projecto de diploma do qual sempre resultou a firme certeza da criação do Conselho Regional de Coimbra, num contexto algo controverso de que, para os Conselhos Regionais, resultaria uma “perca” de algumas competências que, até aqui, lhes estavam acometidas, perdendo, ainda, algum protagonismo. Os textos e as sucessivas versões dos projectos de diploma foram acontecendo quando, em 14 de Setembro de 2015, através da Lei n.º 154/2015, é publicado, em Diário da República, o normativo através do qual a Câmara dos Solicitadores é transformada em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, sendo criado o Conselho Regional de Coimbra. No art.º 3.º, n.º 8, sob a epígrafe de “Disposições transitórias” é determinado que “O conselho geral, no prazo de 60 dias a contar da publicação da presente lei, deve constituir e regulamentar uma comissão instaladora do conselho regional de Coimbra, que promove a instalação dos respetivos órgãos.” Inesperadamente, para todos os membros que vêm a integrar a Comissão Instaladora, presidida por Cristina Ferreira, inicia-se um desafio cujo “tempo regulamentar e sem intervalos” seria de um máximo de 180 dias para escolher o edifício/sede desse mesmo Conselho Regional e dotá-lo de todos os


meios e instrumentos necessários ao normal dia-a-dia de um órgão regional segundo os novos “moldes” e regras, partindo da “estaca zero”. Envolto em grande pressão e agitação, com a total dedicação e incansável azáfama de todos os elementos da Comissão Instaladora, luta-se contra o tempo para que os prazos sejam cumpridos, decorrendo as intervenções no edifício/sede do Conselho Regional quase ininterruptamente, incluindo fins de semana e feriados, quase de sol a sol. PASSO SEGUINTE: INAUGURAÇÃO OFICIAL. Vivendo intensamente o aproximar da hora, olhar para trás era proibido, pois, como diz o velho ditado “... para a frente é que é caminho!”. Sob a égide da preocupação e do controlo milimétrico, começa a recepção aos convidados. Rapidamente o local fica “composto” e graças também à presença do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, do Procurador-Geral Distrital de Coimbra, do Juiz Presidente da Comarca de Coimbra, da representante da Câmara Municipal de Coimbra, do Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, do Director da Polícia Judiciária de Coimbra, do Director Distrital de Finanças, de Advogados, Solicitadores, Agentes de Execução, entre muitos outros convidados. Assim decorreu,

maravilhosamente, a 4 de Março de 2016, a cerimónia de inauguração do edifício/sede do Conselho Regional de Coimbra. Aos habituais discursos protocolares, seguiram-se momentos como aquele em que se descerrou a placa alusiva à inauguração do edifício e se entregou uma outra com que os membros que compõem a direcção do Conselho Regional de Coimbra da OSAE (Cristina Ferreira e José Luis Fonseca, ambos de Coimbra, Maria dos Anjos Fernandes, de Leiria, Carlos Almeida, de Viseu, e Amélia Saraiva, da Guarda) quiseram “mimar” o Bastonário. A cerimónia terminou com uma pequena serenata “especialmente oferecida” pelo grupo “Fadvocal”, constituindo assim, pelo seu todo, o ponto de partida para a desejada longa e próspera caminhada do mais novo Conselho Regional da nossa Ordem (que congrega os distritos de Coimbra, Leiria, Viseu, Guarda e Castelo Branco). O desafio foi lançado e os colegas aceitaram-no e enfrentaram-no. Agora, alimentam-no diariamente para que daqui a, quiçá, 40 anos se possa, finalmente, olhar para trás e dizer que o esforço valeu a pena. Recordando novamente o que o fado imortalizou: “O livro é uma mulher...”. E também para a história ficará que o cargo de primeiro Presidente do Conselho Regional de Coimbra (maioritariamente constituído por mulheres) foi assumido por uma mulher de nome Cristina Ferreira. : : Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico

Sollicitare 59


OSAE

A OSAE PELO PAÍS

AS INICIATIVAS PROMOVIDAS PELAS DELEGAÇÕES DISTRITAIS E CONCELHIAS AQUI RECORDAMOS ALGUMAS DAS ATIVIDADES PROMOVIDAS PELAS DELEGAÇÕES DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO (OSAE). CONTANDO COM O APOIO DOS ÓRGÃOS NACIONAIS E DOS CONSELHOS REGIONAIS, DE NORTE A SUL, TODAS DEMONSTRARAM O SEU ESPÍRITO DE INICIATIVA E VONTADE EM INCENTIVAR O CONVÍVIO E A PARTILHA DE EXPERIÊNCIAS E CONHECIMENTOS ENTRE ASSOCIADOS.

A

Delegação Distrital de Lisboa deu o mote e, na comemoração do Dia Internacional da Mulher, promoveu um colóquio subordinado ao tema “Liberdades e Direitos das Mulheres | Igualdade de Género”. Tendo decorrido na Biblioteca Daniel Lopes Cardoso, na sede da OSAE, em Lisboa, a 8 de março, nele participaram Edite Estrela, deputada, Diana Andringa, jornalista, e Irene Flunser Pimentel, historiadora. Em abril, no dia 15, também na Biblioteca Daniel Lopes Cardoso, foi a vez de debater “Europa, Terrorismo e Refugiados”. Também organizado pela Delegação Distrital de Lisboa, este colóquio contou com a presença de Francisco Seixas da Costa, embaixador, e de Felipe Pathé Duarte, professor universitário. No dia 6 de maio, ocorreu a primeira edição da iniciativa “Conversas à sexta com…” da autoria da Delegação Distrital de Braga. Nesta sessão inaugural, foram analisadas “As recentes alterações à tributação do património, ao CPT e à LGT introduzidas pelo Orçamento de Estado para 2016”. A mesma teve lugar nas instalações da Junta de União de Freguesias de Vila Nova de Famalicão e Calendário. Esta iniciativa, que juntou algumas dezenas de associados, contou com a participação de Fernando Moura. No mesmo mês, mas no dia 14, a Delegação Distrital de Castelo Brando promoveu um passeio pedestre à fraga de Água D’Alta, em Oleiros. Após este momento de lazer e confraternização entre os colegas, ocorreu ainda um almoço na zona e uma subida ao Miradouro do Mosqueiro. Chegado o dia 19 de maio, a Delegação Distrital de Lisboa organizou a primeira visita à Assembleia da República. Nesta visita, os associados ficaram a conhecer a vida da Casa da Democracia, tendo sido ainda recebidos pelo Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues. Como a adesão foi superior ao número de lugares disponíveis, realizou-se, a 29 de junho, uma segunda visita, a qual contou com a participação de mais de duas dezenas de associados.

60


Decorreu, nos dias 27, 28 e 29 de maio, a Expo Mortágua 2016, a qual contou com a participação da OSAE graças também à colaboração da Delegação Distrital de Viseu. Foi assim possível divulgar inúmeros projetos desenvolvidos pela OSAE e as várias áreas da intervenção dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. No final do mês de maio, dia 31, a Delegação Distrital de Lisboa promoveu uma viagem a Estrasburgo. Três dias durante os quais foi possível visitar o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assistir a uma audiência na Grand Chambre, almoçar no Salon Bleu (Palai de l’Europe), visitar a sala de hemiciclo da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, frequentar um workshop sobre o papel do Conselho da Europa no cenário político europeu e ainda visitar Riquewihr e Colmar. Tudo isto num ambiente marcado pelo convívio e pela boa disposição. O mês de junho começou com a Delegação Distrital do Alentejo a promover uma visita à Herdade das Servas, incluindo uma prova de vinhos e um almoço de convívio. Esta iniciativa, que decorreu no dia 4, em Estremoz, visou unir forças e criar momentos de confraternização, mas também de partilha de experiências. Já no dia 22 de junho, ocorreu um colóquio sobre “Justiça e Comunicação Social”. Promovido pela Delegação Distrital de Lisboa, este contou com as intervenções de João Soares, deputado, João Araújo, advogado, Francisco Teixeira da Mora, advogado, e Nuno Saraiva, antigo subdiretor do Diário de Notícias. Marcaram ainda presença António Russo Dias e Francisco Seixas da Costa, embaixadores, José Vera Jardim, antigo Ministro da Justiça, Maria de Lourdes da Silva, Vice-presidente da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, e Jorge Strecht Monteiro, advogado e ex-deputado. No arranque do mês de julho, a Delegação Distrital de Aveiro reuniu mais de três dezenas de associados num jantar de convívio que terá, certamente, sido o primeiro de muitos.

Posteriormente, foi a vez da Delegação Distrital de Viseu organizar um Jantar Debate “Conversas no páteo – Ética e Deontologia”, no dia 2 de julho. No âmbito deste evento, decorreu ainda a apresentação do livro “Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução ‘OSAE’ | Legislação Conexa”, da autoria de Cláudio Serra, membro do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores. No dia 8 de julho, as Delegações Concelhias de Almada, Seixal e Moita também promoveram um jantar convívio. Neste contexto, Aventino Lima, Vice-presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, explorou o tema “Novas Competências dos Solicitadores”. Neste mesmo dia, também a Delegação Distrital de Faro proporcionou aos seus associados um almoço de convívio. De seguida, a Delegação Distrital de Leiria organizou um convívio em Alcobaça. Tendo decorrido no dia 16 de julho, integrou também uma visita guiada ao Mosteiro da cidade e um almoço de confraternização. Já no dia 22 de julho, a cargo da Delegação Distrital de Braga, ocorreu mais uma edição de “Conversas à Sexta com…”. Esta, tendo contado com a participação de António Cardoso, solicitador, foi subordinada ao tema “Honorários do Solicitador”. Mais uma vez, ambicionou-se reforçar a divulgação de projetos como o GeoPredial, o PEPEX e o Leilão Eletrónico. Para terminar, referimos ainda a presença da OSAE na Exposição | Feira Agrícola, Comercial e Industrial de Cantanhede (EXPOFACIC), a qual decorreu entre os dias 28 de julho e 7 de agosto. Esta foi assegurada graças à colaboração da Delegação Distrital de Coimbra e da Delegação Concelhia de Cantanhede. O balanço não poderia ser mais positivo. Assim, torna-se essencial dar continuidade a atividades que mobilizam os associados, num espírito de confraternização e partilha de e saberes – algo que também tem servido o propósito de reforçar a identidade da OSAE por todo o país e junto de várias entidades e instituições. : :

Sollicitare 61


OSAE

À DISTÂNCIA DE UM E-MAIL Vivemos numa época marcada pelo rápido desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação, com acesso a redes e a mercados globais – algo que tem permitido avanços em múltiplos setores de atividade. De facto, as tecnologias de informação e comunicação são, reconhecidamente, uma das áreas do saber que mais têm registado desenvolvimentos nas últimas décadas, quer em termos de profundidade do conhecimento envolvido, quer no que diz respeito ao âmbito da sua aplicabilidade. A evolução registada trouxe vantagens inegáveis, designadamente a possibilidade de acesso simples e livre ao conhecimento, reduzindo custos de transporte e de transação, aumentando assim a eficiência económica, bem como a produtividade.

Por Olga Coelho, Divisão de Gestão e Apoio aos Associados da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

62

N

este contexto, a virtualidade organizacional surge como uma estratégia racional competitiva, em que o uso crescente das tecnologias de informação e comunicação tem vindo a possibilitar a emergência de um desenho de estratégias diferenciadas. Bem sabemos que a necessidade da comunicação está evidenciada no universo organizacional da atualidade. A interatividade é uma exigência dos tempos que correm. Porém, mais do que o simples intercâmbio de informações, busca-se a comunicação com eficiência, agilizando o processo decisório e a partilha de conhecimento. A comunicação eficiente nos limites da organização e até mesmo fora dela facilita as rotinas administrativas. Num cenário marcado pelo imediatismo, surge então a comunicação eletrónica enquanto meio de difusão de informações de maneira rápida, segura e em larga escala. Num contexto administrativo, vale ressaltar que o espaço físico que seria utilizado é ampliado pelo espaço digital, visto que a comunicação eletrónica possibilita o acesso e o envio de informações de locais diversos. Assim, perguntas, respostas, comunicações, solicitações, convocatórias, convites, divulgações, entre outros, podem ser solicitados ou enviados por meio eletrónico, facilitando e agilizando o desenvolvimento de determinadas atividades administrativas, encurtando distâncias e reduzindo o


tempo investido. Estas novas maneiras de comunicar obrigam ao uso dos documentos na forma digital, os quais podem ser acedidos a partir de qualquer computador que esteja conectado à internet. Algo que habilita sobremaneira o correio electrónico como ferramenta de intercâmbio de informações dentro das organizações, funcionando como garantia de agilização. Isto é, destinatário e remetente ficam a ganhar. A busca pela agilidade nas empresas vai na direção do tempo real, do instantâneo. As singularidades do correio eletrónico vêm ao encontro destas necessidades e superam expectativas, modificando as noções de tempo, espaço e, até mesmo, de hierarquia. A possibilidade de envio e receção imediatos assume-se como uma novidade que terá que ser absorvida pela organização, por forma a ser definido um percurso de melhoria do sistema de comunicação. Assim, o e-mail, enquanto um dos meios virtuais mais utilizado atualmente, acaba por reunir características das cartas, devido à sua modalidade escrita e por permitir o detalhe, mas também dos telefonemas, uma vez que assenta em princípios como a rapidez de envio e receção de informações. Perante isto, conclui-se que uma grande parcela das comunicações organizacionais acabará por ser garantida com base no e-mail. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução não poderá ser uma exceção: seja nas comunicações internas, seja nas comunicações externas com os seus associados, outras entidades e a sociedade em geral.

Torna-se então essencial saber explorar e tirar proveito desta ferramenta. Apostar na clareza e na objetividade assume-se como ponto de partida obrigatório. Temos tempo para pensar cada palavra, cada frase, pois estamos tranquilos quanto à rapidez do envio. Assim sendo, tiremos proveito dessa certeza. Para além deste ponto de partida, o e-mail consegue assegurar a transmissão de informação diversificada: imagens, ficheiros... Isto é, as ideias expressas poderão ser enriquecidas por anexos úteis como, por exemplo, um print screen (são tantas as vezes em que não conseguimos descrever o que vemos e em que daríamos tudo por termos ali ao lado a pessoa com quem estamos a falar). Não esquecendo ainda que responder ou reencaminhar um e-mail permite a partilha do histórico daquele assunto - uma mais-valia para quem pretende conhecer o contexto daquela troca de comunicações, perceber a evolução da discussão. Por fim mas não menos importante: um e-mail devidamente identificado pode cativar a leitura do destinatário e, ainda, ser uma ajuda preciosa naquele momento em que é mesmo preciso localizar a mensagem enviada referente a uma determinada matéria. Conscientes de que vivemos tempos em que os olhos estão colados aos smartphones e em que a existência de Wi-Fi pode ser critério de escolha do café que frequentamos, não menosprezemos os ganhos advindos desta evolução que, embora tecnológica, também pode ser humana desde que explorada nesse sentido .: :

Sollicitare 63


64


REPORTAGEM

A MARCHA Lisboa engalana-se e enche-se para as festas em honra de Santo António. O cheiro a sardinha assada percorre a capital, assim como milhares de pessoas. Em cada bairro, feito mar de gente (como sardinha em lata), ouvimos o famoso grito: ié ié ié, ‘o nosso bairro’ é que é! Mas todos os olhos estão postos numa só rua. Ou melhor, numa avenida: a da Liberdade. Local por onde vão desfilar todas as Marchas Populares. Até esta noite, em que Lisboa se veste a rigor e com muito brilho, o caminho é feito de esforço e dedicação. Neste número, fazemos a festa e espreitamos um ensaio da marcha vencedora da edição de 2015:

A MARCHA DO ALTO DO PINA.

É LINDA

M

Texto Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

as comecemos pelo óbvio, isto é, pelo início. E o início coincide com o dia 13 de junho. Do ano anterior, claro está. Aliás, de acordo com Pedro Jesus, Presidente da Direção do Ginásio do Alto do Pina, até se poderá dizer que tudo começa antes mesmo do fim da festa. “Começa muito antes de terminar o trabalho do ano anterior. Neste momento, já estamos a idealizar a marcha de 2017”. A noite de 12 para 13 é, para todos os envolvidos, a melhor altura do ano. “O bairro empenha-se neste projeto e sinto que é o principal orgulho e motivação destas pessoas”, conta Pedro Jesus. Este é o momento de mostrar ao país o orgulho de pertencer a um bairro. Algo reforçado pelas palavras de Rita Ramos, a desfilar pela marcha do Alto do Pina desde 1994: “É uma grande responsabilidade e as pessoas do bairro são o nosso grande júri. A satisfação deles é o nosso maior prémio”. Os treinos são diários e o trabalho é árduo. Mas estas pessoas fazem-no por amor ao seu bairro. De acordo com Marco Campos, desde 1989 a marchar pelo Alto do Pina, “é preciso uma grande força de vontade em representar o bairro. A maioria dos marchantes, por vezes, vêm para os ensaios sem ter jantado e vão ali para dentro com uma alegria e uma força enorme”. E são todas as pessoas do bairro que fazem a diferença na hora

Sollicitare 65


“A TRADIÇÃO ESTÁ NA MODA. AS MARCHAS ESTÃO NA MODA. NO ALTO DO PINA TEMOS JOVENS LINDÍSSIMOS. ISTO QUER DIZER QUE AS MARCHAS NÃO ESTÃO A MORRER, MAS SIM A RENASCER COM GENTE NOVA E COM VONTADE DE FAZER COISAS NOVAS”

de marchar pela Avenida. “Desde as que garantem a confeção dos figurinos, dos arcos, às pessoas que fornecem alimentação aos marchantes no dia da passagem, nos dias das atuações públicas. É um conjunto de pessoas muito vasto. São mais de 100 pessoas. Todas elas do bairro”, explica o presidente desta coletividade. Uma família muito grande, mas que tem sempre espaço para mais um. Que o diga o ensaiador desta marcha, Bruno Vidal: “O Alto do Pina é uma família e os que não são família é como se fossem. A mim acolheram-me muito bem e eu, que inicialmente queria viver esta experiência apenas por um ano, acabei por ficar porque gosto muito deles. (…) Eu sou da Margem Sul, do Vale da Amoreira. Um bairro pelo qual tenho muito amor. Em Lisboa não tinha um bairro. Desde o momento que aqui entrei, passei a ter um bairro do qual gosto muito”. E, por falar em família, também é algo que não falta nesta marcha. Começou em 1932 e, graças a uma paixão que passou de geração em geração, tem, nas suas prateleiras, diversos prémios polidos com orgulho. “Na nossa marcha, temos pais, filhos, netos, cunhados, primos, etc. Por exemplo, temos aqui 16 pessoas que pertencem à mesma família”, conta-nos Bruno Vidal. Marco Campos já marcha com o neto e Rita Ramos recebeu o ‘bichinho’ dos pais. Marchou grávida e as duas filhas já foram mascotes da Marcha do Alto do Pina. E, por falar em mascotes, a Andrya e o Santiago, sem esconderem o

66

entusiamo típico da infância, que rapidamente contagia quem está por perto, têm a coreografia bem ensaiada e o coração convicto: “Nós marchamos todos os dias pelo Alto do Pina para ganhar”. E quanto a nervos a descer a avenida? Eles – as mascotes – respondem em uníssono: não! É algo que nasce com eles. Algo que não se explica, mas que se sente. E muito. Eles agarram o que, dentro de dias, serão arcos. Elas acomodam as mãos à cintura. Cantam com a alma e de sorriso posto. O ensaiador vai dando indicações. Sobe até à varanda que lhe permite acompanhar o esquema por inteiro. Marca o ritmo. É um maestro sem batuta, mas que coordena emoções fortes e harmoniosas. Para quem os vê marchar pensa que ali estão pessoas que vivem daquela arte, mas não. “Quando aqui cheguei encontrei um conjunto de pessoas muito profissionais. Vêm para os ensaios e comportam-se como verdadeiros bailarinos. A organização de uma marcha já não é só aquela coisa de bairro, mas sim uma coisa muito séria. Os marchantes não recebem dinheiro, mas fazem-no com o mesmo brio e com o mesmo talento de bailarinos profissionais”, reforça o ensaiador desta marcha. Esta dedicação e este profissionalismo leva-os além-fronteiras: “Este ano fomos representar Portugal a Macau. É um orgulho enorme para todos eles terem a oportunidade de representar o bairro do Alto do Pina, mas também de representar Portugal. É uma situação que poucos têm o privilégio


de viver. Nós queremos montar o melhor espetáculo que conseguirmos. Se formos bem-sucedidos, sentimo-nos muito realizados e, se conseguirmos ganhar, é a cereja no topo do bolo. Estamos aqui para fazer um grande espetáculo nas Marchas de Lisboa. É esse o intuito do Alto do Pina”, afirma Pedro Jesus. E sim, estas são pessoas que trabalham durante o dia e que se dedicam às marchas no final de todos os dias. De acordo com Bruno Vidal, “não se sente a necessidade de mobilizar estas pessoas, porque todas elas fazem isso sozinhas. O Alto do Pina já era uma marcha campeã. Quando aqui cheguei, já tinha regras instituídas. Dei continuidade ao trabalho e trouxe algum do meu know-how, pois sou bailarino e ensaiador há 29 anos. Com muita abertura de espírito, estes marchantes têm tentado absorver toda a informação que lhes dou e, gradualmente, temos conseguido evoluir muito. Eu costumo dizer que eles seriam capazes de pisar qualquer palco nacional e as pessoas levantar-se-iam a bater palmas”. Pela Avenida, esses aplausos são efusivos, sentidos. Ao longo de todo o percurso, a apoiá-los, está uma claque com cerca de três mil pessoas. Um bairrismo dos tempos modernos. Sim, modernos. Para quem acha que esta é uma moda ultrapassada e que irá desaparecer com as novas gerações, aqui encontrará a resposta contrária e suportada por alicerces tão fortes quanto os braços que carregam os arcos feitos de cor e paixão. “A tradição está na moda. As marchas estão na moda. No Alto do

Pina temos jovens lindíssimos. Isto quer dizer que as marchas não estão a morrer, mas sim a renascer com gente nova e com vontade de fazer coisas novas”, explica o ensaiador da marcha do Alto do Pina. E explicar este sentimento, nem sempre é fácil: “Acredito que existam muitas pessoas que não compreendam o significado que isto tem, mas é mesmo um grande orgulho. Aquela noite é fantástica. Já ficámos em lugares muito baixos e sempre festejámos. O que interessa é participar e representar da melhor forma o nosso bairro”, relembra Rita Ramos. Este ritual termina já na madrugada de 13 de junho. Sejam ou não os vencedores. Até porque o mais importante já foi feito: representar o bairro. E se o primeiro lugar cair para os lados do Alto do Pina? Com que sentimento irão acordar no dia seguinte? “Geralmente, não acordamos, porque não chegamos a adormecer nessa noite. E se ganharmos… Então nem no dia 13, nem no dia 14. Ninguém dorme, continua tudo em festa!”, responde Marco Campos sem hesitações. O ensaio terminou perto da meia-noite. O cansaço não se escondia. Mas também não impunha um ponto final às conversas que se cruzavam à porta do espaço onde se treinou ao som do sonho que todos os anos sai à rua para marchar. Entre memórias, dicas e muitos planos para uma noite que será sempre de festa, as despedidas são rápidas. Afinal, no dia seguinte cá estarão. A marchar por um bairro na direção da Avenida onde Lisboa se encontrará naquela noite. : :

Sollicitare 67


SUGESTÕES

PORTUGAL, UM PALCO À BEIRA-MAR PLANTADO COM A CHEGADA DO VERÃO, DE NORTE A SUL E ATÉ ÀS ILHAS, O TERRITÓRIO PORTUGUÊS TRANSFORMA-SE NUM ENORME PALCO MUSICAL. “FESTIVAL”, DO LATIM “FESTIVUS”, DESIGNA O QUE SE PRETENDE QUE SEJA UMA GRANDE FESTA. AQUI A MÚSICA É A GRANDE ANFITRIÃ, OS CONVIDADOS VÊM DOS QUATRO CANTOS DO MUNDO, O CATERING É DIVERSIFICADO E HÁ SEMPRE ESPAÇO PARA UM PEZINHO DE DANÇA. OPÇÕES NÃO FALTAM, CONSOANTE O GOSTO, O CREDO, A CARTEIRA E A LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA. O QUE FALTAM SÃO MESMO DESCULPAS PARA FICAR EM CASA!

68

Por Cláudia Cruz, Projeto “Cobrança de Caixa de Compensações” da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução


A norte, saindo de Caminha, Vilar de Mouros é palco do mais antigo festival de Portugal, que, em 2016, regressou em força com Echo & The Bunnymen, Tindersticks, The Legendary Tigerman, Linda Martini, Blasted Mechanism, David Fonseca, António Azambujo e Tiago Bettencourt. No paraíso dos festivaleiros, o anfiteatro natural de Paredes de Coura recebeu o enorme The Tallest Man On Earth, Chvrches pela segunda vez, Unknown Mortal Orchestra e os norte-americanos Portugal, The Man. Viana do Castelo deu-nos o NeoPop Festival e os portugueses Killimanjaro no Sonic Blast Moledo em agosto. No distrito de Braga, houve Milhões de Festa em Barcelos, o Barco Rock Fest na margem do rio Ave, perto de Guimarães, e Rodellus, na cidade dos arcebispos, com destaque para os leirienses Los Waves. Na invicta, esperamos que tenha feito das tripas coração e que se tenha deixado sequestrar pela experiência arrebatadora que o Amplifest garantiu. Se atravessou o rio junto à Serra do Pilar, deverá ter tido cuidado com o MEO Marés Vivas por onde flutuaram Elton John, James, Beth Orton e o pai do rock’n’roll português Rui Veloso. No início de julho os raios ultras sónicos do EDP Beach Party fizeram-se sentir em Matosinhos e os do Sound Waves em Ovar para encerrar o mês. A Trás-os-Montes chegou, ao preço da chuva, o marcadamente português Rock Nordeste com Linda Martini, Noiserv, B Fachada, Best Youth, Paus e Orelha Negra. Moonspell e Regula atuaram no Carviçais Rock em Torre de Moncorvo. Por fim, uma “interseção cósmica” aconteceu em Penafiel, no Ignition, nos dias 15 e 16 de julho. No centro do país, em Montemor-o-Velho houve Festival Forte e, em Leiria, a festa foi EntreMuralhas. Por Tomar, em Cem Soldos, tudo foram Bons Sons com o eterno Jorge Palma e os contagiantes Birds Are Indie. Até setembro, ao sábado e ao domingo, deu para curtir os finais de tarde nos jardins da cidade lisboeta com os ritmos jazz e “out of jazz” proporcionados pela décima edição do MEO Outjazz. A entrada é livre, mas aconselhamos a, numa próxima edição, levar alguns trocos para provar as iguarias dos vendedores ambulantes de comida. Se guardou todos os seus trocos e todas as suas forças para um grande festival, ainda bem que ficou por Lisboa.

Pixies, Radiohead, Arcade Fire foram os três cabeças de cartaz do colossal NOS Alive, ali em Algés. Por lá, ainda se juntaram os índios do rock para adorar Tame Impala, Foals e Band of Horses. Também à beira-rio, mas no fim de semana seguinte, Iggy Pop, The National, Massive Attack, Disclosure, Kendrick Lamar, Bloc Party, Mac Demarco, entre outros, distribuíram-se pelos palcos do SuperBock SuperRock para fazer abanar o Parque das Nações. Em Oeiras, Seal, Jill Scott, The Cinematic Orchestra, Marisa Monte e Nouvelle Vague iluminaram o EDP Cool Jazz e, na outra margem, o Sol da Caparica aqueceu as noites de 11 a 14 de agosto com a brasa dos Deolinda, Áurea, Mão Morta, Ana Moura, Rui Veloso, Orelha Negra e The Gift. Antes da roadtrip pela costa vicentina e algarvia, em Portalegre houve Andanças e o Festival do Crato foi de grandes duplas: Matt Simons & Frankie Chavez, António Zambujo & Miguel Araújo, Richie Campbell & Anthony B. “Felicidade, felicidade seria colar no show” do Seu Jorge na Zambujeira do Mar. E foi mesmo, juntamente com Steve Aoki e James Morrison que compuseram o cartaz do badalado MEO Sudoeste. Já por Sines, de 22 a 30 de julho, houve Festival de Músicas do Mundo, com os brasileiros Graveola e o português Filho da Mãe. Nos dias 22 e 23 de julho foi a vez do Funchal não ficar indiferente à irreverência e pedalada de Da Chick e ainda de Orelha Negra e Richie Campbell, no NOS Summer Opening. Ao arquipélago dos Açores, a Maré de Agosto chegou a 18 do mesmo mês, levando Carminho e Fuel Fandango à Ilha de Santa Maria, enquanto Linda Martini, Leonor Andrade, Mundo Segundo & Sam the Kid partilham o palco do Monte Verde Festival, na Ilha de São Miguel, com os também latinos Guanos Apes e Gabriel, o Pensador. Este foi o balanço de mais um verão de festivais. Se não teve oportunidade de ser festivaleiro em 2016, estamos certos que, em 2017, a dose se repetirá. Não se esqueça do protetor solar, da garrafinha de água, da merenda, do casaquinho, do periquito… Ou, então, esqueça! Esqueça-se de tudo. É que esta vida são três dias e são de festival! Do bilhete é que não convém… : :

Sollicitare 69


REPORTAGEM

PROJETO

A BRINCAR... MAS A SÉRIO. Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

A porta pintada a cores vivas convida a entrar. Há alegria nos seus contornos, vontade de bem receber, de abraçar com sorrisos. Junto à entrada do Chapitô assiste-se ao reboliço do entra e sai. Toca-se à campainha. Aguarda-se. Já lá dentro, consegue-se perceber que há algo de diferente, de especial naquele espaço. Ouve-se a madeira ranger a cada degrau pisado e o olhar vai tentando arquivar todos os detalhes que, graças ao talento dos que dão alma a este projeto, acabam por se transformar em manifestações de arte. É isso que faz deste local algo único: tem arte dentro, arte que se faz com as mãos dos que constroem sonhos que se renovam. “Sonho, trabalho e ousadia. São instrumentos e, ao mesmo tempo, valores. Instrumentos e valores circenses. Sonho para convocar outras realidades, projetando-nos em superação de nós mesmos, enfrentando as limitações e os impossíveis. Trabalho, persistência, obstinação. Trabalho feito de muitas vontades, trabalho tecido a muitas mãos. Trabalho como energia fundamental que nos liberta dos grilhões do ego e nos adianta a humanidade em nós e abre a oportunidade a tantos outros. E ousadia. A ousadia de ser diferente, reinventando o ânimo, para evitar a perversidade instalada no mundo, contrariando o cinzentismo monolítico dos poderes instituídos. Ousadia de opor o riso, a arte e o humor ao despotismo arbitrário dos ‘donos disto tudo’, quaisquer que sejam as máscaras e as roupagens que usam”. São as palavras de

Teresa Ricou, a mulher que sonhou e deu vida a um projeto que, todos os dias, pede trabalho e ousadia para continuar a entrar em palco ou na pista de circo.

70


Sollicitare 71


L

igado a Lisboa, o Chapitô mora perto do Castelo e oferece vista privilegiada sobre a beleza de um país que inspira pela diversidade. “É mesmo esta circularidade acolhedora de criar um espaço e um tempo onde todos podemos, com determinação, ser pessoas com mais qualidade. Aqui, a arte é o pretexto, o texto e o contexto. E, no Chapitô, as artes circenses são a matriz com que cerzimos as zonas de fragilidade que nos constituem, procurando, pelo diálogo, pelo rigor nos processos, pelo design inclusivo dos percursos, pela pluralidade das abordagens, assumir cada jovem, cada cidadão, na sua plenitude de possibilidades”. E nada, nem ninguém, se põe de lado nesta busca incessante que torna os dias curtos e cheios: “Os dias no Chapitô não são medíveis. O tempo é o que com ele fazemos! Aqui não há dispêndio de tempo como não há desperdício de materiais. Reciclamos, reutilizamos, recriamos, esticamos o tempo das coisas e ganhamos tempo para as pessoas. Porque aqui trabalhamos muito, os dias medem-se pela paixão que pomos na construção de um mundo mais justo, com mais arte, com mais beleza e mais partilha”. Neste passeio por espaços e tempos, vão surgindo pedaços de vida que crescem em vasos, trazendo cores vibrantes. Os sonhos também são assim. Crescem, trazem cor. O Chapitô começou num sonho com raízes fortes. “Esta é a história de uma mulher que, por artes da labuta dia a dia, transformou a artista de circo, Palhaço, em muitos atores sociais, na vida do palco, do circo, do mundo das artes e dos ofícios do espetáculo. Desbravou caminhos, abriu portas, saltou por cima das emoções e pôs-se a caminho, passo a passo, na construção de alternativas às vidas de tantos jovens. Quanto à minha carreira artística nunca me levei muito a sério, mas fui determinada ao escolher esta profissão, e fi-lo com convicção. (...) Orgulho-me do que fiz, de ter contribuído para o país, com um projeto de uma casa de muitas culturas, para gente muito diversa, abarcando várias vertentes: social, cultural, formação e economia social, sem esquecer o contexto de turismo cultural”, confessa a construtora, operária desta casa que não se tem cansado de conquistar aplausos efusivos: "A maior parte dos nossos alunos que pretende continuar estudos no âmbito das artes circenses é muito bem recebida nas Escolas de Circo da Europa, sinal do reconhecimento da qualidade formativa no Chapitô. A grande dificuldade são as realidades financeiras tão díspares entre Portugal e os parceiros europeus”. A visita continua. Na esplanada, repleta de apreciadores de dias de sol e céu azul, ouvem-se risos e acontecem malabarismos para um público improvisado. Este é um espaço de inclusão. Contudo, Portugal nem sempre o soube compreender, nem sempre soube cuidar das artes circenses: “Em Portugal, só passadas mais de três décadas de entrega a esta obra, se começa a olhar, a reconhecer e a valorizar uma arte com tanta história. O circo tem sabido, histórica e culturalmente, reinventar-se. Como espetáculo total, como arte de síntese de muitas

72


PROJETO CHAPITÔ

artes, na contemporaneidade do circo convivem a dimensão mais tradicional dos exercícios circenses com a dramaturgia, a cenografia e onde o risco deseja a fisicalidade mais arrojada e radical do mundo das artes performativas”. Representando o dia a dia de tantos, o circo ambiciona “fazer das nossas vidas uma obra de arte, uma festa partilhada que nos arranca do ensimesmamento, nos puxa para a luz e nos faz sair da rotina da vida ‘ensombrada’”. O palhaço, de nariz vermelho, cara pintada e jeito trapalhão, ajuda a ver de outra forma, conduzindo o coração e, tantas vezes, sem recorrer a palavras. “Se entendermos um embaixador como aquele que aproxima gentes, dilui fronteiras e desafia sinergias, o palhaço é bem a personagem matricial do circo. Nele se fundem todos os opostos complementares com que nos fazemos humanos: a infância e o estado de adulto, a destreza e o flop, a alta magia e a fanfarronice, o riso e o choro, o medo e a coragem, a bondade, inteligência, a riqueza e a pobreza, o sonho e a realidade, numa mistura paradoxal que nos aproxima todos, e sempre, da figura do palhaço”, diz Teresa Ricou. “Com a inteligência de quem escuta o mundo”, o palhaço, enquanto figura humana, transporta qualquer um para o centro da caricatura, permitindo o saudável exercício que é rir de si próprio. “Sempre assumimos a arte em geral, e as artes circenses em particular, como instrumentos para mudar destinos e mudar o mundo.” Já na oficina de reciclagem, entre materiais diversos e objetos sem aparente utilidade, tudo parece possível. Um candeeiro com uma base feita de livros, cadeiras com braços que não o eram, carrinhos feitos de pedaços de tantas coisas, óculos que deixam ser o que não se é. Sobre estas bancadas é talhada a melhor metáfora para resumir a intenção que move este projeto que forma profissionais e pessoas: reconstruir sentidos. “No Chapitô, a dimensão cívica e a solidariedade estão de mãos dadas com a arte, a formação e a cultura. (...) Aqui percebemos bem, pela vivência, que a arte está no palco, mas também no processo formativo, no treino, na escuta, na solidariedade, na inclusão, na mundanidade e no olhar cosmopolita que cultivamos, no perfume das aromáticas que crescem nos nossos canteiros utilitários, no pôr-do-sol com o Tejo em fundo, no olhar sem sombras das nossas crianças, numa vida que se emancipa, no riso prazeroso da amizade, na exigência constante com a qualidade de vida, sem ostentação, no diálogo entre todos", partilha. Sem cortinas nem holofotes, o espetáculo que é o mundo de todos os dias acontece para quem o quer ver, sentir e viver. Antes de se seguir caminho em direção à saída, Teresa Ricou elogia as alfaces que crescem num dos canteiros utilitários. Bonitas, viçosas, erguidas ao sol. E é com os olhos cheios de brilho e orgulho que afirma, sem a sombra da hesitação: "Este presente, e tantos outros, que são hoje o Chapitô já reivindicam, no seu âmago, todos os futuros. O projeto que construímos sobreviverá porque o mundo o exige". A porta colorida volta a fechar. Mas agora com uma certeza: neste sítio onde cabe o mundo as portas só existem porque todos têm a chave para as abrir! : :

Sollicitare 73


PROFISSÃO

Texto José Onofre \ Ilustrações Samuel Sousa

74


Sollicitare 75


76


SOCIEDADE

COMUNIDADE VIDA E PAZ

Sob um telhado de amor TUDO COMEÇOU SEM UM “ERA UMA VEZ”. FOI HÁ 27 ANOS, QUANDO UM GRUPO, LIDERADO PELA IRMÃ MARIA GONÇALVES, DECIDIU FAZER ALGO MAIS. NA VERDADE, TUDO COMEÇOU NUM JANTAR DE NATAL “DIFERENTE” QUE ORGANIZARAM PARA OS SEM-ABRIGO. “RECOLHERAM UMA SÉRIE DE BENS E FORAM DISTRIBUIR PARA A RUA”, CONTA HENRIQUE JOAQUIM, PRESIDENTE DA COMUNIDADE VIDA E PAZ. FOI ASSIM QUE COMEÇOU UMA CAMINHADA FEITA DE PEQUENOS PASSOS. ATÉ ONDE DESEJAM CHEGAR? “AO DIA EM QUE O QUE FAZEMOS DEIXARÁ DE SER NECESSÁRIO”. Texto Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

A

missão desta instituição, como nos explica o presidente da mesma, é tirar as pessoas da rua. “Usamos a refeição de Natal como estratégia para chegarmos a uma relação mais próxima com sem-abrigo e essa relação é o fator chave para os conseguirmos tirar desta situação”. Perante estes casos, não basta ir entregar comida à rua, é essencial que os voluntários “criem uma relação de compromisso com as pessoas para que a mudança seja mais fácil”. E assim tem sido ao longo de mais de 25 anos. Mais de um quarto de século de trabalho só é possível porque existem pessoas que doam o seu tempo. “O número de equipas foi crescendo conforme as necessidades para a cobertura da cidade. Neste momento, temos quatro equipas na rua todas as noites na rua. 365 dias. Para nós, não há feriados, não há verões, nem invernos, não há férias”. Todas estas pessoas estão devidamente organizadas e existe um planeamento muito rigoroso para que nada falhe e, mais importante, para que ninguém deixe de ser ajudado, para que ninguém passe por mais uma desilusão. “Cada equipa tem um coordenador e um subcoordenador, é composta por sete ou oito elementos e sai de 15 em 15 dias. Estes coordenadores são geridos por coordenadores gerais que são profissionais, trabalham aqui a tempo inteiro. São quem tem de gerir todos os voluntários, para termos as pessoas motivadas e informadas que consigam ajudar da melhor forma os sem-abrigo”, explica Henrique Joaquim.

Sollicitare 77


Esta missão tão humana conta agora com uma nova ajuda: a da tecnologia. Foi desenvolvida, em Portugal, uma aplicação informática que, conforme descreve Henrique Joaquim, “permite saber quem são os voluntários, gerir a assiduidade das equipas de rua e perceber em que dia estarão na rua e em que local. Permite, ainda, georreferenciar todas as pessoas em situação de sem-abrigo através do Google Maps. Conseguimos dizer o local onde a pessoa foi encontrada, onde vive agora, a que horas, em que dia, etc.”. Contudo e para além das ajudas tecnológicas, é preciso não esquecer que a Comunidade Vida e Paz não age sozinha, tornando-se assim fundamental organizar a ação das várias instituições existentes que partilham áreas de intervenção: “Existem muitas organizações a ajudar. Não acho que seja uma competição, mas é um bom problema. O mau problema seria ter as pessoas na rua e não existir ninguém para as ajudar. Por exemplo, em Lisboa faz falta uma estratégia de comunicação assertiva. Se formos a um local e percebermos que já lá está outra organização, não incomodamos o trabalho deles e seguimos para outro local. Posteriormente, voltamos a esse local para ver se estão lá as pessoas que acompanhamos. Isto acontece porque a força da dádiva é muito grande. Somos uma sociedade solidária”, sublinha. Sendo o drama dos sem-abrigo nas grandes cidades, este tem assumido uma tendência crescente preocupante. São perfis diferentes, situações complexas. Novas pessoas a cada rua ou vão de escada. “No centro da cidade, o perfil dos sem-abrigo tem sofrido alterações, pois a maior parte das pessoas tem entre 30 e 40 anos. Existem muitos casos de dependência do álcool e acumulam-se situações de doença mental. A questão da toxicodependência é mais frequente na periferia das cidades”. Mas porquê? É a questão que subsiste quando tentamos compreender o percurso de alguém que não encontrou uma alternativa.

78

“SÃO EXPERIÊNCIAS EMOCIONALMENTE MUITO FORTES. DEPARAMO-NOS COM O LIMITE DO SER HUMANO. OUVIR FALAR DO TRABALHO DAS EQUIPAS DE RUA É COMPLETAMENTE DIFERENTE DE PARTICIPAR NUMA DESSAS EQUIPAS. ISTO MEXE MUITO COM A NOSSA VIDA E COM A FORMA COMO A ENCARAMOS”.

As razões são muitas e muito diferentes. Desde a dependência a fatores económicos ou, até mesmo, conflitos familiares. Todas elas podem culminar numa situação de sem-abrigo. A Comunidade Vida e Paz trabalha para auxiliar na “reconstrução do sentido da vida”, seja das pessoas que ajuda, seja de todos aqueles que quiseram aceitar esta missão: “São experiências emocionalmente muito fortes. Deparamo-nos com o limite do ser humano. Ouvir falar do trabalho das equipas de rua é completamente diferente de participar numa dessas equipas. Isto mexe muito com a nossa vida e com a forma como a encaramos”. E os que ajudam uma vez ficam durante muito tempo ligadas a este projeto. “O normal é termos voluntários que ficam connosco durante três, quatro ou cinco anos. Mas existem exceções. Temos pessoas na comunidade há 18 ou 19 anos, voluntários que estão connosco desde a origem desta instituição.” É verdade. Tudo começou no jantar de Natal. Passados 27 anos desde o primeiro, este é um dos pilares da Comunidade Vida e Paz: o convívio. “Queremos criar um espaço de confiança que permita a mudança. As pessoas que entram ali, completamente andrajosas, podem sair dali diferentes, renovadas. A festa é totalmente auto-financiada por entidades privadas. Por exemplo, a Câmara Municipal de Lisboa empresta os autocarros para ir buscar as pessoas, na cantina, fazemos o rastreio dentário e, em


COMUNIDADE VIDA E PAZ

caso de necessidade, o exército transporta as pessoas à faculdade de medicina dentária para fazer o tratamento. Até o cartão de cidadão podem fazer”, esclarece o Presidente desta instituição que não distribui apenas bens alimentares ou vestuário. Para quem constrói uma casa improvisada sobre a calçada ou um banco de jardim, com caixotes e cobertores que arrasta como sendo tudo que existe, todas as noites podem ser frias, independentemente da temperatura. E só uma palavra, um gesto, um “como se sente hoje?” podem fazer a diferença e, quiçá, permitir que a noite seguinte seja passada sob um telhado feito de amor e futuro. Mas muito mudou. Até o apoio que recebem mudou nestes 27 anos. “Temos empresas que nos dizem que têm um donativo de 15 mil euros para oferecer e que querem saber em que áreas o vamos aplicar e qual o resultado da ajuda, porque têm 50 instituições a pedir. É uma obrigação nossa esclarecer estas questões. A transparência é uma obrigação e uma responsabilidade das instituições. Cada vez mais as pessoas gostam de ajudar e de perceber como estão a ajudar. E ainda recebo cartas, com notas de cinco euros, que me deixam em lágrimas. Pessoas que enviam esse dinheiro e que pedem desculpa por não darem mais.” Estes donativos permitiram a realização de vários sonhos: “Conseguimos financiamento para abrir uma carpintaria e uma gráfica. Na carpintaria, trabalha uma pessoa que já foi sem-abrigo. Sem formação específica, desenha e constrói peças que fazem frente às produzidas nas grandes empresas de mobiliário. Mais recentemente, estamos a experimentar um projeto piloto: agricultura biológica. A nossa área agrícola não é muito grande, mas serve de formação para as pessoas em tratamento e é uma terapia fantástica”. Apesar de assumirem que vivem sob orientação de valores cristãos, não fazem qualquer seleção dessa natureza daqueles que ajudam ou daqueles que os ajudam a ajudar. “Não impomos nenhuma religião, nem evangelizamos ninguém, apenas dizemos que é possível sermos fraternos e ajudarmos com base nos valores da religião católica. Temos utentes muçulmanos e incentivamos a que desenvolvam essa dimensão. A religião não é o problema, mas sim uma ferramenta para ajudar. Se precisam de ajuda, nós ajudamos. Não interessa a cor ou o credo, interessa, sim, a situação”, sublinha Henrique Joaquim, presidente desta instituição.

Esta é uma organização que não quer ser a melhor do mundo, mas sim a melhor para este mundo, dando as respostas necessárias e procurando as soluções que podem fazer a diferença quando postas nas mãos de quem havia deixado de acreditar. É nesses momentos, aqueles em que conseguem devolver um telhado e a vontade de sonhar, que algo de novo se constrói e tudo ganha sentido. E é por esses momentos que se segue em frente: “Queremos ajudar a criar condições para que os outros possam pescar. Para isso, queremos continuar a aprender a pescar. Assim sendo, costumo alterar a frase habitual, dizendo que queremos continuar a aprender a pescar. Só assim poderemos continuar a ajudar.” : :

Sollicitare 79


SOCIEDADE

PROJETO DE INTERVENÇÃO PSICO–INCLUSIVA “ESCOLA COM VIDA”

ESTÁ NAS NOSSAS MÃOS Numa Escola onde, noutros tempos, se ensinou a leitura, a soma, o conhecimento de vidas e mundos, a filhos e netos, partilham-se agora as estórias dos avós de uma aldeia a que se chama Refugidos. Ali, onde a média de idades supera as 50 primaveras e onde a esperança era já algo esquecido, nasceu o projeto Escola com Vida (ECV).

E

m apenas seis meses não se poderia querer mais além do já alcançado. Aulas de ginástica, zumba, consultas semanais de osteopatia, rastreios médicos, palestras sobre temas da área da saúde, um cantinho da costura, sessões de cabeleireiro e de manicura… O objetivo é simples: melhorar a qualidade de vida de homens e mulheres com idades entre os 60 e os 95 anos. Como em tantas outras aldeias de Portugal, a população é envelhecida, a natalidade é muito baixa, não existe comércio local, nem atividades que, até então, tivessem mexido com a rotina destes aldeãos. Face às lacunas existentes, integrado no plano de atividades do Centro Cultural Recreativo e Desportivo de Refugidos para 2015/2017, surge o projeto Escola com Vida, desenvolvido no espaço da antiga escola primária, dos tempos em que rezar o Pai Nosso vinha antes do sumário e onde os joelhos marcados pelo trabalho do campo não se conseguiam dobrar sob as pequenas secretárias de madeira já gasta. Sem recursos de maior ou apoios orçamentais, a direção do Centro Cultural uniu a vontade de fazer sorrir quem os viu crescer às valências que lhes são características e rumou a dois anos preenchidos de atividades que fomentem a redescoberta de uma aldeia entre vales, a pouco mais de 40 km de Lisboa. No que à ECV diz respeito, partiu-se do pressuposto de que não só os sem-abrigo, os desempregados ou as minorias étnicas são vítimas de exclusão social. Lamentavelmente, e a uma escala maior do que o socialmente aceitável, os idosos também conhecem esta realidade. Antes de mais, importa notar que a noção de exclusão implica a existência de um contexto de referência – “excluído de quê?”. O aspeto social, por sua vez, surge como qualificação que nos permite interpretar a exclusão em relação à sociedade, estando, portanto, diretamente associada ao contexto de cidadania. O problema social vivido pelos idosos deve ser olhado e tratado como um problema do país, ou não fosse Portugal constituído por uma população marcadamente envelhecida, com predominância nas áreas rurais, conforme dados recolhidos pelo Instituto Nacional de Estatísticas.

80

Por Patrícia Passos, Divisão de Gestão e Apoio aos Associados da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

A verdade é que no nosso país, felizmente, vive-se mais tempo, existindo portanto mais idosos, que não podem ser olhados como uma realidade residual, obrigando a que mais medidas sejam tomadas no âmbito de três situações concretas e que tão fortemente influenciam a vida de todos e a do nosso sistema governativo: o envelhecimento individual, o envelhecimento populacional e o envelhecimento ativo. Como se sabe, a solução recorrente mora nos lares ou centros de dia, agrupando o idoso aos seus pares, para que, em convívio, colmatem a solidão. Contudo, a solidão só será colmatada, não através da “guetização” dos idosos, mas com a integração dos mesmos junto da restante sociedade, mostrando o respeito merecido pelo passado, mas também a humanização do contexto presente, algo só possível em família, junto da comunidade local e com a criação de atividades que façam a pessoa sentir-se útil e capaz. Assim, perante a falta de programas ou de comissões dedicadas à população envelhecida em exclusivo, aos seus direitos e necessidades, são imperativas ações e projetos de intervenção social, ainda que desenvolvidas por anónimos cuja vontade de dar tempo, afeto e conforto é bem maior que a indiferença perante problemas que, alegadamente, não dizem respeito à generalidade da população. A Escola com Vida, à escala que é permitida, e surgindo talvez como projeto piloto, se como tal a pudéssemos chamar, vem colmatar a exclusão que surge pela via da solidão, do afastamento familiar, do término das atividades laborais, da falta de contextos culturais e de lazer e, no limite, pela carência económica que não permite o acesso a lares e/ou a outras estruturas. Em tom conclusivo e de reflexão, ficam as questões: poderemos menosprezar o nosso passado? Poderemos aceitar que somos apenas espectadores de um fim de vida vazio para tantos homens e mulheres, os nossos homens e mulheres? Agir está ao alcance de todos e é tão fácil desenhar sorrisos, redescobrir forças, ouvir estórias de um tempo para nós desconhecido mas que completa e dá sentido à realidade das gerações mais jovens. Intervir socialmente permite uma sociedade mais justa, mais humana, mais feliz! : :


SUGESTÕES

Sem desconsideração para o sempre eterno “a menina dança?” e o evidente bem-estar que preenche o corpo e a mente do movimento associado à música, os tempos (e as cidades) trazem novas opções para colocar o corpo a mexer. Já desafiou este ano alguém para uma corrida ou uma caminhada? Porque não começar já? Hoje em dia, o convite para uma participar em caminhadas e corridas é cada vez mais usual, pelo que começar a treinar ao seu ritmo próprio é fundamental. E porque não é só uma questão de moda mas, essencialmente, de aproveitar o bom tempo que Portugal proporciona a qualquer amante de desporto ao ar livre, deixamos-lhe algumas sugestões, na cosmopolita cidade de Lisboa, na mui nobre cidade do Porto ou no intocado interior do país, de locais onde o apelo da natureza, acompanhado pelo sol ou pelo rio, fazem querer sair de casa para exercitar o físico e, naturalmente, o espírito.

Por Elisabete Couto, Gabinete do Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Shall we run or walk? Lisboa

Parque das Nações – A zona da expo fornece-nos cerca de 5 quilómetros ideais para corrida ou caminhada, com a evidente vantagem de ser acompanhado no seu percurso pelo rio Tejo, pelo sol na maior parte do ano e pela arquitetura moderna como as Torres de S. Rafael, o Pavilhão do Conhecimento ou o Oceanário. Zona Ribeirinha do Tejo – O percurso Cais do Sodré - Belém é um dos trajetos mais bonitos que Lisboa coloca à disposição de quem não dispensa uma boa paisagem associada ao seu treino. Ideal para caminhadas a qualquer hora do dia, os fins de semana, apesar de mais difícil circulação face ao elevado número visitantes que aproveitam para passear naquela zona, ficam a ganhar com uma caminhada matinal ou de final de tarde. A ida e volta configuram cerca de 11 quilómetros em que nem dará conta do tempo passar, ou não fosse todo o percurso matizado por verdadeiras obras de arte: a ponte 25 de abril, o Cristo Rei, o Museu do Oriente, o Museu da Eletricidade, o Padrão dos Descobrimentos e a Torre de Belém. Parque Florestal de Monsanto – Se a sua opção é para um treino de mais

resistência e força, opte pelas subidas e descidas de Monsanto, aproveitando as infraestruturas de manutenção para fazer sequências de treino funcional. Quando o cansaço apertar, sinta o prazer de inspirar o ar puro do “pulmão” da cidade. Note que não raras são as vezes em que grupos de atletas aproveitam o bom tempo para deixar o ginásio ou o pavilhão em troca de um treino em Monsanto, inspirando o praticante não habitual ao exercício naquele parque.

A NORTE Porto

Parque da Cidade – Se está no Porto, é inevitável apresentar como proposta o Parque da Cidade, onde pode aliar o seu exercício à imensa área verdejante e a um piso de terra batida. Se vai de carro, terá relativa facilidade de estacionamento na "entrada da frente marítima” ou na entrada “norte”. Aproveite o privilégio de termos, em Portugal, um parque que se estende da cidade até ao mar, com cerca de 83 hectares. Marginal do rio Douro – “Da Ribeira até à Foz" são cerca de 8 quilómetros de percurso que lhe permitirão caminhar, correr ou andar de bicicleta ao seu próprio ritmo, observando o melhor de Vila Nova de Gaia e do Porto, começando

acompanhado pelo rio Douro, junto ao Mercado Ferreira Borges, e acabando já no Oceano Atlântico, junto ao Forte de São Francisco Xavier, vulgarmente conhecido por Castelo do Queijo. Passadiços do Paiva – Acompanhado do rio Paiva, em Arouca, tem pela frente 8 quilómetros de desníveis acentuados, mas cuja paisagem lhe dará uma sensação de calma, silêncio e comunhão com a natureza. Junte um grupo de amigos ou a família e parta à aventura. Há que atentar que, caso o grupo que o acompanha não se divida no início do percurso, uma vez que este é linear, terá de voltar para trás, o que perfará um percurso total de 16 km. Não deixe de observar as recomendações, normas e condutas adequadas ao local. Fisgas do Ermelo – Inaugurado a 10 de abril de 2016, o percurso pedestre de 12,4 quilómetros, em Mondim de Basto, no Parque Natural do Alvão, vem desafiar os mais resistentes a visitar a cascata das Fisgas, um fenómeno geológico que é candidato a Património Natural da Unesco e que se traduz numa das maiores quedas de água da Europa. Sinta a envolvência do local, mas não deixe de ser cauteloso ao seguir o trilho, também caracterizado por evidentes desníveis.

Sollicitare 81


SUGESTÕES

LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS

Sucessões Certificado Sucessório Europeu

Registo da Propriedade de Veículos (2.ª edição) Legislação e Notas Práticas

João Queiroga Chaves

Maria José Magalhães da Silva

JUIZ CONSELHEIRO JUBILADO

CONSERVADORA DE REGISTOS

Este livro explica – em texto conciso mas rigoroso – a forma como podemos organizar a sucessão dos nossos bens, segundo as regras da União Europeia. Não foi criada uma nova lei sucessória. O Regulamento UE apenas manda aplicar a lei escolhida em relação a cada caso concreto. E, para agilizar o processo que muitas vezes conta com interessados de várias nacionalidades e bens da herança existentes em vários países, até existe agora (desde 17 de Agosto de 2015) o certificado sucessório europeu. No entanto, está assente o princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e outras decisões das autoridades judiciais. Agora, há sim uma forma muito diferente da usada pelo legislador nacional. O que envolve a necessidade de os juízes, procuradores da República, advogados, notários, solicitadores, juristas e demais interessados (sobretudo aqueles que estão envolvidos na partilha de uma herança) conhecerem os meandros da nova lei.

Nesta edição englobou-se a legislação recente em matéria de registo da propriedade automóvel, nomeadamente a promoção online do registo e o procedimento especial para registo da propriedade de veículos. Inclui também o “código” e regulamento do registo automóvel, bem como o regime jurídico do contrato de locação financeira. O livro disponibiliza ainda o Código do Imposto sobre Veículos, o Regulamento Emolumentar e o modelo de contabilidade dos serviços de registo. Os diplomas relacionados directamente com o registo da propriedade automóvel contêm notas e referências a estudos sobre o tema, numa perspectiva iminentemente prática. A autora – Conservadora no Registo de Automóveis do Porto, exercendo actualmente funções de inspeção – actualiza a edição anterior e divulga conhecimentos profissionais adquiridos ao longo de vinte anos de carreira.

Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa (2.ª edição) J. H. Delgado de Carvalho JUIZ DE DIREITO

(De acordo com a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e Lei da Organização do Sistema Judiciário) Esta 2.ª edição tem mais 288 páginas do que a edição anterior. E trata de mais assuntos: formas do processo de execução e dos títulos executivos, com especial ênfase no incidente da comunicabilidade de dívidas conjugais, na execução da sentença nos próprios autos, no novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado, no procedimento europeu de injunção de pagamento, no procedimento especial de despejo e ações conexas e na execução baseada em deliberações das assembleias de condóminos. Também se ocupa do procedimento extrajudicial pré-executivo. Explica as alterações introduzidas no novo Código de Processo Civil e pela Lei da Organização do Sistema Judiciário. No prefácio, o Desembargador Paulo Neto da Silveira Brandão reconhece que este livro vem colmatar uma lacuna e proporcionar uma ajuda, muito útil e pronta, às dificuldades manifestadas a partir de 1 de setembro de 2014.

82


COM A COLABORAÇÃO DA PORTO EDITORA

Arrendamento – Tudo o que precisa de saber

Fiscal – 36.ª edição Isabel Rocha

Lourença de Sousa Rita Com 150 perguntas e respostas redigidas de forma acessível e concisa e acompanhadas de exemplos práticos, este livro constitui um verdadeiro guia prático para responder a todas as dúvidas que surgem, tanto a senhorios como a inquilinos e aos profissionais que lidam com matérias de arrendamento.

Condomínio – Tudo o que precisa de saber Maria Augusta Fernando e Lourença de Sousa Rita O que é o Regulamento de Condomínio? Quando é necessário um administrador provisório? Onde posso saber qual a permilagem da minha fração autónoma? Como se convoca uma Assembleia? Que modelos de gestão de condomínio existem? É possível atribuir uma remuneração ao dministrador de condomínio? Foi-me aplicada pelo administrador uma multa pelo atraso no pagamento da quotização mensal. Pode fazê-lo? Posso isolar o meu lugar de garagem? Com mais de 100 perguntas e respostas escritas de forma acessível e concisa e acompanhadas de exemplos concretos, este livro constitui um verdadeiro guia prático para responder a todas as dúvidas que surgem, tanto aos condóminos como aos administradores, na gestão do condomínio.

Esta 36.ª edição da obra Fiscal contempla as alterações introduzidas pelo esperado Orçamento do Estado para 2016 e as alterações decorrentes da produção legal que teve lugar desde a última edição: Decreto Regulamentar n.º 4/2015, de 22 de abril, que introduziu alterações ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro; Decretos-Lei n.º 66/2015 e 67/2015, ambos de 29 de abril, que introduziram alterações à Tabela Geral do Imposto do Selo; Lei n.º 63-A/2015, de 30 de junho, que alterou o Código do IVA; Lei n.º 64/2015, de 1 de julho, que alterou o EBF; Lei n.º 67/2015, de 6 de julho, que introduziu alterações ao IRS; Decreto-Lei n.º 214G/2015, de 2 de outubro, que introduziu alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; Portaria n.º 400/2015, de 6 de novembro, que atualizou os coeficientes de desvalorização da moeda aplicáveis aos bens e direitos alienados durante o ano de 2015. Lei n.º 5/2016, de 29 de fevereiro, que alterou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, transpondo a Diretiva 2015/121/UE, do Conselho, de 27 de janeiro de 2015; e Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016), que alterou IRS, IRC, fiscalidade verde, IMI, Imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, EBF, LGT, CPPT, RGIT, Código Fiscal do Investimento, Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, IVA, Imposto do selo e Tabela Geral do Imposto do Selo. Como sempre, poderá continuar a imprimir gratuitamente as atualizações legais publicadas para esta obra, acedendo a www.portoeditora.pt/direito

COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA

Competências do juiz e do agente de execução na acção executiva para pagamento de quantia certa Pedro Edgar Mineiro Os processos executivos são parte bastante significativa da pendência processual dos tribunais portugueses. Apesar das sucessivas Reformas da ação executiva, iniciadas há mais de quinze anos, verifica – se que uma das maiores dificuldades experimentadas na tramitação do processo de execução reside na definição das competências dos diferentes órgãos, designadamente do juiz e do agente de execução. Este livro dedica – se ao estudo, numa vertente fundamentalmente prática, do quadro legal da repartição daquelas competências após a Reforma de 2013 do Código de Processo Civil. No essencial, problematizam-se questões jurídicas que poderão surgir na tramitação normal do processo executivo e apontam – se soluções que se julgam corresponder aos objetivos de celeridade e eficácia prosseguidos pelo legislador.

Direito da Família – da teoria à prática Sérgio Tenreiro Tomás, Marta Falcão, Miguel Dinis Pestana Serra Este livro é um dos manuais mais atuais do Direito da Família, sendo adequado à generalidade dos programas da unidade curricular de Direito da Família, das licenciaturas em Direito e Solicitadoria, constituindo um instrumento de estudo por parte de profissionais forenses, investigadores e alunos. Considerou-se adequado conciliar a componente teórica com a prática permitindo uma perceção e compreensão aprofundada das matérias componentes desta obra. Deste modo, o livro começa por uma introdução geral ao Direito da Família, seguindo-se o Direito Matrimonial e posteriormente a Filiação, terminando com casos práticos exemplificativos, onde se apresentam propostas de resolução, assim como propostas de exercícios.

Sollicitare 83


SUGESTÕES

NÃO DEIXE PARA AMANHÃ O QUE PODE LER HOJE Por Rute Baptista Pato, Solicitadora e 1.ª Secretária do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Foi com muito gosto que aceitei este desafio de contribuir para as sugestões de leitura da Revista Sollicitare. Isto porque sou viciada em leitura e acho que, quando temos um livro, nunca estamos sós. A leitura alarga os nossos horizontes e alimenta a nossa imaginação de uma forma que a televisão, o cinema ou, mais recentemente, a internet nunca o poderão fazer, já que as imagens retiram o extraordinário poder de interpretar e idealizar – algo que só ao leitor é dado. A minha maior dificuldade foi mesmo seleccionar os livros a recomendar porque, mais do que de um livro, gosto de autores e existem vários que fazem parte da minha vida, uns mais conhecidos do que outros, cada qual de seu género. Por isso mesmo, antes de vos deixar as minhas sugestões de leitura, aconselho-vos a conhecerem, entre muitos outros, os seguintes autores que passo a indicar sem qualquer ordem de preferência: Robin Cook, John Grisham, Mary Higgins Clark, Ken Follet, José Rodrigues dos Santos, Michael Palmer, Morris West, Agatha Christie, Erle Stanley Gardner, Miguel Esteves Cardoso, Jeff Abbott, Daniel Silva, Isabel Allende, Stieg Larson... Agora sim, aqui ficam as minhas sugestões. Boa leitura!

Para a minha irmã

Invencível

de Jodi Picoult,

De Laura Hillenbrand,

LIVRARIA CIVILIZAÇÃO EDITORA, 2005

Esta autora é mestre em dar ao leitor um tema controverso e pleno de emoções. Neste livro, aborda-se a leucemia e a decisão que os pais, perante um filho doente, tiveram que tomar em prol da sua cura... As interrogações que se colocam quando vestimos a pele das personagens e o final são arrepiantes e inesperados. É um livro que vicia.

PublicaÇões Dom Quixote, 2011 Esta é a odisseia de um homem extraordinário chamado Louie Zamperini, contada de uma forma exemplar pela autora. De acordo com o New York Magazine, é “um livro espantoso, inesquecível, viciante, perturbador, arrepiante e arrebatador”. Ninguém lhe fica indiferente. É uma lição de vida e um exemplo de sobrevivência!

Next

História Alegre de Portugal

De Michael Crichton,

De Manuel Pinheiro Chagas,

Publicações Dom Quixote, 2007 Michael Crichton é autor de alguns livros que abordam temáticas aparentemente ficcionais. No entanto, o que era ficção há alguns anos, hoje pode já ser parte da realidade. Neste livro, entramos no mundo da genética. Enquanto durar a sua leitura, serão levantadas tantas questões e repensados tantos conceitos. É mais um livro capaz de prender quem embarca nas suas páginas.

Bertrand Editora, 2010 A História pode ser divertida e este livro é a prova disso. Para os mais pequenos e para os graúdos, a História de Portugal em banda desenhada pode ser um bom começo para quem quer ganhar o gosto. As imagens são deliciosas e as palavras têm um toque de humor que ajuda o leitor a ir andando pela História quase sem dar conta. Ideal para ir lendo no intervalo dos anteriores.

84

Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico


SOCIEDADE

1616–2016

4.º CENTENÁRIO DA MORTE

MIGUEL CERVANTES e WILLIAM SHAKESPEARE COMEMOROU-SE POR TODO O MUNDO, NO PASSADO DIA 23 DE ABRIL, DIA MUNDIAL DO LIVRO E DE SÃO JORGE, PATRONO DA INGLATERRA, O DIA DO NASCIMENTO E MORTE DE WILLIAM SHAKESPEARE E DA MORTE DE MIGUEL CERVANTES, DOIS “MONSTROS” DA LITERATURA MUNDIAL, FALECIDOS HÁ, PRECISAMENTE, 400 ANOS. NO ENTANTO, NEM UM NEM OUTRO MORRERAM NO DIA 23 DE ABRIL. SHAKESPEARE FALECEU NO DIA 23 DE ABRIL, MAS DO CALENDÁRIO JULIANO, ISTO É, NO DIA 3 DE MAIO DE 1616 DO CALENDÁRIO QUE NOS REGE ACTUALMENTE, OU SEJA, O GREGORIANO. MIGUEL CERVANTES TERÁ FALECIDO NO DIA 22 DE ABRIL DE 1616, ISTO SEGUNDO O CALENDÁRIO ACTUAL.

Por Miguel Ângelo Costa Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Sollicitare 85


E porquê esta discrepância de datas? Nos séculos do renascimento e reforma (XV e XVI), colocava-se em questão o calendário juliano, dada a consequência que poderia advir do aumento da probabilidade de erro na contagem do calendário civil e astronómico. No século XVI, a margem já era muito grande. Vejamos a título de exemplo: o equinócio da primavera que, como sabemos, ocorre entre dos dias 20 e 21 de Março, correspondia, no calendário civil, ao dia 11 de Março. Assim, em 1582, o Papa Gregório XIII, nomeou o astrónomo Cristóvão Clávio para que buscasse uma solução. Cristóvão Clávio era um matemático Jesuíta alemão, amigo de Galileu Galilei, frequentou a Universidade de Coimbra, entre os anos de 1556 e 1560 e foi o grande responsável pela divulgação, em toda a Europa, da obra do nosso Pedro Nunes. Este matemático, encontrou uma solução que impunha três regras: 1 – em 1582, no mês de Outubro, cortaramse 10 dias, isto é, os europeus foram dormir no dia 4 de Outubro e acordaram no dia 14 de Outubro; 2 – só seriam anos bissextos os anos seculares que fossem divisíveis por 400, o que evitaria erros de dias do calendário juliano; 3 – um ano teria, a partir de então, 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos. Mas, como todos sabemos, nem todos os países aceitaram este calendário. E um deles foi a própria Inglaterra, por duas razões: por ser um projecto estrangeiro e por estar associado ao catolicismo. Por isso, o calendário gregoriano começou a ser aplicado em Inglaterra no ano de 1751. Vou, pois, resumidamente, falar destes dois vultos da literatura mundial, começando pelo mais velho:

MIGUEL CERVANTES Miguel Cervantes nasceu em Alcalá de Henares, muito perto de Madrid, no dia 29 de Setembro, do ano de 1547. Filho de um cirurgião sem recursos, pouco estudou. No entanto, ainda frequentou as Universidades de Alcalá de Henares e Salamanca. Ainda novo, apostou na carreira militar. Participou na batalha de Lepanto em Outubro de 1571, ficando com a mão esquerda inutilizada. Em 1575, quando se dirige a Espanha, com cartas de recomendações, é atacado pelos Turcos, ficando prisioneiro em Argel e não sendo vendido como escravo, porque os seus raptores, lendo as recomendações, verificaram que era uma pessoa por quem poderiam pagar um bom resgate. E assim foi. Após o pagamento do resgate, Cervantes é libertado, ao fim de 5 anos, em 1580. Regressa a Madrid, começa a escrever, tentando viver da vida literária. No entanto, em 1581 já o vemos em Portugal em busca de favores do Rei Filipe II (I de Portugal) que se encontrava em Tomar. Vive em Lisboa até 1583. Aos 38 anos é encarregado de escrever o “Cerco de Numância”. Esta obra teatral foi escrita ao mesmo tempo que La Galatea, que muitos historiadores dizem que decorre em Lisboa. Até 1605, teve outras profissões, entre elas a de cobrador de impostos para a invencível armada, sendo preso por desvio de dinheiro dos impostos. No cárcere (em Sevilha) começa a escrever o primeiro volume de D. Quixote de la Mancha, publicado em 1605, em simultâneo, em Madrid, Lisboa, Barcelona e Valência, surgindo como um dos criadores do romance moderno. A partir desta data e já perto dos 60 anos, com uma vida de andarilho e apaixonada, entrega-se a uma incessante produção literária. Publica as Novelas Exemplares em 1613, num total de 12, todas elas revestidas de uma modernidade, dando origem às novelas que hoje conhecemos. Em 1614, faz uma crítica da literatura espanhola da época, não poupando, sequer, Lope de Veja, com o seu poema Viagem ao Parnaso. Em 1615, revela-se dramaturgo em Oito Comédias e Oito

86

Entremeses Novos. Em 1616, ano da sua morte, sai a segunda parte do D. Quixote. Já após a sua morte, é publicada, pela sua viúva, em 1617, a obra “Trabalhos de Persiles e Sigismunda”, na qual faz bastantes referências a Portugal, principalmente a Lisboa. Cabe aqui uma referência à tardia tradução das obras de Cervantes para a língua portuguesa, principalmente a sua obra universal “D. Quixote”. A primeira referência, não às obras, mas sim ao autor em português, surge com António José da Silva – o Judeu – com a peça “vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança”, em 1733, e um verso satírico de Nicolau Tolentino em “pró do Marquês de Pombal”. A primeira tradução da obra de Cervantes surge de uma das suas Novelas Exemplares, “O Amante Liberal”, em 1788, e a primeira tradução anónima de D. Quixote deu à luz, pela primeira vez, em Portugal, somente em 1794, sendo certo que a primeira tradução assinada surge somente em 1876/78 pelas mãos dos Viscondes de Castilho e Azevedo. Quase um século depois, em 1954, Aquilino Ribeiro faz nova tradução e, em 1958, o mesmo escritor, traduz toda a obra literária de Miguel Cervantes. Em 2004, no 4.º centenário da publicação da primeira parte do Quixote, aparecem mais duas excelentes traduções de José Bento e Miguel Serras Pereira. Esta tardia tradução, a meu ver, surge por duas razões: a) aquando do aparecimento do Quixote (em 1604), com publicações imediatas em Lisboa, mas em castelhano, Portugal estava sob o domínio espanhol. As elites culturais portuguesas e até os seus escritores eram bilingues, mas o castelhano era a língua da Corte, o português era a língua do povo (1); b) com a restauração da independência, todas as referências a Espanha e à sua cultura foram radicalmente proibidas e quem ousasse falar ou escrever em castelhano era considerado traidor e metido na cadeia. Portanto, a cultura espanhola e a sua língua só com a revolução liberal de 1820 é que se tornaram mais ou menos toleradas.


4.º CENTENÁRIO DA MORTE DE MIGUEL CERVANTES E DE WILLIAM SHAKESPEARE

WILLIAM SHAKESPEARE William Shakespeare nasceu em Stratford, no dia 23 de Abril de 1564, onde veio a morrer no mesmo dia em 1616. Para muitos considerado o maior dramaturgo e poeta de todos os tempos, era filho de um curtidor, que chegou a ser administrador local, mas aos 14 anos teve de abandonar os estudos, porque os negócios do pai começaram a fracassar. Casa, aos 18 anos, com Anne Hathaway, que já tinha 28 anos. Fascinado pelo fervor do teatro, vai para Londres, onde entra numa companhia de teatro, não podendo ter escolhido melhor momento. Nos finais da década de 1580, em Londres proliferavam os teatros, que eram instalados nas zonas consideradas de libertinagem, fora das muralhas, onde não eram aplicadas as rigorosas leis morais da City. Os teatros partilhavam, assim, esta imposição, “com os bordeis, as prisões, os paióis, os cemitérios profanos, os manicómios… várias indústrias incómodas como fábricas de sabão, tinturarias e oficinas de curtumes…”(2). Com alguma cultura, tendo lido, de certeza, os clássicos, em 1590 escreve a sua importante peça “Penas de Amor Baldadas”. Em 1593, o seu primeiro poema, “Vénus e Adónis”, teve um estrondoso êxito. Amado pelo povo e estimado pelos seus e pela Nobreza, desde logo é o preferido da Rainha Isabel I e, mais tarde, do seu sucessor Jaime I.

As peças da primeira fase da sua produção inspiraram-se na história de Inglaterra: Ricardo III, Ricardo II, Henrique IV, Henrique II, Henrique V e Henrique VIII (escritas entre 1593 e 1612). Podemos dividir a obra de Shakespeare em 3 grupos: a) as peças inspiradas na Antiguidade como Júlio César e Cleópatra e Coriolano; b) as tragédias, como as obras de Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo, Rei Lear e Macbeth; e c) as comédias, como a Noite de Reis, As Alegres Comadres de Windsor, Sonho de Uma Noite de Verão, o Mercador de Veneza e a Tempestade. Toda a tragédia humana encontra-se na obra de Shakespeare, uma trajectória de intrigas políticas para os problemas, morais, do ciúme, da angústia para a serenidade e da morte para a defesa da vida. Toda a humanidade está lá, no interior do seu Globo. Em Portugal, a obra deste escritor começou a ser conhecida através da língua francesa, principalmente as peças de Teatro. A primeira e verdadeira tradução da obra de Shakespeare, vertida do inglês para português, foi escrita pelo Rei D. Luís somente no ano de 1877, que traduziu Hamlet e mais algumas peças de teatro. Até esta data, fala-se numa tradução para português em 1607 – a primeira tradução em língua estrangeira – de Hamlet por um negro chamado Lucas Fernandes, natural da Serra Leoa, a bordo de um navio inglês.

CERVANTES E SHAKESPEARE De certeza que Cervantes nunca conheceu, nem sequer ouviu falar de Shakespeare. Eram filhos de duas potências rivais, mas, ao que parece, Shakespeare leu Quixote, pelo menos o episódio de Cardénio, que logo o converteu numa peça, a qual desapareceu no incêndio de Londres. Cervantes foi um andarilho, andou por todo o mundo – quis ir para o Novo Mundo mas não o deixaram – esteve em guerras, foi prisioneiro, esteve preso. O Teatro que conheceu foi o de Lope de Vega, seu compatriota e contemporâneo. Shakespeare não saiu de Londres. Leu os clássicos, ouviu histórias deu-lhes vida. Basta lermos e compararmos o diálogo de Hamlet com o rude coveiro e as suas respostas com as do Sancho Pança com Quixote. Está lá toda a modernidade. Em 400 anos, nada foi alterado, como dizia o escritor Francisco Umbral “numa noite do século XVI, sem luz nenhuma, ficam (Sancho e Quixote) toda a noite sentados na praça… conversa dos dois, durante toda a noite, na praça da Aldeia às escuras é… Samuel Becket… é a modernidade absoluta” (3). E, segundo Javier Cercas, “Hamlet é um príncipe da Renascença numa corte medieval, enquanto Quixote é um cavaleiro medieval num mundo da Renascença. (donde vem, também uma grande parte da sua tragédia)” (4).

Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

Notas: 1 – A este propósito, ler entrevista ao jornal Público (2074/2016, pág. 28) do Linguista Fernando Venâncio. 2 – Bill Bryson – Shakespeare – O mundo, um palco. 3 – Entrevista de Carlos Vaz Marques a Francisco Umbral “Grande Reportagem”, 2.ª Série, Fevereiro de 2001. 4 – Le Magazine Littéraire, Janeiro de 2016.

Sollicitare 87


“Uma sociedade que exclui pessoas e a sua diversidade é uma sociedade empobrecida”

88


CULTURA

E N T R E V I S TA A

ANA ZANATTI ESCRITORA E ATRIZ

NUM MUNDO QUE “PULA E AVANÇA”, PARÁMOS, POR ALGUNS MINUTOS, PARA O OLHAR. PARA O OLHAR A PARTIR DE DIFERENTES OLHOS. PEDIMOS AJUDA A ANA ZANATTI, HABITUADA A COLOCAR-SE NA PELE DO OUTRO, NOS OLHOS DO OUTRO E, ATÉ, NOS SONHOS DO OUTRO. AFINAL DE CONTAS, “O SONHO COMANDA A VIDA”. MAS HÁ QUEM DIGA QUE “ELES NÃO SABEM”. SE SOUBESSEM, TALVEZ TUDO FOSSE MAIS SIMPLES. MAIS BONITO, ATÉ. ANA ZANATTI NÃO TEM DÚVIDAS: “É PRECISO TER IDEIAS NOVAS E OUSADAS, NÃO TEMER. SÃO AS IDEIAS, A CULTURA, A CIÊNCIA QUE FAZEM A HUMANIDADE AVANÇAR, EVOLUIR, E NÃO O DINHEIRO”. FOI CEDO QUE PERCEBEU QUE A ESCRITA SE IRIA ATRAVESSAR NA SUA VIDA. JÁ A ARTE DE REPRESENTAR, CHEGOU UM POUCO MAIS TARDE. ANA ZANATTI VIVE ATENTA AO MUNDO, À DIVERSIDADE QUE O TORNA MAIS RICO. SÓ ASSIM PODERÁ CONTAR HISTÓRIAS QUE COMPREENDAM OS OUTROS, QUE OS AJUDEM A COMPREENDER QUEM ESTÁ MESMO AO LADO. SÓ ASSIM ACREDITA PODER FAZER OS OUTROS “SENTIREM COM A CABEÇA E PENSAREM COM O CORAÇÃO” E, QUIÇÁ, ATÉ DEIXAR O SONHO COMANDAR A VIDA.

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Carlos Ramos

Escrever e representar: falamos de duas formas de contar histórias? O que mais une estas duas artes? Por exemplo, o facto de, quer numa quer noutra, quem escreve ou quem representa ser levado a colocar-se na pele de outras pessoas. A análise de comportamentos, a descoberta das emoções que os motivam, o conhecimento dos hábitos e costumes segundo as épocas, linguagem (no caso da escrita), vestuário, segundo os estratos sociais, enfim, há muita pesquisa comum às duas. Como e quando compreendeu que era esse o caminho que queria seguir? Em relação à escrita senti, desde muito cedo, que esse seria um dos meus caminhos, embora só muitos anos mais tarde, em 2003, tenha começado a publicar livros. Quanto ao teatro, foi já no início da Universidade que tomei a decisão de me inscrever no Curso de teatro do Conservatório Nacional. E quando não conta histórias, quem é Ana Zanatti? Coloca muito de si nas personagens que representa ou que integram os seus livros? Quando não conto histórias vivo com atenção ao que me rodeia e vou tomando notas. Leio, estudo, trabalho, encontro-me com os amigos, faço caminhadas perto do mar, vejo espetáculos, visito exposições de artes plásticas, viajo.

Sollicitare 89


ENTREVISTA A ANA ZANATTI

Se coloco muito de mim nas personagens? Há sempre uma parte de mim que vai ligada às personagens, na escrita ou no teatro, mas cada personagem tem a sua própria história, muitas vezes bem diferente da minha. De outro modo, estaria permanentemente a falar de mim o que seria repetitivo, correndo o risco de se tornar num monólogo auto centrado e desinteressante. Olha-se de forma diferente para o mundo quando, no contexto profissional, se é obrigado a adotar outras personalidades? Acho que se olha de forma diferente para o mundo sempre que nos colocamos na pele de outras pessoas com a finalidade de entender e respeitar as suas circunstâncias de vida. Um exercício necessário a todos, sem exceção, para melhor compreendermos a realidade subjectiva dos outros, não fazermos julgamentos precipitados e criarmos laços afectivos. Se Portugal fosse uma personagem humana, como o caracterizaria? Encantadora, acolhedora, bonita, luminosa, inconsequente, generosa, desorganizada, nem sempre responsável, pouco consciente do seu valor, insegura, medrosa, pouco ousada e, por vezes, pouco profissional.

ESCOLHAS… DE ANA ZANATTI Um livro: Obra ao Negro, de Marguerite Yourcenar Uma peça de teatro: Agosto em Osage, de TracyLetts Um filme Blue Jasmine, de Woody Allen Uma música: Pedra filosofal, poema de António Gedão Um museu: Palazzo Vecchio, em Florença Um lugar: Maracajaú, no nordeste do Brasil A homossexualidade é a temática abordada neste último livro. A evolução em Portugal foi grande mas não suficiente no que toca à destruição de preconceitos? Na verdade, o tema de “O sexo Inútil”, não é a homossexualidade. É sim, o preconceito, seja ele de que tipo for, e a forma brutal como ele pode atentar contra a liberdade e a dignidade de cada um. Importa esclarecer que se trata de um livro de todos para todos e não de uma minoria para outra minoria. Detive-me mais especificamente sobre questões ligadas a pessoas LGBT e às suas famílias por ser um tema que conheço de perto e por ter tido acesso a dezenas de testemunhos tocantes que esclarecem bem uma realidade desconhecida de muitos, embora ela esteja presente na vida de todos. O preconceito e a intolerância podem ser mais fortes do que o amor ou a própria vontade de ser feliz? Ou seja, muitas vezes, os obstáculos são impostos pelos mais próximos ou, até mesmo, pela própria pessoa? Geralmente pelas famílias. Muitas vezes nas escolas, universidades, quer por parte de professores ou de alunos, e pela

90

sociedade em geral. A heteronormatividade está ainda muito enraizada nas mentalidades, há que as desformatar, deixar cair preconceitos, alargar horizontes, incluir a diversidade, abraçá-la. Uma sociedade que exclui pessoas e a sua diversidade é uma sociedade empobrecida. Ao escrever este livro, partindo, nomeadamente, de casos reais, queria chegar ao coração ou à consciência de cada leitor? A ambos. Quis despertar, alertar, informar, levar os leitores a sentirem com a cabeça e a pensarem com o coração. Caminhamos em direção ao dia em que não será preciso alguém assumir o que é, bastando ser? Estamos distantes? Não faço futurologia. A história da Humanidade está cheia de avanços e recuos. Nesta época, há quem tenha batalhado intensamente para combater preconceitos sociais, raciais, religiosos, sexuais mas há também quem os fomente, ainda que veladamente, em muitos casos. Se lhe perguntar se acha que somos racistas, é capaz de me dizer que não. No entanto, são inúmeros os casos em que um empregado preto ganha quase metade do que o mesmo empregado de raça ariana. O mesmo se passa em relação às mulheres. Aqui, no nosso país, onde se afirma não haver racismo nem sexismo.

A HETERONORMATIVIDADE ESTÁ AINDA MUITO ENRAIZADA NAS MENTALIDADES, HÁ QUE AS DESFORMATAR, DEIXAR CAIR PRECONCEITOS, ALARGAR HORIZONTES, INCLUIR A DIVERSIDADE, ABRAÇÁ-LA. UM PAÍS QUE INVESTE NA CULTURA GANHA UM POVO MAIS CULTO, E UM POVO CULTO É A MAIOR RIQUEZA DE UM PAÍS. (…) É PRECISO TER IDEIAS NOVAS E OUSADAS, NÃO TEMER. E na cultura – onde anda e onde poderá Portugal chegar? Enquanto os governantes do nosso país não tiverem plena consciência de que a cultura é o motor principal, Portugal andará sempre de mão estendida. Um país que investe na cultura ganha um povo mais culto, e um povo culto é a maior riqueza de um país. Um governante culto não se deixa deslumbrar por qualquer coisa, sabe que o poder e o dinheiro são importantes não apenas para seu proveito, mas para fazer o bem: criar infraestruturas que ofereçam dignidade aos mais velhos e aos mais desfavorecidos, apoiar intensivamente a educação e a cultura e lutar por uma Justiça mais célere e transparente. É preciso ter ideias novas e ousadas, não temer. São as ideias, a cultura, a ciência que fazem a Humanidade avançar, evoluir, e não o dinheiro. São as mentes de largos horizontes e não a estreiteza de quem não tem mundo e vê tudo pequenino sem o mínimo de visão, de rasgo. : :


PROFISSÃO

HISTÓRIAS DE UMA PROFISSÃO Por Fernanda Gomes,

Solicitadora e Agente de Execução

– Bom dia. Sou agente de execução e preciso de ir ao quinto andar. O senhor mora no prédio desta entrada? Tenho estado a tocar a todas as campainhas e ninguém atende. Posso entrar para ir ao quinto? – A senhora está à procura de quem? – Da senhora X. – Não está cá. – Não?! Mudou-se? Sabe para onde? – Para o cemitério. Morreu. – Há muito tempo? O marido ficou cá a morar? – Já há mais de seis meses. E não tinha marido. Morava sozinha e até morreu sozinha. Nós é que chamámos a polícia por causa do cheiro. – Estranho... É que o marido foi citado aqui. Tem a certeza que é a mesma pessoa? É do quinto, mas esquerdo. – Tenho! Moro no quinto! Mas espere… Esquerdo… Não, tem razão. Esse é o da insolvência. Tem lá o papel na porta. – Posso entrar consigo e ir ver o papel? – Pode. Já no elevador, a conversa continua. – Sabe se ainda lá mora a senhora X? – Não, também morreu. – Morreu?! – O marido matou-a com comprimidos. – E ele está cá? Em prisão domiciliária? É que ele recebeu aqui a citação dele. – Não! Está preso.

Ilustração Samuel Sousa

Chegados ao quinto andar, olho para o edital da insolvência. – Mas este é o do centro. Eu quero o esquerdo. – Esquerdo?! Esquerdo é o meu! Como se chama a pessoa que procura? A X?! É a minha mulher! Mas não está! Foi-se embora. Desculpe lá, mas isto abalou-me e o psiquiatra, para eu não fazer disparates, disse para eu esquecer tudo e eu esqueci! Veja lá que até já nem sabia o nome dela! – Quando é que ela foi embora? – Ontem! Desisti…

Sollicitare 91


ROTEIRO GASTRONÓMICO

Amadeu Monteiro,

Diretor de Serviços do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Su ges tõ es 92

YUKO TAVERN

Onde mora a “rainha das Francesinhas” Como bom Portuense, não poderia deixar de aconselhar uma visita ao local que, para mim, confeciona as melhores Francesinhas do Porto: Yuko Tavern. Trata-se de um espaço agradável onde impera a alegria e o bom gosto. No Yuko Tavern temos sempre a certeza que seremos recebidos com aquele acolhimento típico que perpetua na alma do Porto. Os empregados são como um livro de registos, reconhecem as caras que ao longo dos anos por lá passam e conseguem engrandecer a nossa imaginação com as inúmeras histórias e lendas urbanas. Isto já para não falar das iguarias maravilhosas por lá confecionadas como o prego na caçarola ou as maravilhosas pataniscas de bacalhau com arroz de feijão que YUKO TAVERN fazem, a qualquer um, crescer água na boca. Contudo, não seria justo deixar ficar de fora a melhor francesinha do Porto, deliciosa e com Rua Costa Cabral, n.º 2331 4200-232 Porto um molho único de consistência aveludada. Telefone: 225 482 291 As inúmeras escolhas da nossa irreverente Aberto segunda a sábado, Francesinha vão desde a Francesinha da Casa, das 19h00 às 01h00 com a linguiça fumada, à Tradicional, com lin- www.facebook.com/YukoTavern guiça fresca, incluindo ainda uma versão inovadora, a Francesinha “Parola” com pão saloio e salsicha fumada. Bem… Depois desta descrição, que espero que vos tenha ajudado a apurar o palato, só me resta aconselhar-vos a, caso pretendam experimentar a rainha das Francesinhas, garantirem uma reserva, através do número 225 482 291. Caso contrário, apenas conseguirão sonhar com ela. Deixado o conselho, despeço-me com um grande cumprimento nortenho. : :


André Silva,

Gabinete de Comunicação e Protocolo da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

TABERNA D’AVÓ

Podia mesmo ser a casa da nossa avó Imagine-se no Porto, mais precisamente no cimo da Torre dos Clérigos. Depois de um dia de passeio pela cidade. À sua frente, uma paisagem deslumbrante. Mas, de repente, o estômago começa a “ralhar”. O que fazer? Simples. Desça os 240 degraus (com cuidado), siga pela Rua Campo dos Mártires da Pátria, vire na Rua de São Bento da Vitória e entre no número 48. Chegou à Taberna d’Avó, apenas a 200 metros da torre mais famosa da invicta. Está na altura de acabar com o “ralhete barulhento” que vem da sua barriga. Enquanto espera pelos pratos, peça uma tábua mista. Vem presunto, salpicão e queijo. Mais composto? Então avancemos para os petiscos. Moelas, rojões, patas de galinha, petinga frita, morcela, bolinhos de bacalhau, etc. A vida é feita de escolhas difíceis, certo? Mas não ficamos por aqui. O que se segue é um regalo para os olhos e um festim para o estômago. Bacalhau assado na brasa, bolinhos de bacalhau com arroz de feijão, posta de pescada à Braga, alheira com grelos e batata cozida, ‘fêveras’ à portuguesa, entre outros. Podíamos estar aqui o resto da noite, mas não se esqueça que tem muito mais para visitar no Porto, uma cidade onde a noite é tão bela. Cheia de vida. E isto ainda não acabou: falta o doce. Rabanadas, mousse de chocolate (também pode optar por manga ou maracujá), Romeu e Julieta (queijo com marmelada) ou o Pudim d’Avó. Só tem de conseguir escolher e saborear – a parte mais fácil. Quer saber um segredo? Ao sair da Taberna d’Avó, vire à esquerda. Ande 130 metros e aproveite a paisagem do Miradouro da Vitória. Faça a digestão com vista para o Douro. Quer melhor? Se sim, é simples: faça tudo novamente! : :

TABERNA D’AVÓ R. de São Bento da Vitória 48, 4050 Porto Telefone: 222 012 181 Aberto segunda a quinta, das 10h00 às 23h00 sexta e sábado das e das 10h00 às 00h00 Encerra ao domingo. www.facebook.com/ tabernadavo/

Sollicitare 93


LAGOS Cá vos esperamos. A CIDADE DE LAGOS, NO ALGARVE… AINDA NÃO CONHECE?! POIS NÃO ESPERE ENCONTRAR POR CÁ MUITOS LAGOS, MAS ANTES MUITAS PRAIAS!

94


VIAGENS

A

Por José Jácome Solicitador e Presidente da Delegação Distrital de Faro da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

cidade dos Descobrimentos Portugueses foi local de eleição e povoada desde a Pré-história, posterior e sucessivamente ocupada e escolhida por Celtas, Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos (então, Lacóbriga), Árabes (que a chamaram Zawaia) e, já após a Reconquista Cristã pelos portugueses, foi elevada a Capital do Reino dos Algarves, até à sua destruição quase total pelos terramoto e maremoto de 1755. Mais tarde reconstruída pelas suas gentes, perdeu importância, mas não beleza. É e sempre foi uma cidade cosmopolita e não se admire se ouvir falar as mais variadas línguas e sotaques, pois é escolhida por gentes de todo o País e de todo o mundo que, encantados, aqui decidem morar, passar férias ou ficar alguns dias. Hoje, Lagos é associada a turismo e férias… e com razão! Escolhendo ficar em Lagos, tem à sua disposição um grande e diversificado leque de locais e paisagens… a dois passos: a Costa D’Oiro, (com as suas falésias, grutas, pequenas praias, encantadoras e douradas e vistas deslumbrantes) ou a enorme extensão da Meia Praia (que nome enganador). Junto ao Farol da Ponta da Piedade, à noite, é fácil enganar os visitantes mais distraídos, mostrando-lhes, no horizonte, ao longe no mar, a Sul, as luzes de Marrocos – que mais não são que as luzes dos nossos barcos de pesca. Por outro lado, tem, a poucos quilómetros, Aljezur e a Costa Oeste Atlântica, em pleno Parque Natural, com uma costa, praias e paisagens selvagens, de cortar a respiração. Únicas na Europa, preservadas que ainda estão duma anunciada pesquisa e exploração petrolífera. Considere também visitas demoradas às costas oeste e sul, aqui logo ao lado, no concelho de Vila do Bispo, e não se esqueça de Sagres, com a sua enseada, porto de pesca, farol, Promontório e… Vento, um vento revigorante, com sabor a mar, algas, marisco… perceves?! E, claro, em Sagres, se se perder, pergunte a um local as indicações para encontrar a mundialmente famosa fábrica da cerveja, pois não consta no GPS! Aproveite, também, o Algarve interior e não deixe de programar um excelente passeio às encostas da Serra de Monchique, bem como as vistas a 360º no seu ponto mais alto, a Foia. De volta a Lagos tem, durante todo o ano, uma oferta cultural, de entretenimento e desportiva pouco habitual para uma cidade relativamente pequena. Claro que tem à sua disposição diversos museus, monumentos e igrejas. Passeie e perca-se (é difícil, mas pode tentar) nas ruas típicas, muralhas dentro, de um Centro Histórico vivo, convidativo e de fácil convívio, dia e noite dentro. A partir da Marina de Lagos, mas não só, é infindável a oferta de diversões, passeios e atividades lúdicas e desportivas ligadas ao Mar. Atravesse a ponte pedonal sobre o rio, que liga a Marina à cidade. Talvez tenha que esperar que passe um veleiro, provavelmente acabado de chegar de uma travessia do Atlântico ou cheio de divertidos turistas, após passarem umas horas no mar. Sobretudo a pensar nos mais novos, é obrigatória uma visita ao Zoo de Lagos. O Centro Ciência Viva de Lagos merece mais que uma visita e tem sempre qualquer atividade diferente, seja nas próprias instalações, seja em visitas organizadas e atividades programadas e anunciadas, ao ar livre. Pode aceder-se por um elevador, a partir do Mercado (Praça) da Avenida, na Avenida dos Descobrimentos. Não deixe de apreciar a magnífica vista sobre o rio, o Porto de Pesca, a Marina e a Meia Praia, a partir do terraço do próprio mercado. Deleite-se com a variada oferta gastronómica – os manjares confecionados com o peixe e mariscos frescos da costa, acompanhados de vinhos de produção local, não esquecendo a já internacionalmente famosa doçaria local – que responde a qualquer solicitação, até porque também é imensa a oferta de restaurantes com acepipes e receitas de diversas culturas e regiões do mundo. Por uma vez, atreva-se a deixar o carro à porta de casa e venha, de comboio (intercidades), passar um fim de semana a Lagos, não se esquecendo de mudar de comboio em Tunes. É garantido que nunca mais se vai esquecer da vista, à chegada ou à partida, do mar, da praia e da cidade de Lagos. Venham como vierem, cá vos esperamos. Uma última dica: Se puder, evite o mês de agosto. : :

Sollicitare 95


Quando o sonho se torna realidade.

CAMBODJA

SE É FÃ DAS PAISAGENS QUE SERVEM DE CENÁRIO ÀS AVENTURAS DE INDIANA JONES, TOMB RIDER OU OUTRAS TANTAS HISTÓRIAS PASSADAS EM LOCAIS LENDÁRIOS, NÃO VAI FICAR DESILUDIDO COM UMA VISITA À CIDADE ANCESTRAL DE SIEM REAP. ACEITE O DESAFIO, USE A IMAGINAÇÃO E EMBARQUE NESTA VIAGEM.

E

sta é uma viagem de sonho e por isso o que vai ser deixado neste pedaço de papel é um convite a sonhar acordado. Vamos a isso? Imagine-se a ser recebido, no modesto aeroporto internacional de Siem Reap, em janeiro, por uns calorosos 39º C. Aqui vai começar por adquirir, por 30 dólares americanos, o visto que lhe permitirá ficar até um mês no místico país do sudoeste asiático que se encaixa entre a Tailândia, o Laos e o Vietname. Logo que o oficial de serviço lhe devolva, às mãos ansiosas, o seu passaporte – agora já mais adornado – , são só mais uns passos e estará, finalmente, no Reino do Cambodja! Vamos imaginar que quer mesmo entrar no espírito desta aventura e decide ir logo de Tuk Tuk para o centro da cidade onde ficará alojado. Esta curta viagem, agora apenas imaginária, irá durar cerca de 20 minutos. A estrada e tudo à sua volta é extremamente básico e rural, não há trânsito nem prédios ou casas, mas não fazem falta – há desertos intermináveis pintados de verde-selva. O ar que respira é o primeiro cartão de visita que o Cambodja lhe oferece. Cheira a aventura e terra pura. A descoberta ainda mal começou. A volta de reconhecimento da cidade de Siem Reap é feita ao fim da tarde. Sem mapa, permita-se perder-se num autêntico labirinto de estradas repletas de motorizadas, restaurantes,

96

bares e vendedores ambulantes. É a confusão organizada. Conseguiu imaginar? Então seja bem-vindo à Ásia! Veja agora bancas de frutas exóticas e coloridas a cada esquina onde, por um dólar, pode experimentar um delicioso batido com os sabores que pretender. Tente imaginar cheiros intensos de comida trazidos pela aragem quente e sons de motor a gasolina misturados com música ao fundo. Sinta o calor no corpo enquanto percorre os mercados noturnos onde não faltam os produtos artesanais bem como todos os tipos de especiarias e condimentos. Não se esqueça de regatear imaginariamente os preços nos mercados tradicionais. Faz parte da experiência. Quando, de soslaio, reparar que o rio que atravessa a cidade é absolutamente encantador, especialmente à noite, ornamentado de luzes coloridas que boiam na água e cruzado por pontes em madeira que o atravessam alumiadas por simples candeeiros de palha, vai questionar qual poderá ser a justificação para não ter sonhado com esta viagem mais cedo. Demore-se uns minutos num banco de bambu de uma dessas pontes a absorver o contraste entre a animação noturna das margens e a tranquilidade silenciosa das águas do rio. Neste precioso momento vai ter a certeza que não podia sonhar estar em mais lado nenhum. O dia seguinte começa antes das 5 horas da manhã. Ainda assim é certo e sabido que, mesmo nas viagens imaginárias, não será dos primeiros a chegar ao maior ex-libris de todo o


VIAGENS

Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e 2.º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

país – Angkor Wat, a antiga capital do império Khemer. Vamos combinar que, nesta viagem mágica criada pelos seus sentidos, será conduzido por um amigável condutor de Tuk Tuk chamado Sina. No Tuk Tuk vermelho, que já o esperava à porta do hotel e vai ser o seu meio de transporte nos próximos dias, pode ler “The Red Rocket” e só isso já o deixa bem-disposto logo pela manhã. Imagine-se a si de calções e t-shirt e a ele de casaco, enquanto se encaminham, no seu caricato transporte, até aos templos de Angkor, a cerca de 10 minutos de viagem, pelo breu da noite. O dia ainda não nasceu, mas você já sabe que a terra do antigo império Khmer – que durante séculos dominou o sudoeste asiático – está cheia de tudo aquilo que nos habituámos a ver nos filmes de aventuras. Está ansioso para que o dia desvende o que está à sua volta. O Sina vai levá-lo a uma espécie de bilheteira de beira de estrada onde, por 40 dólares, comprará um bilhete que permitirá perder-se durante três dias neste misterioso complexo ancestral. Depois disto, o Sina, que lhe explicou que, de manhã, tem mesmo frio porque esta é – imagine-se! – a época mais “fresquinha” no Cambodja, vai deixá-lo na escuridão da noite e apontar para o vazio. É a primeira paragem. A capital do império Khmer está prestes a despertar à sua frente. O caminho a pé é curto mas está escuro e, neste instante, continua a não ter perceção do que está ao seu redor. Aliás, mal consegue ver o caminho que pisa e apenas vai sendo fugazmente alumiado por luzes de telemóvel. Mas tinha de ser assim, afinal vai presenciar um dos espetáculos mais arrebatadores que nos sobram das civilizações ancestrais: o nascer do sol em Angkor-Wat. E este nascer do sol pode até acontecer tímido por entre as nuvens mas vai revelando, aos poucos, um pedaço de história assombroso. Se quer continuar esta viagem, é aqui que tem de usar todas as suas capacidades criativas e imaginar a sério. Por favor, tome uns segundos. Pare um pouco, respire fundo e concentre-se. Angkor-Wat, a maior construção religiosa do mundo, nasce com o dia. Tudo isto à sua frente. Está prestes a sentir-se esmagado pela beleza, diversidade e dimensão dos templos que expiaram batalhas e vivências dos povos guerreiros que se digladiaram pela extensão do império Khmer. Povo esse que, há mais de 800 anos, fez deste local a sua capital e criou, ao seu redor, infraestruturas complexas que ocupavam uma área de cerca de 3.000 km2. Está, por isso, a pisar o chão da maior cidade pré-industrial da humanidade. Aqui, os pelos dos braços têm vontade própria e eriçam-se contra a humidade matinal da selva que o rodeia. Mas calma, este é só o primeiro arrepio. No mínimo vai ter de explorar toda esta vasta área de templos por dois dias completos. A pensar nisso, o seu guia-amigo Sina vai sugerir-lhe fazer, num dia, o chamado circuito curto, ao longo do qual se percorrem menos quilómetros para ver mais templos próximos uns dos outros, deixando assim o circuito

longo, com mais quilómetros mas menos edificações, para o dia seguinte. Não vale imaginar só um dia nestes templos. Têm de ser dois, no mínimo. É que o grandioso templo de Angkor-Wat, construído originalmente como templo hindu e posteriormente convertido à adoração budista, não é mais do que a porta de entrada para outras não menos extraordinárias construções ancestrais. Ta Prohm, Bayon, Baphuon, Ta Keo, Banteay Kdei, Phimeanakas serão sons estranhos para os seus ouvidos mas visões deslumbrantes para os seus olhos. Nos intervalos entre templos, dará por si a trocar ideias com o seu novo amigo Sina. Afinal, não quer ser apenas mais um turista de massas. Quer conhecer a realidade do povo Cambojano e ter oportunidade de lhe falar também sobre Portugal. Ele vai ajudá-lo a refrescar as ideias oferecendo-lhe garrafas de água saídas da geleira do Tuk Tuk. Neste calor, estas serão as melhores águas que bebeu na vida. Enquanto bebem à sombra, pergunte-lhe pela família, pelo que fez antes de ser condutor de Tuk Tuk e o que espera que os seus filhos façam. Ele vai responder-lhe, umas vezes, com alegria e, outras, nem tanto, mas sempre com esperança a cintilar nos olhos. Esta é uma autêntica viagem dos sentidos e, por isso, também vai querer saborear a comida local. Suponha agora que, num destes números da Sollicitare, tinha lido que deveria experimentar um prato de Amok, o mais típico pitéu cambojano à base de peixe do rio, envolto num molho verde que – receio bem – nunca vá chegar saber de que seria feito, coberto de frutos secos e, claro, acompanhado de arroz. Para outro dia vai deixar a prova de Lok Lak, outro prato típico. Quanto a estes dois, pode assumir que é proibido não provar. Depois, se for suficientemente curioso e audaz, poderá experimentar rã, crocodilo, cobra ou outros petiscos que não são propriamente assíduos na dieta mediterrânica. Se há certeza neste sonho acordado, esta é uma delas: vai sempre querer ver mais um templo, deter-se em mais um detalhe hindu ou budista, respirar fundo mais uma vez, sentar-se em mais uma raiz de uma árvore a quem o tempo ordenou que devorasse as pedras gigantes que aqui foram postas por mão humana à revelia da selva, olhar demoradamente para mais um lago, beber mais um sumo, provar mais uma fruta, dar mais uma volta no Tuk Tuk do seu novo amigo Sina. Terras das monções, de vegetação densa e de povos afáveis. Construções maravilhosas e inexplicáveis, rodeadas de selva. Imagine que isto existe e que este sonho pode ser verdade. Imagine que, algures no Camboja, vive mesmo um condutor de Tuk Tuk chamado Sina, pronto a mostrar-lhe tudo o que sabe sobre o seu país e sempre com um sorriso puro, repleto de entusiasmo. Imagine. E agora?! Quer saber se o sonho é real? É fácil, ganhe coragem, compre os bilhetes e, qualquer coisa, pergunte ao Sina (facebook.com/sina.sruoch). : :

Sollicitare 97



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.