Sollicitare EDIÇÃO N.º 17 \ FEVEREIRO 2016 \ €2,50
A FUNDAÇÃO QUE QUER CONHECER PORTUGAL ENTREVISTA COM NUNO GAROUPA PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA DA FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS
À CONVERSA COM ALBERTINA MARIA GOMES PEDROSO
PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETIVO DO IGFEJ, I.P.
TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS CONHEÇA OS SEUS MISTÉRIOS
JOSÉ CARLOS RESENDE O PRIMEIRO BASTONÁRIO DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
FICHA TÉCNICA
Sollicitare
ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Diretor Paulo Teixeira Editor Carlos de Matos Chefe de Redação Rui Miguel Simão Redatores principais Ana Filipa Pinto, André Silva Colaboram nesta edição: Catarina Nogueira, Diana Andrade Elisabete Couto, Helena Bruto da Costa Luís Paiva, Maria João Justiça Miguel Ângelo Costa, Patrícia Passos Samuel Sousa, Sérgio Fernandes Sónia Costa Moura Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 c.geral@solicitador.net Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.norte@solicitador.net Conselho Regional de Coimbra c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.sul@solicitador.net Design Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Tiragem: 6 000 Exemplares Periodicidade: Três vezes por ano ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 c.geral@solicitador.net www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.
EDIÇÃO N.º 17 \ FEVEREIRO 2016
REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE Rui Carvalheiro (Lisboa) 1.º SECRETÁRIO João Fonseca (Torres Vedras) 2.º SECRETÁRIO Vítor de Oliveira Gonçalves (VILA Nova de Famalicão) CONSELHO GERAL PRESIDENTE José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1.º VICE-PRESIDENTE Paulo Teixeira (Matosinhos) 2.º VICE-PRESIDENTE Edite Gaspar (Lisboa) 3.º VICE-PRESIDENTE Carlos de Matos (Lisboa) 1.ª SECRETÁRIA Rute Baptista Pato (Benavente) 2.º SECRETÁRIO Rui Miguel Simão (Lisboa) TESOUREIRO João Capítulo (Sesimbra) VOGAIS João Coutinho (Figueira da Foz), Elizabete Pinto (Porto), Luís Rua Teixeira (Lousada), Carla Franco Pereira (Évora), Edna Nabais (Castelo Branco), CONSELHO FISCAL PRESIDENTE Miguel Ângelo Costa (Barcelos) SECRETÁRIA Dina Matos (Lisboa) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE António Brás Duarte (Lisboa) VICE-PRESIDENTE Jorge Cerdeira Gil (Évora) SECRETÁRIO Daniel Sales (Viana do Castelo) VOGAIS Palmira Valério (Arraiolos), Maria de Lurdes Paiva (Lamego), Carla Carlão (Porto), Maria Conceição Torres (Marinha Grande), Jorge Lapa (Coimbra), Graça Isabel Carreira (Alcobaça), Valter Rodrigues (Moita) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE Júlio Santos (Silves) VICE-PRESIDENTE Aventino Valdemar Martins de Lima (Lisboa) VOGAIS Fernando Rodrigues (Matosinhos), Marco Antunes (Vagos), Cláudio Serra (Guimarães) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTE DE EXECUÇÃO PRESIDENTE Armando A. Oliveira (Braga) VICE-PRESIDENTE Jacinto Neto (Loures) SECRETÁRIA Mara Fernandes (Lisboa) VOGAL Duarte Pinto (Porto) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE Joaquim Baleiras (Porto) VICE-PRESIDENTE Luís Ribeiro (Matosinhos) SECRETÁRIA Lídia Coelho da Silva (Porto) TESOUREIRA Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS Paula Barbosa (Paredes), Alberto Godinho (Porto) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE Cristina Ferreira (Coimbra) SECRETÁRIO José Luís Fonseca (Coimbra) VOGAIS Maria dos Anjos Fernandes (Leiria), Carlos Almeida (Viseu), Amélia Saraiva (Guarda) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE Armando Manuel de Oliveira (Lisboa) VICE-PRESIDENTE João Manuel Salvadinho Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIO Maria José Martins Palma Vieira dos Santos (Silves) TESOUREIRO António Serafim Correia Novo (Portalegre) VOGAIS Natércia Reigada (Lagos) Estatuto editorial disponível em: www.osae.pt/comunicacao/estatutos-editoriais/
Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.
EDITORIAL
O
Paulo Teixeira e Carlos de Matos
número 17 da revista Sollicitare é apresentado sob a égide do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Um novo paradigma para a nossa associação pública e para os profissionais – solicitadores e agentes de execução – que representa. Mais um passo gigante que prova que a História da nossa associação pública profissional continua a ser escrita sobre os sólidos alicerces do passado e ambicionando fazer parte do futuro. Quanto a isso, não há dúvidas. Aliás, o novo Estatuto, que entrou plenamente em vigor no passado dia 23 de janeiro de 2016, comprova isso mesmo e prepara a nossa Ordem para os desafios que naturalmente se nos depararão, munindo os profissionais que representamos das ferramentas e condições necessárias para melhor servirem as sociedades, outras pessoas coletivas, os cidadãos e a Justiça no seu todo. Nesse dia, na cerimónia protocolar de tomada de posse dos novos órgãos e dos elementos cooptados, tivemos o grato prazer de receber a Senhora Secretária de Estado da Justiça, Dra. Anabela Pedroso. Para além da honra e do orgulho com que esta visita nos preencheu o espírito, a presença e as palavras da Senhora Secretária de Estado trouxeram ainda mais confiança num amanhã marcado pela cooperação e pela busca de caminhos inovadores. Neste virar de página, é de toda a justiça, nesta nova edição da revista, darmos destaque a um Homem honesto, lutador, tenaz, por vezes obsessivo em prol dos outros, que ficará na História da Ordem, não só, mas também, como o primeiro Bastonário. Com toda a franqueza e clareza de espírito, esse marco emblemático, porém indelével, não teria melhor, nem mais honrado protagonista do que o Colega José Carlos Resende. Quem tem acompanhado o percurso da nossa associação sabe que José Carlos Resende é uma daquelas figuras que marcou e continuará a marcar a nossa Instituição de uma forma inapagável e cuja experiência nos vários cargos que ocupou será, seguramente, matéria indispensável a uma reflexão futura sobre o caminho que queremos. É um exímio pensador e, como tal, as ideias para a classe brotam de uma forma natural. Dedica-se, com vontade e real prazer, à luta pelos direitos e interesses daqueles que representa, por projetos em que nunca deixa de acreditar e, acima de tudo, por uma Justiça à medida dos cidadãos e para os cidadãos. Com sentido de humor e jeito invulgares para contar histórias da sua vivência profissional, o nosso Bastonário desvenda, nesta reportagem, como chegou até aqui e muitos dos momentos que tornaram isso possível. Neste número ficaremos também a saber mais sobre o trabalho do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Alto-Comissariado para as Migrações. Conversámos ainda com António Freitas, diretor do departamento de administração geral do Conselho Geral da OSAE e conhecido funcionário desta casa. Desvendámos alguns dos mistérios do Teatro Nacional de São Carlos, numa visita durante a qual entrevistámos a maestrina Joana Carneiro. Visitámos o Jardim Zoológico de Lisboa. Com o estilista Luís Buchinho ficámos a conhecer inúmeros segredos do universo da moda. E falámos ainda sobre arte tumular com Francisco Queiroz, especialista nesta matéria. Não estando aqui mencionados todos os trabalhos que integram este número, é irrefutável a diversidade de temas e nomes que surgem na nossa revista institucional. Uma revista que pretende continuar a abrir portas e a aproximar a nossa Ordem de todos os que representamos e da restante sociedade para a qual trabalhamos. A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução seguirá o seu caminho. Mas, para isso, necessitará, indubitavelmente, da colaboração de todos os associados. Convictos do quão imprescindível é a mão humana, não hesitamos ao afirmarmos o sucesso de projetos inovadores e desafiantes como o GeoPredial, a constatação, o leilão eletrónico ou o PEPEX continuarão a depender do empenho dos solicitadores e dos agentes de execução – profissionais ambiciosos, qualificados e capazes de continuar a escrever a história da nossa Ordem. : :
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N.17 \ FEV. 2016
José Carlos Resende
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O primeiro Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
I Fórum dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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Pelo país. A preparar o futuro
Cerimónia de Tomada de Posse
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Novos órgãos e membros cooptados para o Conselho Geral, para o Conselho Superior e para o Conselho Profissional dos Agentes de Execução da OSAE
Albertina Maria Gomes Pedroso
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Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.
Fotografia capa: Cláudia Teixeira
Editorial 1 Profissão GeoPredial® a caminho do cadastro predial? O Código do Procedimento Administrativo A tecnologia ao seu dispor PixClip, PDF Creator e Smallpdf Sociedade Do Direito à Psicologia Forense Prémios Nobel A história do mais prestigiado prémio Associação Animais de Rua
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Ensino Superior A Licenciatura em Solicitadoria do IPMAIA Entrevista a Tiago Oliveira Silva, Coordenador da Licenciatura em Solicitadoria do Instituto Politécnico da Maia Entrevista Francisco Queiroz “Compreender a arte tumular” Legislação actual sobre os cemitérios Formação Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Sinopse das principais alterações na Formação
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Teatro Nacional de São Carlos
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Um Teatro de todos. Entrevista com a Maestrina Joana Carneiro
Nuno Garoupa
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Presidente da Comissão Executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos
Entrevista com Pedro Calado
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Alto-Comissário para as Migrações
Luís Buchinho
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As linhas que cosem a carreira do estilista.
Labor Improbus Omnia Vincit Bibliotecas Jurídicas Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Entrevista com José Duarte Nogueira Ordens Medicina Dentária: A Profissão Médica Responsável pela Saúde Oral
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OSAE Entrevista a António Freitas, Diretor do Departamento de Administração Geral do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução 66 Um Magusto à moda do Conselho Regional do Porto 73
Reportagem Visita ao Jardim Zoológico de Lisboa Um mundo inteiro no centro de uma cidade
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Sugestões A Justiça e o Cinema Livros Jurídicos Sugestões de leitura
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Roteiro Gastronómico Restaurante Toma Lá-dá-cá Ground Burger
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Viagens Leiria. Uma cidade a visitar Konichiwa! À descoberta do Oriente
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UMA HISTÓRIA QUE JÁ VAI LONGA.
JOSÉ CARLOS RESENDE BASTONÁRIO DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
“Escrevi no meu diário, com 14 anos, que nunca seria um burocrata como o meu pai, que era escrivão de direito. Escrevi que a minha ambição era ter uma profissão que acabasse em ‘or’. Aviador, explorador, etc. Na altura, desconhecia o que era um Solicitador.” Há quem diga que memorizamos melhor algo que conte histórias. Na vida de José Carlos Resende, tudo tem uma história, uma forma de acontecer. Nasceu em 1955, cresceu em Viana do Castelo. Hoje, é Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Ninguém diria que aqui não há uma boa história à espera de ser contada. Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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Entrevista ??? Fotografia ???
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OSTA de ler sem parar e de passear depressa. Diz-se um “visitante impaciente”. E, no que toca aos livros, muitos são os que estão por acabar, mas não consegue deixar de comprar mais. Às vezes, também não resiste a saltar páginas, tal é a “sofreguidão para saber o que vai acontecer”. Contudo, há momentos em que volta atrás, quando sente que “o salto foi grande. E dá-me um particular gozo reler livros passado um tempo”. Talvez seja esta pressa de viver que o faz gostar tanto de banda desenhada: “Gosto da história que nos conta a vida das pessoas relacionando-a com acontecimentos que parecem escritos por um destino superior. Também gosto da banda desenhada pela rapidez e simplicidade com que transmite a ideia”. Nessa correria desenfreada, impõe-se o vício de apontar o que vai vivendo e o que não se quer esquecer de viver. “Tenho cerca de 1400 notas.” Trabalhou nos estaleiros de Viana do Castelo e, perante a crise registada no mercado laboral após o 25 de abril de 1974, foi servente da construção civil. “Nessa altura, o meu pai disse-me que tinha saído uma lei nova que permitia a criação e a entrada na profissão de Solicitador. Convence-me a ir experimentar, acabo por aceitar. Ele rapidamente arranja um patrono e põe-me a fazer um estágio com um Solicitador de Viana do Castelo. Foi a primeira formação organizada pela Câmara dos Solicitadores. Até essa data, os chamados Solicitadores Encartados só iam ao Supremo Tribunal de Justiça fazer um exame quando se sentiam preparados. A partir do estatuto de 1976, passou a existir um exame de dois em dois anos.” Era o mais novo do grupo de candidatos. Tinha 23 anos. “O Daniel Lopes Cardoso, que foi meu colega de curso, tinha mais dez anos que eu.” Os primeiros passos tinham certezas e receios, convicções e dúvidas, planos e, claro está, improvisos. Aliás, se assim não fosse, dificilmente haveria histórias tão boas para contar: “Quando comecei a trabalhar, ao fim de dois ou três anos (já trabalhava comigo a Rosa Maria, a minha primeira secretária, que, mais tarde, veio a ser Solicitadora e, hoje, é minha colega), entrou pelo meu escritório uma senhora que me apresentou uma escritura notarial para saber se estava segura. Li a escritura, tentei traduzir-lhe os efeitos da mesma e disse-lhe que tinha valor jurídico, mas que era conveniente efetuar o registo. Entretanto, a senhora vai embora, sem me perguntar o valor do meu serviço. Meia hora depois, a senhora volta a entrar no meu escritório e diz-me que tinha reparado que o meu relógio era igual ao dela. Acrescentou que já tinha ido a todo o lado para tentar acertar o relógio e que ninguém o conseguia fazer. Deu-me o relógio para a mão. Lá consegui ajustar as horas e a senhora pagou-me 17 escudos e 50 centavos pelo trabalho de lhe acertar o relógio. Cheguei à conclusão que como Solicitador não teria grandes hipóteses, mas como relojoeiro poderia vir a ter alguma sorte”. Seduzido pela busca de soluções para problemas e pela oportunidade de corrigir o que parecia errado, depois de abraçar a profissão, abraçou a Câmara que hoje é Ordem. E muito mudou desde então. “A primeira vez que entrei
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JOSÉ CARLOS RESENDE
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JOSÉ CARLOS RESENDE
na Câmara como elemento da direção foi, como membro do Conselho Geral, na Alameda Dom Afonso Henriques. Não cheguei a conhecer as instalações no tribunal da Boa-Hora. É evidente que, quando fui eleito pela primeira vez como presidente do Conselho Geral, em 1999, fiquei surpreendido pela pequenez da Câmara. O Conselho Geral tinha apenas dois funcionários. Neste momento, contando com todos os funcionários, são cerca de 70. Em 1999, vinha a Lisboa de 15 em 15 dias e raramente dormia cá. Neste momento, vou a casa dois dias por semana. A estrutura é radicalmente diferente. Nessa altura, devíamos receber um convite de três em três meses. Agora, todas a semanas somos convidados para uns dez ou quinze eventos. Todavia, o crescimento por si só não pode ser um objetivo. Sentir a melhoria de qualidade, aumentar o nível de respeito pelos associados são as metas que me continuam a mover”. Não se trata de um trabalho, de uma obrigação. Falamos de um projeto revestido de prazer e dedicação, no qual se depositam sonhos que não se esgotam. Motivação para isso? “A loucura tenho quanto baste, mas o prazer de fazer e de enfrentar o desafio é a parte mais doentia da minha personalidade”, admite. E são os momentos que vão alimentando esse vício que faz bem. Quando se pedem exemplos, José Carlos Resende hesita na escolha. São tantos. Olha para cima, esboça um sorriso. Mexe no gravador. “Quando olho para trás e revejo a história, existem momentos de grande prazer. Por exemplo, a Assembleia Geral de 2002, em que se aprovou a alteração do Estatuto. Juntámos mais de cinco centenas de solicitadores, mais duzentas ou trezentas procurações, na Universidade Católica. Era essencial, pois era necessário que um terço dos solicitadores aprovassem a alteração ao Estatuto. Também o primeiro Congresso, quando conseguimos que estivesse presente o Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Ministro da Justiça, o Ministro da Reforma Administrativa, entre outros. Foi um momento de grande impacto na vida da Câmara e que marca o nosso lançamento para as reformas que ocorreram em 2003. É claro que também temos momentos muito complicados como a morte do Daniel Lopes Cardoso e do Mário Santos, entre outros. Afinal de contas, quando nos envolvemos neste género de desafios, sabemos que haverá dias maus. Mas para a história ficarão aqueles que, nesses dias, souberam ser solidários. Daí nascem amizades que nunca mais acabam”. Entre dias mais ou menos felizes, a mudança mais recente aconteceu com a passagem a Ordem. E o Bastonário que era Presidente acredita que, apesar do simbolismo e das alterações relevantes decorrentes do novo Estatuto, “estruturalmente, continuamos a falar de uma associação pública. O nosso objetivo é defender o interesse dos cidadãos a quem os nossos associados prestam serviços. Os nossos associados só terão trabalho e serão respeitados profissionalmente se trabalharem a favor e em prol do cidadão e da Justiça”. E quanto ao título de Bastonário? “Tirando a possibilidade de ser enterrado num cemitério e de porem lá ‘aqui jaz um bastonário’ em vez de ‘presidente’... De resto, é exatamente a mesma coisa.”
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“SE OLHAR PARA TRÁS, NÃO HESITO EM FALAR DO IMENSO GOZO QUE DEU ESTAR À FRENTE DESTA ASSOCIAÇÃO PÚBLICA. UM GOZO QUE ESTEVE NO DESAFIO E NA INTEGRAÇÃO DE EQUIPAS COM GENTE QUE QUERIA FAZER COISAS DIFERENTES. ESSAS PESSOAS É QUE CONSEGUIRAM LEVAR OS PROJETOS PARA A FRENTE. FUI ATREVIDO E VALEU A PENA.”
Chegado à sede, distribui bons dias personalizados. Apesar da dimensão da Ordem, bem diferente da de outrora, e reconhecendo a autonomia com que o trabalho é feito, sabe o que se passa em cada departamento. “Acompanho os diversos setores e vivo de perto tudo o que se vai acontecendo. A proximidade que tenho com todos os funcionários vem daí. O meu estilo e a minha forma de estar obrigam-me a um grande envolvimento.” Pouco metódico segundo palavras próprias, mas adepto da organização, José Carlos Resende é um homem que preza hábitos como a leitura semanal do Expresso (este mantém deste 1973). E embora faça questão de não esquecer o quão pequeno é o ser humano, não se imagina parado. “Resulto de uma mistura entre o meu pai, que tinha um quê de indomável e trabalhador, e a minha mãe que é uma pessoa muito cartesiana, que analisa bem das coisas, que sabe distinguir o principal do secundário. Contudo, não seria o que sou se não tivesse trabalhado na construção civil durante dez meses, se não tivesse participado na revolução entre 1972 e 1975, se não tivesse sido presidente dos bombeiros de Viana do Castelo, se não tivesse sido membro da assembleia municipal, se não gostasse muito de ler, se não tivesse andado pela Universidade Portucalense ou num mestrado nunca acabado no IPCA, se não tivesse sido formador, nomeadamente sobre processo de inventário, numa das experiências que mais me motivou, se não tivesse cinco colegas que me aguentam o escritório, grandes amigos e uma família ‘multi-relacional’… De tudo isto se faz uma pessoa.” Percorreu os corredores da Ordem em muitas das suas sedes. É para a atual que regressa agora. Lá, acima de tudo, são as pessoas que o esperam. Fica perto do Jardim das Amoreiras, para onde vem pensar no passo seguinte. E uma coisa é certa: mesmo nos momentos em que se impõe a dúvida, não suspeita do mérito da caminhada que já vai longa. Tal como a história. “Se olhar para trás, não hesito em falar do imenso gozo que deu estar à frente desta associação pública. Um gozo que esteve no desafio e na integração de equipas com gente que queria fazer coisas diferentes. Essas pessoas é que conseguiram levar os projetos para a frente. Fui atrevido e valeu a pena.” : :
ENTREVISTA COM ...............
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OSAE
Viseu
I FÓRUM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
PELO PAÍS A PREPARAR O FUTURO
Setúbal
Texto André Silva / Fotografias OSAE
Falamos de uma nova iniciativa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) que correu o país e que proporcionou, a todos os associados e participantes, um momento de partilha e discussão em torno de questões fraturantes no quotidiano dos profissionais: a primeira edição do Fórum dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
Faro
Bragança e Vila Real
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SantarĂŠm
Évora e Beja
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Braga e Viana do Castelo
Aveiro e Coimbra
Aรงores
Lisboa
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Madeira
Porto
Leiria
I FÓRUM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
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Castelo Branco e Portalegre
e acordo com José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, “esta iniciativa consistiu num conjunto alargado de reuniões de associados que se realizaram nas Comarcas do continente e regiões autónomas, destinando-se a promover, de forma descentralizada, o debate dos temas mais relevantes da atualidade dos profissionais que representamos e devemos esclarecer”. Viseu deu o mote. Contudo, o I Fórum dos Solicitadores e dos Agentes de Execução abrangeu ainda as comarcas de Santarém, Setúbal, Évora e Beja, Faro, Bragança e Vila Real, Braga e Viana do Castelo, Castelo Branco e Portalegre, Aveiro e Coimbra, Lisboa, Porto e Leiria. Também os Açores e a Madeira emprestaram as suas paisagens para serem cenário destes encontros. Tudo isto entre os meses de setembro e novembro do passado ano. O processo de inventário, o novo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e as consequências para a profissão e o regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores foram os temas debatidos. Para José Carlos Resende, estes temas foram os escolhidos porque “são os mais marcantes da atualidade profissional, tendo um evidente impacto no desempenho das funções dos associados. É nosso dever garantir o devido esclarecimento, clarificar todas as mudanças e criar pontes de proximidade”. Organizados pelos Conselhos Regionais, com o apoio do Conselho Geral, nestes eventos ficou comprovado, através dos números, o elevado nível de adesão e interesse dos associados. “O número de participantes foi o esperado para uma primeira edição desta iniciativa. É para continuar e, acima de tudo, é para continuar a crescer. Estou convicto que a segunda edição será ainda maior e melhor. Trabalharemos para isso”, referiu José Carlos Resende. No final de cada Fórum foram ainda entregues os diplomas aos novos associados. Sendo este um momento marcante na carreira de qualquer profissional, o qual dificilmente se esquecerá, aliar o mesmo a uma ocasião como a do Fórum de associados permitirá torná-lo ainda mais simbólico e especial. Aliás, essa é a perspetiva do Bastonário da OSAE. Segundo José Carlos Resende, “é fundamental marcar a entrada na profissão. Foi ainda uma oportunidade para nos conhecermos e para que estes associados pudessem conversar e interagir com os membros mais antigos das suas comarcas”. Para terminar, todos os encontros foram marcados por um jantar de confraternização. Local ideal para a partilha de planos e experiências. No momento de dizer “para o ano há mais”, imperou o balanço otimista: “Considero que foi extremamente positivo. Contamos, contudo, que as próximas edições possam de ser feitas em mais comarcas e com salas ainda mais cheias”, salientou José Carlos Resende, confiante numa classe que chegou mais longe também graças à sua capacidade de diálogo e troca de ideias. : :
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OSAE
ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
CERIMÓNIA DE TOMADA DE POSSE UMA NOVA PÁGINA Texto André Silva / Fotografias Cláudia Teixeira
No passado dia 23 de janeiro, decorreu, na sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), a cerimónia de tomada de posse dos novos órgãos e dos membros cooptados para o Conselho Geral, para o Conselho Superior e para o Conselho Profissional dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Esta data ficou fixada também para a produção de efeitos das restantes normas do Estatuto, nomeadamente as que implicam contagem de prazos. A mesa desta cerimónia foi composta pela Secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, pelo Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, José Carlos Resende, pelo Presidente da Assembleia Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Rui Carvalheiro, e pelo Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Armando A. Oliveira. Uma vez empossado, também o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Júlio Santos, integrou a mesa.
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o longo da manhã, foi dada posse, por esta ordem, aos membros eleitos para a Assembleia de Representantes do Colégio dos Agentes de Execução, aos membros eleitos para a Assembleia de Representantes do Colégio dos Solicitadores, aos membros eleitos para a Assembleia de Representantes da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aos delegados distritais, aos membros do Conselho Regional de Coimbra, aos membros cooptados para o Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, aos membros do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, aos membros cooptados para o Conselho Superior, aos membros cooptados para o Conselho Geral e aos membros do Conselho Fiscal. Durante a cerimónia, fizeram uso da palavra o Presidente da Assembleia Geral, Rui Carvalheiro, a Presidente do Conselho Regional de Coimbra, Cristina Ferreira, o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores, Júlio Santos, e o Presidente do Conselho Fiscal, Miguel Ângelo Costa. Perto do final da cerimónia, José Carlos Resende deixou algumas palavras focadas no futuro, mas também preocupadas em recordar o caminho percorrido e que hoje é apontado como um exemplo a seguir a nível internacional. Anabela Pedroso, Secretária de Estado da Justiça, salientou a cooperação da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, enaltecendo o sentimento de união e o espírito inovador que norteiam todos os projetos desta casa. Após o almoço, que coincidiu com um momento de convívio e partilha, realizaram-se três assembleias: dos Representantes do Colégio dos Solicitadores, dos Representantes do Colégios dos Agentes de Execução e dos Representantes da OSAE. No final desta tarde, reuniram ainda os Delegados Distritais.
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CERIMÓNIA DE TOMADA DE POSSE
DELEGADOS DISTRITAIS Beatriz T. Canto (Açores), Maria Elisa Malhão (Alentejo), António Armando (Aveiro), Paulo Branco (Braga), Armando A. Mendes (Bragança), Cláudia Paulo (Castelo Branco), Amílcar dos Santos Cunha (Coimbra), José Jácome (Faro), Prazeres Varandas (Guarda), Lénia Conde Alves (Leiria), Ana Paula Gomes da Costa (Lisboa), Sérgio Valentim Fernandes (Madeira), Madalena Ralha (Porto), Paulo Melo (Santarém), João F. Lameiro Pinto (Setúbal), Isabel Ramos (Viana do Castelo), Adelina Soares (Vila Real) e Anabela Veloso (Viseu).
Foi pelas 15 horas que, simultaneamente, ocorreram as assembleias dos Representantes do Colégio dos Solicitadores e do Colégio dos Agentes de Execução. Estas assembleias tinham como objetivo a eleição das respetivas mesas. No âmbito da Assembleia dos Representantes do Colégio dos Solicitadores concorreram, para esta eleição, duas listas, tendo sido escolhida a composta por Paulo Branco (presidente), Paula Pereira (1.ª secretária) e Anabela Veloso (2.ª secretária). Na outra sala, na assembleia de Representantes do Colégio dos Agentes de Execução, a ordem de trabalhos era composta por dois pontos: a eleição da mesa e considerações gerais sobre alterações ao Estatuto. Neste caso, concorreu apenas uma lista composta por Alexandra Cidades (presidente), Nuno Almeida Ribeiro (1.º secretário) e Marco Santos (2.º secretário). Uma vez eleita a mesa e já no âmbito do ponto dois, o presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução, Armando A. Oliveira, fez um resumo das mudanças associadas ao novo Estatuto e deixou alguns apelos aos colegas recém-empossados. A partir das 16 horas, no auditório do piso 1, teve lugar a Assembleia de Representantes da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Também nesta assembleia foram eleitos os elementos para a mesa. Após a votação, Rui Carvalheiro (presidente), João Fonseca (1.º secretário) e Gonçalves Sapinho (2.º secretário) ficaram responsáveis por assegurar a condução das futuras reuniões da Assembleia de Representantes da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Perto do final de um dia preenchido, pelas 17h30, na biblioteca Daniel Lopes Cardoso, reuniram os Delegados Distritais, tendo sido debatidos diversos temas com relevância para solicitadores e agentes de execução. : :
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ENTREVISTA
“As tecnologias serão cada vez mais relevantes, mas a pessoa será sempre o centro da Justiça”
ALBERTINA MARIA GOMES PEDROSO JUÍZA DESEMBARGADORA, PRESIDENTE DO CONSELHO DIRETIVO DO INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA, I.P.
Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira
Enquanto pilar da democracia, a Justiça é também, e acima de tudo, a garantia do respeito pelos direitos de cada pessoa. Pessoas sem as quais a Justiça não existiria. Não faria sentido. “Vejo a tecnologia como precioso auxiliar na atividade dos tribunais, mas nunca como substituta daqueles que são os seus verdadeiros atores: as pessoas”, explica Albertina Maria Gomes Pedroso, Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. Na sua perspetiva, embora contando com o essencial apoio de inúmeras ferramentas tecnológicas, a Justiça não perdeu o olhar humano. Afinal de contas, só funcionando com e para as pessoas, a Justiça poderá ambicionar cumprir o desígnio que lhe está cometido.
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Como é que a Justiça ganha presença na sua vida? Que marcos destacaria nesse percurso por este universo? A Justiça chegou à minha vida quando era ainda muito jovem. No liceu, tive a perceção que queria estar ligada a esta área. A injustiça foi algo que sempre me chocou profundamente e estar ligada à área da justiça sempre me pareceu um ótimo contributo. A opção pela magistratura judicial surgiu durante a faculdade porque sempre tive um espírito muito independente e via com dificuldade a possibilidade de abraçar, por exemplo, a advocacia, isto é, ter de tomar uma parte e defender uma parte da questão. Sempre me senti mais confortável a decidir pela minha consciência e pela lei. Num percurso profissional muito intenso, trilhado há já 25 anos, houve muitos momentos gratificantes. Pela diversidade das vivências, todas elas muito enriquecedoras, destacaria o exercício de funções na primeira instância, na Comarca e Círculo Judicial de Vila Franca de Xira, e na segunda instância no Tribunal da Relação de Coimbra; os anos de assessoria na área cível do Supremo Tribunal de Justiça; o cargo de Chefe do Gabinete de Apoio ao Vice-Presidente e Membros do Conselho Superior da Magistratura, no período de implementação da Reforma da Organização Judiciária; e o exercício das atuais funções no decurso do último ano. Ao assumir a presidência deste Instituto, enquanto magistrada, como define o seu olhar sobre a gestão da Justiça? É um desafio compatibilizar limites orçamentais e necessidades ligadas a uma área fundamental como a Justiça? É um desafio diário, sem dúvida. Aquilo que sinto como mais relevante é não perder a origem e a visão que tenho sobre o sistema de Justiça na sua globalidade. Relativamente ao Instituto, é essencial manter o olhar e o conhecimento que se tem do sistema, das suas dificuldades e daquilo que se pode melhorar. É um Instituto que tem competências transversais no âmbito do Ministério da Justiça. Responsabilidades quer na área orçamental, quer na financeira. É neste Instituto que se arrecadam as receitas dos tribunais, na vertente das custas judiciais, e se suportam os custos referentes ao acesso dos cidadãos ao apoio judiciário. Falamos também da parte relativa aos empreendimentos, às obras, ao suporte tecnológico da atividade dos serviços e dos tribunais. São competências muito diversificadas e com impacto no funcionamento global do sistema de justiça. Esta missão só é possível graças à dedicação e empenho de dirigentes e colaboradores do IGFEJ, num tempo particularmente difícil, pela escassez de recursos humanos. É alguém que, assumindo a presidência deste Instituto, não perde o conhecimento do que se passa no dia a dia dos tribunais? Não perco, evidentemente. A mais-valia que posso trazer é esse conhecimento muito próximo da realidade e das dificuldades do dia a dia. O maior desafio é tentar satisfazer, paulatina
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e conjugadamente, as necessidades mais urgentes e o planeamento estratégico com base num olhar de melhoria sistemática das condições de funcionamento dos tribunais, algo que se reflete na vida de quem neles trabalha, dos cidadãos e das empresas. Como poderemos explicar o papel deste Instituto nos tribunais? A forma mais fácil de explicar é sublinhando que os edifícios, do ponto de vista da sua construção e conservação, e o suporte tecnológico, entre outros elementos, são da competência do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), sempre em articulação com a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), a qual assegura a vertente funcional relativamente aos tribunais. E quanto ao olhar do cidadão, como caracterizaria o nível de confiança do mesmo na Justiça? Eu gostaria que o cidadão olhasse para a Justiça com confiança, porque a Justiça merece essa confiança. Penso que existe uma perceção muito diferente da parte do cidadão que já teve contacto com a Justiça, com os tribunais, o seu funcionamento, relativamente ao cidadão que apenas conhece a Justiça por aquilo que lhe é trazido por experiências relatadas, frequentemente negativas. Isto porque, na maior parte dos casos, aquilo que é notícia é o que não corre tão bem nos tribunais. O que ainda poderá ser feito para aproximar a Justiça do cidadão? Também passa por uma questão de comunicação? Existe muito a fazer. A Justiça funcionou, durante muitos anos, de uma forma muito fechada. O próprio olhar da comunicação social sobre a Justiça era também um olhar distante. Não havia o interesse que passou a existir à mercê de alguns processos mais mediáticos que tornaram a Justiça mais interessante para os media. Gostava de ver a Justiça a entrar na vida dos cidadãos logo na escola. Era muito relevante explicar o nosso sistema aos cidadãos, escrito de uma forma simples e acessível. No fundo, que conseguisse transmitir que o funcionamento do sistema de Justiça está ligado à vida. Se estas noções mínimas fossem interiorizadas desde muito cedo, a perceção seria completamente distinta. Olhando para o tempo que passou, o que mudou na Justiça? A desmaterialização é apenas uma parte da mudança? É uma parte da mudança e uma parte relevante. Vivemos num mundo tecnológico e o auxílio que as ferramentas informáticas podem trazer no dia a dia do funcionamento do sistema de Justiça é absolutamente essencial. Mas não mudou apenas isso. Mudou também o acesso do cidadão à Justiça, a perceção de que pode recorrer aos tribunais. A própria Justiça também se tornou mais próxima do cidadão, registando-se
ENTREVISTA COM ALBERTINA MARIA GOMES PEDROSO
NÃO CONCEBO UM SISTEMA TECNOLÓGICO QUE CONSIGA DECIDIR EM NOME DO POVO, GARANTINDO UM PROCESSO JUSTO E EQUITATIVO. NÃO DEVE EXISTIR ALGORITMO QUE O CONSIGA FAZER.
“GOSTAVA DE VER A JUSTIÇA A ENTRAR NA VIDA DOS CIDADÃOS LOGO NA ESCOLA. ERA MUITO RELEVANTE EXPLICAR O NOSSO SISTEMA AOS CIDADÃOS, ESCRITO DE UMA FORMA SIMPLES E ACESSÍVEL.”
ainda uma maior desjudicialização. Ocorreu a introdução de um formalismo menos acentuado, com uma menor rigidez. Eu penso que isso é mais notório hoje. A comunicação interinstitucional também beneficiou desta componente tecnológica? Os profissionais e as diferentes entidades mantêm hoje uma maior interação na busca de soluções? Desse ponto de vista, as pessoas são sempre o centro de tudo e são elas que fazem essa diferença na comunicação. O que as tecnologias permitem é que tudo aconteça de forma mais célere. Antigamente, os organismos já comunicavam por carta ou ofício formal, mas hoje, através do correio eletrónico, estas comunicações são bastante mais rápidas. Entendo que a tecnologia ajuda, melhora e torna o funcionamento mais eficaz, mas quem põe as instituições a funcionar são as pessoas. Mesmo sem as máquinas, as pessoas e as entidades tentam procurar soluções conjuntas. Fala-se, muitas vezes, na politização da Justiça ou num olhar demasiado economicista sobre a Justiça – considera que as fronteiras estão evidentes e seguras? Poderemos acreditar numa ligação saudável entre todas estas áreas? Nós temos uma democracia madura. Temos estatutos que garantem a autonomia do Ministério Público e a independência
do poder judicial. Nunca senti, internamente, qualquer politização da Justiça. Quando as análises são efetuadas ou comentadas externamente, penso que é natural que haja a tentação de misturar as áreas. Os tribunais não funcionam por critérios estritamente economicistas e não o podem fazer. Contudo, quanto melhor for o funcionamento dos tribunais, melhor se reflete na área económica. Exemplo disso é a área das execuções. Por onde passará o futuro da Justiça em Portugal? Um dia poderemos vir a ter um tribunal online? As tecnologias serão cada vez mais relevantes, mas a pessoa será sempre o centro da Justiça. Temos em curso imensas soluções tecnológicas que podem ajudar a esse desempenho no dia a dia, facilitando as tarefas, automatizando as que podem ser automatizadas, etc. Tudo isso pode ser conseguido e será, certamente, benéfico para se atingir um encurtamento no tempo da resolução de litígios. Não concebo um sistema tecnológico que consiga decidir em nome do povo, garantindo um processo justo e equitativo. Não deve existir algoritmo que o consiga fazer. Vejo a tecnologia como um precioso auxiliar na atividade dos tribunais, mas nunca como substituta daqueles que são os seus verdadeiros atores. Esses são, sem dúvidas, os juízes, os magistrados do ministério público, os oficiais de justiça, os advogados, os solicitadores e os agentes de execução, entre outros. Isto é, são as pessoas. : :
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PROFISSÃO
GeoPredial® A CAMINHO DO CADASTRO PREDIAL? Nos últimos anos, a promoção do melhor conhecimento e valorização do território nacional tem vindo a materializar-se na publicação de um conjunto de legislação com incidência na terra e no ordenamento do território, numa clara aposta na política dos solos.
Por Elisabete Couto, Gabinete Jurídico do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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a sequência do Programa do XIX Governo Constitucional e das Grandes Opções do Plano 2012-2015, foi publicada, em 30 de maio de 2014, a Lei n.º 31/2014, que estabelece as bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo. Como lei de bases que é, vem dar abertura ao desenvolvimento e concretização dos respetivos regimes jurídicos, isto é, está dado o primeiro passo para a revisão ou criação de diplomas concretizadores das suas disposições. Neste sentido, não podemos deixar de fazer referência ao artigo 73.º que, sob a epígrafe “acompanhamento da política de solos, de ordenamento do território e de urbanismo”, determina que a lei estabelece formas de acompanhamento permanente e de avaliação técnica da gestão territorial e prevê mecanismos que garantam a eficiência dos instrumentos que a concretizam; determina, ainda, a criação de um sistema nacional de informação territorial que permita a disponibilização informática de dados sobre o território, articulado aos níveis nacional, regional e local; por fim, promove a criação de um sistema nacional de informação cadastral que permita identificar as unidades prediais. O legislador quis ainda estabelecer, em disposições transitórias e finais (artigo 76.º), que “estão sujeitos a registo predial, a inscrição matricial, bem como a georreferenciação e a inscrição no cadastro predial, os factos que afetem direitos reais relativos a um determinado imóvel ou lhe imponham um ónus, nos termos da lei”, concedendo um prazo de seis meses, desde a entrada em vigor, para que seja aprovado o regime aplicável ao cadastro predial e respetivos diplomas regulamentares. Aparentemente despercebida, esta norma vem positivar uma inovação, a relevar no âmbito do projeto GeoPredial®, mas cuja concretização legislativa ainda não se verificou na íntegra, não obstante a exposição de motivos daquela proposta de lei manifestar a previsão da elaboração de um novo regime jurídico aplicável
ao registo cadastral, a fim de harmonizar o sistema de registo da propriedade e de promover a conclusão do levantamento cadastral do território nacional. Sem prejuízo, foram já publicados alguns diplomas que, não alterando o Regulamento do Cadastro Predial – Decreto-Lei n.º 172/95, de 18 de julho –, promoveram alterações cirúrgicas relativamente ao modo como se processa a sua execução e que podem mostrar-se suficientes para, numa primeira fase, dinamizar o seu alargamento a todo o território nacional. É o caso da Lei n.º 3/2015, de 9 de janeiro, que regula o regime de acesso e exercício da atividade profissional de cadastro predial, cuja regulamentação opera pela Portaria n.º 380/2015, de 23 de outubro, determinando-se a duração e conteúdos do curso de formação complementar em cadastro predial, bem como as entidades habilitadas para ministrar essa formação e os trâmites da sua certificação. E é nesta regulamentação que observamos a intenção do legislador de incluir os solicitadores na prática dos atos necessários à execução do cadastro predial, ao reconhecer as ciências jurídicas como domínio relevante para o exercício da atividade de técnico de cadastro predial, bem como criando uma tipologia específica para os cursos de formação complementar em técnico de cadastro predial, que abarque os profissionais inscritos na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução há mais de cinco anos. É remetida,
para protocolo com a Direção-Geral do Território, a determinação dos requisitos e metodologias para reconhecimento e formação daqueles profissionais. Sendo o projeto GeoPredial® uma aproximação daquilo que se pretende com cadastro predial, podendo este vir a beneficiar da experiência adquirida naquele âmbito, o mesmo tem nuances próprias, das quais se destaca a possibilidade de obter, em singelo, a constatação, por solicitador, de informação precisa que permite identificar a configuração e localização de imóveis, com a correspondente delimitação georreferenciada do perímetro. O papel histórico do solicitador, enquanto profissional que lida com as mais diversas questões relacionadas com a propriedade imobiliária, torna estes profissionais elementos privilegiados no contacto com os proprietários de imóveis, em especial de prédios rústicos, a maior parte das vezes deslocalizados dos grandes centros urbanos, dado que, em regra, são quem os auxilia na prática de atos jurídicos relativos àqueles bens. O impulso do projeto Geopredial®, associado à recente regulamentação do cadastro predial, merece o acompanhamento e a colaboração recíproca entre os solicitadores e a sua Ordem, a fim daqueles profissionais demostrarem o devido destaque, com que se apresentam, neste âmbito, à sociedade. : :
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REPORTAGEM ENTREVISTA
Teatro Nacional de S達o Carlos
UM TEATRO DE TODOS 24
ENTRE OS RECORTES DA MADEIRA, ESPREITA-SE UMA SALA QUE SILENCIA SEM DEVOLVER RESPOSTA AOS “AH” SUCESSIVOS. DAQUI, ATRÁS DO RELÓGIO SOBRE O PALCO, MUITOS FORAM ESPIADOS. HOJE É DAQUI QUE SAEM AS VOZES DO CÉU, NOS ESPETÁCULOS QUE ASSIM O DITAM. É GRANDIOSA. MAJESTOSA, MESMO.
SÓ O TEMPO PARECE NÃO TER PASSADO POR AQUI. Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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stamos no Teatro Nacional de São Carlos, onde a dourado se escrevem histórias. De amor, até. “O camarote 24, em tempos, não estava dividido. Hoje está. E tem a sua história. Era o camarote do 1.º Barão da Quintela. Com a idade, o 1.º Barão da Quintela deixou de vir. Alugou o camarote ao Marquês de Salamanca que, depois, regressou a Espanha. O neto, com o mesmo nome, Joaquim Pedro Quintela, Segundo Conde de Farrobo, apaixonou-se pela arte, chegou a ser, inclusivamente, um dos empresários do teatro. Era uma pessoa exuberante e muito excêntrica, organizava festas de arromba. Depois, vendeu-o a D. Fernando II e a D. Maria II. D. Maria II morreu e D. Fernando II continuou a vir ao Teatro, onde se apaixonou por uma cantora com quem casou e que passou a ser a Condessa d’Edla. A paixão nasceu aqui. D. Fernando II morre e a Condessa d’Edla, não podendo suportar o valor do camarote, decidiu dividi-lo. Ficou com o camarote mais próximo ao palco e alugou ou vendeu o camarote ao lado. Atualmente, este camarote vende-se como qualquer outro, existindo o 24 A e o 24 B. Mas é engraçado como, ao longo da história, vamos encontrando explicação para tudo.” São histórias dentro da História. E é Luísa Carles, do Centro Histórico, quem nos vai contando cada uma e quem, entre cumprimentos rápidos e sorrisos, nos guia pelos corredores que dão corpo a este teatro que dizem “ter vida”. E tem. Aliás, também o nascimento deste espaço conta uma história, que se cruza com todas as outras. Foi depois do grande terramoto de 1755. Eram muitos os que queriam construir um teatro. Isso só aconteceu quando D. Carlota Joaquina anunciou a sua primeira gravidez, isto é, de D. Maria Teresa, princesa da Beira. Juntaram-se então alguns comerciantes (Anselmo José da Cruz Sobral, António Francisco Machado, António José Ferreira “Sola”, Jacinto Fernandes Bandeira, João Pereira Caldas e Joaquim Pedro Quintela) que convenceram Pina Manique, superintendente, a aproveitar a oportunidade surgida para tentar finalmente edificar o teatro “que permitiria o regresso da arte”. O terreno foi cedido pelo 1.º Barão de Quintela que, em troca, pediu um camarote vitalício. O tal, o 24. Em dezembro de 1792, tiveram início as obras. Embora a princesa tenha nascido a 29 de abril, foi a 30 de junho de 1793 que ocorreu a inauguração oficial. As fotografias são pedaços de memória recortados do tempo. Aquando da sua construção, o edifício “obedecia a uma linha neoclássica, surgindo à revelia dos movimentos barroco e rococó. Tinha azulejos nas paredes, frescos pintados em algumas paredes. Por fora parecia seguir a linha de uma mansão, ninguém imaginaria o que se encontraria cá dentro. Era um teatro bastante mais ‘familiar’, diria, descreve Luísa. Tão familiar que, “se a Maria visse a Lurdes no camarote do outro lado da sala, conversavam mesmo durante a atuação. E há descrições das dificuldades vividas pelos artistas que tinham que pedir ao público que os deixassem atuar”. Nos espetáculos que aqui aconteciam, em acasiões “o povo entrava, revoltava-se contra
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o rei, havia guerras no palco, atiravam coisas”. Era um público muito desordeiro, muito indisciplinado… Não imaginamos! Aqui, em Portugal, existiam umas moedas de bronze. Não eram muito grandes mas eram pesadas, eram as patacas. Estas eram usadas como projéteis em alguns espetáculos em sinal de desagrado pelo que acontecia no palco. Inclusive, consta que neste corredor da entrada, para além do bengaleiro, existia uma enfermaria e um posto de polícia”. Tudo isto à luz das velas, o que obrigava à existência de vários intervalos. “Imagine o que é ter que deixar sair as pessoas para respirarem, por causa do fumo das velas. As pessoas entravam aqui às à tarde e saíam à meia-noite porque assim era o teatro – era um ponto de encontro comercial, social, um ritual. E mais: assim que puseram portas nos camarotes, a venda do mesmo por temporadas era feita através da entrega de uma chave. Ou seja, no camarote, entrava quem o comprador quisesse porque o valor estava pago. Portanto, não havia controlo do número de pessoas. Basta ver as fotografias da vinda da Rainha Isabel II, em 1957. Tudo isto porque não era só vir à ópera, era vir ao São Carlos”. A plateia original de forma elíptica, não tinha cadeiras. Inicialmente só aos senhores era permitido o acesso. Os criados vinham, à tarde, deixar a mobília de casa. Acontecia o espetáculo e, no dia seguinte, vinham recolher todos os bens. Difícil de imaginar mas fascinante. Chega a tornar-se intrigante se pensarmos que a ordem chegou com a luz elétrica em 1886. Com ela chegam também compositores como Wagner e Verdi. O público passou a estar ao escuro durante o espetáculo, o palco passou a contar com mutações de cena à mostra do público e a orquestra contaria com mais músicos. Era cada vez mais difícil desviar a atenção do palco quando a arte do bel canto chegava. E era desta plateia, que se confundia com a casa de cada um, que se avistava o palco, também ele especial. Desengane-se quem ouse pensar que, naquele tempo, as grandes obras obedeciam à vontade do acaso. “A plateia desce e o palco sobe, isto exatamente no mesmo ângulo de 6.5% de inclinação. Só este detalhe permite que todas as pessoas ouçam e vejam livremente, sem qualquer obstrução frontal. É um dos poucos teatros que ainda dispensa a ampliação de som. O palco é o original, nele não há nada computarizado, é tudo manual e a contra pesos. Há seis varas motorizadas para as luzes porque é desumano pôr os técnicos a carregar o peso todo destas novas tecnologias. Às vezes eram dez, doze ou mais técnicos a carregar uma vara cheia de projetores. E é dificílimo nivelar uma vara com cinco pontos distintos de suspensão. Tem que haver um equilíbrio perfeito para que não haja sombra. Manualmente era desesperante. Agora tudo se faz em muito menos tempo. No entanto, tudo o resto permanece manual”, destaca Luísa como sendo um dos segredos deste teatro que não se deixa esquecer, que não pode ser esquecido. Entre 1793 e 1934 foram muitas as obras realizadas. Aliás, em 1934 o Teatro encerra e só reabre em 1940. Renasce com uma traça mais linear, mais dourada, ambicionando aproximar-se das grandes casas de ópera europeias. No foyer, as
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colunas “dóricas, jónicas e volumétricas passam a algo extremamente simples e linear” em pedra granito. E assim veio até ao nosso tempo. Num caminho que a História quis que fosse marcado por oportunidades, momentos altos, inesquecíveis. “As grandes guerras obrigaram muitos artistas a fugir do seu país. Vinham para aqui. Sentiam-se protegidos e podiam dar continuidade à sua carreira”. Chegamos ao Salão Nobre, inaugurado em 1796. “Em Portugal existia uma lei que proibia a abertura dos teatros durante a Quaresma. Isso incentivou a criação de um local onde fosse possível continuar a ouvir música sacra. O nome original era sala das oratórias. Era algo mais íntimo e tudo o resto estava fechado. Levantada essa lei, têm sido dadas inúmeras utilizações a esta sala”. Os detalhes encantam, prendem os sentidos. As paredes estão forradas a tecido, há um piano de cauda ao fundo e uma varanda que acompanha o contorno do teto adornado. Os candeeiros estão estrategicamente colocados junto a espelhos recortados com a mesma forma, parecendo que estes invadem a parede. Tudo pensado ao pormenor. Pelos corredores que os anos e a paixão deixaram Luísa conhecer, ficamos a saber que, hoje, nesta casa, onde tudo é feito em madeira, não se pode sentir o cheiro a queimado sem alarmar os que lá trabalham. Atrás de uma das portas pelas quais passamos no edifício anexo, acontece um ensaio do coro. Espreitamos. O maestro agita freneticamente os braços. As vozes encontram-se. Aparentemente sem esforço. Quando o momento é de silêncio, apenas se ouve o canto da viragem da folha onde a música se escreveu. Assim chegamos ao atelier de cenografia e de adereços. Cheira a tinta e, aqui e ali, há pedaços de cenários e passado. Ao fundo, a maquete de Raúl de Campos do imponente
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palco rouba a atenção. Hélder Ferreira, responsável por cada estátua esculpida em esferovite, por cada tela que transporta consigo quem para ela olha, empurra a maquete para o centro da sala, aonde a luz chega. Trata as cores por tu, é amigo de longa data de cada um dos materiais e utensílios com que lida todos os dias. É com quem iremos à teia, onde as cordas se cruzam numa ordem rigorosa mas indecifrável para quem chega. Entre as tábuas que se pisam consegue-se espreitar o palco, bem lá ao fundo. Aqui sobe-se e desce-se o pano, abrem-se e fecham-se as cortinas, com mais ou menos intensidade, mais ou menos velocidade. Não há máquinas, a decisão é humana e tem arte dentro. “Quando vou à teia costumo dizer que, naquele espaço, existe muita força bruta mas cheia de uma enorme sensibilidade. Porque seguir as indicações do maestro, subir um pano ou um cenário no tempo determinado não é fácil”. Ao descermos, pisamos o palco. Percebemos, finalmente, o quão inclinado é. “Aqui não dá para jogar ao berlinde”, remata Helder em tom de brincadeira, ao perceber a surpresa estampada nos rostos. Antes de chegarmos aos elevadores, ainda houve tempo para descobrir de onde vinha a trovoada. Aqui, mesmo em tempos distantes de um motor de busca, confecionava-se artificialmente o que a Natureza jamais deixará copiar. A chuva, o vento, um céu estrelado ou as ondas do mar. Subimos num elevador, também forrado a tecido. Noutros tempos, tinha bancos. As portas, também contornadas a dourado, fecham. E assim somos transportados até ao piso onde fica o guarda-roupa. Neste espaço garante-se a preservação, conservação, catalogação e inventariação de um guarda-roupa composto por cerca de 17 mil fatos. Anabela Vicente trabalha aqui, neste sítio onde o sol entra pelo grande relógio visto por quem passa na rua. Cresceu no Teatro Nacional de São Carlos, ao qual a mãe dedicou 40 anos de vida. Arrepia-se ao relembrar os grandes espetáculos a que assistiu da varanda conhecida como “galinheiro”. “Este local, para além de história, tem muitas histórias. Um fato conta muitas histórias. Conta a história do espetáculo do qual faz parte, conta a história da personagem que o veste, do artista que o veste, de quem o idealizou, de quem o confecionou. Costumo dizer que estão aqui muitos fantasmas. Nunca me sinto sozinha porque tenho tantas histórias maravilhosas à minha volta”, partilha Anabela, convicta do quanto se aprende todos os dias, numa casa onde o espetáculo depende de todos, da paixão de todos. Subimos. Chegámos ao sótão, a cobertura. Está vazio mas, ao mesmo tempo, parece tão cheio. Talvez seja aqui que se guardam os segredos. Entre os corredores de madeira, bem no centro, está uma estrutura enorme que parece esconder algo. Por ali desce e sobe o candelabro, aquele que reina na sala de espetáculos com um brilho tão delicado quanto imponente. Estamos no topo do Teatro Nacional de São Carlos. Aqui, há amor em cada canto, amor, muitas vezes, cantado ou representado. Há corações acelerados, ao ritmo da batuta ou das voltas de uma bailarina. Há arte a escorrer pelas paredes, tal e qual tinta dourada. Aqui, há Portugal. “Este Teatro é vosso. Todo vosso.” : :
“A nossa missão é ter a sala cheia de pessoas emocionadas.”
ENTREVISTA A
JOANA CARNEIRO MAESTRINA TITULAR DA ORQUESTRA SINFÓNICA PORTUGUESA
Primeiro entram os músicos. Sentados e prontos, esperam a sua chegada. Com pompa e circunstância, ao som dos aplausos, dirige-se para o seu local. De costas para o público, mas de frente para a sua equipa. A única maestrina portuguesa, Joana Carneiro, pega na batuta e conduz mais um concerto no TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS. As luzes baixam. Vai começar. Silêncio.
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O Teatro Nacional de São Carlos foi inaugurado em 30 de junho de 1793 mantendo-se, ainda atualmente, como o único teatro nacional vocacionado para a produção e apresentação de ópera e de música coral e sinfónica. O que é que o torna único? Eu creio que é a música, os seus corpos artísticos e as pessoas que aqui trabalham. O Teatro Nacional de São Carlos tem uma história que nos precede a todos, com séculos de história da música, de uma participação ativa na história da música e dos cantores que fizeram parte dessa história, não só portuguesa, mas também internacional. Eu creio que essa força vem de uma cultura maravilhosa que existe no seio dos nossos corpos artísticos, de uma vontade de querer sempre oferecer espetáculos com excelência por parte da orquestra, do coro e dos cantores que por cá passam. Este lugar inspira a isso pela sua história, pelo espaço estético e pelas pessoas que cá trabalham. Os artistas que por aqui passam sentem esse empenho das pessoas que aqui trabalham? Desde o primeiro dia, encontrei uma equipa muito motivada para fazer espetáculos excelentes e para apresentar uma programação de uma forma atempada. Esta força interior que existe nas pessoas que querem oferecer o melhor ao nosso público é o que está por trás deste teatro. Desenvolvem iniciativas como “Noites em São Carlos” ou “Festival ao Largo” que tendem a aproximar o Teatro Nacional de São Carlos dos cidadãos. Sentem os resultados? Esses exemplos que citou são muito importantes para a identidade deste Teatro. É extraordinário pensar que uma iniciativa como o Festival ao Largo partiu especificamente da orquestra. Mais uma vez, vemos aqui a força das pessoas que trabalham neste Teatro. O Festival ao Largo é a forma mais democrática possível para que o público participe e experimente esta beleza. Tem sido um sucesso desde que começou e, na última edição, tivemos a sorte de poder partilhar e transmitir o espetáculo para outras cidades. É um exemplo de como a força estética do teatro e das pessoas que cá trabalham tem frutos muito positivos. O nosso programa pedagógico é garantido, em parte, por alguns dos nossos músicos da orquestra. Isto quer dizer que fazemos parte de uma instituição viva em que as ideias se cruzam, se fortalecem e são bem-vindas. Criamos assim um teatro para todos. Para os mais pequenos, temos um ciclo de concertos no foyer, ao sábado de manhã, que tem tido muito sucesso. Cada criança traz um brinquedo ou um livro para oferecer a uma outra criança que, porventura, possa não ter esse brinquedo. O Festival ao Largo é uma outra forma de trazer público que, normalmente, não participa nos nossos espetáculos. Acredito que estas iniciativas são muito importantes no sentido económico e no serviço público que uma instituição como o Teatro Nacional de São Carlos deve personificar.
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Esse trabalho em equipa que referiu pode ser parte do segredo do sucesso que têm junto do público? A comunicação em equipa é fundamental. É necessário ter o cuidado e a curiosidade de ouvir sempre as ideias que nascem dentro da instituição. Seja por parte de pessoas que têm muita experiência ou que sabem o que é viver a música, o que é viver num teatro e já estão cá há muitos anos. Estas pessoas podem trazer-nos ideias maravilhosas e destas ideias têm nascido experiências muito boas para o nosso público. Em que se pensa quando se está a construir a temporada seguinte? Pensar uma temporada e uma programação é um ato contínuo, no sentido em que quando se pensa a programação de uma casa de ópera ou de uma orquestra tem de se pensar naquilo que se quer fazer a curto, médio e longo prazo. É assim que se vai planeando, porque há sementes que se vão plantando hoje (contactos que fazemos hoje com encenadores, cantores, compositores, etc.) e que só vão dar frutos daqui a dois, quatro ou dez anos, depois do nosso tempo no teatro. Temos de saber equilibrar bem aquilo que nós queremos fazer. Eu costumo dizer que entre inovação e renovação existe um equilíbrio muito grande quando se programa. É muito importante para nós alimentar a curiosidade e tentar fazer mais do que conseguimos na última vez. Podemos dizer que Portugal cabe neste Teatro, na sua história e na sua identidade presente? Sem dúvida. Essa é uma das funções essenciais de qualquer instituição pública: estar ao serviço de uma comunidade. Aquilo que nos distingue de outros países é a nossa cultura. Parece-me evidente que temos de dar essa oportunidade e esse espaço para os nossos criadores se poderem expressar, para também ajudarem a perpetuar essa nossa identidade. Continua a ser a única maestrina em Portugal. Como se conclui que é esse o sonho (aos 9 anos de idade) e que razões justificam o facto de ser algo tão raro no nosso país? É raro o sexo feminino nesta área e em geral. Se contarmos o número de mulheres que dirigem orquestras a um nível médio/alto, contam-se pelos dedos das mãos. Essas barreiras vão sendo conquistadas e as razões são provavelmente idênticas se pensarmos em qualquer cargo de chefia. Quantas presidentes de bancos é que conhecemos? A barreira da política já se vai quebrando, mas quantas mulheres assumem o cargo de primeira-ministra ou presidente? Em Portugal, eu sei que existem outras mulheres a estudar direção de orquestra. Já tive a oportunidade de ser júri numa das provas e creio que teremos outras mulheres a abraçar esta arte de uma forma muito positiva e plena. Entrei nesta área porque sabia o que era um maestro aos 9 anos de idade. Pode parecer uma coisa muito simples, mas não é. Nem todas as crianças, aos 9 anos,
ENTREVISTA A JOANA CARNEIRO
que acreditamos ser o desejo de um compositor. Fazemos isso através dos nossos gestos, da escolha do tempo e da dinâmica. Quando se respira, quando se desacelera, quando se transforma uma arcada, etc. É tornar um som, que pode ser potencialmente heterogéneo, num som homogéneo, numa linguagem comum.
têm acesso à cultura como eu pude ter. Tive a sorte de fazer parte de uma família que privilegiava e tinha a capacidade de oferecer, a todos os seus filhos, o ensino da música numa escola particular. Em paralelo, os meus pais assinavam a temporada do Teatro Nacional de São Carlos, da Gulbenkian, do Coliseu, etc. Aqui assisti, aos meus 8 anos, à primeira ópera, a Madame Butterfly, a mesma com que abrimos este ano. Foi muito bonito voltar a esse momento. Aos 9 anos, já sabia o que era um maestro porque já tocava numa orquestra, mas também porque tinha acesso à figura do maestro. Como também dançava, liguei um pouco a experiência de ver e ouvir. Todas estas características fizeram-me pensar que aquela seria uma boa vocação profissional para mim. Durante os 9 anos seguintes da minha vida, não pensei muito no assunto. Aos 18 anos surgiu a oportunidade de estudar direção de orquestra na Academia Nacional Superior de Orquestra e aí experimentei dirigir uma orquestra pela primeira vez. Ao mesmo tempo comecei a estudar medicina, porque uma pessoa não pode dizer que quer ser violinista sem experimentar tocar um violino. Assim que experimentei foi um ponto sem retorno. O sonho tornou-se realidade, pois não só era uma apetência, mas também qualquer coisa que eu até poderia fazer bem. Ainda mantive o curso de medicina, mas rapidamente percebi qual era a minha vocação. O que recorda da primeira vez que dirigiu uma orquestra, aos 17 anos? Recordo a noção do eu, daquilo que estava a fazer. Não tive a noção de como as outras pessoas se relacionavam comigo. A noção é muito egocêntrica: “Estarei a fazer o gesto certo ou a olhar para o sítio certo?!” A experiência deixar-nos-á cada vez mais soltas e começamos a ouvir o que se passa à nossa volta. A função de um maestro não é tirar prazer, mas tentar inspirar os músicos através dos seus gestos e das suas palavras. É essa a definição de “ser maestro”? Um maestro é um líder e aquele que tem acesso a todas a partes que uma orquestra está a tocar. A sua função é tornar aquilo que está a ouvir o mais próximo possível daquilo
Um maestro tem de ter a noção dos outros, mas também a noção de si mesmo? Exatamente. O maestro tem de ter uma noção de si muito racional. Muitas vezes perguntam se me emociono ou choro. Talvez tenha acontecido uma vez. Existe sempre uma racionalidade muito grande em relação ao que fazemos. Temos de ter noção do nosso corpo, daquilo que estamos a mostrar, do tempo que estamos a viver e já a preparar o tempo que vem a seguir. O maestro tem de estar sempre ciente de onde está, para onde quer ir e como quer lá chegar. Como se vê Portugal do palco? Eu tive muita sorte, pois, numa altura triste da minha vida, um dos meus melhores amigos disse: “Tu tens a sorte de dedicar a tua vida à beleza e, independentemente do que esteja a acontecer na tua vida ou no mundo, aquele momento é de beleza”. Inclusivamente, quantos compositores tornaram momentos trágicos da nossa história em momentos de beleza? Aquilo que nós fazemos é criar beleza. É uma profissão única. Portanto, do palco vê-se sempre com olhos bonitos e otimistas. Um músico tenta sempre ver a beleza onde ela pode não existir, tentamos sempre ver uma saída. Eu sou uma pessoa muito otimista, mas também temos de ser realistas. Assumindo uma profissão que tem uma intervenção séria na comunidade, é evidente que olho com muita preocupação para o estado atual do nosso país, mas sempre tentando encontrar uma solução. Aquilo que é importante para o teatro é a continuidade, saber que há um amanhã. Vivemos tempos conturbados, mas esta equipa do Teatro Nacional de São Carlos tem conseguido criar essa esperança contínua e essa excelência contínua. A nossa missão é ter a sala cheia de pessoas emocionadas. A história do Teatro é feita de momentos mais ou menos felizes. Um passado rico, um presente que promete e um futuro que não deixa grandes dúvidas: teremos um Teatro Nacional de São Carlos sempre de portas abertas? Um Teatro Nacional de São Carlos, sem dúvida, de portas abertas, com a orquestra sinfónica portuguesa, com o coro do teatro e com esta gente maravilhosa que aqui trabalha. Queremos continuar a programar desta forma e a encher salas como o fizemos no início desta temporada. Queremos aumentar a confiança que a nossa comunidade tem no teatro. Eu creio que o Teatro Nacional de São Carlos e os seus corpos artísticos estão a dar passos importantes para conseguirmos atingir esses objetivos. : :
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ENTREVISTA
“Ambicionamos produzir conhecimento sobre e para a sociedade portuguesa”
NUNO GAROUPA PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA DA FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS
CRIADA EM 2009 E COM A MISSÃO DE PROMOVER E APROFUNDAR O CONHECIMENTO SOBRE A REALIDADE PORTUGUESA, A FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS PROCURA “CONTRIBUIR PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE, O REFORÇO DOS DIREITOS DOS CIDADÃOS E A MELHORIA DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS”. QUEM NOS DIZ É NUNO GAROUPA, PRESIDENTE DA COMISSÃO EXECUTIVA. NESTA ENTREVISTA, FICÁMOS A CONHECER O FUTURO DE UMA FUNDAÇÃO QUE AMBICIONA AJUDAR PORTUGAL A CONHECER-SE MELHOR. Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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Como se explica a missão e os objetivos da Fundação Francisco Manuel dos Santos? A Fundação tem uma missão estatutária muito clara que consiste em promover o conhecimento sobre a sociedade portuguesa e disponibilizar esse conhecimento à própria sociedade portuguesa. A fundação tem quatro áreas de intervenção: estudos científicos, portais na internet de acesso a dados (a Pordata é o mais conhecido), publicações e o nosso encontro anual.
tipo de instituições já existe em muitos outros países. O que se pretende é fazer uma intervenção, desenvolvendo estudos e reflexões sobre a sociedade portuguesa e levando essas reflexões até aos portugueses. Nesse sentido, a nossa Fundação não é uma Fundação tradicional, mas também não é um think thank, ou seja, não pretende produzir conhecimento ideológico para um determinado partido político. Ambicionamos produzir conhecimento sobre e para a sociedade portuguesa e que lhe permita a tomada de decisões.
O que significa dirigir uma Fundação que olha para Portugal? A Fundação é uma instituição inovadora em Portugal, mas isso deve-se mais a um défice português. Evidentemente, este
É fácil conhecer e explicar Portugal? Não é um projeto fácil, mas as coisas têm vindo a melhorar. A Pordata é um bom exemplo. Quando surgiu, a reflexão e a discussão sobre os problemas do nosso país não eram feitas
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com base em números. Existia um grande desconhecimento dos números. Hoje em dia, a Pordata está de tal maneira popularizada e divulgada que quase todas as discussões já partem de números. É até normal que a Pordata venha a ter, nos próximos cinco anos, novos desafios, uma vez que o seu papel primordial dos últimos cinco anos foi cumprido, ou seja, sensibilizar para que as discussões passem a incluir números. No fundo, pretende-se trocar a realidade por miúdos e democratizar o acesso à informação? Eu acho que sim, mas também não vamos ser excessivamente otimistas. Existe uma democratização que continua a acontecer em determinados grupos da sociedade portuguesa. Existem muitos outros grupos que continuam extremamente alheados das problemáticas que envolvem as estatísticas e a realidade. Não falo dos grupos mais óbvios, com pouca escolaridade ou com mais dificuldade no acesso à internet, mas estou a falar da população mais jovem que continua a ser um grupo ao qual queremos chegar e que levanta grandes desafios. Em 2015, lançámos o Pordata Kids – um programa pensado para os mais novos -, mas, para além dos mais novos, estamos também a falar de população universitária, com idades entre os 20 e os 30 anos, que continua a estar alheada dos planos do país e tem um interesse muito limitado pelos problemas de Portugal. Que balanço fazem de iniciativas como a Pordata Viva? A ideia da Pordata Viva foi provar que é um instrumento acessível a todos e que o facto de ser uma plataforma estatística não deve assustar nenhum segmento. A Pordata Viva foi um grande êxito, tivemos cerca de 120 mil visitantes, o que é um número muito bom para este tipo de iniciativa. Mas é algo que também nos faz pensar. Se somos um país com 10 milhões de habitantes, em que, só na grande Lisboa, vivem dois milhões, porque é que esta iniciativa apenas teve 120 mil visitantes? Acredito que não seja um problema deste projeto, mas sim resultante do reduzido interesse pela ciência e pela cultura que, infelizmente, é algo visível entre a população portuguesa. Apesar disso, considera que os portugueses questionam cada vez mais? Eu penso que sim. Os acessos à Pordata e a outras bases de dados mostram que há cada vez mais interesse. Vamos executar várias iniciativas que vão complementar a Pordata. Vamos lançar um blogue através do qual iremos comentar a evolução dos dados deste projeto. Aliás, mesmo considerando que este projeto tenha sido um êxito, existe ainda muito trabalho pela frente. Como é que a sociedade civil pode sentir os impactos dos estudos desenvolvidos pela Fundação? Penso que poderá sentir a três níveis. O nível mais direto é representado pela Pordata, ou seja, a disponibilização de dados. O segundo nível reside nas reflexões disponibilizadas e que têm tido impacto. Finalmente, o último nível diz respeito
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A FUNDAÇÃO TEM UMA MISSÃO ESTATUTÁRIA MUITO CLARA QUE CONSISTE EM PROMOVER O CONHECIMENTO SOBRE A SOCIEDADE PORTUGUESA E DISPONIBILIZAR ESSE CONHECIMENTO À PRÓPRIA SOCIEDADE PORTUGUESA.
aos projetos no âmbito dos quais contactamos os legisladores e apresentamos as nossas conclusões para que as possam ter em conta. Por exemplo, uma das ideias que teve sucesso foi a dos meses temáticos. Tivemos o mês da educação em 2014, o mês da ciência no ano passado, este ano teremos os meses da educação, ciência e da população. Queremos ainda promover o mês da justiça. Durante esse mês, apresentamos trabalhos de avaliação nessa área e contactamos os agentes mais envolvidos na mesma. Que outros projetos destacaria? Promovemos um encontro anual no qual debatemos um tema de interesse para a sociedade portuguesa. Em 2015, debatemos a ciência, mas têm sido, fundamentalmente, temas tecnológicos e o seu impacto na sociedade. O encontro de 2016 será sobre a democracia. Este encontro é um momento importante para a Fundação. Este ano, teremos ainda o lançamento de novos projetos em plataformas multimédia. Vamos continuar a editar em papel, mas a área multimédia representará um grande projeto. O maior objetivo é chegar à população mais jovem. Queremos, através da multimédia, conseguir levar os nossos estudos aos mais jovens que, claramente, não aderiram ao papel.
ENTREVISTA A NUNO GAROUPA
A quebra na ligação entre a política e os portugueses também passa por um problema de comunicação? Acho que existe um divórcio que é preocupante, mas que também é natural tendo em conta a evolução de 40 anos de democracia. Nós não somos uma democracia jovem, ao contrário do que temos ouvido dizer. Nós somos uma democracia consolidada, não estamos sequer entre as democracias mais jovens da Europa. Isso criou várias questões. O afastamento dos portugueses está relacionado com a falta de qualidade da democracia. Olhando para os números do presente, que números é que descrevem Portugal, nomeadamente no que à Justiça diz respeito? O grande problema em discussão é a existência de um excesso de focagem nas estatísticas relacionadas com os movimentos processuais. É importante discutir essa abordagem, o problema é que nos esquecemos que isso é apenas um aspeto. Por exemplo, não temos indicadores de custos, continuamos a não saber quanto custa um processo, se os processos estão mais caros ou mais baratos, qual a média dos custos dos processos, etc. Também não temos indicadores de qualidade, temos perceções. A Fundação não tem esses indicadores e, sem eles, não podemos ter uma visão de conjunto.
E olhando para o futuro? Acho que existem duas questões fundamentais. Em primeiro lugar, espero que se faça uma avaliação das reformas implementadas e que não se precipite a alteração dessas reformas. Por exemplo, não fui um grande apoiante do novo mapa judiciário. Através do estudo da Fundação, percebemos que o processo não foi bem tratado, mas acho que não devemos alterar as coisas sem ter a consciência clara do impacto que elas poderão ter. Um dos grandes erros dos últimos 20 anos foi fazer reformas sem esperar pelos resultados da reforma anterior. Em segundo lugar, devemos falar de todos os temas por abordar e que são muito importantes: a estrutura do Ministério Público e a governação da Justiça. A Justiça é a única área em que as responsabilidades não estão muito bem definidas. O poder judicial não responde a ninguém. O Ministério da Justiça faz parte do poder executivo, mas não é clara qual é a sua interação com o poder judicial. A isso juntamos os advogados, solicitadores, agentes de execução e restantes entidades, com profissões independentes, muitas delas com garantia constitucional, criando uma situação de poder disperso. Temos de repensar tudo isto. Não é possível melhorar a Justiça sem identificar quem é responsável pelo quê. : :
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PROFISSÃO
O CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO Por Luís Paiva Advogado
1 – O novo Código do Procedimento Administrativo (CPA) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro. Após quase duas décadas desde a última alteração, as mudanças entretanto trazidas ao texto constitucional e ao direito ordinário, bem como as novas exigências que neste intervalo de tempo foram colocadas à Administração Pública e ao exercício da função administrativa impunham a revisão do diploma. Assim, e embora o próprio legislador reconheça que o projeto final da revisão do CPA não efetua “um corte radical com o Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91”, a verdade é que acabou por concluir que algumas das soluções constantes daquele projeto “eram de tal forma inovatórias que se estava perante um novo Código” (cf. n.º 2 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2015). 2 – O novo CPA entrou em vigor a 8 de abril de 2015. É exceção a norma de execução dos atos prevista no n.º 1 do artigo 176.º, cuja entrada em vigor está dependente da aprovação de lei especial (que deveria ter sido aprovada no prazo de 60 dias a contar da entrada em vigor do CPA). Até à aprovação desse diploma, mantém-se em vigor o n.º 2 do artigo 149.º do CPA de 1991, que estabelece o designado “privilégio de execução prévia”, isto é, o poder que permite à Administração executar as suas decisões, coercivamente, por autoridade própria. 3 – No que respeita à aplicação no tempo, são de aplicação imediata (deste modo afetando os procedimentos em curso) as Partes I, II e IV, bem como o regime das conferências procedimentais, previsto nos artigos 77.º a 81.º. Já a Parte III apenas se aplica aos procedimentos iniciados a partir de 8 de abril de 2015.
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4 – Passemos então a referir algumas das suas inovações e alterações:
de outro órgão da Administração, para auxílio à tomada de decisão.
a) O âmbito de aplicação. O novo CPA vem esclarecer que as normas atinentes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de qualquer entidade que exerça a função administrativa, independentemente da sua natureza. Apenas a parte II, relativa aos órgãos (artigos 20.º a 52.º), é exclusivamente aplicável à Administração Pública. Houve, assim, uma ampliação do âmbito de aplicação.
d) A concretização do procedimento de elaboração e a previsão de um regime substantivo dos regulamentos administrativos. No que respeita ao procedimento de elaboração, destaca-se a obrigatoriedade de publicitação na Internet do início do procedimento, assim como a previsão de um princípio geral de audiência dos interessados que como tal se tenham constituído.
b) O estabelecimento de novos princípios gerais, designadamente os princípios da boa administração, razoabilidade, administração eletrónica, responsabilidade, administração aberta e cooperação leal com a UE, bem como a densificação de outros princípios gerais, tais como os da proporcionalidade e da imparcialidade. Estas inovações tiveram como objetivo, conforme reconhece o preâmbulo, “robustecer os valores fundamentais que devem reger toda a atividade administrativa num Estado de Direito democrático”. c) A previsão, no CPA, de novos institutos, alguns já existentes em legislação avulsa, tais como: i. A conferência procedimental, que permite o exercício em comum ou conjunto das competências de diversos órgãos da Administração Pública. A possibilidade de realização de conferências procedimentais depende, no entanto, de previsão específica em lei, em regulamento ou em contrato; ii. A comunicação prévia, que permite que em algumas situações a produção de certos efeitos jurídicos não dependa de um ato administrativo, resultando apenas da mera comunicação pelos interessados do preenchimento dos correspondentes pressupostos legais ou regulamentares; iii. Os acordos endoprocedimentais, que conferem aos interessados a hipótese de acordarem os termos do procedimento com a entidade pública, e que, conjuntamente com o princípio da adequação procedimental, flexibilizam o procedimento administrativo; iv. O auxílio administrativo, que concede a qualquer órgão, por iniciativa própria ou do interessado, a possibilidade de pedir a intervenção no procedimento
e) A possibilidade de anulação de atos administrativos e mesmo de sentenças transitadas em julgado. f ) A previsão da aprovação do “Guia de boas práticas administrativas”, no prazo de um ano, com “carácter orientador”, que enuncie “padrões de conduta a assumir pela Administração”. 5 – No que respeita à concretização do princípio da administração eletrónica, o CPA apenas prevê a utilização preferencial de meios eletrónicos, não existindo um dever genérico de agir através de tais meios. Com efeito, o CPA não prevê a obrigatoriedade de utilização do balcão único eletrónico, pelo que se mantém o processo administrativo em suporte de papel, e a regulamentação do processo eletrónico fica para lei especial. Prevê-se que o processamento das comunicações da administração com os particulares através de fax, telefone ou correio eletrónico dependam do seu prévio consentimento. Refira-se ainda que a utilização de correio eletrónico por parte dos particulares parece ter de ocorrer através do serviço público de caixa postal eletrónica VIACTT face, principalmente, ao que dispõe o n.º 5 do artigo 113.º acerca da perfeição das notificações através de meios eletrónicos. 6 – Como nota final, devemos concluir que o novo CPA pretendeu estabelecer novas formas de relacionamento da Administração Pública com os particulares, dotando a Administração de ferramentas mais flexíveis, com vista a uma maior eficiência, à aproximação dos serviços das populações e à desburocratização. Que com o novo Código se consiga uma Administração mais participada, mais igualitária, mais cumpridora, mais imparcial, em quem os administrados confiem, é o que se pode desejar. : :
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ENTREVISTA
“Portugal é o segundo país com melhores políticas de integração de imigrantes”
PEDRO CALADO ALTO-COMISSÁRIO PARA AS MIGRAÇÕES
Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
Embora na ponta do continente, Portugal não escapa a um contexto de globalização que envolveu o mundo em pontes, muitas vezes, frágeis, abaláveis, questionáveis. O Alto-Comissariado para as Migrações, segundo Pedro Calado que lhe dá voz, pretende olhar para estas pontes, perceber quem por lá passa e procurar as respostas para as muitas perguntas levadas e trazidas, num vaivém sem fim à vista. Disto é feito o presente e disto será feito o futuro. De viagens ditadas pela vontade ou pela necessidade. Num momento em que a Europa enfrenta novos desafios, tentámos encontrar razões e soluções através deste olhar. O olhar de uma organização que, todos os dias, acolhe quem vai, vem ou volta.
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Qual a missão do Alto-Comissariado para as Migrações? Essa é uma pergunta que tentamos responder todos os dias, porque deriva da complexificação das migrações não só em Portugal, mas em todo o mundo. Hoje em dia, se os imigrantes fossem um país seriam o quinto maior do mundo. São 230 milhões de pessoas que circulam por todo o planeta. Começamos a perceber o porquê de, em Portugal e noutros países, começarem a surgir estruturas como este Alto-Comissariado, que tentam não só monitorizar estes fluxos, mas, sobretudo, geri-los. A tendência é crescente e há cada vez mais gente no mundo em circulação. A nossa missão é tentar fazer dessa mobilidade uma oportunidade e não um problema. É por estas questões que existe o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) que tenta olhar para este binómio, emigração e imigração. Mas não só. Também acompanha a integração dos descendentes dos filhos dos imigrantes, tenta manter o laço dos filhos dos emigrantes com o país de origem, etc. Quais os serviços que garantem? O mais emblemático coincide com os centros nacionais e locais de apoio aos imigrantes. Temos, sob o mesmo teto, um conjunto de entidades públicas e também alguns serviços em parceria com associações de imigrantes que permitem a um imigrante ter resposta a todas as suas necessidades. Detetámos, em 2004, quando inaugurámos estes centros, que havia uma grande dispersão dos serviços públicos. As pessoas tinham muita dificuldade em perceber onde é que as peças se encaixavam. Nestes espaços, as pessoas podem tratar de todos os problemas. Segurança social, educação, regularização através do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), etc. A vantagem em relação a uma loja do cidadão é que, nos nossos espaços, temos mediadores que falam a língua dos nossos imigrantes.
ESSE É O NOSSO GRANDE DESAFIO. TORNAR PORTUGAL MAIS ATRATIVO PARA QUEM PROCURA NOVOS DESTINOS PARA SE FIXAR E TENTAR TRAZER PARA PORTUGAL AS COMPETÊNCIAS QUE PRECISAMOS PARA ALGUMAS ÁREAS, TENTANDO, AO MESMO TEMPO, RETER ALGUM DO NOSSO TALENTO NACIONAL.
O custo de vida, pois consideram que, em Portugal, conseguem estudar, ter um apartamento e uma vida social sem um custo elevado; A segurança e a paz social, ou seja, por cá podem sair à noite, divertir-se, podem ter uma vida para além da universidade. E eu acrescentaria o clima, a gastronomia, entre outros aspetos.
Quais os maiores desafios que marcam a atualidade? Portugal enfrenta hoje um grande desafio, pois temos um saldo migratório negativo. Não só o número de pessoas que vem para Portugal diminuiu significativamente, como o número de saídas aumentou. Se não temos capacidade de atrair e/ ou reter cidadãos, estamos perante um problema que temos de combater. Esse é o nosso grande desafio. Tornar Portugal mais atrativo para quem procura novos destinos para se fixar e tentar trazer para Portugal as competências que precisamos para algumas áreas, tentando, ao mesmo tempo, reter algum do nosso talento nacional.
Quem é que ainda procura Portugal como destino? Apesar da queda dos números de chegadas nos últimos anos, existem novos fluxos e novas dinâmicas. Quando olhamos para os dados de entradas de 2013, conseguimos perceber que o número de estudantes internacionais mais do que duplicou desde 2009. Cada vez temos mais alunos do Brasil, Angola, Cabo Verde, China, entre outros. Um outro fluxo que tem aumentado muito são os quadros altamente qualificados, sejam investigadores ou cidadãos que trabalham em multi-nacionais. Um terceiro público são os reformados, ou seja, cidadãos europeus que vêm para Portugal beneficiando de um regime fiscal favorável.
Referem que a vossa missão também passa por promover Portugal como um destino de imigração? Como é que se cumpre este objetivo? Queremos passar a mensagem de que Portugal acolhe bem e tem fatores de atração que nos podem posicionar muito bem globalmente. Fizemos uma reunião com estudantes do ensino superior e perguntámos o porquê de escolherem Portugal. Existiam três aspetos principais: A língua;
Portugal mantém a identidade de bom anfitrião? O contexto socioeconómico justificou mais conflitos? Quem faz este trabalho todos os dias acredita, determinantemente, que Portugal tem muito para dar no que diz respeito à integração dos nossos imigrantes. Portugal é o segundo país com melhores políticas de integração de imigrantes, logo a seguir à Suécia. No acesso à nacionalidade e no reagrupamento familiar, Portugal está claramente em
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ENTREVISTA A PEDRO CALADO
primeiro lugar. Portugal tem uma característica que outros países não têm: temos 4,5 milhões de pessoas lá fora. É difícil alguém ter um discurso extremista em Portugal. Todos conhecemos ou temos alguém na família que é emigrante. Nós, portugueses, conseguimos, muito facilmente, assumir o lugar dos outros. Isso explica, em grande parte, o sucesso das políticas de integração em Portugal. Outro elemento positivo é a pedagogia muito ativa que o Alto-Comissariado para as Migrações vai desenvolvendo. Isto é feito para não olharmos para este tema com preconceito, medos ou mitos, mas sim com base em factos e informação. No que diz respeito à questão dos refugiados, como poderemos avaliar a atitude de Portugal? Quando se começou a falar na colocação de refugiados em Portugal, a primeira dificuldade foi a confusão entre migrantes económicos e refugiados. Não temos essa tradição e, não a tendo, torna-se mais difícil. Felizmente, existem muitas instituições que estão disponíveis para ajudar. Os refugiados que chegarem a Portugal terão, seguramente, capacidade de resposta do lado institucional. Apenas pedimos aos portugueses que se voluntariem no âmbito das suas competências, sendo mentores destas pessoas. Temos, neste momento, cerca de 450 voluntários portugueses que querem apadrinhar uma família ou um indivíduo e ajudá-lo a integrar-se localmente. A única coisa que os refugiados desejam é ter um sítio seguro e confortável onde possam desenvolver um projeto de felicidade.
Existem cerca de 7 milhões de refugiados da Síria. Muitos nem que sequer chegam a sair, provavelmente os mesmos que não têm dinheiro para comprar um smartphone, que não têm dinheiro para pagar uma travessia, etc. Nos arredores da Síria, ou seja, na Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque existem 4 milhões de refugiados. A Europa tem cerca de 800 mil. Comparando estes números, estamos a falar de uma percentagem muito pequena, composta sobretudo pelas pessoas que têm algum dinheiro, competências e mobilidade para virem para a Europa. Como é que as pessoas podem manifestar a sua vontade de ajudar? Indo ao nosso portal, criado especificamente para esta questão (www.refugiados.acm.gov.pt). No caso de serem cidadãos individuais, deverão clicar em “cidadãos” e registarem-se no nosso portal como mentores. Devem colocar lá em que áreas é que gostariam de ser úteis (treinar a língua portuguesa, ajudar a conhecer o património, apoiar na procura de emprego ou na criação de uma empresa, etc.) e fazerem valer essa disponibilidade. Posteriormente, cruzamos esses dados com a procura. Temos 450 voluntários, vamos receber 4574 refugiados. Temos muita margem para receber mais voluntários. E, caso se trate de uma instituição, como poderá ajudar? Estamos a desafiar as instituições para acolherem refugiados. Cumprindo um conjunto de princípios, desde logo, o da
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descentralização, pretendemos também evitar que seja apenas uma entidade a tentar resolver todos os problemas. No fundo, gostaríamos que as entidades se juntassem e apresentassem um plano em conjunto. Este plano tem de cumprir seis critérios: alojamento, alimentação, saúde, educação, acesso ao mercado de trabalho e aprendizagem da língua portuguesa. Se uma entidade ou um conjunto de entidades cumprir estes seis critérios, pode manifestar a disponibilidade através do nosso portal. Se a proposta for validada, dará direito à contratualização com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, daí virão apoios da União Europeia e as entidades tratarão de integrar estas pessoas na sua comunidade. Atualmente, fala-se muito numa nova vaga de emigração. Qual o papel do ACM? O papel do ACM é, em conjunto com a Secretaria de Estado das Comunidades, manter a ligação e acompanhar os nossos portugueses não residentes. A primeira medida tomada nesse sentido foi transformar aquilo que era ao Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural no Alto Comissariado para as Migrações. É uma decisão de 2014, precisamente porque se entendeu que era necessário haver uma entidade pública que gerisse globalmente as migrações. A segunda medida passou por criar um plano estratégico para as migrações até 2020. Juntar todos os ministérios e, no fundo, perguntar, a cada um, quais seriam os seus contributos para estas áreas. Tínhamos os planos para a integração de imigrantes e agora temos um plano estratégico para as migrações. Vamos lançar agora diversos programas no âmbito deste Plano, como, por exemplo, uma aplicação para os emigrantes, bastante útil, que se vai chamar: “Portugal lá fora”. Vai permitir, por exemplo, ao chegar a Viena, saber o que existe de português, onde é que posso beber um café, comprar bacalhau, contactar uma associação de emigrantes, etc. Vamos lançar a aplicação já com seis mil pontos de referência portuguesa no mundo e ainda existe a possibilidade de cada utilizador inserir mais pontos de referência. Outra aplicação que criámos, com o apoio da Fundação Gulbenkian e da Ordem dos Engenheiros, foi a “Plataforma de Mobilidade Global”. Queremos mapear (neste caso, começámos com os engenheiros) onde estão os profissionais que saíram do país. Esta aplicação permite saber onde estão os nossos profissionais e avisa quando existem oportunidades de emprego. Este é o primeiro passo: manter a ligação. A burocracia inerente a qualquer processo de migração está mais agilizada? Ainda há muito por melhorar, nomeadamente no que toca à uniformização de procedimentos? O caminho tem vindo a ser feito, mas está longe de ser fácil. A mobilidade humana veio para ficar mas, por vezes, os mecanismos da sua regulação não estão, ainda, adaptados a essa circulação. Temos de encarar a mobilidade com naturalidade, assegurando formas mais pró-ativas de
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QUEM FAZ ESTE TRABALHO TODOS OS DIAS ACREDITA, DETERMINANTEMENTE, QUE PORTUGAL TEM MUITO PARA DAR NO QUE DIZ RESPEITO À INTEGRAÇÃO DOS NOSSOS IMIGRANTES. PORTUGAL É O SEGUNDO PAÍS COM MELHORES POLÍTICAS DE INTEGRAÇÃO DE IMIGRANTES, LOGO A SEGUIR À SUÉCIA.
ENTREVISTA A PEDRO CALADO
garantir que a crescente globalização é acompanhada da consciência de que estamos perante uma área que tem que balancear segurança e liberdade. Cremos que essa equação é possível. Como é composta a equipa e qual o modelo de organização? É composta por gente apaixonada que gosta muito do que faz, que faz isto com uma enorme intensidade, que trabalha muito mais horas do que é devido, porque vê nisto uma área em que a recompensa não é tangível em dinheiro, mas em histórias, resultados e gratidão. Temos muita gente com um background imigrante, integramos 15 nacionalidades diferentes, o que torna esta equipa muito especial. É uma equipa pequena, numa estrutura muito ágil e flexível, frequentemente assente em parcerias com a sociedade civil, nomeadamente associações de imigrantes.
Por onde passa o futuro da vossa missão? Até 2020, temos 106 medidas práticas para pôr em ação. Medidas que vão melhorar o que já fazemos bem e abrir novas frentes de intervenção. O futuro é tão volátil e tão rápido nestas matérias que planear para além de 2020 já é um horizonte difícil de imaginar. Costumamos afirmar que há um Português em cada canto do mundo – somos um povo que facilmente se integra e cria laços, apesar de uma identidade tão forte? Não existe país, no mundo inteiro, em que não tenha encontrado um português com uma ligação afetiva ao país. Queremos fazer, destas pessoas, portugueses, estejam onde estiverem. Não existem muitos países no mundo que tenham praticamente 50% da sua população residente a viver fora. Temos de olhar para isto como uma oportunidade e lembrarmo-nos que somos 15 milhões. Isto é uma grande oportunidade. : :
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SOCIEDADE
DO DIREITO À PSICOLOGIA FORENSE A psicologia e o direito, no amplo período da sua existência até à atualidade, apresentam-nos um desenvolvimento díspar, encontrando-se agora numa fase de entrecruzamento, não obstante o direito dizer respeito ao dever ser e a psicologia ao ser. Ainda que o direito, contrário à psicologia, seja dogmático, precedente, organizado, hierarquizado, prescritivo e ideográfico, aquela é empírica, procura inovar e recolher informação abundante, com base na discricionariedade e em hipóteses meramente probabilísticas.
Por Patrícia Passos, Divisão de Gestão e Apoio aos Associados do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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relação bidirecional entre estes saberes conduz-nos à chamada psicologia judicial ou jurídica, que pretende levar a um melhor exercício do direito, dentro e fora dos palcos onde o juiz se destaca como ator principal. Esta é aplicada segundo três campos de atuação: a psicologia do direito, respeitante aos fatores que justificam o cumprimento ou incumprimento das disposições legais; a psicologia e o direito, relativa ao conteúdo legislativo em matérias ligadas à psicologia; e a psicologia para o direito, focada na intervenção de peritos da área da psicologia no campo jurídico. Na lei existem várias referências à psicologia e à psicopatologia, entre as quais a conduta, a vontade, a compreensão, os transtornos mentais e a reabilitação, o que traduz mais do que um encontro de vontades, um consenso social, justo e humano que percorre as várias fases do processo de criminalização, desde a intenção de criar a lei, até ao acompanhamento do ator infrator após o cumprimento da medida punitiva, segundo uma lógica de reinserção. No entanto, a psicologia a que nos referimos vai além do direito penal, já que o sistema de justiça e os atores que nele intervêm assim o exigem, sendo claro o objeto que une ambos os saberes em qualquer área de intervenção – o Homem! Da união destes saberes surge a juspsicologia, o campo associado ao conhecimento do ajurídico, dos aspetos que permitem ao jurídico a melhor decisão para o caso concreto, adequando as necessidades do direito às possibilidades da psicologia quanto a transgressividades. Como tal, à psicologia importa o estudo das peculiaridades da conduta humana, assegurando a organização social da justiça e a resolução de conflitos, avaliando assim a funcionalidade da lei de acordo com as alterações psicológicas.
Acresce que, por forma a evitar um absurdo e inalcançável enciclopedismo por parte do juiz, o sistema judicial necessita e exige uma interdisciplinaridade de saberes entre os quais se pode destacar a psicologia. Neste contexto, espera-se do técnico forense uma segurança científica que não se obtém dos demais atores judiciais no que ao comportamento humano diz respeito, sem invadir matérias reservadas ao direito e tendo em conta as inegáveis diferenças que persistem quanto ao comportamento humano: o direito valora-o como violação jurídica e perturbação da ordem social, em que só a sanção corrige o transgressor, ao contrário da psicologia, para a qual há uma superação da normatividade e um desenvolvimento da individualidade. Do entrecruzamento de saberes surgiram na história conceitos como personalidade, perigosidade e, mais tarde, personalidade criminal, dando origem a várias teorias com base na racionalidade lógica, atávica, assente em características anatómicas, fisiológicas e antropológicas, que progressivamente evoluiu para uma racionalidade sociológica, psicológica e mais tarde psicomoral. Pela mão da psicologia criminal passou então a ser possível ocuparmo-nos do ator desviante, daquele que comete o crime – ato específico, circunscrito no tempo e no espaço, ilícito por violação ou omissão, que pode ter influência em caso de desequilíbrio familiar, do grupo de pares, na escola ou trabalho e/ou da comunidade. Do transgressor procura-se compreender a sua delinquência, personalidade, vida e ligação ou significância do ato. Este ramo da psicologia surge com base em duas vertentes antagónicas, porém complementares, a da arqueologia (conhecimento do passado) e a da futurologia (procura da reinserção). Em todas as fases da criminalização, a psicologia ganha um destaque díspar, sendo central o ator transgressor, não como meio de o proteger, mas para que este seja distinguido dos Homens de bem, atuando face à abstração legal e à descodificação dos discursos verbais e não-verbais do sujeito. À psicologia criminal, além do transgressor, importam o legislador e o aplicador, assim como as suas discursividades que influenciam todo o sistema de justiça. Intimamente ligada à psicologia criminal e enquanto derivação desta, chega-se à psicologia forense, como forma de resposta à necessidade de conhecer, explicar e categorizar os fatores conducentes aos atos do transgressor. Assim, a psicologia forense atua como legitimação da justiça, auxiliando o juiz na tomada da melhor decisão para cada caso concreto, sendo um meio para atingir uma finalidade legal, que vai além do direito penal, do criminoso e da prática clínica. Para a psicologia forense o seu cliente é o tribunal, pelo que não está obrigada ao sigilo a que as entrevistas com o sujeito
obrigam nas demais áreas. Também os métodos de trabalho se diferenciam, sendo admitida como relação entre o comportamento e o procedimento legal. A psicologia do testemunho nasce, por sua vez, via psicologia forense, ocupando-se do estudo dos atores sociais que intervenham no sistema legal, nomeadamente dos seus discursos verbais e não-verbais e da descodificação dos mesmos, para que sejam valorados conceitos como a sinceridade, a veracidade, a fidelidade, a credibilidade e a fiabilidade. Entre todos os atores, a testemunha domina este campo, sendo importante, neste momento, o princípio da oralidade defendido e aclamado em tribunal, quanto ao que esta venha apresentar, procurando persuadir, emocionar e convencer. O problema residirá no exercício a ser feito pelo recetor da mensagem – o juiz – por não conhecer ele dos factos, senão por aquela via, por vezes contaminado de enviesamentos e estereótipos, acrescendo das possíveis falhas intencionais ou inconscientes que o fio condutor da memória possa ter, contaminando o que nos liga aos acontecimentos, a nós próprios e aos demais. A atuação nestas matérias, quer penais quer civis, são da competência dos psicólogos forenses, não dos clínicos. A eles cabe a elaboração de avaliações psicológicas forenses quanto a aspetos em que o tribunal se pronuncie sobre a licitude ou ilicitude; consciência ou inconsciência; racionalidade ou desculpabilidade, numa vertente radioscópica do sujeito, sem considerações ou juízos de valor face aos atos. Ao perito cabe o carácter técnico-científico, tudo o mais competirá ao tribunal. Ajurídico será então todo o externo, mas complementar e envolvente do direito. Em tribunal, o juiz vê-se limitado quanto à leitura que faz de si e dos outros, por estar confinado às suas crenças, opiniões, fé, persuasão, convicções, à sua personalidade e aquisições do meio ambiente. Habitualmente, recorre à heurística e, acedendo a atalhos mentais, decide para casos semelhantes, valorizando fatores disposicionais em detrimento dos situacionais, não se isentando voluntariamente a preconceitos e a estereótipos. Pode assim existir uma interpretação errada do juiz face à prova testemunhal, se desta decorrerem incoerências, não obstante a margem de livre convicção que ao juiz é concedida. A psicologia forense, pela mão da psicologia do testemunho e das motivações ajurídicas do sentenciar, procura assim, em campo jurídico, auxiliar o juiz para a melhor decisão do caso concreto, chegando a aspetos inacessíveis à formalidade e ao dogmatismo do direito. A personalidade, o comportamento, medir os ditos, descodificar os não ditos mas vistos, permite que a psicologia se alie ao direito e, assim, sejam a receita ideal para os males do sistema de Justiça! : :
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ENSINO SUPERIOR
NOS ÚLTIMOS ANOS, OS CURSOS DE SOLICITADORIA TÊM VINDO A CONQUISTAR PÚBLICO E DESTAQUE EM DIVERSAS INSTITUIÇÕES NACIONAIS DE ENSINO SUPERIOR. VISANDO GARANTIR UMA PONTE SÓLIDA COM TODAS ELAS, ESTE ESPAÇO CHEIO DE ESPÍRITO ACADÉMICO, O QUAL IRÁ PERCORRER PORTUGAL E CONTINUAR A MARCAR PRESENÇA NAS PRÓXIMAS EDIÇÕES, TEM COMO PRINCIPAL OBJETIVO DIVULGAR A HISTÓRIA, OS DESAFIOS, AS CONQUISTAS, AS ASPIRAÇÕES, A “PERSONALIDADE” DE CADA UM DESTES CURSOS.
“A LICENCIATURA EM SOLICITADORIA DO IPMAIA PROPORCIONA AOS ALUNOS PORTUNIDADES DE ENRIQUECIMENTO DA SUA FORMAÇÃO COM ABERTURA PARA O EXTERIOR” TIAGO OLIVEIRA SILVA Coordenador da licenciatura em Solicitadoria do Instituto Politécnico da Maia Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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Há quantos anos foi instituído o curso? O que vos levou a apostar na sua criação? O curso iniciou o seu funcionamento no ISMAI em 1990, portanto há 25 anos. Na altura, não era exigida, para o exercício da profissão de Solicitador, qualquer formação superior e para acesso ao curso de formação da Câmara, de carácter profissional, bastava possuir o 11.º ano. O ISMAI foi pioneiro na criação do curso, primeiro conferindo o grau de bacharelato e, só mais tarde, de licenciatura. O curso tornou-se um sucesso. Assim, melhorou consideravelmente a qualidade da formação exigida e obtida pelos solicitadores, o que contribuiu para o desenvolvimento da qualidade do Direito e da Justiça em Portugal. Como considera que tem evoluído ao longo dos anos? Que adaptações têm sido levadas a cabo? O curso é um reflexo da passagem do tempo, do incremento da exigência e da evolução das expectativas? Por gratidão profundamente sentida, devemos recordar o principal responsável pela criação e desenvolvimento do curso, o saudoso Juiz Conselheiro Fernando Araújo Barros, conhecedor profundo do universo de profissionais. Procurou que o plano de estudos do curso se afirmasse sobretudo na componente teórica, pois o público-alvo era, na sua maioria,
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constituído por solicitadores que há diversos anos exerciam a profissão, com experiência prática acumulada, embora nem sempre com a adequada sustentação conceptual. Ao longo dos tempos, o curso foi sendo atualizado ao nível da estrutura e das qualificações do corpo docente, sintonizado com as necessidades sugeridas pelo mercado. O perfil do candidato ao curso de Solicitadoria tornou-se mais diversificado, para além do profissional que já exercia a profissão, surgiu um considerável número de alunos que acediam ao curso após concluírem o secundário. Com o surgimento do Solicitador de Execução, agora Agente de Execução, através do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, mereceu especial atenção a área do Processo Executivo que, adicionado ao Processo Civil, já se estende por três diferentes unidades curriculares em três semestres diferentes. No presente ano letivo, devido ao entendimento da comunidade académica, assim como da A3ES, de que a licenciatura em Solicitadoria é de natureza politécnica, e tendo a sua instituição original, o ISMAI, um perfil universitário, a Maiêutica, entidade instituidora do ISMAI, por razões estratégicas, foi obrigada a criar o Instituto Politécnico da Maia – IPMAIA, no qual, além da Solicitadoria, também foi integrada a licenciatura de Contabilidade, ambas consideradas de natureza politécnica. É de admitir que estes dois cursos, a curto
LICENCIATURA EM SOLICITADORIA | IPMAIA
prazo, funcionem exclusivamente em estabelecimentos de ensino de natureza politécnica. Hoje, já no IPMAIA, o período de funcionamento da Solicitadoria mudou completamente em relação a 1990. Na altura, funcionava maioritariamente em período pós-laboral, agora é quase exclusivamente diurno. A quase totalidade dos alunos que, este ano, optaram pela Solicitadoria concluíram no ano transato o ensino secundário, o que evidencia a consciência do reconhecimento de igual dignidade deste curso em relação a outros, dignidade essa que era questionada antes do aparecimento do curso superior. O que sublinha como aspetos diferenciadores do mesmo face aos outros cursos existentes no país? Quais as vossas principais apostas? O grande erro que pode afetar adversamente a Solicitadoria é considerá-la como ramo secundário de Direito. Solicitadoria e Direito situam-se na área jurídica, têm natureza autónoma e independente, não deixando de assumir cada um a sua dignidade – científica, técnica, social – com espaço próprio de intervenção profissional. Quem prefere a Solicitadoria não tem o mesmo perfil do aluno que opta pela licenciatura em Direito. No ISMAI, no passado, e agora no IPMAIA, sempre se resistiu à criação de uma licenciatura em Direito aproveitando uma
economia de escala com a Solicitadoria. A licenciatura em Solicitadoria do IPMAIA proporciona aos alunos oportunidades de enriquecimento da sua formação com abertura para o exterior. A título de exemplo, pode-se salientar que, no presente ano, estão programadas visitas a estabelecimentos prisionais, à Assembleia da República e a julgamentos, segundo uma prática consolidada que se inspira na política de formação anglo-saxónica. A instituição em que se integra o curso de Solicitadoria mantém relações com instituições estrangeiras e favorece a mobilidade dos estudantes? Valorizam essa aposta no âmbito do ensino superior? A internacionalização é uma prioridade para o IPMAIA, como já o era para o ISMAI. O universo ISMAI/IPMAIA tem mais de 200 alunos por ano em mobilidade, considerando os que se deslocam para instituições estrangeiras e os que são acolhidos no Campus, vindos doutros países. Para além disso, têm as instituições da Maiêutica parcerias com congéneres estrangeiras e, nessa dinâmica e interação, os docentes lecionam nas diferentes instituições e participam em unidades de investigação e projetos internacionais, muitos dos quais com financiamento de diversas fontes. No caso específico da Solicitadoria, existe a
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particularidade de a maioria da legislação incidir numa dimensão nacional, o que diminui a motivação para a mobilidade. E quanto ao nível de procura, este tem registado progressos? As oscilações na procura do curso de Solicitadoria coincidem com três fases distintas. A primeira fase, desde a sua criação até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 64/2006, de 21 de março, respeitante aos maiores de 23 anos; a segunda fase, que se pode considerar a dos três primeiros anos do regime desse Decreto-Lei; e a terceira fase até ao presente ano letivo. Na primeira, o curso ainda era desconhecido para a generalidade da população, sendo apenas do conhecimento dos profissionais da área da Solicitadoria. Os Solicitadores que pretendiam aceder ao curso tinham que ter completado o 12.º ano e fazer as provas de acesso, o que constituía impedimento para muitos deles. O funcionamento do curso organizava-se por turmas relativamente pequenas, em regime maioritariamente pós-laboral e com alunos com mais ou menos experiência na prática da Solicitadoria. Na segunda fase, a abertura do acesso ao ensino superior aos maiores de 23 anos, sem formação secundária completa, fez explodir a procura, obrigando a instituição a sucessivos pedidos de aumento de vagas, o que permitiu dar resposta a
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quase todos os Solicitadores que manifestavam interesse no curso superior. Simultaneamente, o aparecimento da figura do Agente de Execução, na altura Solicitador de Execução, motivou ainda mais os interessados em promoção profissional, porque era uma profissão nova, cujo acesso obrigava à obtenção do grau académico de ensino superior. Na terceira fase, a atual, tendo sido encerrados alguns cursos concorrentes, o número de alunos voltou a aumentar, agora à custa dos alunos do regime geral, com idade à volta dos 18 anos, predominando os candidatos do género feminino, em número crescente, enquanto os estudantes trabalhadores diminuíram. Sente que o curso oferecido pela vossa instituição tem andado de mãos dadas com a atualidade e o mercado de trabalho? A Maiêutica dispõe de uma unidade funcional para acompanhar o percurso dos antigos alunos. Para além da intervenção da organização interna, seguimos com muita atenção os resultados divulgados pelos serviços especializados do Ministérios da Educação e Ciência, o que nos permite saber que, em divulgação recente, os alunos do curso de Solicitadoria do ISMAI, têm os resultados mais favoráveis entre os alunos das instituições congéneres do norte do País.
Relativamente aos vossos alunos, o que diria que os pode distinguir nesse mercado de trabalho cada vez mais competitivo? Sendo o ISMAI pioneiro no curso de Solicitadoria, tendo continuação no IPMAIA, é natural que tenha uma experiência de formação mais sólida, com sucessivas correções e ajustamentos nos planos de estudos, situação bem diferente doutras instituições com o mesmo curso. Acontece que, sendo um dado adquirido, o funcionamento do curso em exclusivo nos estabelecimentos de ensino superior politécnico, essa circunstância coloca o IPMAIA sem qualquer preocupação para o futuro do curso. Assim, vamos prosseguir no reforço do desenvolvimento da qualidade e estar permanente e ativamente atentos às oscilações e sinais do mercado, particularmente no que se refere à inserção profissional dos antigos diplomados. Em breve, teremos uma solução para divulgar o destaque profissional dos antigos alunos que nisso manifestem interesse e assegurar apoio aos profissionais que o solicitem, especialmente com o fornecimento de dados de avaliação do mercado de trabalho. Desejamos uma aproximação consequente e proveitosa dos nossos antigos alunos. Como definiria as responsabilidades de uma instituição do ensino superior no contexto atual? De que forma é que participar na direção de uma instituição como esta é, por si só, um desafio? Não é fácil hoje contribuir para a governação de uma instituição de ensino superior, principalmente em períodos em que não há estabilidade política. De resto, com princípios bem definidos, regras claras, com isenção e independência, tudo
fica facilitado. É evidente que isso não dispensa de, no dia a dia, haver a necessidade de olhar para os sinais do mercado, ver o comportamento das autoridades, das instituições concorrentes e estabelecer comparações. Quanto ao futuro, que oportunidades e projetos é que se adivinham? O Campus Académico da Maiêutica, onde funcionam o ISMAI e o IPMAIA, tem características singulares no panorama do ensino superior em Portugal. Tem excelentes instalações, harmoniosamente construídas, com espaços bem dimensionados, dotados de equipamentos necessários e adequados à natureza dos cursos e objetivos dos planos de estudos. O corpo docente é jovem e muito qualificado, com elevado número de doutorados e especialistas com prática consolidada, figuras de relevância no mercado de trabalho. Estão ainda garantidos bons acessos (tanto para quem opta pelo transporte público, como para quem traz viatura própria). Saliento também o novo Complexo Desportivo, o qual é uma referência no norte do país e que vem contribuir para reforçar a atração pelo projeto educativo do ISMAI e do IPMAIA. Com um ensino de qualidade ajustado às necessidades do mercado e oportunidades para se sentir o prazer de viver, natural ambição de todos os jovens e adultos, tanto os estudantes de Solicitadoria, como os doutros cursos do IPMAIA e do ISMAI e toda a restante comunidade facilmente sentirão o orgulho natural por frequentar um estabelecimento de ensino com características absolutamente singulares que, na mesma dimensão, será difícil encontrar mais atrativo, quer em Portugal, quer noutros países. : :
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PROFISSÃO
A TECNOLOGIA AO SEU DISPOR
PIXCLIP, PDF CREATOR E SMALLPDF Iniciamos aqui uma rubrica sobre tecnologias de apoio ao trabalho de um jurista moderno, podendo incluir a análise de sites, aplicações, equipamentos e gadgets que nos possam ser úteis.
Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e 2.º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
C
aso não conheça esta primeira sugestão, acreditamos, desde já, que vai ficar a questionar-se como foi possível passar tanto tempo sem a ter instalado no seu computador. Se é daqueles que, quando quer fazer uma captura de ecrã, ainda carrega no botão print screen e depois cola a imagem no velho amigo Paint para retirar o que não interessa, então hoje iremos revolucionar as suas capturas de ecrã. O PixClip é um software gratuito, desenvolvido por um português. Inicialmente apenas para uso pessoal, acabou por ser disponibilizado ao público em www.pixclip.net. Este permitirá evitar as tais idas a um editor de imagem para retirar o que não interessa das suas capturas de ecrã, nomeadamente a barra de tarefas, onde estão escarrapachadas todas as tarefas que estava a realizar. Com este pequeníssimo programa (ocupa mesmo muito pouco espaço de armazenamento), sempre que quiser fazer um print screen de uma parte do ecrã, conseguirá fazê-lo de forma fácil, intuitiva e em apenas alguns cliques. Como funciona? Quando aceder ao PixClip, ele vai “fotografar” o seu ecrã e abrir uma ferramenta de seleção do que quer capturar. Logo que conclua a seleção, a imagem estará disponível na área de transferência e poderá ser colada através de um simples Ctrl+V num editor de texto ou numa folha de cálculo. O PixClip ainda lhe permite arquivar logo a imagem recolhida numa pasta e, para isso, faz surgir um aviso na barra de ferramentas através do qual é possível escolher a pasta de destino da imagem criada. Como ocupa muito pouco espaço, recomendamos que tenha o ficheiro de instalação na sua pen drive, para que possa ter sempre à mão uma ferramenta que, de tão básica e simples, acaba por impressionar pela sua funcionalidade.
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Agora que já tem apenas as imagens que pretendia capturar, é provável que deseje que o seu destino final venha a ser um ficheiro PDF, que irá, por exemplo, juntar no Citius ou no GPESE/SISAAE. Para isso existem várias hipóteses, pelo que deverá escolher a que lhe pareça mais conveniente em função do que pretende fazer. Desde logo, poderá simplesmente colar a imagem no editor de texto ou na folha de cálculo, acrescentar a informação que pretende e usar a opção de guardar em PDF, disponível nas versões mais recentes destes editores. Caso esta não esteja disponível no seu editor, pode escolher imprimir o documento usando uma impressora virtual como o PDF Creator (www.pdfforge.org/pdfcreator) que, em vez de fazer com que o seu documento seja verdadeiramente impresso, cria uma versão em PDF no seu computador. Mas não se preocupe porque, se não quiser fazer nada disto, pode apenas guardar a imagem em formato JPG numa pasta e esperar pelo que aí vem. É impossível falar aqui de trabalhos em formato PDF sem descrever o mundo de oportunidades que nos abre o site www.smallpdf.com/pt/, outra ferramenta muito útil, também ela gratuita e, além disso, disponível online. Neste site, vai conseguir fazer praticamente tudo que pretenda com os seus documentos PDF, quer esteja a usar Windows, Mac ou Linux. Temos de reconhecer que existem vários serviços e aplicações para realizar funções semelhantes mas, devido à sua simplicidade e eficácia, esta ferramenta parece ser o que melhor cumpre aquilo a que se propõe. Aqui todo o processamento dos ficheiros ocorre na nuvem, pelo que não é necessário instalar qualquer programa no computador nem consumir espaço adicional de armazenamento. O site declara que, uma hora após o upload, todos os arquivos são excluídos dos seus servidores para sempre. A equipa que mantém esta poderosa ferramenta reclama ter começado o projeto com apenas quatro pessoas e que, sem qualquer investimento, conseguiram que este site esteja entre os 4000 mais visitados da internet. Incrível, não é? Ao que parece, esta equipa suíça achava que os softwares existentes para PDF eram demasiado complexos e difíceis de usar e, por isso, decidiram criar uma ferramenta que fosse simples e agradável para o utilizador. Temos de concordar que conseguiram. É também possível que a próxima captura de ecrã, já com o PixClip, seja para juntar a um requerimento composto por outros documentos (com diferentes formatos) e que deverão ser todos convertidos para PDF. No www.smallpdf.com/pt/ vai conseguir converter os formatos de PPT, JPG, EXCEL, WORD em PDF e vice-versa. Sim, é isso mesmo, também vai conseguir converter um PDF em WORD, EXCEL, JPG OU PPT, o que pode ser uma excelente ajuda para adaptar minutas, apresentações ou outros documentos que lhe tenham enviado em PDF e que gostaria de adaptar para si. A única dificuldade que poderá encontrar é se o PDF for resultado de uma digitalização
em que o texto não seja reconhecido pelo computador. Caso contrário, conseguirá fazer a conversão rapidamente e sem problemas. Para começar a transformar os formatos dos seus ficheiros, apenas tem de selecionar a opção da conversão que pretende e fazer o upload do ficheiro ou arrastá-lo para a área indicada. Depois, é só esperar alguns segundos até que a conversão seja feita e proceder ao download do ficheiro convertido. Simples, rápido e eficaz. Agora que já tem todos os ficheiros em formato PDF, deve querer juntá-los num único documento para que os possa enviar devidamente organizados. Para isso, poderá recorrer à opção juntar PDF (http://smallpdf.com/pt/juntar-pdf). Basta fazer o upload dos documentos pela ordem que deseja, carregar em “Juntar PDF!” e já está. Terá um único documento composto por todos os ficheiros na ordem em que os decidiu juntar. Mas, se o que lhe dava mesmo jeito era separar apenas algumas páginas de um documento PDF, para criar novos ficheiros, fique a saber que isso também é possível usando a opção Dividir PDF (www.smallpdf.com/pt/dividir-pdf). Caso tenha dúvidas quanto ao número da(s) página(s) que pretende separar, será útil saber que pode contar com uma pré-visualização do documento, página a página. Provável também será que, depois de converter, separar e juntar tanta informação num único documento de PDF, o mesmo ocupe demasiado espaço para poder ser enviado para onde quer que seja sem ser para um disco externo. E logo pensa: “tanto trabalho para nada”. Seria assim se não existisse outra ferramenta online muito poderosa que este site disponibiliza, o Comprimir PDF (www.smallpdf.com/pt/compressor-de-pdf). Já comparámos esta função com outros serviços semelhantes de redução de PDF e a do smallpdf ganha nitidamente quer pelo espaço poupado, quer pela nitidez do documento final que nos garantem ficar com 144dpi, que é, de resto, o tamanho ideal para enviar arquivos pela web e por e-mail. Agora imagine que protegeu o seu documento PDF com uma senha tão infalível que se esqueceu dela. Aqui também poderá contar com a ajuda do www.smallpdf.com/pt/ para, literalmente, desbloquear a situação. Vá até à opção “Desproteger PDF” (www.smallpdf.com/pt/desbloquear-pdf) e, seguindo os mesmos passos já descritos anteriormente, verá a senha removida do seu PDF. São diversas as disposições legais que nos obrigam a lidar com ficheiros em formato PDF diariamente, desde logo o artigo 8.º da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, os artigos 5.º e 21.º da Lei n.º 32/2014, de 30/05, o 7.º da Portaria n.º 1538/2008, de 30 /12, o 10.º da Portaria n.º 1535/2008, de 30/12, entre outras, pelo que será uma boa opção familiarizar-se com estas ou outras ferramentas semelhantes que lhe permitam uma utilização otimizada dos ficheiros neste formato. : :
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ENTREVISTA
Compreender a arte tumular
FRANCISCO QUEIROZ PÓS-DOUTORADO EM ARTE TUMULAR
Entrevista Ana Filipa Pinto, André Silva e Rui Miguel Simão / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
Para uns, representa um lugar de culto com uma grande carga emocional. Para outros, um lugar cultural e histórico, onde a arte também tem expressão. Falamos de cemitérios, espaços que, cada vez mais, são procurados para se conseguir entender a vida. “É costume dizer-se que se queremos conhecer realmente uma cidade ou as pessoas que por lá vivem, vamos ao cemitério.” Palavras de Francisco Queiroz, pós-doutorado em Arte Tumular, que, numa entrevista à Revista Sollicitare, junto ao cemitério de Agramonte, na cidade do Porto, nos conduz numa viagem norteada por um olhar diferente sobre os cemitérios do nosso país e do mundo.
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OS PORTUGUESES TIVERAM MUITO BONS CANTEIROS DE ORNATO, TÃO BONS OU MELHORES DO QUE NO MUNDO ANGLO-SAXÓNICO. TEMOS TÚMULOS MUITO DECORADOS COM FLORES. SÃO ESSAS AS GRANDES CARACTERÍSTICAS DOS CEMITÉRIOS PORTUGUESES: A MONUMENTALIDADE E O TRABALHO DE ORNATO. ISSO AJUDA A EXPLICAR O PORQUÊ DE UM NORTE-AMERICANO, HABITUADO A VER CEMITÉRIOS DE TODO O MUNDO, CHEGA A PORTUGAL E FICA ADMIRADO PELA BELEZA.
O que nos dizem os cemitérios sobre a vida? Dizem muito sobre as pessoas que lá estão enterradas. Antigamente, era importante que os túmulos fossem imponentes. Era normal passear as crianças pelos túmulos, ler os poemas que estavam escritos nos epitáfios e dar-lhes lições de moral. Temos ainda um lado social, ou seja, em tempos passados, através do túmulo mostrava-se como se era em vida. Lembro-me de um caso de uma família de barões endinheirados – os novos-ricos. No testamento de um dos seus elementos estava o típico discurso que determinava a entrega de um valor para obras de caridade e em que se fazia questão de um enterro sem luxos. O problema é que a expressão “quero um funeral simples” é sempre muito relativa. Neste caso em concreto, o testamento dizia que a sepultura tinha de ser muito simples e isso, para quem tem título de barão, não era bem visto. A família cumpriu o testamento. Contudo, deixou uma inscrição que salvaguardava que, por testamento, aquele túmulo tinha de ser humilde, embora a vontade da família fosse outra. Os cemitérios atraem a atenção de quem os visita pelas figuras ilustres lá enterradas ou suscitam interesse pela sua história e pelas suas características? Existem vários grupos que têm interesse em fazer visitas a cemitérios. Uns pela questão cultural, em que o mais recorrente
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é visitarem o túmulo de alguém famoso ou pretendendo conhecer a história do local. Outros visitam porque gostam de coisas macabras e, por último, temos ainda os que procuram estes espaços para ver arte. Os estrangeiros têm uma grande facilidade em ver arte nos nossos cemitérios. Estão habituados a um local completamente diferente em termos estéticos no que diz respeito à paisagem. Ou seja, chegam aqui e encaram isto como algo exótico. Já a nós, o cemitério lembra-nos coisas desagradáveis, a perda de alguém e temos alguma dificuldade em descolar desse sentimento. Há muitos pormenores nos túmulos que escapam ao olhar dos que desconhecem a riqueza destes lugares? Isso acontece com toda a gente e até mesmo em jazigos mais recentes. Os mais antigos têm o problema de incluírem símbolos que hoje não usamos e isso torna as coisas mais complicadas. Vemos, por exemplo, muitas flores esculpidas em túmulos antigos. Para quem esteja por dentro dos tipos das flores usadas nos cemitérios, olha e não reconhece nenhuma florista que as venda. A explicação é simples. Uma flor muito utilizada na altura era a saudade. Hoje em dia, escrevemos a palavra “saudade” nas lápides, mas em túmulos anteriores a 1900 a utilização da imagem da flor era massiva. Esses símbolos, como são muito antigos, são mais difíceis de identificar, mas com uma visita guiada torna-se mais fácil.
ENTREVISTA A FRANCISCO QUEIROZ
Podemos então dizer que os cemitérios têm mudado ao longo dos tempos? Os cemitérios, como nós hoje os conhecemos, foram criados no século XIX, numa época que costumamos designar Romantismo. Nesse período, a questão do corpo não era tão relevante. O corpo, quando morto, não era agradável. Não pelo lado cadavérico, mas sobretudo por causa do cheiro. O homem romântico não gosta do cheiro da morte. Isto resulta de estudos de eruditos ligados à saúde pública que criaram, à volta do cheiro da morte, a ideia de que este era prejudicial. Antigamente, durante as missas, quando os corpos eram depositados dentro das igrejas, as pessoas sentiam o cheiro. Nas grandes cidades, o soalho das igrejas estava constantemente a ser levantado. Hoje em dia, não temos a ideia do que é estar numa igreja, entrar um caixão, abrir-se o soalho, uma cova e enterrar-se a pessoa. A questão do cheiro fez com que se pensasse nos cemitérios que conhecemos atualmente. Um espaço isolado, com árvores que tenham algum odor ou com plantas odoríficas, resolvendo assim o problema do cheiro. Isso é uma forma de esconder o lado carnal da morte. Outra grande preocupação do Romantismo é transformar a perda em qualquer coisa que possa ser bonita. Transformar o funeral numa homenagem, na qual se perpetue a memória. O objetivo principal é não se recordar essa pessoa como cadáver, mas como alguém com virtudes ou que fez coisas importantes.
Ainda hoje é assim? Sim, se formos a cemitérios recentes, vamos encontrar campas com as mesmas ideias. O uso da fotografia é uma forma de perpetuar a imagem e isso nasce no Romantismo. Hoje em dia, temos uma visão diferente. Ao contrário do que as pessoas dizem, não nos repugna tanto a imagem do cadáver. Por exemplo, hoje temos jazigos capela em quase todos os cemitérios e é comum encontrar caixões em prateleiras visíveis. No período romântico, isso era muito difícil de encontrar. Perante o que nos conta, poderemos afirmar que os cemitérios são locais de cultura? Existem cemitérios que são, de facto, museus, onde pagamos parar entrar e visitar. Um dos melhores exemplos é o Cemitério de Highgate, em Londres. Este cemitério é composto por duas zonas: a que pode ser visitada por pessoas que estão interessadas em ver túmulos, o de Karl Marx por exemplo, e outra, mais antiga, onde só se entra com visita guiada. Para nós, portugueses, é difícil ver um museu num local onde se enterram pessoas, é mais fácil fazer isso com um cemitério que foi abandonado e que se encontre fechado. Em Portugal, já temos alguns cemitérios pequenos que foram desativados e recuperados. Um dos casos mais conhecidos é o Cemitério Judaico de Faro. É um cemitério muito específico, com campas quase rasas. Não tem peças escultóricas e as inscrições estão em hebraico. Contudo,
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LEGISLAÇÃO ACTUAL SOBRE OS CEMITÉRIOS
Por Miguel Ângelo Costa Solicitador e Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Desde a idade média até ao século XIX, em Portugal, os mortos eram enterrados dentro das Igrejas ou no Adro, conforme a classe social. Os mais ricos e famosos eram sepultados junto ao altar-mor (talvez para ficarem mais perto do Altíssimo) e os mais pobres eram enterrados na entrada ou no Adro das Igrejas, com todas as consequências higiénicas que estas inumações provocavam em recintos fechados… Um autêntico poço de doenças. Com o liberalismo, por iniciativa de Fonseca de Magalhães, deu à luz a primeira Lei em Portugal que proibia os enterramentos dentro das Igrejas e dos seus Adros, obrigando à construção de cemitérios em todo o País, para defesa da salubridade pública (Decreto de 21 de Setembro de 1835). Esta imposição legal foi literalmente ignorada, principalmente nas zonas rurais e mais conservadoras do País. Mas, passados alguns anos, a 28 de Maio de 1844, com Costa Cabral no poder, foi promulgada a Lei da Saúde Pública, que não só obrigava ao enterramento nos cemitérios e ao seu registo de óbito, como sancionava com multas e prisão a quem não a cumprisse. Esta Lei, associada ao Imposto Predial, veio mexer nas tradições religiosas e no bolso do Minhoto, sendo a tempestade perfeita para a chamada revolta da Maria da Fonte. No entanto, com a pacificação do país e o cumprimento legal nas grandes vilas e cidades, os cemitérios lá se foram construindo e, já no governo de João Crisóstomo, em 16 de Dezembro 1890, surgiu o primeiro regulamento de construção dos cemitérios, no qual já se definia o seu isolamento mínimo das povoações (143 m), construção dos muros, distâncias entre as escolas primárias e salubridade da inumação. Com os avanços da ciência, algumas das disposições daquele regulamento já não faziam sentido e, para o reformar, surgiu o
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Decreto 44.220/62 de 3 de Março, no qual se regulamentava, pela primeira vez, a forma da construção dos cemitérios, prazos para a inumação das sepulturas, proibição de enterramento de caixões de chumbo, zinco ou de madeiras mais densas, só o podendo fazer em jazigos, prazo de 5 anos para abertura dos caixões, com a apresentação de projectos, área das sepulturas, construção de jazigos, zonas verdes, espaços, arruamentos, etc., com a supervisão e reforço da administração pública, quer dos Tribunais, quer das Câmaras Municipais e das Freguesias. Este decreto durou mais de 25 anos, sendo revogado pelo Decreto-Lei n.º 411/98 de 3 de Março, que estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres e ossadas, cinzas e mudança de localização de cemitérios, sendo, mais tarde, alterado, mais na forma do que no conteúdo, pelos Decretos-leis 5/2000 de 29 de Janeiro, 138/2000 de 13 de Julho e 168/2006 de 16 de Agosto, dando origem à proliferação de Regulamentos Municipais por todo o País. Quanto à matéria fiscal, interessa-nos saber que, com a entrada em vigor do CIMT, por opção do legislador, a transmissão de terrenos para sepulturas e jazigos não está sujeita a IMT, ao contrário da sua anterior sujeição à tributação do imposto de Sisa; em sede de Imposto de Selo, a concessão não está sujeita a este tributo, conforme Circular n.º 11/2009 da DSIMT. Mas, nas situações mortis causa, devem as sepulturas e jazigos ser relacionados, pese embora a sua isenção, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º do CIS. No entanto, há um imposto passível de ser aplicado: a verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aquando a aquisição gratuita de uma sepultura ou de um jazigo, incluindo por usucapião. Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
ENTREVISTA A FRANCISCO QUEIROZ
imobiliária, correto? Atualmente, ainda são muitos os que procuram adquirir um jazigo ou um espaço especial no cemitério? Neste momento, não sei se funciona bem assim, mas no século XIX era exatamente dessa forma. Os lugares eram muito disputados. Por exemplo, imaginemos uma pequena vila portuguesa onde morre alguém muito importante. Ele tem de preparar a sua morte para que a sua imagem perdure como a de um grande personagem daquela terra. Essas grandes pessoas têm sempre um lugar privilegiado no cemitério. Nesse aspeto, quase podemos falar em especulação imobiliária. Existem sítios num cemitério com mais destaque. Por exemplo, no Cemitério da Lapa, no Porto, um banqueiro muito conhecido, Joaquim Pinto Leite, muito interessado em fazer um túmulo majestoso, fez uma capela grande, na qual utilizou uma pedra que não era da região do Porto, para se destacar em relação a outras. Ao contrário dos outros que eram todos cinzentos, o seu túmulo era muito mais branco e trabalhado. Mas foi ainda mais longe. Não quis colocar a capela dele ao lado das outras. Arranjou forma de adquirir um pedaço de terreno ao lado do cemitério e, dessa forma, mesmo em frente à rua principal, construir lá a sua capela. Ainda hoje percebemos que aquela capela é especial. em Portugal, ainda há muito por fazer. Em primeiro lugar, há falta de bibliografia publicada. Em segundo lugar, é necessário apostar nas visitas guiadas e torná-las regulares. Estou perfeitamente convicto que, em Portugal, isto poderá ter muito sucesso. Há grandes diferenças culturais e artísticas entre os cemitérios portugueses e os de outros países? Existe uma diferença, logo à partida, que está relacionada com a vertente religiosa. Apesar de seguirmos um percurso em que a religião tem um impacto mais reduzido, no que diz respeito à morte ela ainda está muito presente. Por outro lado, a cultura norte-americana é muito baseada na anglo-saxónica, a qual é protestante. Historicamente, existe uma grande diferença em relação ao catolicismo: o facto de não se acreditar no purgatório. Uma pessoa quando morre, não tem passagem pelo purgatório e a única coisa que existe depois é o juízo final. A partir do momento em que se morre, os restos mortais devem ficar intocáveis até ao juízo final. Podemos ter esse tipo de túmulos num local fixo, mas com uma preocupação muito grande com a arborização. Em Portugal também tivemos essa preocupação, pois existem registos e gravuras que mostram que os cemitérios portugueses eram muito mais arborizados do que agora. O problema é que fomos retirando as árvores numa tentativa de ganhar espaço. Além disso, temos outra diferença em comparação com os cemitérios britânicos ou norte-americanos: os nossos cemitérios têm ruas, ao passo que o cemitério verdadeiramente romântico não tem de ser óbvio e não tem caminhos rigidamente traçados. Os melhores “lotes” de terreno do cemitério já foram muito disputados, gerando até uma certa “ganância”
Que exemplos destacaria no âmbito dos cemitérios nacionais? E fora do país? Existem muitos casos de cemitérios que são considerados monumentos nacionais. O Cemitério do Père-Lachaise, em Paris, o Cemitério Monumental de Staglieno, em Génova, entre outros. Quando vamos a um cemitério como o de Génova, vemos uma peça de escultura e achamos lindíssima. Chegamos à conclusão que, num cemitério de uma cidade não muito grande como Génova, existem mais peças escultóricas de grande qualidade do que em todos os cemitérios portugueses juntos. Isto está relacionado com a quantidade de artistas que existiam e com a ideia de imitar, ou seja, se o meu vizinho do lado tem uma escultura no seu jazigo, eu também vou querer. A imitação é tão evidente que, se alguém não o faz, é estranho. Em Portugal, creio que, neste momento, os que mais se destacam são os de Lisboa, principalmente o Cemitério dos Prazeres. O Cemitério Britânico, em Lisboa, também está a começar a ter alguma procura turística. Já começamos a ver alguns visitantes em cemitérios que não têm grande expressão monumental como, por exemplo, o Cemitério de São Joaquim, em Ponta Delgada. O Cemitério de Agramonte, aqui no Porto, está integrado na Rota Europeia de Cemitérios Significativos. Isto significa que terá uma maior visibilidade. Os cemitérios portugueses têm outro tipo de características interessantes. Os portugueses tiveram muito bons canteiros de ornato, tão bons ou melhores do que no mundo anglo-saxónico. Temos túmulos muito decorados com flores. São essas as grandes características dos cemitérios portugueses: a monumentalidade e o trabalho de ornato. Isso ajuda a explicar o porquê de um norte-americano, habituado a ver cemitérios de todo o mundo, chega a Portugal e fica admirado pela beleza. : :
Sollicitare 59
FORMAÇÃO
ESTATUTO DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
SINOPSE DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NA FORMAÇÃO DISCIPLINA
Por Helena Bruto da Costa e Sérgio Fernandes, Departamento de Formação do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Sanções aplicadas pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça: Cristina Cancela (CP 2597) – Suspensão de atividade (2 anos) Isabel Rute Carvalho (CP 1723) – Expulsão Cristina Moncheira (CP 2535) – Expulsão António Fonseca (CP 3591) – Suspensão de atividade (1 ano) José M. Antas (CP 2907) – Expulsão Sanções aplicadas pela Secção Regional Deontológica do Norte: Francisco Malheiro (CP 4935) – Suspensão efetiva (6 meses) Ivo Teixeira (CP 3531) – Cancelamento da inscrição por falta de idoneidade para a profissão
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Algumas das principais alterações introduzidas pelo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro, são relativas à temática da formação.
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onstata-se, desde logo, que o legislador aumentou consideravelmente o leque de atribuições da Ordem, consagrando como prioritário o seu contributo para o progresso da atividade profissional dos seus associados, estimulando esforços no domínio científico correlacionados com as seguintes atribuições estatutárias: Regular o acesso e o exercício das profissões de solicitador e de agente de execução; Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão, promovendo a formação inicial e contínua dos seus associados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos; Promover o aperfeiçoamento profissional dos seus associados; Fomentar o desenvolvimento do ensino das matérias relevantes para o exercício das profissões; Participar nos processos oficiais de acreditação e avaliação dos cursos que permitem o acesso às profissões de solicitador e de agente de execução1, 2.
FORMAÇÃO CONTÍNUA No EOSAE, a formação contínua, além de um direito, constitui um dever geral de todos os associados. Contudo, o modelo que a assembleia geral vier a regulamentar poderá ser mais exigente para os agentes de execução ou para os associados a quem seja reconhecido o título de especialista (solicitadores ou agentes de execução)3.
A formação contínua dos agentes de execução também mereceu a especial atenção do legislador4 que previu um sistema de créditos de formação. Assim, estes devem obter, a cada dois anos, um mínimo de créditos pré-determinados e, no caso de incumprimento, devem realizar um exame de aferição de conhecimentos. Prevê-se, ainda, a possibilidade de suspensão de designação em novos processos, caso se mantenha a reprovação em segundo exame, e o cancelamento da inscrição na Ordem, volvidos dois anos sobre a reprovação no segundo exame5. Também os empregados forenses de agentes de execução estão sujeitos ao cumprimento de um plano de formação análogo6. FORMAÇÃO INICIAL No âmbito dos estágios, o EOSAE consagrou expressamente a hipótese de remuneração dos patronos formadores, que deverão ser associados, solicitadores ou agentes de execução, com cinco anos de inscrição no colégio respetivo7. Por sua vez, os estagiários devem subscrever uma apólice de seguro de responsabilidade civil profissional e de acidentes pessoais8 e passam a usufruir de uma maior flexibilidade na gestão da frequência e conclusão dos estágios, através do novo regime de suspensão e cessação do estágio9. No estágio para solicitadores, a inscrição dos candidatos depende, agora, do facto de não estarem inscritos noutra ordem profissional. O Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS) previa como limitativa apenas a inscrição na Ordem dos Advogados10.
É no estágio para os agentes de execução que ocorrem as alterações mais significativas11: – Duração de 18 meses, pese embora a contagem seja efetuada desde o pedido de inscrição, e inclui, obrigatoriamente, as fases de formação e avaliação; – Inscrição acessível a licenciados em solicitadoria ou em direito, ao contrário do que acontecia até aqui12. Porém, o livre acesso e o hipotético aumento exponencial de profissionais foram mitigados pela competência atribuída ao conselho geral da Ordem para estipular; – Periodicidade e vagas (numerus clausus) para o estágio, em função da necessidade efetiva de agentes de execução para o funcionamento eficiente do sistema de justiça, seriadas em função de um exame final. TÍTULO DE ESPECIALISTA Nos termos do EOSAE, a Ordem pode atribuir o título de especialista aos seus associados. Este título não se confunde, de forma alguma, com os colégios. Este título visa a certificação de conhecimentos e competências dos profissionais nas respetivas áreas de especialização e não limita a prática jurídica e a competência do especialista em outras áreas, nem impede qualquer associado de exercer os atos profissionais das áreas das especializações, salvo quando o título seja pressuposto legal ou regulamentar, necessário à prossecução desses atos ou oferta de serviços13.
Cf., respetivamente, alíneas b), h), l), m) e r) do n.º 2 do artigo 3.º do EOSAE. As duas últimas atribuições citadas são particularmente relevantes no relacionamento da Ordem com as instituições de ensino superior que oferecem aos candidatos as licenciaturas em solicitadoria e em direito, habilitantes à inscrição nos estágios regulados pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE/Ordem). 3 Vide, artigo 99.º, n.os 1 e 2 do EOSAE, cujo n.º 2 prevê a possibilidade de imposição de provas periódicas para a manutenção do exercício da atividade profissional de agente de execução ou para o uso de título de especialista. 4 Cf. artigo 170.º do EOSAE. 5 Cf. artigo 170.º, n.º 2 do EOSAE. 6 Cf. artigo 170.º, n.º 3 do EOSAE. 7 Respetivamente, artigos 132.º, n.º 3, al. a), e 133.º, n.º 5, ambos do EOSAE. 8 Em linha com o novo regime jurídico das associações públicas profissionais, aprovado pela Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, cf. artigo 135.º do EOSAE. 9 Cf. artigo 161.º do EOSAE, especialmente aplicável ao estágio para solicitadores. 10 Respetivamente, artigo 158.º, n.º 1, al. a) do EOSAE e artigo 93.º, n.º 1, al. a) do ECS. 11 Cf. artigo 163.º do EOSAE. 12 Como se sabe, apenas os solicitadores e os advogados podiam exercer funções de agente de execução depois de, designadamente, terem concluído, com aproveitamento, o estágio para agentes de execução, cf. artigo 117.º, n.º 1, al. e) do ECS. 13 Cf. artigos 90.º, n.º 3 e 227.º do EOSAE. 1 2
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BIBLIOTECAS JURÍDICAS
ENTREVISTA COM
JOSÉ DUARTE NOGUEIRA PROFESSOR BIBLIOTECÁRIO
ONDE MORAM OS LIVROS
De número em número, de biblioteca em biblioteca. Queremos saber tudo sobre as Bibliotecas Jurídicas do nosso país. Vamos entrar, conhecer as caras e os espaços, bisbilhotar as prateleiras e as histórias. No fim e a cada Sollicitare, iremos partilhar consigo todos os detalhes.
Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa A Justiça à distância de um livro Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografias Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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Uma biblioteca instalada numa faculdade com um passado já longo ganha outro simbolismo? A história da biblioteca está intimamente ligada à criação da Faculdade de Direito pela Lei l de 30 de junho de 1913. A organização da biblioteca teve início em janeiro de 1914, sob a direção do então Professor Bibliotecário, Prof. Fernando Emídio da Silva. A coleção inicial foi constituída graças a duas importantes doações: a da biblioteca do antigo Ministério do Reino e a das bibliotecas de Andrade Corvo e de Pereira Carrilho, por parte do Ministério da Instrução. Posteriormente, a biblioteca adquiriria vários livros e documentos oficiais, as livrarias dos jurisconsultos Pereira e Sousa e Mendonça Cortez, a parte política da biblioteca do antigo Secretário-Geral dos Negócios Estrangeiros, Sousa Monteiro e parte da biblioteca do Prof. Marnoco e Sousa. Sendo uma das mais importantes bibliotecas jurídicas nacionais, a Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa assume-se como um pujante centro ativo de recursos de informação jurídica vocacionados para o apoio ao ensino praticado na escola em que se insere e à ciência jurídica em geral.
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asceu no ano de 1913. Possui 181.281 exemplares, 63.175 fascículos de periódicos, 114.003 exemplares de monografias (livros, teses e Livro Antigo), 2.131 manuscritos (com tratamento documental), 477 documentos multimédia (Cd-Rom, DVD) e 1.495 documentos digitais. Estamos a falar da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Composta por nove funcionários, três técnicos superiores e seis assistentes técnicos, coadjuvados por alunos bolseiros, esta biblioteca, “independentemente dos seus pergaminhos, encontra-se hoje adaptada aos novos tempos, fruto de uma constante atualização, em particular desde a construção do edifício ocorrida em 2000, sendo então implementado o livre acesso”. Quem nos explica é José Duarte Nogueira, professor bibliotecário. Todavia, aqui poderemos sempre encontrar o livro. Tocar no papel, sentir o virar das páginas e aquele cheiro que só os livros têm. Nesta biblioteca “existirá sempre lugar para o livro impresso, pelas especiais características que assistem a este recurso de informação”. Razões para visitar não faltam. Nem existem restrições. Está aberta a toda comunidade académica, profissionais forenses e ao público em geral interessado pelas ciências jurídicas. Por tudo isto, José Duarte Nogueira lança o repto: “Deixaria um convite aos utilizadores para uma postura de permanente respeito pela materialidade dos recursos de informação disponibilizados, infelizmente nem sempre observada. E um convite aos juristas que não conhecem a biblioteca para a visitarem, no sentido de se inteirarem das disponibilidades que oferece e das utilidades que dela poderão retirar para o seu trabalho”.
Como é o dia a dia nesta biblioteca? Na ótica do utilizador, é disponibilizada a consulta local das coleções impressas e digitais, bem como o acesso remoto aos recursos digitais. É ainda oferecido o serviço de empréstimo interbibliotecas, largamente utilizado pelos docentes na preparação de teses de doutoramento e outros trabalhos científicos e ainda pelos alunos do 2.º e 3.º ciclo (mestrado e doutoramento) para obtenção de recursos bibliográficos nela não existentes. Para além de muitas outras atividades, procede-se ao tratamento documental das coleções impressas e digitais, presta-se apoio e pesquisa assistida aos investigadores e alunos, auxilia-se na elaboração de bibliografias e procede-se ao depósito das teses de mestrado no Repositório da Universidade de Lisboa. Se tivesse que selecionar o espaço mais simbólico da biblioteca, qual escolheria? A Sala Prof. Doutor Ruy de Albuquerque, localizada no Piso 0 da biblioteca, que alberga a coleção oitocentista. Este espaço homenageia o professor bibliotecário que exerceu funções entre os anos 1984-1987 e 1995-2004, sendo neste último período que ocorreu a construção do atual edifício da biblioteca. Destacamos ainda o Depósito dos Praxistas ou Livro Antigo, de acesso reservado ao público, pela importância da documentação que alberga, designadamente obras impressas até ao século XVIII, de tipografia portuguesa e estrangeira, onde se encontram edições raras como a obra de Bartolus de Saxoferrato, Omnium iuris interpretum autesignani comentaria (1590), a Svmma Sacrae Theologiae (1575) de São de Tomás de Aquino, o Edital do Tribunal do Santo Oficio de Coimbra
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BIBLIOTECA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
mandando entregar no prazo de três dias os Lusíadas de Luís de Camões comentados por Manuel de Faria e Sousa e impressos em Madrid por Juan Sanches no ano de 1639, sob pena de excomunhão (1640), entre muitos outros. Neste espaço pode também encontrar-se a coleção de manuscritos reunida e copiada por Francisco Joaquim Pereira e Sousa (1782-1851), originalmente concebida para constituir uma coleção completa de legislação portuguesa. Em parte adquirida e continuada por João José de Mendonça Cortês (1836-1912), reúne uma impressionante coleção de legislação portuguesa manuscrita e impressa, para além de outros textos, como a tradução medieval portuguesa da Historia Scholastica, de Pedro Comestor (1173).
BIBLIOTECA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA HORÁRIO A biblioteca está aberta todos os dias úteis, das 9h00m às 20h30m PERÍODO DE FÉRIAS Qualquer alteração no horário de funcionamento da Biblioteca, durante o período de férias (Páscoa, Verão e Natal), será devidamente publicitada no site da Biblioteca. CONTACTOS Faculdade de Direito Alameda da Universidade 1649-014 Lisboa Tel: +351 217 984 680 Fax: +351 217 984 694 PORTAL: http://ww2.fd.ulisboa.pt/ Biblioteca.aspx E-MAIL GERAL: mail@dglab.gov.pt Quais os fatores que destacaria como distintivos da coordenação desta biblioteca face a uma qualquer outra biblioteca? O que nos destaca é a enorme massa de obras jurídicas nacionais e estrangeiras, bem como a coleção de dissertações (doutoramento e mestrado) na sua maioria nunca publicadas mas de acesso livre. Para além disso, a biblioteca funciona num edifício construído de raiz, perfeitamente integrado no conjunto do espaço edificado da Faculdade de Direito. Esta representa um papel importante na vida académica, da Faculdade e no dia a dia dos estudantes? A biblioteca é um subsistema de informação integrado no sistema mais lato que corresponde à própria Universidade. A biblioteca da Faculdade de Direito cumpre e desempenha os objetivos e funções da biblioteca universitária como local de confluência do conhecimento jurídico e como instrumento ao serviço do ensino e da aprendizagem do direito e da investigação científica.
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Como funciona a comunicação com os leitores? Existe algum mecanismo que favoreça essa mesma comunicação? A biblioteca publica semanalmente a Newsletter 100 Anos de Livros, através da qual são divulgadas as novidades bibliográficas impressas adquiridas por oferta, permuta e compra, as exposições patentes na biblioteca e os novos recursos digitais subscritos. Paralelamente, na página da biblioteca, no espaço dedicado às notícias, encontram-se as informações mais recentes relativas às coleções, serviços e atividades. Para além da leitura, recorre-se a este espaço para outro tipo de atividades? A biblioteca realiza exposições regulares para divulgação do seu fundo bibliográfico, exposições temáticas quer na Sala Prof. Ruy de Albuquerque, quer nas Salas de Leitura, expondo as últimas monografias e números de publicações periódicas recebidos. Pontualmente, alguns Institutos da Faculdade utilizam estes espaços para realização de atividades próprias. A biblioteca coopera em projetos ligados, por exemplo, à investigação? Têm sido diversos os projetos de investigação realizados com o apoio da biblioteca, referindo-se, a título exemplificativo, a divulgação, em acesso aberto, de toda a legislação portuguesa entre 1820 e 1920, feita exclusivamente com base nas coleções da biblioteca e da responsabilidade do Instituto de História e do Pensamento Político da Faculdade de Direito. A biblioteca também colaborou no projeto de digitalização da coleção de legislação portuguesa desde 1603 a 1910, promovido pela Assembleia da República e para o qual a biblioteca cedeu, para digitalização, os volumes em falta na coleção do Parlamento. Existem relações interinstitucionais protocoladas? Cooperam com as bibliotecas das restantes faculdades? Existem protocolos de gratuitidade recíproca estabelecidos com outras bibliotecas universitárias nacionais e com organismos públicos, como tribunais, Presidência da República e Procuradoria-Geral da República. A biblioteca participa, ainda, na rede de empréstimos interbibliotecas, da qual fazem parte bibliotecas nacionais e estrangeiras, cedendo reciprocamente títulos inexistentes nas coleções. Existem, por último, protocolos com as mais importantes editoras jurídicas portuguesas e com a Universia através do programa netversia. No que respeita às novas tecnologias, tem havido uma aposta no reforço desta componente? A biblioteca tem feito uma forte aposta no acesso às mais importantes bases de dados jurídicas nacionais e estrangeiras, com resultados visíveis no elevado número de acessos por parte de utilizadores e investigadores. A procura crescente de recursos digitais de acesso remoto e simultâneo pelos utilizadores corresponde ao esforço desenvolvido pela biblioteca. : :
ORDENS
MEDICINA DENTÁRIA: A PROFISSÃO MÉDICA RESPONSÁVEL PELA SAÚDE ORAL Por Orlando Monteiro da Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Presidente do CNOP-Conselho Nacional das Ordens Profissionais, antigo Presidente da FDI – Federação Dentária Internacional e antigo Presidente do Conselho Europeu de Dentistas.
Está na hora de admitir que perspetivar a saúde oral desintegrada da saúde geral é obsoleto.
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o longo das últimas décadas, o âmbito da medicina dentária tem sido essencialmente limitado a procedimentos operativos e restaurativos, em detrimento da educação e prevenção. As principais razões para tal prendem-se, em primeiro lugar, com a falta de recursos humanos nestas duas áreas; em segundo, com a falta de atenção dedicada à educação e prevenção no decorrer da formação universitária, quer na licenciatura quer em estudos pós-graduados; e em terceiro lugar, com o custo de rentabilizar uma clínica dentária. Por último, a educação e a prevenção não são consideradas lucrativas e são identificadas como áreas “menores” dentro da medicina dentária. Mesmo a designação “dentistry”, usada em alguns países, reflete esta visão míope. O que não significa que a separação entre médicos dentistas e médicos, no que diz respeito à intervenção, organização e licenciatura, não tenha obtido inúmeros resultados positivos. De facto obteve. Mas, contribuiu, também, para um distanciamento entre a medicina dentária e a medicina. Esta situação tem vindo a ser modificada nos últimos anos, devido principalmente ao grau crescente de técnicas invasivas utilizadas na medicina dentária, juntamente com um maior conhecimento dos riscos e recompensas destas técnicas por parte dos doentes, e devido a procedimentos mais exigentes, no que diz respeito à segurança do doente. Outros fatores incluem uma população envelhecida em algumas regiões do mundo e um aumento dos doentes medicamente comprometidos. Por fim, os próprios médicos dentistas estão descontentes com a sua excessiva identificação com técnicos especializados em estética dentária. A minha visão é que a profissão e a medicina dentária em geral devem ter uma ambição muito mais ampla. Os campos da educação, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação estão cada vez mais interligados, da mesma forma que se
têm vindo a intensificar as relações entre medicina dentária e medicina em geral e ainda outras áreas, tais como nutrição, psicologia e sociologia. É tempo de admitir que perspetivar a saúde oral desintegrada da saúde geral é obsoleto. Esta relação indiscutível é melhor ilustrada na área das doenças não transmissíveis (DNT) ou doenças crónicas. As DNT, que incluem a doença cardiovascular, cancro, doença respiratória crónica e diabetes, são responsáveis por 60% das mortes em todo o mundo: 80% destas ocorrem em países com rendimento médio e baixo. O papel da saúde oral foi recentemente reforçado através da sua menção específica na Declaração Política emanada da Cimeira das Nações Unidas sobre doenças não transmissíveis. As doenças orais não são responsáveis por taxas de mortalidade elevadas; contudo, DNT negligenciadas (cárie dentária e doença periodontal) afetam mais de 90% da população mundial e têm um enorme impacto na saúde. A cárie dentária, doença oral mais prevalente e que afeta biliões de pessoas em todo o mundo, é um desafio importante para a saúde pública, quer na vida do indivíduo, quer na comunidade. Para a medicina dentária enfrentar o desafio contra as DNT deve adotar uma abordagem mais interprofissional em relação às outras disciplinas da saúde. Esta noção é especialmente importante para profissionais de saúde oral, tais como técnicos dentários e higienistas orais, e médicos nas áreas da diabetes, oncologia, nutrição, pneumologia, pediatria e saúde pública. A sociedade, os doentes, outros profissionais de saúde, responsáveis políticos, governos, organizações não-governamentais e indústria assim o esperam e exigem. A medicina dentária deve procurar objetivos mais elevados, superando-se constantemente. Deve estar na linha da frente dos profissionais de saúde responsáveis pela saúde oral, para que os benefícios possam ser sentidos por biliões de pessoas em todo o mundo. : :
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Entrevista ??? Fotografia ???
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OSAE
Não poderíamos ter escolhido outro. ENTREVISTA A
ANTÓNIO FREITAS DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO GERAL DO CONSELHO GERAL DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
Corria o tempo, algures entre 2003 e 2004. António Freitas responde a um anúncio. Procurava-se alguém para substituir a anterior responsável pelo, na altura, Conselho Regional do Sul da Câmara dos Solicitadores. Conseguiu o lugar e hoje é diretor do Departamento de Administração Geral do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Recorda o primeiro dia como um ponto de interrogação. Hoje, guarda na memória muitas cédulas profissionais, conhece todos os fornecedores, recorda facilmente histórias e momentos. Hoje, é dos que mais sabem sobre o que se passou e se vai passando na casa que viu crescer. E com a qual cresce, todos os dias.
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lhando para trás, percebe-se que vida nem sempre foi simpática e que, por vezes, não sorriu. “Vim de Moçambique na altura dos retornados. Fui expulso da República Popular de Moçambique, com carimbo no passaporte. Na altura, os que lá nasceram tiveram que escolher qual a nacionalidade que queriam assumir. Como mantive a nacionalidade portuguesa, vim no primeiro avião de expulsos, chamado ‘24 20‘ (24 horas para sair e 20 quilos de peso). Depois disso, respondi a um anúncio para ir trabalhar para o Iraque. Fiz os exames médicos e, quando dei por mim, passados dois ou três meses, estava a embarcar para o Iraque. Assim que aterrei, começou a guerra Irão/Iraque e aconselharam-nos a nem desfazermos as malas e a voltarmos para Portugal. Optei por ficar e trabalhei numa empresa brasileira a construir uma linha férrea Bagdad – Síria. Fiquei lá durante três anos. Adorei visitar a Babilónia, tinham acabado de descobrir o Leão da Babilónia e fiz questão de tirar uma fotografia. Antes de vir para a, na altura, Câmara dos Solicitadores, trabalhei ainda numa fábrica de cafés durante 11 ou 12 anos.” Perante a história de vida e apesar dos muitos anos passados, ainda há quem hoje peça a fotografia que comprova que este adepto do Sporting esteve mesmo junto ao mítico Leão da Babilónia. Foi caminhando ao sabor das oportunidades que, vistas do presente, parecem formar uma cadeia com sentido, como se planeada. Agora, soma mais de uma década a contrariar muralhas de papel a uma velocidade que não se deve apenas ao hábito, mantendo-se defensor dos milagres que uma piada pode fazer quando o dia parece estar a correr mal. “Ninguém tenha dúvidas que mantermos o bom humor e a boa disposição no trabalho é muito importante. Gosto de usar expressões que as pessoas entendam melhor, memorizem. Expressões que façam rir, até. Se, no futuro, algumas das minhas expressões continuarem a ser usadas, como, por exemplo, ‘escolhe outro’, será muito engraçado.” Sim, António Freitas, para além de dicas, conselhos e ensinamentos, é também autor das mais afamadas expressões que, de repente, todos os que com ele convivem usam no seu dia a dia. Do “Bzzzz” ao “Escolhe outro”, o catálogo do Sr. Freitas é vasto e não se ouse pensar que há situações que o poderão deixar sem palavras. E não terão sido poucas as situações vividas ao longo destes anos que tantas transformações e conquistas trouxeram: “Eu diria que mudou tudo desde aquela altura. O conselho geral era composto por três ou quatro pessoas (…). Olhando para trás, é, naturalmente, uma honra ter acompanhado a história e a evolução da profissão. Trabalho nesta instituição com todo o prazer e com toda a dedicação”, confessa António Freitas com alguma emoção a pontuar um discurso em que o coração está bem perto da boca.
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QUANDO SURGE UM PROBLEMA, PARA MIM, TENTAR RESOLVER É UMA OBRIGAÇÃO. A MINHA LIGAÇÃO AOS ASSOCIADOS É GRANDE PORQUE ACHO QUE TEMOS DE TRABALHAR PARA ELES. EU LOUVO A FORÇA DE VONTADE DESTES PROFISSIONAIS. Chega, toma o seu café. Habitual e obrigatório. Depois disso e de despir o casaco que é metodicamente pendurado, arregaça as mangas e o dia começa. A porta abre de cinco em cinco minutos, ou menos. O “entra e sai” é constante e os rostos sempre diferentes. Nas prateleiras, as pastas surgem organizadas com rigor e, na secretária, também os papéis têm a sua ordem, assim como as canetas de cores distintas
ANTÓNIO FREITAS
e o calendário sempre disponível junto à caixa dos clipes e à máquina calculadora de rolo. Às vezes, tira os óculos, passa as mãos pela cara. Mas, no fim, esboça sempre uma expressão que diz: “Tudo se vai resolver”. O espírito alegre de bigode e pera é a imagem de marca de alguém que tem sempre uma solução: “Quando surge um problema, para mim, tentar resolver é uma obrigação. A minha ligação aos associados é grande porque acho que temos de trabalhar para eles. Eu louvo a força de vontade destes profissionais. Os associados sentem que a sua voz é ouvida dentro da instituição. (…) Já cheguei a perguntar como tinham chegado ao meu nome e todos respondem: ‘Falei com outro colega’. E a frase é sempre a mesma: ‘Se tens algum problema fala com o Freitas’”. O Freitas, como é conhecido por todos, embora denunciado pelos cabelos brancos, não perde a vontade de se manter jovem. E gosta de estar entre eles. “Neste momento, eu
encaro os mais jovens como a continuidade desta instituição. Tento abraçar toda a gente que tem valor e que tem ajudado a tornar a Ordem naquilo que é hoje. Adoro trabalhar com estas pessoas que têm uma capacidade da qual não se apercebem: têm paciência para me ouvir. Há aqui juventude com bastante garra, que me orgulha e faz sentir bem. (…) A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução está muito bem entregue”, remata sem hesitações e com um sorriso emocionado. A conversa podia não terminar. Havia sempre mais uma história. Durante esta entrevista, o telemóvel tocou. Temos quase a certeza que muitos terão tentado bater à porta, estanhando a ausência do tradicional “Sim, come on”. Terminamos. Mas antes, António Freitas lembra: “A Ordem não sou eu, somos todos”. Tem razão. Mas uma coisa é certa: Sem o Freitas, isto não era a mesma coisa. : :
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PROFISSテグ
Texto Josテゥ Onofre \ Ilustraテァテオes Samuel Sousa
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SOCIEDADE
PRÉMIOS NOBEL
A HISTÓRIA DO MAIS PRESTIGIADO PRÉMIO Todos os anos, em pleno outono europeu, as atenções recaem sobre Estocolmo. É a capital sueca que acolhe, desde 1901, a entrega dos Prémios Nobel. Estes prémios internacionais são atribuídos a pessoas que contribuíram para o bem da humanidade, por meio de pesquisas pioneiras, da invenção de técnicas importantes ou pelos contributos que forneceram à sociedade. Por Diana Andrade, Jurista
O
s laureados são pessoas que, durante o ano, se distinguiram nas áreas da Física, Química, Fisiologia ou Medicina, Literatura e Paz mundial. O Prémio em Ciências Económicas em memória de Alfred Nobel, instituído pelo Banco Central Sueco em 1968, é muitas vezes designado Prémio Nobel da Economia, mas, na realidade, tal não existe. As únicas semelhanças com os Prémios Nobel são, para além da referência a Alfred Nobel, o facto de a sua nomeação ser efetuada pela Academia Real das Ciências da Suécia e a sua entrega decorrer na mesma cerimónia que os Prémios Nobel da Química, Física, Fisiologia ou Medicina e Literatura. A mesma tem lugar no Stockholm Concert Hall, organizada anualmente pela Fundação Nobel e presidida pelo Rei da Suécia. O Prémio Nobel da Paz é atribuído no Oslo City Hall, na Noruega, cumprindo assim o desejo formulado por Alfred Nobel no seu testamento. Esta cerimónia de entrega é presidida pelo Rei da Noruega. Alfred Nobel foi muito mais do que o criador e patrocinador destes Prémios. Nascido em Estocolmo, foi responsável por várias descobertas importantes, tendo mais de 300 patentes registadas. Um homem de negócios, viajado, poliglota, com vários interesses, nomeadamente pela literatura e pela química. A paixão pela química fez com que criasse a dinamite, após vários anos a tentar tornar a nitroglicerina mais manipulável. Dececionado com a utilização que muitas pessoas faziam da mesma e influenciado pelos ideais pacifistas de uma grande amiga sua, Alfred Nobel quis criar uma Fundação que promovesse o bem-estar da humanidade. No seu testamento deixou bem vincada a pretensão de que a sua vasta fortuna fosse anualmente dividida em cinco partes e distribuída, em forma de prémios, às pessoas que, durante o ano anterior, mais tivessem contribuído para o desenvolvimento da humanidade. Considerado o mais prestigiado prémio nos campos da Literatura, Fisologia ou Medicina, Física, Química e Paz, o Prémio Nobel representa o auge de uma carreira, portanto. Cada premiado recebe uma medalha com a efígie de Alfred
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Nobel, um diploma e dinheiro, cuja quantia varia de acordo com os rendimentos da Fundação Nobel, mas que ronda os dez milhões de coroas suecas (mais de um milhão de euros). O propósito original era permitir que as pessoas laureadas continuassem a trabalhar ou a pesquisar, sem entraves financeiros. O Prémio Nobel pode ser ganho individualmente ou repartido, no máximo, por três pessoas. Pode não ser concedido em determinado ano, se a Fundação Nobel considerar que não há ninguém digno dessa atribuição. Entre 1901 e 2015, houve 593 Prémios Nobel atribuídos e 900 galardoados (entre os quais 26 são organizações). O Prémio Nobel da Paz não foi atribuído em 19 destes anos. Os Estados Unidos da América, o Reino Unido, a Alemanha e a França são os países com mais premiados. Malala Yousafzai, que recebeu o Prémio Nobel da Paz, em 2014, foi a pessoa mais nova de sempre a ser laureada, com apenas 17 anos. Somente 49 Prémios Nobel foram atribuídos a mulheres, tendo sido a maioria nas últimas décadas. Houve também quem recusasse o Prémio, o caso de Jean-Paul Sartre, quem tivesse recebido mais do que um, como Marie Curie, e quem o tivesse ganho postumamente. Em Portugal, Egas Moniz e José Saramago foram premiados. O primeiro, em 1949, com o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina, e o segundo, em 1998, com o Prémio Nobel da Literatura. Caricata foi a criação do Prémio IgNobel. Teve a sua primeira edição em 1991 e decorre anualmente, no mês de setembro, na Universidade de Harvard. São atribuídos aos autores de pesquisas, experiências e outras atividades inusitadas nas diversas áreas da ciência. A ideia do evento é engraçada, pois pretende, em primeiro lugar, fazer as pessoas rir e, depois, pensar sobre o assunto. Este ano, por exemplo, a Polícia Metropolitana de Banguecoque venceu o Prémio IgNobel da Economia, por oferecer mais dinheiro aos polícias que recusassem os subornos. No nosso país, já cá cantam dois Prémios Nobel. Aguardamos ansiosamente pelos próximos. : :
OSAE
UM MAGUSTO À MODA DO CONSELHO REGIONAL DO PORTO Porque todos fazemos parte da tradição de um povo, o desafio foi lançado pelo Conselho Regional do Porto e cerca de duzentos colegas vieram sentir e viver a alegria de um arraial minhoto, no passado dia 7 de novembro de 2015. Por Paula Barbosa, Solicitadora e membro do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
O
local escolhido foi a Quinta da Malafaia, em Esposende, uma festa única, de inspiração tradicional da região do Minho. Com entusiasmo fomos organizando mais um magusto, mas, desta vez, queríamos um local diferente, onde pudéssemos partilhar os costumes das nossas gentes. Foi disponibilizado um autocarro para todos os colegas, com partida do Porto até Esposende, facilitando a deslocação dos que iam chegando das várias localidades da região norte e centro do país. Num espaço único onde a funcionalidade, a modernidade e a grandiosidade contrastam com o ambiente típico e tradicional, fomos entrando, distinguindo-nos com um chapéu de palha e marcando a presença de um grupo forte e numeroso. Para além da comida típica da região, com os seus petiscos, sardinha assada, caldo verde, broa, vinho verde, champarrião e as tão desejadas castanhas assadas, assistimos a uma desfolhada e às danças folclóricas e populares nortenhas. Mas o arraial minhoto é feito, essencialmente, de uma alegria e de uma animação que foram contagiando todos os colegas ao longo da noite. E se a evolução e a tecnologia marcam o nosso presente, é nas nossas raízes que encontramos a alegria e o orgulho de sermos um povo do norte. Obrigado a todos que quiseram, de uma forma especial, viver esta alegria. : :
Chegou o 7 de novembro Por favor senhores acordem É festa de S. Martinho Vamos abanar a Ordem Haja castanhas e vinho E a diversão não demore Antes que venha um “Agente” E a alegria penhore Solicitadores alegrem-se No norte reina a alegria Malafaia vai pasmar-se Com esta nossa folia.
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REPORTAGEM
VISITA AO JARDIM ZOOLÓGICO DE LISBOA
UM MUNDO INTEIRO NO CENTRO DE UMA CIDADE “No dia em que comecei a trabalhar aqui, os meus pais mostraram-me uma fotografia minha, com cinco anos, aqui no Jardim Zoológico. Contaram-me que eu, nesse momento, disse: ‘um dia vou trabalhar aqui’. A verdade é que esse sonho se concretizou e eu não trocava o meu trabalho por nada”. Estamos com Tiago Carrilho, técnico educativo do Jardim Zoológico de Lisboa. É ele quem nos vai levar à floresta amazónica e à selva africana. Tudo isto sem termos que sair de Lisboa.
“O
JARDIM ZOOLÓGICO DE LISBOA tem 131 anos e é o quarto jardim mais antigo da Europa. Mais antigo que o nosso só o de Viena, Londres e Paris”. Tudo começou em 1884 na zona de São Sebastião. Foi aí que se ergueu o primeiro Zoo. Passou ainda pelos terrenos da Calouste Gulbenkian, no ano de 1894, mas o seu voo terminava, em 1905, nas instalações da Quinta das Laranjeiras, em Sete Rios, onde ainda hoje se mantém. “No fundo da avenida do Jardim Zoológico vivia o Conde de Farrobo, uma das pessoas mais abastadas de Portugal e que doou uma parte do espaço à empresa do Jardim Zoológico”. As mudanças tiveram apenas um propósito: “(…) o bem-estar dos animais. É o nosso bem mais precioso. O Jardim Zoológico deixou de ser uma mera montra de animais. Hoje em dia, a nossa principal missão passa pela conservação e pela educação”, explica Tiago Carrilho. Calcem os ténis, peguem na garrafa de água e comecemos a visita. Avistamos os tigres. Belos e majestosos. “Esta instalação tem particularidades muito engraçadas. Existe uma corda que percorre toda a instalação. Colocamos a comida num saco, preso a essa corda, para fazer com que o tigre tenha de saltar para conseguir a comida. Isto é bom porque deixou de haver comedores e acabámos com o hábito de aparecer comida sempre no mesmo lugar. Do ponto de vista físico, o tigre vai desenvolver os mesmos músculos que desenvolveria no seu habitat natural”. Esta é uma das grandes preocupações dos tratadores. Qualquer animal deve estar preparado para voltar ao seu habitat. “Preocupamo-nos com o bem-estar, a reprodução e, mais tarde, com a reintrodução. Temos exemplos de animais que estiveram aqui no Jardim e que foram reintroduzidos no seu habitat natural, inclusivamente animais que estavam extintos no seu habitat, o caso do antílope do deserto. O Jardim Zoológico de Lisboa reintroduziu-o e, neste momento, existem cerca de dois mil”.
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Texto Ana Filipa Pinto e André Silva Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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Ainda distantes, começamos a ouvir os inconfundíveis guinchos. Chegámos ao Templo dos Primatas. “Temos a sorte de não haver paredes à volta. Se formos a África, vamos ter um rio a separar-nos dos primatas, tal e qual como está aqui. É apenas uma barreira natural. Usamos a água e, mais uma vez, foi o conhecimento que jogou a nosso favor, porque estamos a falar de animais que têm muito receio de água”, conta-nos Tiago Carrilho. Esta é a grande mais-valia do Jardim Zoológico de Lisboa. A distância entre nós e os animais diminuiu e as jaulas desapareçam. Estamos perante um cenário mais natural. “A isto chamamos enriquecimento ambiental, ou seja, estimular os nossos animais a terem comportamentos naturais. Tudo é construído de maneira a que o animal tenha os mesmos comportamentos que teria no seu habitat natural. Para o animal é muito bom e as pessoas que nos visitam veem como é que eles realmente são”, conta-nos Tiago Carrilho. Está na hora de irmos até à Baía dos Golfinhos. Eles nadam, saltam, batem as palmas e surpreendem-nos sempre com um beijo. Os golfinhos e os leões-marinhos. Isto é o que precisam fazer para o seu bem-estar. “O golfinho precisa de treinar todos os dias para que os cuidados veterinários possam ocorrer. O seu enriquecimento ambiental está incluído no treino, ou seja, se os golfinhos não tivessem aquele treino nunca conseguiriam nadar nem saltar tanto. Do ponto de vista físico, estariam mais debilitados.” Apercebemo-nos das muitas e longas horas de estudo que são necessárias para se conseguirem as melhores respostas às necessidades das diferentes espécies. Para que todos os animais sejam tratados e acompanhados da melhor forma, trabalham, a tempo inteiro, cerca de 300 pessoas. “Temos ainda os nossos animadores, os nossos guias que
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trabalham a part-time. Costumo dizer que, aqui, temos quase todas as profissões. Desde o departamento de marketing e comercial à tesouraria, passando pelo gabinete de arquitetura, pelo hospital veterinário, advogados, biólogos, eletricistas, etc.” Todos eles têm um lugar neste enorme Jardim. Todos eles têm uma enorme importância para que tudo funcione na perfeição. “Fazemos investigação contínua sobre os animais que aqui temos. Utilizamos essa investigação feita no terreno e trazemos os resultados para aqui. Por exemplo, para os pinguins tínhamos uma única gruta para todos e eles praticamente não se reproduziam. Estudámos o seu habitat natural e percebemos que cada casal tinha de ter a sua própria gruta. Criámos uma nova instalação, com grutas independentes para cada casal e, a partir desse momento, são uma das espécies que mais se reproduzem”, esclarece o Educador Zoológico. E chegámos à instalação das chitas. Para nossa surpresa, para além da fêmea e do macho, estavam também à nossa espera as crias. “Quando nasce uma cria é um momento fantástico. Significa que atingimos o objetivo de todo o nosso trabalho e de todo o investimento do ponto de vista profissional e pessoal”, partilha Tiago, visivelmente emocionado. Mas, como já se referiu, para aqui chegarmos é necessário muito trabalho de investigação e uma enorme dedicação evidente nas horas passadas a observar cada comportamento, cada sinal. “Por exemplo, a procriação das chitas obedece a um processo muito complexo e exigente. Em primeiro lugar, a fêmea é retirada da sua instalação. Deixamos o macho entrar na instalação da fêmea para marcar território. A fêmea volta a entrar e vai marcar o território que o macho marcou. O macho é recolhido e a fêmea vai à instalação do macho marcar território. O macho
JARDIM ZOOLÓGICO DE LISBOA
“PREOCUPAMO-NOS COM O BEM-ESTAR, A REPRODUÇÃO E, MAIS TARDE, COM A REINTRODUÇÃO. TEMOS EXEMPLOS DE ANIMAIS QUE ESTIVERAM AQUI NO JARDIM E QUE FORAM REINTRODUZIDOS NO SEU HABITAT NATURAL, INCLUSIVAMENTE ANIMAIS QUE ESTAVAM EXTINTOS NO SEU HABITAT, O CASO DO ANTÍLOPE DO DESERTO. O JARDIM ZOOLÓGICO DE LISBOA REINTRODUZIU-O E, NESTE MOMENTO, EXISTEM CERCA DE DOIS MIL”.
volta a entrar e a marcar novamente o território marcado pela fêmea. Posteriormente, abrimos uma das portas, separadas por uma rede, e eles contactam apenas visualmente. Se, pelo comportamento da fêmea, percebermos que está a aceitar o macho, abrimos as portas, eles juntam-se e acontece o acasalamento. Voltam a separar-se e retomamos o ponto inicial. É um dos animais que mais dificilmente se reproduz. Mas nós, nos últimos anos, já assistimos ao nascimento de 12 crias”.
No entanto, nem tudo são rosas e, para muitos destes animais, o perigo de extinção está bastante presente. O caso que mais nos toca é o do lince ibérico. Este chegou a estar extinto no seu habitat natural. “Havia cinco mil linces em 1950, em 1987 falávamos de 1150 e, em 2014, passámos para os 350. As principais causas foram a escassez de recursos alimentares, a fragmentação e a destruição do seu habitat. Os linces só comem coelho, representa 98% da sua alimentação. Os australianos criaram um vírus, a mixomatose, para matar coelhos, pois foram considerados uma praga. Quando esse vírus chegou à Europa dizimou as populações de coelhos. Sem alimento, os linces começaram a reproduzir-se cada vez menos e assim chegámos aos 350. Muitas das ações que fazemos agora visam apenas criar condições para que os coelhos aumentem e, com isso, criar alimento para os linces. A verdade é que, mesmo com todas as nossas ações, este continua a ser o felino mais ameaçado do mundo.” Ainda que rendidos à beleza de um espaço onde o planeta terra nos parece, ao mesmo tempo, tão pequeno em distância e tão grande em riqueza natural, não podemos esquecer que são muitas as atitudes que podemos mudar para que o futuro não represente uma ameaça. “Quando comprarem sardinhas ou atum, reparem se a lata tem um símbolo azul com um golfinho. Todas as latas com esse símbolo indicam que as redes que foram usadas para os pescar não fazem mal a outros animais, como o leão-marinho ou o golfinho. (…) É muito importante reciclar os telemóveis antigos. As baterias são feitas com tantalite, um minério extraído nas florestas dos gorilas. Com isso, os orangotangos perderem 97% de floresta nos últimos anos. Era o mesmo que os portugueses ficarem a viver todos no Algarve. Enquanto consumidores, podemos ajudar os animais. São essas boas práticas que tentamos transmitir aqui”, ensina Tiago Carrilho. E há tanto mais para visitar neste espaço onde a surpresa não se esgota. Sim, haverá sempre algo novo para conhecer, porque, sendo este um espaço onde mora a vida, também ele (tal como a vida) está em constante mudança, sempre em busca de algo melhor. Para que assim continue a ser, todos podemos contribuir: “A primeira e melhor forma de ajudar o Jardim Zoológico é, sem dúvida, visitando o parque. Passem por cá. A nossa principal fonte de receita é a bilheteira. Temos também o programa de apadrinhamento, no qual as pessoas podem apadrinhar um animal e aí estão a contribuir diretamente para aquele animal em questão. Também recebemos patrocínios de empresas, que nos dão um apoio muito importante na manutenção do Jardim. Só queremos continuar a fazer o nosso trabalho e a lutar pela sobrevivência das espécies”. Novamente junto ao portão principal, lembramo-nos que, afinal, nunca saímos do centro de Lisboa. “Isto parece a terra do nunca. Não ouvimos o barulho dos carros. É quase um mundo dentro da cidade”. Um mundo onde se ensina e aprende. Um mundo onde cuidar é a palavra de ordem. E, aqui, cuida-se com um sorriso no rosto. Aliás, é como saímos. Com um sorriso do tamanho de um elefante e uma vontade de voltar tão forte quanto o rugido de um leão. : :
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SUGESTÕES
A JUSTIÇA E O CINEMA “(…) A JUSTIÇA SEMPRE ESTEVE EM DISCUSSÃO, AO LONGO DOS SÉCULOS E EM TODAS AS SOCIEDADES. NO CINEMA, PARTICULARMENTE NO CINEMA NORTE-AMERICANO, MULTIPLICAM-SE OS EXEMPLOS, ACOMPANHANDO O DESENVOLVIMENTO DAS SOCIEDADES E A COMPLEXIDADE DOS NOVOS PROBLEMAS QUE SE VÃO COLOCANDO. (…)” LAURO ANTÓNIO, cineasta
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“Erin Brockovich” (2000)
Por Maria João Justiça, Departamento de Formação do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
A cumplicidade entre a justiça e o cinema nasceu desde as primeiras projeções e a relação tem tido muitos contornos interessantes e complexos ao longo da história, desde o final do séc. XIX, mas principalmente com a generalização do cinema sonoro nas primeiras décadas do séc. XX. O cinema transmite-nos noções de justiça que não só têm alterado significativa e ciclicamente nos últimos cem anos, como altera ao longo da vida de cada indivíduo. Essas noções são mais do que entretenimento, são conceitos que são transmitidos, interpretados e, acima de tudo, gravados na nossa consciência coletiva e individual. São noções que, desde muito cedo, nos ajudam a distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado, o punível e o recompensável. “Quando for grande quero ser advogada.” O apelido profetizava e o cinema dava o cenário perfeito de luta entre o bem e o mal, o certo e o errado. Era clara a distinção entre os heróis e os vilões e o cinzento não existia. Às vezes, a luta parecia desigual mesmo até à cena final mas, inevitavelmente, os bons ganhavam e os maus eram castigados. Ainda que se acredite que os seres humanos nascem com noção do certo e do errado, que somos atraídos por valores positivos, nomeadamente, pela justiça e pela verdade, e repudiamos o engano e a falsidade (Maslow, 1954), a verdade é que o cinema contribui, desde muito cedo, para a apreensão que fazemos da realidade. As nossas conceções sobre outros países baseiam-se, em grande medida, no conhecimento que temos das suas legislações, no seu sentido de justiça e essa ideia advém do cinema, forma acessível de cada um de nós viver outras sociedades e sentir outras culturas. Nascida na década de 70, recebi a minha primeira lição cinematográfica de (in)justiça no primeiro filme que vi no cinema, “A Dama e o Vagabundo” (Disney) em que a Dama é falsamente acusada e tem de procurar nas ruas a forma de provar a sua inocência. Depois, “As Aventuras de Tom Sawyer” mostravam até onde podíamos ir sem sermos castigados e como agir para sermos recompensados. “O Dartacão e os Três Moscãoteiros” explicaram o que é a honra e a justiça, a defesa do bem e o combate ao mal, protegendo os mais fracos dos opressores. Desde a infância que o cinema (e a televisão) ajuda os pais e os educadores a desenhar os primeiros limites do nosso comportamento na mini sociedade da escola e do lar. Posteriormente, as séries americanas como “A Balada de Hill Street”, “Miami Vice”, “Causa Justa” ou “L.A. Law”, entre outras, se bem que retratando uma sociedade diferente da nossa, esta era semelhante o suficiente para nos identificarmos e acreditarmos que os polícias eram bons e apanhavam os maus, quando os polícias não eram bons eram presos e que, na barra do tribunal, os bons ganhavam sempre, os maus perdiam e o crime nunca compensava. De Portugal também recebemos
lições de justiça que devemos ao Zé Gato, ao detetive Claxon ou ao “Duarte e Companhia”. Mas nem tudo é preto no branco, homens como o Alfred Hitchcock obrigaram-nos a considerar vilões injustiçados e belas damas homicidas mas justas. Vingadores como o “Dexter” (tv, 2006), tornado figura central e, consequentemente, o herói, põe-nos a torcer pelo mau da fita e a reconsiderar todos os nossos conceitos de justiça e os limites, por vezes frágeis, entre justiça e vingança. David Fincher, no filme “Se7en” (1995), criou um vilão que comete crimes terríveis e não lhe dá um nome, possivelmente de forma intencional, fazendo-nos correr o risco (quase imoral) de poder ser qualquer um de nós, de nos identificarmos com ele quando este justifica a falta de inocência de cada uma das suas vítimas. Também na justiça o cinema é utilizado como instrumento de formação de opinião, de criação de debate sobre questões sensíveis para os espectadores e, frequentemente, fraturantes para a sociedade. A pena de morte foi abolida em Portugal em 1976 (ainda que a última execução tivesse ocorrido 130 anos antes). Todavia, é inevitável que todos tenhamos uma opinião, mais ou menos fundamentada, sobre este processo legal definitivo. Filmes como “Quero viver!” (1958), “Causa Justa” (1995), “Tempo de matar” (1996) e “A última caminhada” (1996) abordam ângulos diferentes dos processos em que o acusado pode não ser culpado, o culpado pode não ser responsável e o responsável pode ter defesa. Todos estes filmes e outros obrigam a pensar sobre reabilitação, sobre crime e castigo, sobre o poder da justiça no direito à vida e até mesmo sobre moral. A eutanásia em “Mar Adentro” (2004) ou “Festa de Despedida” (2014), o divórcio em “Kramer contra Kramer” (1979) ou “O Julgamento de Viviane Amsalem” (2015), o Direito do Trabalho em “Filadélfia” (1993), a ocultação de crimes ambientais por grandes empresas em “Erin Brockovich” (2000), os crimes de guerra em “O Julgamento de Nuremberg” (1961), “Em nome do pai” (1993) ou “High Crimes” (2002) são temas fundamentais e universais, cuja discussão é suscitada, forçando o espectador a formar uma opinião, a ter uma posição. Mais do que entreter, o cinema reflete não só a cultura, como a constrói e molda. Muito do que sabemos de leis, e também muito do que esperamos da justiça, provém, em certa medida, da representação cinematográfica dos processos legais e, reciprocamente, também o processo legal pode influenciar o mundo do cinema (não apenas porque o regula, mas também por introduzir imagens adjudicativas nas narrativas estruturais que sustentam os géneros cinematográficos (Ammon Reichman, 2008). Assim, a cumplicidade entre a justiça e o cinema terá sempre terreno para continuar a crescer, entretendo e ensinando, assustando e repreendendo, alertando e consciencializando. : :
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CULTURA
As linhas que cosem uma carreira E N T R E V I S TA A
E S T I L I S TA O ESQUISSO ESTÁ PRONTO E O DEDAL COLOCADO. A AGULHA COMEÇA A PERFURAR O TECIDO E A COSTURAR O MODELO COM QUE LUÍS BUCHINHO QUER VESTIR PORTUGAL. O TOM É AZUL, CLARO. UMA COR QUE REPRESENTA O ESTADO DE ESPÍRITO DE QUEM NASCEU NUM PAÍS MELANCÓLICO. FITA MÉTRICA, TESOURA, ALFINETES. É DO CENTRO DO PORTO QUE SAEM TODAS AS LINHAS QUE VÃO CONQUISTANDO O MUNDO. A JUSTIÇA, ESSA VESTIA-A SEM COR NEM FORMA. UMA JUSTIÇA CEGA, MAS COM OS SEUS PRINCÍPIOS BEM COSIDOS. O ESQUISSO TORNOU-SE REALIDADE. A PEÇA SEGUE O SEU CAMINHO. A PRÓXIMA? APENAS UMA CERTEZA: A NOVIDADE. Entrevista Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
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ENTREVISTA A LUÍS BUCHINHO
Como surge um gosto tão específico como a moda? Surgiu de uma forma muito natural. Sempre fui uma criança muito ligada às artes visuais, desenhava muito desde novo. Era o meu hobby favorito, aquilo que me preenchia a maior parte do tempo. Na transição para a pré-adolescência, quando começaram a surgir videoclipes das bandas neo-românticas inglesas com imagens muito fashion, comecei a reproduzir aquilo que via em desenhos e croquis de moda que ilustravam o que os grupos vestiam. Entretanto, comecei a desenvolver mais essa vertente através de revistas de moda, também muito influenciado pelas campanhas da Benetton, que mostravam um universo muito rico em malhas. Eu quis começar a fazer o que via nas revistas. Sempre de forma autodidata, mas com uma certa obsessão. Aos 16 anos, quando estava na área de artes visuais, a minha professora viu esses desenhos e achou que o meu futuro era a moda. E quanto ao papel do estilista – extravasa o projeto no papel, correto? Como se consegue passar essa ideia para o cidadão que vê apenas o desfile? Um desfile é mais um cartaz, uma ideia da coleção. O trabalho de moda é, sem dúvida, um trabalho de design ligado à vida funcional e às peças de vestuário. Tem de ter um mercado alvo muito bem definido, tem de ter características definidas, por exemplo, a morfologia da peça tem de se adaptar forçosamente ao corpo feminino. Como tal, tem de existir uma ideia lúdica que transmita o imaginário mais fantasioso. É necessário termos um reconhecimento daquilo que é o nosso processo criativo, mas, sem dúvida, que o produto quando é feito para ser vendido tem adaptações, porque estamos a trabalhar com corpos diferentes em termos de medidas e escalas. Uma coleção de moda não é algo que possa ser apenas apresentado na passerelle. É algo que tem de ser difundido, experimentado e comprado pelo público para que possa ser uma marca que permaneça no imaginário do consumidor. É fundamental construir-se a identidade do estilista? Como é que isso acontece? É algo muito natural. Tem de ser um espelho da personalidade do criador. A marca é feita com as suas vivências, com as suas experiências pessoais e com aquilo que o rodeia no circuito social e comercial. A alma de uma coleção é algo que tem de estar sempre, estação após estação, em todas as coleções. Podemos mudar os personagens de cada coleção, mas nunca podemos mudar a narrativa. É algo que tem de estar sempre muito presente como o imaginário do seu criador. Quanto ao processo criativo, este ocorre de que forma? No meu caso, trabalho através de várias influências. Podem ser influências muito pessoais que encontro numa metáfora, em forma de coleção, para se eternizarem. São estímulos visuais que tento transmitir, mas é um trabalho muito individual e difícil de explicar.
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Quando falamos em moda, ESCOLHAS… DE LUÍS BUCHINHO a palavra “tendência” está sempre muito presente. Como Um livro: Diário, são definidas essas mesmas de Chuck Palahniuk tendências? Um filme: Os setes macacos Eu não ligo às tendências. Eu Uma música: tento ter sempre uma história Bandas neo-românticas que seja particular. Essa história (início dos anos 80) vai pedir um certo tipo de teci- Um museu: Serralves dos, de padrões e de cores. Uma Um lugar: Tróia coleção de autores não é uma coleção de tendências, é o universo dessa marca para essa estação. O que essa coleção pode gerar é um conjunto de tendências à sua volta. Hoje em dia, é difícil falarmos numa só maneira de vestir, as coleções estão muito adaptadas ao mercado que têm. Não existe uma calça que esteja na moda, existem vários modelos de calças que se adaptam ao corpo dos consumidores. Hoje em dia, o consumidor identifica-se com uma marca e sabe que essa marca vai ter sempre algo que se adapta ao que pretende. O que diria que mudou desde o seu primeiro desfile? Mudou imenso. O meu primeiro grande desfile foi em 91, na primeira edição do Moda Lisboa. As coleções eram enormes e os desfiles muito longos. A minha primeira coleção tinha cerca de 52 coordenados. O que agora demora oito
A ALMA DE UMA COLEÇÃO É ALGO QUE TEM DE ESTAR SEMPRE, ESTAÇÃO APÓS ESTAÇÃO, EM TODAS AS COLEÇÕES. PODEMOS MUDAR OS PERSONAGENS DE CADA COLEÇÃO, MAS NUNCA PODEMOS MUDAR A NARRATIVA. É ALGO QUE TEM DE ESTAR SEMPRE MUITO PRESENTE COMO O IMAGINÁRIO DO SEU CRIADOR.
minutos, na altura significava mais de 20. Tínhamos coreografias muito complicadas a acontecer dentro de cada conjunto de coordenados. Fazíamos ensaios uns dias antes, coreografávamos e existia um grande rigor na apresentação da coleção. Registou-se também o surgimento de muitas facilidades tecnológicas. Neste momento, uma banda sonora é enviada por e-mail, enquanto que, antigamente, era gravada em bobines num estúdio. As manequins eram completamente diferentes das de agora. Tinham uma faixa etária muito mais elevada, um mínimo de 24 anos. É engraçado olhar para trás? Gosta de recordar o que criou no passado? Eu não sou muito nostálgico. O que geralmente faço é consultar os primeiros desenhos para ir buscar algumas ideias. Eu desenho muito, é algo que faço de maneira quase mecânica e, como tal, há muitas ideias que nunca viram a tridimensionalidade. Por vezes, encontro ideias interessantes que volto a pensar e a usar. Obviamente que as coisas estão muito diferentes, as coleções e as técnicas evoluíram muito, mas o espírito já lá estava.
Que lugar ocupa Portugal no contexto da moda? É um país interessante e rico, dada a qualidade e a variedade dos materiais e dos recursos? Eu acho que sim. Só tive essa consciência quando comecei a fazer desfiles internacionais. Lia críticas em relação ao meu trabalho que referiam muito o uso do azul, uma certa melancolia e um estado de espírito típico de quem vive no litoral e isso era uma coisa na qual nunca tinha pensado. É algo tão presente que não noto. Por esse motivo, acho que o designer português tem um estilo muito próprio, algo em que nunca tinha reparado. Como idealiza o último grito da moda daqui a 25 anos? Impossível de prever. O futuro da moda está muito dependente daquilo que se vai passar no mundo. Eventualmente, ocorrerá uma evolução tecnológica muito grande, mas tudo dependerá dos acontecimentos. Esse futuro é sempre um espelho da sociedade. Por exemplo, os anos 80 são o espelho da descoberta da SIDA. Nos anos 70, as pessoas eram muito libertinas e usavam uma roupa muito sexual. Decotes muito abertos, cinturas muito descaídas, uma certa exibição do corpo com uma carga sexual muito óbvia. Nos anos 80, encontramos um vestuário de proteção. Os ombros tornam-se grandes, a roupa é muito mais tapada. Existe uma espécie de armadura, em que a sexualidade é exibida de uma forma completamente diferente. Isso é, sem dúvida, um sinal dos tempos. : :
Sollicitare 83
SUGESTÕES
LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA PORTO EDITORA
Novo Procedimento e Processo Administrativo CPA, CPTA, ETAF e legislação conexa Isabel Rocha e Carlos José Batalhão Os principais diplomas legais no âmbito do Direito Administrativo foram alvo de recentes revisões, que os alteraram profundamente. Assim, é intuito deste Novo Procedimento e Processo Administrativo disponibilizar uma compilação completa e fiável para profissionais e estudantes, com textos de acordo com a lei vigente. De entre os vários diplomas selecionados para este título, será de se destacar, pela sua importância e por recentemente terem sido alvo de profundas revisões, os seguintes conteúdos: Novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro; Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), de acordo com o texto alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro; e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), também de acordo com as alterações e respetiva republicação efetuadas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.
Código do Trabalho Isabel Rocha; Nuno Gustavo Pimenta Sabendo da importância de que o Direito Laboral se reveste num sem número de situações que afetam uma parte significativa da população, é nossa preocupação oferecer uma seleção de textos legais relevante e rigorosamente atualizada.Nesta 10.ª edição do livro Código do Trabalho, a principal novidade é a inclusão do Código de Processo do Trabalho, cujo texto apresentamos devidamente consolidado. Além disso, esta obra contempla a esperada atualização dos vários diplomas legais, como sejam as alterações introduzidas pelas Leis n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, e n.º 28/2015, de 14 de abril, ao Código do Trabalho. Aceda a www.portoeditora.pt/ direito para descarregar e imprimir gratuitamente os ficheiros de atualizações que são disponibilizados online até que se inicie a preparação de uma nova edição da obra.
Comercial Isabel Rocha e Duarte Filipe Vieira Nesta 19.ª edição do livro Comercial, continuamos a procurar disponibilizarlhe a seleção de legislação mais relevante para os profissionais que trabalham em Direito Comercial. É por essa razão que os coordenadores decidiram enriquecer esta obra, acrescentando aos seus conteúdos o Código da Propriedade Industrial. Além disso, como não podia deixar de ser, a edição que agora lhe apresentamos encontrase atualizada de acordo com as últimas alterações legais, nomeadamente as que o Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, introduziu ao Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro (Informação Empresarial Simplificada), e as que o Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, introduziram ao Código das Sociedades Comerciais. Esperamos, com esta nova edição, fornecer-lhe uma compilação totalmente à medida das suas necessidades, para assim podermos continuar a merecer a sua confiança. Em www.portoeditora.pt/direito, pode contar com as atualizações gratuitas até à preparação de uma nova edição, mantendo o seu livro de acordo com a lei vigente.
COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA WOLTERS KLUWER
JusFormulários – Viação Rui Marques, LICENCIADO EM DIREITO E MESTRE EM DIREITO E ECONOMIA. Propõem-se minutas assim como se indicam as necessárias referências para combater a as más práticas de condução e prevenção rodoviária, destacando-se, por exemplo, comunicações e despachos interlocutórios da autoridade administrativa, requerimento para cumprimentos de decisões administrativas, peças processuais em sede de processo penal com fundamento na responsabilidade criminal por crimes de condução em estado de embriaguez, etc. ou petições judiciais para ressarcimento de danos com fundamento em responsabilidade civil e demais atos processuais, etc. O objetivo do livro é ocupar o lugar vazio que existe na literatura jurídica sobre o assunto e apoiar os juristas nos problemas e situações com que se deparam e não encontravam resposta tanto de direito processual como de direito material, nos seus aspetos mais inovadores. A obra disponibiliza todos os formulários e minutas em formato editável para que os profissionais da área jurídica possam adaptar segundo as suas necessidades os diversos documentos. Obra publicada em formato de papel e e.book e disponível em www.smarteca.pt. 84
COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS
COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA
Direito Processual Civil Declarativo
Estatuto da Ordem dos Advogados 8.ª edição
António Júlio Cunha, MESTRE EM DIREITO, DOCENTE DA UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA, ADVOGADO
Ainda na sequência da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, nesta nova edição revista e ampliada, foram desenvolvidas algumas matérias – sobretudo as que sofreram alterações mais significativas – como sucedeu, entre outras, com os “temas da prova”, a nova natureza do despacho convite ao aperfeiçoamento dos articulados deficientes, com a “nova” configuração do ónus de alegação ou com o novo regime da réplica. Foram, também, aditadas algumas matérias considerando, sobretudo, o seu interesse prático e a vantagem de proceder, pelo menos, a algumas chamadas de atenção, tais como: os incidentes de intervenção de terceiros, as custas processuais e a litigância de má-fé. Acrescentaram-se, ainda, notas de direito comparado, para motivar a reflexão sobre certas soluções acolhidas no direito português.
Recursos no Contencioso Tributário
COLEÇÃO TEXTOS DA LEI
– Regulamento Nacional de Estágio – Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários – Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais – Regulamento Disciplinar – Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional – Regulamento dos Laudos de Honorários – Regime Jurídico das Sociedades de Advogados – Regime dos Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores – Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores
– Articulação do CPPT com o CPC, CPTA – Regime Geral das Infrações Tributárias – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Cristina Flora, JUÍZA DESEMBARGADORA NO
Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL (CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO) Margarida Reis, JUÍZA DE DIREITO NO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, DOCENTE DE DIREITO TRIBUTÁRIO NO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
COLEÇÃO TEXTOS DA LEI
“A multiplicidade de tipos de recursos e de diplomas aplicáveis gera enormes dificuldades de interpretação e articulação, que têm como consequência que a matéria dos recursos jurisdicionais em contencioso tributário seja mais árdua e complexa do que em qualquer outro ramo do direito (…). A obra que a Senhora Juíza Desembargadora Cristina Flora e a Senhora Juíza de Direito Margarida Reis em boa hora decidiram elaborar e que agora se publica permite esclarecer, com boa sistematização, as dúvidas que frequentemente se geram na interpretação e articulação das normas sobre recursos jurisdicionais no contencioso tributário, dando conhecimento da mais relevante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos sobre a matéria. Por isso, trata-se de um instrumento de trabalho com grande utilidade para todos aqueles que têm por função aplicar o direito nos tribunais que julgam os litígios em matéria tributária.” Do prefácio de Jorge Lopes de Sousa, Juiz Conselheiro Jubilado.
– Lei dos Atos Próprios – Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores – Regulamento das Compensações – Regulamento do Registo das Sociedades de Solicitadores e Sociedades de Agentes de Execução – Regulamento Disciplinar – Regulamento dos Laudos sobre Honorários de Solicitadores – Regulamento Eleitoral – Regulamentos da Conta-Clientes – Regulamentos do Estágio
Sollicitare 85
SUGESTÕES
NA COMPANHIA DE UM LIVRO Aceitando com agrado aceder ao convite formulado para a secção “Sugestões de leitura” da Revista Sollicitare, aqui ficam cinco propostas, que espelham bastante bem gostos pessoais e áreas de interesse académico. Ainda que a vida seja uma constante correria, a verdade é que um dos prazeres da mesma é deleitarmo-nos num confortável cadeirão, num espaço solitário, tendo apenas um livro por companhia, e, ao lado, um saboroso e cheiroso café. Os livros são ótimos amigos e têm o condão de levar a mente humana em viagens que transcendem o físico. A única liberdade que nunca se pode retirar ao Homem é o seu pensamento, aí parece residir o derradeiro recanto do seu ser.
What you read when you don’t have to, determines what you will be when you can’t help it.
Oscar Wilde
Por Sónia Costa Moura, Gabinete de Comunicação e Protocolo do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Manual de Protocolo Empresarial De Cristina Fernandes, (UNIVERSIDADE CATÓLICA EDITORA, 2014)
Neste manual, a autora, especialista da área, elenca as regras, os códigos e as boas práticas do cerimonial das organizações empresariais. Uma vez que uma das facetas do protocolo é a de organizar, estruturar e ordenar relações, atos e condutas, torna-se cada vez mais necessário, às empresas e aos seus profissionais, diferenciarem-se por esse conhecimento. Num mundo altamente competitivo, quem for detentor destas competências, acabará por elevar-se entre os seus pares e primar pelo profissionalismo e pelo reconhecimento social. Cada vez mais, o elemento diferenciador, o waw factor, parece residir na transmissão da mensagem mediante o conhecimento de determinados códigos e regras. Um bom profissional, não é só aquele que é o melhor na sua área de conhecimento, mas é sobretudo aquele que consegue fazer-se respeitar, respeitando os outros, de trato fácil e cordial, polido e educado, que emana atitude positiva e que se integra em ambientes vários independentemente da sua experiência de vida e profissional. Elementos agregadores e positivos são os mais procurados aquando de uma entrevista de emprego ou quando se pretende remodelar organizações. Perceber a mensagem e saber passá-la para o seu destinatário, respeitando o contexto onde decorre, é o key point desta arte.
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A Rússia de Putin De Maria Raquel Freire,
O Islão e o Ocidente, A Grande Discórdia
(ALMEDINA, 2011)
De Jaime Nogueira Pinto,
A autora e investigadora, conceituada na temática, tenta abordar nesta obra a especificidade da liderança de Vladimir Putin nos seus dois mandatos (entre 2000 e 2008), nomeadamente focando a atenção nos vetores e nas linhas estruturantes da política externa russa. Nos últimos anos, a Rússia de Putin tem tentado retomar e fortalecer a sua posição enquanto global player, não apenas numa tentativa de alterar a ordem unipolar – de liderança norte-americana -, mas também por questões securitárias próprias (caso da luta contra o terrorismo, cujo impacto em território russo já se fez sentir). Cada vez mais se sente o papel importante que a Rússia detém no equilíbrio entre Ocidente e Oriente e até mesmo nos grandes temas de enfoque mundial.
Le livre de Némo De Nicole Bacharan e Dominique Simonnet, (EDITIONS DU SEUIL, 2001)
E se agora ficássemos a zero? E se a falta de memória se abatesse sobre nós? Como agir, o que pensar e como fazer? Tudo temáticas abordadas neste romance que narra a história de um menino de onze anos que perdeu a sua memória após sofrer um acidente de carro e que se vê sem história, a partir do nada e a ter de reaprender tudo, até mesmo a sua própria identidade. Em certos momentos da nossa vivência, ponderamos como seria ser outra pessoa, como seria recomeçar ou, até mesmo, passar por aquela situação e fazer tudo de forma diferente. A história de Némo permite-nos ponderar essa possibilidade e avaliar os seus prós e contras. O catch deste livro é que, em paralelo com a jornada de Némo, vamos percorrendo períodos fundamentais da nossa História. Ver pelos olhos de outrem, ainda para mais de uma criança. É poder ser criança outra vez.
(D. QUIXOTE, 2015)
Um livro mais que atual e mais que oportuno tendo em conta o que vivenciamos nos tempos atuais. O enquadramento histórico perfeito para tentarmos compreender a razão inerente deste regresso ao passado com a atual “guerra entre religiões”. Já Francis Fukuyama anunciava que o clash das civilizações dar-seia com a guerra entre religiões. A verdade é que desde a última Guerra do Iraque, o 11 de setembro, a Primavera Árabe, a Guerra na Síria, os demais atentados terroristas e aparecimento do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), o mundo começou a mudar, a radicalizar-se, os sentimentos de nacionalismo a regressar, as fronteiras a fechar e a diferenciação entre o “Eu” e o “Outro” a tornar-se mais clara. O que nos reservará o futuro depois desta era e como chegámos até aqui? O autor propõe-se ajudar-nos nessa clarificação.
Política Externa Portuguesa De Tiago Moreira de Sá, (FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS, 2015)
Numa altura de acontecimentos internacionais que põem em causa a sociedade em que estamos inseridos, levando-nos a questionar a nossa própria forma de estar e de ser, torna-se cada vez mais pertinente debater qual o futuro a seguir em matéria de política externa. Neste livro, cuja matriz analítica assenta no enquadramento histórico e em teorias de relações internacionais, faz-se um percurso analítico sobre as linhas estruturais da política externa portuguesa, contrapõem-se os habituais três vetores (europeísta, atlantista e lusófono) a uma quarta via, “o regresso à fórmula clássica da dupla aliança: com a maior potência europeia, a Alemanha e com a maior potência marítima, os Estados Unidos da América”. O professor universitário e investigador, Tiago Moreira de Sá, propõe assim uma solução alternativa ambiciosa para o conceito internacional estratégico português.
Sollicitare 87
SOCIEDADE
ASSOCIAÇÃO ANIMAIS DE RUA
Ajudar não tem hora marcada
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Texto André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
16:30. O dia está quase a chegar ao fim, mas o trabalho da Associação Animais de Rua e dos seus voluntários ainda agora está a começar. Depois de receberem o pedido de ajuda, estudam o local e avançam. Faça chuva ou sol. Frio ou calor. Estes voluntários são de coração e é por amor que o fazem. Para Maria Pinto Teixeira, Presidente desta associação, “(…) o objetivo principal passa por controlar as populações de animais errantes em Portugal. Entendemos que existem muitos mais animais a viver e a reproduzir-se continuamente na rua do que famílias suficientes para adotar. Muitos dos animais com que lidamos na associação – os gatos silvestres – não são animais adotáveis, são animais que não procuram contacto humano. A melhor solução para estes gatos não é retirá-los do seu território em definitivo, mas sim submetê-los ao programa CED, ou seja, ‘capturar, esterilizar e devolver’”. Esta é a metodologia que deve ser utilizada para que a colónia não continue a crescer. “Capturamos os animais com recurso a equipamento especializado, são levados a clínicas veterinárias onde lhes é feito um check-up geral de saúde, são desparasitados interna e externamente, são esterilizados e marcados com um pequeno corte na orelha esquerda – usado a nível internacional para identificar animais submetido ao programa CED”, explica Maria Pinto Teixeira.
“(…) O OBJETIVO PRINCIPAL PASSA POR CONTROLAR AS POPULAÇÕES DE ANIMAIS ERRANTES EM PORTUGAL. ENTENDEMOS QUE EXISTEM MUITOS MAIS ANIMAIS A VIVER E A REPRODUZIR-SE CONTINUAMENTE NA RUA DO QUE FAMÍLIAS SUFICIENTES PARA ADOTAR. MUITOS DOS ANIMAIS COM QUE LIDAMOS NA ASSOCIAÇÃO – OS GATOS SILVESTRES – NÃO SÃO ANIMAIS ADOTÁVEIS, SÃO ANIMAIS QUE NÃO PROCURAM CONTACTO HUMANO. A MELHOR SOLUÇÃO PARA ESTES GATOS NÃO É RETIRÁ-LOS DO SEU TERRITÓRIO EM DEFINITIVO, MAS SIM SUBMETÊ-LOS AO PROGRAMA CED, OU SEJA, ‘CAPTURAR, ESTERILIZAR E DEVOLVER’”.
17:00. A armadilha foi colocada e dentro tem comida a chamar por eles. Bonitos, bem tratados e de barriga cheia, não se aproximam. Esta pode ser uma prática usada internacionalmente mas, no início, suscitou algumas dúvidas: “Quando começámos, em 2008, na cidade do Porto, pensámos que as pessoas nos iam detestar. Chegávamos com as armadilhas, um trabalho visualmente agressivo, e achávamos que não iriam compreender. Fomos surpreendidos pela atitude das pessoas. Compreenderam a nossa missão e a recetividade foi muito melhor do que a esperada. Não é incomum termos uma cuidadora que nos recebe com um bolo. Existe uma grande solidariedade que une as pessoas que se importam com estes animais”, conta a presidente da Associação Animais de Rua. Esta ajuda é mais do que bem-vinda, é essencial. Aquece o coração, nos dias frios de inverno, e não só.
17:30. Perante a resistência dos animais, pediu-se ajuda à cuidadora. Da janela do primeiro andar, atira pedaços de ração e chama pelos gatos. Já conhecem a voz. Para que tudo corra bem, a colaboração dos cuidadores é essencial. Mas não só. Também as clínicas veterinárias dão uma ajuda fundamental: “Trabalhamos com 29 clínicas veterinárias privadas. Fazem-nos um preço muito especial, o que torna este trabalho possível. Sem esta ajuda, provavelmente, apenas conseguiríamos cuidar de uma colónia por ano. Nas zonas onde temos protocolos com os municípios tudo é mais fácil. Por exemplo, na zona de Lisboa, a Casa dos Animais de Lisboa oferece-nos as esterilizações”.
18:00. O tempo passa. Eles espreguiçam-se e continuam a passear pelos telhados, ignorando completamente tudo o que se passa à volta. Ou talvez não. Bastava um pequeno ruído para despertar os sentidos destes felinos urbanos. Os mais novos começam a aproximar-se lentamente da armadilha. Vão deixando de conseguir resistir ao cheiro a comida que lhes entra pelo nariz. Os voluntários continuam serenos. Não desistem. O seu trabalho é tentar ajudar o máximo de gatos e deles depende esta Associação: “É um trabalho de equipa, entre os voluntários no terreno que fazem as capturas, os médicos veterinários que colaboram connosco, os municípios que têm protocolos com a associação, os cuidadores dos animais e as próprias populações. Todos têm um papel fundamental para o sucesso do programa”. 18:30. Desconfiado, um dos gatos mais velhos acaba por dar o benefício da dúvida. Entra na armadilha, cheira e volta a sair. É importante que isto aconteça, pois é algo que acaba por
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ASSOCIAÇÃO ANIMAIS DE RUA
transmitir segurança à restante colónia. Contudo, para se chegar até aqui, Maria Pinto Teixeira explica-nos que é necessário haver um pedido de ajuda: “Quando temos conhecimento de determinado grupo de animais, nunca pegamos nas armadilhas e vamos capturar. Fazemos um recenseamento dos animais, tentamos perceber se estão a causar algum incómodo à população. Depois disso, os cuidadores são ensinados acerca de qual a forma adequada para cuidar destes animais. Ração e água fresca,
“É UM TRABALHO DE EQUIPA, ENTRE OS VOLUNTÁRIOS NO TERRENO QUE FAZEM AS CAPTURAS, OS MÉDICOS VETERINÁRIOS QUE COLABORAM CONNOSCO, OS MUNICÍPIOS QUE TÊM PROTOCOLOS COM A ASSOCIAÇÃO, OS CUIDADORES DOS ANIMAIS E AS PRÓPRIAS POPULAÇÕES. TODOS TÊM UM PAPEL FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO DO PROGRAMA.” com recipientes limpos após a alimentação. Os animais são tratados e passa a existir um número mais reduzido, controlado e que não incomoda as pessoas. Entendemos que é possível conseguir uma convivência equilibrada, pacífica e saudável entre os animais e as pessoas”. Em Portugal, esta Associação já esterilizou mais de 15 mil animais. O número é grande. Todavia, para a presidente da Animais de Rua, é apenas o início. “Por mais que nos orgulhemos deste número, sabemos que estamos apenas no início, pois, se tivermos em conta que existem perto de um milhão de cães e gatos a viver na rua, 15 mil ainda não tem um grande impacto”.
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19:00. Os dois gatos mais novos entram na armadilha. O mais assustadiço ouve um barulho e foge. O que resta delicia-se com a comida que ali esperava por ele. O futuro para este gato adivinha-se melhor, assim como para a Associação Animais de Rua. “O futuro será, certamente, ainda mais sorridente. Durante mais de 30 anos, em Portugal, a metodologia consistia em captura e abate. Uma forma pouco ética e pouco eficaz, pois estes animais reproduzem-se a uma velocidade muito grande. Se, por exemplo, nesta colónia, retirarmos quatro ou cinco gatos, os restantes vão reproduzir de forma mais acelerada e, rapidamente, a colónia atinge o número inicial. Com o método antigo, víamos focinhos novos, mas não em menor número. Ao passo que, com a nossa metodologia, contribuímos para diminuir o número de animais”. 19:30. A corda é puxada e a porta da armadilha fechada. Durante alguns segundos, o gato, assustado e nervoso, tenta compreender o que se passa. Em breve regressará para junto da sua família. Amanhã será outro dia, outra captura e, por isso, é necessária a ajuda de todos: “Precisamos sempre de voluntários, quer para assegurar esta parte que ocorre no terreno, quer na área administrativa. Precisamos também de famílias de acolhimento temporário que queiram receber crias para depois serem encaminhadas para a adoção, de pessoas que tenham tempo para estar no computador a responder aos contactos que chegam via e-mail ou facebook, a fazer a gestão das redes sociais, dos materiais gráficos, da participação em campanhas de angariação de fundos, etc. Toda a ajuda é sempre bem-vinda. Já temos sete núcleos a funcionar, estamos no Porto, em Aveiro, Lisboa, Sintra, Lagos, Faro e S. Miguel. E uma coisa é certa: ao mesmo tempo que vamos chegando a mais animais, também recebemos mais pedidos de ajuda”. 20:00. O dia ainda não terminou. O pequeno gato, agora mais tranquilo, ainda terá que ser levado para a clínica veterinária. Antes disso, a voluntária terá que limpar e desinfetar todo o material utilizado. Só depois poderá seguir viagem e, mais tarde, regressar a casa. Sabe que irá adormecer cansada mas, acima de tudo, descansada, com aquele sentimento de “missão cumprida”. Quanto ao dia de amanhã, logo se verá a que horas irá terminar. : :
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ROTEIRO GASTRONÓMICO
Ana Filipa Pinto,
Gabinete de Comunicação e Protocolo do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Su ges tõ es 92
RESTAURANTE TOMA LÁ-DÁ-CÁ
Com ‘gostinho’ a Portugal Numa noite chuvosa de um outono indeciso, Lisboa permanece desperta, viva, com gente dentro. Passamos o Largo de Camões e seguimos a Rua do Loreto acima. Passa-se a Bica, é a seguir. Na Marechal Saldanha encontra-se caminho para a Rua do Almeida e aqui, numa descida bem ao estilo da cidade das sete colinas, mora o Toma Lá-dá-cá. Parece cheio. Mas o segredo é não se deixar intimidar. À porta vem o dono que, ao seu RESTAURANTE estilo muito próprio, distribui as ementas e TOMA LÁ-DÁ-CÁ pergunta se podem vir as entradas e alguma Tv. do Sequeiro 38, coisinha para beber. Entretanto, as pingas, pequenas mas amea- 1200 Lisboa Telefone: 213 479 243 çadoras, transformam-se em chuva daquela Aberto segunda a sábado, das que obriga a ponderar uma solução rápida. E 12h00 às 15h00 assim foi. Todos para dentro do restaurante. O e das 19h30 às 23h00 queijo e o presunto, chegados entretanto jun- Encerra ao domingo. tamente com o vinho branco, aterraram num banco estrategicamente colocado junto à entrada do restaurante. Entre petiscos, fazem-se os pedidos e, quando damos por ela, estamos sentados entre nacionalidades. Robalo escalado, costeleta de vitela maronesa e entrecôte na tábua são os escolhidos. Até à última garfada, fica a certeza: em Portugal, quando se trata de comer e beber, é só do bom e do melhor. As sobremesas dão lugar àquele suspiro final, um misto de satisfação e “ai o que eu dava para conseguir comer mais”. Embora internacional na clientela, este é um verdadeiro restaurante português, daqueles onde o segredo está nas pessoas e a boa vontade faz milagres, até mesmo quando parece impossível inventar espaço para mais alguém. No momento de baixar os talheres, é bem possível que não tenha dado conta da velocidade a que o tempo foi devorado. Só a ausência da fome o denuncia. É também muito provável que não haja mais mesas ocupadas. Já todos seguiram caminho. Aqui sentimo-nos naquele sítio de onde nunca temos que ir embora. Aqui sentimo-nos em casa. Obrigada a quem nos cá trouxe. : :
André Silva,
Gabinete de Comunicação e Protocolo do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
GROUND BURGER
À mesa com 150g de América Estamos em Portugal, perto da Praça de Espanha. Decidimos ir experimentar uma das melhores hamburguerias ao estilo americano: o Ground Burguer. Nesta mistura de nacionalidades, este é o momento certo para não pensar em calorias. Independentemente do idioma, não há expressão para caracterizar o que aí vem. A simpatia dos funcionários é o primeiro aspeto que nos salta à vista. O restaurante, com um estilo simples, moderno e iluminado, torna esta experiência ainda mais agradável. Até porque o melhor ainda está para vir! Esqueça todos os hambúrgueres que comeu até hoje, pegue no menu e escolha qual das dez maravilhas quer experimentar. Do Cheeseburguer ao Chilicheese, passando pelo Philly Burguer ou o Baconcheese. Não pode deixar de experimentar o hambúrguer da casa: o Ground Burguer. E se pertencer ao grupo dos mais atrevidos, ouse pedir o Hambúrguer Especial do Mês (em dezembro, altura em que visitei este restaurante, o especial vinha com queijo philadelphia, compota de pimentos e agrião. “De comer e chorar por mais”). São 150g de carne saborosa e suculenta, sendo esta servida num pão torrado. Não nos esqueçamos daqueles que não comem carne, para eles a escolha mais que acertada é o Veggie Burguer. Perca a cabeça, aproveite esta refeição e peça, para acompanhar, as French Fries e/ou as Onion Rings. Delicie-se com estas batatas fritas crocantes em alho e alecrim e/ou com as cebolas frescas banhadas numa mistura de especiarias e cerveja Samuel Adams. Em Portugal, por hoje, seja americano. Acompanhe a sua escolha com um dos três milkshakes da casa: chocolate com manteiga de amendoim, baunilha ou morango. Para terminar a refeição, não pode perder a especialidade da casa. Aliás, mais uma: o Creamy. Não há descrição melhor do que a da ementa: “Gelado artesanal, produzido na casa com baunilha de Madagáscar. Servido com topping à escolha (chocolate & manteiga de amendoim, morango ou simplesmente baunilha) e chantilly”. E para não fugir à regra… Chegada a última trinca: “So goooood…”
GROUND BURGER Av. António Augusto Aguiar 148 A, 1050 Lisboa Telefone: 213 717 171 Aberto terça-feira a sábado, das 12h00 às 00h00 www.facebook.com/ GroundBurger
Sollicitare 93
LEIRIA Uma cidade a visitar 94
VIAGENS
Por Luís Paiva Advogado
“Leiria? disse Teresa. Bem sei, é onde há umas ruínas? – Um Castelo, minha senhora, edificado por D. Dinis. – Leiria é excelente!” EÇA DE QUEIROZ, O Crime do Padre Amaro
V
enha conhecer uma cidade com história. Perto de praias, termas, grutas, monumentos, onde pode visitar santuários ou descobrir achados arqueológicos com 25 mil anos. Banhada pelo Rio Lis, Leiria nasceu e cresceu em torno do seu castelo medieval, mandado construir por D. Afonso Henriques. O castelo foi ampliado nos reinados de D. Dinis e de D. João I, rei que mandou erigir os Paços Reais, que dão ao castelo a sua imagem mais icónica. As ruínas de que fala Eça são restauradas graças ao impulso do arquiteto suíço Ernesto Korrodi. No castelo, onde, reza a Lenda, uma rainha transformou moedas em rosas, visite a torre da menagem, os Paços Reais ou as igrejas da Pena e de São Pedro. Saia do Castelo e desça em direção à Torre Sineira e à Sé. Percorra as ruas onde Eça de Queiroz se inspirou para descrever os amores de Amélia e Amaro. Pare na Praça Rodrigues Lobo para descansar e tomar um café debaixo das suas arcadas ou nas esplanadas que rodeiam a praça. E surpreenda-se no centro histórico que, embora degradado, é onde pode encontrar a nova geração de empresários, comerciantes e designers. Não deixe de passar pelo Jardim Luís de Camões e de passear pelas margens do Rio Lis até ao Parque do Avião. Depois de tanto andar, é tempo de retemperar forças. Para almoçar, sugiro uma curta visita a Marrazes, com restaurantes que lhe oferecem refeições dignas de rei. Depois do almoço, pegue no automóvel e visite os arredores. Se gostar da natureza, visite as praias, do Pedrogão à Nazaré. Em alternativa, percorra o pinhal de Leiria e ande pelos lugares por onde D. Dinis se apanhou de amores por uma camponesa. Visite Monte Real e as suas termas ou os mosteiros de Alcobaça e da Batalha. Ou então vá às grutas de Mira de Aire ou ao Vale do Lapedo. Se quiser alimentar o espírito, não deixe de passar pelos santuários de Fátima ou dos Milagres. Leiria também é cidade de cultura. Merecem destaque nos espaços culturais o novo Museu de Leiria, o m|i|mo – Museu da Imagem em Movimento, o Centro de Interpretação Abrigo do Lagar Velho – Lapedo, o Moinho do Papel, o Museu Escolar de Marrazes ou o Mercado de Santana. Quanto à gastronomia, o porco é rei. Dá-se a palavra às morcelas de arroz, ao leitão assado à moda da Boavista e à fritada. Prove também os mariscos e os peixes do litoral. Nos doces, são imperdíveis as brisas do Lis, parente próximo do brasileiro quindim. Aqui tem Leiria, um local perfeito para um “city break”. Onde poderá passar dias tranquilos, longe da confusão das grandes cidades. E com muito mais a oferecer do que um castelo!
Sollicitare 95
KONICHIWA! À descoberta do Oriente
11.000 QUILÓMETROS, 15 HORAS DE CAMINHO, 5 MARES, MAIS DE 10 PAÍSES, 2 CONTINENTES E EIS QUE CHEGAMOS AO JAPÃO. AVISTAMOS, LITERALMENTE, O SOL NASCENTE NESTA ILHA TÃO DISTANTE, PLANTADA NO OCEANO PACÍFICO. PARA TRÁS FICARAM AS COREIAS, A CHINA, A MONGÓLIA, O EURO, AS SARDINHAS, AS BIFANAS, O FADO E O BENFICA. ESTAMOS, REALMENTE, LONGE DE CASA. 96
VIAGENS
Por Catarina Nogueira, Divisão de Gestão e Apoio aos Associados do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
E
Templo Kinkakuji, Quioto
ste arquipélago, de quase 7000 ilhas e terceira maior potência económica do mundo, é habitado por cerca de 128 milhões de asiáticos. Para um povo com esta dimensão, os transportes têm que estar - e estão - absolutamente bem organizados. A sinalética é clara, sem margem para dúvidas, chegando a ser cómica. Que inveja! Adorava ter isto em Lisboa. Os mapas são completos mas, se ainda assim nos desorientarmos, há sempre um japonês por perto. É que a timidez e as barreiras linguísticas são grandes, mas a gentileza e a vontade de ajudar são muito maiores. Conhecer o Japão? Sim, claro! Mas por onde começar? Tóquio, a escolha é óbvia. Mas convenhamos que atravessar o planeta para visitar apenas uma cidade seria um desperdício. Então segue-se Quioto, antiga capital, e Osaca, a terceira maior cidade. E, graças ao comboio bala, é possível atravessar 500 quilómetros num tirinho. Só em Tóquio vivem cerca de 30 milhões de pessoas. Exato, 3 Lusitânias inteiras! Numa cidade com esta proporção, temos, inevitavelmente, a sensação de estar a visitar várias cidades no mesmo dia. Tsukiji Market, Shinjuku, Shibuya, Yoyogi Park, Asakusa e Roppongi, entre outros, são, para os interessados, sítios a não perder. Tóquio e Osaca são metrópoles semelhantes, onde amiúde cheira a pão doce nas ruas. Imperam os arranha-céus, os karaokes, a Manga (banda-desenhada japonesa), as pachinkos verdadeiramente ensurdecedoras (vão ao Google), as casas de noodles e as alucinantes plataformas ferroviárias por onde passam, diariamente, milhares de pessoas. À noite, luzes intensas dão um colorido especial às ruas largas e cheias de gente, enchendo também de vida quem por lá passa. E se passar com fome, não vai deixar de se deslumbrar com os menus de cera à porta dos restaurantes. É que, apesar de serem apenas réplicas altamente realistas, chegam a ser apetitosas. Mas nem só de luz e pachinkos vive o Japão. A religião, os templos, os samurais e as gueixas são peças fundamentais na História desta civilização. Quioto é a cidade ideal para se estar em contacto com a espiritualidade que vive à margem dos arranha-céus. Por todo o lado estão espalhados templos budistas e xintoístas que coexistem harmoniosamente. Qualquer hora do dia é boa para uma oração. Falar de cultura é também falar de gastronomia e aqui os japoneses têm muito a dizer. Os centros comerciais do género El Corte Inglés merecem uma visita, sobretudo os pisos inferiores. Porquê? Porque são autênticos food-shows de perder a cabeça e de ficar de olhos em bico. Aqui podemos ver o sushi mais fresquinho e variado, espetadinhas de todas as carnes, lasanhas, bolonhesas, raviólis japoneses, padaria francesa, vegetais acabados de colher, doçaria tradicional lindíssima, enfim, um sonho para os amantes de comida que podem encontrar aqui de tudo e feito na hora. Mas as tentações não estão só nas department stores. Basta passear pelas ruas e elas saltam-nos aos olhos. Casas de ramen e outras massas, panquecas de castanha, takoyaki e muitas outras especialidades fritas, cruas ou salteadas vêm ter connosco. Mas o melhor de tudo é a alma deste povo. É que em nenhum outro lugar do planeta encontrámos pessoas tão civilizadas, elegantes e, acima de tudo, generosas. Eu dou um exemplo: andávamos descontraidamente por uma rua e reparámos numa loja com um nome que podia ser português. Aproximámo-nos para ver melhor, era uma loja de bolos caseiros tipo donuts. Seguimos o nosso caminho e parámos, mais à frente, para consultar mapas. Uma rapariga que estava a ser atendida na tal loja, naquele momento, reparou em nós e decidiu comprar bolos para nos oferecer. De repente, sem saber quem somos nem de onde vimos, apareceu ao pé de nós de bicicleta, sorriu e estendeu um saco aberto sem dizer uma palavra. Só porque sim. Ainda sem percebermos muito bem o que estava a acontecer, aceitámos, desfizemo-nos em obrigados e arigatos e, quase sem darmos por isso, ela desapareceu na sua bicicleta. A descoberta de um país assim dá-nos muitas histórias para contar. Ou, como se costuma dizer, “as viagens são a única coisa que compramos e que nos tornam sempre mais ricos”. : :
Sollicitare 97
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