Sollicitare n.º 21

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VII CONGRESSO DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO 90 ANOS NUM CONGRESSO

Sollicitare EDIÇÃO N.º 21 \ OUTUBRO 2017 – JANEIRO 2018 \ €2,50

ENTREVISTA COM

HELENA MESQUITA RIBEIRO SECRETÁRIA DE ESTADO ADJUNTA E DA JUSTIÇA À CONVERSA COM

ACÁCIO LUÍS JESUS DAS NEVES

PRESIDENTE DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES MINISTRA DA PRESIDÊNCIA E DA MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Palavra de ordem: Simplificar



EDITORIAL

A

José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Sollicitare continua a cumprir a sua missão. Divulga-se o que de que mais relevante se passa no mundo da Justiça, sem deixar de dar voz a outros assuntos que a todos dizem respeito. Tem um especial destaque a entrevista com a Senhora Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, mais conhecida como a “Mãe do Simplex” e que foi um dos rostos da transformação que ocorreu em Portugal no âmbito da redução da burocracia. Neste número, recordamos, com saudade, o nosso VII Congresso. Foi com orgulho que sentimos que os nossos associados quiseram marcar presença neste encontro que assinalou os 90 anos da Associação Pública que nos representa. Foram cerca de 700 os participantes e convidados que nos presentearam com o seu contributo no aperfeiçoamento das recomendações aprovadas e na discussão dos temas que marcam a atualidade das profissões. Tivemos a satisfação de ter recebido as mais altas entidades da Justiça nacional e internacional, nomeadamente o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, a Ministra da Justiça, a Procuradora-Geral da República, a Secretária de Estado da Justiça, o Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, o Bastonário da Ordem dos Advogados, o Presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais, da Union Internationale des Huissiers de Justice e do Consejo General de Procuradores de España. Sabíamos de antemão que a realização do Congresso numa das cidades mais a norte de Portugal poderia acarretar riscos financeiros e logísticos. O desafio era grande mas foi inteiramente superado. No final, constatámos que, apesar de ter sido o mais participado de sempre, os custos do VII Congresso foram similares aos que tivemos nos V e VI Congressos. Tal deveu-se também, em grande medida, ao inexcedível apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo, tendo ficado demonstrado, mais uma vez, que esta trata-se de uma cidade de congressos. Cumpre ainda reconhecer o trabalho competente e empenhado da comissão organizadora, do secretariado do Congresso e dos funcionários da OSAE. Este número da Sollicitare traz-nos ainda as entrevistas com o Senhor Professor Jorge Miranda, um dos pais da Constituição da República Portuguesa, com a Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Gabriela Figueiredo Dias, que nos apresenta os desafios do presente e do futuro, e com a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro, que nos dá uma perspetiva das questões internas da organização judiciária. Inclui ainda, em rubricas mais habituais, as conversas com o Presidente do Tribunal da Relação de Évora, Acácio Luís Jesus das Neves, e com o Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Luís Miguel Pestana de Vasconcelos. O nosso país está a passar um momento particularmente difícil. Todos temos e teremos bem presentes na memória as vítimas dos incêndios florestais de 2017. O problema não é novo: já no editorial da Sollicitare publicada há um ano, sinalizámos este problema que, estamos certos, se repetirá, infelizmente, enquanto as suas principais causas não forem identificadas, enfrentadas e debeladas. E há uma que há muito é sabida: o desconhecimento da titularidade do território. A OSAE e os seus associados estão disponíveis, como sempre estiveram, para colaborar na construção de soluções eficazes, destacando-se a disponibilização de informação jurídica aos que dela carecem, a realização de levantamentos georreferenciados nas zonas florestais e a concretização de autos de constatação nas áreas afetadas. O futuro irá ser, seguramente, melhor. Mas, para isso, todos temos que dar o nosso contributo. : :

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N.21 \ OUT. 2017 - JAN. 2018

Maria Manuel Leitão Marques

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Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa Entrevista

Como se mede a justiça?

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Direção-Geral da Política de Justiça Entrevista

Jorge Miranda

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Uma conversa sobre a Constituição, o país e o mundo Entrevista

Gabriela Figueiredo Dias

34

Presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários Entrevista

Fotografia capa: Cláudia Teixeira

Editorial OSAE VII Congresso dos Solicitadores e dos Agentes de Execução: 90 anos num Congresso III Mini Maratona do Campus da Justiça Informação Jurídica Gratuita: um serviço para si A #OSAE nas redes sociais Concurso de Fotografia “90 anos da Ordem”: Fotografar a História

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10 27 59 65 80

Entrevista Entrevista com Paulo Teixeira O Instituto de Formação Botto Machado

50

Bibliotecas Academia das Ciências de Lisboa

24

Profissão O que vai ser a Justiça.

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Helena Mesquitade Ribeiro Teatro Nacional São Carlos

40 24

Acácio Luís Jesus Nuno Garoupa das Neves

44 32

Secretária Um Teatro de de Estado todos. Adjunta e da Justiça Entrevista com a Maestrina Joana Carneiro

Presidente da Executiva Relação de Évora Presidentedo daTribunal Comissão Entrevista da Fundação Francisco Manuel dos Santos

Oceanário Lisboa Entrevista de com Onde os oceanos estão Pedro Calado à beira rio

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Chakall Luís Buchinho

76 80

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Reportagem Alto-Comissário para as Migrações

“Comer é que uma cosem necessidade que está revestida de sentimentos” As linhas a carreira do estilista. Entrevista

Labor Improbus Omnia Vincit Consideraciones sobre la autotutela en España como modelo para Portugal Os impostos… Impostos aos Agentes Judiciários! Autos de Constatação: Elementos complementares Solicitadores Ilustres: Manuel Camanho A tecnologia ao seu dispor

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86

49 54 70 84

Ensino Superior Faculdade de Direito da Universidade do Porto

56

Ordens Os ensinamentos da Biologia

64

Reportagem Reciclar já faz parte Entre rendas

Sociedade Todos em rede: a importância da proteção de dados pessoais

66 72

Sugestões Livros Jurídicos Sugestões de leitura: Viagens entre livros These Boots Are Made For Walking: Caminhos Franceses III Roteiro Gastronómico Restaurante Nacional Taberna Bay Viagens Valença: História entre muralhas Riviera Maya: Onde os sonhos são azuis e cristalinos

82 88 90 92 93 94 96

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ENTREVISTA

“O Simplex foi uma pedrada no charco”

MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES M I NI STRA DA P RES I D ÊNC I A E DA M O D E RNI Z AÇ ÃO AD M I NI STRATI VA SIMPLIFICAR PODE SER O MAIS COMPLICADO DOS DESAFIOS. AFINAL DE CONTAS, OBRIGA A ALTERAR, A FAZER DIFERENTE, A QUESTIONAR O QUE PARECIA CERTO E ETERNO. INSTALAM-SE RECEIOS, DÚVIDAS E A VONTADE DE VOLTAR ATRÁS. DE TUDO ISTO SE RECORDA MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES, ATUAL MINISTRA DA PRESIDÊNCIA E DA MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, QUE, HÁ POUCO MAIS DE UMA DÉCADA, ACREDITOU EM ALGO CHAMADO SIMPLEX. NO SEU GABINETE, A VACA VOADORA, OFERECIDA PELO PRIMEIRO-MINISTRO ANTÓNIO COSTA, LÁ ESTÁ EM LUGAR DE DESTAQUE. E, SEM ESTRANHAR O PEDIDO, É COM UM SORRISO QUE MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES A PÕE A BATER ASAS. AFINAL DE CONTAS, A “SENHORA SIMPLEX” NÃO TEM DÚVIDAS: NEM TUDO É POSSÍVEL, MAS, ATÉ TENTARMOS, NUNCA O SABEREMOS.

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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ENTREVISTA COM MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES

Como recorda os tempos da licenciatura, nomeadamente os vividos em 1975? Foi uma época de transição? Sempre fui uma boa estudante. Gostava de estudar, preparava-me muito bem para os exames, tirava boas notas. E recordo que não estudei quase nada nesse ano. Discutíamos tudo. Participei ainda na Comissão de Reestruturação do Curso de Direito. Fui candidata do movimento de Esquerda Socialista às eleições, às primeiras eleições. 1975 é um ano que nunca esquecerei. Acordar de manhã com “há um golpe de estado”, “de direita ou de esquerda?”. Nem sequer sabíamos de onde vinha o golpe de estado. Foi um ano de transição na vida do país. Direito e Economia: estas duas palavras recordam-lhe uma escolha ou duas partes de um mesmo caminho que tem vindo a construir? Sim, foi uma escolha. Eu era aluna de Direito, mas gostava imenso de Economia, pois o curso de Direito tinha uma grande componente de Economia. Surgiu depois a oportunidade, que também estava relacionada com o 25 de Abril, de ir trabalhar para a Faculdade de Economia. Era uma faculdade nova, tinha começado em 1973, e onde tudo era possível, ao contrário da Faculdade de Direito, mais conservadora na sua forma de estar e de ensinar. Como disse, participei na Comissão de Reestruturação do Curso de Direito e propusemos uma reforma muito inspirada no modelo anglo-saxónico e que, ainda hoje, seria relativamente moderno, com menos aulas magistrais e mais tempo para os estudantes trabalharem as suas próprias matérias. Contudo, senti que tudo iria ficar na mesma em matéria de ensino e no modo de ensinar. Fiquei muito desiludida com isso. E, nesse momento, escolhi ir para a Faculdade de Economia. Portanto, aí aconteceu o casamento entre o Direito e a Economia. Como é que encara o facto de ser conhecida, num país associado à burocracia, como a “Senhora Simplex”? Sou associada à marca por ter coordenado os primeiros programas do Simplex, entre 2006 e 2011, e também os três programas com as autarquias. O Simplex foi uma pedrada no charco. Quando arrancámos, muita gente disse “isso é impossível”. Poucos acreditaram que íamos conseguir ter resultados. Contudo, no final do primeiro ano, quando fizemos o balanço, tendo em conta os prazos que tinham sido fixados, todas as medidas concluídas eram suscetíveis de controlo pelos seus destinatários. Mesmo as não concluídas também foram reveladas, não as escondemos. Esta transparência e a ideia de que as promessas existem para serem cumpridas num prazo que os cidadãos podem controlar corresponderam a algo inovador que tornou o programa credível. Os vários programas Simplex sempre tiveram medidas com grande impacto na vida dos cidadãos e das empresas: licenciamento zero, cartão do cidadão, casa pronta, segurança social direta, etc. E isso leva a que os cidadãos possam dizer: “isto é Simplex”, “quando é que este

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‘complex’ vira Simplex?” ou “quando é que o Simplex chega à carta de condução?”. Tornou-se uma marca conhecida e que as pessoas sentem que pode melhorar a sua vida. Aliás, numa entrevista que deu, afirma mesmo que os cidadãos devem ser os principais fiscalizadores… Não tenho dúvidas. É sempre um apelo que faço. E é um apelo verdadeiro. Quando as coisas correm bem, digam isso aos funcionários, não lhes poupem elogios. Isso ajuda a que eles façam um trabalho ainda melhor e se sintam autorizados no exercício da sua atividade. Mas também não poupem nas reclamações. As reclamações são um bom instrumento para procurarmos melhorar a qualidade do serviço e para idealizarmos novas medidas Simplex. E, ainda que indiretamente, também sente que estes programas contribuem para uma reaproximação dos cidadãos à Administração Pública? Exatamente. Comunicamos o programa, não apenas por uma questão de marketing, mas também porque estamos conscientes de que aquilo que não é conhecido não pode ser usado. Se eu não souber que posso pedir o registo criminal online, não o irei pedir. Se eu não souber que posso agendar a minha renovação do cartão do cidadão, vou para a fila. Depois, vou para a fila do sítio onde há mais gente, porque também posso não saber que é possível conferir os tempos de espera que estão disponíveis online. Vou para a fila, perco tempo e


«Os vários programas Simplex sempre tiveram medidas com grande impacto na vida dos cidadãos e das empresas: licenciamento zero, cartão do cidadão, casa pronta, segurança social direta, etc. E isso leva a que os cidadãos possam dizer: “isto é Simplex”, “quando é que este ‘complex’ vira Simplex?” ou “quando é que o Simplex chega à carta de condução?”. Tornou-se uma marca conhecida e que as pessoas sentem que pode melhorar a sua vida.»

fico aborrecida. E, claro, isso é muito desagradável para qualquer pessoa e afasta os cidadãos. Podemos dizer que simplificar pode representar um processo complexo? Sim, raramente aquilo que parece simples quando está feito, o foi ao longo do processo. Por exemplo, o documento único automóvel demorou dez anos a ser feito. E porquê? Porque, por vezes, criar estes sistemas é muito complexo. É difícil de fazer, exige o recurso a tecnologia avançada e tornar os sistemas interoperáveis. O cartão de cidadão é outro bom exemplo. Os belgas disseram-nos que nem daqui a dez anos estaríamos a emitir o primeiro cartão. Mas nós emitimo-lo um ano depois. É complexo tecnicamente, porque exige a interoperabilidade entre sistemas de informação que estavam separados. Tivemos de harmonizar a forma de registar os dados. Assim como para as lojas do cidadão. É um projeto de grande sucesso em termos de modernização administrativa. Ganha o cidadão e ganha a Administração. A Administração porque tem ganhos de eficiência ao agrupar os serviços no mesmo local e o cidadão porque pode tratar dos mesmos assuntos sem fazer várias deslocações. No entanto, a resistência dos serviços para irem para a lojas foi muito grande. Esta cultura de colaboração também foi difícil de implementar. Por isso é que eu costumo dizer que a questão do Simplex é, sobretudo, uma questão de cultura. E a continuidade do programa é importante porque contribui para mudar esta cultura.

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ENTREVISTA COM MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES

A passagem de Simplex para Simplex+ é uma mudança natural que também ocorreu na sociedade? É também um apelo à participação das pessoas. Este programa sempre teve essa vertente. A participação dos cidadãos, nomeadamente dos funcionários, no próprio desenho das medidas é muito importante. Se nós queremos uma Administração mais inovadora, temos que combater a aversão ao risco de inovar e temos que controlar esse risco. E o LabX ajuda precisamente nesse controlo. É um laboratório que serve para projetos mais disruptivos. Por exemplo, o “Espaço Óbito”, ou seja, o local onde podemos tratar de tudo quando perdemos um familiar: seja cancelar contas de telemóvel, de água, de luz, dos serviços públicos essenciais, ativar um seguro, cancelar uma conta num banco, etc. O que estamos a fazer no LabX é prototipar o que seria este balcão. Quando prototipamos, controlamos melhor o risco. E, ao mesmo tempo, envolvemos os cidadãos e os funcionários no desenho do novo processo. Normalmente, os funcionários que, no início, costumam estar muito reticentes, no final, assumem-se como os mais entusiastas. Quando as integramos como parte do processo desde o princípio, as pessoas tornam-se parte da mudança.

“A participação dos cidadãos, nomeadamente dos funcionários, no próprio desenho das medidas é muito importante. Se nós queremos uma Administração mais inovadora, temos que combater a aversão ao risco de inovar e temos que controlar esse risco.”

É também nesse âmbito que surgem projetos como a Plataforma Digital da Justiça que aposta, por exemplo, numa linguagem mais simples e compreensível? Toda a envolvente do Simplex na Justiça tem sido no sentido de uma Justiça mais próxima, uma Justiça que alcanço com mais facilidade, que é mais transparente, que me disponibiliza ferramentas como simuladores de custos e balcões, à entrada do tribunal, onde posso tratar de tudo. Criar pontes entre todos os serviços é um dos grandes desafios? Sem dúvida. Os processos mais disruptivos do ponto de vista da modernização administrativa são sempre aqueles que

envolvem várias áreas. Não quer dizer que não existam projetos difíceis setoriais. Mas os que dão uma nova visão da Administração Pública são normalmente aqueles que integram funcionalidades de várias áreas em função do evento de vida do cidadão. Até porque são esses que alteram o paradigma. Quando organizo a administração em função de um evento de vida como, por exemplo, o nascimento de uma criança, o registo é feito na maternidade para todos os serviços: boletim de vacinas, médico de família, cartão de cidadão… Tudo o que é burocrático é tratado naquele ponto. E esta mudança na lógica de funcionamento do Estado e no modelo de prestação de serviços ao cidadão também pode, indiretamente, estar a contribuir para os últimos indicadores que têm apontado uma fase de crescimento no país? Alguns Simplex exigem investimento e o retorno será diferido no tempo. Por exemplo, quando criamos uma loja de cidadão, temos que investir. Mas o retorno aparece. Até porque poupamos, por exemplo, nas rendas que os serviços pagavam. Outro exemplo: o cartão de cidadão implicou um investimento cujo retorno é evidente no facto de não emitirmos tantos cartões e de não se exigirem tantos recursos. Normalmente, há uma vertente de poupança no Simplex. Ou seja, não posso dizer que foi o Simplex que permitiu chegar a estes indicadores. Mas é certo que não contribuiu para o contrário. Mas poderá ter contribuído, por exemplo, para a atração do investimento num país mais amigável e menos burocrático? Sim, essa ainda é uma área na qual temos que trabalhar mais. Já fizemos muita coisa, mas ainda não fizemos tudo. (…) Temos que melhorar de acordo com o que o cidadão ou o empresário precisa. Se pudesse, estalando apenas os dedos, simplificar uma área ligada à Administração Pública, qual escolheria? Existem muitas áreas que gostaria de simplificar, mas há uma que me preocupa muito: o atendimento nas áreas sociais. Porque é nas áreas sociais que existe maior dificuldade no uso dos serviços online. O atendimento presencial é muito importante. Esta é uma área na qual vamos investir muito e que representa uma prioridade. Por fim, há uma imagem que guardamos na nossa memória: o momento em que o Senhor Primeiro-Ministro lhe ofereceu uma vaca voadora. Quem governa tem que manter esta crença de que não há impossíveis? É claro que há impossíveis. Agora, temos é que manter muita resiliência para não desistir quando nos respondem: “Senhora Ministra, isso é impossível!”. Por causa da vaca voadora já oiço isso menos vezes, mas continua a ser frequente. E, devo dizer que, destes meus anos de Simplex, já assisti a muitos impossíveis tornarem-se possíveis. : :

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OSAE

VII CONGRESSO DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

90 ANOS NUM CONGRESSO

Foi no dia 22 de junho que arrancou a VII edição do Congresso dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, dia em que também se assinalaram os 90 anos de existência desta associação pública. Viana do Castelo foi o palco destes três dias feitos de muitas histórias e que também ficarão, certamente, na História. Texto Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografias Ponto de Vista Audiovisuais

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VII CONGRESSO DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

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oram mais de 700 as pessoas, entre associados e convidados, que durante a manhã do primeiro dia, estiveram na cerimónia de abertura do VII Congresso, a qual ocorreu no Centro Cultural da cidade e foi presidida pelo Juiz Conselheiro António Silva Henriques Gaspar, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Tendo contado com a condução de Júlio Magalhães, jornalista e diretor do Porto Canal, nesta cerimónia foi apresentado o software de gestão de escritório de solicitador, o SoliGest, uma ferramenta que contribuirá para um aumento dos níveis de transparência, celeridade e segurança, funcionando como mais um importante selo de qualidade dos serviços prestados pelos solicitadores. Antes da primeira intervenção, foi lida a mensagem dirigida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na qual referiu que “a Ordem tem assumido uma função central na nossa sociedade que, não se reduzindo à mera defesa e valorização dos seus membros, tendo vindo a contribuir decisivamente para a melhoria do funcionamento da Justiça no nosso País e para assegurar serviços de qualidade às pessoas, num quadro de forte proximidade com os cidadãos e com a sociedade”. José Carlos Resende, Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), foi o primeiro a tomar a palavra. Falou da história da organização, dos projetos que têm vindo a alimentar um futuro inesgotável e da vontade de fazer mais e melhor pelos cidadãos, algo só possível com base na cooperação interinstitucional. No âmbito da sua intervenção chamou a palco o Solicitador Pedro Grade, antigo presidente do Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores, e o Juiz Conselheiro Carlos Cadilha para uma homenagem por todos apontada como essencial, tendo em conta os contributos irrefutáveis para a afirmação da profissão. Foi José Maria Costa, Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, quem se seguiu, tendo dado as boas-vindas a todos os presentes e saudado a escolha da cidade para promoção deste VII Congresso. Juan Carlos Estevez, Presidente do Consejo General de Procuradores de España, e Françoise Andrieux, Presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice, salientaram o papel da OSAE e as ferramentas por esta entidade criadas. Juan Carlos Estevez afirmou que, olhando para toda a Europa, era em Portugal que existia o melhor sistema de apoio aos agentes de execução. Também o Bastonário da Ordem dos Advogados dirigiu umas palavras a todos os presentes. Guilherme Figueiredo falou da “mundialização do direito” e salientou que é urgente apostar em diálogos “construtivos e sem medos”, sempre pensando na defesa dos interesses do cidadão anónimo. Esta foi, aliás, uma ideia também defendida pela Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, que, no

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seu discurso, evidenciou reconhecer na Ordem uma parceira no combate à fraude e à criminalidade. Em representação da Ministra da Justiça, Anabela Pedroso, Secretária de Estado da Justiça, elogiou o debate ali proporcionado e enalteceu a atitude da OSAE, sempre disponível para abraçar projetos inovadores e desafiantes, isto é, para criar “novas formas de olhar para problemas antigos”. Exemplos disso, na sua visão, são o Processo Executivo Público, que corrobora um paradigma de transparência perante o cidadão, e o GeoPredial, cujo contributo também será tido em consideração no âmbito da instituição do Balcão Único da Propriedade. “Partilhem sempre” – foi este o apelo deixado em tom de ponto final. Por fim, antes mesmo da atuação da Escola Profissional de Música de Viana do Castelo, António Silva Henriques Gaspar, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, chamou a atenção para o “lugar relevante” destes profissionais num tempo marcado por incertezas e pela “tirania da urgência”. Após uma pausa para repor energias e pôr a conversa em dia, teve lugar o ansiado debate “Justiça em Campo”, moderado por Júlio Magalhães e durante o qual, com uma pitada de humor, se debateram questões e assuntos que marcam a atualidade e, claro está, a Justiça. Assim se deu o pontapé de saída: com Manuel Serrão, José Dias Ferreira, Tiago Machado e Armando A. Oliveira, num debate que, se houvesse cartão verde, o teria certamente recebido. Depois, “Justiça e Inovação” foi o tema em análise no primeiro painel deste Congresso. Contando com as intervenções de João Tiago da Silveira, Advogado e Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e de Rosália Rodrigues, da Microsoft Portugal, este foi moderado por Luis Ortega Alcubierre, do Consejo General de Procuradores de España. Já o download de “Justiça e Inovação 2.0” foi garantido por Mafalda Mascarenhas Garcia, da IBM, Sebastiaan Bos, da RAVN Systems, Mark Holmes, da Waymark Tech, e Kaisa­ Kromhof, da Contract Mill, sob a moderação de Orlando Belo, Docente do Departamento de Informática da Escola de Engenharia da Universidade do Minho. Nestes dois painéis, justiça e tecnologia estiveram de mãos dadas, tendo sido procuradas pontes capazes de contribuir para um melhor serviço ao cidadão. Foi Rui Miguel Simão, 2.º Secretário do Conselho Geral da OSAE, quem deu voz à sessão final deste dia, subordinada ao tema “Solicitador: a porta de entrada para os serviços públicos”, na qual, partindo de um leitor de cartão de cidadão, se exploraram inúmeras possibilidade de o solicitador prestar um serviço ao cidadão. Ditado o encerramento do primeiro dia de trabalhos, seguiu-se o arraial minhoto na Quinta de Santoinho. Num dia marcado por intervenções além-fronteiras, foi preciso terminar à grande e à portuguesa.


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O trabalho da OSAE foi enaltecido e descrito como fundamental na construção de soluções no âmbito da Justiça.

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República: “A Ordem tem assumido uma função central na nossa sociedade que, não se reduzindo à mera defesa e valorização dos seus membros, tendo vindo a contribuir decisivamente para a melhoria do funcionamento da Justiça no nosso País e para assegurar serviços de qualidade às pessoas, num quadro de forte proximidade com os cidadãos e com a sociedade.”

Pedro Grade e Carlos Cadilha foram homenageados no âmbito da cerimónia de abertura deste VII Congresso.

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segundo dia arrancou cedo e o programa preenchido convidava a resistir aos encantos do sono. Afinal de contas, no dia 23 de junho, o Congresso abraçou a cidade de Viana do Castelo e muitos dos seus espaços mais emblemáticos. O Centro Cultural encheu-se de vida e burburinho pelas 10 horas da manhã para o primeiro painel. Dentro do grande tema “Desafios do exercício da profissão e deontologia”, abordou-se “O tribunal e o seu funcionamento: os acordos coletivos de procedimento”. Isto graças às intervenções de Miguel Teixeira de Sousa, Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Delgado de Carvalho, Juiz de Execução de Ovar, e Cláudia Boloto, Docente Universitária, Colaboradora do Instituto de Formação Botto Machado. Moderadas por Armando Oliveira, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da OSAE, estas intervenções trouxeram questões e eventuais respostas que, dadas as exigências dos tempos que se vivem, obrigam a repensar, a cada momento, qual o papel dos agentes do universo da justiça. Após uma breve pausa para café e, claro está, o habitual convívio, arrancou o painel “O dia a dia do escritório”. Nesse sentido, foi Paulo Branco, Presidente da Delegação Distrital de Braga da OSAE, quem começou por dar a conhecer mais detalhes da plataforma SoliGest. Já “A gestão de um grande escritório” foi o tema abordado por Diogo Feio, Advogado, Sócio da Sérvulo e Associados, tendo sido apresentada uma perspetiva holística acerca do que significa estar à frente de uma organização feita de e para pessoas. A moderação ficou a cargo de Cristina Ferreira, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da OSAE, que aproveitou a oportunidade para realçar tratar-se do primeiro congresso em que se encontrou representado o Conselho Regional a que preside. Em simultâneo, no Teatro Municipal Sá de Miranda, o Congresso esteve aberto à comunidade. Graças às explicações prestadas por Júlio Santos, Duarte Pinto, Rui Simão e Ricardo Oliveira, os cidadãos presentes puderam ficar a saber mais sobre autos de constatação, e-Leilões, PEPEX e GeoPredial. Uma iniciativa inédita, conduzida por Isabel Ramos, Presidente da Delegação Distrital de Viana do Castelo da OSAE, e por Daniel Sales, membro do Conselho Superior da OSAE, a partir da qual se procurou abrir as portas da Ordem e dar a conhecer os serviços desenvolvidos e implementados por esta organização e pelos seus associados. Recuperadas as energias durante o período de almoço que, como habitualmente, também serviu para dar continuidade aos debates surgidos, os solicitadores rumaram ao Teatro Municipal Sá de Miranda e os agentes de execução ao Forte de Santiago da Barra. Por lá, o programa foi preenchido e repleto de questões pertinentes e atuais para os profissionais. No Forte de Santiago da Barra, a “Consolidação e alargamento das competências do agente de execução” foi o grande tema que imperou. Paula Pott, Juíza de Direito, Ponto de Contacto Português da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, abordou o “Arresto internacional de contas bancárias”. Já Carlos de Matos, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, trouxe a debate “As garantias de independência do

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António Silva Henriques Gaspar, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça: “Nas sociedades efervescentes deste tempo que vivemos, o solicitador tem um lugar relevante entre as funções que também fazem a justiça.”

Agente de Execução”. As “Sociedades de Agentes de Execução” estiveram em análise por Mara Fernandes, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE. João Paulo Raposo, Juiz de Direito, ficou responsável por explorar “As verificações não judiciais qualificadas”. Temas tão diversificados quanto relevantes e que foram moderados por Hugo Lourenço, Presidente da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ). Terminada a pausa para café, os “novos serviços para agentes de execução” estiveram em discussão. As “execuções administrativas”, as “citações eletrónicas”, o “ Balcão Nacional do Arrendamento” e “A importância das parcerias para a Bolsa Nacional de Terras” foram os temas trazidos por Carlos Cadilha, Juiz Conselheiro Jubilado, Duarte Pinto, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, Jacinto Neto, Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, e por Filipa Osório, Subdiretora da Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Mais uma vez, foram as questões do agora e cheias de ansiedade por fazer mais no futuro que marcaram o debate moderado por Paulo Teixeira, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE. Já no Teatro Municipal Sá de Miranda, foram os solicitadores que aplaudiram oradores empenhados em trazer desafios para a profissão e para a Justiça. No âmbito das “Novas ferramentas de trabalho”, o serviço GeoPredial ganhou voz na intervenção de Edite Gaspar, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE, tendo ficado evidente o interesse da classe em levar este projeto mais longe. O “Constat” foi analisado por quem bem conhece esta ferramenta: Jean Paul da Silva, Huissier de Justice. Quanto ao “Novo ROAS”, este foi abordado por Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Joaquim Baleiras, Presidente do Conselho Regional do Porto da OSAE, assumiu o papel de moderador. No que respeita a “mais e melhores serviços para o cidadão”, Eugénia Santos, Vogal do Conselho Diretivo da Agência para a Modernização Administrativa, analisou o “SCAP – Atributos profissionais”, seguindo-se a “Simplificação contratual” por Virgílio Félix Machado, Conservador dos Registos, Presidente da


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Enquanto os solicitares estiveram reunidos no Teatro Municipal Sá de Miranda, os agentes de execução juntaram-se no Forte de Santiago da Barra.

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Assembleia Geral da Associação Sindical dos Conservadores dos Registos. “O Regulamento Europeu das Sucessões” foi explorado por Sérgio Fernandes, colaborador do Instituto de Formação Botto Machado e, por fim, Luís Goes Pinheiro, Secretário-Geral da OSAE, procurou “ligar os solicitadores aos cidadãos e às empresas”. Quanto à moderação, esta foi assegurada por Marco Antunes, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Antes da despedida, houve ainda tempo para uma sessão final em que Alexandra Ferreira, Tesoureira do Conselho Regional do Porto da OSAE, apresentou alguns exemplos de equipamento para realização de autos de constatação, uma área em que se pretende apostar. Mais uma vez, apesar de um passado rico e cheio de história, ficou provado que a solicitadoria não perde a vontade de construir um futuro e novas soluções. Também durante a tarde, mas no Navio-Hospital Gil Eannes, decorreu o Fórum Ideias Jovens. Neste foram deixadas propostas para o amanhã. Sílvia Antunes, Carmen Pereira e Carlos Aroso apresentaram uma visão dinâmica em torno das ferramentas informáticas de apoio aos associados. O segundo painel contou com a presença de Andreia Silva e Vera Figueiredo e percorreu questões associadas aos Julgados de Paz, às suas obrigações e competências. Já Ricardo Oliveira ficou responsável por trazer ao debate a plataforma GeoPredial, convidando também os mais jovens a abraçar um serviço que dá resposta à necessidade de cadastro evidente em Portugal. Eduardo Pereira e Adélia Leite trouxeram a este fórum a possibilidade de criação de uma plataforma capaz de proporcionar o contacto entre associados de diferentes gerações. O dia terminou com o aguardado Jantar de Gala. Em clima de festa e convívio, Luís Represas brindou os presentes com uma atuação em que recordou temas de sempre. E, depois da entrega dos prémios do Concurso de Fotografia “90 anos da Ordem”, foi a DJ Rita Mendes quem ficou encarregue de animar a noite.

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tempo não espera e rapidamente chegámos ao terceiro e último dia do VII Congresso dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Pouco passava das 9h30 quando começaram a chegar os associados interessados em participar nas primeiras atividades programadas para a manhã deste dia. O seminário sobre a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, que ocorreu na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, proporcionou, aos associados presentes, a possibilidade de verem esclarecidas todas as suas dúvidas, após a intervenção de António Costeira Faustino, Presidente da CPAS, tendo este momento também contado com a presença de Pedro Pimentel, diretor financeiro, e de José Manuel Oliveira, Vogal da CPAS. Ao mesmo tempo, arrancava o passeio guiado por Viana do Castelo, uma iniciativa diferente que permitiu aos associados ficar a conhecer melhor a cidade que acolheu o VII Congresso e que foi vivida num clima e descontração e boa disposição. Alguns minutos depois das 11 horas, arrancou, no Centro Cultural, o painel “Resolver o futuro: Meios de resolução alternativa de litígios”. Moderado por Fernando Rodrigues, Vogal do

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Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, este tema contou com os contributos de Domingo Bello Janeiro, da Facultad de Derecho de la Universidad de Coruña, que trouxe a sua visão sobre a arbitragem internacional, de Joana Campos Carvalho, docente da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que partilhou a sua perspetiva em torno da mediação, e de Cardona Ferreira, Juiz Conselheiro e Presidente do Conselho dos Julgados de Paz, que analisou o papel dos julgados de paz. Dentro do grande tema, também os “Novos tipos de conflito” estiveram em cima da mesa, sob a moderação de Manuel Magriço, Procurador da República e Adjunto da Ministra da Justiça. Filipa Calvão, Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados e docente da Universidade Católica Portuguesa, analisou a problemática em torno do “Direito a ser esquecido”. Já Pedro Maia, docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Presidente do Centro de Direito do Consumo, dedicou a sua intervenção ao tema “Contratação à distância”. Françoise Andrieux, Presidente da Union Internationale des Huissiers de Justice, trouxe a debate a sua visão acerca da possi­ bilidade de a tecnologia estar ao serviço da Justiça, nomeadamente no que respeita às citações e notificações eletrónicas. A pausa para almoço trouxe a certeza de o tempo estar a voar sem dó nem piedade. E no que toca às “novas formas de resolver conflitos”, Hugo Nunes, engenheiro informático e de computadores e Adjunto da Secretária de Estado da Justiça, desafiou os presentes a olharem para a tecnologia sem medos, seguindo-se Armando A. Oliveira, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, que, mais uma vez, demonstrou ser possível encontrar uma aliada nessa mesma tecnologia, designadamente no que respeita à implementação de um “sistema integrado de cobrança”. Luís Louro, Advogado e Presidente da Delegação de Viana do Castelo da Ordem dos Advogados, moderou e aproveitou o momento para louvar a realização de um evento desta dimensão na cidade. Apresentadas e votadas as propostas de recomendações, chegava a hora da despedida. Presidida pela Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, a cerimónia de encerramento, mesmo antes do seu final, deixou nostalgia. Na mesa desta cerimónia estavam também o Bastonário da OSAE, José Carlos Resende, o Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, José Maria Costa, o Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Pedro Bacelar de Vasconcelos, o Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, Mário Belo Morgado, o Presidente do Conselho Superior da OSAE, Brás Duarte, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da OSAE, Rui Carvalheiro, o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, Júlio Santos, e o Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, Armando A. Oliveira, que, antes das intervenções previstas, apresentou uma nova ferramenta criada pela OSAE: uma plataforma que visa agilizar o processo de autorização da saída de menores do país. Nesta cerimónia foram ainda anunciados os vencedores do Prémio “Solicitador Daniel Lopes Cardoso, na presença de Mary Lopes Cardoso.


VII CONGRESSO DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

O Navio-Hospital Gil Eannes foi palco do Fórum Ideias Jovens.

Anabela Pedroso, Secretária de Estado da Justiça: “É indiscutível que os Solicitadores e os Agentes de Execução, representados pela sua Ordem, têm sido parceiros estratégicos e relevantes no processo de mudança e modernização que se vem operando no sistema de Justiça.”

O Jantar de Gala ficou marcado pelas atuações de Luís Represas e da DJ Rita Mendes.

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Foi o anfitrião quem usou da palavra em primeiro lugar. Feitos os agradecimentos, José Carlos Resende salientou algumas das recomendações resultantes do VII Congresso, reforçando a disponibilidade da Ordem para abraçar novos desafios e contribuir para uma melhor Justiça para todos. No âmbito da sua intervenção, foram assinados dois protocolos: um com Câmara Municipal de Viana do Castelo, o qual estabeleceu o arranque de uma experiência piloto de georreferenciação dos terrenos, visando a prevenção dos incêndios e a proteção florestal; e outro com a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, em prol da integração dos terrenos disponibilizados na plataforma e-leilões e na Bolsa Nacional de Terras. Seguiram-se as intervenções do Juiz Conselheiro Mário Belo Morgado e de Pedro Bacelar de Vasconcelos, nas quais se salientou a relevância de momentos como este em que profissionais, juntos, procuram alternativas e em que fica patente a vontade de ser parte da solução. Já o Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo realçou o gosto sentido em poder acolher, na sua cidade, iniciativas cujo objetivo passa por contribuir para um país melhor. Por fim, foi Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça, quem tomou a palavra. Na sua intervenção, a responsável pela pasta da Justiça destacou o papel da OSAE como parceiro ativo na administração da justiça, reconhecendo que os vários projetos desenvolvidos pela OSAE têm contribuído de forma decisiva para “desbloquear entropias” e modernizar o sistema judicial. Francisca Van Dunem transmitiu ainda a mensagem “de estímulo e confiança” que o Primeiro-Ministro, António Costa, dirigiu ao Congresso, reforçando o facto de encontrar nesta Ordem um importante parceiro na resolução de problemas que afetam a Justiça. “A OSAE tem realizado um trabalho intenso em prol da melhoria da justiça e o Governo reitera a confiança que tem nos seus profissionais”, afirmou Francisca Van Dunem, defendendo que o modelo de funcionamento entre o seu Ministério e a OSAE “é uma inspiração para alargar as parcerias com outras ordens profissionais”. Terminado o cocktail, serviram-se as despedidas juntamente com um balanço muito positivo. Na perspetiva de José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, “o VII Congresso, apesar

de ter durado três dias, de ter sido o mais concorrido de sempre (cerca de 600 participantes), de ter sido realizado num extremo do país e de ter decorrido em cinco espaços diferentes, apresentou custos semelhantes aos dos dois congressos anteriores e bastante abaixo do valor orçamentado. Para isto contribuiu em muito a colaboração prestada pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, em especial pelo seu Presidente, José Maria Costa, a quem deixo o meu sincero agradecimento”. Junto ao rio Lima, chegava ao fim o VII Congresso dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Mais um pedaço de história para juntar aos 90 anos já passados e que, tendo acontecido no coração de Viana do Castelo, ficará, certamente, no coração de todos que o viveram. : :

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ALGUMAS DAS RECOMENDAÇÕES APROVADAS NO ÂMBITO DO VII CONGRESSO DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

· Por razões de transparência, a competência para o registo do ato não pode ser da conservatória responsável pela titulação do mesmo; · Os serviços jurídicos prestados aos cidadãos devem ter uma taxa de IVA igual, única e reduzida (…); · Deve ser alterado o regime de reconhecimento de incobrabilidade de uma fatura para efeitos fiscais, (…) sempre que tal incobrabilidade seja certificada pelo agente de execução, no âmbito do PEPEX ou de processo de execução; · A OSAE deve propor ao Ministério da Justiça o desenvolvimento de soluções que permitam a celebração de contratos à distância; · Deve dinamizar-se a utilização de ferramentas tecnológicas avançadas que permitam maior eficiência e eficácia, nomeadamente mediante o recurso a ferramentas de inteligência artificial (…); · A limitação do número de processos por agente de execução é essencial no incremento da independência destes. Deve ser equacionada uma solução de distribuição aleatória, com critério de proximidade e a possibilidade de escolha ou de veto sobre uma lista restrita; · Na livre substituição do agente de execução, deve ser retirada a hipótese do exequente indicar novo agente de execução, ou seja, ocorrendo a livre substituição, o processo deve ser distribuído a um novo agente de execução de forma aleatória; · Deve ser reforçada a necessidade de implementação da penhora eletrónica de certificados de aforro; · Os agentes de execução podem ter um papel de inquestionável utilidade nos processos de insolvência no que se refere à apreensão e venda dos bens, (…) em articulação com os administradores judiciais; · Os solicitadores devem ter acesso às funcionalidades disponíveis no portal da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em moldes idênticos aos acessos efetuados pelas Conservatórias (…); · O solicitador deve participar no regime do acesso ao direito (…); · A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) deve possibilitar aos solicitadores, mediante creditação da OSAE, o acesso às matrizes prediais (…); · Deve ser promovido o conceito de "espaço do cidadão" nos escritórios de solicitadores, (…) de forma a possibilitar o acesso direto e imediato a plataformas da administração pública ou a outros serviços protocolados com a Agência para a Modernização Administrativa (AMA); · A OSAE deve proporcionar aos seus associados formação na área das avaliações de forma a ser possível evoluir para uma especialização; · Devem ser promovidas medidas que incentivem os colegas a trabalhar em sociedades profissionais (…). Consulte todas as recomendações aprovadas em www.osae.pt ou através deste QR Code:


VII CONGRESSO DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça: “Este VII Congresso da OSAE simboliza a força, a vitalidade e o dinamismo de uma Ordem, que embora seja jovem, reúne a um tempo o conhecimento e a experiência do associativismo profissional e o espaço de abertura ao futuro que a síntese entre Solicitadores e Agentes de Execução suscitou.”

VENCEDORES DO PRÉMIO SOLICITADOR DANIEL LOPES CARDOSO 1. Edgar Silva: “O domínio do Setor Público sobre o Setor Privado na titulação de negócios jurídicos sobre imóveis: Os Serviços de Registo vs O Solicitador” 2. Célia Borges: “Fiança e execução – Problemáticas processuais inerentes à subsidiariedade da garantia pessoal” 3. Francisco Serra Loureiro: “A Liberdade Religiosa do trabalhador à luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”

A cerimónia de encerramento integrou a assinatura de dois protocolos e o anúncio dos vencedores do Prémio “Solicitador Daniel Lopes Cardoso”.

MENÇÕES HONROSAS a. Susana Valada: “O novo procedimento especial de despejo – algumas problemáticas processuais” b. Soraia Faria: “Execução Especial por alimentos devidos a menores e execução de decisões em matéria de obrigações alimentares nas relações transfronteiriças” c. Luís Neves: “Responsabilidade no crédito hipotecário: O princípio da subsidiariedade”

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ENTREVISTA

COMO SE MEDE A JUSTIÇA? Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Sentados à mesma mesa estão Maria João Costa, Subdiretora Geral da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), José Cardoso, Chefe da Divisão de Informática da DGPJ, e António Almeida, Chefe da Divisão de Estatísticas da Justiça da DGPJ. Há anos que contam os números que contam o que se passa na Justiça. Em tempos, tudo chegava em folhas de papel, vindas pelo correio, por vezes preenchidas à mão. Acumulavam-se ao longo de corredores que cediam as paredes para arquivo. Hoje, entre gráficos e linhas que convidam a olhar para a realidade sem certezas nem dogmas, muito mudou no universo das Estatísticas da Justiça. As pessoas estão lá e continuam a fazer a diferença, mas, entre o batuque das teclas e à luz dos ecrãs, os números passaram a caber nos servidores e, arrumados em prateleiras online, ambicionam apontar respostas, pistas e pontos de partida para um futuro melhor. O que é que dizem os números sobre a Justiça portuguesa? Maria João Costa (MJC) – Hoje em dia, passam uma mensagem: que estamos em franca recuperação. Não só na parte da ação executiva, mas em todas as áreas processuais. Observamos uma tendência de um descongestionamento que é firme e constante. Claro que também muito impulsionada pelo comportamento da ação executiva, que tem um grande peso no volume processual. Mas este comportamento acaba por ter reflexos globais e por acompanhar aquilo que até já se notava nas outras áreas. Ou seja, neste momento, os resultados são francamente positivos, quer em termos nacionais, quer em termos internacionais. E é preciso saber ler e interpretar os números? MJC – Sim, sem dúvida. E quando não se percebem os conceitos estatísticos da Justiça, a pendência pode ser, por exemplo, muitas vezes mal entendida. Não se entende que um processo é uma sucessão de atos e de prazos que são necessários para que o processo decorra, dando oportunidade às partes, para se pronunciarem no processo, e a quem decide, para ter tempo de ponderar e decidir. E, por isso, um processo, no dia em que entra, torna-se, necessariamente, num processo pendente. É a chamada pendência natural e isso, muitas vezes, não é entendido. Fala-se em processos pendentes e confunde-se com processos em atraso. E são dois conceitos distintos. Assim sendo, as estatísticas são uma ferramenta importante, mas também requerem um conhecimento daquilo que é

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a Justiça e de como esta funciona para, depois, serem bem interpretadas e passarem as mensagens corretas. O novo projeto que entrou agora em vigor, a Plataforma Digital da Justiça, pretende ajudar o cidadão a entrar no universo da Justiça e a compreendê-lo? MJC – De facto, as estatísticas são uma ferramenta muito importante, quer em termos de comunicação com o cidadão, quer de gestão do próprio sistema. Mas, para isso, as estatísticas têm que, como já referi, deixar de ser números e terão que passar a ser mensagens. Esse é o desafio que abraçamos. Ou seja, tornar a Justiça mais próxima também através do aumento da transparência.

licenciadas em Direito, em Sociologia e num conjunto de áreas diferentes e que contribuem para a interpretação e validação da informação, preparando também os suportes de divulgação; temos ainda uma equipa técnica, a qual estabelece o contacto com as entidades, garantindo a alimentação da base de dados e a articulação com toda a rede que integra tribunais, conservatórias, cartórios, postos policiais, etc.; por fim, temos uma equipa que trata da verificação da informação já consolidada para, depois, se prepararem os conteúdos para a divulgação pública.

Podemos dizer que existem áreas que, pela sua natureza, são mais difíceis de medir? AA – Os desafios que se levantam, apesar de serem distintos, partilham alguns aspetos. Temos que assegurar a recolha universal de todos os dados. Em termos de produção de informação, envolve insistências, contactos diários e verificações da qualidade de informação com as entidades. Algo que consideramos muito importante e, por isso, temos uma equipa especificamente dedicada a essa missão. Depois ocorre o tratamento dos dados: verificar as coerências, séries históricas, se a informação tem a qualidade necessária para ser difundida, etc. Quando falamos da Estatística da Justiça, significa que essa informação só é difundida quando há certezas quanto à qualidade que se exige para ser divulgada.

Atualmente, a tecnologia faz parte do nosso dia a dia. Mas fica a dúvida: como era antes? José Cardoso (JC) – O tratamento da informação estatística arrancou já no século passado, em 1982. Nessa altura, a informação era toda difundida em papel. Tínhamos milhões de formulários que eram enviados, pelo correio, para todas as entidades. Essa informação era transcrita à mão pelas próprias entidades e, depois, enviada para a DGPJ que tinha uma equipa destinada a verificar os formulários. Estando feita a verificação, a informação era introduzida num sistema informático rudimentar. O tratamento da informação era extremamente demorado. Produzimos estatística assim entre 1982 e 2003-2006, consoante as áreas. Chegámos a ter cerca de 40 funcionários a trabalhar na estatística, só para registar a informação. Depois, começámos a pensar em mudar de sistema, até porque a tecnologia evoluiu consideravelmente ao longo daqueles anos. Continuar a trabalhar naquele sistema era impensável. Em 2002, mudámos para um sistema completamente diferente. E alterámos, ainda, o sistema de recolha de dados. Passámos a recolher a informação no nosso sistema, de forma automática ou através de formulários que colocávamos na internet. MJC – Este projeto tem também um objetivo muito importante que reside na comunicação da informação. (…) A divulgação, antes, era feita através de publicações em papel. Além de toda a questão técnica associada ao apuramento dos dados, enfrentávamos, também, todas as tarefas e procedimentos de preparação de uma edição em papel. Chegávamos a demorar um ano e meio para completar uma publicação. Daí a necessidade de disponibilização das nossas bases de dados online, procurando uma base amigável e que conseguisse passar as mensagens capazes de ilustrar o modo de funcionamento da justiça. E, agora, com um novo projeto que está em curso, além dos quadros com números, vamos acrescentar componentes gráficas e uma organização baseada em temas reconhecidos pelos cidadãos.

Para se conseguir alcançar esse rigor, falamos de uma equipa que envolve muitos perfis distintos? MJC – Temos dois tipos de perfis: o perfil de técnico informático, o qual assegura o cumprimento da responsabilidade de desenvolvimento das plataformas informáticas que garantem a comunicação, o tratamento e a divulgação da informação; e, depois, um perfil mais funcional, isto é, pessoas

Assim sendo, neste percurso, qual será a próxima meta? Estatísticas na hora, por exemplo? MJC – Sim, sem dúvida. Esse é o caminho que tem de ser feito, mas deve ser feito em conjunto e não apenas pela área da estatística. Os nossos dados são recolhidos com base na comunicação entre sistemas. Nesse caso, esse imediatismo é possível, desejável, mas depende do desenvolvimento de

E, no contexto atual, a transparência assume-se como desejável e obrigatória na gestão da administração pública… MJC – É nossa responsabilidade. O cidadão tem o direito de saber como é que os serviços funcionam, qual é o desempenho do próprio Estado. E como é que se mede esse desempenho, nomeadamente na Justiça? António Almeida (AA) – Temos muitas formas de medir como é que a Justiça está a evoluir em termos estatísticos. A maior preocupação ao nível dos tribunais passa por perceber como é que está o movimento dos processos, como é que está a procura, se estão a entrar muitos ou poucos processos, qual é a capacidade de resposta do sistema, dos tribunais, etc. E, para que assim seja, é essencial que as plataformas comuniquem.

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DIREÇÃO-GERAL DA POLÍTICA DE JUSTIÇA

“(…) as estatísticas têm que, (…), deixar de ser números e terão que passar a ser mensagens. Esse é o desafio que abraçamos. Ou seja, tornar a Justiça mais próxima também através do aumento da transparência.” “O cidadão tem o direito de saber como é que os serviços funcionam, qual é o desempenho do próprio Estado.” “Quando falamos da Estatística da Justiça, significa que essa informação só é difundida quando há certezas quanto à qualidade que se exige para ser divulgada.”

todos os sistemas que se assumem como fonte, sem comprometer o seu rigor. Estamos a falar de um novo salto na cultura organizacional? MJC – Completamente. O caminho tem sido longo e tem sido feito a diversas velocidades, consoante as entidades de que estamos a falar. É um processo que se constrói passo a passo e em parceria. Ainda é necessário explicar que estamos perante algo que deverá ser assumido por todos como uma prioridade? MJC – Sim, hoje em dia ainda é necessário explicar. É uma evolução, mas está a acontecer em Portugal. É importante dizer que seria impensável, apesar destas dificuldades, voltar aos métodos que tínhamos no passado. Não só pelos gastos de tempo e recursos, mas, acima de tudo, pelas exigências de detalhe e atualidade da informação. Precisamos de informação que nos ajude a gerir o sistema, a prevenir problemas e a criar soluções. O funcionamento de todo o sistema só pode ser alvo de melhorias se os números acompanharem e orientarem esse processo? MJC – Exatamente. Por exemplo, muitas das alterações na ação executiva foram concebidas analisando e interpretando os números. Com base nisso, percebeu-se onde estavam os problemas e, depois, adotaram-se as medidas diretamente focadas na sua resolução. É esse o objetivo. É para isso que servem as estatísticas. E, na realidade, acho que estamos muito avançados. Quer na agregação, quer na divulgação dos dados. : :

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BIBLIOTECAS

De número em número, de biblioteca em biblioteca. Queremos saber tudo sobre as Bibliotecas do nosso país. Vamos entrar, conhecer as caras e os espaços, bisbilhotar as prateleiras e as histórias. No fim e a cada Sollicitare, iremos partilhar consigo todos os detalhes.

ONDE MORAM OS LIVROS

Academia das Ciências de Lisboa Aqui reúnem-se as Ciências e as Letras

A

Texto Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

qui reúnem-se as ciências. Sentam-se, debatem, questionam-se. Num salão onde se guarda o saber que foi norteando o caminho do país e do mundo. O destino? Reinventa-se a cada momento. Mas não esquece por onde passou. A prova disso está aqui. Neste sítio que, em silêncio, diz tanto entre folhas gastas pelo tempo e lombadas tão belas que o dourado ainda brilha à luz do sol que vai entrando da janela com vista para o Liceu Passos Manuel. A janela da Academia das Ciências de Lisboa. “A biblioteca nasce em 1779 com as doações do Frei Manuel do Cenáculo. Os livros são a nossa maior riqueza. Temos cem incunábulos, que são livros impressos­ desde Gutenberg até ao último dia de 1500. Temos cerca de quatro mil livros quinhentistas, o que também é uma preciosidade. Livros da tipografia espanhola, italiana, francesa, inglesa, alemã, austríaca, etc. Depois, à medida que vai passando o tempo, a afluência de livros vai sendo maior. Falamos de livros seiscentistas, setecentistas e, naturalmente, de livros do séc. XIX”, conta Artur Anselmo de Oliveira Soares, Presidente da Academia e da Classe de Letras. É também por isto que a Biblioteca da Academia das Ciência de Lisboa é uma das mais importantes bibliotecas do país. Mas não só. Tudo começou durante o reinado de D. Maria I. Mais precisamente, a 24 de dezembro. “Nesse tempo, as repartições de finanças passaram a ocupar estes conventos, mas no caso do Convento de São Francisco não foi assim. D. Maria I disse que iria pensar. Aconselhou-se e resolveu que a Academia viria para aqui.”, explica. A história do país é também a história desta casa. Encontram-se, caminham lado a lado. Juntas, percorrem as prateleiras. Por aqui passou a Monarquia, a República, uma ditadura e a Democracia que vive entre nós. Todos os regimes deixaram a sua

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marca nesta Academia, mas nenhum alterou o seu rumo. “A nossa tradição, marcada pela cortesia e elevação, faz com que a Academia tenha nascido bem, mantendo-se viva ao longo dos tempos, sem qualquer influência das mudanças políticas que ocorreram no país”. A isenção e a imparcialidade são critérios obrigatórios na definição da atuação desta instituição que é, também, órgão de consulta do Governo em matéria linguística e científica. Aliás, isso preocupa muito quem dirige: “Nós vivemos num imperialismo linguístico que toca as laias do absurdo. O inglês está a invadir tudo. A alienação linguística é talvez a questão do futuro que mais vai preocupar as novas gerações. E o reforço da identidade linguística vai fazer-se de novo. Tem que se fazer”. A Academia atravessou épocas. E a tecnologia chegou sem data para partir. Evoluem, tornam-se nossas e nós também nos moldamos à luz das suas leis. Para Artur Anselmo de Oliveira Soares, embora natural, esta evolução pode trazer alguns perigos para os quais a sociedade tem que estar alerta: “O facilitismo das novas tecnologias tem trazido alguns inconvenientes. O ato de consultar um dicionário, aquela ginástica de tirar e repor, como se de um desporto se tratasse, acabava por dar tempo para refletir sobre o que se estava a ler e para incorporarmos os assuntos de uma forma menos instantânea, menos angustiante”. No início, a Academia contava com quarenta sócios. Vinte da área das letras e vinte da área das ciências. “Com o

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ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA R. da Academia das Ciências, 19
 1249-122 Lisboa
 Telefone: (+351) 213 219 730 www.acad-ciencias.pt

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desenvolvimento científico, foi necessário alargar o número de secções de cada classe. Neste momento, temos setenta sócios efetivos. Além destes, temos mais cento e quarenta sócios correspondentes. A designação dos sócios correspondentes é antiga, do tempo em que as pessoas tinham dificuldade em se deslocar para virem às sessões em Lisboa, correspondendo-se por carta com a Academia.” Os sócios de cada uma das áreas juntam-se quinzenalmente. Estudam e discutem a ciência e as letras. E, sem respostas definitivas, contribuem para o seu avanço. Impulsionam o estudo da História de Portugal. Promovem a investigação científica. Contribuem para o enriquecimento do pensamento, da literatura e da cultura nacional. E, assim, são aliados do desenvolvimento da ciência e do progresso cultural do país. Mas este não é um espaço fechado nem isolado do mundo. Pelo contrário. Só sabendo o que lá fora se passa se poderá colaborar na escrita do progresso. E quem precisar de consultar o que se vai escrevendo poderá sempre passar por aqui, desde que siga as regras estabelecidas. No salão nobre apenas está o fundo antigo: livros anteriores a 1900. “Não existe um acesso direto às obras. Salvo condições especiais em que investigadores precisem de contactar com elas. Temos um regulamento que prevê que as obras mais raras possam ser consultadas, mas de acordo com o currículo que nos é fornecido pelas pessoas e sendo a consulta feita na presença de um funcionário da biblioteca.” O resto das obras estão espalhadas pelas mais de cem salas que compõem todo este edifício. Todas elas ocupadas com os armazéns da biblioteca. São mais de dois séculos. E não se pode permitir o ponto final enquanto o amanhã revelar que há mais por escrever, mais por descobrir. A dúvida é matéria prima e só questionando se poderá continuar a construir sobre alicerces reforçados por todos que não aceitaram que a obra estava pronta. Embora se sinta o esplendor do passado, esta Academia quer chegar mais alto, pedra sobre pedra. Não quer ser apenas memória nem monumento. Porque, se algum dia assim for, o seu lema terá deixado de fazer sentido: “Se não for útil aquilo que fazemos, a glória é vã”. : :


OSAE

III MINI MARATONA DO CAMPUS DA JUSTIÇA

CORRER (OU CAMINHAR) POR UMA CAUSA Teve lugar, no dia 30 de setembro, a III Mini Maratona do Campus da Justiça. Tudo aconteceu no Parque das Nações, a partir das 10 horas, tendo sido a primeira vez que a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) integrou a organização da iniciativa. Os profissionais da justiça juntaram-se para correr ou caminhar junto ao Tejo e alcançar uma meta solidária. Graças às inscrições e ao patrocínio da Fundação Oriente, foram angariados 2.200 euros que reverteram a favor da Associação Passo a Passo, cuja missão passa por: reduzir e prevenir o número de crianças institucionalizadas, prevenir a negligência e maus-tratos infantis, promover competências parentais, a autonomização familiar e os direitos de cidadania. António Santos, inscrito pela Ordem dos Advogados, venceu a prova masculina e Maria dos Anjos Fernandes, inscrita pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e membro do Conselho Regional de Coimbra da OSAE, alcançou o primeiro lugar da prova feminina. Para além da OSAE, também a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados e a Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ) integraram a organização desta iniciativa, cujo balanço, perante a adesão e a satisfação de todos os participantes, não poderia ter sido mais positivo. : :

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ENTREVISTA

“Não podemos esperar que a Constituição resolva tudo. Seria maravilhoso, mas não é assim que funciona.”

JORGE MIRANDA PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Em abril de 1976 nasceu a Constituição da República Portuguesa. Cresceu com um país que havia recebido a Democracia com flores e uma alegria efervescente. Hoje, passadas mais de quatro décadas, conversamos com alguém que a conhece desde a primeira linha e que reconhece que o tempo esculpiu o que foi sempre mais do que um mero guião de respostas inquestionáveis. Professor universitário, dedicou anos de vida a aprender e a ensinar a conhecer esta bússola chamada Constituição que, apontando o norte e cuidando da paz e da liberdade, continua a assumir-se como alicerce sem deixar de ser ponte entre os pedaços de vida que contam de que tem sido feita a vida de Portugal. Foi sobre tudo isto (e tanto mais) que conversámos com Jorge Miranda, um dos mais prestigiados constitucionalistas portugueses.

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ENTREVISTA COM JORGE MIRANDA

Como é que recorda a feitura da Constituição de 76? Para mim, foi um momento decisivo, emocionante, mas também de muito trabalho e de grande confusão. O período entre o 25 de abril de 1974 e o 25 de abril de 1976, entre a revolução e a aprovação e entrada em vigor da Constituição foi um período inesquecível da minha vida e, talvez, o mais importante. E há muitas histórias para contar. No fundo, foi participar na construção dos alicerces do país? Eu costumo dizer que os valores básicos de um Estado moderno, um Estado com respeito pelas pessoas, são a liberdade e a paz. No século XX tivemos momentos de grande conflito. Tivemos um tempo de liberdade, mas não tivemos paz. Havia todo um conjunto de perturbações enormes na vida política... Basta pensar no assassinato do Rei, no assassinato do presidente Sidónio Pais, na entrada de Portugal na primeira guerra mundial… Existia uma agitação social enorme e uma grande instabilidade política: sete presidentes da República e quarenta governos em dezasseis anos. Foi um período muito negativo. Depois entrámos num período de paz sem liberdade: a ditadura. Em 1961, com a eclosão das guerras em África e com a ocupação da Índia, entrámos num período em que nem havia paz, nem havia liberdade. Este é o período que corresponde à minha juventude e que me marcou muito. Vivi intensamente a crise académica de 1962 que atingiu Lisboa e Coimbra. Só a partir de 1974 é que entrámos num tempo de paz e liberdade. E isto acontece sobretudo com a Constituição. E, apesar de todas as dificuldades que temos atravessado, temos vivido em paz e liberdade. Não quer dizer que a nossa situação seja absolutamente maravilhosa, mas se compararmos com o que se passa, por exemplo, em países como a Venezuela, considero que estamos bem. Sobrevivendo a um tempo em que cabem muitos acontecimentos… No tempo atual vivemos aquilo a que se tem chamado de aceleração da história. A densidade de acontecimentos, a densidade de figuras, a densidade de situações de conflito e de crises é terrível. Se nós pensarmos no que aconteceu nestes últimos oito meses no Mundo e na Europa, podemos verificar que há essa concentração de acontecimentos. Mas a verdade é que também nós temos mais noção do que se passa à nossa volta… Somos fontes e recetores de uma informação que também circula de forma mais veloz. Esse é também outro fenómeno do nosso tempo: a velocidade da informação. Qualquer acontecimento, em qualquer parte do mundo, chega rapidamente ao nosso conhecimento. E já não precisa de passar por um meio de comunicação tradicional. Por outro lado, muitas vezes, também se verifica um empolamento de certos acontecimentos face a outros. Ou seja, há também uma manipulação da informação.

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E a nossa Constituição, sendo de 1976, tem conseguido dar resposta àquelas que são as questões de uma atualidade marcada por todos estes fenómenos, causas e consequências da globalização? Até agora tem conseguido resistir. Claro que, até este momento, não tivemos um episódio de terrorismo. Felizmente. Se tivermos um problema desses, aí enfrentaremos, certamente, novas questões, pois esta Constituição assume-se extremamente preocupada com direitos e garantias. Mas, mesmo nesses casos, julgo que será possível encontrar soluções. Agora, o que ainda se verifica é que a efetivação de muitos dos direitos sociais está muito dependente da situação económica. Não só a nível nacional, mas também a nível europeu e a nível mundial. O direito à proteção de saúde, o direito ao ensino e outros direitos dependem muito desse fator. Ou seja, um dos pilares que referiu – a liberdade – poderá ser limitada por causa de fenómenos como o terrorismo? A Constituição já tem um artigo em que se prevê a interceção de comunicações em caso de necessidade de combate ao terrorismo. Isso, aplicado com cuidado e com rigor, pode já ser uma forma de prevenção e de combate. Agora, no resto, tudo vai depender do modo como o terrorismo possa vir a aparecer, do modo como a sociedade possa vir a reagir e do modo como as forças policiais e as entidades judiciais possam vir a atuar. É um fenómeno extremamente complexo e espero que não tenhamos que vir a pensar nele. Portugal, nesse aspeto, por estar na periferia da Europa, tem essa vantagem. E olhar para a nossa Constituição também é sinónimo de olhar para o que é o nosso país? Se compararmos o Portugal de hoje com o Portugal de 1976, podemos ver que há enormes diferenças. Por exemplo, o serviço nacional de saúde: apesar de ter deficiências, é um serviço que funciona bem e que até é tomado como exemplo por outros países. Outro caso será o acesso ao ensino: hoje, toda a gente tem acesso ao ensino. Claro está que há problemas na escola, com os professores… Mas todos temos acesso a ele. Hoje existem 300 mil estudantes universitários, há 40 anos havia só 30 mil. Na minha opinião, isso representa alguma coisa. Claro que existem áreas em que se poderia fazer muito mais. Por exemplo, no domínio da cultura há muitíssimo a fazer. Transportes, ordenamento do território, aproveitamento de recursos marítimos... Ainda temos muitos problemas, mas estão à margem da Constituição. É preciso compreender que a Constituição é um quadro jurídico, mas não é a solução de todos os problemas. A Constituição não dá hospitais, escolas ou transportes. Não podemos esperar que a Constituição resolva tudo. Seria maravilhoso, mas não é assim que funciona. E considera que os cidadãos entendem que a Constituição é um norteador e não uma resposta? Eu acho que começam a perceber, sim. Começam a perceber que a Constituição é a carta dos direitos fundamentais.


“Nós temos um sistema político que é bastante bom. Considero até que é um dos melhores sistemas políticos que o mundo conhece. Isto porque existe um equilíbrio entre o Presidente e o Parlamento. (…) O governo governa e o Presidente zela pelo regular funcionamento das instituições.”

Nós temos um sistema político que é bastante bom. Considero até que é um dos melhores sistemas políticos que o mundo conhece. Isto porque existe um equilíbrio entre o Presidente e o Parlamento. Não temos um Presidente da República chefe do poder executivo como é o Presidente dos Estados Unidos, nem um o Presidente da República chefe do poder parlamentar como é na França. O nosso Presidente da República tem um poder moderador. O governo governa e o Presidente zela pelo regular funcionamento das instituições. Acho que é uma solução equilibrada e que tem funcionado bem ao longo dos anos. O que verificamos neste momento e que muito me preocupa é a grande indiferença de muitos cidadãos perante

a vida política e a vida cívica, algo que se manifesta no abstencionismo eleitoral. Esse é um problema grave. Mas também não podemos esquecer: o problema da abstenção não é só português. Embora isso não seja consolação, também se regista em muitos outros países. A palavra “inconstitucional”, nos últimos anos, passou a fazer parte do nosso quotidiano. Como podemos explicar esse facto? Nos últimos tempos, perante qualquer problema, dizem logo: “isto é inconstitucional”, “esta decisão é inconstitucional”. É uma inconstitucionalite aguda, podemos dizer. Mas isso, por um lado, significa que as pessoas percebem que a Constituição tem importância. No entanto, por outro lado, também quer dizer que as pessoas não têm ainda a suficiente educação cívica para compreenderem que estas questões têm que ser vistas com conta, peso e medida. Não se pode reconduzir qualquer questão, seja ela política, social, económica, académica, a uma questão de natureza constitucional. Sente que, em algum momento, a Constituição pode ter estado ameaçada? Há um contexto económico a nível europeu e a nível mundial que é difícil e que provocou, entre 2011 e 2014, uma série de medidas legislativas, algumas muito discutíveis e que foram submetidas ao Tribunal Constitucional que conseguiu encontrar um equilíbrio nas suas decisões. Estou convencido de que, se agora houvesse uma qualquer crise financeira, também seria possível ultrapassá-la com razoabilidade. Embora possa ser uma visão demasiado otimista... Mas acho que a experiência tem sido positiva. : :

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PROFISSÃO

O QUE VAI SER A JUSTIÇA Há poucos dias, estive a mostrar aos meus filhos um pequeno exemplo do que é a evolução tecnológica. Mostrei-lhes automóveis fabricados entre 1904, ano do nascimento do meu Avô, e aos dias de hoje, passando por 1938 (ano do nascimento do meu Pai), 1969 (ano do meu próprio nascimento) e 1997 (ano do nascimento do mais velho dos meus filhos).

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Por Armando A. Oliveira, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, Solicitador e Agente de Execução

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m 1904, o automóvel era uma curiosidade para os abastados mas, nos anos 60, já era um produto de consumo acessível à maioria dos trabalhadores europeus. Em 1904, um condutor de um carro a cavalo não conseguia conceber ou aceitar que, em pouco mais de duas décadas, o animal de tração deixaria de ter relevância no transporte de pessoas e de bens. Em agosto deste ano, uma marca começou a entregar o seu novo modelo: um veículo exclusivamente elétrico, com 350 quilómetros de autonomia e preparado para condução autónoma de nível 4 (ainda é exigido que o condutor supervisione o desempenho do seu automóvel, apesar de este ser tecnicamente capaz de monitorizar tudo o que se passa à sua volta). As inovações introduzidas por esta mesma marca não só têm forçado os demais construtores automóveis à revisão das suas estratégias, como têm alertado os grandes fundos de investimento para a necessidade de virem a reequacionar as suas estratégias. Entramos agora no campo de futurologia (próxima). Pensemos no seguinte: Na Europa, a utilização média de um automóvel equivale a cerca de 10 horas por semana, o que representa cerca de 10% do tempo disponível (não considerando o período noturno). Naturalmente que não vamos ter uma redução de veículos de 10 para 1, pois há necessidade de assegurar transporte nos picos de utilização. Mas não será difícil perceber que vamos ter mudanças na área da partilha de itinerários, redução nos tempos de viagem, eliminação do tempo necessário ao parqueamento, estacionamento… Não sendo demasiado otimista (ou pessimista, conforme o ponto de vista), diria que o número de veículos sofrerá uma redução para uma terça parte. Esta redução de veículos vai, de forma evidente, influenciar o número de lugares necessários nos grandes centros urbanos. Com a massificação da condução autónoma, o cidadão vai deixar de ser condutor e vai perder, gradualmente, a sua ligação emocional ao veículo. Vai deixar de o olhar como uma coisa sua, mas antes como um serviço. Vai privilegiar a eficiência e o custo do serviço, deixando de dar relevância à marca. O estatuto social que hoje é atribuído ao veículo vai desaparecer. Pessoas nascidas em 2017 irão considerar dispensável a carta de condução e, muito provavelmente, não irão equacionar a compra de um automóvel. Posto isso, facilmente se conclui que muito vai mudar: arquitetura, urbanismo, seguros, saúde, diversas profissões... Surge então a questão: E o que é que tudo isto tem a ver com a Justiça? Sendo a justiça um elemento agregador e organizador da sociedade, sem dúvida nenhuma que esta terá que acompanhar a evolução, nomeadamente no que diz respeito ao desenvolvimento da regulamentação que sustenta esta nova sociedade. Mas não só... Imaginem um acidente entre dois veículos, ambos repletos de sensores e câmaras que registam os mais ínfimos pormenores da cadeia de acontecimentos. O volume de informação que é disponibilizado, a comparação com os inúmeros casos “vividos” por outros sistemas correspondem a fatores que permitirão que, em alguns instantes, seja


1904 – Peugeot Type 66, 5000 cc, 25 cv

1938 – Peugeot 202, 1100 cc, 30 cv

1969 – Peugeot 304, 1288 cc, 75 cv

1997 – Toyota Prius, 1496 cc + motor

2017 – Tesla Modelo 3, motor elétrico, 200 cv

disponibilizada uma análise da responsabilidade. Na maior parte dos casos, o sistema vai “garantir” apurar de quem é a responsabilidade e, tendo em consideração que cada um dos veículos conseguirá avaliar o custo da reparação, rapidamente será fixado o valor da indemnização. Se me perguntarem qual é, hoje, o maior sistema de resolução de conflitos, posso dizer, sem grande margem para erro, que é o Paypal. Este e outros sistemas semelhantes de “pagamento” são grandes sistemas de confiança em que, ao comprador, é dada uma garantia de arbitragem informal e a devolução do valor pago. Em 2015, o Paypal ultrapassou mil milhões de transações num único mês. Se 0,001% dessas transações derem origem a um conflito, vamos ter mais de 10.000 incidentes num único mês. Quantas pessoas seriam necessárias para tratar de todos estes processos? A realidade é que estes “processos” são tratados, na sua grande maioria, com uma base algorítmica cada vez mais especializada e complexa, a qual vai ter em consideração não só os dados específicos de cada transação e da reclamação, mas também outros fatores, tais como o histórico e localização de cada um dos intervenientes, a natureza do produto em causa, o número de disputas sobre produtos idênticos, etc. Os modelos informáticos vão tornar-se, gradualmente, mais “inteligentes” e vão auxiliar o cidadão nos temas mais diversos, incluindo nos temas da “justiça”. Os profissionais que servem de interpretadores e mediadores das mecânicas burocráticas e das hermenêuticas de determinadas atividades vão ter que encontrar um novo papel, vão ter que se adaptar sob pena de se tornarem uma figura decorativa e marginal na sociedade. Ao longo dos últimos 15 anos, os solicitadores e a Ordem têm conseguido não só conviver com a evolução tecnológica, mas também, e acima de tudo, aproveitar novas oportunidades, contribuindo para inovadoras formas de olhar e lidar com a justiça. As ferramentas informáticas representam um agente estrutural no desenvolvimento da profissão e no salto para a integração de soluções de inteligência artificial. Este é um caminho que temos de trilhar. Não há alternativa. Resta saber decidir como o iremos fazer. : :

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ENTREVISTA

“Só um mercado com regras claras (…) oferece condições adequadas ao seu próprio desenvolvimento.”

GABRIELA FIGUEIREDO DIAS PRESIDENTE DA COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Arquivo Fotográfico da CMVM

O mundo mudou. Mais tecnologia, mais desafios, mais exigências. Investir tornou-se mais fácil e, ao mesmo tempo, mais difícil. As fronteiras são mais ténues, os últimos anos revelaram novas interrogações, a transparência tornou-se num selo obrigatório e a literacia financeira é uma das metas mais gritantes. Também a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários teve que encontrar alternativas, adaptar-se, criar novas formas de cumprir a sua missão, também esta em mutação. Gabriela Figueiredo Dias, a sua atual presidente, dá voz a tudo isto e, sem temer o futuro, acredita que mais e melhores condições serão criadas em prol do crescimento.

Como explicamos, em breves palavras, o papel assumido pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários? A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) é a entidade que supervisiona e regula os mercados de valores mobiliários em Portugal. Só um mercado com regras claras para todos os intervenientes oferece condições adequadas ao seu próprio desenvolvimento. Numa economia pequena e ainda muito dependente do financiamento bancário, é fundamental que o tecido empresarial olhe para o mercado de capitais como uma alternativa atrativa e fiável para a obtenção de capital. Por outro lado, tem que existir a perceção por parte dos investidores que as regras são transparentes e que as suas decisões de investimento são sustentadas em informação verdadeira, clara, objetiva e lícita. Daí que uma das atribuições fundamentais da CMVM seja a proteção do investidor. Essa é uma das pedras basilares para a construção de um mercado de capitais com profundidade e capaz de contribuir para o desenvolvimento económico do país.

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hoje desafios que seriam difíceis de imaginar há alguns anos e, por isso, há um esforço permanente de adaptação do próprio regulador e da condução da sua atividade às novas realidades, para as interpretar em toda a sua plenitude e para identificar pontualmente eventuais riscos que possam colocar em causa a integridade dos mercados financeiros ou fazer perigar a confiança dos investidores. Refiro-me, por exemplo, aos desafios colocados pela negociação de alta frequência (high frequency trading) e ao próprio papel que a inovação tecnológica está a ter na criação de novos modelos de negócio. O termo Fintech, que é a aplicação de novas tecnologias à área financeira, está a começar a integrar o nosso léxico e as nossas vidas. A emergência de novos modelos de negócio é um estímulo à economia e, por isso, potencialmente benigna. No entanto, tal como referi, o regulador precisa de fazer um trabalho preventivo de análise e avaliação das oportunidades e riscos que lhes estão subjacentes, para garantir a segurança dos investidores e a integridade do mercado. Esse trabalho já está a ser feito.

Fala-se na proteção dos investidores como uma prioridade. Como é que tal se materializa? A proteção dos investidores materializa-se através de uma regulação simples, objetiva, clara e proporcional e de uma supervisão e enforcement focados, preventivos, tempestivos e consequentes, que assegurem a integridade e a credibilidade dos mercados. E, paralelamente, através da promoção da inclusão financeira e o acesso à informação pelo investidor para a tomada de decisão consciente e responsável. A estrutura da CMVM reflete esta preocupação e um investimento grande numa organização preparada para esses desafios, incluindo áreas de política regulatória de supervisão - inicial (autorizações), contínua e presencial, assegurando uma presença próxima dos agentes económicos e dos supervisionados; conta ainda com uma área especificamente dedicada à relação com o investidor (apoio na resolução de reclamações, esclarecimentos e resolução de litígios), literacia financeira (como assegurar decisões de investimento adequadas e conscientes) e inovação financeira (pelo impacto que tem no mercado e na proteção do investidor). A CMVM é, ainda, membro fundador do Plano Nacional de Formação Financeira, criado pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros e, neste âmbito, tem desenvolvido, com os restantes parceiros, várias iniciativas de formação financeira, sobretudo em ações de formação nas escolas e junto de públicos vulneráveis. Todas as áreas terão as suas especificidades. Mas poderemos dizer que há áreas mais controversas ou sensíveis? Não diria que existem áreas mais controversas e sensíveis do que outras, embora o seu grau de mediatismo varie. Todas as matérias sob alçada de supervisão da CMVM são alvo de igual atenção por parte do supervisor. No entanto, o mundo impõe

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A tecnologia agiliza ou complexifica o cumprimento da missão da CMVM? As novas tecnologias aplicadas no âmbito financeiro (Fintech)­trazem benefícios mas também novos desafios, pelo que os legisladores e as autoridades de supervisão enfrentam um dilema a nível global. Por um lado, a promoção de novos produtos e serviços com base em novas tecnologias exige uma regulamentação mais simples e proporcional. Por outro lado, se esses produtos e serviços permanecerem não regulados (ou insuficientemente regulados) podem ser objeto de falhas, abusos ou fraudes. No campo da supervisão, a utilização destas novas tecnologias pode representar maior complexidade e dificuldade na supervisão (por exemplo: verificação dos algoritmos do “robot advice”) embora, em contrapartida, as novas tecnologias também possam contribuir para uma atuação mais eficaz no controlo do cumprimento pelos próprios Intermediários Financeiros (RegTech) e até nas práticas de supervisão. Os últimos anos trouxeram novas áreas de intervenção e novas prioridades? Sim, houve um reforço das atribuições da CMVM nos últimos anos. A crise e a inovação financeira e tecnológica de que falámos há pouco também se refletiram em novas responsabilidades de supervisão para a CMVM. É o caso das plataformas de financiamento colaborativo (crowdfundig) por empréstimo e por capital, que passaram a estar legisladas em 2015 pelo regime jurídico do financiamento colaborativo e que passam a ser escrutinadas da CMVM assim que o regime sancionatório estiver em vigor. A CMVM também passou a ter novas competências decorrentes da entrada em vigor do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e do Investimento Especializado - revisão do regime legal do capital de risco – e que alargou as competências da CMVM à supervisão dos fundos e sociedades de empreendedorismo social.


ENTREVISTA COM GABRIELA FIGUEIREDO DIAS

A 1 de janeiro de 2016 entrou em vigor o Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria e a CMVM passou a ser a entidade responsável pela supervisão pública, o acesso ao exercício da atividade dos peritos avaliadores de imóveis (PAI) passou a estar sujeito a novos requisitos e o registo na CMVM passou a ser obrigatório. Quanto às prioridades, estas são definidas em função de fatores contextuais e da perceção que a CMVM, enquanto regulador e supervisor, tem do mercado em cada momento. Do ponto de vista da regulação, essas prioridades são em larga medida definidas pelo ritmo da regulação europeia, que é hoje decisivo e definidor das principais tendências e políticas regulatórias, sendo cada vez mais reduzido o espaço de decisão regulatória deixada ao regulador local. Ainda assim, há prioridades a definir no que respeita ao tipo de regulação a fazer, tendo sido recentemente definidos dois objetivos centrais: o da simplificação regulatória, eliminando ónus regulatórios supérfluos e adaptando a regulação aos novos desafios dos mercados financeiros, de modo a contribuir para um clima regulatório mais flexível e mais apelativo para os agentes do mercado. Ao nível da supervisão, a prioridade tem vindo a ser colocada na conduta de mercado, na informação e reporte financeiros e na inovação financeira, assegurando maior informação e maior proteção para o investidor. Que outras marcas deixarão estes anos que comummente descrevemos como tendo sido de “crise”? Houve um reforço da regulação, inclusive a nível internacional. Novas diretivas têm vindo a ser aprovadas, como a Diretiva da Transparência, que foi recentemente revista, ou a DMIF II, em fase de implementação, que determinarão efetivamente maior transparência, prevendo novos deveres de reporte de informação ao mercado e aos investidores ou afinando alguns outros deveres já existentes. Paralelamente, houve um maior esforço e intrusividade da supervisão, mais focada, mais atenta e preocupada com práticas comportamentais dos vários agentes de mercado. Foi reforçada a atenção às práticas de governo societárias e à ética dos comportamentos dos vários agentes de mercado, reforçado o papel e intervenção dos gatekeepers, como os auditores, solicitadores e outros, etc. À luz de novas prioridades relacionadas, nomeadamente, com o combate ao branqueamento de capitais e com a garantia de mais celeridade na cobrança de dívidas, não deveria ser revista a forma como são transacionadas as ações nas sociedades anónimas não cotadas? Qual a perspetiva da CMVM? A CMVM, nas suas áreas de competência, está particularmente atenta à prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (BCFT): coopera com as restantes autoridades nacionais com responsabilidades neste domínio, supervisiona o cumprimento dos deveres das entidades sujeitas à sua supervisão - tendo recentemente evoluído para uma supervisão baseada no risco - e tem feito diversas comunicações de operações suspeitas à PGR/UIF.

Em particular, quanto à negociação de ações - e de obrigações - de sociedades não admitidas à negociação, foram recentemente aprovados dois diplomas legais que permitem dar resposta às preocupações enunciadas: refiro-me à Lei nº 15/2017 (e ao decreto-lei que a regulamenta, que aguarda publicação em DR) que proíbe a emissão de valores mobiliários ao portador e impõe a conversão em nominativos dos valores ao portador existentes; e à Lei n.º 89/2017 que disciplina o dever de identificação e registo de beneficiários efetivos de pessoas coletivas e trusts. A CMVM foi chamada, pelos órgãos com a competência de iniciativa legislativa, a apresentar contributos para ambos os diplomas, em especial do primeiro, parecendo-me que a sua entrada em vigor permitirá obter um nível adequado e suficiente de transparência em relação à transação de valores mobiliários não admitidos à negociação, embora deva reconhecer que fenómenos como o BCFT se revestem de grande complexidade apresentando cada vez mais uma dimensão internacional que coloca desafios sérios às autoridades competentes.

“Ao nível da supervisão, a prioridade tem vindo a ser colocada na conduta de mercado, na informação e reporte financeiros e na inovação financeira, assegurando maior informação e maior proteção para o investidor.“

Os solicitadores asseguram, em muitos casos, a gestão de fundos e patrimónios. Os agentes de execução acabam por também o fazer em prol da liquidação de uma dívida. Assim, tem sido uma preocupação da Ordem incrementar o nível de transparência na atividade de solicitadores e agentes de execução, nomeadamente mediante a criação de plataformas online que permitam um maior controlo por parte de todos os intervenientes. Por onde pode ainda passar a ação destes profissionais e da própria Ordem? No âmbito do mercado de instrumentos financeiros, a gestão de patrimónios individuais e a gestão de patrimónios coletivos (fundos de investimento) é exercida por entidades profissionais, registadas e autorizadas para o efeito. No entanto, tal não significa que estas entidades não se auxiliem junto de outros profissionais existentes no mercado, desde que legalmente admissível, para exercerem a sua atividade numa comunhão plena de sinergias, contribuindo seguramente para uma gestão adequada por parte de quem a tal está obrigado. De forma transversal, todas as atividades e/ou funções envolvendo a gestão de patrimónios ou fundos por conta de

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ENTREVISTA COM GABRIELA FIGUEIREDO DIAS

terceiros comungam de princípios estruturantes que passam pelo total respeito dos termos e limites da função atribuída, segregação do património do gestor face ao património gerido, meios e organização na gestão, transparência na condução da atividade, em especial no que respeita a remuneração e custos, respeito pelos dados pessoais nos termos da lei e prestação de informação exata e rigorosa. Tudo o que se possa fazer em prol do reforço destes princípios resultará em maior credibilidade dos profissionais que atuam no mercado, seja ele financeiro ou não, e numa melhoria constante dos serviços prestados aumentando assim a confiança de todos.

O inquérito revelou que há alguns sinais de melhoria, como é o caso de melhorias nos hábitos de poupança, mas continua a existir inércia na aplicação dessas poupanças e desconhecimento de conceitos financeiros básicos. O inquérito permitiu aferir que os grupos populacionais com maiores défices de literacia financeira são os jovens e os idosos, os estudantes, os desempregados, os aposentados e as mulheres, bem como os que têm baixos níveis de escolaridade e de rendimentos. Estes resultados permitiram concluir que há um longo caminho a percorrer na área da literacia financeira, mas vieram validar a estratégia definida pelo PNFF e direcionar as iniciativas de formação.

“O Conselho Nacional de Supervisores Financeiros divulgou no ano passado os resultados do inquérito à literacia financeira da população portuguesa, realizado em 2015. O inquérito revelou que há alguns sinais de melhoria, como é o caso de melhorias nos hábitos de poupança, mas continua a existir inércia na aplicação dessas poupanças e desconhecimento de conceitos financeiros básicos.“

Atualmente, já podemos afirmar que Portugal é um país para investidores? Portugal, como sabe, tem um regime jurídico balizado e harmonizado em termos europeus. Os diplomas legais em vigor em Portugal e, neste caso, que regem o sistema financeiro são, em grande medida, emanados de diretivas e regulamentos comunitários. Em janeiro do próximo ano vai entrar em vigor o diploma legal que transpõe para o direito português a Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros e respetivas medidas de execução comummente designada por DMIF II, que apresentam um quadro jurídico e harmonizado que rege os requisitos aplicáveis às empresas de investimentos, aos mercados regulamentados, aos prestadores de serviços de comunicação de dados e às empresas de países terceiros que prestam serviços ou atividades de investimento na União Europeia. O pacote regulamentar visa melhorar a eficiência, a capacidade de resistência e a integridade dos mercados financeiros. Visa também reforçar a proteção dos investidores, prevendo regras mais exigentes relativas à proteção dos instrumentos financeiros e dos fundos dos clientes, às obrigações em matéria de governação dos produtos das empresas de investimento que produzem e/ou distribuem instrumentos financeiros e à prestação ou receção de remunerações, comissões ou quaisquer benefícios monetários ou não monetários. Também os deveres de transparência são reforçados no que respeita à divulgação de informação pré e pós negociação que até agora só se aplicam, em larga medida, às ações, passam também a aplicar-se a outros instrumentos não representativos de capital e às plataformas de negociação. Passam também a ser consagrados, expressamente e de forma harmonizada, poderes de intervenção das autoridades competentes nacionais, podendo proibir ou restringir a comercialização, distribuição ou venda de determinados instrumentos financeiros, ou um determinado tipo de atividades ou prática financeira. Reforçam-se, paralelamente, as exigências em matéria de qualificação e formação aplicáveis aos colaboradores dos intermediários financeiros que prestam consultoria para investimento ou que prestem informação aos investidores sobre instrumentos financeiros ou serviços de investimento. Em suma, o objetivo global deste pacote legislativo é o de criar condições equitativas nos mercados financeiros e permitir-lhes trabalhar em benefício da economia, apoiando o emprego e o crescimento económico. : :

Sentem que os níveis de literacia económico-financeira têm registado melhorias significativas? Espelham impactos dos acontecimentos que marcaram os últimos anos, nomeadamente no que respeita ao universo bancário? O que ainda poderá ser feito nesse campo? A necessidade de melhorar os níveis de literacia financeira é algo que está identificado pela CMVM e pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) há vários anos e há um trabalho de fundo que está a ser realizado nessa área. Em 2011, o CNSF mandatou os três supervisores financeiros para desenvolverem e implementarem o Plano Nacional de Formação Financeira (PNFF). Trata-se de um projeto de médio e longo prazo que procura promover a inclusão da população portuguesa e contribuir para elevar os níveis de literacia financeira com linhas de orientação definidas para períodos quinquenais. Desde 2011, as iniciativas do PNFF têm-se multiplicado por todo o país e em diversas plataformas e conta com a ajuda de inúmeros parceiros, nomeadamente, do Ministério da Educação, através da Direção-Geral da Educação e da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional. (…) Atualmente, os supervisores financeiros estão muito empenhados nas ações de formação de formadores, ou seja, em dotar de conhecimentos pessoas que possam disseminar por terceiros esse novo saber. (…) O CNSF divulgou no ano passado os resultados do inquérito à literacia financeira da população portuguesa, realizado em 2015.

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PROFISSÃO

CONSIDERACIONES SOBRE LA AUTOTUTELA EN ESPAÑA COMO MODELO PARA PORTUGAL

Por Domingo Bello Janeiro Catedrático de Direito Civil da Universidad de La Coruña Académico de Número de la Academia Gallega de Jurisprudencia y Legislación

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n la actualidad es indudable, y también en Portugal y España, el cambio social caracterizado por el envejecimiento de la población y la crisis de la tradicional familia patriarcal amplia, con la consiguiente disminución de su función de servir de apoyo de sus miembros mayores y de los discapacitados, siendo, con la evolución de las comunicaciones y la globalización, cada vez más frecuente el hecho de que los hijos vivan en ciudades o países diferentes a las de los mayores de la familia. El progresivo deterioro físico y psíquico con el transcurso de los años puede llevar a situaciones de dependencia difíciles de atender en las circunstancias de las sociedades actuales, sobre todo en los casos de demencia o Alzheimer en los que se hace necesario un mayor nivel de protección jurídica e institucional, lo cual exige que el ordenamiento jurídico preste una especial atención a los mayores. En un país como España, y también Portugal, entre otros, en el que la justicia civil se encuentra crónicamente al borde del colapso, es un lujo, que no nos podemos permitir, prescindir de las técnicas de autonomía privada. La institución de la autotutela, introducida en la legislación estatal española por medio de la ley 41/2003, y, previamente, en el derecho catalán con la Ley 11/1996, de 26 de julio, que modifica la Ley 39/1991, de 30 de diciembre, de la Tutela e Instituciones Tutelares, con nueva regulación catalana de manera detallada en la Ley 25/2010, de 29 de julio, del libro segundo del Código civil de Cataluña, relativo a la persona y la familia, ha significado un verdadero hito, lo cual en Galicia también ha sido objeto de regulación en la Ley 2/2006, de 14 de junio de Derecho Civil de Galicia, que, por dicha razón, aparte de la regulación de la adopción, se encuentra recurrida ante el Tribunal Constitucional. La autotutela puede recomendarse para prever y decidir lo que puede acontecer en el futuro Mediante el nombramiento de tutor se protege realmente a la persona mayor ya que en los momentos en que ella no tenga la suficiente capacidad para gobernarse, habrá una tercera persona, designada por ella misma, que cuidará de su persona y de sus bienes, con todas las garantías legales. El derecho y la práctica del entorno de países semejantes nos sirven para pensar que hay que ir en este tema lo más lejos posible puesto que no hay duda de los efectos altamente positivos de la atribución de facultar expresamente a una persona para que pueda tomar decisiones sobre su futura asistencia personal y que así pueda buenamente ordenar, con el grado de precisión que considere más adecuado, el mejor modo de administración de su patrimonio, en el momento en que aún tiene determinada autonomía personal con la finalidad no disimulada de que pueda ir generando su eficacia de modo progresivo con anterioridad al momento en que el resto de la familia piense en la posibilidad de su incapacitación. Se trata de buscar las fórmulas jurídicas más adecuadas para posibilitar el tránsito progresivo de la autonomía personal plena a la dependencia de terceros y conseguir que el propio afectado, que es el principal afectado, pueda percibir que gestiona desde el comienzo, a su entera voluntad, el desarrollo de este proceso, lo que contribuye a su mejoría personal, evitando más angustias de las necesarias y tiene un efecto terapéutico consecuente que no se puede poner en duda. : :

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ENTREVISTA

“Os portugueses podem orgulhar-se da Justiça que têm”

HELENA MESQUITA RIBEIRO SECRETÁRIA DE ESTADO ADJUNTA E DA JUSTIÇA

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Encontrou na Justiça uma vocação e nela quis procurar um futuro. Entretanto, conheceu os tribunais por dentro e a gente que os habita, que a estes dá rosto e coração. Na política local quis entender os que dão voz à terra que sentem como sua. Foi deputada à Assembleia da República, onde a democracia ecoa sem medos. Hoje, Helena Mesquita Ribeiro é Secretária de Estado Adjunta e da Justiça. Para este cargo trouxe o caminho que percorreu, os olhares com que se cruzou, os lugares por onde passou e cada pedaço de vida que a levou até ali.

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Enquanto juíza, qual era a visão que trazia para o exercício deste cargo? A ideia que tinha do funcionamento dos tribunais e daquilo que era a administração da Justiça não sofreu alterações pelo facto de ter passado a exercer funções governativas. Eu fui para a magistratura por viver num país que tem uma ordem constitucional que reconhece o princípio da separação de poderes e onde o exercício da função judicial é independente, imparcial e apenas sujeito à lei e ao direito. Na minha opinião, os portugueses podem orgulhar-se da Justiça que têm. É realizada por profissionais competentes e independentes. A gestão de conflitos e de expectativas já fazia parte do seu dia a dia. Essa experiência traz uma outra maneira de abraçar a função governativa? Todo o nosso percurso de vida, tanto profissional como pessoal, marca o nosso modo de estar e a maneira como encaramos os problemas e a forma como os podemos resolver. Sempre sonhei com a possibilidade de ser advogada e de poder defender os mais desfavorecidos. Comecei por exercer advocacia numa zona rural. Entretanto, desempenhei funções autárquicas, o que me trouxe uma grande proximidade com as pessoas. Ingressei na magistratura. Fui deputada à Assembleia da República. E, antes de vir para aqui, era juiz no Tribunal Central Administrativo Norte. Toda esta experiência profissional dá-me um conhecimento que considero importante para as funções que exerço. Não posso ainda deixar de sublinhar que, enquanto juiz, tive a oportunidade de conhecer o sistema por dentro, na perspetiva dos operadores judiciários, o que, num momento de tomada de decisões, me dá uma grande tranquilidade. A passagem pela política local traz mais sensibilidade para compreender as prioridades dos cidadãos? Eu penso que sim. É uma experiência marcante. O primeiro cargo político que desempenhei foi o de Presidente da Assembleia de Freguesias. Exatamente na freguesia onde cresci e vivia. Deu-me uma enorme satisfação, até porque, ao mesmo tempo que exercia um cargo político, exercia o mesmo na freguesia daqueles que me viram crescer. Exerci também funções autárquicas na Assembleia Municipal. Era a montra política onde podia mostrar as dificuldades da minha freguesia. O eleito local é uma pessoa que está muito próxima da população, com a qual convive todos os dias. Não há nenhum político que esteja tão exposto como os autarcas. Essa proximidade permitiu-me conhecer a vida real das pessoas. Até porque, embora possamos imaginar as dificuldades que as populações enfrentam diariamente, a experiência e o contacto direto é muito importante. Estas experiências autárquicas prepararam-me para compreender o significado e o alcance de algumas decisões que são tomadas e que condicionam a vida dos cidadãos. Foi uma experiência muito enriquecedora. Aqui, no Ministério da Justiça, temos sempre as portas abertas para os autarcas, para ouvir as suas queixas, preocupações e sugestões.

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ENTREVISTA COM HELENA MESQUITA RIBEIRO

“O tribunal é visto como uma presença soberana do Estado e como um elemento fundamental à garantia da paz social. (…) Tenho visto, por todo o país, verdadeiro amor à camisola e um esforço muito além do exigível para que os tribunais possam funcionar cada vez melhor.”

Percorreu os tribunais do país. Ao longo desse périplo, quais foram as surpresas que destacaria? Um dos aspetos que mais me marcou positivamente nesta viagem pelo país, no âmbito dos ajustamentos ao mapa judiciário, foi verificar como os autarcas e as populações sentiam intensamente o encerramento dos tribunais do seu município. Pelo que vamos ouvindo na comunicação social, temos a ideia de uma opinião geral negativa sobre a Justiça e poderíamos acreditar que as pessoas não estão preocupadas com a existência ou não de um tribunal na sua terra. Mas não, as próprias pessoas faziam questão de aparecer e de reivindicar a abertura do seu tribunal. O tribunal é visto como uma presença soberana do Estado e como um elemento fundamental à garantia da paz social. Isso encheu-me de orgulho e, ao mesmo tempo, de surpresa. Outro elemento positivo e que é preciso destacar é o empenho e a dedicação dos oficiais de justiça e das pessoas que trabalham nos tribunais. Não deitaram a toalha ao chão, mesmo com as fortes restrições, cortes salariais e a mudança de paradigma com implementação do mapa judiciário em 2014, com o anterior governo. Tenho visto, por todo o país, verdadeiro amor à camisola e um esforço muito para além do exigível para que os tribunais possam funcionar cada vez melhor. E, nomeadamente no contexto da Justiça, sente que os cidadãos estão mais participativos? Penso que sim. Corresponde também a um certo amadurecimento da população, em que os níveis de iliteracia têm vindo a diminuir. Existe hoje, por parte da sociedade, uma maior exigência e atenção para aquilo que se passa. E isso é muito bom para as instituições. Apenas gostaria de ver uma maior intensidade nessa participação junto das camadas mais jovens. Tem sido trilhado um percurso em prol da aproximação da Justiça ao cidadão. Na sua opinião, o caminho continuará a ser feito nesta direção? A proximidade é absolutamente fundamental. Até podemos ter um ótimo tribunal, mas se estiver muito distante e a pessoa desistir de ir lá, o problema fica por resolver e não é isso que queremos. Gostaria que os tribunais fossem um local próximo, acessível e percetível para qualquer pessoa. Um local onde as pessoas entrem com serenidade e confiantes de que

ali poderão resolver os seus problemas, sem terem de esperar muito tempo. A ligação entre as plataformas dos tribunais administrativos e fiscais e da autoridade tributária é mais uma conquista cujos benefícios serão sentidos pelos cidadãos? Toda a evolução tecnológica que permita uma ligação eletrónica entre os intervenientes processuais, os mandatários, os titulares dos processos e os tribunais é um passo significativo no sentido de aproximar o serviço público de Justiça às populações. Desejamos que esse relacionamento seja também alargado a outras entidades. Este é um passo muito importante, pois significará que todo o expediente que circula em papel registará uma redução. À distância de um clique, tem acesso ao processo, pode saber se a decisão foi proferida, por exemplo. Aumenta a transparência, diminuem os tempos de espera, os recursos humanos podem dedicar-se a outras tarefas. Contudo, importa não esquecer: a tecnologia é importante, mas a Justiça não se resume a isso. A tecnologia é um meio e não um fim. O sistema de Justiça é muito mais do que isso. E no que diz respeito às prisões, quais são as principais preocupações? Temos uma grande preocupação com o sistema penitenciário. Nem sempre a opinião pública está sensibilizada para as dificuldades que ali se vivem. Existe a ideia de que as prisões têm de ser locais pesados e com condições difíceis para quem teve um comportamento desviante. Na minha opinião, para medirmos a qualidade do nosso Estado de Direito devemos olhar para as nossas prisões. Esta é a fotografia do país no que toca ao respeito pela dignidade da pessoa humana. Alguém que, por qualquer razão, se encontre como recluso num destes espaços tem de ter condições de tratamento dignas, até porque o grande objetivo do nosso sistema é garantir condições para que o condenado possa aprender com os erros que cometeu e ajudar esse cidadão ou cidadã a construir um novo projeto de vida, como elemento com um contributo positivo e responsável a dar à nossa sociedade. Podemos dizer que, em Portugal, existe uma boa rede de parceiros e que estes estão disponíveis para unir esforços em prol de uma melhor Justiça? Esse tem sido o timbre desta equipa ministerial. Obviamente que temos a nossa posição, mas, naquilo que é determinante, temos sempre de ouvir os operadores. Isto não significa estar de acordo com tudo. Esta é a nossa forma de atuar. Por exemplo, no que toca ao mapa judiciário, ouvimos toda a gente. E, de acordo com a minha experiência, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) tem tido um papel absolutamente extraordinário na construção deste caminho. Se existe exemplo de boa relação e de excelente cooperação entre o ministério e uma organização, é a colaboração que existe entre o Ministério da Justiça e a OSAE. : :

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ENTREVISTA

“Todos têm que perceber que a boa administração da justiça precisa de todos os agentes que nela intervêm”

ACÁCIO LUÍS JESUS DAS NEVES PRESIDENTE DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Nos já muitos anos ao serviço da Justiça, o atual Presidente do Tribunal da Relação de Évora, Acácio Luís Jesus das Neves, não imaginava que viria a abraçar este cargo. Hoje, num dia em que o calor alentejano vem em cada raio de sol que ilumina os ornamentados tetos do Palácio Barahona, olha para trás e pensa sobre o tanto que foi acontecendo. Apesar de um tempo que não estagna nem abranda e da tecnologia que em tanto lado encaixa como peça que faltava, acredita que algumas coisas deverão ficar para sempre. Acredita que disso se continuará a fazer uma Justiça que, contando com todos, a todos poderá continuar ambicionar chegar. Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Como começou e que episódios destacaria nesta caminhada pelo mundo da justiça? Gostaria de começar por salientar o facto de, tendo concluído a licenciatura na clássica Faculdade de Direito de Lisboa, ter concorrido ao CEJ, no ano de 1980, simultaneamente a dois cursos: o 1.º curso normal de formação (no âmbito do qual se poderia vir a optar pela magistratura judicial ou pela magistratura do Ministério Público) e o 1.º curso especial do Ministério Público (destinada apenas a esta magistratura). Foram duas semanas consecutivas de provas escritas, seguidas de mais duas semanas de provas orais, de um e do outro curso. Tendo sido dos primeiros, senão o primeiro, a acabar as provas orais (por razões de ordem alfabética, uma vez que o meu nome começa por “A”), fiquei então a saber que estava aprovado em ambos os cursos, mas sem saber quais as respetivas classificações – sendo certo que apenas me seria permitido fazer a opção por um dos dois cursos após terem

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terminado todas as provas orais. Ora sucede que, nessa altura, já tinha decidido e programado ir de férias para a Alemanha. Assim, para ultrapassar tal obstáculo, e uma vez que ainda não me sentia suficientemente esclarecido sobre a opção a tomar, acabei por entregar um requerimento de opção, incompleto, a um colega e amigo que tinha prestado igualmente provas para um dos cursos, pedindo-lhe que o apresentasse e que o acabasse de preencher no sentido da opção pelo curso em que viesse a obter melhor classificação. A opção acabou por recair no 1.º curso normal de formação – vindo, posteriormente, a optar pela magistratura judicial. Mas o curioso é que, se tivesse sido eu próprio a preencher a opção, muito possivelmente, teria optado pelo outro curso, ou seja, pela magistratura do Ministério Público. É um daqueles casos em que se pode trazer à colação o adágio popular do “escreve Deus direito por linhas tortas”. Findo o estágio (em Lisboa), fui colocado no Tribunal de Instrução Criminal de Sintra e no de Loures em acumulação – era obra. Nesse período (pouco mais de um ano, após aquele em que fui colocado na Comarca de Idanha-a-Nova, onde permaneci também pouco mais de um ano), havendo detidos ainda na sexta-feira (o que acontecia com alguma frequência), tinha que ir ao tribunal ao sábado, para proceder ao interrogatório dos detidos. Neste contexto, sucedia que, residindo em Lisboa, acabava muitas vezes por me deslocar de comboio. Comprava um jornal no qual já vinha a notícia do crime e acabava amiúde por verificar que a história do jornal pouco tinha a ver com a história real. Após Idanha-a-Nova, de onde tinha que ser movimentado por se tratar de comarca de ingresso, fui colocado em Vila Real de Santo António. Foi nesse contexto que, volvidos cinco anos, acabei por assumir as funções de juiz de círculo do então círculo judicial de Faro, funções que exerci durante quase nove anos, até vir para esta Relação, em 1999, primeiro como auxiliar e depois como desembargador efetivo. E foi nesse período, do círculo judicial, que tive um especial contacto com os solicitadores ao integrar, por duas vezes, na qualidade de Presidente, o Grupo Orientador de Estágio para Solicitadores, ministrando as disciplinas de Direito Civil, Direito Penal, Processo Civil e Processo Penal e presidindo aos exames orais dos candidatos. Como é o seu dia a dia desde que se tornou presidente desta instituição? Confesso que se trata de um cargo que nunca fez parte das minhas ambições pessoais. Tratou-se de uma hipótese que, até pouco antes, nunca me havia passado pela cabeça. Tendo cessado o mandato do anterior Presidente, Senhor Conselheiro Dr. Joaquim Chambel, fui instado por alguns colegas a assumir a minha candidatura e só ao fim de algum tempo de reflexão é que acabei por aceitar o repto. Como presidente, para além de reuniões e eventos nos quais marco presença, tenho a meu cargo a gestão do tribunal, que passa pelos mais diversos assuntos: a gestão decorrente

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da autonomia financeira dos Tribunais da Relação, as justificações de faltas dos senhores desembargadores e dos senhores juízes de direito da nossa circunscrição judicial (que engloba todas as comarcas do Algarve, Alentejo, Santarém e Setúbal), a colocação dos desembargadores nas diversas secções, as reduções de distribuição por motivos de doença, etc. E isto para além da competência para decidir reclamações, conflitos de competência, suspeições e escusas. Quais as especificidades desta região no que à Justiça diz respeito? E deste Tribunal da Relação? Em resultado das alterações decorrentes da recente reforma do mapa judiciário, a Relação de Évora viu a sua área de jurisdição particularmente alargada. Isto na medida em que, para além da área que já anteriormente lhe pertencia (todo o Algarve, todo o Alentejo e partes dos distritos de Setúbal e de Santarém), passou a contar com a área das antigas comarcas de Sesimbra e Benavente (que antes pertenciam à Relação de Lisboa), e das antigas comarcas de Alcanena, Torres Novas, Rio Maior, Ourém, Tomar e Ferreira do Zêzere (que antes pertenciam à Relação de Coimbra). E, no confronto com as demais Relações, temos vindo a defender que essa ampliação de jurisdição não tem sido gerida, em termos de meios humanos, da forma mais adequada. Isto sendo ainda certo que, mercê da grande dispersão territorial (quase metade de Portugal Continental), é enorme a variedade de questões suscitadas nos recursos, sujeitas a apreciação nesta Relação. Mas sabemos que, no fundo, hoje em dia, se trata de um problema que vai atingindo todas as Relações – sendo a nosso ver evidente, em termos gerais a insuficiência de juízes desembargadores. É grande a sobrecarga de trabalho – sobrecarga essa que tem muito a ver e se tem vindo a acentuar com o que poderemos chamar de abuso da impugnação da matéria de facto, impugnação essa que implica o dispêndio de muitas horas de trabalho. E dizemos abuso porque, conforme se tem vindo a constatar, numa grande parte das situações, a impugnação da


ENTREVISTA COM ACÁCIO LUÍS JESUS DAS NEVES

“O verdadeiro papel de juiz tem que assentar, antes de mais, na imparcialidade e isenção: nesse âmbito, o juiz tem que ser equidistante das partes e dos interesses em causa no âmbito do litígio que lhe compete dirimir.”

matéria de facto acaba ser rejeitada (por falta dos respetivos requisitos) ou julgada improcedente. O acesso à Justiça está garantido em Portugal? Em teoria, essa garantia existe, uma vez que o nosso sistema jurídico, através do apoio judiciário, seja na modalidade de nomeação de patrono, seja através da isenção ou redução do pagamento de taxa de justiça, acaba por permitir a todos a possibilidade de recorrerem à Justiça. Mas outra coisa é a realidade, que é resultante de determinadas contingências, que são, de resto, comuns a todas as sociedades e que fazem com que nem todos os que acedem à Justiça estejam em plena igualdade de armas. Isto, por exemplo, porque os mais poderosos, ou seja, as pessoas (sejam elas individuais ou coletivas) com mais meios económicos, sempre poderão pagar a advogados tecnicamente melhor apetrechados. E, para haver melhor acesso à justiça e, concomitantemente, melhor justiça, também era fundamental que tivéssemos melhores leis. Isto porque, quanto mais difíceis de interpretar forem as leis, mais desfavorecidos ficam os mais fracos (que têm que recorrer ao apoio judiciário ou a advogados com menor tarimba). E o certo é que vimos assistindo amiúde a uma exagerada proliferação legislativa – sem que haja o cuidado de se legislar pouco (apenas o que for efetivamente necessário) e bem.

E qual considera ser o perfil ideal para se assumir o papel de juiz? O verdadeiro papel de juiz tem que assentar, antes de mais, na imparcialidade e isenção: neste âmbito, o juiz tem que ser equidistante das partes e dos interesses em causa no âmbito do litígio que lhe compete dirimir. Se se apercebe da existência de razões concretas e objetivas que sejam suscetíveis de colocar em causa a sua imparcialidade, deve ser ele próprio a pedir escusa. Depois, tem que assentar na competência (tem que conhecer e saber interpretar a lei) e num outro condimento que é fundamental: o bom senso. Como costumava dizer o Senhor Conselheiro Álvaro Laborinho Lúcio, um bom magistrado tem que ter quatro qualidades: bom senso, bom senso, bom senso e, também, saber um pouco de direito. Mas, para além de tudo isso, há um outro elemento que, para mim, não deixa de ser fundamental: o respeito pelos outros. E, quando falo em “outros”, refiro-me não só aos colegas, mas também aos demais agentes judiciários, como sejam os senhores advogados e solicitadores, e bem assim às testemunhas e aos arguidos. E falo dos arguidos principalmente porque, até ao trânsito em julgado, se presumem inocentes. E, neste âmbito, nunca poderemos deixar de ter em consideração a velha máxima de que quem quer ser respeitado tem que se dar ao respeito. Observando o tempo que passou: o papel assumido pelos juízes e pelos tribunais tem sofrido alterações? A atualidade pediria mais adaptações? No essencial, o papel dos juízes é sempre o mesmo: conforme o determina a nossa Constituição, administrar a Justiça em nome do povo. Todavia, esse papel será tanto mais relevante quanto melhores forem as condições postas à disposição do juiz. É isso o que se pede: melhores condições. Desde logo, são precisas melhores leis. Basta ver, por exemplo, a quantidade de conflitos de competência que surgem cada vez que há alterações relacionadas com o sistema

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ENTREVISTA COM ACÁCIO LUÍS JESUS DAS NEVES

judiciário. E isto porque, muitas vezes, as normas que implicam a alteração de competências são incompletas e confusas, de difícil interpretação. Era fundamental que os códigos, sobretudo os códigos de processo, fossem mais simplificados e que fossem alterados de forma adequada (sem ser por meio de leis avulsas, conforme sucede amiúde) e apenas quando tal se justifique. Sucede que, no meio da grande proliferação legislativa a que vimos assistindo, é muitas vezes complicado (para todos, juízes, advogados, solicitadores, etc.) saber o que é que está em vigor ou qual o regime a aplicar, quando está em causa a aplicação da lei no tempo. Para além disso, é importante que os tribunais disponham de adequados meios humanos, técnicos, etc. A cooperação entre profissionais e instituições passou de desejável a obrigatória? Que a cooperação entre instituições e agentes do judiciário é fundamental, quiçá cada vez mais fundamental, disso não tenho a menor dúvida. Aliás o princípio da cooperação é um princípio que está hoje em dia consagrado, de forma clara, nos nossos códigos de processo. E trata-se de um princípio que assenta no respeito a que acima fiz referência. Todos têm que perceber que a boa administração da Justiça precisa de todos os agentes que nela intervêm, sendo certo que cada um tem que desempenhar a sua função: o advogado e o solicitador defendem os interesses da parte que representam e o juiz decide. E, enquanto as partes (e aqueles que os representam), precisam que o juiz decida e bem. O juiz, para decidir e decidir bem, precisa que aqueles exponham e defendam, de preferência bem, as razões dos seus constituintes. Cada um deles precisa de conhecer e respeitar o papel do outro. Qual é, na sua opinião, o papel reservado a solicitadores e a agentes de execução? Relativamente aos agentes de execução, (…) não há dúvida que a sua intervenção, em áreas específicas, com sejam as execuções, será da maior importância para a boa administração da Justiça. Quanto aos solicitadores, (…) tive a oportunidade de com eles trabalhar ao nível da primeira instância, tratando-se de agentes que, mercê dos seus conhecimentos técnicos e experiência, podem e devem completar ou mesmo colmatar (dentro dos limites estabelecidos na lei) o papel dos advogados no âmbito da defesa dos interesses das partes. O seu papel é e não pode deixar de ser de grande relevância para a administração da justiça. Na sua opinião, como é olhada a Justiça pelo cidadão português? É difícil explicar em que medida o tempo da Justiça é diferente, por exemplo, do tempo da comunicação social? Como é do conhecimento público, e resulta de sondagens e opiniões divulgadas amiúde na comunicação social, uma parte significativa dos portugueses tem uma ideia negativa do

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funcionamento da justiça e dos juízes. Todavia, não deixa de ser curioso que, nos termos de uma sondagem cujos resultados foram há uns tempos dados a conhecer, a grande maioria dos que têm uma opinião negativa da Justiça nunca teve intervenção em processos judiciais. Todos sabemos que não é fácil julgar e que a Justiça é, por natureza (em todos os tempos e em todos os países), de difícil execução. Desde logo pela própria natureza das coisas: um processo tem sempre subjacente um conflito de interesses. Ora, por norma, por mais justa que seja a decisão, há sempre uma parte que fica insatisfeita. Além disso, a justiça é aplicada por pessoas que, como tal, não são perfeitas, sendo que a aplicação da lei ao caso concreto envolve, por norma, uma natural margem de subjetividade e de discricionariedade (que não arbitrariedade). Ora, é precisamente por isso que existem os recursos, os quais visam a reapreciação das decisões tomadas pelo tribunal inferior. Por outro lado, penso que, muitas vezes, as decisões judiciais acabam por ser objeto de censura pelo facto de não serem devidamente compreendidas ou explicadas. Por vezes, quiçá, por razões imputáveis ao julgador, que tem o dever de, através da adequada fundamentação, convencer as partes da justeza da decisão. Mas, noutras, pela forma, errada ou insuficiente, como são dadas a conhecer as notícias. Por vezes, os profissionais da comunicação social não têm a preparação técnica adequada que lhes permita noticiar e comentar de forma adequada os dados relativos a determinadas decisões judiciais. Contudo, é importante que as pessoas tenham conhecimento das decisões proferidas nos tribunais, até por razões relacionadas com a prevenção geral – sendo certo que, nesta era do aumento exponencial das formas de comunicar e da globalização, é de todo importante que esse conhecimento seja transmitido de forma clara e cristalina. E, para isso, é importante que haja uma boa e leal colaboração entre os agentes da comunicação social e os elementos do judiciário. Na sua perspetiva, é urgente investir numa maior proximidade e numa maior capacidade de comunicação? O que representa a tecnologia nesse percurso? Penso que sim, pelas razões acabadas de expor. Quanto à tecnologia, é evidente que os novos meios de comunicação, designadamente aqueles que nos são proporcionados pela internet, podem e devem ser utilizados para permitir uma maior colaboração e, por consequência, uma melhor informação. Aos olhos do Presidente do Tribunal da Relação de Évora, por onde passa o futuro da Justiça nesta cidade e no país? Penso que o futuro da Justiça passa pela criação de melhores leis, que sejam simples e claras, por melhores meios, humanos e materiais, por melhor colaboração entre todos e pelo empenho de todos os intervenientes na administração da Justiça. Com esses condimentos teremos, sem dúvida, uma melhor Justiça e, sobretudo, uma justiça mais célere. : :


PROFISSÃO

OS IMPOSTOS… IMPOSTOS AOS AGENTES JUDICIÁRIOS! Por Fernando Rodrigues, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Solicitador e Agente de Execução

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uma sociedade que se deseja justa, os impostos serviriam para harmonizar – face aos rendimentos, à riqueza e à capacidade de consumo – a participação das pessoas na despesa de funcionamento do Estado e nos custos para garantir serviços básicos (saúde, ensino, segurança e justiça) a todos, bem como auxiliar na integração social de cidadãos carenciados (formação profissional, habitação e alimentação) que, por si próprios, não a consigam garantir. Apesar de utópico, sempre se espera que o esforço tributário seja proporcional à capacidade de cada cidadão para gerar receitas e, sobretudo, que seja bem aplicado e não interfira na livre concorrência entre contribuintes. É incompreensível que os serviços do Estado – utilizando recursos de todos – prestados a alguns dos cidadãos que a eles recorrem, cobrem uma tarifa isenta de IVA, em detrimento dos mesmos serviços prestados por profissionais liberais – sujeitos a IVA – a quem o Estado confiou funções análogas. Estes, para acompanharem o preço final dos serviços públicos, têm de reduzir 18,7% aos seus honorários ou “obrigar” o cliente a pagar mais 23% do que teria de suportar se aos serviços públicos recorresse. Obviamente que a tendência é para acompanhar os preços do Estado, reduzindo os Solicitadores os honorários, não obstante terem de suportar todos os custos de investimento e funcionamento sem recurso anual ao Orçamento Geral do Estado para se financiarem. Os serviços jurídicos de utilidade pública – só assim se justifica que o próprio Estado os assegure – prestados por solicitadores, agentes de execução (A.E.), advogados, administradores judiciais e notários não deveriam ser afetados pela concorrência do próprio Estado, na proporção do IVA a cobrar aos seus clientes, quando comparados com os utentes do serviço público que os isenta daquele imposto. A exemplo do que se passa com os serviços de saúde, deveriam os próprios serviços ser isentos de IVA,

independentemente de quem os pratica ou quando muito, sujeitá-los à taxa 5%. É notória a falta de adequação fiscal. Veja-se o caso do próprio A.E. que, na ação executiva, contratualiza tacitamente com o exequente – aceitando a sua indicação – sem ver a sua atividade prevista na Tabela do art.º 151.º do CIRS – Anexo I. O A. E. não só declara rendimentos, como emite recibos na plataforma da Autoridade Tributária e Aduaneira, utilizando um C.A.E. que não corresponde à sua atividade. Fá-lo como Solicitador ou Advogado porque é assim que se encontra inscrito o Agente de Execução. Eu, também inscrito como Contabilista Certificado, enganei-me e emiti por uma vez um recibo nessa qualidade, tendo o exequente reclamado a emissão de um outro recibo porque aquele estava errado – e, estava, lapso meu. Assim, emiti um outro recibo da função de A.E., na qualidade de Solicitador!... Curioso é também o facto de aos Agentes de Execução ser frequentemente pedida a emissão/substituição de recibos a favor de entidades não intervenientes no processo – por alegada aquisição do crédito, sem habilitação nos autos – com as quais os A. E. nunca contratualizaram a prestação dos seus serviços. Estranha é também a recusa de alguns exequentes receberem a fatura/recibo emitida em seu nome por não terem pago os honorários diretamente ao A. E. – saíram precípuos do pagamento ou do produto da penhora ou venda –, informando que os devem emitir aos próprios executados. Como se os executados alguma vez tivessem contratado os serviços do Agente de Execução – tomaram eles nunca nos verem pela frente! De facto, os contabilistas dos exequentes muito bem saberão o modo de contabilizar quer o encargo com o A. E. contratado, quer o proveito pela sua recuperação. Aguardemos pelo dia em que nos possamos concentrar no essencial, isto é, na recuperação da dívida e não na resolução de questões fiscais não resolvidas! : :

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OSAE

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ENTREVISTA

“Não basta acompanhar, queremos continuar a ser pioneiros”

PAULO TEIXEIRA 1.º VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO GERAL DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO E DIRETOR DO INSTITUTO DE FORMAÇÃO BOTTO MACHADO

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

Na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução ganhou forma o Instituto de Formação Botto Machado. Esta homenagem sentida a um solicitador que participou na elaboração da primeira Constituição Republicana traz uma missão com os olhos postos no futuro: fazer mais, melhor e diferente. Na visão de Paulo Teixeira, 1.º Vice-Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, o passado, habitado por personalidades como a que empresta o nome ao Instituto que dirige, só pode inspirar um futuro em que, sem fronteiras nem medos de partilhar, “inovar” seja a palavra de ordem.

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ENTREVISTA COM PAULO TEIXEIRA

“A formação sempre constituiu uma preocupação da Ordem. Aliás, não só por ser uma imposição estatutária, mas para que todos possamos estar cada vez melhor preparados para servir a Justiça e os cidadãos. A verdade é que não é pela circunstância de ter passado a ser obrigatória, com a passagem a Ordem, que aconteceu um aumento do investimento nesta área. Foi sempre uma prioridade.”

Como é que surge a ideia da criação do Instituto de Formação Botto Machado? Este instituto resulta da necessidade da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) congregar, a nível nacional, os seus esforços formativos. Isto já acontecia antes do próprio instituto ser criado, através da Comissão Nacional de Formação. A verdade é que nós pretendemos que este Instituto não tenha uma vocação exclusiva para atividades formativas dentro da própria OSAE. Aliás, um dos propósitos passa também por estar direcionada para o exterior. E a designação de Instituto de Formação transmite, desde logo, uma mensagem mais explícita para fora. A nomenclatura em causa permite uma maior identificação no seio das entidades que ministram formação. E qual a origem do nome? Começou por ser Instituto de Formação da OSAE. Não obstante, ao longo destes últimos anos a Ordem tem vindo a destacar e a homenagear alguns colegas que marcaram a nossa profissão, assim como a sociedade portuguesa. Conseguimos, desta forma, prestar a devida homenagem a um brilhante cidadão nacional, que lutou pela implantação da República e, além do mais, era um reconhecido Solicitador. No que diz respeito à evolução da formação ministrada pela Ordem, como é que podemos descrever esse processo? É um processo em permanente evolução. A formação sempre constituiu uma preocupação da Ordem. Aliás, não só por ser uma imposição estatutária, mas para que todos possamos estar cada vez melhor preparados para servir a Justiça e os

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cidadãos. A verdade é que não é pela circunstância de ter passado a ser obrigatória, com a passagem a Ordem, que aconteceu um aumento do investimento nesta área. Foi sempre uma prioridade. Neste momento, a evolução passará por procurar garantir formação também destinada a outros profissionais ligados ao direito, proporcionando assim momentos de partilha. Ainda há bem pouco tempo, numa formação ligada à venda executiva, que poderia ter exclusivamente agentes de execução como destinatários, teve inscrições de magistrados, revisores oficiais de contas, leiloeiras, etc. Aliás, esta formação que teve lugar em Lisboa e no Porto, também terá uma edição em Coimbra. A evolução nesta área tem sido efetivamente exponencial, ao ponto de ser comum ouvir-se falar em excesso de oferta formativa, com dificuldade na escolha, ao invés da falta de formação de outrora. A transversalidade da formação também é um objetivo deste instituto? Concordo em absoluto, desde logo porque o exercício da atividade dos Solicitadores e dos Agentes de Execução passa por isso mesmo: por uma transversalidade e uma interdisciplinaridade daquilo que são as matérias relacionadas com o exercício da profissão. Essa consciência pressupõe que não tenhamos só a necessidade de formar nas áreas diretamente associadas, mas também noutras áreas que sejam importantes para os nossos colegas ou para outras profissões. Criando-se espaços de partilha, é possível acrescentar algo mais a estas formações? Como já tive oportunidade de referir, a partilha de conhecimentos, tanto teóricos, como empíricos, por parte dos vários


operadores judiciários e bem assim com outras áreas e profissionais, é imprescindível para uma visão global e interligada do exercício de uma atividade profissional. A descentralização também continua a ser uma preocupação? Sim, é uma grande preocupação. O propósito da OSAE passa por descentralizar a formação. Só mesmo questões de natureza logística e de gestão de recursos poderão justificar não levar a oferta formativa presencial a todos os pontos do país. O tempo tem trazido novos desafios e exigências para a formação. Sente que a forma como é encarada, por formadores e formandos, também tem mudado? É crescente a consciência da indispensabilidade da formação técnica e deontológica. A formação inicial, seja a que resulta da licenciatura em Solicitadoria ou em Direito, não tem – nem deverá ter – como propósito estrutural o exercício de uma atividade profissional, mas sim a construção de quadros mentais adequados e à preparação para estudo autónomo. O propósito da formação da OSAE, quer no estágio, quer a que é ministrada continuadamente, é diferente da académica e está consubstanciada na preparação para o exercício da atividade profissional. Podemos dizer que competir com a velocidade do tempo é uma meta permanente? Tenho defendido um objetivo traçado para os próximos anos, o qual consiste no reconhecimento da OSAE como entidade não só preocupada em preparar os seus associados em matérias tidas por tradicionais, mas igualmente pelo seu propósito inovador, abrindo caminho para o alargamento da intervenção dos associados. Para além da formação continua, pretendemos criar um centro de investigação e parceria com Instituições de ensino superior. Pretende-se criar pontes? Já se mostra em curso a celebração de novos protocolos com instituições de ensino superior, mas igualmente com entidades estatais, tais como o Centro de Estudos Judiciários, a Autoridade Tributária, o Instituto dos Registos e do Notariado, etc. Ao garantir formação, poderemos dizer que a OSAE, através do Instituto de Formação Botto Machado, estará a oferecer mais garantias aos cidadãos que recorrem aos profissionais? Seguramente. Do Estatuto resulta que uma das obrigações da OSAE é auxiliar na administração da Justiça. Temos conseguido, e com sucesso notório, encontrar soluções e ferramentas que não existiam para prestar um serviço ainda melhor ao cidadão. Isto está no PEPEX, no GeoPredial, etc. Não basta acompanhar, queremos continuar a ser pioneiros, criadores do que julgamos poder constituir a prática de atos que melhor sirvam a tutela dos direitos e interesses dos cidadãos, fim primordial da existência da OSAE. : :

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PROFISSÃO

AUTOS DE CONSTATAÇÃO ELEMENTOS COMPLEMENTARES Por Alexandra Ferreira, Tesoureira do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Solicitadora e Agente de Execução

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os autos de constatação pretende-se lavrar, em auto, um qualquer facto ou acontecimento. Complementar a informação do que se descreve com o recurso a instrumentos e às novas tecnologias poderá ser um elemento diferenciador e decisivo para o impulso dos autos de constatação realizados por profissionais, os solicitadores. São incontáveis as formas de enriquecer o auto de constatação. Desde a utilização da imagem, recorrendo a vários métodos de captação (Drones, Action Câmaras, Câmaras 3D), à utilização de equipamentos de medição (ruído, humidade, distâncias), equipamentos de localização (georreferenciação, GPS) até equipamentos de armazenamento de informação, impressão e som (computadores, impressoras e gravadores). Todos os dados recolhidos pelos diversos instrumentos devem ser lançados de forma objetiva nos autos de constatação. Não compete ao solicitador interpretar ou analisar os dados, apenas constatá-los. Quanto aos aparelhos: estes estão ao alcance de todos, a preços acessíveis e de fácil manuseamento. É claro que seria importante a disponibilização de uma ferramenta que nos permitisse armazenar e utilizar toda a informação que obtemos com estes recursos. Não só para consulta, mas também para posterior utilização. O cliente que nos pede um auto de constatação para verificação de um imóvel poderá, certo dia, pedir uma medição. Esta poderá ser facilmente obtida com recurso, por exemplo, à própria imagem. A georreferenciação e imagem de um determinado terreno poderão servir para simular uma construção. Depende de todos nós, solicitadores, a aquisição destas competências, o seu desenvolvimento e implementação. Passo a indicar alguns exemplos práticos de utilização e os equipamentos que podem servir como elementos complementares nos autos de constatação.

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LOCALIZAR, DEMARCAR E CAPTAR UM DETERMINADO ESPAÇO – Dependendo da situação em concreto, poderemos necessitar de diferentes níveis de precisão. Com o nosso smartphone podemos obter coordenadas de baixa precisão e recorrer a aplicações gratuitas que fornecem as coordenadas do local onde nos encontramos. Já o GNSS de alta precisão, ferramenta utilizada no GeoPredial, garante níveis de precisão na ordem dos 10 cm, permitindo a fixação de coordenadas de um marco e a demarcação de propriedades. – Sistema global de navegação por satélite que oferece um posicionamento geo-espacial autónomo com cobertura global. CAPTAÇÃO DE IMAGEM – A recolha do vídeo pode ser muito útil. Neste momento, temos um leque variado de métodos de captação de imagem. Podemos captar imagem recorrendo ao nosso telemóvel. Contudo, é claro que a resolução depende do equipamento e do seu custo. A utilização do Drone para obtenção de imagens aéreas permite um enquadramento completamente diferente, designadamente no que toca a locais inacessíveis. Hoje, é possível, a preços razoáveis, adquirir drones com grande precisão e qualidade. Os ortofotomapas são exemplos de imagens compostas a partir de inúmeras fotos, obtidas com um drone. Estes permitem uma visão proporcional e corrigida de uma determinada área, possibilitando o cálculo de distâncias e de áreas. Existem inúmeros drones multirrotor com preços a partir dos 500,00€. ACTION CAMERAS OU CÂMARAS DE AÇÃO – Estas são diferentes de qualquer outra câmara, pois foram projetadas para o movimento/ação. Pequenas, resistentes e simples de operar, com uma lente que captura o mundo em vídeo de alta definição. Existem várias marcas e modelos com preços a partir de 50,00€. ESTABILIZADORES DE IMAGEM OU GIMBAL – Tratam-se de equipamentos que permitem fixar o aparelho, eliminando o movimento.

GNSS

DRONE

CÂMARA DE AÇÃO

GIMBAL

CÂMARAS 3D – É uma câmara que permite capturar, simultaneamente, duas imagens ligeiramente distantes uma das outra, de maneira a simular a visão binocular humana. Tal possibilitará que as imagens sejam combinadas ou apresentadas com um efeito tridimensional. CAPTAÇÃO DE IMAGEM TÉRMICA – Pode ser extremamente útil para posterior análise por técnicos especializados, particularmente quando se verificam infiltrações, danos por água, condensações, pontes térmicas ou, até mesmo, curtos-circuitos Câmaras Térmicas – São dispositivos optoeletrónicos destinados a processar imagens na faixa de radiações infravermelhas do espectro eletromagnético e convertê-las de forma sistemática à faixa visível do espectro, permitindo que os seres humanos observem (literalmente) as imagens térmicas geradas pelos corpos em temperaturas próximas às do ambiente. MEDIÇÃO DE DISTÂNCIAS – A obtenção de medidas diretas pode ser necessária em várias circunstâncias.

CÂMARA 3D

CÂMARA TÉRMICA

DISTANCIÓMETRO

DOSÍMETRO DE RUÍDO

Distanciómetro – Trata-se de um instrumento destinado a medir distâncias com precisão, a partir do dispositivo até ao ponto para o qual se está a apontar. Existem dois tipos de acordo com o método de medição: ultra sónico e a laser. O primeiro utiliza ultra-sons para calcular a distância o segundo um raio laser visível. MEDIÇÃO DO RUÍDO – Podemos pretender quantificar os níveis do ruído, designadamente quando em causa está um contrato celebrado partindo de pressupostos errados, como é o caso de uma compra de um pacote de férias para um destino sossegado onde, afinal, estão a decorrer obras. Dosímetro de ruído – Este dispositivo tem como função medir a exposição de um indivíduo ao ruído durante um período de tempo. : :

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AQUI CONSTROEM-SE PONTES SÓLIDAS COM TODAS AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR QUE GARANTEM A FORMAÇÃO DAQUELES QUE PODERÃO DEPOIS ABRAÇAR AS PROFISSÕES DE SOLICITADOR OU DE AGENTE DE EXECUÇÃO. NESTE ESPAÇO CHEIO DE ESPÍRITO ACADÉMICO, O QUAL IRÁ PERCORRER PORTUGAL E CONTINUAR A MARCAR PRESENÇA NAS PRÓXIMAS EDIÇÕES, CONTAM-SE OS DESAFIOS, AS CONQUISTAS, AS ASPIRAÇÕES, A “PERSONALIDADE” DE CADA UM DESTES CURSOS.

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

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ENSINO SUPERIOR

“A internacionalização é uma prioridade e tem crescido muito nos últimos anos”

LUÍS MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

Existe uma ligação entre o que acontece no mundo da Justiça e as mudanças que têm vindo a ocorrer no curso de Direito? A formação adotada aqui na faculdade é de banda larga. Ou seja, que permite aos estudantes adquirirem conhecimentos nas principais áreas do Direito para poderem resolver com segurança os diferentes desafios que irão encontrar no futuro. Não temos uma banda estreita a apontar para uma área específica do Direito, mas, pelo contrário, o plano de curso abre-se mesmo a outras áreas disciplinares, como a Economia, o que é uma mais-valia para os nossos estudantes, permitindo-lhes lidar com mais facilidade com um mundo jurídico em mudança permanente. Para além disso, necessariamente, todas as alterações legislativas, desenvolvimentos jurisprudenciais e progressos científicos são incorporadas no ensino aqui ministrado. Podemos dizer que um dos aspetos diferenciadores deste curso está relacionado com essa abrangência? Sim, nós damos a estrutura essencial das diversas áreas jurídicas. Isto permite aos estudantes bases para trabalharem com mais segurança em diferentes áreas do Direito. As relações além-fronteiras também representam uma aposta da Faculdade de Direito da Universidade do Porto? Sem dúvida. Aliás, é essencial para a Faculdade. Temos um conjunto muito amplo de relações internacionais. Desde logo, o programa Erasmus, uma relação próxima com o Brasil, de onde recebemos muitos estudantes, bem como acordos com universidades da África lusófona, de Macau e de Timor, diversas universidades europeias e da América do norte. Todos os anos tem havido um aumento do número de docentes que se deslocam para apresentar papers em congressos ou conferências e de forma inversa o número de eventos internacionais organizados pela faculdade é muito elevado. A internacionalização é uma prioridade e tem crescido muito nos últimos anos.

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

“A Faculdade dá, com um grande nível de exigência e rigor, a estrutura e os quadros jurídicos essenciais que permitem aos estudantes desenvolverem a sua atividade no mercado de trabalho com sucesso.” E a procura da Faculdade tem vindo a crescer? Para 155 vagas de Direito, com uma nota de entrada do estudante classificado em último lugar de 17 valores – elevadíssima –, tivemos uma procura de 1260 estudantes. São quase 10 alunos para cada vaga. O mesmo sucede na licenciatura em Criminologia, com uma média de classificação do último estudante de 16,4, e uma ratio de procura semelhante à de Direito. Também nos mestrados, tanto em Direito como em Criminologia, o número de estudantes que concorrem continua a ser também muito elevada e tem aumentado nos últimos anos. Considera que a ponte com o mercado de trabalho tem vindo a estreitar-se? Como referi, a Faculdade dá, com um grande nível de exigência e rigor, a estrutura e os quadros jurídicos essenciais que permitem aos estudantes desenvolverem a sua atividade no mercado de trabalho com sucesso. E as excelentes informações que constantemente nos chegam da qualidade com que os nossos alumni desenvolvem as diferentes profissões jurídicas, desde a advocacia à magistratura, passando por todas as outras, é prova de que estamos num bom caminho. A elevada competência técnica é um trunfo decisivo no mercado.

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E as profissões de Solicitador e de Agente de Execução são possibilidades ponderadas para o futuro pelos estudantes que passam por aqui? Claro que sim. São profissões jurídicas muito interessantes. Seguramente, alguns dos estudantes que passam pelos bancos desta faculdade enveredam por esse caminho. Os últimos anos ficaram marcados por um contexto de crise económica que também afetou o ensino superior. Este cenário trouxe novas responsabilidades para quem dirige estas instituições? O quadro normativo vigente densificou-se, tendo com ele trazido um aumento avassalador do peso burocrático sobre quem dirige uma instituição de ensino superior, o que torna o exercício destas funções um desafio cada vez mais difícil e exigente. Como poderemos antever os próximos anos? Temos uma visão muito otimista, mas alicerçada na realidade. Como tenho vindo a sublinhar, os nossos estudantes têm tido excelentes resultados no mercado de trabalho e há um elemento de prestígio no facto de serem licenciados desta faculdade. É amplamente reconhecido que os alumni desta Casa estão preparados do ponto de vista técnico e científico, sendo ao mesmo tempo pessoas trabalhadoras, determinadas e habituadas a trabalho autónomo – algo que, aliás, muito incentivamos. Por outro lado, a produção científica dos nossos docentes tanto nacional como internacional tem vindo a crescer, e seguramente continuará assim. A internacionalização está assente em bases sólidas e irá, todos os dados apontam nesse sentido, intensificar-se. Destacava ainda o nosso Centro de Investigação Jurídico-Económica (CIJE), que tem tido um grande dinamismo, assim como o recém-criado Centro de Investigação Interdisciplinar sobre Crime, Justiça e Segurança (CJS). : :


OSAE

INFORMAÇÃO JURÍDICA GRATUITA:

UM SERVIÇO PARA SI Por Rute Baptista Pato, 1.ª Secretária do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e Solicitadora

O que é? O serviço “Informação Jurídica Gratuita” da OSAE visa permitir, aos cidadãos mais carenciados, o acesso ao direito de uma forma célere e sem grandes burocracias, possibilitando o atendimento por parte de um Solicitador que irá analisar e procurar esclarecer a dúvida ou encaminhar aquele cidadão para o serviço, entidade ou profissional mais adequado para resolver o seu problema. A quem se destina? Mediante a análise prévia de cada pedido, podem beneficiar deste serviço as pessoas singulares cujo agregado familiar tenha um rendimento mensal per capita inferior ao salário mínimo mensal. Porquê? Este serviço tem uma natureza social, já que, enquanto Associação de Direito Público, a OSAE tem em vista a defesa e a salvaguarda do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos, querendo portanto assumir a sua responsabilidade social na prossecução destes objetivos, através da prestação deste serviço jurídico gratuito, ressalvando-se, contudo, que este projeto só é possível com a colaboração incondicional dos seus associados que, desde a primeira hora, aderiram à proposta que lhes foi apresentada de, voluntariamente, contribuírem com o seu tempo e com o seu conhecimento para ajudar os cidadãos economicamente mais desfavorecidos a encontrar respostas para o sem número de questões jurídicas com que são confrontados diariamente. Importa ainda sublinhar que o solicitador é um profissional liberal que, exercendo as mais variadas competências jurídicas, está habilitado a prestar aconselhamento em diversas áreas, designadamente em direito civil, comercial, societário, laboral, administrativo, fiscal, contraordenacional, registal e notarial.

Como é que funciona? Nesta primeira fase, o atendimento ocorrerá com uma periodicidade mensal, em Lisboa e no Porto, nas instalações da OSAE existentes nos Palácios da Justiça destas cidades, devendo o cidadão interessado proceder à sua inscrição diretamente no portal da OSAE, nos Conselhos Regionais da OSAE de Lisboa ou do Porto ou, ainda, através de um parceiro social, estando a OSAE a celebrar protocolos com várias entidades ligadas à Ação Social de Lisboa e do Porto. Quais são as perspetivas? Este é um projeto de voluntariado que, para além de se basear exclusivamente nas estruturas da OSAE e no espírito de missão dos seus associados, depende, essencialmente, da adesão do público, da procura dos cidadãos. Naturalmente que, para garantia do sucesso do projeto, será fundamental o envolvimento dos Parceiros Sociais que começam agora a tomar contacto com a iniciativa e a divulgá-la junto dos potenciais interessados. Sendo a adesão positiva e mantendo-se a vontade da OSAE e dos seus associados, gostaríamos que o serviço fosse rapidamente alargado, numa segunda fase, a Coimbra e a outras áreas do País onde se verifica uma maior carência e onde pudesse ser possível, aos colegas, a prestação de apoio. De qualquer forma e embora conscientes da caminhada, acreditamos que este serviço poderá ajudar a colmatar as dificuldades que algumas pessoas têm em aceder ao direito. Assim, o mérito desta iniciativa só poderá ser avaliado dentro de algum tempo. Todavia, aquilo que temos como certo é que, se conseguirmos com este serviço ajudar alguns cidadãos, já teremos o nosso principal objetivo alcançado. Aliás, um objetivo reforçado na sua génese pela quantidade de colegas unidos por esta causa. : :

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REPORTAGEM

OCEANÁRIO Onde os oceanos estão à beira rio DE LISBOA Difícil seria imaginar um mergulho, até ao fundo do oceano, sem que a pele o sentisse. Seria difícil até ao dia da primeira visita. A pele não fica molhada nem salgada, é certo. Mas o arrepio toma conta de quem, entrando, acaba saindo e mergulhando. No fundo do mar há vida que, entre feixes de luz, irradia novas cores. No Oceanário de Lisboa, mesmo junto ao Tejo, guardam-se os mares e parte da alma portuguesa que navega entre ondas e marés, tempos e eras. Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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homem foi à Lua e só muito recentemente conseguiu ir ao ponto mais profundo dos oceanos. Sabemos mais sobre a superfície da Lua do que sobre as profundezas do oceano”. Nuno Vasco Rodrigues é assistente de curador do Oceanário de Lisboa. Bem sabe que todos os dias algo de novo se descobre neste cenário que não se esgota à superfície. Também o seu dia a dia é feito de descobertas a cada momento. “O Oceanário acaba por ser a porta de entrada para um mundo ainda desconhecido para muitos. Apesar de existir uma ligação histórica ao mar, ainda desconhecemos muito sobre o mundo marinho.” Percorrem-se os oceanos. Atlântico Norte, Antártico, Pacífico temperado e Índico tropical. Todos tão únicos. São 7.500.000 litros de água salgada e 500 espécies diferentes. “Esta viagem permite aos visitantes compreenderem a diversidade de habitats e organismos que podem encontrar pelo planeta fora.” A manutenção desse habitat é uma das prioridades. Os animais têm que se sentir em casa. “Temos animais com requisitos diferentes e muito distintos. Desde animais com águas mais frias ou mais quentes. Todos os dias, em cada aquário, é recolhida uma amostra da água e são feitos variados testes. Na zona tropical a humidade do ar é importante, por exemplo. No que diz respeito à alimentação, temos peixes de cadeias tróficas completamente diferentes e com necessidades alimentares completamente distintas. Peixes herbívoros, carnívoros, etc.” Por isso, o dia começa cedo. Limpeza, alimentação… Tudo seguindo as normas de segurança e qualidade. Muito tem que ser feito antes de as portas abrirem e os primeiros visitantes chegarem. “Temos uma preocupação constante com o bem-estar animal.” À superfície, sente-se o sol. Os pinguins-de-magalhães, os papagaios-do-mar e as mediáticas lontras marinhas fazem as delícias de pequenos e graúdos. Mais de 22.000.000 já passaram por cá desde 1998. O tubarão-touro, o tubarão-leopardo, o bacalhau, o dragão-marinho, o caranguejo-gigante-do-Pacífico, o polvo-gigante-do-Pacífico, o peixe-palhaço, a moreia, as mantas, os corais… Os olhos não bastam para guardar o espetáculo que a natureza organiza sem guião nem ensaios. E, de repente, ainda entra o peixe-lua. E há uma estrela do mar colada ao vidro, levando a crer que o céu está tão perto. Imponentes mas delicados. Tão coloridos que, por vezes, se confundem com os corais. Esvoaçantes, deslizam sem esforço e com uma elegância que fascina quem vê sem que quem faz o saiba. Maravilhados e boquiabertos, os pequenos percorrem os vidros com as palmas das suas mãos. Como quem tudo dava para tocar naquele tubarão ou naquele pequeno peixe que faz lembrar um desenho animado. “O Oceanário não representa apenas o que existe aqui à nossa volta, na costa portuguesa. É o símbolo da diversidade do nosso planeta.” Talvez seja por isso que, no Oceanário, todos voltem a sentir aquela curiosidade ingénua que só as crianças conhecem.

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OCEANÁRIO DE LISBOA

Reconhecido por toda essa magia, o Oceanário de Lisboa foi considerado o Melhor Aquário do Mundo pela Travelers’ Choice do TripAdvisor. O Oceanário é a atração número 1 na capital portuguesa, sendo a avaliação global de 4.5 em 5. “Excelente“, “Must see in Lisbon”, “fabuloso”, “Most memorable during my stay in Lisbon”, “sensacional”, “The best aquarium we ever visited” são algumas das reações de quem veio. Perante esta conquista, o orgulho de João Falcato, CEO do Oceanário de Lisboa, talvez não caiba no aquário central. “Estamos muito orgulhosos por recebermos esta distinção. Com visitantes que nos chegam de todo o mundo, este é o verdadeiro reconhecimento de que vale a pena continuar o nosso trabalho em prol da conservação dos Oceanos. A equipa que tenho o privilégio de liderar está realmente de parabéns”, disse aquando da divulgação da distinção.

Nuno Rodrigues: “O Oceanário não representa apenas o que existe aqui à nossa volta, na costa portuguesa. É símbolo da diversidade do nosso planeta.”

E se a porta de entrada pode significar a saída para um outro mundo que, afinal, é parte do nosso, o contrário também acontece. Segundo Nuno Vasco Rodrigues, “espera-se que a porta de saída do Oceanário seja a porta de entrada para uma nova forma de olhar para a Natureza. Há um trabalho muito grande a ser realizado diariamente em prol da conservação das espécies. É fundamental que o que aqui é vivido tenha reflexos nos comportamentos das pessoas”. Já na rua, cruzada então essa porta que leva sempre a algum lugar, uma certeza vem à superfície: o planeta é azul. E, como a esperança não seca, todos, do fundo do mar e do coração, poderemos ver, nesta entrada, a saída para um futuro em que nenhuma espécie se sinta como “um peixe fora de água”. Porque, afinal, o planeta, para além de azul, é de todos. : :

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ORDENS

OS ENSINAMENTOS DA BIOLOGIA Por José António dos Santos Pereira de Matos, Bastonário da Ordem dos Biólogos

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xistem dois conceitos na Biologia cujo entendimento é útil para todos os cidadãos, mas em particular para aqueles que têm poder de decisão, uma vez que são relevantes para o futuro que desejamos para nós e para as gerações vindouras: o conceito do crescimento limitado e o conceito de sustentabilidade. Todos os estudantes de Biologia aprendem, nos seus primeiros anos na Universidade, que não existe um crescimento ilimitado nem um crescimento contínuo. Existem modelos matemáticos que o demonstram, mas é facilmente percetível que o número de indivíduos de uma população de peixes num lago ou de leões numa savana não pode aumentar indefinidamente. O crescimento das populações sofre flutuações e é fortemente condicionado pelo ambiente, sendo a disponibilidade de alimento o exemplo mais óbvio. Contudo, continua a querer-se fazer crer que uma sociedade saudável e próspera é aquela que tem de crescer continuamente, ano após ano; que a “estagnação” é um sinal de que algo está errado e que não há desenvolvimento sem crescimento. Mais uma vez, a biologia ensina-nos as diferenças entre estes dois termos: nós, seres humanos, à semelhança da maioria dos animais, crescemos até uma determinada idade. Mas o nosso crescimento não ocorre a uma taxa contínua (crescemos mais em algumas idades do que noutras) e termina algures no início do estado adulto. Contudo, o nosso desenvolvimento prossegue. Não estanca ao mesmo tempo que o crescimento. Podemos estar em desenvolvimento sem estar a crescer e sem que isso signifique estagnação ou regressão. Por outro lado, o desenvolvimento sustentável, definido como “a forma de satisfazer as nossas necessidades presentes sem comprometer a capacidade das futuras gerações satisfazerem as suas”, é por vezes entendido como um problema puramente ambiental ou estritamente económico. Não só tem que incluir ambas as componentes (económica e ambiental), como ainda tem que ter em conta a componente social. Um plano de negócios baseado na exploração (absolutamente legítima) de recursos naturais, para além de análises que comprovem a sua viabilidade económica e o respeito pelo ambiente, deve ter a adesão das populações, a sua aceitação social, para se assumir como um negócio sustentável. Uma atividade comercialmente rentável e respeitadora do ambiente, mas não aceite pelas populações, será apenas viável. Aquela que respeita o ambiente e é aceite pelas populações, mas que não seja economicamente rentável, será apenas tolerável. E aquela que, sendo aceite pelas populações e dando lucro, não respeite o ambiente, é apenas equitativa. Todavia, só aquelas que cumprirem estes três pilares serão sustentáveis. Para respeitar este triplo suporte das questões sociais, económicas e ambientais é fundamental uma análise técnica e científica por parte daqueles que estão habituados a estudar os seres vivos e as relações entre eles e o ambiente que os rodeia. E esses, os que dominam esse ramo da biologia, são os ecólogos, e não os ecologistas como muitas vezes se quer fazer acreditar. : :

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OSAE

A #OSAE NAS REDES SOCIAIS Texto Cláudia Cruz

Mais de 1 bilião de pessoas no Mundo estão conectadas no ciberespaço, existindo mais de 200 redes sociais. Entre as mais conhecidas estão o Facebook, o Instagram, o Youtube, o Twitter, o LinkedIn, o Google+ e o Myspace. Por rede social entende-se “o conjunto de relações entre pessoas ou organizações que partilham interesses, conhecimentos e valores comuns”1. O seu modo de funcionamento, com uma ou outra variante, é transversal: cria-se um perfil, adicionam-se “amigos”, estabelecem-se ligações, partilha-se informação de si, dos outros, do Mundo. Enquanto novo modelo de auto-organização social, as redes sociais vêm-se encaixando no comportamento humano de forma natural, espontânea, quase automática. Na era das redes sociais, ter presença online é imprescindível. A OSAE acompanha a evolução dos tempos e apresenta-se, desde de junho de 2017, na esfera virtual através da sua página no Facebook. Sem pretender substituir o portal da OSAE (www.osae.pt), enquanto fonte de informação, esta página destina-se a complementar essa missão e a aproximar a OSAE dos seus associados e do público em geral, já que as redes sociais, por serem cada vez mais intuitivas, permitem aos seus utilizadores uma interação social com um alcance, velocidade e intensidade nunca antes possível. Isso mesmo revelam os números associados a esta página, que não para de crescer. À data (12 de outubro de 2017), contam-se 3.452 likes na página, com uma média próxima dos 700 likes na página por mês em cinco meses, 3.511 seguidores e um alcance médio de 4.221 pessoas por publicação.

Seguindo a máxima de, no mínimo, um post diário, contabilizam-se já 196 publicações, apostando-se na diversificação de conteúdos: desde a divulgação de informações úteis para os associados, a cartazes promotores da sua atividade ou vídeos exemplificativos de temáticas tratadas pelos associados, passando pelas fotografias de eventos e reportagens produzidas pela Revista Sollicitare. A 4 de setembro de 2017, foi lançado o canal no YouTube “OSAE.tv” com o intuito de dar maior dinamismo à exposição de questões relacionadas com a profissão. Com este canal veio o programa semanal “Minuto OSAE” e a maior projeção de acontecimentos promovidos pela Ordem. Os princípios que continuarão a orientar a gestão da página poderão ser arrumados em três gavetas principais: proximidade, interatividade e projeção. Por um lado, procurando chegar ao público em geral desta associação pública profissional, por outro, divulgando as valências das profissões e, sobretudo, mantendo os associados informados e munindo-os de ferramentas que contribuam para a divulgação das suas competências e dos seus serviços. E a seguir? O caminho só pode ser em frente. Alargar o alcance da página e das suas publicações, procurar chegar mais longe, dentro e fora do país, abordar novos temas e de formas cada vez mais inovadoras, avançar para outras redes sociais para que todos possam ficar ligados. Tudo em prol da OSAE, dos seus associados e, claro está, dos cidadãos, pelos quais fará sempre sentido criar novos caminhos e, quiçá, novos destinos. : : 1 Dicionário de Língua Portuguesa, 2013, Porto Editora 2 À data de 12 de outubro de 2017

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REPORTAGEM

RECICLAR JÁ FAZ PARTE Texto Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

De velho faz-se novo. Do que não presta nasce o útil. Do que era para deitar fora aparece o que se quer guardar para sempre. Assim é na Extruplás. De pacotes de batatas fritas, embalagens de fiambre e de iogurte, pacotes de manteiga e arroz surge um banco de jardim, uma mesa, uma espreguiçadeira, um vaso. E é uma surpresa para quem, não resistindo à curiosidade, acaba por se aproximar para tocar e perceber se é madeira. Parece, tem aqueles veios aparentemente desenhados pela natureza e a cor em nada desmente essa semelhança. Se a reciclagem fosse magia, aqui aconteceria muita, todos os dias e a toda a hora. “O objetivo sempre foi dar solução aos plásticos e, no nosso caso em concreto, o objetivo foi dar solução aos plásticos mistos. Estes correspondem a uma fração daquilo que colocamos no ecoponto amarelo. Quando reciclamos em nossa casa, são vários os tipos de plásticos que colocamos no lixo. Existem diversas classes que são todas separadas nos sistemas municipais. E o que são plásticos mistos? São plásticos compostos por mais do que um tipo de plástico. É muito complexo de reciclar”, explica Sandra Castro, Diretora Geral da Extruplás. A paisagem fica na memória de quem passa: uma montanha de resíduos que impressiona pelo tamanho e pelas cores. Entre eles, estão os plásticos que darão forma a algo novo. É um processo complexo. Recolhem-se os mesmos em vários sistemas municipais espalhados pelo país e faz-se uma vistoria técnica. “Se a carga estiver conforme, colocamo-la em locais de armazenamento. Depois, é feita uma triagem, pois ainda podem aparecer alguns metais ou vestígios de papel. Posteriormente, passamos para uma secção de trituração e avança para os moinhos. Posto isto, é feita uma mistura e adicionamos o corante. O plástico passa por uma zona de calor, na qual derrete e daí segue para os moldes. No final, o molde arrefece em água e está pronto para ser transformado em peças na nossa carpintaria”. Terminado o processo em que o automatismo faz o seu trabalho, entre máquinas imponentes e com a ajuda da mão humana, entra em ação a criatividade.

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LUÍS VEIGA MARTINS: “NESTE MOMENTO, CONSEGUIMOS RECICLAR CERCA DE 60% DOS RESÍDUOS DE EMBALAGENS. TAMBÉM AS INFRAESTRUTURAS DE RECOLHA EVOLUÍRAM. PORTUGAL CAPACITOU-SE PARA FACILITAR TODA ESTA TAREFA. E NÃO FICA ATRÁS DE OUTROS PAÍSES DA EUROPA”

“É um universo de produtos que não tem fim. Todos os dias inovamos com novas peças.” E uma coisa é certa: motivos não faltam para que reciclar seja, cada vez mais, uma escolha óbvia. “Um dos nossos objetivos é que a reciclagem esteja na moda. A nossa principal missão é reciclar. Todavia, também procuramos lançar produtos que estejam na moda. E esta moda tem vindo a pegar.” Uma moda que, apesar de uma adesão crescente, ainda tem que ser explicada: “7 em cada 10 lares portugueses já fazem separação de resíduos. E é pensando nesses três que ainda não o fazem que desenvolvemos uma grande parte da nossa ação”, afirma Luís Veiga Martins, Diretor Geral da Sociedade Ponto Verde. Duas décadas passaram. E, para além dos materiais, também as ideias foram recicladas. “Neste momento, conseguimos reciclar cerca de 60% dos resíduos de embalagens. Também as infraestruturas de recolha evoluíram.

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Portugal capacitou-se para facilitar toda esta tarefa. E não fica atrás de outros países da europa”. Já não há razões para não reciclar. “Neste momento, em certas regiões já existe um ecoponto por 150/200 habitantes”, explica Luís Veiga Martins. Verde, amarelo e azul. Vidro, plástico metal e papel. Os ecopontos já fazem parte das nossas terras. Ninguém estranha, ninguém pergunta “porquê”. Estão por todo o lado. A reciclagem passou a fazer parte do nosso quotidiano e as cores que ditam a separação dos materiais, como se de um semáforo se tratasse, são já senso comum. Contudo, não se pode parar. A mensagem tem que passar de mão em mão, de geração em geração. “Esta é uma causa de sucesso. Mas este continua a ser o nosso papel: fazer com que as pessoas permaneçam motivadas. Isto é, trabalhar para que aqueles que já separam o continuem a fazer e para que aqueles que não separam o comecem a fazer.”


RECICLAGEM

SANDRA CASTRO: “UM DOS NOSSOS OBJETIVOS É QUE A RECICLAGEM ESTEJA NA MODA. A NOSSA PRINCIPAL MISSÃO É RECICLAR. TODAVIA, TAMBÉM PROCURAMOS LANÇAR PRODUTOS QUE ESTEJAM NA MODA. E ESTA MODA TEM VINDO A PEGAR”

Hoje, esta missão já não se aprende apenas na escola e, muitas vezes, é em casa que são dados os primeiros passos. Em 20 anos, talvez o chimpanzé Gervásio tenha aprendido a fazer a separação em menos de 1 hora e 20 minutos e, com toda a certeza, as crianças que entravam nos primeiros anúncios televisivos cresceram. As exigências também. Hoje, a missão não passa apenas pela reciclagem dentro de casa. “Queremos que esses 7 que reciclam em casa o façam também quando não estão em casa.” Como? Continuando a recorrer à materialização dos impactos desse gesto. “As pessoas têm que ter a noção da dimensão daquilo para que contribuem.” Seja uma ponte sobre o Tejo, 7.500 t-shirts, 450 bicicletas, uma garrafa de vidro com quatro andares de altura ou o peso de doze elefantes… O que importa mesmo é que cada um entenda o quanto vale o seu gesto, a sua atitude. É difícil de medir ou pesar. Mas não há dúvida: todos fazem a diferença. : :

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PROFISSÃO

SOLICITADORES ILUSTRES MANUEL CAMANHO

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anuel Camanho da Mata Júnior nasceu na freguesia da Sé, da cidade do Porto, no ano de 1896 e faleceu na mesma cidade, no ano de 1985, com 88 anos repletos de dádivas da sua vida a dois amores: a solicitadoria e os livros. Um “tripeiro” dos quatro costados como sói dizer-se, Manuel Camanho dedicou toda a sua carreira ao Porto e gostava de se afirmar como Solicitador do Porto, sempre que escrevia para revistas ou opúsculos fora da sua cidade, inclusive quando colaborava com o Boletim da Câmara dos Solicitadores (1). Mas este regionalismo, um pouco exacerbado e próprio das gentes do Porto, não lhe toldava as suas ideias, nem olhava para o mundo como um sapo no fundo do poço. Permanentemente e de forma sistemática, quis ir muito além da sua cidade e rasgar fronteiras das suas ideias com todos os amigos e colegas que com ele colaboraram. Desde tenra idade – somente com 18 anos – começou a escrever e a dirigir, fundando a “Folha Sport” na qual divulgava todos os acontecimentos desportivos do Porto e Norte de Portugal. Após trabalhar numa livraria e colaborar com escritórios de Solicitadores e Advogados do Porto de grande prestígio, inscreve-se, no dia 2 de Junho de 1925, na então Câmara dos Solicitadores do Distrito Judicial do Porto, nunca mais deixando de ser Solicitador até à sua morte (2). Sempre desejoso de formar e informar, começou a publicar, na imprensa diária do Porto, numa secção especializada com o título “Prática Judicial e Extra-Judicial”, informações úteis para o público em geral e colegas, pelo que logo foi convidado por Reis Maia, Advogado*, para, em conjunto, editarem uma revista especializada de direito e prática de direito denominado “Gazeta Judiciária”, saindo à luz o seu n.º 1 em Junho de 1929, com sede na Rua de Trás, 13, 1.º, Porto, ou seja, no escritório de Manuel Camanho. E é interessante salientar as razões do aparecimento desta revista no seu primeiro editorial, dado que os seus propósitos, infelizmente, ainda não foram solucionados, pese embora este lapso de tempo e já termos dobrado o século. Passo a citar: As “‘plurimae leges’ de que Tácito tirou um dos seus mais contundentes aforismos, no respeitante à excessiva proliferação legislativa, são, de facto, e a nosso ver um dos maiores entraves àquela cultura, e sobretudo ao triunfo dos princípios que, na sua simplicidade e clareza, deviam dominar a vida jurídica… para que se reduza ao mínimo a letra dispersa vária dos textos, porque também aqui se aplica o

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Por Miguel Ângelo Costa Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Solicitador e Agente de Execução

adágio, aliás tanto difícil de observar ‘esto brevis et placebis’… para que a administração da justiça se torne tanto quanto possível económica, a fim de não se poder dar a hipótese cruel de se afastar dela quem a ele tem direito” (3). Com a doença de Reis Maia que o levou à morte precocemente, Manuel Camanho, dando asas à sua vontade de proporcionar a legislação e prática da mesma, quer no meio judiciário, quer no público em geral e na linha da extinta Gazeta Judiciária, funda, em Janeiro de 1935, o “Arquivo Judiciário”, sendo seu Director e Proprietário e a sede no seu já referido Escritório, tendo como seus colaboradores grandes causídicos do País, bem como Juízes e Desembargadores. E, no seu primeiro editorial, a dado passo, humildemente escrevia “Confesso que pouco sei do meu ofício, mas esse pouco deve-o ao que tenho lido em alguns anos de persistente e aturado labor. Será defeito o querer saber alguma coisa? É natural: há quem pense e que o melhor, ainda, é não saber nada” (4). Foi leitor atento e, posteriormente, colaborador assíduo desta revista, principalmente em Reais e Família, o Conselheiro Sá Carneiro** que, logo no seu n.º 2, não lhe era poupado em encómios, passo a citar “… De facto, o primeiro número do seu Arquivo ‘traz coisas interessantes dignas de serem arquivadas. Li-o com prazer, e já algumas me serviram para casos iguais. Continue! Não desanime! E deixe ladrar a matilha” (5). Ainda Director do “Arquivo Judiciário”, não deixou de colaborar no Boletim da Câmara dos Solicitadores do Distrito Judicial do Porto, que iniciou a sua publicação em 31 de Outubro de 1931 e terminou em Novembro de 1941, com a unificação das três Câmaras de Solicitadores e o aparecimento do Boletim das Câmara dos Solicitadores em Março desse mesmo ano. Assumiu, provisoriamente, a Redação da mesma Revista no ano de 1934 e, em definitivo, nos anos de 1936/1937, período em que tomou posse como Presidente da Câmara dos Solicitadores do Distrito Judicial do Porto. Apesar de nunca ter deixado de colaborar com a Câmara dos Solicitadores, a partir de 1938 e devido ao outro amor tornou-se editor e proprietário de uma livraria. Só passados quase 30 anos é que assumiu novamente a direcção do então Conselho Regional do Norte, nos triénios de 1966/1968 e 1972/1974 (6).

Como acima referi, o Colega Manuel Camanho foi Editor e Livreiro. Era proprietário de uma das mais conhecidas e populares livrarias do Porto: a Livraria Aviz, consagrada pelas suas publicações escolares e na qual surgiram os primeiros dicionários bilingues escolares para os ensinos Secundários e Universitários. Mas este relacionamento entre a edição de livros e a solicitadoria funcionava. Na sua interação com vários autores, não tinha problemas em escrever as suas cartas em ofícios de solicitador como foi o caso de várias cartas enviadas à escritora Elaine Sanceau *** (7). Esta Livraria resistiu pouco à sua morte em 1985, mas a sua marca indelével na cultura do Porto e do Norte do País jamais foi apagada. Dando origem a um Restaurante Gourmet do Porto, na Rua de Aviz, os seus actuais proprietários não deixaram de exibir vários livros editados pelo Manuel Camanho, fazendo lembrar que ali existiu uma Livraria que marcou uma época. Com o carimbo imortal de Manuel Camanho. : : Texto escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico. NOTAS *José Marques Barbosa dos Reis Maia, Advogado, Escritor e Jornalista. Pese embora natural de Vila de Punhe, Viana do Castelo, veio viver para Barcelos ainda criança, onde cresceu e viveu grande parte da sua vida, considerando-se mais um barcelense, onde ocupou vários cargos em Associações. Publicou, em 1926, “O Direito Geral das Obrigações”, ainda referenciado nos meios jurídicos. **Joaquim Gualberto de Sá Carneiro, Advogado, Conselheiro, Administrador do Concelho de Barcelos, brilhante advogado e um dos mais notáveis jurisconsultos em Portugal na primeira metade do século XX. Era avô paterno do malogrado Primeiro-ministro de Portugal Francisco Sá Carneiro. ***Elaine Sanceau, escritora inglesa, mas de origem francesa. Fixou-se no Porto em 1930 e especializou-se na divulgação de grandes personagens da história de Portugal como D. Henrique, Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama, etc. Faleceu no Porto em 1978. 1 – Boletim das Câmaras dos Solicitadores n.os 15 e 16, páginas 14-15. 2 – Jornais do Porto-Livraria Almedina 1896/1925. 3 – Gazeta Judiciária – 1929 – Biblioteca Pública de Braga – Universidade do Minho. 4 – Arquivo Judiciário, n.º 1, Janeiro de 1935 – Biblioteca Nacional, Lisboa. 5 – Idem, n.º 2, Fevereiro de 1935. 6 – Arquivo do Conselho Regional do Porto. 7 – Arquivo Municipal do Porto.

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REPORTAGEM

Entre rendas Tac-tac-tac. Assim que se chega a Vila do Conde este é o som que ecoa por toda a cidade, por toda a sua história. Tac-tac-tac. Não se sabe o que é, nem de onde vem. É tão rápido e ritmado. Tac-tac-tac. Não se resiste a perseguir, a descobrir. Chega-se à rua de São Bento e a um Museu. Tac-tac-tac. Em tempos, vinha de todas as portas, das varandas que deixavam o sol fazer companhia. Hoje, era dali que nascia o compasso marcado sem batuta. Lá dentro estava Maria Alice, rendilheira, que cantava e dançava com aquelas peças em madeira, envernizadas pelo toque das suas mãos. Trocando-as entre dedos sem pensar, deixa quem passa ansioso por conhecer este mundo de linhas e formas que até já chegou ao livro do Guiness. O mundo das rendas de bilros. Texto Ana Filipa Pinto e André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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RENDAS DE BILROS

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e mãos delicadas, têm os olhos brilhantes pela curiosidade e pela sede de saber mais, de fazer cada vez melhor. “O meu nome é Ana, tenho 8 anos e faço renda de bilros há 3 anos.” “O meu nome é Inês, tenho 15 anos e faço renda de bilros há 2 anos.” Desengane-se quem acha que a tradição é para velhos. A sala onde se aprende a fazer rendas de bilros está repleta de crianças. Transbordando fascínio e paixão por uma tradição que não sabem bem explicar como começou, lá vão ajeitando a almofada sobre o cavalete de madeira, a qual, bonita e diferente de todas as outras, auxilia na arte de desenhar entre alfinetes que marcam os pontos. Isabel Carneiro, funcionária da Câmara Municipal de Vila do Conde e professora destas crianças, explica de onde vem esta arte que cresce com quem costura a vida naquela terra: “É complexo. A teoria com mais fundamento aponta que a origem está nas trocas comerciais que aconteciam no porto de Vila do Conde”. E, desde aí, esta tradição passou de geração em geração. “Aprendi a fazer renda de bilros em casa da minha avó. Antigamente era assim, aprendíamos a fazer em casa. Existia sempre alguém que sabia fazer. A minha avó era costureira e fazia as almofadas para as rendas de bilros”, conta Isabel Carneiro. Tudo começa com um desenho que depois é copiado para um papel milimétrico. Feito isso, o desenho é picado sobre um cartão pintado em cor de açafrão. O pique. Entretanto, é necessário fazer a almofada e a renda para adorná-la. Fixa-se o pique com a ajuda de alfinetes, estuda-se o desenho, escolhe-se o tipo de linha e a cor. Enche-se o bilro e… Lá se começa a cruzar os fios. Mas é só isto? “Ser rendilheira é mais do que saber cruzar fios. É uma paixão. À volta do bilro cantamos, sorrimos, choramos e ralhamos. Enfim, tudo isto faz parte de fazer renda de bilros”, diz Maria Alice, rendilheira há décadas, com os olhos a brilhar de emoção e sem perder o rumo no trabalho. Nasceu, claro está, em Vila do Conde e aprendeu esta arte ainda em criança. “Ia para a escola de manhã e, à tarde, aprendia renda de bilros. Todos os dias e durante sete anos. Depois estive imensos anos sem fazer renda e, ao fim de 30 anos, voltei. E aqui estou no Museu desde então.” Das mãos dela – e de mais 149 rendilheiras – nasceu a maior renda de bilros do mundo. 440 quadrados, de 30 por 30 cm, num total de 53,262 metros quadrados de renda. “Participar na maior peça de renda de bilros foi uma emoção muito grande. Todas as rendilheiras estavam muito entusiasmadas a fazer isto. Foi um desafio da Presidente da Câmara de Vila do Conde e nós tivemos todo o gosto em fazê-lo. Demorou oito meses, mas ficámos orgulhosas desta peça. Olhar para ela todos os dias dá-nos um alento muito grande para continuar”, recorda Maria Alice, sem perder de vista a peça que as inspira todos os dias. No piso de cima está o futuro. Por lá, passam cerca de cinquenta pessoas (trinta crianças e vinte adultos) que querem saber fazer esta arte. “Começamos por tentar transformar isto num jogo. Um jogo de cores. Começamos por dois pares, quatro bilros. O primeiro passo é a volta e fazem um cordão que já

tem uma utilização: uma pulseira para elas. Esta fase é fácil. A partir daí começamos a introduzir, aos poucos, mais pares. Isto é assim para as crianças e para os adultos”, explica Isabel Carneiro. Adriana, uma das trinta crianças que, a brincar, vai trocando os bilros sobre aquela almofada cheia de cor, recorda que tudo começou numa visita à feira de artesanato: “Uma vez fui à feira de artesanato e vi lá uma pessoa a fazer renda de bilros e gostei muito da forma de fazer. Nessa feira, comecei logo a tentar e consegui fazer um golfinho. Gosto muito da forma de fazer. Isto não é fácil, mas temos de ter muita paciência.” Já para Ana Rute, está ansiosa por vencer uma competição de gerações: “A minha avó fazia renda de bilros e ela disse para eu vir experimentar. Gostei e fiquei. Ainda não faço renda de bilros tão bem como a minha avó, mas um dia vou conseguir. Já fazemos competições”. E a Inês foi por imitação: “Faço renda de bilros por causa da minha vizinha. Foi ela que me convenceu a vir. Andava sempre com os bilros de um lado para o outro e eu achei piada. Tornou-se um vício engraçado”. E é com um sorriso sincero e enternecido que quem numa renda vê histórias e passados recebe quem nela vê um futuro e muitos sonhos: “Quando vejo crianças a fazer renda de bilros fico mais descansada. É um sentimento muito bom. Um sentimento de esperança no futuro. Assim sei que isto não vai morrer”, confessa Maria Alice. Passear pelo Museu é passear pela história da renda de bilros. Mas é mais do que isso. É passear pela história de vida destas rendilheiras que, com as suas mãos, moldaram tantas peças. É por elas que não se pode deixar de falar de nomes como o de Maria da Guia. Uma verdadeira artista, uma mestre cujas mãos envelheceram e ganharam rugas a trocar bilros e que tem, neste museu, as suas principais obras: “Tive uma professora absolutamente fantástica: a Maria da Guia. Não havia nada que ela não conseguisse fazer. Não existia técnica que ela não dominasse. As mãos dela eram absolutamente inacreditáveis. Nunca mais haverá alguém como ela”, confessa Maria Alice com nostalgia no olhar. Mas lá em cima, entre risos e sonhos, talvez esteja uma pequena Maria da Guia. E, talvez, daqui a muitos anos, já mulher e rendilheira, venha a dar que falar entre bilros e num país cosido com linha de tradição e orgulho. No final, têm que saber dizer adeus às peças. Um adeus que custa. “Quando acabo um trabalho, custa-me muito ver a peça a ir embora. Alguns trabalhos levam anos até estarem feitos. Coisas realmente grandes e complexas. E em cada peça que fazemos deixamos muito de nós. Mas ver que o cliente ficou feliz também nos dá muito prazer”, revela Maria Alice. Bem sabe: as suas peças vivem para lá das suas mãos. Poderão ficar para sempre num vestido de noiva, tornar um centro de mesa mais bonito, calçar um recém-nascido, estar nos ombros de uma fadista, numa prenda para a melhor amiga, na capa de um estudante ou num desfile de moda. Esteja onde estiver, essa peça levará Portugal e Vila do Conde nas suas rendas. Nelas irão também as rendilheiras, que, todos os dias, cuidam do passado e dos bilros com suas mãos enrugadas, e as crianças, que, sobre uma almofada e com os alfinetes nas suas mãos pequeninas, o levarão para o futuro. : :

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CULTURA

“Comer é uma necessidade que está revestida de sentimentos.” AS CORES, VIVAS E QUENTES, QUE COBREM AS PAREDES ESCORREM ATÉ AOS PRATOS E INVADEM AS TEXTURAS E OS ODORES. TRICAM-SE, MASTIGAM-SE, ENGOLEM-SE. SENTEM-SE E GUARDAM-SE NA MEMÓRIA. SEJA ARTE, OU NÃO, A COMIDA SATISFAZ, SACIA, ALIMENTA. PARA O CHEFE CHAKALL, ESTA É “TÃO NATURAL QUANTO A PRÓPRIA NATUREZA”. ASSIM O DIZ ENQUANTO ESCREVE, ENTRE TACHOS E PANELAS, OS VERSOS DE UMA RECEITA. COM O ALHO E O AZEITE, SALTEIAM-SE AS PERSONAGENS PRINCIPAIS DESTE ENREDO. DANÇAM NO AR AO SOM DA CREPITAÇÃO QUE O CALOR ENTOA. SEGUE-SE O EMPRATAMENTO E OS SABORES SÃO ESCULPIDOS COM GESTOS MINUCIOSOS, DELICADOS, APAIXONADOS. SÃO DEPOIS SERVIDOS ACOMPANHADOS POR EMOÇÕES, TAL COMO QUEM OFERECE O MUNDO SOBRE A MESA. E, ENTRE A MÚSICA DOS TALHERES, MUITO MAIS ACONTECE.

E N T R E V I S TA A

CHAKALL CHEFE DE COZINHA

Entrevista Ana Filipa Pinto / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

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Como é que começa esta receita em que o Chakall vira cozinheiro? Sou a quarta geração de uma família de donos de restaurantes. Os meus bisavós tinham restaurantes na Suíça e em Itália e os meus avós tinham um restaurante na Galiza. A minha formação, na realidade, é em jornalismo. Mas não consegui fugir à cozinha. Eu cresci num restaurante e sei fazer tudo dentro de um restaurante.

“COZINHAR É IGUAL EM TODOS OS LUGARES. COMIDA É COMIDA. TUDO COMEÇA DA MESMA FORMA. AGORA, AS PESSOAS, A CULTURA E, PRINCIPALMENTE, O CLIMA É QUE INFLUENCIAM A COMIDA.”

Qual é o primeiro prato que recorda? Espetada marinada com mel para oferecer a uma rapariga. Esta foi a primeira vez que cozinhei com intenção. Desde pequeno que fazia os pequenos-almoços lá em casa com tostas mistas especiais, com queijo francês e assim. É um gosto hereditário, que veio no sangue. E porquê o nome Chakall? Sou Chakall desde os cinco anos. Sou o quinto de seis irmãos (cinco rapazes e uma rapariga). E dizem que era muito parecido com um chacal, pois era muito pequeno e andava sempre a correr por todo o lado. E o turbante surge como? Surge com a passagem por África. Dei a volta a África durante dois anos e foi aí que comecei a usar o turbante, muito por causa do calor, mas também porque me dava uma motivação para cozinhar. Era quase como o super-homem quando veste o seu fato. Sentia-me mais inspirado na cozinha. Gosta mais de cozinhar ou de comer? De comer. É fundamental gostar de comer para se ser cozinheiro. Gosto de comer bem, de comer coisas diferentes e de comida simples. Não troco uma boa tasca por nada. Também é por isso que adoro Portugal. É um país de tascas e de comida fantástica, sobretudo no interior. Então e como é que veio cá parar? Estive em Portugal durante um ano, a preparar a minha viagem por África. Fiz a viagem, voltei a Portugal e por cá fiquei. Nunca tive um motivo específico para cá ficar, mas foi isso: fui ficando.

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Cozinhar por aqui é diferente? Cozinhar é igual em todos os lugares. Comida é comida. Tudo começa da mesma forma. Agora, as pessoas, a cultura e, principalmente, o clima é que influenciam a comida. A diferença que existe entre a comida do sul e a do norte da europa é por causa do clima. No sul existem sempre produtos frescos. Mas, por exemplo, as sobremesas são muito mais sofisticadas no norte, porque precisam de frio. O chantili nunca poderia ter sido inventado em Portugal ou em Espanha, por causa do calor. O clima marca a tradição. A comida é tão natural que está ligada à própria natureza. De onde vem a inspiração para quem tem de cozinhar e criar todos os dias? Na verdade, já não há muita coisa para inventar. Compro livros de cozinha e são todos iguais. Um nome diferente, uma imagem diferente, mas é tudo semelhante. É muito difícil criar algo novo. O que fazemos agora é reinventar e dar um toque pessoal. Seja uma gota de limão ou um pouco de mel. Esse é o teu detalhe e que pode mudar completamente o prato. Agora, a base é sempre a mesma.


ENTREVISTA COM CHAKALL

A assinatura do Chakall passa por tentar meter o mundo nos pratos? Tento, sim. Nuns dias sai melhor do que noutros. Já não cozinho tanto como gostaria, mas tenho todas as receitas na minha cabeça e no meu coração. Trago o mundo nas minhas receitas, porque faço parte do mundo. Sou descendente de franceses, espanhóis, italianos, suíços, alemães e nasci no norte da Argentina. E o que é que ainda existe de jornalista no Chefe Chakall? Tudo. Sou muito curioso. Não faço as coisas por dinheiro ou sucesso, faço sim porque sou curioso. E o sucesso é uma consequência das coisas que crio. Não é um objetivo. Essa vertente de jornalista faz-me questionar tudo. Nada é absoluto. E ser chefe não é ser mais importante do que um empregado de balcão ou da limpeza. A única diferença é que conseguimos chegar à boca e isso marca as pessoas. Costuma-se dizer que as pessoas se conquistam pelo estômago e é bem verdade. Na minha opinião, cozinhar está longe de ser uma arte. Em três dias qualquer pessoa conseguiria cozinhar três pratos perfeitamente. Já quem não sabe nada de música não conseguiria, em três dias, tocar três músicas diferentes. Sente que, por causa dessa aparente facilidade, ser chefe virou moda? É moda por uma simples razão: todas as pessoas comem e opinam. Nem todos têm uma opinião sobre todos os estilos de música, por exemplo. Mas sobre comida, sim. Temos uma opinião, seja boa ou má. Todas as pessoas vão a um restaurante e opinam sobre a comida. Provavelmente, saem deste restaurante e vão comer um Big Mac e acham ótimo. E isso é válido. Eu não posso dizer que essa pessoa esteja errada. Por exemplo, a melhor comida é sempre a dos pais ou avós. E porquê? Na realidade não é a melhor, mas está ligada a certos momentos da vida que a tornam a melhor. Comer é uma necessidade que está revestida de sentimentos. É por isso que continua a ter saudades de canelloni? Exatamente. Dos canelloni da minha mãe. Mas sinceramente, neste momento, do que tenho muitas saudades – e como bom argentino – é da carne. Para quem é que ainda gostava de cozinhar? Para ninguém em particular, para toda a gente que seja agradecida. Portugal também tem um encanto especial por causa do amor ao futebol? Portugal tem tanta coisa que eu gosto… Mas o mais importante são as pessoas. Gosto dos portugueses. A razão pela qual continuo a viver aqui não é o clima, nem a comida, são, sim, as pessoas. Não tenho explicação para este amor. É algo natural. Acho que o caráter dos portugueses encaixa bem com o meu. Sempre fui bem recebido, sempre fui bem tratado, mesmo

ESCOLHAS… DE CHAKALL Uma música: Equal Rights de Peter Tosh Um livro: Love and Garbage de Ivan Klíma Um filme: Lawrence of Arabia Um lugar: Longyearbyen na Noruega

quando não era famoso. Gosto da humildade e da simplicidade dos portugueses. É isso. Se estamos numa fase em que é difícil inventar, por onde vai passar o futuro entre tachos e panelas? Tudo volta às raízes. O mais simples e tradicional será sempre o melhor. O que há de justiça na cozinha? É importante respeitarmos os alimentos. É uma falta de respeito pegar num alimento e deitar 70% dele para o lixo. É uma forma de violência. Violência em relação aos que trabalharam para o alimento estar ali e aos que não têm nada para comer. É uma violência que não se vê. Assim como deixar comida no prato. A cozinha é como um tribunal, ambos precisam de uma balança bem equilibrada e rigorosa. Até porque a comida é algo fundamental na nossa vida. Gostava que, amanhã, algo fosse diferente? Gostava de ter tempo. Tempo para pensar, para criar e, princi­palmente, tempo para cozinhar. : :

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OSAE

CONCURSO DE FOTOGRAFIA “90 ANOS DA ORDEM”

FOTOGRAFAR A HISTÓRIA 1.º Lugar - DELFIM COSTA

2.º Lugar - ALVES TIMÓTEO

3.º Lugar - IRENE RAMALHAIS

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Todos aqueles que me conhecem sabem o gosto e a paixão que tenho pela fotografia. Tal com menciono na minha página do Instagram, “fotografar é conseguir captar o que existe atrás do que se vê com os olhos, é colocar na mesma linha a cabeça, os olhos e o coração”. (…) Uma vez decidido a submeter uma fotografia a concurso, teria que ter em atenção o tema: “90 anos da Ordem”. Além de uma fotografia bonita, queria que a imagem captada fosse fiel ao tema e que, dentro do possível, retratasse os 90 anos de existência de tão nobre Instituição da qual me orgulho fazer parte. Individualizar acontecimentos ou pessoas estava fora de questão. Sendo certo que, no passado e mesmo no presente, acontecimentos e figuras tiveram e têm um papel fundamental na história e no futuro da Ordem e da profissão, considero que valemos como um todo. Cada um de nós tem a sua importância e, ao individualizar, correria o risco de me tornar injusto. No meio destes pensamentos, um determinado dia “dei com os olhos” no Delphus, como carinhosamente lhe chamo. Trata-se de um boneco de barro que representa um solicitador, uma peça concebida por um dos mais jovens e conceituados artesãos do artesanato/figurado de Barcelos, Nelson Oliveira. Pensei: Aqui está algo que não é apenas um boneco, mas uma obra de arte que, na sua essência, representa a Nossa nobre profissão e missão: auxiliares da boa administração da justiça, simbolizada na balança e no Código Civil que carrega em cada uma das mãos. Estava decidido o ponto de partida. Agora, haveria que adicionar elementos que transmitissem os 90 anos de profissão e, para isso, nada melhor do que ir ao arquivo e juntar documentos com mais de 50 anos (que estão na base do “solicitador”: cadernetas prediais e requerimentos de registo predial em célebres folhas azuis de 25 linhas), que muitos dos nossos Colegas no passado elaboraram e analisaram. Por fim, era importante captar a nossa história com a introdução do livro “Os Solicitadores – Memórias e Identidade (A Construção Socio-histórica de uma Profissão)” e as áreas de trabalho com a junção de vários códigos com os quais trabalhamos diariamente. Se é verdade que, quando nos sujeitamos a um concurso, um dos objetivos é vencer, também não posso deixar de dizer que o principal incentivo foi o prazer de fotografar e o apoio dos Colegas. Penso que consegui passar a mensagem. Pretendia que quem olhasse para esta fotografia visse nela muito mais do que um simples boneco, visse que nela está o essencial da Nossa Nobre História, Profissão e Missão: Servir a Verdade, o Direito e a Justiça! Delfim Costa


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SUGESTÕES

LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA

A Responsabilidade Civil pelo Exercício da Função de Agente de Execução

Atos Notariais dos Advogados e Solicitadores

Pedro Edgar Mineiro

Edgar Valles

O agente de execução tem um papel central na ação executiva, competindo-lhe a direção e condução, em geral, do processo. (…) Põe-se, então, o problema de saber em que termos é que o agente de execução responde (patrimonialmente) perante o lesado e se o Estado também pode ser responsabilizado por este e, em caso afirmativo, em que condições. Com a presente obra, pretende-se contribuir para o debate desta problemática (…).

Quando foram atribuídas novas competências aos advogados e solicitadores, em matéria de notariado, esta obra pioneira foi de extrema utilidade. Entretanto, desenvolveram-se as competências, a legislação foi alterada, novas questões surgiram. Impunha-se, pois, a sua atualização, de modo a continuar a ser um precioso auxiliar no labor de tantos profissionais.

COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS

Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Anotado e Comentado – 2.ª Edição Jurisprudência e Legislação Conexa

Código do Procedimento Administrativo Anotado – 2.ª edição

Tomé de Almeida Ramião

Luiz S. Cabral de Moncada

Esta 2.ª edição inclui as alterações introduzidas pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que visam a regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica. Procura-se que o exercício das responsabilidades parentais não afetem a segurança das vítimas, em particular das crianças. A obra inclui jurisprudência e reúne minutas de diligências e de procedimentos.

Obra destinada não apenas a Especialistas, mas também ao grande público. O objetivo é servir de guia na compreensão e aplicação do novo Código do Procedimento Administrativo, familiarizando os leitores com as inovadoras soluções apresentadas. Todas as normas do Código estão amplamente anotadas com doutrina, referências bibliográficas e jurisprudenciais.

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COM A COLABORAÇÃO DA PORTO EDITORA

Leis do Trabalho – Tudo o que precisa de saber, 4.ª Edição Alexandra Santos Silva, Susana Seabra Leitão Com mais de 300 perguntas e respostas escritas de um modo simples e direto e recorrendo a uma série de exemplos práticos e esquemas sintetizadores, esta obra é um verdadeiro guia prático para responder a todas as dúvidas que surgem tanto ao trabalhador como ao empregador e aos profissionais que lidam com matérias laborais. Esta nova edição inclui novos exemplos e encontra-se totalmente atualizada de acordo com a legislação em vigor.

Fiscal – Edição Académica, 17.ª edição Coleção Legislação Obra muito completa, com um formato prático e útil para quem trabalha diariamente com questões de fiscalidade, numa nova edição atualizada com as mais recentes alterações à Lei Geral Tributária, ao Código do IRC, ao CPPT, ao RGIT e ao Código do IMI. Inclui marcadores e atualizações online gratuitas.

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PROFISSÃO

A TECNOLOGIA AO SEU DISPOR Por Rui Miguel Simão, 2.º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Solicitador e Agente de Execução

No álbum 88 do mesmo ano, os Xutos e Pontapés lançaram uma música em que o protagonista lamenta uma penosa viagem: “de Bragança a Lisboa são 9 horas de distância”. Assim se imortalizou o desespero do apaixonado que enfrentava, de comboio, uma viagem, entretanto extinta, sonhando com a sua Maria e com um avião que acelerasse o reencontro. De 88 até agora foi um pulinho e, de repente, o mundo tornou-se mais pequeno. De Bragança a Lisboa já não são 9 horas de distância e até temos avião para lá ir mais amiúde. Este aumento de mobilidade leva ao desenvolvimento de muitas relíquias tecnológicas. Para conhecer algumas, senhores passageiros, instalem-se confortavelmente e apertem os cintos. Vamos começar a viagem.

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Blue Smart Este primeiro produto começou por ser um sucesso de crowdfounding. Atualmente, a Blue Smart disponibiliza várias malas de viagem que têm sido vistas nas mãos de muitos famosos e incógnitos nos mais diversos pontos do mundo. Estão disponíveis malas de porão, de cabine, uma mala para portátil e outra mais pequena, apenas para o passaporte. A magia acontece quando percebemos que todos estes produtos fazem muito mais do que apenas transportar objetos pessoais.­ Estes devices (chamemos-lhes assim) trancam-se automaticamente quando nos afastamos deles ou, simplesmente, quando selecionamos essa opção no nosso smartphone. Avisam se alguém os tentar abrir e podem ser localizados em qualquer lugar do planeta através da app. Ficou sem bateria a meio da viagem? Sem problema, ligue o telemóvel à Blue

Smart e a expressão “carregar o telemóvel na mala” passa a ter dois sentidos. Por último, e perdoem-nos as companhias low cost, a Blue Smart traz uma balança incorporada bastando levantar a mala do chão para saber exatamente quanto pesa.

Xiaomi Ninebot Plus Confesse: já todos olhámos com desconfiança para alguns equipamentos de mobilidade urbana como os segways ou os hoverboards. Parecendo estar algures entre um brinquedo e um meio de transporte, estes equipamentos ainda não atingiram o ponto de desenvolvimento certo para conseguirem conquistar as massas. Tentando contrariar essa tendência, a Xiaomi lançou o Ninebot Plus, um equipamento movido a energia elétrica que foi desenvolvido para simplificar a utilização destas formas de locomoção. Geralmente, a primeira dificuldade do novo utilizador é o equilíbrio. Por isso, o Ninebot Plus exerce a força necessária para que consiga subir a bordo mais facilmente. Mesmo que tenha dificuldades em dar-lhe indicações com o corpo, pode guiá-lo a partir de um comando próprio ou, como não podia deixar de ser, através da app. Vem equipado com avisos luminosos que sinalizam os seus movimentos e que podem ser personalizados. Chegado ao

seu destino, pode sair do Ninebot Plus sem se preocupar em transportar um “peso morto”, pois ele segue-o para onde for. Se mesmo assim achar que isto é tudo demasiado radical, considere pelo menos numa bicicleta elétrica. Existem muitas lojas onde começam a aparecer vários modelos.

Fiil DIVA Este produto não o leva mais rapidamente até ao destino mas ajuda muito a que o tempo passe mais depressa. Falamos dos headphones Fiil DIVA que, além de oferecerem uma excelente experiência sonora, contêm uma série de especificações que vão deixar fascinados todos os amantes de tecnologia. Pode usá-los com ou sem fios, através de uma conexão bluetooth, ou mesmo sem ligação nenhuma, já que dispõem de armazenamento próprio para guardar as suas músicas preferidas. Com os Fiil DIVA vai poder escolher entre diferentes modos de cancelamento de ruído, que vão desde a completa anulação do barulho ao seu redor, até à amplificação propositada de alguns sons exteriores para que possa, por exemplo, ouvir música e uma conversa ao mesmo tempo com os headphones postos – WOW! Apesar desta feature vanguardista, é provável que quando alguém estiver a falar consigo prefira retirar os auscultadores. Nesse momento saiba que, graças aos sensores incorporados, a música vai pausar automaticamente no instante em que pousar os headphones

nos ombros, retomando a reprodução apenas quando os voltar a colocar nos ouvidos. Os Fiil DIVA vêm com uma aplicação própria para explorar todas as suas funcionalidades mas também podem ser controlados através de gestos. Além disso, como estão equipados com microfone, pode usá-los para chamadas. Por esta altura já deve estar rendido. Por isso, se a dúvida é apenas o que vai ouvir enquanto embarca no aeródromo de Bragança, temos a sugestão certa para si no início do artigo. : :

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SOCIEDADE

TODOS EM REDE A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS Segundo dados divulgados pelo Eurostat, em 2016, na União Europeia, 80% das pessoas entre os 16 e os 74 anos utilizaram a internet e 71% dos utilizadores da internet forneceram algum tipo de informação pessoal online. Na verdade, vivemos todos debaixo do mesmo teto e, por vezes, completamente despreocupados.

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maginem um mundo paralelo, um mundo em que são vigiados noite e dia, em que são conhecidos todos os vossos passos, todos os vossos gostos e todas as vossas opiniões. E se esse mundo existir? E se estivermos a caminhar para ele? Ainda miúda, dei por mim a pensar se porventura nós, seres humanos, seríamos como um peixe, num gigante aquário, enquanto éramos observados por uma entidade desconhecida, que nos via e controlava, mas que nós não conseguiamos detetar. Estaremos a colocar-nos numa montra e a apontar os holofotes intensamente para nós, cada vez que publicamos algo nas redes sociais ou sempre que entregamos os nossos dados pessoais a alguém? Teremos consciência dos riscos que isso acarreta? E acarretará alguns? Fará sentido fugir desta febre do ciberespaço quando isso nos faz sentir excluídos do mundo atual? Haverá a necessidade de uma real proteção da privacidade e da intimidade? Todas estas perguntas levantam o véu a temas tão importantes como o enfraquecimento dos direitos, liberdades e garantias, a proteção de dados pessoais, a privacidade e o direito ao esquecimento. Uma coisa é certa: a internet é um tremendo ganho para a liberdade de expressão e de comunicação em todo o mundo e um passo de gigante para a humanidade. ­Seduz-nos todos os dias. Há o antes e o depois da internet. E a realidade virtual é central nas nossas vidas. Mas, ao ser-nos concedido mais um espaço de vivência humana – o virtual -, inevitavelmente levámos connosco o conflito. E nasceu o cibercrime – crimes tradicionais cometidos através de novas formas -, sendo que, dentro deste, só algum é crime informático, isto é, aquele em que as tecnologias de informação, processamento e comunicação são meio e fim para o crime acontecer. E como prevenir estes crimes e investigar a autoria dos mesmos sem, para tal, aceder às comunicações eletrónicas e aos metadados dos seus intervenientes? E mesmo que seja feito um enorme esforço no sentido de tentar aplicar ao ciberespaço as mesmas condicionantes legais da realidade não virtual – o que é bastante difícil –, tal valerá a pena quando somos os primeiros a expor a nossa vida nas redes sociais não medindo, muitas vezes, o risco e dificultando a nossa própria proteção? Todavia, os Estados vão reagindo aos fenómenos criminais digitais assinando convenções internacionais e criando regulamentos, na tentativa de evitar males maiores. E não deixa de ser meritório, embora, neste mesmo

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Diana Andrade Jurista


momento, já outras realidades de comunicação eletrónica, mais complexas, estejam a ser buriladas. No quadro normativo português, importa sublinhar o direito à imagem, plasmado no artigo 79.º do Código Civil, e, quanto à privacidade e proteção de dados pessoais, o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa. E os nossos tribunais já se pronunciaram também sobre estas questões, sobretudo quando relacionadas com crianças. O Tribunal da Relação de Évora, num acórdão de 25 de junho de 2015, considerou que “É uma obrigação dos pais, tão natural quanto a de garantir o sustento, a saúde e a educação dos filhos, o respeito pelos demais direitos, designadamente o direito à imagem e à reserva da vida privada”, sublinhando o seu dever de “abster-se de divulgar fotografias ou informações que permitam identificar a filha nas redes sociais”. Também na área laboral, é recorrente serem colocadas questões desta índole. A jurisprudência, a doutrina e a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) têm convergido na ideia de que o acesso privilegiado do empregador ao perfil do trabalhador numa rede social deve ser vedado. Coisa diferente é o acesso por parte do empregador ao conteúdo do correio eletrónico utilizado pelo trabalhador no âmbito profissional. No entanto, não é admissível o acesso a mensagens de caráter pessoal ainda que tenha sido utilizado o instrumento de correio eletrónico profissional. Assim considerou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no início do mês de setembro, quando decidiu que as empresas têm a obrigação de avisar os trabalhadores antes de acederem ao seu correio eletrónico profissional­e que não podem reduzir a zero a vida social privada no local de trabalho. No quadro internacional, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) – Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho – vem substituir a atual diretiva e lei de proteção de dados pessoais e será aplicável a partir de 25 de maio de 2018, prevendo-se, desde já, algumas polémicas. A CNPD já publicou um documento no qual cons­ tam medidas que visam preparar empresas e entidades públicas para a aplicação do RGPD, advertindo-as para a importânica desta aplicação urgente no seio das suas organizações. A verdade é que, passo a passo, vamos aprendendo a viver com os inúmeros benefícios da era digital e com todas as suas desvantagens, mesmo cientes dos meios de defesa que se encontram ao nosso alcance. Habituemo-nos à ideia de que já não é preciso espreitar pelo buraco da fechadura para saber o que se passa (ou passou) nas nossas vidas. : :

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SUGESTÕES

VIAGENS ENTRE LIVROS A AMIGA GENIAL Elena Ferrante RELÓGIO D’ÁGUA EDITORES

Por Patrícia Cadete, Delegada Concelhia da Sertã da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Solicitadora

O primeiro livro da Tetralogia de Nápoles conta a história de duas amigas de infância – Elena e Lila. As vivências no bairro suburbano onde coabitavam e os diferentes percursos esculpidos pela personalidade e escolhas de cada uma são retratados por Elena do alto dos seus sessenta e seis anos, isto quando a amiga Lila desaparece e encontra neste facto o mote para registar “os pormenores da nossa história, tudo aquilo que me ficara na memória”. Ao longo da obra, a conjuntura violenta assombra a dinâmica das personagens, destacando-se o peso da máfia italiana. Consequentemente, não há qualquer espaço para a suavidade ou harmonia, todos batalham pelo que ambicionam: respeito, dinheiro, atenção, amor. E é neste contexto de combate pela sobrevivência do ego que Elena e Lila se inserem. A autora, conhecida pela escrita crua, retrata na perfeição a realidade humana, repleta de contradições, obscuridade, egoísmo e violência, transportando-nos para a “plateia” onde se sente o pulsar do bairro, das tradições e costumes, desenhando, na plenitude, a ânsia de escapar à ignorância e ao marasmo que imperavam no pós-guerra italiano, sobretudo no que respeitava às mulheres.

MOSSAD – AS GRANDES OPERAÇÕES DOS SERVIÇOS SECRETOS ISRAELITAS Michael Bar-Zohar, Nissim Mishal D. QUIXOTE

Um livro que revela algumas das mais importantes e perigosas missões executadas por uma das grandes agências de espionagem do Mundo – A Mossad, os serviços secretos israelistas. Consciencializa o cidadão comum da dimensão inimaginável do poder, do risco, da estratégia e do perigo que envolve o mundo da espionagem mundial. Exemplos como a captura do carrasco nazi Adolf Eichman, a erradicação da organização terrorista Setembro Negro, a destruição das facilidades nucleares sírias e a, muito recente, eliminação de cientistas-chave do programa nuclear iraniano são alguns dos que ajudam a sentir a dimensão do que é vivido pelos operacionais, também eles envolvidos num espesso véu de secretismo. Nas palavras de Shimon Peres, “este livro conta o que devia ser sabido e não é – que a força oculta de Israel é tão formidável quanto a sua reconhecida força física”.

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SOLUTIO

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SUGESTÕES

THESE BOOTS ARE MADE FOR WALKING CAMINHOS FRANCESES III Por Daniel Sales, Secretário do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Solicitador e Agente de Execução

P

artimos para a QUINTA ETAPA, apenas com uma bucha no estômago. Nada estava aberto àquela hora em Mañeru, nem tão pouco na localidade seguinte. Barra energética para compensar e só em Lorca tomámos um verdadeiro pequeno-almoço, precisamente no mesmo sítio onde parara em 2012. A mesma boa música ambiente, o mesmo serviço atencioso, belo sumo natural de laranja. Arranca-se de novo: Villa Tuerta para abrigar da pouca

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chuva que decidiu cair, Estella, Irache onde há uma Bodega que oferecia duas possibilidades aos passantes. Melhor, uma fonte com duas bicas. Uma de água e outra de RIOJA, pela qual optei. Para fim de dia: Villamayor de Monjardim. A hospitaleira Sara, dos States, recebe-nos e atribui-nos um quarto com uma vista soberba, localizado no terceiro andar. Elevador é que ainda não existia. E lá ajudo uma senhora espanhola de cabelinho branco, levando-lhe a mochila. Jantámos num restaurante


gerido por galegos de Nóia, com direito a oferta de chupito de café só por causa da proximidade com o Minho. Mais 26,66 quilómetros percorridos. Com a SEXTA ETAPA, deixámos Torres del Rio para trás e avançámos até Viana, repetindo o albergue de 2012. Aqui reencontrei a senhora espanhola de cabelinho branco, que recebera a visita de uma filha, do neto e do genro. Estava toda contente. Nós lá fomos recuperar dos 30,53 quilómetros do dia. SÉTIMA ETAPA pela frente. Sempre e ainda cercados pelos vinhedos de Rioja, passámos Logroño, que visitámos pela rama, e avançámos até Navarrete, onde chegámos relativamente cedo. Ao passarmos pelo Hotel Rural Casa Peregrinando, pareceu-nos charmoso. Vamos a um miminho. Que maravilha! Como podem saber tão bem estas pequenas coisas. Na manhã seguinte, só saímos quase pelas nove horas, o que não é nada habitual. Deixáramos para trás mais 23,19 quilómetros. OITAVA ETAPA em ritmo de caracol. Estavam previstos apenas 22,93 quilómetros, pelo que não seria difícil cumprir. Chegados a Nájera, onde visitámos a Igreja e o Mosteiro de Santa Maria La Real e assistimos a uma curiosa procissão promovida pela viúvas locais, as quais, ainda que em procissão, vão a dançar. Continuamos até Azófra, localidade perdida no meio dos vinhedos, onde nos acomodámos no albergue. Estava à espera a NONA ETAPA. Foi um dia calmo, com passagem por Santo Domingo de La Calzada. Esta localidade tem a ousadia de dar como sua a lenda do nosso Galo de Barcelos. Ficámos num albergue comunitário, La Casa de las Sonrisas, em Grañon. Jantar e pequeno-almoço da comunidade aí alojada, cada um dá o que quer e se quiser. Sobre a mesa: pão, água, algum vinho, sopa de lentilhas revigorante, macarrão, batata assada, sem mais acompanhamento que não seja o vinagre e o óleo (que o azeite é caro), sal e pimenta. Para sobremesa: uns biscoitos. Mas foi um jantar bem interessante e à mesa estavam representantes do Brasil, Itália, Alemanha, Austrália, Polónia, França, Argentina e, claro, de Portugal. Pequeno-almoço tomado ainda na comunidade e seguimos para a DÉCIMA ETAPA que nos levou a Villafranca Montes de Oca. Parámos em Belorado para o reabastecimento alimentar. Neste bar fomos atendidos por uma portuguesa, oriunda de Felgueiras, já lá radicada vai para 19 anos. Uma volta pela feira medieval lá do sítio e continuámos conforme o previsto, percorrendo, nesse dia, 28,40 quilómetros. Os pés começaram a fazer queixas: algumas bolhas, unhas negras. Tudo fruto dos mais de 250 já percorridos. Ataquei a DÉCIMA PRIMEIRA ETAPA com o objectivo de atingir Burgos. Esta etapa não é fácil: piso muito duro e desgastante, subidas e descidas pronunciadas. Ao chegar ao cimo da Cruz de Mata Grande, ladeando um complexo

militar, logicamente vedado por espessa rede, fomos surpreendidos por um enorme rebanho de carneiros. Entre reencontros, passámos na Cruz dos Caídos onde, mais uma vez, se presta uma singela homenagem aos mortos da ­guerra civil espanhola, vítimas do franquismo. Continuámos até Burgos. Mas antes parámos para uma caña. No dia seguinte, a minha companheira de vida e de viagem regressaria a casa. Por isso: há que aproveitar. Bem instalados, visitámos o centro de Burgos e jantámos mesmo em frente à Catedral. Naquele dia, ficámos pelos 36,20 quilómetros. Ao todo, tínhamos atingido pouco mais de 295. O dia seguinte traria novos desafios. Pedalar ao longo de distâncias enormes sem ter com quem conversar um pouco acaba por ser, ao fim de algum tempo, emocionalmente exigente pelo isolamento que envolve. Só quando se chega aos albergues no final do dia havia a possibilidade de palrar um bocado. Neste caso concreto, esperavam-me mais de duas semanas nessas condições, já que o dia seguinte, sem a presença da mais que tudo, seria entregue a mim mesmo, solitário, qual Lucky Luke sem o fiel amigo Jolly Jumper. Mas a ver vamos. : : Texto escrito segundo o antigo acordo ortográfico

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ROTEIRO GASTRONÓMICO

Su ges tõ es

Por Cristina Ferreira, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, Solicitadora e Agente de Execução

RESTAURANTE NACIONAL

Quando cozinhar vira arte

RESTAURANTE NACIONAL Rua Mário Pais, n.º 12, Coimbra Aberto de segunda a sábado das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 0h00 Encerra ao domingo

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Os processos teimam em manter-se na secretária, o telefone não sossega, os prazos não param, as solicitações são muitas e, de facto, o tempo é ditador. E porque quem tem tempo não tem vida e quem tem vida não tem tempo, é hora de parar para almoçar ou jantar. O nome poderia dizer tudo, mas assim não o é, tem muito de regional este Nacional… Situado na baixa de Coimbra, num edifício antigo, perto do Palácio da Justiça, comemorou, este ano, quatro décadas de serviço, de excelentes iguarias e de muita simpatia. Difícil é tomar decisões perante a ementa variada, distinta, na qual a cozinha tradicional portuguesa é rainha. Para saborear com tempo, destaca-se a Paelha, a Açorda ou o Arroz de Marisco, o Petisco na Cataplana, a Caldeirada de Enguias e o Cabrito. Ou, ainda, o delicioso Capão com Arroz Pardo, Secretos de Porco Preto ou os maravilhosos Filetes de Tamboril com Arroz de Berbigão e o famoso Gordin Bunk. Mas não ficamos por aqui... De janeiro a abril decorre a época da lampreia que traz muitas pessoas a degustar este prato regional. A lampreia é um ciclóstomo de água doce proveniente das águas do Mondego. Esta chega ainda viva à cozinha do restaurante, conservando assim todo o seu sabor e frescura. Depois de estonadas, é cortada a cabeça e a cauda para se remover o seu interior. Repousarão durante 24 horas, aos pedaços, em vinho tinto verde com alho francês e noz moscada. Envolvidas em arroz carolino do Mondego, tornam-se na especialidade de eleição dos apreciadores desta iguaria. A sua localização, coincidindo com o centro da cidade dos estudantes, motiva a vasta procura por quem ali trabalha e, como a hora do almoço é sempre muito “curta”, na ementa deste restaurante existem pratos fixos, diários, que facilitam a escolha. Temos, por exemplo, entre outros, à segunda, Frango na Púcara e Tibornada de Bacalhau, à terça, Bacalhau à Brás e Secretos de Porco Preto, à quarta, Arroz de Pato à Moda Antiga e Caril de Frango, à quinta, Arroz de Polvo, à sexta, Cozido à Portuguesa, e, ao Sábado, Polvo à Lagareiro. Ao domingo, o merecido descanso. Desde 1999 que as refeições são acompanhadas por exposições de pintura, escultura e fotografia, espalhas pelas duas salas do restaurante, permitindo aos comensais, entre garfadas, sentir que “a arte serve-se à mesa”. Sinto-me privilegiada porque apenas tenho que atravessar a rua para chegar a este espaço tranquilo e confortável, às suas iguarias e à simpatia dos seus colaboradores que transformam a hora de refeição no “tal” momento para parar, desfrutar e regressar ao trabalho com energias renovadas. Partilho, assim, o que é nacional, o que é bom e o que, felizmente, fica nesta linda cidade de Coimbra. : :


Por Rui Sousa Melo, Membro da Assembleia de Representantes do Colégio dos Solicitadores da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e Solicitador

TABERNA BAY

Quem vem quer voltar Uma taberna é, por norma, um local ao qual as pessoas vão para beber um copo, para comer como se estivessem em casa, para falar de negócios e, principalmente, para se sentirem entre amigos. É aquele restaurante típico sem grandes formalidades e “esquisitices”, mas onde todos se conhecem ou acabam por conhecer, onde há sempre um rosto sorridente para nos receber e onde sabemos que será porto seguro. Ainda bem que continuam a existir lugares assim. Sob a batuta “atual” do chefe Paulo Mota, chefe já com longa carreira na cozinha de hotéis de referência em São Miguel, já se sentia o gosto pelos produtos e pela culinária mais popular dos Açores. Por isso, não hesitou quando, com outro amigo, o chefe Álvaro, encarou a oportunidade de ter um restaurante, concretizada em fevereiro de 2016. A Taberna Bay, em frente à baía de São Roque, logo depois da marina e do porto de cruzeiros, tem uma fantástica esplanada que convida a finais de tarde à volta de lapas, chicharros de escabeche, pé de torresmo, camarão à Ilhéu ou de umas favas-ricas “à Vargalho” – tudo acompanhado por um vinho de produção local ou por TABERNA BAY uma cerveja Especial. Ao almoço, a ementa faz-se com o peixe apanhado durante a noite e que chega de manhã cedo Av.ª do Mar, São Roque, – servido grelhado, para não estragar – ou com o Ponta Delgada Aberto de segunda bacalhau frito com molho vilão (uma espécie de a domingo, entre as 11h00 escabeche com alho, vinagre, pimenta da terra e e as 22h30 açafroa). Já se lhe apetecer carne: a galinha do campo é feita à moda da avó, estufada com vinho tinto e muita cebola, enquanto no chambão das Caldeiras com puré de batata-doce só entra carne da raça Angus vinda do Pico. Mais tarde, pela hora do jantar, a refeição pode ser mais completa, optando-se pelo menu sugerido pelo chefe e que inclui iguarias como o arroz de lapas ou o tataki de atum. Guarde um espacinho para o leite-creme e para as queijadas de limão galego – uma variedade que só se encontra por cá e que, como tudo que provar, o deixará cheio de vontade de voltar. : :

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VIAGENS

Por Tiago Fernandes, Colaborador do Departamento de Planeamento e Controlo Financeiro da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

VALENÇA HISTÓRIA ENTRE MURALHAS

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onhecer uma cidade é, também, conhecer a sua história. A origem de Valença do Minho, segundo a versão mais consensual e prevalente, está relacionada com a presença do rei D. Sancho I nos finais do século XII. As tentativas de ocupação das localidades de Tui e Pontevedra, na Galiza, por parte do monarca português, fizeram com que uma terra erma, à data conhecida por Contrasta, ganhasse um protagonismo inédito. Por um lado, devido à sua posição estratégica, ladeada pelo rio Minho, ideal para antever os ataques galegos e planear as investidas sobre Tui e Pontevedra. Por outro, devido à importância da antiga via romana enquanto local de peregrinação a caminho do túmulo de Santiago. Foi em 1262 que, por decisão do rei D. Afonso III, Contrasta passou a chamar-se Valença. O rei ordenou, ainda, uma profunda reforma do sistema militar da vila, passando as muralhas desta a abarcar toda a povoação. Durante os séculos seguintes, a Praça-Forte de Valença continuou a beneficiar de uma atenção privilegiada. No entanto, foi somente nos meados do século XVII, durante os anos críticos da Guerra da Restauração, que se deram as primeiras tentativas para reforçar a muralha de Valença, uma das mais expostas a ataques espanhóis. A nova fortaleza de Valença ficou praticamente concluída no início do século XVIII e dividia-se em duas áreas distintas: a Norte, “a vila”, abrangendo o velho núcleo medieval, mais densamente povoado e onde se reuniam os principais equipamentos sociais; a Sul, “a coroada”, com menor dimensão e praticamente desimpedida de construções. Valença era a mais importante Praça-Forte do Minho e uma das mais relevantes de toda a linha fronteiriça de Portugal. Atualmente, quando percorremos­o interior da fortaleza de Valença, podemos claramente identificar estas duas áreas. Conhecido o passado, mergulhemos agora no presente que não esquece as raízes e que oferece, a cada visitante, uma viagem no tempo. Assim, no interior da fortaleza, merecem a sua atenção a Igreja de Santo Estevão, onde é possível apreciar a cadeira bispal, ao estilo gótico-mudéjar, que pertenceu ao bispado de Ceuta, e o único quadro existente em Portugal da Virgem a amamentar o menino, que escapou à inquisição; a igreja de Santa Maria dos Anjos com a sua construção ao estilo Românico que remonta ao século XIII; o Marco Miliário Romano que marca as 42 milhas de distância entre Braga e Tui e que foi mandado construir pelo Imperador Cláudio, no séc. I DC; a fonte da vila; o Paiol do Campo de Marte; o Portal Champalimaud de Nussane; as Portas da Coroada e as Portas da Gaviarra. Não perca ainda a vista que a fortaleza oferece sobre a cidade de Tui e sobre a centenária ponte internacional de Valença que liga as duas cidades separadas pelo Rio Minho. E, já no exterior da fortaleza, descubra o Convento de Ganféi, a Igreja de Sanfins, o Portal da Quinta de Castro, o Miradouro da Capela de Santa Ana e os vários trilhos pedestres que Valença oferece. Aproveite ainda para se deliciar com a gastronomia da região. Procure, por exemplo, o Cabrito à Sanfins, a Lampreia, o Anho no Forno e, claro está, o Bacalhau. Afinal de contas, depois de tanto andar, é imperativo parar para saborear… Os petiscos e o momento! : :

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RIVIERA MAYA

ONDE OS SONHOS SÃO AZUIS E CRISTALINOS Se não gosta de praia, calor, águas quentes, cultura pré-colombiana e muita tequila, este destino não é para si. A Riviera Maya é uma região mexicana, situada na costa nordeste do Estado de Quintana Roo, na península do Iucatão, estendendo-se por mais de 120 km de frente para o Mar do Caribe.

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