Sollicitare n.º 26

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EDIÇÃO N.º 26 \ QUADRIMESTRAL \ JUNHO – SETEMBRO 2019 \ €2,50

À CONVERSA COM

JOSÉ JORGE LETRIA

Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores REPORTAGEM

SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA ELETRÓNICA

ENTREVISTA COM

ANTÓNIO PIÇARRA Presidente do Supremo Tribunal de Justiça


FICHA TÉCNICA

Sollicitare

ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Diretor José Carlos Resende Editor Rui Miguel Simão Redatores principais André Silva, Andreia Amaral, Joana Gonçalves Colaboram nesta edição: Delfim Costa, Diana Andrade, Fernanda da Silva Araújo, Filipe Monteiro, Francisco Serra Loureiro, Jacinto Neto, Lénia Conde S. Alves, Liliana Fernandes, Marco Antunes, Miguel Ângelo Costa, Neemias Freire, Patrícia Cadete, Paulo Branco, Samuel Sousa, Susana Antas Videira Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde Tiragem: 6 500 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes.

EDIÇÃO N.º 26 \ JUNHO – SETEMBRO 2019

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

BASTONÁRIO José Carlos Resende ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE: Armando Oliveira (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Paulo Branco (Braga) 2ª SECRETÁRIA: Ana Filipa da Silva (Seixal) CONSELHO GERAL PRESIDENTE: José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1º VICE-PRESIDENTE: Paulo Teixeira (Matosinhos) 2º VICE-PRESIDENTE: Armando A. Oliveira (Braga) 3ª VICE-PRESIDENTE: Edite Gaspar (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Rui Miguel Simão (Lisboa) 2ª SECRETÁRIA: Rute Baptista Pato (Benavente) TESOUREIRA: Vanda Santos Nunes (Barreiro) VOGAIS: João Coutinho (Figueira da Foz), Carla Franco Pereira (Évora) Ana Paula Gomes da Costa (Sintra), Maria José Almeida Ricardo (Lisboa) Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE: Carlos de Matos (Lisboa) VICE-PRESIDENTE: Mário Couto (Vila Nova de Gaia) SECRETÁRIA: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) VOGAIS: Otília Ferreira (Lamego), José Guilherme Pinto (Maia), Neusa Silva (Viseu) Valter Jorge Rodrigues (Moita), Margarida Carvalho (Lisboa), Alberto Braz (Coimbra) Susana Pinto (Felgueiras), Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira) CONSELHO FISCAL PRESIDENTE: Miguel Ângelo Costa (Barcelos) SECRETÁRIO: João Francisco Lameiro Pinto (Sesimbra) VOGAL: Mazars & Associados, Sroc, S.A. CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE: Júlio Santos (Silves) VICE-PRESIDENTE: Fernando Rodrigues (Matosinhos) VOGAIS: Marco Antunes (Vagos), Lénia Conde S. Alves (Leiria), Christian Pedrosa (Almada) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO PRESIDENTE: Jacinto Neto (Loures) VICE-PRESIDENTE: Mara Fernandes (Lisboa) VOGAIS: Marco Santos (Trofa), Susana Rocha (Matosinhos) Nelson Santos (Marinha Grande) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE: Duarte Pinto (Porto) SECRETÁRIA: Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS: Elizabete Pinto (Porto), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira) Delfim Costa (Barcelos) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) SECRETÁRIO: Leandro Siopa (Pombal) VOGAIS: Edna Nabais (Castelo Branco), Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Graça Isabel Carreira (Alcobaça) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE: João Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIO: António Correia Novo (Portalegre) VOGAIS: Natércia Reigada (Lagos), Maria José Santos (Silves) Carlos Botelho (Almada) Estatuto editorial disponível em: http://osae.pt/pt/pag/osae/estatutos-editoriais/1/1/1/361

Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.


EDITORIAL

José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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este número 26 da Sollicitare damos a capa ao juiz conselheiro António Piçarra, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Depois de na edição anterior termos contado com o Bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues, que nos apresentou uma perspetiva muito interessante sobre a necessidade de uma multidisciplinaridade no mundo judicial, o líder, desde outubro de 2018, do organismo que ocupa o topo da hierarquia do poder judiciário, mostra-nos a necessidade da promoção da estabilidade do sistema jurídico. Vale a pena analisar a sua visão sobre os denominados megaprocessos. Na entrevista que nos concedeu, António Piçarra assume como preocupação central a independência dos juízes e diz-se também atento quanto à temática da compreensão por parte dos cidadãos em relação à linguagem da Justiça, assunto também desenvolvido na edição anterior da nossa revista e que tem estado na agenda da Ordem. Não poderia deixar de agradecer à Direção de Serviços de Vigilância Eletrónica, organismo integrado na Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e que lidera as operações de Vigilância Eletrónica em Portugal, na pessoa da sua Diretora, Teresa Lopes, por nos ter levantado a cortina sobre as operações que conduz, tendo como superior missão o zelar pela segurança de todos. Uma reportagem a ler com atenção. José Jorge Letria é um nome de referência na literatura e na história recente do nosso país. Obriga-nos a viajar no tempo e a recordar. Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, defende como ninguém os autores portugueses, a liberdade e a lusofonia. A penhora de direitos de autor, também desenvolvida neste artigo, tem especial interesse para os nossos associados e é uma competência a desenvolver até em formações específicas. A presente edição da Sollicitare marca também o início de uma nova rubrica, o “especial religião”. Neste espaço,

tencionamos revelar-lhe, ao longo de várias edições, os credos com maior representatividade em Portugal. Sabemos que a liberdade religiosa é fundamental num estado democrático. Mas o que acontece quando a lei civil e a doutrina apontam caminhos diferentes? Começámos por conhecer a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, uma das doutrinas cristãs com maior crescimento no país. No que diz respeito à vida da Casa, realçamos os últimos Fóruns de Solicitadores e Agentes de Execução do Algarve, Guarda e Viseu e Braga e Viana do Castelo. Continuamos a mover-nos por uma cada vez melhor descentralização, aliada à partilha de conhecimentos e de convívio entre colegas. Uma aposta para continuar. Fomos ainda até Leiria conhecer o curso de Solicitadoria da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria. E a nossa equipa foi tão bem recebida pela coordenadora do curso, Susana Almeida. Agradecimentos extensivos a Susana Antas Videira, à Ordem dos Despachantes Oficiais, a Filipe Monteiro, a Francisco Serra Loureiro, a Liliana Fernandes, a Paulo Branco, a Marco Antunes, a Jacinto Neto, a Diana Andrade, a Neemias Freire, a Patrícia Cadete e a Delfim Costa pela colaboração e pelos excelentes artigos que fazem também a nossa revista. Cada número da nossa Sollicitare é um passo na consolidação, crescimento e dignificação da nossa Ordem. O nosso desenvolvimento teve sempre rostos e anonimatos. Neste número recordamos em especial um Senhor Solicitador – Carlos Cordeiro. Não por ser o mais antigo solicitador que nos deixou, mas porque foi sempre um exemplo de perseverança estoica em três aspetos: o seu republicanismo, o seu empenho no desenvolvimento da profissão e a sua militância pelo concelho de Alenquer. Acresce uma solidariedade e amizade que será sempre uma saudade e exemplo para todos nós e nos faz sentir que o Carlos Cordeiro estará cá sempre. : :

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Sollicitareíndex Labor N.26 \ JUNHO – SETEMBRO 2019

ANTÓNIO PIÇARRA

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Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Entrevista

DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA ELETRÓNICA

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Os Vigilantes Reportagem

JOSÉ JORGE LETRIA

Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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Entrevista

IGREJA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS

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Uma Ponte para a Eternidade Reportagem

Fotografia capa: Rui Santos Jorge

EDITORIAL

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PROFISSÃO ROAS 2.0: O que há de novo Agente de Execução – O exercício, no campo privatístico, de [relevantíssimas] funções públicas Testamento Vital e o fim da vida Limpeza de terrenos: Uma obrigação legal Tecnologia

12 27 55 62

ORDENS O Despachante Oficial

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Improbus Omnia Vincit Labor Improbus Omnia Vincit

SUSANA ALMEIDA

Coordenadora do curso de Solicitadoria da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do IPL

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Ensino Superior

DR. BAYARD

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Os melhores amigos do peito Reportagem

CARLOS CORDEIRO

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Solicitadores Ilustres Profissão

ANA RITA CLARA

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Apresentadora Entrevista

OSAE Lagos acolheu IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução do Algarve IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução reúne associados de Braga e Viana do Castelo Associados de Guarda e Viseu reunidos no IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução Portas abertas a alunos universitários

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44 69

O IFBM EXPLICA... Como obter a nacionalidade portuguesa?

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SOCIEDADE Emergência ambiental

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SUGESTÕES Livros Jurídicos Leituras

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ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante "Ponte Velha" Restaurante "Bagoeira"

76 77

VIAGENS Fafe. A sala de visitas do Minho São Tomé e Príncipe. No paraíso vive-se ao ritmo do leve-leve

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ENTREVISTA

“Os tempos e as exigências mudam, mas o essencial tem que se manter: a busca da Justiça de cada caso”

ANTÓNIO PIÇARRA PRESI DENTE DO SUPREMO T R IBU N A L D E JU ST IÇ A

Escondida do sol, por entre as arcadas da ala nordeste da Praça do Comércio, a magnificência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não só se vê, como se sente. À descoberta da beleza das salas onde, desde 1833, a jurisprudência pronuncia a sua palavra final, imiscuímo-nos na perfeita simbiose entre a paz dos frescos do teto e da paisagem do rio Tejo, estendido ali em frente, e a imponência do mobiliário antigo. Será talvez um equilíbrio refletor da estabilidade do sistema jurídico, dessa mesma cuja promoção é a função essencial da instituição que alberga. Quem o diz é António Piçarra, que, desde outubro de 2018, lidera o organismo que ocupa o topo da hierarquia do poder judiciário. Senhor de uma carreira distinta – que inclui cargos como Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura e Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra –, é com simpatia e afável assertividade que responde às nossas questões e nos mostra que também desse equilíbrio é detentor. Entrevista Andreia Amaral / Fotografia Rui Santos Jorge

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Considera que o conceito de Estado Soberano está a mudar? Que impactos tem para o sistema Judicial as mutações neste particular? Parece-me que não é propriamente o conceito de Estado Soberano que está a mudar. O que está, sem dúvida, a mudar é a realidade da soberania nacional no contexto europeu e global. Ao olharmos a realidade atual, sobretudo ao nível das diversas estruturas regionais de poder, como a União Europeia, percebemos claramente que está em curso um processo de transferência de soberania do nível nacional para o supranacional e a vida das pessoas está, cada vez mais, a ser determinada em esferas acima do Estado. Esta é a realidade a que os poderes dos Estado também têm que se adaptar. A adaptação atinge todos os poderes e, portanto, também o judicial. É um caminho que nos vai levando a perceber que não podemos atender apenas às leis nacionais e a perceber que estamos num espaço conformador mais amplo. Diria que a adaptação da Justiça é uma obra em curso… A independência dos Juízes é uma das suas maiores preocupações. Aliás, fala de três níveis de independência… O que aludi a propósito de independência no discurso de abertura do ano judicial, se teve alguma coisa de inovador, foi a referência a um terceiro nível, a que chamei de independência subjetiva, que se soma aos dois níveis tradicionalmente referidos: a independência externa e interna.

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A independência externa sublinha que os juízes e o sistema de Justiça não podem ser condicionados nas suas decisões por outros poderes do Estado. É aqui que se afirma a independência da Justiça face ao legislativo e ao executivo. Já a independência interna refere-se à insusceptibilidade da decisão dos juízes ser condicionada, ou limitada, pela ação de pessoas ou órgãos dentro do próprio sistema de Justiça. A não interferência dos Conselhos Superiores ou dos juízes Presidentes na decisão dos juízes coloca-se precisamente a este nível. No tal terceiro nível, a independência refere-se a algo de intrínseco a cada juiz. Além do quadro legal e institucional, a independência, se quisermos, coloca-se também a um nível psicológico e este é tão importante como os outros. Se os juízes mantiverem uma cultura individual de independência e um sentimento de forte rejeição a qualquer pressão, que é a realidade que temos hoje, lutarão sempre, energicamente, contra quaisquer tentativas de interferência ou condicionamento ilegítimo das suas decisões. As decisões podem questionar-se e os tempos da Justiça também. O que não pode questionar-se nunca é que os juízes decidem de forma livre e independente, sem qualquer condicionamento. Isso, felizmente, temos em Portugal e os juízes são guardiões intransigentes desta realidade. Isto não quer dizer, em qualquer caso, que a independência seja uma aquisição definitiva. Devemos estar permanentemente vigilantes para os perigos que sobre ela pairam.


ENTREVISTA COM ANTÓNIO PIÇARRA

Os megaprocessos, pelo tempo e pela complexidade que envolvem, vêm associados normalmente a uma imagem de uma Justiça lenta e excessivamente complexa.

Basta olhar para a realidade de alguns países, em plena União Europeia, para perceber que os riscos para a independência da Justiça continuam bem presentes. Que impactos têm tido os megaprocessos naquela que é a perceção do cidadão da Justiça? Considera que os megaprocessos são favoráveis ou dever-se-ia optar pela separação? Não será grande novidade se dissermos que os megaprocessos, pelo tempo e pela complexidade que envolvem, vêm associados normalmente a uma imagem de uma Justiça lenta e excessivamente complexa. À boa maneira portuguesa, normalmente vêm também associados a afirmações do tipo “são processos que dão em nada”.

Importa não simplificar excessivamente as ideias e tentar fazer uma avaliação objetiva destas realidades. Isso exige uma análise profunda que permita chegar a conclusões sustentadas. É uma análise que, de modo consistente, ainda não foi feita. Existem, em qualquer caso, ideias a este propósito que não resistem às verificações mais imediatas. Basta olhar para alguns dos maiores processos judiciais deste milénio e ver os resultados produzidos. Vários foram julgados e chegaram ao seu fim. Algumas pessoas foram condenadas e outras absolvidas e, portanto, em última análise, verificou-se o normal funcionamento da Justiça. Terão sido processos lentos e complexos, mas a verdade é que chegaram ao fim. Como já disse, a Justiça funciona quando condena e quando absolve. Ninguém é culpado antes de o ser em tribunal. Quanto à dificuldade de o sistema gerir este tipo de realidades processuais, é, sem dúvida, um dos grandes problemas da Justiça. Passar daí para uma afirmação simplista de que a solução seria, como num golpe de magia, “partir” um processo grande nalguns mais pequenos é, no mínimo, especulativo. Separar processos é uma ideia, de facto, apelativa. Mas será que num processo separado se consegue abranger toda a informação relevante para compreender uma certa realidade?

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ENTREVISTA COM ANTÓNIO PIÇARRA

Essa é que é grande questão. “Partir” o processo para deixar realidades incompletas e sem coerência pode ser meio caminho andado para deixar cair pela base uma ação penal. Claro que todos preferíamos ter processos mais pequenos e de gestão mais fácil. Os tribunais não podem centrar, porém, a sua preocupação nesse tipo de considerações. A avaliação de separar ou não separar investigações é uma competência do Ministério Público, que, enquanto titular da ação penal, tentará certamente compreender o núcleo essencial dos factos sem deixar fraquezas ou incoerências estruturais no processo. A este propósito gostaria de dizer ainda que convém olhar criticamente as críticas (passe o pleonasmo) muitas vezes dirigidas aos megaprocessos. O argumento da excessiva complexidade destes processos é, muitas vezes, usado abusivamente por aqueles que ostensivamente a provocaram. Se alguém pratica um crime envolvendo-o de uma nebulosa de atos de ocultação para tornar a sua descoberta extraordinariamente complexa, não pode depois queixar-se da excessiva complexidade da investigação… Se a realidade for complexa, não se pode esperar que o processo judicial que a trata seja simples. Acha que é necessário haver uma reforma na Justiça? Se há coisa que já estamos todos cansados é de ideias megalómanas de “reforma na Justiça”. Muito há para melhorar na Justiça, a todos os níveis, desde a legislação à organização, passando pelo suporte material. Nalguns casos, as necessidades serão até mais profundas e exigirão, eventualmente, alterações ao nível da codificação. Contudo, importa deixar, de uma vez por todas, esse léxico da “grande reforma”, que muitas vezes mais não serve senão para adiar a verdadeira resolução de alguns problemas e para desresponsabilizar algumas falhas perfeitamente ultrapassáveis no contexto atual. Defendo, por isso, muito mais uma ideia de melhorar a capacidade de resposta a cada dia, tentando ultrapassar os problemas que a realidade nos vai colocando. Houve, aliás, grandes reformas ainda recentemente. Estão feitas. Agora, há que olhar e enfrentar os problemas mais concretos e trabalhar na sua solução. Essa é, parece-me, a necessidade atual e a perspetiva mais correta das dificuldades do sistema. Grandes reformas legais ao sabor das mudanças eleitorais não são soluções. São problemas para a Justiça. A compreensão do que é decidido é essencial para a aceitação social das decisões judiciais e para o prestígio da Justiça? Considera que a linguagem da Justiça se deve aproximar dos cidadãos ou que cabe ao Estado formar os cidadãos na linguagem da Justiça? Não tenho a menor dúvida de que assim é. A Justiça tem uma linguagem técnica e a qualidade das decisões exige-a. A compreensão do que é decidido pela generalidade dos

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cidadãos exige uma capacidade de traduzir a linguagem técnica em ideias compreensíveis pela generalidade das pessoas. É algo exigente, mas que é certamente possível. A reposta para estas dificuldades tem contornos diversos. Pode passar pela formação e informação aos cidadãos, como poderá passar pela conversão de linguagem jurídica em linguagem mais natural. É algo a que estou muito atento. Quais as consequências para o sistema da crescente exposição mediática da Justiça? Como deve a Justiça gerir esse mediatismo e contrariar o permanente julgamento prévio na praça pública? A mediatização da Justiça é uma realidade incontornável. A Justiça é uma parte importante da sociedade e a sociedade é mediatizada. Inevitavelmente, a Justiça terá que ser também mediatizada. O que me preocupa a este propósito é, em primeiro lugar, assegurar a tranquilidade na realização da Justiça. A mediatização nunca pode tornar-se uma pressão na decisão. Essa tem que ser a primeira preocupação. Depois dessa, o que me preocupa é que a Justiça continue com a grande dificuldade de comunicar adequadamente. Essa é uma preocupação que me acompanha diariamente, quer ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, quer do Conselho Superior da Magistratura, e onde espero que continuem a ocorrer sensíveis evoluções. No tocante à questão dos julgamentos prévios na praça pública pode pressupor um problema grave, se envolver violação do segredo de Justiça, mas que é muito mais da investigação criminal, a cargo do Ministério Público, que dos tribunais. Há que sublinhar que notícias de crimes e de processos judiciais não são a mesma coisa que “julgamentos prévios”. São apenas notícias, dadas por uma imprensa livre e que é uma parte essencial de uma sociedade democrática. À Justiça caberá, neste domínio, avaliar se houve abusos do direito a informar e a ser informado.


Se há coisa que já estamos todos cansados é de ideias megalómanas de “reforma na Justiça”. (…) Grandes reformas legais ao sabor de mudanças eleitorais não são soluções. São problemas para a Justiça.

Recentemente realçou a importância das novas tecnologias na Justiça desde que estas não fossem um fim mas sim um meio. Como vê os progressos alcançados na ação executiva com o uso do leilão eletrónico, da penhora informática? As tecnologias são uma realidade incontornável e uma necessidade absoluta da Justiça. Quem defende a capacidade de resposta da Justiça tem que afirmar a necessidade de acompanhar a evolução da sociedade e dos desenvolvimentos tecnológicos que vem fazendo. Por isso, as inovações e os avanços são, genericamente, de aplaudir. Sem querer focar-me excessivamente nos exemplos que coloca, direi que importa sempre considerar que a tecnologia é apenas um meio para uma melhor realização da Justiça. Sempre que as inovações sirvam para melhorar a eficácia e a qualidade, salvaguardando a proporcionalidade na ação da Justiça e os direitos e as liberdades individuais, são positivas. As questões do processo executivo são particularmente sensíveis porque constituem o momento da efetiva concretização dos direitos. Uma Justiça meramente declarativa é incompleta ou até simbólica. É na execução que são mais diretamente postos em causa os direitos dos destinatários da ação da Justiça. Desde que as inovações que refere sejam indutoras de transparência e eficácia são positivas. Todavia, para acautelar a justa medida da ação de cobrança, importa ter tribunais de execução ativos e operantes, que sindiquem efetivamente todas as atividades executivas, sejam estas suportadas tecnologicamente ou não. Na Justiça cível, o sistema de prova é por vezes criticado pelo excessivo formalismo e morosidade com evidentes dificuldades no uso de soluções adotadas noutros países, como os autos de constatação ou verificações judiciais com geolocalização. Acha que se devia procurar novas soluções neste âmbito?

Há, de facto, meios de prova que podem, sem justificação, entravar grandemente o andamento dos processos e, na medida em que possam ser substituídos por meios mais ágeis, haverá vantagem. Importa, também aqui, não esquecer que a avaliação deve sempre ser feita pelo juiz. É este que, em última análise, deve apreciar da necessidade e da pertinência de qualquer meio de prova. A prova tarifada é legalmente restrita e não deve criar-se uma falsa ideia de qualificação da prova por via tecnológica. Nesta base, o que for inovação, desde que em regime de liberdade e no âmbito da livre apreciação, deve ser olhado favoravelmente. A classe média tem evidentes dificuldades no acesso à Justiça. Por outro lado há críticas de que o sistema de apoio judiciário também contribui para uma Justiça para pobres e outra para ricos. Como analisa a problemática do acesso ao Direito? Esta é uma área muito sensível. O acesso ao direito e à Justiça é um dos direitos fundamentais mais relevantes, até na lógica constitucional. Uma Constituição com um amplo leque de direitos e que depois não tenha consagração legal numa permissão de amplo acesso à Justiça será sempre uma Constituição incompleta. Esta é, porém, uma matéria também sensível politicamente, estando em causa os equilíbrios do sistema de Justiça. Será fácil advogar uma redução de taxas e custas. Mais difícil é, certamente, fazê-lo olhando para a sustentabilidade do sistema de Justiça. Não tenho dúvidas de que há pessoas que, no regime atual, têm dificuldade de aceder à Justiça, mas também não tenho dúvidas que não se podem adotar soluções irrealistas ou perturbadoras do equilíbrio global que o sistema deve ter. As taxas não são, necessariamente, um mal em si mesmo. Têm uma função essencial de moderação dos abusos no acesso à Justiça que dificilmente poderia ser conseguida

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ENTREVISTA COM ANTÓNIO PIÇARRA

de outra forma e, nessa medida, são uma realidade incontornável, a menos que se considere que toda a Justiça deve ser suportada pelos impostos, o que ainda não vi ninguém defender, pelo menos de modo estruturado. Dizendo isto, digo apenas o que entendo que posso dizer sobre este tema. A impossibilidade de recorrer da dupla conforme não potencia sanções muito diversificadas? Defende alterações nesta matéria? O problema não está na impossibilidade de recurso de uma dupla decisão no mesmo sentido. O problema é outro. Se é assegurado um duplo grau de jurisdição, o essencial do direito ao recurso está salvaguardado e, por outro lado, a lei consagra sempre a possibilidade de um recurso excecional, em caso de dupla conforme, quando estejam em causa questões de grande relevância jurídica ou social, ou quando a decisão conforme esteja em contradição com outra decisão de um tribunal superior.

Os níveis de conhecimento e de especialização que são exigidos e a quantidade colossal de informação que há para apreciar exigem grande apoio. E, de facto, os juízes não o têm. Em termos de desenho ideal podemos dizer que o sistema é equilibrado. O problema é que o modelo se tornou de aplicação prática muito difícil e isso tem originado um grau inaceitável de imprevisibilidade na matéria de recursos. Em última análise esse é um dos problemas maiores que a jurisprudência de um Supremo Tribunal pode ter – a imprevisibilidade. Com ela, a sua função essencial, que é promover a estabilidade do sistema jurídico, fica completamente posta em causa.

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A definição do que seja a dupla conforme e o procedimento de admissão da revista excecional tem criado muitas dúvidas. Há propostas legais de alteração a ser trabalhadas. Esperemos que possam ver a luz do dia. Considera ser necessário repensar o modelo de impugnação da matéria de facto perante os Tribunais de Relação? Defendo claramente um modelo de transparência na realização da Justiça que permita a sindicabilidade ampliada de decisões, mas sem pôr em causa o princípio essencial que o julgamento da matéria de facto se faz na 1ª instância, com imediação na produção de prova. O sistema de Justiça deve organizar-se a partir daí e no pressuposto de confiança na decisão do juiz de 1ª instância. O atual modelo de impugnação sobrecarrega e torna incomportável o serviço nas Relações, o que deve merecer uma séria reflexão sobre a sustentabilidade e utilidade do mesmo. Se há um Juiz que passa horas infindas a ouvir gravações e depois relata a decisão é quase certo que o adjunto (no crime) ou adjuntos (no cível) não terão um conhecimento igual sobre essa temática do recurso. Esta é a realidade nos tribunais de 2ª instância. É evidente que, se a opção política for a manutenção do modelo, o apoio direto aos Juízes Desembargadores, chame-se assessoria ou outra coisa, é uma absoluta necessidade. A esse respeito, tem chamado a atenção para a necessidade de assessoria com especial enfoque nas áreas do Direito da Concorrência, Propriedade Intelectual, Bancário e Financeiro. Os tribunais têm uma necessidade latente de meios? Não gosto particularmente de afirmações genéricas sobre carências de meios, mas é evidente que nestas matérias altamente especializadas, como nos casos que falámos antes, dos chamados megaprocessos, existe uma gritante falta de apoio aos juízes. Essa ideia de termos juízes como uma espécie de heróis solitários já não é deste tempo. Os níveis de conhecimento e de especialização que são exigidos e a quantidade colossal de informação que há para apreciar exigem grande apoio. E, de facto, os juízes não o têm. Seria também importante repor a anterior colegialidade na apreciação e decisão dos recursos penais? Parece-me muito importante revisitar este tema, refletir e repor a anterior colegialidade na apreciação e decisão dos recursos penais. Qual é o grande desafio que a Justiça irá enfrentar este ano? O desafio tem que ser sempre o mesmo. Melhorar a resposta diária e, principalmente, procurar que esta seja célere e sobretudo justa. Os tempos e as exigências mudam, mas o essencial tem que se manter: a busca da Justiça de cada caso. : :


PROFISSÃO

ROAS 2.0: O QUE HÁ DE NOVO Por Lénia Conde S. Alves, Solicitadora e Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE

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ROAS (Registo Online dos Atos dos Solicitadores) é uma plataforma informática desenvolvida e gerida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). Disponibilizada aos seus associados Solicitadores, foi criada à luz da portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho, que implementou a obrigatoriedade do registo informático dos atos notariais, designadamente reconhecimentos de assinaturas, certificações de fotocópias e de traduções e autenticação de documentos particulares. Desde a entrada em vigor da aludida portaria, o ROAS é imprescindível na vida profissional do Solicitador. Assim, na vanguarda da tecnologia, a OSAE desenvolveu nos últimos dois anos uma versão mais evoluída do ROAS. Designada por ROAS 2.0, foi lançada em abril de 2017 e disponibilizada aos Solicitadores em setembro desse ano. Trata-se de uma plataforma informática com mais funcionalidades, apelativa, cómoda, célere e eficaz. O ROAS 2.0 visa a segurança jurídica, tornando o documento inalterável, e permite que o associado cumpra com os Regulamentos de Arquivo e de Publicidade, Imagem e Utilização de Marcas de Titularidade da Ordem, mormente os deveres de manutenção da listagem permanente atualizada que permita a localização dos documentos e de utilização do selo de autenticação e da imagem única do Solicitador. Nesta plataforma é possível praticar/registar/depositar: a certificação de fotocópias (duas opções); Reconhecimentos (quatro tipos); Autenticação e registo de DPA´s (três situações); Traduções (duas opções) e depósito de Autos de Constatação e Verificações não Judiciais Qualificadas. Confere ainda a possibilidade de pré-preenchi-

mento quanto ao ato que o Solicitador pretenda registar, a inclusão da identificação do(s) interveniente(s), a realização simultânea de diversos atos com o mesmo teor e a visualização, por opção, do documento final. Uma funcionalidade importante é a de que, com um só registo de DPA que contenha direitos sobre imóveis, é fornecida automaticamente, não só a folha de certificação da primeira fotocópia autenticada, mas também a capa para o arquivo do ato ou contrato. Existe ainda a possibilidade de poder ser associado ao registo o texto integral do documento, o que permite ao Solicitador, através do histórico, consultar todos os títulos e respetivas autenticações que haja registado. Esta plataforma também permite a visualização do documento final, em esboço, antes de se efetuar o registo e, após o seu registo, a inclusão de toda a informação num único documento, designadamente a identificação do Solicitador, o ato praticado pelo mesmo, a identificação do respetivo selo de autenticação, a data, hora e o número do registo informático, dispondo ainda de QR Code. Desde o final do ano passado que foi integrado no ROAS 2.0 o depósito do "Auto de Constatação" e os respetivos ficheiros anexos. Recorde-se que este é um novo serviço efetuado pelos associados da OSAE, Solicitadores e Agentes de Execução, devidamente habilitados, e que consiste numa declaração escrita e autenticada, prestada por estes, reproduzindo a realidade de um determinado facto por narração circunstanciada com registos da sua dimensão. O ROAS 2.0 está em constante atualização, visando a autenticidade do serviço prestado pelos associados da OSAE e permitindo uma melhor satisfação dos interesses dos cidadãos e da justiça! : :

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Cláudia Teixeira

AGENTE DE EXECUÇÃO O EXERCÍCIO, NO CAMPO PRIVATÍSTICO, DE [RELEVANTÍSSIMAS] FUNÇÕES PÚBLICAS

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PROFISSÃO

Por Susana Antas Videira, Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Consultora da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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Direito é sempre a solução pacífica dos conflitos de valores, de interesses, de poderes. É neste contexto que se compreende que o processo seja, como recorda Michel Villey, o berço do direito, já que consubstancia, por definição, controvérsia onde se procura a solução justa, que reconcilie as pretensões das partes adversas. No direito português, ao invés do que sucede no processo declarativo, a ação executiva tem por finalidade a reparação efetiva de um direito violado. Não se trata, pois, de declarar direitos, já existentes ou a constituir, mas de providenciar pela realização coativa de uma prestação devida. No processo executivo o agente de execução é verdadeiramente fulcral. Para fundamentar este registo de essencialidade, cumpre recuperar a memória histórica: Anteriormente à reforma da ação executiva, cabia ao juiz a direção do processo executivo. Com a reforma, iniciada em 2003, prosseguida em 2008 e confirmada com o novo Código de Processo Civil, este paradigma foi abandonado e, a exemplo de outros sistemas jurídicos europeus, o juiz passou a exercer, essencialmente, funções de tutela e de controlo, garantindo a proteção dos direitos fundamentais. Deixou, assim, de estar cometida ao juiz a promoção das diligências executivas, passando, em geral, a realização dos múltiplos atos do processo a caber ao agente de execução. O agente de execução é, hoje, o auxiliar da justiça, que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade, por exemplo nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações que realiza. Acresce que, mesmo sendo nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa, constituindo a independência um dos vetores estruturantes do seu conteúdo funcional.

Do que antecede ressalta, pois, que o agente de execução exerce relevantíssimas funções públicas, nas quais avulta o exercício de autoridade e não a prestação de serviços em que o fator técnico é prevalente. Por isso, encontra-se, em termos estatutários, sujeito a um regime específico, nomeadamente, em matéria de acesso à profissão e respetiva formação, incompatibilidades e impedimentos, direitos e deveres, remuneração, controlo e disciplina. De sublinhar o seu papel como auxiliar de justiça, que exerce uma profissão independente, mas pautada por deveres estatutários específicos, aliás, postulados pela natureza pública da função da administração da justiça em que se inscreve. O agente de execução assume, pois, uma vital importância no funcionamento do sistema de justiça, contribuindo para salvaguardar o princípio estruturante da igualdade entre as partes, garantindo o equilíbrio necessário entre os direitos e interesses do credor e os do devedor. Por consequência, a fidelidade ao ideal da justiça pressupõe que o direito continue a confiar nestes profissionais, que têm sabido honrar a relevância da função que exercem, adaptando-se, com independência, eficácia e preparação técnica, aos desafios de uma sociedade em constante mudança. Num tempo em que a pressão para resolver, de forma imediata, os problemas associados ao elevado volume de empréstimos de mau desempenho parece conduzir alguns a desconsiderar a importância da intervenção das profissões jurídicas neste domínio particularmente gravoso, abrindo a execução a cobradores impreparados, sem qualquer código de conduta ou deontologia profissional, urge reconhecer o papel desempenhado por estes profissionais, que aliam, por força dos seus deveres legais e estatutários, a independência à integridade. Assim o impõe a justiça e a segurança, elevadas a princípios objetivos de ordenação social. : :

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REPORTAGEM

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CONFINADAS NAS SUAS CASAS OU INVISÍVEIS NA AZÁFAMA DAS RUAS PORTUGUESAS, HÁ PESSOAS QUE TÊM TODOS OS SEUS PASSOS CONTROLADOS. SÃO ROSTOS ANÓNIMOS, INDISTINTOS DOS DEMAIS, MAS CARREGAM UM PESO DESCONHECIDO DA MAIORIA. UM MOVIMENTO EM FALSO FAZ SOAR OS ALARMES, ENGRENANDO UMA MÁQUINA OLEADA E PREPARADA PARA RESPONDER AO SEGUNDO A QUALQUER OCORRÊNCIA. NOS BASTIDORES, ESCONDE-SE UM SISTEMA QUE TRABALHA ININTERRUPTAMENTE, 24 HORAS POR DIA, 365 DIAS POR ANO, COM A SUPERIOR MISSÃO DE ZELAR PELA SEGURANÇA. LEVANTÁMOS A CORTINA SOBRE A DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA ELETRÓNICA E REVELAMOS-LHE AQUI AS SUAS OPERAÇÕES.

OS VIGILANTES Texto Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt

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oncentrados nos monitores, os técnicos, confrontados com a nossa presença, levantam por uma fração de segundo os olhares, denunciando que as perturbações e as visitas não são habituais. Ao centro, bem visível para todos, existe um ecrã com o número atualizado de casos em execução, enquadrado por outros onde se multiplicam notificações de ocorrências. Os alertas não param. Uns são importantes, outros nem tanto. Mas todos, sem exceção, têm que ser rigorosamente averiguados. Afinal, a cada notificação, mais do que uma pulseira eletrónica, corresponde uma vida, uma vida vigiada. E são mais de 2700 as que estão ali reproduzidas. Por isso, a atenção é máxima e o seguimento dos protocolos é obrigatório. Acompanhar e controlar vidas em suspenso é uma missão da Direção de Serviços de Vigilância Eletrónica, organismo integrado na Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) e que lidera as operações de Vigilância Eletrónica (VE) em Portugal. É a Diretora desta unidade especializada, Teresa Lopes, que nos guia pelo espaço localizado em plena cidade de Lisboa. No limiar das suas capacidades físicas, está a ser alvo de melhorias para dar resposta ao crescimento da VE em Portugal, de 76 por cento no último ano e meio. Por isso mesmo, em breve, a Direção de Serviços de Vigilância Eletrónica poderá vir a ocupar mais espaço, até porque ali funciona, para além da unidade central, uma das dez equipas territoriais encarregues de dar cumprimento às decisões dos tribunais relativas à VE. O objetivo é que, a curto prazo, sejam 12, também para acompanhar o aumento no recurso a esta medida. “Em Portugal, as operações de VE só começaram em 2002, com uma experiência piloto que durou três anos e foi circunscrita a alguns círculos judiciais de Lisboa. Posteriormente foi alargada ao Porto e só em 2005 é que tomou a dimensão nacional”, começa por explicar Teresa Lopes, enquanto revela que, nessa altura, o sistema foi utilizado apenas como fiscalização da medida de coação de obrigação de permanência na habitação. Com a revisão do Código de Processo Penal de 2007, a aplicação da VE expandiu-se: associou-se à substituição da pena de prisão, à adaptação à liberdade condicional e à fiscalização da pena acessória de proibição de contactos entre agressor e vítima de violência doméstica. Em 2009, passou também a fiscalizar esta proibição em contextos de medida de coação, suspensão provisória do processo e suspensão da execução da pena de prisão. Hoje, a VE é utilizada também no cumprimento da pena contínua de prisão, não em estabelecimento prisional, mas

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na habitação, bem como na fiscalização de condenados pelo crime de perseguição (stalking) e no controlo no âmbito do crime de incêndio florestal, no período coincidente com meses de maior risco de ocorrência de fogos. Um cenário complexo “Cada caso é um caso”, afirma Teresa Lopes, dando conta do trabalho personalizado que é necessário desenvolver. Cada equipa territorial é constituída por entre sete e 15 técnicos profissionais de front-office (de acordo com o volume de casos), “que fazem a monitorização e reagem aos eventos do sistema” relativos a um máximo ideal de 250 casos em execução, e por técnicos superiores, gestores de caso, no limite de 90 processos, “que definem a estratégia de intervenção para os arguidos e condenados, acompanham o desenvolvimento e informam o tribunal sempre que houver necessidade”. Contudo, e conforme explica a Diretora de Serviços, há um trabalho a priori: “A decisão de fiscalização eletrónica é aplicada pelo tribunal e começa na preparação da própria decisão judicial, ou seja, os serviços fazem um relatório prévio ao tribunal antes da tomada de decisão no sentido de aferir se estão reunidas as condições necessárias para aquela pessoa ser fiscalizada eletronicamente, do ponto de vista dos requisitos materiais, mas também das condições pessoais e do próprio risco que aquela pessoa pode ou não representar para a comunidade. Este informe prévio para o juiz vai de alguma forma preparar a decisão judicial para fiscalização eletrónica.” Depois de o juiz tomar a decisão e fixar a medida ou a pena, a equipa tem 48 horas para instalar os equipamentos de vigilância eletrónica. Os técnicos que vemos no front-office são os mesmos que se deslocam ao terreno para colocar em funcionamento o material de campo. “Usamos tecnologias diferentes de acordo com a finalidade”, revela Teresa Lopes. Para as situações de confinamento habitacional, a radiofrequência é a eleita. “Na casa do arguido ou do condenado, instalamos uma unidade de monitorização local que é parametrizada do ponto de vista da decisão judicial e também das dimensões do espaço habitacional onde o indivíduo tem que permanecer. Por sua vez, essa unidade de monitorização local deteta o sinal de rádio da pulseira eletrónica – do dispositivo que é colocado no tornozelo do arguido e condenado – e descarrega todos os dados de monitorização nos servidores e nos monitores acedidos pelo serviço de VE.” Já em situações de proibição de contactos, o sistema articula três tecnologias: a rede de satélites determina a localização do agressor e da vítima, a rede de telecomunicações permite descarregar os dados de localização e, por último, a tecnologia de radiofrequência afere que efetivamente o


“A decisão de fiscalização eletrónica é aplicada pelo tribunal e começa na preparação da própria decisão judicial, ou seja, os serviços fazem um relatório prévio ao tribunal antes da tomada de decisão no sentido no sentido de aferir se estão reunidas as condições necessárias para aquela pessoa ser fiscalizada eletronicamente.” Teresa Lopes

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agressor tem com ele o equipamento de localização. Também estes equipamentos são parametrizados em função do aparelho de localização do agressor e do aparelho de localização da vítima relativamente a um perímetro e a zonas de exclusão que o tribunal define. “Sempre que o agressor se aproxima de zonas de exclusão geográfica, que tem que conhecer, recebe um SMS e um sinal sonoro de que se está a aproximar de uma zona que não pode. Por sua vez, se a aproximação é no exterior, é a vítima que recebe esse alarme. A aproximação pode não ser intencional e o agressor não recebe esse alarme no seu equipamento precisamente para não denunciar que a vítima está naquele local.” Qualquer que seja o caso, sempre que há uma ocorrência, os alarmes disparam nos monitores das equipas territoriais e também nos monitores dos serviços centrais, que funcionam como um sistema de redundância para que nada passe despercebido. Mas, se não há VE sem tecnologia, “é irrelevante termos uma tecnologia muito boa e depois em termos de reação não fazemos nada com ela”. Por isso, os recursos humanos são fundamentais e são formados para dar resposta a um protocolo de operações. “Os procedimentos são muito importantes, porque as operações de VE passam-se muito rapidamente. Têm de estar muito bem oleadas, para haver uma reação rápida e retirar discricionariedade ao técnico que está a geri-las, mas também para lhe transmitir segurança: no momento da ocorrência, o técnico não precisa de se preocupar com o que tem de fazer, porque tem isso definido nos protocolos instituídos”, elenca Teresa Lopes. Nesse sentido, todas as ocorrências que surgem no sistema de VE são averiguadas e a reação é feita em função da urgência, da gravidade e também das circunstâncias. Situações identificadas protocolarmente como mais graves têm que ter uma reação imediata, enquanto outras podem demorar mais tempo. “Sempre que houver um episódio passível de ser interpretado como um incumprimento podemos reagir de várias maneiras. Desde logo, deslocamo-nos ao local, fazemos contactos telefónicos com os arguidos ou condenados e, se necessário, pedimos a colaboração das forças de segurança”, revela a responsável, avançando que, apesar da carência de meios e de as viaturas “serem um grande constrangimento”, estas dificuldades não têm, até ao presente, comprometido a reação adequada e atempada. Uma questão de modelo “O modelo da VE em Portugal é o que designamos como exclusivamente público e integrado. Quer isto dizer que são os nossos serviços que asseguram todas as operações: instalam e desinstalam equipamentos, fazem a monitorização, reagem às ocorrências e reportam ao tribunal”, indica Teresa Lopes. O modelo implementado é consensual na Europa continental, mas não a nível mundial. Países há em que o modelo é privado, como em Inglaterra, ou que optam por distribuir as operações por organismos e entidades diferentes. “Esse é um modelo que introduz ruído”, defende a responsável. “A in-

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tervenção integrada permite-nos agir de forma mais rápida, mas também com maior eficácia. Quando reagimos a uma ocorrência ou incumprimento num determinado momento, temos todo um conhecimento prévio daquele indivíduo, do seu agregado, das suas circunstâncias pessoais e familiares, e isso permite rentabilizar e tornar mais eficaz a atuação.” Aliás, de acordo com a Diretora de Serviços, a atuação das equipas associa sempre o controlo e o apoio ao cumprimento da decisão judicial. “Reagimos em função da ocorrência, mas também sempre na tentativa de recuperar o indivíduo.” Talvez por isso, diz, a taxa de incumprimento da decisão judicial ronde apenas os três por cento.

“Sempre que o agressor se aproxima de zonas de exclusão geográfica, que tem que conhecer, recebe um SMS e um sinal sonoro de que se está a aproximar de uma zona que não pode. Por sua vez, se a aproximação é no exterior, é a vítima que recebe esse alarme.” Teresa Lopes

As mais-valias sociais são, precisamente, das maiores vantagens do recurso à VE: os arguidos e condenados mantêm os seus vínculos sociofamiliares, ajudando a modelação de comportamentos, e evita-se o contágio criminógeno prisional e os prejuízos daí resultantes para a sociedade. Contudo, há também que destacar que este é um meio de controlo mais económico do que o estabelecimento prisional, desde logo porque dispensa custos relativos a infraestruturas, e que garante à mesma a segurança da comunidade. Por isso, a solução foi bem acolhida em Portugal. “Todas as mudanças têm uma fase de adaptação e esta não foi exceção. Em Portugal, a VE teve a vantagem de recolher sempre um grande consenso na classe política, que sempre abraçou muito este projeto. Depois, o facto de termos começado as operações com um período experimental foi também muito importante, porque ajudou quer a solidificar os procedimentos, quer a transmitir confiança aos tribunais, às autoridades, aos advogados e à própria comunidade”, assume Teresa Lopes. A este respeito, a Diretora de Serviços diz ainda que, “muitas vezes, a VE é também um instrumento de política criminal” e que “Portugal teve essa experiência”, sendo aplicada primeiro na obrigação de permanência na habitação como alternativa à prisão preventiva – porque na década de 90 o grande problema da sobrelotação prisional era com a prisão preventiva – e, em 2017, à pena de prisão na habitação, precisamente porque havia um problema de sobrelotação ao nível das penas de prisão de curta duração. “É claro que isso não significa que a VE seja aplicável a qualquer caso, mais que não seja, pelo facto de a pessoa, em


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última instância, poder danificar os equipamentos e eximir-se ao controlo antes de qualquer serviço reagir ou de qualquer tribunal revogar uma decisão judicial”, afirma a responsável, enquanto indica que por isso mesmo a VE deve ser aplicada a situações de médio risco para a comunidade. E qual o risco para os técnicos, que não integram um órgão de polícia criminal? “Arguidos e condenados não veem os técnicos de VE como elementos que venham dificultar a sua vida”, sublinha Teresa Lopes, ao elencar que os técnicos não agem só em função dos incumprimentos. “Temos toda uma atuação que tem que ver com a intervenção no caso, com visitas de rotinas e apoio a circunstâncias da vida quotidiana do próprio arguido ou condenado. Eles sabem que os serviços estão presentes e que querem ajudá-los no cumprimento e na mudança de hábitos.” Esta faceta é, de resto, preponderante no estabelecimento de um elo que inviabilize situações de perigo para os profissionais. “Não temos episódios relevantes de os nossos técnicos terem sido confrontados com situações atentatórias à sua integridade física, se calhar precisamente pelo facto de não sermos um órgão de segurança”, assume Teresa Lopes. Do mesmo modo, até à data, a Direção de Serviços de Vigilância Eletrónica nunca registou episódios de acesso indevido ao sistema. A proteção está assegurada contratualmente pela empresa que fornece a tecnologia e a sua manutenção. Mesmo assim, esta é uma preocupação permanente. “O tratamento e processamento de dados tem de respeitar o RGPD [ndr: Regulamento Geral de Proteção de Dados], temos um sistema de redundância, pelo que a informação nunca se perde, e temos uma política de perfis auditável a todo o momento.” Por sua vez, a DGRSP tem implementado um plano de prevenção de riscos e de corrupção que obriga também à monitorização de alguns fatores de risco relativos ao tipo de informação em causa e que é um complemento acessório nesta matéria. “A tecnologia está presente na nossa vida diária e tem também de estar ao serviço da Justiça. Mas acho que a tecnologia nunca poderá e nunca deverá substituir o contacto humano. Quando falamos da execução de penas penais, quando falamos da necessidade da mudança de comportamentos, o contacto humano e a relação entre o condenado e o técnico gestor de caso é uma necessidade imperiosa. Agora, efetivamente a tecnologia pode melhorar e rentabilizar essa relação e essa comunicação”, conclui a responsável sobre o equilíbrio entre pessoas e máquinas. “Penso que, no futuro, as denominadas aplicações pedagógicas, a utilização de plataformas que possam desenvolver e rentabilizar a comunicação do condenado ou arguido com o seu técnico, quer através de notificações, de informações, de videochamadas, ou até de conteúdos informativos – relativos ao próprio processo judicial ou pequenos programas de coaching e de apoio à motivação para a mudança de comportamentos – podem ser muito positivos e a Justiça não deverá estar alheia a essa evolução.” : :

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ORDENS

O DESPACHANTE OFICIAL

Por Fernanda da Silva Araújo, Bastonária da Ordem dos Despachantes Oficiais

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atividade do Despachante Oficial aparece referenciada pela primeira vez em 1554, no reinado de D. João III, pela pena de Damião de Góis. Na sua primorosa descrição da cidade de Lisboa, o autor escreveu que "...quem descesse do Hospital de Todos-os-Santos perto do atual Rossio e passasse pela Rua Nova dos Mercadores, que concentrava o grande comércio lisboeta, encontraria sempre na Praça do Pelourinho Velho, em frente do antigo posto fiscal onde se cobravam os impostos devidos ao rei pelas mercadorias importadas, muito homens, sentados diante de "mesas" que, embora sem cargo oficial, ajudavam os que recorriam aos seus préstimos, redigindo notas, petições ou coisas do seu ofício, e recebendo a respetiva paga conforme o assunto tratado". Temos portanto, no século XVI, no período de grande desenvolvimento do comércio com as índias, o verdadeiro embrião do Despachante Oficial. A 7 de dezembro de 1864, em pleno reinado de D. Luís e sendo Ministro da Fazenda Fontes Pereira de Melo, e tendo em conta o interesse da atividade, foi publicado um Decreto Régio que institui legalmente a "figura" do Despachante Oficial e define a sua competência. Posteriores diplomas legais, designadamente a versão inicial da Reforma Aduaneira e as suas sucessivas alterações, mantêm e alargam a competência do Despachante Oficial. De referir que o acesso a Despachante Oficial esteve sempre sujeito à aprovação em provas públicas, promovidas pela então Direção Geral das Alfândegas, sendo o respetivo título atribuído mediante alvará. Mais adiante, foi publicado o Decreto-Lei 445/99, de 3 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei 73/2001, de 26 de fevereiro, através do qual é aprovado o Estatuto dos Despachantes Oficiais e se estabelece a sua competência: "Os despachantes oficiais intervêm como representantes por conta de outrem, em qualquer parte do território nacional e sob qualquer forma de representação, nos atos e formalidades previstos na legislação aduaneira, incluindo nas declarações e na promoção dos documentos respeitantes a mercadorias sujeitas a impostos especiais sobre o consumo e noutras declarações com implicações aduaneiras, ou cuja gestão ou receção venha a ser

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A 7 de dezembro de 1864, em pleno reinado de D. Luís, (…) e tendo em conta o interesse da atividade, foi publicado um Decreto Régio que institui legalmente a “figura” do Despachante Oficial e define a sua competência.

atribuída à Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o consumo." Esta definição não compreende, atualmente, toda a atividade do Despachante Oficial. Entretanto, com a aprovação da Reforma Aduaneira de 1941 e tendo sido entendida a necessidade de enquadramento de tal categoria profissional, é instituída a Câmara dos Despachantes Oficiais, consagrada específica e posteriormente pelo Decreto-Lei 46311, de 27 de abril de 1961, como Associação representativa de todos os Despachantes Oficiais Portugueses. Os seus atuais estatutos, da autoria do governo, após prévias autorizações da Constituição da República, foram aprovados pelo Decreto-Lei 228/200, de 11 de junho. Foi publicado posteriormente o Decreto-Lei 280/82, de 18 de dezembro, que, alterando a Reforma Aduaneira, confere à Câmara dos Despachantes Oficiais a natureza de Associação Pública e a competência para determinar a forma, os requisitos e a organização da profissão de Despachante Oficial. O acesso passa a ser efetuado através de aprovação no Curso de Formação de Acesso a Despachante Oficial, organizado anualmente pela Câmara dos Despachantes Oficiais, segundo os termos e os procedimentos estabelecidos na Portaria 776/2001, de 23 de julho, da autoria do governo, através do Ministério das Finanças. Do exposto, designadamente do que consta das competências previstas no seu estatuto e do disposto no Decreto-Lei 289/88, de 24 de agosto, que aprova a Caução Global de Desalfandegamento, constata-se que o Despachante Oficial é um verdadeiro garante fiscal, que tem ainda a obrigação de participar ao Ministério Público os crimes de que tenha conhecimento no exercício da sua profissão.

Trata-se de uma atividade cuja evolução não tem sido fácil. A adesão de Portugal à Associação Europeia de Comércio Livre, depois à Comunidade Económica Europeia, passando pela criação do Mercado Único Europeu e, mais recentemente, pelos enormes desafios da globalização e inerentes alterações legislativas comunitárias diárias e também nacionais; pela alteração da anterior estrutura orgânica da Direção Geral das Alfândegas (agora integrada na Autoridade Tributária Aduaneira) e pelas frequentes adaptações aos sistemas informáticos, em constante alteração. Tudo tem justificado um esforço acrescido, só possível de superar com muita dedicação e atualizações constantes. Para além das funções que exercem por conta dos operadores económicos, os Despachantes Oficiais, mais do que meros representantes destes, são os seus parceiros necessários. São os Despachantes Oficiais que os aconselham na melhor escolha dos mercados para exportação e importação, em função dos acordos com países terceiros e do sistema de pautas preferenciais existentes na União Europeia. Em consequência, sugerem os melhores destinos aduaneiros a atribuir às mercadorias importadas e os procedimentos mais adequados. E por tudo isso, assistiu agora o Despachante Oficial à sua expressa consagração como Representante Aduaneiro no Código Aduaneiro da União. A Lei 112/2015, de 27 de agosto, transformou a Câmara dos Despachantes Oficiais em Ordem dos Despachantes Oficiais. Temos a consciência de que a atividade do Despachante Oficial, mais do que uma enorme valia, é essencial no esforço em que o país está empenhado, nomeadamente nas áreas de exportação. : :

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ENTREVISTA

“A SPA está a contribuir para que a língua portuguesa seja um património em desenvolvimento e em promoção”

JOSÉ JORGE LETRIA PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES

Homem dos sete instrumentos, José Jorge Letria esteve por “dentro da história”, no coração da Revolução de Abril, e na criação de histórias que habitam os sonhos de crianças e jovens. É jornalista, poeta, dramaturgo, ficcionista e autor de uma vasta obra que se espalha pelos livros e também pelas canções, pela rádio e pela televisão. Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) desde 2010, José Jorge Letria defende com unhas e dentes os autores portugueses – mais de 26 mil – e faz da lusofonia uma bandeira. Tudo isto inspirado pelo amor à liberdade e pela imaginação, valores que o guiam pelo caminho das palavras. E pela vida. Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

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ENTREVISTA COM JOSÉ JORGE LETRIA

É um dos autores mais conceituados da literatura portuguesa. Como conjuga a atividade da escrita com os vários cargos que tem vindo a ocupar? A escrita é um segmento fundamental da minha vida, pois representa a ligação dinâmica sempre renovada à criatividade. Tenho publicado muitos livros e cada um deles é um desafio que aceito e que me renova. Nunca vi incompatibilidade entre a função de autor e as minhas obrigações como presidente da SPA. Elas completam-se e fortalecem-se mutuamente.

Na sua opinião, a criação do Tribunal da Propriedade Intelectual, em 2012, contribuiu para sensibilizar a sociedade sobre a importância dos direitos de autor? Ainda há muito a fazer neste âmbito? Há sempre muito mais para ser feito e isso também passa pelos tribunais, estando a SPA disponível para participar em ações de formação de magistrados. É importante que os magistrados aprofundem o seu conhecimento do direito de autor. A SPA pode ajudar, num clima de diálogo e cooperação sempre estimulante e positivo.

É, aliás, dos nomes mais sonantes da literatura para crianças e jovens. No mundo de hoje, considera que devíamos aprender mais com as crianças? Devemos sempre aprender com as crianças, que representam o melhor do que fomos e a promessa de um futuro com mais imaginação e liberdade, se possível (o que é muito difícil) com uma menor dependência das tecnologias da comunicação, que criam dependências enraizadas e profundas. Por vezes é necessário comunicar menos para se poder comunicar melhor.

A SPA tem realizado, nos últimos anos, um importante trabalho para que o direito de autor se implemente nos países da lusofonia. Este projeto de cooperação com os países lusófonos é uma área estratégica para a SPA? A questão da cooperação lusófona tornou-se, realmente, uma área estratégica para a nossa intervenção. Isto porque temos a convicção e a noção – eu próprio tenho, sendo um autor ativo –, de que este património comum, a nossa língua, é um instrumento de comunicação e de aproximação, é uma ponte permanente com os países de língua portuguesa e com as sociedades de autor dos mesmos. Portanto, nestes últimos anos, tivemos ações de cooperação desenvolvidas com êxito em vários países da lusofonia. Em Angola, ajudámos a instalar, a criar e a institucionalizar uma sociedade de autor polivalente, para várias disciplinas, chamada UNAC. Enviámos também uma equipa a Timor-Leste, que ajudou a instalar a primeira sociedade de autores e de compositores do país e a criar o Código de Direito de Autor. Depois disso, desenvolvemos ações de cooperação muito interessantes e inovadoras – digo inovadoras porque no mundo lusófono isto não tinha vindo a acontecer – com Moçambique, com a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, países onde o direito de autor e a integração deste na estrutura de decisão política do Estado não está desenvolvida. Para além disso, empenhámo-nos na criação de uma sociedade de autores forte e estável em Cabo Verde, a Sociedade Cabo Verdiana de Música, que intervém exatamente na área musical, a área mais poderosa dos criadores. Os criadores, como acontece com os membros da SPA, são plurais, são de todas as disciplinas, de todas as idades e de todas as zonas do país. No entanto, a criação musical é sempre a área predominante, é a que gera mais direitos e também a que gera mais condições de comunicação e de partilha, de interesses e objetivos. Assim, Cabo Verde tem hoje uma sociedade de autores prestigiada e credível neste domínio. Destaco, ainda, um facto muito relevante na história institucional da SPA: em outubro de 2016, estivemos no Rio de Janeiro, onde reunimos com sete sociedades de autores brasileiras e conseguimos contribuir para que estas sociedades, que em regra não comunicam entre si, estivessem juntas e assinassem um manifesto sobre o valor da lusofonia. Portanto, posso dizer que a SPA está a contribuir bastante para que a língua portuguesa seja, realmente, um património

O que o continua a inspirar? O que me continua sempre a inspirar é o amor à liberdade e esse tesouro de valor inestimável e absoluto que é a imaginação. A minha vida foi sempre construída com base nesses dois elementos essenciais que se tornaram valores determinantes para mim. Fundada em 1925, a SPA representa os autores portugueses de todas as disciplinas literárias e artísticas. 94 anos depois da sua fundação, podemos afirmar que a existência da SPA nunca fez tanto sentido? A SPA continua a fazer todo o sentido para cerca de 26 mil autores de todas as disciplinas, de todas as idades e de todas as regiões do país. Em cada mês que passa, na reunião de direção, há uma média de 40/45 autores que se tornam membros da SPA para verem os seus direitos protegidos do uso abusivo dos seus repertórios registados e também da forma como as novas tecnologias podem prejudicar esses direitos. Trata-se de um universo muito complexo que tem vindo a tornar-se ainda mais problemático e ameaçador. Tentamos perceber, todos os dias, a dimensão desse desafio e dessa ameaça. No contexto do digital, da pirataria e da pouca clareza relativamente à tutela dos direitos de autor, o que pode a SPA fazer para proteger os seus autores? Deve exigir que a produção legislativa do governo avance sem hesitações inúteis e labirínticas complexidades burocráticas. Penso que a atual ministra percebe isso. Criámos com ela um nível de diálogo que acredito que pode dar bons resultados, apesar de este ser um ano de eleições.

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É importante que os magistrados aprofundem o seu conhecimento do direito de autor. A SPA pode ajudar, num clima de diálogo e cooperação sempre estimulante e positivo. em desenvolvimento e em promoção. A prova de que este esforço tem resultado é que, no dia 27 de fevereiro, estarei em Paris no âmbito de um prémio atribuído pela Sorbonne, a mim e a importantes figuras da lusofonia, como Sebastião Salgado, Lima Duarte, José Rodrigues dos Santos, entre outras. É bom verificar que, numa capital como é Paris, o trabalho que fazemos no sentido de usar a lusofonia como uma plataforma de comunicação, de partilha e de envolvimento estratégico é realmente reconhecido e aplaudido. Esta prática lusófona transformou-se, efetivamente, num segmento estratégico da nossa atividade. Como é que este projeto de cooperação se consegue implementar? Com persistência, com empenhamento estratégico, com investimento. Já se sabe que esta mobilidade internacional é

sustentada pelas sociedades de autor. Sabemos que não há subsídios, nem da Comissão Europeia, nem da ONU, nem de nada, portanto nós temos que nos movimentar e concretizar estes objetivos estratégicos com base na nossa capacidade de intervir. Aquilo que fazemos é, basicamente, um investimento. Sei que ao nos entendermos e conseguirmos esta mobilidade de autores entre os países da lusofonia, estamos a criar uma prática e uma rotina de comunicação e de partilha que já está a criar raízes e a deixar um rasto positivo e de estímulo. Podemos, portanto, afirmar que já muito foi feito, mas ainda muito há a fazer... Sim, é verdade. Já muito foi feito. Este projeto partiu da nossa iniciativa. Recebemos aqui em Lisboa, há três meses, um grupo de oito pessoas, quadros da Sociedade Cabo Verdiana de Música, que vieram aperfeiçoar-se connosco na área das distribuições, da intervenção jurídica, etc. São sacrifícios, investimentos e ações concretas que a SPA faz – suportando a permanência das equipas e as formações que são dadas nas nossas instalações – com uma finalidade estratégica claríssima: deixar a semente no terreno, para que ela frutifique e se vá desenvolvendo, esperando que haja condições políticas, geoestratégicas de entendimento e de convergência que não comprometam esta nossa finalidade.

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ENTREVISTA COM JOSÉ JORGE LETRIA

O DIREITO DE AUTOR É PENHORÁVEL? Nos termos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos do mesmo Código, incluindo-se nessa proteção os direitos dos respetivos autores. Embora o reconhecimento do Direito de Autor não dependa do seu registo ou de outra formalidade, o seu não registo poderá limitar o exercício dos seus direitos pelo criador da obra, seja ela literária, software informático ou outros direitos sujeitos a proteção. A entidade competente para o registo de obras, designadamente nos domínios literário e artístico, é a Inspeção-Geral das Atividades Culturais, um serviço dotado de autonomia administrativa na dependência do Ministro da Cultura. Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 215.º do Código, estão sujeitos a registo, a penhora e a arresto sobre o direito de autor. Sendo certo que, nos termos do artigo 12.º do Código, o direito de autor é reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade, diz o artigo 47.º também do mesmo Código que os direitos patrimoniais do autor sobre todas ou algumas das suas obras podem ser objeto de penhora ou arresto. Mais refere o mesmo artigo que em caso de penhora do direito patrimonial do criador da obra, aplica-se o regime fixado no Código de Processo Civil na parte relativa à penhora dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, procedimentos estes do pleno conhecimento dos Agentes de Execução. Por Carlos de Matos, Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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A criação do “Estatuto do Autor Português” é uma luta antiga da SPA. O que falta para que seja uma realidade? O Estatuto do Autor Português é um instrumento de trabalho essencial para a SPA, para o Ministério da Cultura e para outras entidades que precisam de saber quem são os autores, o que pensam, o que fazem e o que esperam dos poderes públicos. A SPA encomendou ao Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa o estudo “O perfil do autor em Portugal”, que foi apresentado recentemente e se traduz na primeira investigação do género realizada no nosso país. Quais foram as principais conclusões deste estudo? O estudo confirmou que, no tocante aos géneros, há mais autores que autoras, que a maior concentração geográfica está nas grandes cidades, que subiu o nível de formação académica dos autores e que a média de direitos cobrados não lhes permite viver com a qualidade desejada. Que desafios perspetiva para o futuro da SPA? O maior desafio é a concretização de um ambicioso projeto de cooperação lusófona iniciado em 2014 e já com resultados práticos apreciáveis, desde Cabo Verde a Angola. Queremos e podemos ir mais longe. Desejamos também concretizar o projeto “Mapa dos Autores Portugueses”, que permitirá criar uma verdadeira geografia da criatividade em Portugal para uso das escolas e das autarquias, entre outros. : :


PROFISSÃO

TESTAMENTO VITAL E O FIM DA VIDA

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Testamento Vital (TV) ou Diretrizes Antecipadas de Cuidados de Saúde ou Diretiva Antecipada de Vontade (DAV), enquadrados na Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, e cujo modelo é aprovado pela Portaria n.º104/2014, de 15 de maio, é um documento onde o cidadão pode inscrever os cuidados de saúde que pretende ou não receber no caso de padecer de uma enfermidade para a qual a medicina atual não dispõe de cura ou tratamento que possibilite ao paciente uma vida física e mental saudável. O TV é feito pelo próprio indivíduo, se maior de idade, em pleno uso de condições cognitivas e quando não se encontra interdito ou inabilitado por anomalia psíquica. Pode ser renovado ao fim de cinco anos se for esse o desejo do doente. Antes de subscrever este documento, recomenda-se que o doente debata previamente o assunto com o seu médico assistente ou com a equipa de saúde que o cuida. É também aconselhável a designação de um procurador (ou mais) da sua confiança. O TV tem validade de cinco anos, podendo ser revogado, no todo ou em parte, em qualquer momento. Pode ser registado no Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV) e nesse caso só produz efeitos após receção pelo outorgante da informação de conclusão do processo. O registo no RENTEV permite a sua consulta em qualquer parte do país. A ideia do Testamento Vital é permitir a um doente uma “morte digna”, evitar tratamentos desnecessários para o prolongamento artificial da vida ou com benefícios ínfimos, por outras palavras, evitar a distanásia − do grego, dificultar o processo da morte através da obstinação ou encarniçamento terapêutico −, proporcionando assim ao doente uma morte digna. A ciência médica aliada aos avanços tecnológicos permite, através de fármacos e dispositivos mecânicos, a manutenção de vida num doente em falência multiorgânica. Quando o tratamento instituído ultrapassa o prognóstico esperado está-se perante uma situação de obstinação terapêutica que é contrária ao ato médico, pois não vai ao encontro da leges artis. A feitura do TV, que não deve ser realizado num contexto agudo, implica da parte do doente a maturidade para interiorizar a sua doença, a sua evolução, a própria morte e, além disso, o respeito pelo Princípio de Autonomia. Por outro lado, protege a família da angústia da decisão, do complexo da culpa e do eventual desentendimento entre os seus membros em relação às opções de tratamento. O envolvimento do médico assistente na explicação da doença, da sua evolução e das opções de tratamento é da maior relevância. Também a família, através do próprio doente, deve ter conhecimento da existência do TV e de todas as suas implicações. O Testamento Vital não é uma solução mágica para os problemas éticos relacionados com o fim da vida, mas deve ser, da parte do doente, um exercício de cidadania que permite evitar muitos cenários de obstinação terapêutica e proporcionar uma morte digna. : :

Por Filipe Monteiro, Médico pneumologista e Mestre em Bioética

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REPORTAGEM / ESPECIAL RELIGIÃO A liberdade religiosa é fundamental num estado democrático. Mas o que acontece quando a lei civil e a doutrina apontam caminhos diferentes? Neste espaço, vamos revelar-lhe, ao longo de várias edições, os credos com maior representatividade em Portugal. Saiba o que defendem, no que acreditam, como vivem e qual o seu conceito de Justiça.

UMA PONTE PARA A

ETERNIDADE Texto Andreia Amaral / Fotografia Rui Santos Jorge / assista ao vídeo em www.osae.pt

NO PARQUE DAS NAÇÕES, EM LISBOA, HÁ UMA ZONA QUE SE TRANSFORMA FÍSICA E CONCETUALMENTE. ALI, ERGUE-SE AGORA UM EDIFÍCIO EM DIREÇÃO AOS CÉUS, ONDE, A 45 METROS DE ALTURA, DESCANSA O ANJO MORÓNI. COM PAZ NA COR, PUREZA NO CORPO E UMA ABSOLUTA DEDICAÇÃO NO INTERIOR, É UMA PONTE PARA A ETERNIDADE E O MAIS PRÓXIMO DE DEUS QUE PODERÃO ESTAR NA TERRA OS SEGUIDORES DA IGREJA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS. ESTE É O SEU TEMPLO, O PRIMEIRO NO PAÍS E APENAS O 14.º NA EUROPA. ANTES DA INAUGURAÇÃO, ABRIRAM-NOS AS SUAS PORTAS PARA A REVELAÇÃO DO ESPAÇO, MAS TAMBÉM DA DOUTRINA.


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P UMA PONTE PARA A ETERNIDADE

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oucos serão os portugueses que, em algum momento das suas vidas, não se cruzaram com os Elder. Vestidos de igual, sorriso fácil, motivados para evangelizar, geralmente estrangeiros e sempre aos pares. Numa sociedade apressada, e quiçá desconfiada, dos muitos portugueses que os viram, poucos foram os que ouviram. Talvez por isso, e também porque o nome da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ainda está pouco disseminado por terras lusas, a curiosidade em seu torno não se tenha dissipado. Se falarmos de mórmones, o nível de conhecimento é, porém, outro. Nem que seja pelos retratos, mais ou menos fiéis, que foram feitos em livros, filmes e até num musical da Broadway, ou não tivesse a Igreja as suas raízes no estado norte-americano do Utah. Por cá, foi o 25 de Abril de 1974 que abriu as portas à sua entrada. Hoje tem já cerca de 45 mil membros e afirma-se como uma das doutrinas cristãs com maior crescimento no país. A atestá-lo e porque o número de Santos dos Últimos Dias (SUD) já o pedia, a Igreja de Jesus Cristo lançou-se na construção de um Templo, a ser inaugurado antes do fim do verão e que qualquer pessoa poderá visitar entre os dias 17 e 31 de agosto. Mas se, depois desta data, apenas aqueles que seguem a doutrina e cumprem com uma preparação terão possibilidade de entrar, na igreja erguida ao lado, todos são bem-vindos. “O templo é o local mais sagrado que temos, por ser o que nos coloca mais perto de Deus”, começa por explicar Paulo Adriano enquanto nos guia pelo espaço de 2000 m2. “É o sítio onde fazemos os selamentos, unindo as famílias para a eternidade”, diz o responsável de comunicação, reiterando: “Acreditamos na continuidade da vida depois da morte física e consideramos que a família é a unidade base de tudo.” “Já a igreja é onde temos as reuniões ao domingo, mas também o local a partir do qual estruturamos o ensino, o voluntariado e diversas atividades da Igreja. É um sítio que tem as portas abertas para receber qualquer pessoa. Aliás, queremos que venham e conheçam”, afirma, enquanto reconhece que os aspetos doutrinários não são conhecidos pela maioria. E não, não praticam a poligamia. Embora fosse uma prática nos primeiros tempos, hoje ser membro da igreja é inconciliável com a opção pelo casamento plural. Mas sim, defendem um estilo de vida saudável, em que bebidas alcoólicas, café ou tabaco são proibidos. “Para nós, o inferno é um estado de espírito.” E, se assim for, diz, quando esta vida acabar e só restar o espírito, como poderá ele saciar tais vícios sem um corpo? Em linha com este compromisso com a pureza e o equilíbrio, no complexo da Av. D. João II, os dois novos edifícios estão separados por um jardim público. “Plantámos cerca de 500 espécies de plantas de verão. No inverno serão substituídas por outras”, desvenda o Elder Joaquim Moreira, responsável máximo pela Igreja em Portugal e Cabo Verde. “Temos que cuidar das coisas e respeitar os ciclos da própria natureza, obra de Deus Pai. Queremos que este seja um sítio de paz e harmonia.” Os dois edifícios brancos, dispares em dimensões, mas iguais no estilo, caracterizam-se pela simplicidade das linhas e pela simbiose com a área circundante. Praticamente concluídos, lá dentro, cuidam-se dos últimos detalhes de uma obra de envergadura, planeada e executada ao último pormenor. “Somos muito rigorosos com o aspeto financeiro e com a assunção de responsabilidade”, contextualiza o Elder Moreira, como é mais conhecido. “Há quem ache que somos uma igreja rica, mas o que somos é uma igreja autossuficiente. E não aceitamos receber subsídios de ninguém, porque queremos ser totalmente independentes na nossa tomada de decisão e na nossa forma de agir.”


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UMA PONTE PARA A ETERNIDADE

Então, de onde vêm os rendimentos da igreja? “Os membros vivem a lei do dízimo e contribuem com dez por cento do seu rendimento anual como doação voluntária à igreja. Compreendemos que há muitas contribuições que advêm de muito sacrifício, daí a razão de gerirmos tudo com enorme rigor. Todas as despesas têm de ser justificadas, os nossos colaboradores são auditados uma vez por ano, contratamos uma empresa externa de auditoria e as entidades que trabalham connosco não podem resvalar em nada do que esteja estipulado. Por isso é que muitas não querem trabalhar connosco… Mas acreditamos que tem que haver responsabilidade”, refere o presidente. Paulo acrescenta outro ponto importante: as funções dentro da igreja não são remuneradas ou de carreira. São Chamados que gerem as suas funções profissionais com as religiosas, baseadas na ótica de serviço. “Há um propósito fundamental: não ganhar orgulho, vaidade ou maus hábitos”, diz o Elder Moreira, contrapondo que “aqui serve-se por dedicação”.

“Acreditamos, como diz na Bíblia, que somos feitos à imagem e semelhança de Deus e também acreditamos em Jesus Cristo ressurecto, ou seja, que, na ressurreição, o corpo de Cristo se mantém. Isto difere da maioria da cristandade, segundo a qual o corpo de Cristo dilui, desaparece, e Deus não tem imagem, é um ser sem partes e sem paixões que está em todo o lado.” Elder Joaquim Moreira

O que reside no interior A quase três meses da inauguração começa-se já a colocar a alcatifa no Templo. Só ali existe a fonte batismal, onde os vivos emergem os corpos totalmente na água para expiar os pecados em seu nome e daqueles que já faleceram. Estas últimas são as cerimónias por procuração, em que se dá uma oportunidade aos que já faleceram de se unirem a Deus e à família. “São livres de aceitar ou não.” É também neste espaço que se realizam todas as outras ordenanças. Aqui, os compromissos são eternos. No edifício anexo entra o último mobiliário. Nas paredes dos corredores que ligam as múltiplas salas há alguns quadros, mas o que chama realmente a atenção é o minimalismo e a ausência de adornos, pontificada na capela. É que, na igreja centrada em Jesus Cristo, não encontramos a Sua tradicional imagem na cruz. “Acreditamos, como diz na Bí-

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blia, que somos feitos à imagem e semelhança de Deus e também acreditamos em Jesus Cristo ressurecto, ou seja, que, na ressurreição, o corpo de Cristo se mantém. Isto difere da maioria da cristandade, segundo a qual o corpo de Cristo dilui, desaparece, e Deus não tem imagem, é um ser sem partes e sem paixões que está em todo o lado”, justifica o Elder Moreira. Já sentados numa das salas que servirá a comunidade de Lisboa Oriental e onde existirão centros de operação para as atividades missionárias, de voluntariado, ensino, entre outras, cria-se o ambiente intimista propício à descoberta da fé. E é ali que, de forma clara e simples, o responsável máximo em Portugal pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias nos explica a sua doutrina, num trabalho semelhante ao que os cerca de 70 mil missionários fazem nas ruas do mundo, suportando as suas próprias despesas durante 24 meses, no caso dos rapazes, ou de 18, no das raparigas. “Somos Triteístas. Deus Pai, Jesus Cristo e o Espírito Santo são três entidades diferentes, as duas primeiras com corpo físico e a última com corpo espiritual. São unidas em propósito, mas não em corpo”, elenca o Elder Moreira a propósito das diferenças teológicas em relação a outras igrejas cristãs. E prossegue: “Do mesmo modo, enquanto as outras dizem que, como existe a Bíblia, Deus já não tem necessidade de dar a conhecer a vontade, porque já está tudo escrito, nós acreditamos que Deus continua a dar as suas orientações.” É precisamente em linha com esta crença que encontramos um dos elementos mais distintivos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias: a ideia de que a linhagem de apóstolos prosseguiu e de que estes foram escrevendo as suas revelações. Conta a sua história que um apóstolo das américas antigas resumiu e compilou esses escritos, no livro que acabaria por adotar o seu nome e que é um pilar da Igreja dos Santos dos Últimos Dias. “Não existe a Igreja Mórmon, embora seja vulgar haver essa confusão porque nos guiamos pela Bíblia e pelo Livro de Mormon”, esclarece Paulo Adriano, indicando ainda que a Igreja não disside de nenhuma outra. Os Santos dos Últimos Dias acreditam que a Restauração se iniciou em 1820, quando Deus revelou ao profeta Joseph Smith a localização do Livro de Mormon, que este traduziu, restaurando a autoridade do sacerdócio na terra. A ele juntar-se-iam 12 apóstolos, tal como Jesus Cristo teve, numa organização que ainda hoje se mantém. O profeta é o Presidente da Igreja e é ele que recebe as revelações de Deus. Hoje, é Russell M. Nelson que está nesse lugar, acompanhado por doze apóstolos escolhidos através deste processo de revelação. No momento da sucessão, não há qualquer dúvida: “É o mais velho dos doze apóstolos que se torna o Profeta”, percebendo depois “a vontade de Deus para escolher outro apóstolo para ocu-


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“Acreditamos na continuidade da vida depois da morte física e consideramos que a família é a unidade base de tudo.” Paulo Adriano

par o seu lugar”, explica o Elder Moreira, um dos Setentas da organização, grupo que se encontra na terceira posição da hierarquia universal. Os dois responsáveis ressalvam, contudo, que o Profeta é como um guia e não alguém que os Santos dos Últimos Dias seguem acriticamente. Por tudo isto, e existindo uma estrutura profissional remunerada dentro da instituição – que, em Portugal, conta com cerca de 30 pessoas –, para trabalhar na Igreja é necessário seguir a doutrina. Discriminação? “Uma sociedade de solicitadores vai contratar alguém sem as devidas habilitações e experiência? Para nós é a mesma coisa. Trata-se de ter formação e habilitação”, responde o Elder Moreira. Ao abrigo da Lei “Nós somos submissos à lei do próprio país”, afirma Paulo Adriano. “Acreditamos que temos um dever a cumprir com os nossos líderes governamentais, portanto, temos um dever de obediência a essas leis”, prossegue o responsável de comunicação, explicando que essa máxima está inscrita nas Regras de Fé da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Aliás, o casamento civil é reconhecido como o ato de união em vida entre duas pessoas e é a base para poder ser estabelecida a união para a eternidade no templo. “Sempre na

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sua forma tradicional”, esclarece o Elder Joaquim Moreira. Quer isto dizer que a Igreja aceita apenas o casamento entre homem e mulher. Segundo explica, os homossexuais são bem-vindos na igreja e “são muitas vezes Chamados para diferentes posições na organização”, mas ficam sujeitos à lei da castidade, obrigatória na doutrina até ao casamento, ou, no seu caso, para sempre. “Não se trata de discriminação, pelo contrário. A igualdade é um dos princípios que mais prezamos. Estão sujeitos aos mesmos princípios dentro da Igreja que as outras pessoas estão.” “Devo dizer também que acreditamos plenamente na igualdade de género e formamos os nossos jovens, desde tenra idade, nesse sentido”, elenca o Elder Joaquim Moreira. Embora homens e mulheres tenham funções diferentes – por exemplo, elas não podem servir o sacerdócio, mas lideram o voluntariado –, devem apoiar-se e dividir tarefas para bem da harmonia no lar. De igual modo, partilham também responsabilidades na educação dos filhos. Inclusivamente, numa situação de divórcio, uma vez que este é aceite, quer a nível civil, quer na doutrina, pedindo a anulação da cerimónia de casamento eterno realizada no templo. “É possível e acontece. Agora são menos casos do que na generalidade do tecido social, porque há uma preparação desde jovens. Temos a paciência de formar os nossos jovens para ter resultados daqui a 15 anos”, diz Joaquim Moreira. “Para nós, qualquer tipo de violência é completamente inaceitável, designadamente a de género e temos tolerância zero a estas situações. O posicionamento da igreja, e isto é minha responsabilidade direta como líder religioso em Portugal e em Cabo Verde, é que temos uma obrigação religiosa e uma obrigação jurídica. Quando um líder religioso tem conhecimento destes casos vai denunciá-lo às instâncias policiais e jurídicas. É claro que há o direito ao sigilo da confissão, mas até aí tentamos colaborar sempre com as autoridades.” Além do mais, segundo o responsável, confirmada a agressão, a pessoa é expulsa, ou excomungada, da igreja. A instituição religiosa trabalha com o Governo para dar apoio na luta contra a violência doméstica e reconhece que tem uma responsabilidade a nível do ensino e da formação


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das pessoas. “Eu próprio disse à Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade que seria importante que a religião revisse a sua doutrina no conceito de Adão e Eva, no aspeto em que a tradição foi ensinando que o homem tem domínio sobre a mulher. A igreja ensina corretamente este conceito do ponto de vista teológico para que não haja mal entendidos nos papéis. Era importante que todas fizessem o mesmo.” Contudo, e exceção feita aos casos da despenalização do aborto e da eutanásia, em que a Igreja marcou uma posição pública pró-vida, existe uma fronteira inultrapassável entre a Igreja e o Estado. “Não nos envolvemos em questões políticas. Só nessas duas situações é que entendemos ser importante fazer ouvir a nossa voz. Mesmo aí, a nossa posição é a de que os Governos são livres de decidir o que entenderem, é a Democracia a funcionar… mas mantemos as nossas crenças nestes aspetos, até porque estamos no cumprimento da Lei.” Se há lei que neste caso é preponderante é a da Liberdade Religiosa. “Portugal é pioneiro na lei que tem sobre liberdade religiosa. Há coisas ainda a fazer, mas o que se fez até agora é um trabalho excelente. É verdade que há outras religiões que exigem mais, mas a nossa posição é mais comedida, é um dia de cada vez”, defende o presidente, reconhecendo que “a igreja católica fez um trabalho fundamental na cedência pela liberdade na lei religiosa.” E todos os meses o Elder Moreira

continua a ter reuniões com os líderes de todas as instituições religiosas em Portugal, através do Alto Comissariado para as Migrações. Efetivamente, dizem, o Estado é, cada vez mais, laico, pelo menos nos poderes Legislativo e Executivo. Será que o mesmo se pode dizer em relação ao poder Judiciário? “Sentimos muito que algumas decisões jurídicas no país possam estar fundamentadas naquilo que foi referido em textos bíblicos, mas que nem sempre o contexto é o mais aconselhável”, explica o Elder Joaquim Moreira. Em causa está o facto de essas referências bíblicas poderem passar mensagens subjacentes incorretas. “A nossa posição formal é que haja sensibilidade, cuidado e recato em relação a este assunto”, defende, concluindo que cada um deve ocupar o seu espaço na sociedade, mas trabalhar para o bem comum. É com essa mensagem que os responsáveis nos deixam ao acompanharem-nos à porta: “Dedicamo-nos muito ao voluntariado e ao apoio a projetos de desenvolvimento, saúde e ensino. Independentemente da religião, todos temos a obrigação de ajudar a quebrar o ciclo da pobreza e de abrir oportunidades para os jovens. A maioria dos Santos dos Últimos Dias tem formação académica superior e queremos que sejam pessoas com mais-valias. Ao contrário do que muitos pensam, não é a ignorância que motiva o ser religioso.” : :

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OSAE

LAGOS ACOLHEU IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO

do Algarve Texto Andreia Amaral

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ecorreu, no passado dia 1 de março, a edição do Algarve do IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Lagos foi a cidade eleita para acolher a iniciativa, promovida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) e organizada com o apoio do Conselho Regional de Lisboa e da Delegação Distrital de Faro. Cerca de uma centena de Solicitadores e Agentes de Execução responderam à chamada e fizeram questão de marcar presença numa reflexão em torno da atualidade e do futuro das duas profissões. Pouco passava das 09h00 quando o Auditório Municipal começou a receber os primeiros participantes, acolhidos pelos Presidentes da Delegação Distrital anfitriã e dos Conselhos Regionais. Na cerimónia de abertura, João Aleixo Cândido, Maria José Santos – Presidente e Vogal do Conselho Regional de Lisboa da OSAE, respetivamente – e José Jácome, Presidente da Delegação Distrital de Faro, deram as boas-vindas aos participantes e convidados, desejando um dia de trabalho frutífero. “Estes fóruns, para além da componente formativa, têm o intuito de aproximar os colegas”, destacou João Aleixo Cândido. A formação e a criação de elos estiveram bem latentes logo no Espaço Delegações, marcado pela realização da Simulação de Julgamento “O Solicitador no Tribunal”, que decorreu ao longo da primeira parte da manhã sob coordenação da advogada Helena Bruto da Costa. Ana Paula Jácome, Solicitadora, fez uma intervenção subordinada ao Orçamento do Estado 2019, abordando aquelas que foram as principais alterações fiscais. A tónica foi colocada primeiramente no IRS, com a explicação das novidades ao nível das Mais-Valias, do Regime fiscal aplicável a ex-residentes, taxas liberatórias para não residentes, taxas especiais e dedução das despesas familiares à coleta. O Imposto Selo, o IMI, as mudanças no Estatuto de Benefícios Fiscais e as Alterações à Lei Geral Tributária também estiveram sob a lupa. No que diz respeito a esta última, Ana Paula Jácome enfatizou o Dever de Comunicação, consagrado em “medidas de combate à fraude e evasão fiscal com a ligação de organismos como a Autoridade Tributária, o Banco de Portugal e diversas

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outras entidades”. No Código de Procedimento e Processo Tributário, a principal novidade é referente à adesão às notificações e citações por transmissão eletrónica, tendo sido contextualizados os procedimentos para esta opção. Depois de um descontraído almoço, onde os profissionais puderam trocar impressões e recarregar baterias, teve início o Espaço OSAE. Seguiram-se os painéis dedicados aos Solicitadores e aos Agentes de Execução, lançando-se a reflexão sobre os desafios que estes profissionais enfrentam e dando-se a conhecer as novidades e potencialidades de algumas das ferramentas desenvolvidas pela OSAE. No momento dedicado aos Solicitadores, Fernando Rodrigues, Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, lançou um olhar analítico sobre a atividade e defendeu que é necessário pensar a profissão de uma perspetiva global, mas também do ponto de vista das competências individuais. “Nunca os Solicitadores tiveram tanta área de intervenção como agora”, elencou Fernando Rodrigues, enquanto referia que uma das formas de combater a concorrência é abordar a atividade com maior intensidade a competência profissional. “Temos de ser audazes e capazes de seguir caminhos novos e que não são trilhados pelos concorrentes. Precisamos de ser inovadores, mas também de apostar na formação e em melhorar competências, diversificá-las e ajudar na divulgação de quais são as competências do solicitador.” Foi sob este mote que apresentou as funcionalidades do SoliGest, o programa de gestão processual capaz de criar garantias acrescidas de rigor e transparência, e abordou o potencial dos Autos de Constatação.

Esta ferramenta foi também versada por Júlio Santos, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE, que deu ainda a conhecer a recentemente lançada Plataforma Viagem de Menores, um modelo multilingue que vem simplificar a autorização de saída de menores para o estrangeiro, obrigatória sempre que estes viajem sem a companhia de ambos os progenitores. “Hoje, o número de pessoas que sabe qual o papel do Solicitador e que a ele recorre é totalmente diferente do que era há dez anos”, proferiu Júlio Santos, enquanto sublinhava que este tipo de ferramentas contribui para a maior divulgação dos serviços dos Solicitadores e para a sua aproximação à sociedade. “Estas plataformas aumentam o número de pessoas que recorrem aos serviços de Solicitadores, que começam a habituar-se ao nome e à figura do Solicitador e que, depois, tomando conhecimento de outros serviços, regressam aos seus escritórios”, disse, partilhando a máxima: “Temos de nos agarrar àquilo que aumenta as nossas competências.” Já no painel dirigido aos Agentes de Execução, Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da OSAE, focou os desenvolvimentos no e-Leilões e a plataforma OSAE 360º, que viabiliza a criação de visitas virtuais e permite que o utilizador interaja com os detalhes da imagem para uma noção mais realista do bem sem necessidade de uma visita presencial. “Fazer uma reportagem 360º num imóvel não demora mais do que uns minutos”, destacou Jacinto Neto. “Vamos tirar menos fotografias, com todo o pormenor e vamos conseguir ver mais tarde tudo o que está no local e as suas condições”, disse,

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elencando que a plataforma é muito útil na elaboração de Autos de Constatação e na plataforma e-Leilões, cujas novidades foram igualmente partilhadas. Foi a propósito da distribuição de processos que José Mota Gomes, vogal do órgão de Gestão da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ) fez a sua intervenção, versando sobre a contingentação de processos nos Agentes de Execução e o sistema de nomeação aleatório dos Administradores Judiciais. “Este sistema pressupõe que o nível de capacitação do administrador judicial esteja igual para todos e ainda não está”, admitiu, referindo que a formação é preponderante para que o sistema aleatório funcione em plenitude. Neste particular, Mota Gomes adiantou ainda uma vontade: “Queremos fazer um protocolo com a OSAE para as formações, no sentido de potenciarmos o know-how das duas entidades.” O vogal da CAAJ fez ainda uma abordagem àquelas que são as grandes linhas de atuação desta entidade na área dos Agentes de Execução. O momento seguinte foi de debate, numa reflexão em torno do tema “A Linguagem da Justiça e o Cidadão”, moderada pelo Bastonário da OSAE. José Carlos Resende começou por dizer que a simplificação da linguagem da Justiça a todos beneficia: “Se o cidadão entender os seus direitos, usa-os, reclama-os e pede para ser auxiliado no sentido de os fazer valer. Já o Agente de Execução é muitas vezes confrontado com dificuldades em fazer penhoras ou despejos, porque encontra alguém que, ou não foi citado ou foi mal citado, ou não percebeu a citação. E é nessas alturas que surgem momentos de grande tensão que poderiam ser evitados.” Exemplificando a complexidade da linguagem e a diversidade da mesma em documentos que servem o mesmo fim, o Bastonário da OSAE falou das penhoras de vencimentos, que podem ser feitas por várias entidades: “Como sabem, são efetuadas ao abrigo do mesmo Código Civil e parecem que são de quatro países diferentes.” Bruno Galaz Pinto, Juiz de Direito, membro do Conselho Geral da ASIP, defendeu que, do ponto de vista do magistrado, o problema da linguagem e da comunicação “tem dois patamares diferentes: um de comunicação com o cidadão, quando estamos na sala de audiências a comunicar com as pessoas ou quando no âmbito dos processos é necessário explicar alguma situação a todos os cidadãos; outro ao nível das decisões judiciais e da sua compreensão.” Face a isto, o Juiz reiterou que o seu grande compromisso é que as pessoas entendam o que diz, “para que depois o sistema funcione”. Assumindo que “a decisão deve ser compreensível para o destinatário”, Bruno Galaz Pinto defendeu que “também não pode haver fundamentalismo”. António Ventinhas, Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, referiu que “alguns ritos da Justiça ainda vêm do regime do Estado Novo”, pressupondo-se que “é obrigação do cidadão saber e cumprir a lei”. No entanto, “tendo em conta que estamos num regime democrático e que as decisões não se impõem só na força,

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IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO | ALGARVE

Cerca de uma centena de Solicitadores e Agentes de Execução responderam à chamada e fizeram questão de marcar presença numa reflexão em torno da atualidade e do futuro das duas profissões.

mas na sua justeza, isso implica a forma como se comunica” e “implica uma alteração na linguagem” no sentido de que os mesmos compreendam a lei e possam exercer a sua cidadania. José Leiria, Presidente do Conselho Regional de Faro da Ordem dos Advogados, mostrou-se alinhado com esta mesma interpretação, dizendo que “espera-se que esta linguagem [jurídica] seja clara no sentido de os cidadãos conhecerem os seus direitos e obrigações”. “A nossa linguagem jurídica é efetivamente complicada e hermética”, disse, alertando que “o desconhecimento abre a porta para a desconfiança no sistema”. “Não podemos fazer leis ou tomar decisões que o cidadão não compreenda”, elencou José Leiria, explicando que “a não compreensão obriga à assessoria jurídica e nem todos a podem pagar, o que vem aumentar a desigualdade entre as partes em vez de a mitigar”. Por fim, Vítor Norte, Coordenador do Distrito Judicial de Évora do Sindicato dos Funcionários Judiciais, concordou que “temos efetivamente missivas inteligíveis. Primeiro, porque o legislador tem vindo a complicar, depois porque é necessário retratar a lei nos templates informáticos”, numa complexificação que leva a que os cidadãos não compreendam a linguagem da Justiça. “Depois, quando as pessoas que recebem notificações não as percebem, a primeira coisa que flora é fazer críticas.” Colocando um caso prático, o Bastonário da OSAE questionou a mesa sobre os impactos da linguagem da Justiça e da comunicação com os cidadãos nos casos de violência de género, antecipando a realização de um debate a propósito do tema e reiterando a vontade de formar os profissionais representados pela OSAE para lidarem com estes casos. Na cerimónia de encerramento, foram entregues os diplomas aos novos associados. Depois, com o relógio a marcar a hora do fim, foram concluídos os trabalhos. “Estes fóruns servem para encontrarmos os nossos associados em cada um dos Distritos, percorrendo todo o país, servem para momentos de formação, para a confraternização e troca de ideias com outros profissionais com quem trabalhamos diariamente e para pensarmos e refletirmos sobre que profissionais somos”, elencou José Carlos Resende. Partilhando os números do sucesso do e-Leilões – que, só na Comarca de Faro, representou vendas de 88 milhões de euros, com 1072 imóveis vendidos no Algarve –, o Bastonário da OSAE referiu que esta plataforma “está a fazer uma grande diferença na Justiça”, uma vez que se estão a vender os bens pelo valor real, e não abaixo do de mercado, tornando as execuções mais céleres com claras vantagens para todos os envolvidos. No final, ficou uma certeza: “Este fórum demonstrou que os colegas querem fazer mais e melhor e demonstrar a sua capacidade a todos os cidadãos e a todos aqueles que precisam de Justiça.” E foi num salutar convívio que o evento terminou, com um jantar animado pelo som do Jazz de New Orleans, no Tivoli Lagos Hotel. : :

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OSAE

IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO REÚNE ASSOCIADOS

de Braga e Viana do Castelo Texto Andreia Amaral

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ealizou-se, no dia 14 de março, a edição de Braga e Viana do Castelo do IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Mais de 150 pessoas estiveram no Teatro Gil Vicente, em Barcelos, para refletir sobre o estado de arte das duas profissões e encontrar caminhos para um futuro de sucesso. Na organização desta iniciativa, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) contou com o apoio do Conselho Regional do Porto (CRP) da OSAE, das Delegações Distritais de Braga e de Viana do Castelo e da Câmara Municipal de Barcelos. Com um programa a antecipar um dia pleno de formação e debate, foi num ambiente descontraído que o evento começou. Após a acreditação, os participantes tiveram a oportunidade de visitar o Museu de Olaria. Quebrado o gelo, os trabalhos tiveram início pouco passava das 10h00. Na cerimónia de abertura, Duarte Pinto, Presidente do CRP da OSAE, Pedro Pinto, Delegado Distrital de Braga da OSAE, e Daniel Sales, Delegado Distrital de Viana do Castelo da OSAE, deram as boas-vindas aos participantes. “Estes fóruns são um momento indissociável das nossas vidas profissionais”, referiu Duarte Pinto, indicando que são “abordadas as mais diversas temáticas relacionadas com a atividade dos Solicitadores e dos Agentes de Execução”, problematizando e construindo soluções, mas também promovendo “o convívio entre os colegas”. No espaço Delegações, a tónica foi dada à componente formativa. Moderado por Delfim Costa, vogal do CRP da OSAE, David Lopes Figueiredo teve a seu cargo o primeiro painel do dia, subordinado ao Regulamento Europeu de Sucessões. Recorde-se que o Regulamento (EU) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.07.2012, que criou o Certificado Sucessório Europeu (CSE), entrou em vigor a 16.08.2012, sendo aplicável às sucessões das pessoas falecidas de 17.08.2015 em diante. “Este é o momento das migrações, emigrações e imigrações”, referiu David Lopes Figueiredo, contextualizando que, perante o facto de Portugal ser um país com uma taxa de emigração preponderante, torna-se fulcral o conhecimento da legislação aplicável em casos de sucessões transfronteiriças na União Europeia, sendo o CSE o instrumento que

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permite ao herdeiro, legatário, executor testamentário ou administrador de herança fazer a prova dessa qualidade, bem como dos seus direitos e poderes noutro Estado-Membro. “Com o regulamento, o direito interno português não é alterado”, afirmou David Lopes Figueiredo. “Cada país irá manter a lei sucessória.” E explicou: “O regulamento, ao designar a residência habitual do falecido como fator de conexão para determinar, não só o órgão competente para tramitar todo o processo, como também para designar a lei material aplicável à totalidade da sucessão, teve em vista que, no espaço da União, sempre que possível, o órgão jurisdicional competente aplicasse à sucessão a lei material em vigor no seu próprio Estado, evitando, assim, sempre que possível, o recurso à lei estrangeira, com os inconvenientes daí advindos.” Não obstante, através de testamento, “a pessoa pode em vida escolher a lei aplicável à sua sucessão”. No segundo painel, os Autos de Constatação foram analisados sob a lupa de Armando A. Oliveira, Vice-Presidente do Conselho Geral da OSAE. Com moderação de Alexandra Ferreira, Secretária do CRP da OSAE, Armando A. Oliveira abordou as aplicações práticas dos Autos de Constatação, explicando quais as tecnologias mais importantes e o seu

potencial. A plataforma OSAE 360 – pela facilidade com que permite realizar uma visita virtual em casos de arrendamentos ou em imóveis colocados no e-Leilões – e o GeoPredial – por fazer a georreferenciação de terrenos permitindo comparar circunstâncias – foram duas das ferramentas focadas. “A aplicação do Auto de Constatação tem uma abrangência absolutamente brutal”, afirmou Armando A. Oliveira, advertindo para a obrigatoriedade, ao realizar um Auto de Constatação, de fazer um retrato fiel dos factos. “A nossa missão é ser uma câmara fotográfica, neste caso somos a pessoa que segura a câmara, tira a fotografia, que vai relatar o que se passa, de uma forma objetiva, desapaixonada e sem fazer considerações.” No final, deixou a reflexão: “Não olhem para a solicitadoria como o homem que está só a tratar de papéis. Estas soluções estão à disposição.” Após o almoço, que deu protagonismo ao salutar convívio e à degustação dos sabores da gastronomia regional, foi sob a nota da boa disposição que teve início o Espaço OSAE. As ferramentas e plataformas da OSAE assumiram-se como elementos potenciadores de competências, ampliando o leque de serviços disponibilizados por Solicitadores e Agentes de Execução e abrindo as portas para um futuro auspicioso, em

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IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO | BRAGA E VIANA DO CASTELO

que a relevância destes profissionais continuará em crescendo. O painel dedicado aos Solicitadores foi moderado por Nuno Ribeiro, Vogal do CRP da OSAE, e contou com os contributos de Júlio Santos e Fernando Rodrigues, respetivamente Presidente e Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Num primeiro momento, Fernando Rodrigues apresentou as funcionalidades do SoliGest, “uma plataforma informática online de apoio à atividade do solicitador” que, conforme explicou, “traz garantias acrescidas de rigor e transparência”. Entre as diferentes funções disponibilizadas, com o intuito de apoiar a gestão do escritório, estão a gestão de contas bancárias e de correio, a gestão de processos, de agenda e estatísticas, para além de serviços de apoio informático. “Espero que, num futuro muito próximo, esta gestão processual possa servir para alargar as competências dos solicitadores para além daquilo que é normal”, destacou. “Podemos ter aqui um tipo de evolução já com propostas de tramitação que nos permitam abraçar outras competências.” Em linha com esta orientação para a especialização e para o aumento de competências, Júlio Santos versou sobre outras ferramentas disponibilizadas pela OSAE que permitem ao Solicitador abraçar novos ou mais serviços. Nesse âmbito, focou a Plataforma Viagem de Menores, que vem simplificar a autorização de saída de menores para o estrangeiro, obrigatória sempre que estes viajem sem a companhia de ambos os progenitores. “É uma ferramenta muito fácil de utilizar, que não tem custos e da qual só se podem tirar vantagens. Temos tido um feedback muito positivo de todas as entidades, seja autoridades, seja associações de pais, e sabemos que é uma ferramenta muito bem acolhida, que estamos a promover bastante e que terá enorme sucesso.” Chamando a atenção para o facto de que o ROAS 1 “vai ser descontinuado”, elencou que os Solicitadores “devem migrar para o ROAS 2, uma plataforma mais intuitiva, mais evoluída e com muitas mais funcionalidades, que já está disponível”. Também no painel dirigido aos Agentes de Execução, e igualmente moderado por Nuno Ribeiro, as mais-valias das ferramentas OSAE estiveram sob os holofotes. Marco Santos, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE) da OSAE, explicou o funcionamento do OSAE 360, indicando que, “do ponto de vista do utilizador, o objetivo é a possibilidade de, sentados no nosso escritório ou em casa, termos uma perspetiva real do espaço sem termos de nos deslocar, através da realização de uma visita virtual”. Por outro lado, prosseguiu, “a plataforma vai permitir-nos, na atividade de Agentes de Execução, tirarmos menos fotografias e termos menos visitas ao local, enquanto o interessado poderá ter mais certezas sobre a realidade material”, qualquer que seja o objetivo: por exemplo, realizar um Auto de Constatação ou colocar um imóvel no e-Leilões. Foi precisamente sobre esta última plataforma que Mara Fernandes, Vice-Presidente do CPCAE da OSAE, fez a sua intervenção. “Inicialmente houve algum ceticismo em relação a esta plataforma e algumas dificuldades. Nós, Agentes de Exe-

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cução, tivemos de nos adaptar à plataforma, mas efetivamente, hoje, o e-Leilões é uma plataforma de enorme sucesso, que tem ajudado muito. Os resultados são visíveis e inegáveis. O número de utilizadores, visualizações, bens inseridos está sempre a crescer”, destacou Mara Fernandes, dando ainda conta de um conjunto de alterações que se pretende introduzir nos próximos tempos. A palavra foi dada a Jacinto Neto, Presidente do CPCAE da OSAE, que, depois de se referir às novidades ao nível do Pepex, focou-se na Proposta de Lei n.º 168/XIII, pelos impactos na atividade do Agente de Execução. ”Tudo nos leva a crer que esta proposta será aprovada”, afirmou, indicando que esta deverá alterar o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, que passará a ter a seguinte redação: “A competência para a cobrança coerciva de impostos e outros tributos administrativos por autarquias locais pode ser atribuída à administração tributária mediante protocolo, ou agentes de execução mediante protocolo com a OSAE.” Jacinto Neto destacou que “a OSAE entende que o exercício de funções do Agente de Execução no contencioso pode fazer com que a Administração obtenha ganhos de eficácia e de celeridade, devendo ser prevista a possibilidade de intervenção do Agente de Execução no processo de execução fiscal, no âmbito da execução de prestações pecuniárias que devam ser pagas a algumas pessoas coletivas públicas. Ou seja, a Ordem propõe que, em paralelo à manutenção da execução fiscal nos serviços da Administração Tributária nos casos em que atualmente é esta entidade o órgão da execução fiscal, seja criada a possibilidade de os agentes de execução intervirem nas execuções fiscais tramitadas por outras entidades públicas, designadamente as autarquias locais, a segurança social”, entre outras. E porque estas são duas profissões da Justiça, houve ainda lugar para um debate subordinado ao tema “A Linguagem da Justiça e o Cidadão”. A reflexão foi moderada pelo Bastonário da OSAE, José Carlos Resende, que contextualizou a importância da temática, nomeadamente num momento em que muito se discute sobre a longa fundamentação nas decisões dos tribunais e as suas interpretações. “Todos constatamos que há um problema de comunicação e linguagem da Justiça”, frisou José Carlos Resende, indicando que, “se há aqueles que acham que, se o cidadão souber tanto quanto eles, o seu trabalho já não será necessário, muitos outros dirão que, quanto mais os cidadãos dominarem os seus direitos, melhores cidadãos serão e mais serão capazes de os reclamar e de protestar quando forem prejudicados”. Rui Carvalho, membro da Direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, defendeu que os juízes devem efetivamente “usar uma linguagem menos formal, o que não quer dizer que não seja técnica”. Acima de tudo, destacou, “o destinatário não tem que ser formado em Direito” e “se o destinatário não entender o que se pretende e o que está em causa, fica limitado no exercício dos direitos”. Elencando que esta adaptação é um desafio, apontou que, as decisões dos juí-


Realizou-se, no dia 14 de março, a edição de Braga e Viana do Castelo do IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Mais de 150 pessoas estiveram no Teatro Gil Vicente, em Barcelos, num evento pleno de formação, reflexão, debate e convívio.

zes “não são para os advogados, mas para os destinatários”. “Uma sentença não tem de ser longa para ser percetível, muito pelo contrário. Na minha opinião, tem de ser curta, seca, direta e numa linguagem que seja compreensível”, sublinhou, deixando a nota de que “a linguagem jurídica terá de evoluir – não tem de deixar de ser jurídica, mas tem de ser mais clara e objetiva” e exemplificando que “há uma série de expressões – como em latim – que são usadas repetidamente e que os cidadãos não compreendem”. Por seu turno, Adão Carvalho, Procurador da República e Presidente da Distrital do Porto do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, reforçou que “este é um tema muito complexo, abrangente e com muitas perspetivas”. Re-

ferindo-se à comunicação entre os profissionais, sublinhou que “há expressões que não são facilmente substituíveis, sob prejuízo de se desvirtuar aquilo que se pretende”. Mas já no que concerne à comunicação do sistema de Justiça com os seus destinatários, afirmou que uma simples questão mal compreendida pode desencadear erros de interpretação de todos os intervenientes. “Aí, sim, tem que haver um esforço para tornar a linguagem percetível e acessível.” Além disso, no que diz respeito à comunicação com o cidadão comum, adiantou que uma das possibilidades de tornar, por exemplo, citações ou notificações, acessíveis poderá ser a tradução e explicação da informação veiculada nas mesmas. Já Miguel Fernandes Freitas, vogal responsável pelo Pelouro da Comunicação e Informática e Diretor da Plataforma Direito em Dia, defendeu: “Não podemos abandonar os conceitos jurídicos para facilitar a linguagem, porque aí, sim, as sentenças serão pantanosas. O que temos de fazer é abandonar o excessivo tecnicismo da linguagem.” Falando sobre as decisões, o advogado elencou que “temos de caminhar para uma estrutura de decisão uniforme”, o que, na sua opinião, não retira autonomia ou independência ao juiz. “Pelo contrário, se seguirmos um template, estamos a caminhar em termos de clareza da decisão e de compreensão.” O momento seguinte foi marcado pelo encontro de gerações, com a entrega dos diplomas aos novos associados e das placas comemorativas aos que completavam 25 anos de profissão. Na cerimónia de encerramento, os convidados congratularam a OSAE pela iniciativa e, em particular, por trazer ao debate a questão da linguagem e da comunicação com o cidadão. Em representação do Presidente, a vereadora da Câmara Municipal de Barcelos, Anabela Real, destacou que “a Justiça, antes de ser um serviço, é um direito fundamental dos cidadãos” e que foi uma honra para Barcelos receber este evento. Artur Dionísio Oliveira, Juiz Presidente da Comarca de Braga, enalteceu o facto de a OSAE abrir sempre estas reuniões à participação de outros profissionais da Justiça, “refletindo um espírito de comunidade jurídica e reiterando o bom relacionamento entre todas as entidades”. Agradecendo a todos os participantes, oradores e a todos os envolvidos na organização deste Fórum, José Carlos Resende destacou precisamente que estas iniciativas “são momentos de formação e contacto entre os profissionais representados pela OSAE, mas também com toda a comunidade jurídica e com as autoridades”. O Bastonário da OSAE sublinhou “que os Solicitadores e Agentes de Execução têm assumido o papel de permanentemente procurar soluções para pequenos problemas”, naquele que “é um orgulho, mas também um desafio para os mais jovens”. Confiante, deixou, no entanto, uma certeza: “Cá estaremos sempre para trabalhar em prol da Justiça.” E foi como começou que o evento também terminou: com boa-disposição e convívio. Ao momento musical, proporcionado pelo Coro de Câmara de Barcelos, seguiu-se um animado jantar. : :

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OSAE

ASSOCIADOS

de Guarda e Viseu

REUNIDOS NO IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO Texto Joana Gonçalves

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oi no dia 21 de março que decorreu a edição de Guarda e Viseu do IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Cerca de uma centena de pessoas rumaram ao Hotel Príncipe Perfeito, em Viseu, para refletir sobre a atualidade e o futuro das profissões de Solicitador e Agente de Execução. Na organização desta iniciativa, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) contou com o apoio do Conselho Regional de Coimbra (CRC) da OSAE e das Delegações Distritais de Guarda e de Viseu. O relógio marcava as 09h30 quando a sala de reuniões do Hotel Príncipe Perfeito começou a receber os primeiros participantes, acolhidos pelos Presidentes das Delegações Distritais anfitriãs e do Conselho Regional. Na cerimónia de abertura, Anabela Veloso, Presidente do CRC da OSAE, Prazeres Varandas, Presidente da Delegação Distrital da Guarda da OSAE, e Sandra Costa, Presidente da Delegação Distrital de Viseu da OSAE, deram as boas-vindas aos participantes e convidados, agradecendo a presença de todos em Viseu neste dia de trabalho e de convívio. “Estes fóruns são, por excelência, espaços de reflexão e de análise crítica sobre os caminhos que temos que percorrer em prol da Justiça. Vivemos momentos de grandes atualizações e desafios. Como tal, importa promover o diálogo entre colegas e entidades, de modo a que se abram novas perspetivas”, frisou Anabela Veloso. O painel “Arrendamento Urbano | Evolução, Manutenção e Intervenção” marcou o início do Espaço Delegações. Sérgio Vaz, Solicitador, Cláudia Boloto, Advogada, e Ana Carla Meireles e Olga Marçal, Magistradas Judiciais, foram responsáveis por explanar o tema, que contou ainda com a moderação de Eduardo A. Pereira, Secretário da Delegação Distrital da Viseu. Centrando a sua comunicação na forma do contrato de arrendamento, Sérgio Vaz começou por explicar os tipos de contrato existentes e os seus elementos e conteúdo necessários, no âmbito do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). Isto porque “a crescente procura de arrendamento, em consequência da crise do mercado da construção e do imobiliário, e a ausência de oferta de arrendamento a preços acessíveis

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determinaram que a reforma do arrendamento urbano fosse assumida como um objetivo prioritário no domínio da habitação”, salientou. As recentes alterações à lei do arrendamento, decorrentes das Leis n.º 12/2019 e n.º 13/2019, mereceram também destaque por parte de Cláudia Boloto. “São mudanças expressivas e transversais a toda a lei do arrendamento, já que alteram questões de forma, execução, cessação, denúncia e regimes transitórios. São, portanto, alterações muito importantes, quer para Solicitadores, quer para Agentes de Execução, na medida em que se vão traduzir em muito trabalho para as duas profissões”, referiu. A advogada explicou ainda que “a Lei n.º 13/2019 vem alterar vários diplomas com impacto no mercado do arrendamento”, acrescentando que “o objetivo é introduzir medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade

do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”. Já a Lei n.º 12/2019 “também altera a legislação sobre o arrendamento no sentido de proibir e punir o assédio no arrendamento”. A terminar este painel da manhã, as Magistradas Judiciais Ana Carla Meireles e Olga Marçal abordaram a competência dos juízos de execução em matéria de arrendamento urbano, com destaque para a análise dos títulos executivos previstos no NRAU e para a Execução Para Entrega de Coisa Imóvel Arrendada (EPECIA). Depois do almoço, que promoveu a troca de impressões e o convívio entre participantes, teve início o Espaço OSAE, com os painéis dedicados aos Solicitadores e aos Agentes de Execução. Leandro Siopa, Secretário do CRC da OSAE, iniciou os trabalhos e lançou a reflexão sobre os caminhos que se abrem às duas profissões por via das ferramentas desenvolvidas pela OSAE.

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O painel dedicado aos Solicitadores foi moderado por Natércia Pinheiro, Secretária da Delegação Distrital da Guarda da OSAE, e contou com os contributos de Júlio Santos e Fernando Rodrigues, respetivamente Presidente e Vice-Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Fernando Rodrigues apresentou as funcionalidades da plataforma de gestão processual SoliGest, desenvolvida pela OSAE e que visa aumentar a transparência e a confiança na relação entre clientes e Solicitadores. “Seremos, talvez, a única classe profissional que possui uma plataforma como esta”, destacou. “Gestão de contas bancárias e de correio, gestão de processos, de agenda e estatísticas, a par de serviços de apoio informático são algumas das funcionalidades do SoliGest”, explicou Fernando Rodrigues, enquanto evidenciava que a aposta na inovação e na formação é o caminho que continuará a garantir o sucesso da profissão. Alinhado com este mote, Júlio Santos deu a conhecer outras ferramentas disponibilizadas pela OSAE, começando pela plataforma Viagem de Menores. Esta vem simplificar a autorização de saída de menores para o estrangeiro, obrigatória sempre que estes viajem sem a companhia de ambos os progenitores. “É uma ferramenta muito fácil de utilizar, que não tem custos e da qual só se podem tirar vantagens”, afirmou, sensibilizando para a adesão dos associados presentes. Os Autos de Constatação mereceram também a análise por parte de Júlio Santos. “São uma realidade cada vez mais presente em Portugal”, salientou, evidenciando a crescente importância da sua utilização em diversas situações. A intervenção terminou com um apelo sobre a mais-valia da mi-

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gração do ROAS 1 para o já disponível ROAS 2, “muito mais intuitivo e com mais funcionalidades”. No painel dirigido aos Agentes de Execução, moderado por Rosa Maria Pereira, Secretária da Delegação Distrital de Viseu da OSAE, as mais-valias das ferramentas OSAE estiveram novamente em cima da mesa. Vítor Ferreira, em representação da Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), abriu o painel, abordando a importância de se potenciar o know-how das duas entidades – OSAE e CAAJ. O espaço continuou com uma explicação do funcionamento do OSAE 360, por Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução (CPCAE). Trata-se de uma “ferramenta importante não só para Agentes de Execução, como também para Solicitadores”. O objetivo, indicou, é que todos os interessados possam “ter uma perspetiva real do espaço sem ter de se deslocar ao local, através da realização de uma visita virtual”. O Presidente acrescentou que esta ferramenta é muito útil na elaboração de Autos de Constatação e na plataforma e-Leilões. Foi precisamente no e-Leilões que Mara Fernandes, Vice-Presidente do CPCAE da OSAE, focou a sua intervenção. “Hoje em dia, mais de 80 por cento dos leilões são licitados, o que é muito relevante face ao curto tempo que a plataforma tem”, evidenciou, salientando o sucesso e as mais-valias da mesma. “Os resultados são visíveis e inegáveis. O número de utilizadores, visualizações e bens inseridos está sempre a crescer”, destacou Mara Fernandes, dando ainda conta de um conjunto de alterações que se pretende introduzir nos próximos tempos, como a mudança do layout dos anúncios


IV FÓRUM DE SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO | GUARDA E VISEU

A edição de Guarda e Viseu do IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução decorreu no dia 21 de março. As plataformas OSAE foram protagonistas, num dia que não esqueceu o debate.

nas negociações particulares, de forma a que seja mais fácil distingui-las dos leilões eletrónicos. Chegou então a hora do debate subordinado ao tema “A Linguagem da Justiça e o Cidadão”. A reflexão foi moderada pelo Bastonário da OSAE, José Carlos Resende, que frisou a importância da temática num momento em que muito se discute sobre a descrença na Justiça em Portugal. “Todos constatamos que há um problema de comunicação e linguagem da Justiça”, frisou José Carlos Resende, indicando que “quanto mais os cidadãos dominarem os seus direitos, melhores cidadãos serão e mais serão capazes de os reclamar e de protestar quando forem prejudicados. Para isso, nada melhor do que serem auxiliados por profissionais.” Isabel Emídio, Juíza, começou por afirmar que “a linguagem da Justiça é essencialmente técnica e a sua simplificação é de extrema importância. A simplificação da linguagem é fundamental para aproximar a Justiça aos cidadãos. Mas isto não é simples”, reconheceu, congratulando a OSAE por promover iniciativas e debates sobre esta temática “que é transversal a muitas outras profissões”. Ao mesmo tempo, acredita que é também necessário existir uma maior “literacia jurídica” na sociedade, sendo cruciais projetos de “educação para a Justiça” nas escolas. Rui Brito, Procurador da Comarca de Tondela, iniciou o seu contributo referindo que “a linguagem da Justiça funciona dentro dos processos e deveria funcionar fora dos processos”. O Procurador acrescentou que “a Justiça deveria ser célere e não o é também pela maneira como é feita e interpretada a sua linguagem. Existe uma desconfiança na Justiça

porque muitas vezes as pessoas não a percebem. Não sei se não se deveria sacrificar um pouco o rigor técnico, em prol de uma maior simplificação. Acredito que assim se alcançava uma maior celeridade e uma melhor Justiça”, concluiu. A terminar o debate, Cláudia Boloto, Advogada, reconheceu que “todos temos responsabilidades neste domínio”, havendo a necessidade de existir “um esforço para tornar a linguagem percetível e acessível” a todos. O momento seguinte foi marcado pela entrega dos diplomas aos novos associados e das placas comemorativas aos que completavam 25 anos de profissão. Na cerimónia de encerramento, com a presença de Maria José Guerra, Presidente do Tribunal da Comarca de Viseu, José António Abrantes, Magistrado do Ministério Público e Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional da Coimbra da OSAE, foram deixadas palavras de agradecimento à OSAE pela iniciativa e, em particular, por trazer ao debate a questão da linguagem e da comunicação com o cidadão. Agradecendo a todos os participantes, oradores e a todos os envolvidos na organização deste Fórum, José Carlos Resende dirigiu uma mensagem de muito sucesso profissional a todos os que hoje abraçaram a profissão e reiterou que estas iniciativas são fundamentais para «partilhar conhecimento e dar nota do trabalho que se tem vindo a desenvolver», numa atualidade de desafios para as profissões de Solicitador e Agente de Execução. O IV Fórum | Guarda e Viseu terminou com um momento musical e com o salutar convívio entre associados, convidados e familiares, num jantar repleto de animação. : :

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA

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ENSINO SUPERIOR

“Orgulhamo-nos muito do nosso plano curricular”

SUSANA ALMEIDA Coordenadora do curso de Solicitadoria da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do Instituto Politécnico de Leiria (IPL)

Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

Celebrando-se no próximo ano letivo 18 anos da instituição do curso de Solicitadoria na ESTG, podemos afirmar que esta foi uma aposta certa em momento oportuno? Sem dúvida. O curso de Solicitadoria na ESTG teve a sua primeira edição no ano letivo de 2001/2002, tornando-se o primeiro do ensino superior público. A iniciativa partiu de colegas que ainda hoje colaboram connosco, designadamente do Dr. Poças Santos. E, de facto, foi criado na hora certa. É óbvio que, entretanto, fizemos algumas atualizações, não só no seguimento do processo de Bolonha, mas também em 2015/2016, com a alteração do plano de estudos. Estas mudanças surgiram justamente para adequar a formação às exigências crescentes da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), dando importância às novas competências que os Solicitadores passaram a ter. Mais recentemente, no decurso da avaliação realizada pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), foram feitas mais algumas adaptações ao plano. Por isso, acredito que hoje temos um plano curricular bastante diversificado e atualizado. No entanto, estamos sempre em busca da melhoria em prol de um curso com cada vez mais qualidade. Este curso é, então, um reflexo da passagem do tempo, do incremento da exigência e da evolução das expetativas. Como tem evoluído ao longo dos anos? O curso tem sempre vindo a evoluir. Depois da reforma de Bolonha, em 2007/2008, a grande mudança aconteceu no ano letivo de 2015/2016. Dela resultou não só a introdução de novas unidades letivas, como também a divisão de outras que consideramos fundamentais: Direito Administrativo dividiu-se em I e II, tal como Direito Tributário e Processo Executivo. Direito Comercial e Sociedades foi dividida em duas unidades curriculares: Direito Comercial, por um lado, e Direito das Sociedades, por outro. Isto permitiu que se aprofundassem melhor os temas. Quanto às novas unidades curriculares, Direito do Consumo foi uma das novidades. Acredito que esta seja uma área que deve ser aprofundada e explorada pelo Solicitador, nomeadamente para fidelizar o próprio cliente. Tal acontece também com as disciplinas de Urbanismo – reintroduzida neste novo plano, embora já existisse antes de Bolonha –, e Simulação Jurídica, de teor mais prático, funcionando como uma antecâmara para a entrada no mercado de trabalho. Nesta unidade curricular, o objetivo passa por analisar, quer através de um trabalho escrito, quer da respetiva defesa oral, vários casos práticos das áreas de família, sucessões, tributário,

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA

entre outras. Fazemos também simulações de julgamento e de contacto com o cliente, com casos da vida quotidiana. Há três anos implementámos ainda uma nova metodologia de avaliação, as provas orais, para estar em harmonia com a que é feita pela OSAE. Tudo para melhor preparar o aluno para a realidade que, posteriormente, irá encontrar no mercado de trabalho. O que sublinha como aspetos diferenciadores deste curso face a outros existentes no país? Quais as vossas principais apostas? Orgulhamo-nos muito do nosso plano curricular: é bastante rico e ministra todas as competências para formarmos profissionais de sucesso. Além disso, temos uma série de eventos científicos e formações que os estudantes podem frequentar. Destaco três eventos que ocorrem anualmente: o Congresso de Ciências Jurídico-Empresariais, as Jornadas de Consumo e a Conferência Jurídica. Temos, ainda, outras iniciativas que vamos realizando ao longo do ano, nas quais os estudantes podem complementar os conhecimentos que são ministrados no curso. É o caso das Tertúlias do Cinema e do Direito, que acontecem mensalmente. Nelas, os alunos têm oportunidade de visualizar um filme, cuja temática é depois discutida e analisada entre discentes e docentes e são apresentadas as diversas perspetivas desse tema. Assim, os

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futuros profissionais adquirirem competências logico-argumentativas que serão de extrema importância. Os alunos do nosso curso beneficiam ainda de outra mais-valia que é o intercâmbio luso-belga. Trata-se de uma parceria com a Universidade de Bruges, que possui um curso homólogo ao nosso e, através deste intercâmbio, um grupo de estudantes belgas visita a ESTG um ano e nós visitamo-los no ano seguinte. Nesse âmbito, são formados grupos de estudantes que trabalham uma determinada temática, que será apresentada ao grupo homólogo, em inglês. Posteriormente é feita uma sessão plenária, na qual todos os grupos apresentam o trabalho em conjunto. É feita a comparação dos ordenamentos jurídicos de ambos os países e analisadas as vantagens e as desvantagens de cada um. Este programa é excelente para fomentar competências logico-argumentativas, desenvolver a exposição oral e a língua inglesa, bem como para conhecer uma nova cultura e alargar horizontes. Outro aspeto que nos distingue é a relação de proximidade que existe entre os professores e os estudantes do curso de Solicitadoria da ESTG. Os alunos vêm ter com os docentes, pedem para esclarecer as dúvidas, por vezes até pedem ajuda a nível familiar. Existe essa proximidade que dizem ser mais difícil encontrar em universidades. Acredito que esta é também uma característica fundamental para o nosso sucesso.


Orgulhamo-nos muito do nosso plano curricular: é bastante rico e ministra todas as competências para formarmos profissionais de sucesso. Além disso, temos uma série de eventos científicos e formações que os estudantes podem frequentar. Tem havido um aumento na procura? Sim e para isso também contribui o facto de estarmos entre Lisboa e Coimbra, num âmbito geográfico de eleição. Ao mesmo tempo, temos em Leiria um tecido empresarial muito forte, o que é uma grande mais-valia. Recentemente, integrei a comissão que criou o protocolo “IPL Indústria”, um programa em que a academia se junta às empresas e à indústria tendo em vista o aproveitamento de sinergias comuns. O objetivo passa por dar a conhecer a nossa licenciatura junto das empresas, uma batalha que temos vindo a travar ao longo dos anos. Há ainda algum preconceito, infelizmente, e as competências dos nossos estudantes não são conhecidas. Temos, portanto, um papel importante nessa divulgação. Só para dar um exemplo: na maior parte dos concursos públicos, para os quais os nossos estudantes têm competências, não figura a licenciatura em Solicitadoria como requisito. Assim, no âmbito do protocolo “IPL Indústria”, gostaríamos de divulgar o curso e as competências dos estudantes, de maneira a que as empresas da zona absorvam os nossos licenciados. Creio que será uma aposta ganha.

O aumento da procura por parte dos estudantes também se justifica pela tradição que já possuímos – são 18 anos a lecionar Solicitadoria – e pela qualidade do nosso corpo docente, que é extremamente qualificado e dinâmico. Esse aumento dever-se-á também a uma maior sensibilidade para compreender o papel do Solicitador? Julgo que sim e que a OSAE, nesse aspeto, teve e tem um papel fundamental na luta pelos interesses e direitos destes profissionais. As coordenações de curso também têm tido esse papel, inclusivamente na impugnação de determinados concursos públicos que desconsideram totalmente a licenciatura em Solicitadoria. Estamos constantemente em contacto com os demais coordenadores e procuramos sempre salvaguardar os direitos dos nossos diplomados. De que forma é que participar na coordenação de uma licenciatura como esta é, atualmente, por si só um desafio? É mesmo um grande desafio. Estou no segundo mandato e é muito estimulante e gratificante ver que os nossos estudantes saem daqui bem formados, que o nosso curso tem qualidade e que os nossos colegas perfazem um corpo docente de excelência. No fundo, eu sou o elo de ligação entre os estudantes e os professores. É uma tarefa difícil, porque os alunos julgam que estou do lado dos colegas docentes e estes acham que estou a salvaguardar exclusivamente os interesses dos estudantes. E há muitas tarefas difíceis que

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Estamos localizados numa região bastante rica e empreendedora e há muito trabalho no âmbito do Direito do Trabalho, do Direito Comercial e do Direito Contraordenacional que pode ser desempenhado pelos nossos alunos, que saem daqui bem formados e prontos a singrar. cabem à coordenação, como a elaboração dos calendários de avaliação e a definição das metodologias de avaliação. Nesta última tarefa, conto com a colaboração de colegas e estudantes que integram a Comissão Científico-Pedagógica e trabalhamos em conjunto, mas não deixa de ser esgotante também pelo facto de este ser um curso grande, com dois regimes e muitos alunos. A coordenação de curso não é fácil, mas estou muito satisfeita porque me sinto próxima dos alunos, tenho uma visão geral do funcionamento da escola e do curso e essa é uma experiência enriquecedora para qualquer docente. Em 2014, ano em que iniciei o primeiro mandato, e apesar de pertencer à Comissão Pedagógica, não tinha o conhecimento aprofundado do curso como tenho hoje em dia, das dificuldades, das metas, dos objetivos e das ações que podemos desenvolver para superar alguns dos obstáculo e esta proximidade com os estudantes e com os colegas na sua generalidade. É exigente, mas muito gratificante. Estamos agora a entrar numa época decisiva para os estudantes que pretendem ingressar no ensino superior. Que conselhos daria a um jovem que esteja a ponderar seguir Solicitadoria na ESTG? Diria que temos um plano curricular diversificado e que trabalha as áreas fundamentais para um profissional de

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sucesso. Há muitas razões para optar pela ESTG. Basta olhar para toda a formação que ministramos em eventos científicos, para o dinamismo do departamento, para a experiência do intercâmbio luso-belga e para toda a formação além do plano curricular e das aulas tradicionais, aulas essas que acabam por ser teórico-práticas. O nosso curso de Solicitadora não é um curso teórico, tem uma componente prática muito forte e o objetivo passa por, não só transmitir conceitos e princípios, mas também por aplicá-los na prática, obrigando o estudante a refletir e a criticar. Depois há toda a experiência que o aluno pode ter aqui no campus. Temos excelentes condições a nível de salas de aula e anfiteatros. Temos uma biblioteca extraordinária. Temos o “Juris Lab”, um espaço com configuração de sala de audiências e de mediação. Por fim, destaco a relação extraordinária entre docentes e discentes que se vive aqui e que muito nos orgulha. Portanto, há um conjunto de aspetos de relevância que podem contribuir para escolher esta grande família de Solicitadoria na ESTG. E relativamente aos alunos que estão agora a terminar este ciclo de estudos: a escola faz um acompanhamento do seu futuro? Fiz há pouco tempo o relatório de avaliação do curso e esse foi, de facto, um dos aspetos a melhorar que salientei.


INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA

Julgo que o nosso gabinete de estágios e de acompanhamento profissional deveria fazer essa monitorização com maior proximidade. Efetivamente, quando os alunos terminam a licenciatura e continuam connosco em mestrado, nós fazemos esse seguimento. Mas com os demais, o único contacto que temos é, eventualmente, se frequentarem o curso de preparação para o exame de acesso à Ordem ou algum curso de formação avançada. Creio que deveríamos promover esforços no sentido de acompanhar os nossos diplomados, de modo a perceber a sua inserção profissional.

Quais os caminhos que se perspetivam para o futuro? Espero que o futuro continue a ser de sucesso, como até aqui, e espero sinceramente que o projeto “IPL Indústria” seja uma plataforma de divulgação do nosso curso, contribuindo para uma maior absorção dos nossos diplomados pelo tecido empresarial da região de Leiria. Estamos localizados numa região bastante rica e empreendedora e há muito trabalho no âmbito do Direito do Trabalho, do Direito Comercial e do Direito Contraordenacional que pode ser desempenhado pelos nossos alunos, que saem daqui bem formados e prontos a singrar. Espero que assim continue e que a OSAE prossiga o seu trabalho na promoção dos interesses destes profissionais, em parceria connosco. : :

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O IFBM EXPLICA…

COMO OBTER A NACIONALIDADE PORTUGUESA?

Por Francisco Serra Loureiro, Solicitador e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Sou estrangeiro e resido em Portugal há alguns anos. Posso obter a nacionalidade portuguesa? A resposta é sim, desde que observados alguns requisitos. Assim, se residir legalmente em Portugal há pelo menos seis anos, for maior de idade, conhecer suficientemente a Língua Portuguesa e nunca tiver sido condenado pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa, poder-lhe-á ser concedida a nacionalidade portuguesa. O mesmo se passa no caso dos menores de idade que sejam filhos de estrangeiros. Neste caso, poderá ser concedida a nacionalidade portuguesa desde que o menor tenha nascido em território português, tenha um conhecimento suficiente da língua portuguesa e, tal como no caso dos maiores de idade, nunca tenha sido condenado em pena de prisão igual ou superior a três anos. Além disso, o menor deverá ter, à data do pedido de obtenção de nacionalidade, concluído o 1.º ciclo do ensino básico ou, em alternativa, um (ou os dois) dos seus progenitores ter residência legal há cinco ou mais anos em Portugal.

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E existem outros fundamentos para adquirir a nacionalidade? Sim, existem outras possibilidades em que pode ser requerida a nacionalidade portuguesa, sendo a situação mais comum aquela em que um cidadão estrangeiro é neto de um cidadão português, estabelecendo assim uma ligação à comunidade nacional. Também nos casos em que o indivíduo tenha, por motivos justificados, perdido a nacionalidade portuguesa e que nunca tenha adquirido outra nacionalidade diferente, observamos a possibilidade de aquele requerer, neste caso, a reatribuição da mesma. Outros fundamentos para a aquisição de nacionalidade são o casamento, a união de facto e a adoção. Desde que, respetivamente, o estrangeiro esteja casado ou viva em união de facto com um nacional português há mais de três anos, pode ambicionar que a nacionalidade portuguesa lhe seja atribuída. De igual modo, também os adotados por nacionais portugueses são elegíveis para a atribuição de nacionalidade portuguesa. Para requerer a nacionalidade em qualquer das situações aqui expostas, o interessado pode dirigir-se, entre outros locais, ao Consulado Português da sua área de residência ou a qualquer Conservatória do Registo Civil à sua escolha. No processo, saiba que pode contar com a ajuda de um Solicitador, profissional habilitado para apoiá-lo nos trâmites legais e burocráticos, facilitando-lhe a vida. Porque, já sabe: um Solicitador, todos os serviços! : :


PROFISSÃO

LIMPEZA DE TERRENOS: UMA OBRIGAÇÃO LEGAL

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abemos que a floresta é, não só património essencial ao desenvolvimento, como matéria-prima no contexto económico de muitas regiões do nosso país, onde os espaços florestais constituem dois terços do território continental. Assim, este é um bem que todos temos de proteger. É nesse sentido que o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SNDFCI), aprovado pelo Decreto-Lei nº 124/2006, de 28 de junho, prevê um conjunto de medidas e ações de articulação institucional, de planeamento e de intervenção relativas à prevenção e proteção das florestas contra incêndios, com vista à defesa de pessoas, bens e, claro, da própria floresta. Mas a responsabilidade na gestão do território pertence, quer ao Governo e às Autarquias Locais, quer a nós, cidadãos – enquanto proprietários, usufrutuários, superficiários, arrendatários –, e às entidades que, a qualquer título, detenham terrenos. Nestas qualidades, a lei estabelece que todos temos que proceder à gestão de combustível. Através da redução do material vegetal e lenhoso, pretende-se dificultar a propagação, horizontal e vertical, do fogo, mitigar a sua intensidade, diminuir a inflamabilidade dos combustíveis e evitar que as chamas atinjam as edificações. Esta gestão é realizada por via de faixas e de parcelas, situadas em locais estratégicos, onde se procede à modificação e à remoção total ou parcial da biomassa presente. As dimensões das faixas a criar estão fixadas no referido decreto-lei, sendo que o cidadão deve fazê-lo entre o final do período crítico do ano anterior e 30 de abril de cada ano. Caso não o faça, a Câmara Municipal notifica o proprietário e, verificado o incumprimento, poderá realizar os trabalhos de gestão de combustível, com a faculdade de se ressarcir desse valor. Também nos casos de arborização ou rearborização, as ações e projetos devem respeitar as dimensões das faixas

Liliana Fernandes, Solicitadora

de gestão de combustíveis. Do mesmo modo, na edificação devem ser observadas as normas constantes dos planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território. É ainda interdito o depósito de madeiras e outros produtos resultantes de exploração florestal ou agrícola, de materiais de origem vegetal e de produtos altamente inflamáveis nas redes de faixas e nos mosaicos de parcelas de gestão de combustíveis, à exceção das aprovadas pela comissão de defesa da floresta contra incêndios. Durante o período crítico, só é permitido empilhamento em carregadouro de produtos resultantes de corte ou extração (estilha, rolaria, madeira, cortiça e resina) desde que seja salvaguardada uma área sem vegetação com 10 m em redor e garantindo que, nos restantes 40 m, a carga combustível é inferior ao estipulado no anexo ao mencionado decreto-lei. A concretização de um verdadeiro Sistema de Informação Cadastral será uma das principais medidas a implementar para a correta defesa da floresta contra incêndios. Aqui, assume-se como fulcral o estabelecimento de parcerias com profissionais como os Solicitadores, no apoio ao proprietário no que respeita à resolução de todas a questões jurídicas emergentes do direito de propriedade e na georreferenciação das suas propriedades através do GeoPredial. Aliás, a correta identificação de terrenos e proprietários permitirá delimitar o património rústico de forma rápida e segura, facilitará a transmissão de imóveis e permitirá a definição de políticas de ordenamento e exploração agrícola e florestal. O Solicitador é ainda o profissional certo para o representar junto das entidades competentes, em caso de incumprimento das normas de gestão de combustível que ponham em risco outros proprietários. : :

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REPORTAGEM

OS MELHORES AMIGOS DO PEITO DO BOLSO DOS MAIS VELHOS PARA AS MÃOS DOS MAIS NOVOS. HÁ 70 ANOS QUE O GESTO SE REPETE VEZES SEM CONTA, NUM RITUAL EM QUE, COMO QUEM OFERECE O CORAÇÃO, AVÓS MIMAM OS SEUS NETOS COM UM DOCINHO. FOI ASSIM QUE A MAIORIA OS CONHECEU E É ISSO QUE RECORDA. DESEMBRULHAR OS REBUÇADOS DR. BAYARD E SABOREÁ-LOS É CAPTURAR ESSES MOMENTOS PARA REVIVER O GENUÍNO CARINHO DA AMIZADE E DA ENTREGA. COMO A TRADIÇÃO QUE PERPETUA, TAMBÉM A EMPRESA PORTUGUESA QUE LHES DÁ CORPO É UM LEGADO SENTIMENTAL QUE TEM PASSADO DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO. OS TEMPOS SÃO OUTROS, MAS O AFETO CONTINUA A SER O INGREDIENTE PRINCIPAL DOS FAMOSOS REBUÇADOS PEITORAIS. Texto Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

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O 58

passado ecoa logo à entrada da fábrica na Amadora, com o aroma a mel e anis a fazer implodir na memória os gestos e os sabores de outrora. É história e tradição que se respira. E enquanto uns se relembram da avó a tirar uns quantos rebuçados da bata ou do avô a dizer que eram o melhor remédio para a tosse, há quem se lembre do homem que tornou possíveis tais momentos da mais pura ternura. Também esta é uma história de família. Espelho do percurso de tantos portugueses, Álvaro Matias tinha 16 anos quando abandonou a terra que o viu nascer (Vale da Mula, no concelho de Almeida, Guarda) em busca de uma vida melhor na capital. Foram cerca de dez anos difíceis, a saltar de trabalho em trabalho, até assentar como empregado de uma mercearia na Baixa. Por essa altura, com a Europa a viver a 2.ª Guerra Mundial, uma família fugia ao caos instalado em França e procurava abrigo em Lisboa. Quis o destino que as vidas se cruzassem, nessa mercearia da Rua da Prata. Hoje, quem conta a história é Daniel Matias, neto de Álvaro: “O Dr. Bayard começou a frequentar a mercearia onde o meu avô trabalhava e criou-se uma certa empatia e entreajuda entre eles. O meu avô facilitava ao Dr. Bayard alguns alimentos que, na época, eram difíceis de obter por estarem racionadas e o Dr. Bayard, por exemplo, dava aulas de francês ao meu avô. Gerou-se uma amizade bastante forte, o que fez com que, quando a guerra terminou e a família do Dr. Bayard regressou a França, ele decidisse deixar ao meu avô o bem mais precioso que tinha: uma lata metálica com a fórmula dos rebuçados Dr. Bayard, que ele fazia artesanalmente em França.” Empenhado em não deixar o tesouro perecer, Álvaro meteu as mãos na massa. Munido dos ingredientes, mas desconhecendo as quantidades, foi com a ajuda da esposa e de uma irmã que, por experimentação, chegou ao verdadeiro ponto rebuçado. E foi a partir da sua cozinha que confecionou os rebuçados que vendia porta a porta, em mercearias, cinemas e cafés. “Pouco a pouco, o meu avô foi tentando aumentar a produção: desde uma panela pequenina em que ele mexia a massa, no fogão de casa, até começar a comprar e a construir algumas pequenas máquinas que o ajudassem nessas tarefas, como por exemplo, a amassar ou a moldar”, desvenda Daniel. Rapidamente o espaço tornou-se insuficiente e Álvaro mudou-se para uma pequena marquise. Corria já o ano de 1969 quando, duas décadas depois de ter iniciado a produção dos rebuçados, inaugurou a sua primeira unidade fabril na Amadora, local onde morava. A fábrica que hoje conhecemos foi desenhada por si, que, melhor do que ninguém, conhecia as voltas que tinha de dar aos ingredientes para transformá-los nos ímpares rebuçados. “Têm propriedades terapêuticas, porque são feitos com um xarope de ervas medicinais que é o verdadeiro segredo”, conta Daniel, hoje ao leme, em conjunto com o pai e o irmão, da empresa fundada pelo avô. Se a receita era original do Dr. Bayard ou se lhe tinha sido passada, ninguém sabe. Certo é que continua a ser honrada e mantida num cofre fechado a sete chaves. “Está na nossa família. Por enquanto só o meu pai é que sabe, porque ele trabalha cá, mas quando ele achar que é altura de passar essa informação para o meu irmão e para mim, cá estaremos para manter o segredo.” Mas como se conseguem produzir milhares de rebuçados, numa fábrica onde laboram 15 pessoas, quando só uma conhece a receita?


REBUÇADOS DR. BAYARD

“O Dr. Bayard começou a frequentar a mercearia onde o meu avô trabalhava e criou-se uma certa empatia e entreajuda entre eles (…), o que fez com que, quando a guerra terminou e a família do Dr. Bayard regressou a França, ele decidisse deixar ao meu avô o bem mais precioso que tinha.” Daniel Matias

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“Os nossos rebuçados estão há 70 anos no mercado e se continuamos a vender é porque as pessoas continuam a gostar deles. Para além disso, têm a componente emocional, de passarem de geração em geração.” Daniel Matias

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REBUÇADOS DR. BAYARD

Ponto de rebuçado Ao projetar a linha de produção com o seu pai, José António (2.ª geração) assegurou a existência de um processo automático. “Embora algumas máquinas tenham sido atualizadas, a linha mantém-se como o meu pai a desenhou. Na altura, visitou muitas fábricas e feiras internacionais para otimizar o processo com vista à produção em massa”, revela Daniel. O objetivo foi alcançado. Atualmente, saem todos os dias 800 mil rebuçados da fábrica da Dr. Bayard. E é excecional perceber a velocidade com que são produzidos. À entrada, os três ingredientes principais chegam em camiões, pelas mãos dos mesmos fornecedores nacionais de sempre, e são despejados diretamente para silos próprios, localizados na cave. Açúcar, mel e glucose vão ser puxados por via de uma bomba para o rés do chão, onde uma balança automática controla as quantidades que vão para a misturadora, para serem unidas com água ao xarope de ervas. O líquido obtido passa, através de uma conduta, para a máquina de cozedura, que fará o ponto de rebuçado e o transformará numa massa. “É preciso saber manusear as máquinas, especialmente essa da cozedura, que é um dos pontos-chave: se a temperatura estiver muito alta a massa coze demais e queima, se a temperatura estiver baixa a massa não coze e fica mole. Portanto, é preciso também um bocado de sensibilidade para operar as máquinas e é preciso algum tempo para ganhar essa sensibilidade”, diz Daniel, complementando: “É do nosso interesse manter aqui as pessoas.”

É precisamente nesta posição que encontramos a colaboradora mais antiga: Lúcia Barata. “Estou aqui há 49 anos”, conta, enquanto vai desviando o olhar para controlar, por uma pequena janela, a cozedura. “Antes fazíamos praticamente tudo à mão. Hoje só temos de passar a massa para a próxima bancada”, refere, enquanto com a ajuda de uma colega coloca a mistura cozida numa bandeja e leva-a para o próximo ponto. “São cerca de 50 kg”, revela. Não tem noção de quantos os seus braços já transportaram ao longo das décadas, apenas que o fez com paixão. “Tenho muita dedicação a este trabalho e sinto que os rebuçados também são um bocadinho meus, coloco-lhes o meu amor. Para o ano vou reformar-me e penso muitas vezes que vou sentir muitas saudades”, conclui, passando o testemunho para as colegas na estação seguinte, onde a massa é mais uma vez moldada e começa a ser arrefecida. A massa é depois trabalhada noutra máquina até ficar um cordão com a espessura de um dedo. “Passa então para uma moldadora que, no interior, tem uma espécie de pistões. A massa passa pelo meio e sai cortada e assinada”, explica Daniel. Já sob a forma de rebuçados, seguem para um tapete de arrefecimento e estão prontos a comer. São depois colocados automaticamente nos famosos invólucros (a uma velocidade de 800 por minuto) e embalados em saquetas de 100 ou 200 gramas. O processo demora apenas cerca de 30 minutos. “É muito rápido. O meu avô pensou em tudo”, diz, com notório orgulho, Daniel. “Cresci no meio desta fábrica, a ver a minha família a trabalhar. Para mim era algo banal, não lhe dava o devido valor e andei durante anos a tentar vingar noutras áreas profissionais. Em 2011, emigrei para Berlim e os quatro anos que lá vivi deram-me o distanciamento de que precisava para olhar para a Dr. Bayard com outros olhos. Senti que realmente tinha aqui uma coisa bastante importante e que era um grande orgulho para mim dar continuidade ao legado da família”, confessa. “Os nossos rebuçados estão há 70 anos no mercado e se continuamos a vender é porque as pessoas continuam a gostar deles. Para além disso, têm a componente emocional, de passarem de geração em geração: do meu avô até nós e, ao nível dos clientes, de avós para filhos e netos. Na verdade, há aqui um paralelismo engraçado entre a nossa família e os consumidores.” Para uns e para outros, a qualidade continua a ser o mais importante. “Preferimos manter a qualidade a produzir mais”, defende Daniel, indicando que, embora a hipótese de exportação não seja descartada, “o fundamental é manter”, até porque, com capacidades limitadas, a produção é totalmente absorvida pelo mercado nacional. Mesmo assim, a empresa vende diretamente ao público, e para os quatro cantos do mundo, através da internet, onde são lançadas algumas edições especiais. O objetivo é, contudo, aproximar a marca dos mais jovens e fazer com que os Dr. Bayard continuem a ser, por muitos mais anos, os melhores amigos de peito. : :

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TECNOLOGIA GOOGLE CALENDAR Por Paulo Branco, 1.º Secretário da Assembleia Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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atividade profissional de um Solicitador e de um Agente de Execução pauta-se pelo controlo da sua agenda, quer devido à necessidade de cumprir prazos, quer pela simples gestão de marcação de consultas, diligências, etc. Hoje todos temos no bolso um telemóvel, onde podemos ter ao nosso dispor uma ferramenta muito útil: a agenda da Google, apelidada de Google Calendar e disponível para download gratuito. O Google Calendar tem características muito interessantes para a nossa atividade profissional que vão muito além do registo de ocorrências e agendamentos. A aplicação permite-nos ter uma agenda, acessível através do telemóvel ou do computador, partilhada com um colaborador do escritório, por exemplo. Esta partilha pode cingir-se à simples visualização dos tempos livres e ocupados (sem revelar o conteúdo), como pode permitir a criação, edição e eliminação de eventos. Assim, o colaborador pode marcar, desmarcar e alterar agendamentos, tendo o “proprietário” da agenda imediato conhecimento no telemóvel. E o inverso também é possível. No telemóvel podemos marcar, desmarcar e alterar os eventos e essa informação é partilhada de imediato com o escritório. Outras funcionalidades são: a possibilidade de convidar outros utilizadores de agendas Google para reuniões através da aplicação; a adição automática de eventos tendo por base e-mails recebidos na conta de correio eletrónico associada à agenda; as várias formas de visualização dos agendamentos; a possibilidade de haver mais do que uma agenda na mesma conta; a definição da localização de um determinado agendamento (o telemóvel avisa-nos, com a antecedência necessária, que nos devemos dirigir para esse local, calculando a distância com base na nossa localização atual), etc.

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PROFISSÃO

CARTÃO DE CIDADÃO

E-MONEY

Por Marco Antunes, Vogal do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Por Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégios dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

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ão conhecidos e recorrentes os constrangimentos associados à renovação do Cartão de Cidadão (CC), com longas filas de espera nalguns postos de atendimento do Instituto dos Registos e Notariado (IRN). Recentemente, foi alargada a possibilidade de renovação do Cartão de Cidadão a pessoas com idade igual ou superior a 25 anos. Assim, basta a Chave Móvel Digital ativa ou o Cartão de Cidadão e leitor de smart card (com os respetivos PIN e software) para aceder a este serviço. A renovação online está disponível para Cartões de Cidadão que tenham sido pedidos até ao final de setembro de 2017 e emitidos com validade original de cinco anos, sendo possível realizar o serviço até 30 dias depois da data de expiração do cartão. Continua ainda a ser possível pedir online uma segunda via do Cartão de Cidadão devido a perda, destruição, roubo ou furto. Nestes casos, o novo cartão mantém a validade do anterior. Um leitor de Smart Card será suficiente para que todos os solicitadores possam prestar apoio no âmbito deste e de outros serviços disponíveis online. Mais: com o leitor de Smart Card, o solicitador pode ainda auxiliar o cidadão a ativar a sua Chave Móvel Digital. Os solicitadores estão familiarizados com esta tecnologia e dispõem de todas as ferramentas para prestar o necessário apoio aos seus clientes. Recorrendo aos nossos serviços quando precisa, por exemplo, de renovar o cartão de cidadão ou alterar a morada neste documento, o cidadão sentirá que o solicitador pode simplificar-lhe a vida, ou seja, que "o solicitador resolve".

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e-money é um “serviço bancário” online, em muito semelhante ao banco online tradicional, mas em tudo diferente deste. Plataformas como a Monzo, Revolut e Starling, entre muitas outras, baseadas em vários países da União Europeia, onde já existe regulamentação legal, proporcionam “verdadeiros” serviços bancários, com números IBAN, códigos SWIFT e cartões Visa/Mastercard, para além de permitirem receber e fazer pagamentos regulares, como salários ou mesmo débitos diretos, e trabalhar com diversas moedas, ou até criptomoedas, bem como aceder ao mercado internacional de ações. Estas plataformas encontram-se disponíveis e prontas a ser usadas, apenas à distância de um registo efetuado totalmente online, por qualquer indivíduo, independentemente do país em que este resida ou se encontre, desde que tenha em sua posse um smartphone com câmara funcional, acesso à rede e um documento de identificação válido, como cartão de cidadão, carta de condução ou mesmo passaporte. Atualmente é “permitido” a qualquer cidadão nacional viver o dia a dia sem possuir contas bancárias em instituições tradicionais sediadas em Portugal, fugindo assim ao controlo do regulador. Tornam-se, por isso, invisíveis ao mesmo e, consequentemente, ao apuramento, bloqueio e penhora de contas bancárias em processos de execução. Todo um mundo que já existe e que, dentro de poucos anos, tenderá a substituir aquele que agora conhecemos. Podemos negar. Não o podemos evitar. Cabe aos Agentes de Execução e à nossa Ordem profissional adaptarem-se e fazerem adaptar a tecnologia à Justiça. Estamos a fazê-lo!

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PROFISSÃO

SOLICITADORES ILUSTRES CARLOS CORDEIRO “Confesso que Vivi” Pablo Neruda

Por Miguel Ângelo Costa, Solicitador, Agente de Execução e Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Fotografias Hugo Vieira da Silva

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arlos Cordeiro nasceu em Alenquer no dia 27 de dezembro de 1933. Começou a trabalhar desde muito novo. Contava ele, a um jornal online de Alenquer (1): “Quando fiz o exame da antiga 4.ª classe tive colegas que foram estudar para o colégio – aqueles que tiveram possibilidades – e eu fui trabalhar para o tribunal, como empregado de escrivão; isto em plena Guerra Mundial. O tribunal, naquela época, era um fórum de discussão política e, aos 16 anos, já participava em jantares comemorativos da implantação da República, evento muito festejado nesta vila.” Inscreve-se na então Câmara dos Solicitadores a 30 de março de 1957. Logo se empenhou pela candidatura de Humberto Delgado e, mais tarde, nas eleições da oposição democrática de 1969. A vida cívica teve sempre a sua assinatura nas várias associações e petições democráticas contra o governo da ditadura. A 16 de dezembro de 1968 assina uma carta aberta a Marcelo Caetano intitulada “À Nação”, na qual, conjuntamente com vários fundadores do Partido Socialista, como Mário Soares, José Magalhães Godinho e António Macedo, defende abertamente o socialismo democrático, eleições livres e liberdade de imprensa e dos presos políticos. Fez parte da Comissão de Socorro aos Presos Políticos, pela qual foram distribuídas várias circulares denunciando os tribunais plenários como instrumentos políticos da ditadura. Uma luta de coragem antes do 25 de Abril de 1974 e que se prolongou até aos nossos dias. Como militante socialista, já em democracia, foi eleito deputado, por este partido, cumprindo a I Legislatura de 3 de junho de 1976 a 2 de janeiro de 1980, a III Legislatura de 31 de maio de 1983 a 3 de novembro de 1985 e a VII Legislatura de 27 de outubro de 1995 a 24 de outubro de 1999. Mas nunca deixou de ser solicitador, pois, a partir daquela data (25 de Abril de 1974), com a mudança do regi-


me, envolve-se, de imediato, pelo primeiro Estatuto da Câmara dos Solicitadores fora do Estatuto Judiciário, dando um grande contributo para a sua elaboração e aprovação, o que veio a acontecer em 1976. Numa entrevista à Sollicitare afirmava: “(…) os solicitadores foram os primeiros a sair deste estatuto ( judiciário) e a ter estatuto próprio (…). É uma das coisas que me deu bastante gozo, subir à tribuna da Assembleia da República para defender a proposta de Lei do Governo…”. (2) Passou quase 20 anos como deputado e a lutar de forma constante pelos interesses da sua classe, nomeadamente pela reforma do Estatuto de 1976, que já a previa passado um ano. Claro que passaram mais de 20 anos para que o novo Estatuto visse a luz do dia e Carlos Cordeiro foi um dos mais persistentes neste desiderato. Num artigo seu, publicado na revista da Câmara dos Solicitadores, escrevia: “O velho Estatuto continua, pois, na pujança dos seus vinte anos!... Pessoalmente – eu que tenho estado sempre ligado, se não a todas, pelo menos à maior parte dessas comissões (parlamentares), que dei o meu contributo, necessariamente modesto, mas muito interessante, nas versões que foram sendo elaboradas, que já subi não sei quantas vezes as escadas de pedra do Ministério da Justiça, que já apertei a mão a não sei quantos Ministros, que já ouvi da boca dos mais altos responsáveis palavras de louvor e extremamente lisonjeiras para a nossa classe, sem que de palavras se passasse – considero este proces-

so do novo Estatuto dos Solicitadores como as marés: têm períodos em baixa, nos quais nos apetece correr o marfim e nada fazer, porque se cria uma frustração que conduz à ideia de que não vale a pena lutar contra obstáculos semeados pelo caminho, às vezes por quem pensávamos que eram nossos companheiros e não são; e tem períodos em alta, durante os quais se ouvem palavras de incentivo e se pensa ‘agora é que vai ser, merece a pena fazer um esforço e manter viva a luta pela concretização deste anseio velho de quase vinte anos’.” Mais à frente, acrescentava no mesmo artigo: “Como os colegas sabem, a aprovação do Estatuto é da competência da Assembleia da República. Nada me seria mais grato, como deputado, do que poder subir à tribuna em sua defesa e dar, mais uma vez, a minha contribuição para a concretização desta velha aspiração. Seria uma forma bonita de me sentir compensado pelas desilusões que tenho vindo a colher ao longo deste demorado percurso.” (3) Como sói dizer-se, as suas preces foram ouvidas. Não é que na sessão do Parlamento de 27 de junho de 1998 Carlos Cordeiro intervém na Assembleia da Republica para a defesa do estatuto, onde a certa altura afirma: “Os solicitadores são peças importantes daquilo que se poderia chamar o poder judiciário, pois exercem, por um lado, o mandato judicial nos termos da lei do processo e, por outro, atividades muito importantes, designadamente no exercício do mandato, a título oneroso e com profissionalismo.” Mais

Sollicitare 65


CARLOS CORDEIRO

à frente, declara: “Solicito que a Assembleia da República autorize o Governo a legislar sobre esta matéria, pois os solicitadores têm tido, na área dos problemas sérios da administração da Justiça, um comportamento exemplarmente sensato, equilibrado, digno, sem alarmismo e têm direito, efetivamente, a um estatuto condigno com o seu comportamento e com o importante papel que desempenham na área da administração da Justiça.” (4) Esta autorização legislativa foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República, à Lei 37/98 de 4 de agosto, que validava o governo a alterar o regime jurídico da Câmara dos Solicitadores e o Estatuto dos Solicitadores. Foi, finalmente, a janela aberta para a modernidade da nossa classe. Mas não se ficou por aqui a sua prestimosa colaboração. A 17 de novembro de 1993 é eleito presidente da Assembleia Regional do Sul, cargo que ocupou até 1994, dado que a 27 de janeiro de 1995 foi eleito Secretário do Conselho Geral para o triénio de 1995/1997. Em 1999 é eleito presidente da mesa da Assembleia Geral da Câmara dos Solicitadores, cargo que ocupou com grande sentido cívico, conhecimento dos regimentos e assertividade, sendo respeitado por todos os colegas, sem exceção, sucessivamente até ao ano de 2007. Foi um grande formador de colegas. Pelo seu escritório passaram como seus estagiários grandes profissionais

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da classe. Destaco o colega Mário Santos, infelizmente já falecido. Toda esta dedicação à classe foi justamente premiada com a entrega, pela Ministra da Justiça, da Medalha do Colar dos Solicitadores de Mérito, aquando a realização do V Congresso. Carlos Cordeiro já havia recebido, com todo o merecimento também, a medalha de ouro de 50 anos de profissão. Sempre atento às novas nuvens de mudança, sem esquecer o passado, continuou a olhar para o futuro da classe com otimismo. Dizia ele na revista Sollicitare: “Os solicitadores (…) devem continuar a olhar para o futuro da classe. Porque a classe tem futuro.” (5) Carlos Cordeiro deixou-nos um dia destes. Mas o seu sorriso, o seu sentido de vida, o humor inteligente sempre a propósito, a sua resiliência, quer na profissão, quer na política, estarão sempre connosco, na certeza de que poderá dizer: “Confesso que vivi.” : : notas:

1 – Jornal online M@is Alenquer, edição de 9 de novembro de 2010. 2 – Revista Sollicitare, edição n.º 10, maio de 2012. 3 – Revista da Câmara dos Solicitadores, IV Série, n.º 1, novembro de 1996. 4 – Debates parlamentares, Assembleia da Republica, sessão de 27 de junho de 1998. 5 – Revista Sollicitare, edição nº 10, maio de 2012.


SOCIEDADE

EMERGÊNCIA AMBIENTAL O futuro ainda pode pintar-se de verde? Se não arregaçarmos já as mangas, tudo indica que não. E os cientistas vão avisando: não é demasiado tarde para fazer a diferença, mas somente se começarmos agora.

O

relatório divulgado, em maio, pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema fez-nos acordar. Avaliando o estado de saúde do nosso planeta, os 145 cientistas, provenientes de 50 países, que participaram na elaboração do mesmo concluíram que hoje há um milhão de espécies em risco de extinção. Surpreendido? Duvido. Afinal, quantas vezes ouvimos alertas ecológicos? Não é novidade que certas práticas desenfreadas que se usam na agricultura e na pesca ocupam a linha avançada na responsabilidade pela destruição dos ecossistemas. Também não desconhecemos o efeito das alterações climáticas causadas pela queima do carvão, do petróleo e do gás natural. Mas agora soou o alerta vermelho. Amedrontam-nos. Dizem-nos que a mudança tem de começar imediatamente. E vestida de revolução. É que parece só haver esperança numa reorganização de todo o sistema, o que envolve fatores económicos, sociais e tecnológicos, passando ainda pela revisão de valores e paradigmas. Inspirados pela sueca Greta Thunberg, os jovens estão a abraçar esta causa com mais afinco. Por todo o mundo – e Portugal não foi exceção – têm sido milhares os que aderem às greves estudantis em defesa do ambiente. Clamam que o planeta está a morrer e exigem que os adultos integrem a questão na agenda política. Sublinham que o assunto tem de ser debatido e que é urgente a tomada de medidas concretas. Afinal, bem podemos questionar-nos: As empresas são devidamente penalizadas pelos elevados níveis de poluição que geram? Há uma verdadeira aposta nas energias renováveis? Reciclamos? Economizamos água e energia? Utilizamos transportes públicos? A sobre-exploração de recursos e as alterações climáticas já não podem ser ignoradas. E este não é o planeta que queremos deixar aos nossos filhos. Em Portugal, já foram iniciadas políticas centradas na descarbonização, na economia circular – em que os materiais são devolvidos ao ciclo produtivo através da reutilização e da reciclagem – e na valorização do território. Mas não chega. A mudança passa pela nossa conduta diária. E é essencial apostar na educação ambiental como instrumento de sensibilização social para o problema. Haverá sempre quem diga que a criatividade humana encontrará uma resposta para a ameaça ambiental. Mas esse otimismo é irrealista e irresponsável face aos dados atuais. É verdade que a emergência ambiental e as necessidades da economia não têm de ser incompatíveis. E que esta convergência vai exigir um investimento ecológico que levará a repensar alguns conceitos, como o de produtividade, de modo a que fiquem ao serviço de objetivos sociais duradouros. Todavia, é esta a nossa única hipótese. Os dados estão lançados. O ultimato está feito. Ficarmos de braços cruzados significa comprometermos o único planeta que temos. Seremos assim tão inconscientes? : :

Diana Andrade Jurista

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SUGESTÕES

LIVROS JURÍDICOS COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA ALMEDINA

Guia Prático do Arrendamento Urbano Amadeu Colaço

A presente obra tem em vista tornar mais compreensível a intrincada legislação do arrendamento urbano, pelo que tem como seus destinatários não apenas os profissionais do Direito, que diariamente se debatem com a sua interpretação, como também o público em geral, que se vê muitas vezes confrontado com situações complicadas relativamente às quais poderá encontrar aqui um precioso auxílio.

Procedimento Extrajudicial Pré-executivo Anotado Rui Pinto | Helena Tomaz

Esta obra procura, segundo uma perspetiva teórica e uma perspetiva prática, responder às dúvidas e necessidades levantadas pelo regime do Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo. Procurar bens sem necessidade de abrir um processo judicial, compelindo “de facto” o devedor a pagar, sob pena de ser incluído na lista pública de devedores, é um dos benefícios deste procedimento, a par da obtenção expedita de certidão de incobrabilidade.

Linhas Mestras da Execução Para Prestação de Facto

Teresa Madail | Mónica Bastos Dias Trata-se de uma obra com caráter eminentemente prático, onde é explicada a tramitação da ação executiva para prestação de facto e dos seus diversos incidentes, com a sistematização das suas causas de extinção e esquematização da sua tramitação, com recurso à Doutrina e Jurisprudência nacionais sobre a matéria, ainda que contrárias às posições assumidas pelas autoras, levando os leitores à sua própria reflexão.

COM A COLABORAÇÃO DA EDITORA QUID JURIS

Temas de Processo Civil – A Prática da Teoria

Manual do Advogado Estagiário (2.ª edição)

Nesta obra analisam-se diversos temas de processo civil com interesse prático, sem descurar a dimensão dogmática que as questões merecem. O âmbito de análise inclui a apreciação crítica de regras estabelecidas no Código de Processo Civil e de práticas forenses, assim como se aponta a trilha para diferentes abordagens de questões que têm merecido algum consenso na doutrina e na jurisprudência nacionais, sem esquecer o desenvolvimento de assuntos que estão na ordem do dia, como a natureza jurídica da hipoteca resultante da conversão da penhora.

Este manual, em dois volumes, fornece todos os elementos e esclarecimentos necessários ao advogado estagiário. O volume I ocupa-se da primeira fase do estágio na Ordem dos Advogados, enquanto o volume II se dedica à segunda fase. Reúnem, entre outros, apontamentos das sessões de formação complementar, casos práticos e documentos informativos, testes escritos e sua resolução, questões formuladas nas provas orais e entrevistas.

J. H. Delgado de Carvalho, Juiz de Direito

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Isabel Carmo, Coordenadora do Departamento de Formação do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados


OSAE

PORTAS ABERTAS A ALUNOS UNIVERSITÁRIOS

A

sede da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) recebeu duas visitas no âmbito da iniciativa “Portas Abertas”, que pretende aproximar os alunos do ensino superior das duas profissões por si representadas. Os alunos do Curso de Direito da Universidade Europeia foram recebidos no dia 12 de abril. Já no dia 3 de junho foi a vez de os alunos do Curso de Solicitadoria do Instituto Politécnico de Beja descobrirem a Ordem, que, assim, acolheu mais de sete dezenas de participantes, no total das duas iniciativas. Estas visitas constituem-se como oportunidades para os jovens conhecerem melhor o ingresso às profissões de Solicitador e de Agente de Execução, nomeadamente os pressupostos do estágio, bem como para esclarecerem as suas dúvidas sobre o exercício das atividades. Durante a visita são ainda apresentados os projetos, as instalações, a oferta formativa e a orgânica da OSAE. : : Autor: Samuel Sousa

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CULTURA

“Não existe educação para a informação” E N T R E V I S TA A

ANA RITA CLARA APRESENTADORA

APAIXONADA POR PESSOAS, TEM NA COMUNICAÇÃO O OXIGÉNIO QUE LHE PERMITE RESPIRAR, MAS É A SOCIOLOGIA QUE LHE CORRE NAS VEIAS E A IMPELE A PROCURAR. POR ISSO, DIZER QUE É APRESENTADORA É RAREFAZER A COMPLEXIDADE DO SER QUE TANTA ADORA. INDISSOCIÁVEL, É TUDO O QUE FAZ E TODO O SEU PERCURSO, DE MODELO A ATRIZ, DE SOCIÓLOGA A APRESENTADORA, DE EMPRESÁRIA A ATIVISTA. ACIMA DE TUDO, ANA RITA CLARA É INSPIRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO, A MUDANÇA E A PLENITUDE. É ESTA A MÁXIMA QUE ORIENTA A SUA VIDA E FOI NESSE SENTIDO QUE LANÇOU O MOVIMENTO DE IMPACTO SOCIAL CHANGE IT.

Entrevista Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

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É formada em Sociologia, mas fez carreira na televisão. As duas áreas abraçam-se? Acho que a formação é a base de tudo para cada um de nós. Eu já sabia e sentia, desde muito pequenina, que a comunicação faria parte da minha vida e entrei mesmo em Comunicação em Lisboa, mas preferi ficar na Universidade do Minho a estudar Sociologia. Queria ter uma forma diferente de encarar o mundo e as pessoas, e a sociologia leva-nos para o mundo do raciocínio de fenómenos sociais. Essa descoberta, essa inquietude de querer descobrir e perceber os outros é fundamental para qualquer comunicador e, muito além de uma mais-valia profissional, é uma forma de estar, porque faço isso na minha vida pessoal e na relação com os outros. Sou verdadeiramente uma apaixonada por pessoas. No fundo, acho que todas as áreas se abraçam e que nós somos o resultado de todas as aprendizagens que temos. Tal como o ditado diz, não há limite para a sabedoria. Como iniciou a sua carreira na televisão? Com 4 anos de idade imitava a Filipa Vacondeus na cozinha da minha mãe, que parecia uma selva [risos]! Mas a minha família divertia-se imenso a ver. Consumia bastante televisão e gostava do processo da brincadeira com as palavras, de chegar ao outro, de poder comunicar de uma forma diferente. Daí que as câmaras nunca me amedrontaram. De certa forma, sabia que fariam parte da minha vida. Foi já quando estava na universidade que fiz a minha estreia. Um dia a minha mãe ligou-me a dizer que me tinha inscrito para um casting no Curto Circuito e que tinha sido escolhida para estar em direto. Senti-me como peixe na água e gostei muito da ideia de existir ali temas muito controversos e socialmente interessantes. Aliás, o meu primeiro tema foi transformismo, achei incrível. Encantei-me logo e fiquei com muito boas relações, tanto em Lisboa, como com canais no Porto, que me vieram a contactar a meio do curso. Mas sou muito de fechar capítulos. Acabei o curso, cresci e trabalhei como socióloga. Fui convidada pela Associação Nacional de Jovens Empresários para estar à frente do departamento de formação e trabalhei em autarquias. Tive a oportunidade de coordenar um estudo incrível de públicos para a cultura com a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e com a Faculdade de Le-

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tras da Universidade do Porto. Depois de ter feito este percurso, há um momento em que o clique chega. Era evidente que precisava de mais. É quando surge o convite por parte da N-TV, que estava na altura a começar, para eu fazer um programa em direto. E lá comecei essa grande aventura. E que momentos mais a marcaram? Ainda tenho muito para fazer, na vida e na televisão, outros formatos, chegar a mais pessoas A minha vontade é mesmo essa. Evidentemente que os três anos que estive na N-TV, com programas laboratoriais, foram uma lição de humildade e de valorização da equipa que conservo até hoje. Depois, o convite para a SIC, para fazer o ‘Inimigo Público’, foi muito especial, porque voltei para Lisboa. O telefonema da Roberta Medina para ser embaixadora do Rock in Rio foi algo que me honrou muito, tal como as oportunidades que tenho tido como atriz, nas novelas, no filme ‘Sei Lá’ ou, mais recentemente, numa série alemã que acaba de estrear na Alemanha, na Suécia e na Suíça. Também o ‘Boarding Pass’, que me levou a viajar e a fazer um programa de culto sem qualquer tipo de rede, e, claro, o programa que tenho há oito anos, o Faz Sentido, com tanta qualidade, num momento em que a Televisão nos faz refletir. É urgente mantermos um nível de qualidade na Televisão e naquilo que se dá ao espectador, porque, cada vez mais, é a partir daqui que as pessoas bebem muito daquilo que levam para as suas vidas. Temos que olhar para a Televisão, e é assim que eu olho para o meu trabalho, como um lugar de responsabilidade. Como um contributo efetivo para a sociedade? Sem dúvida. Apesar de não ser jornalista, sou apresentadora e acho que tudo serve para educar. Não somos professores de ninguém, mas qualquer momento, sobretudo em escrita e Televisão, serve efetivamente para passar uma boa mensagem. São oportunidades para ter conversas interessantes e passar informações, só temos de saber fazer a pergunta certa. Tenho tantos convidados tão interessantes todos os dias. Recentemente, recebi personalidades como o Prof. Jorge Cardoso ou o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo. E, de repente, estamos a


ENTREVISTA COM ANA RITA CLARA

ESCOLHAS… Um livro: A insustentável leveza do ser (Kundera) Um filme: Citizen Kane Um programa de TV: Faz sentido :) e o da Oprah (ela tem um sim) Uma música: Heroes (David Bowie) Um sítio: Qualquer sitio em que esteja com o meu filho torna-se o meu preferido.

É urgente mantermos um nível de qualidade na Televisão e naquilo que se dá ao espectador, porque, cada vez mais, é a partir daqui que as pessoas bebem muito daquilo que levam para as suas vidas. Temos que olhar para a Televisão, e é assim que eu olho para o meu trabalho, como um lugar de responsabilidade.

falar sobre a nova escola para Portugal, sobre o novo paradigma que estamos a viver no ensino e como é que a escola enfrentará os desafios das novas tecnologias. Em qualquer conversa, seja com um músico, um político ou uma pessoa na rua, há sempre muito a dar e a Televisão tem esse papel. Considera que temos uma sociedade informada? Não existem motivos em contrário, até porque com a Internet, com a facilidade, e até facilitismo, no acesso, existem poucas desculpas para as pessoas de facto não terem informação. Mas depois temos uma outra situação: não existe educação para a informação, no sentido de as pessoas saberem fazer a triagem necessária. Muitas vezes, as pessoas são induzidas em determinados pensamentos e não colocam em causa. Uma coisa é saber algo, outra é ter capacidade para ter opinião critica. Isso é um paradigma pelo qual luto. Acho que, efetivamente, e começa nas camadas mais jovens, como é obvio, as pessoas têm que ter opinião. Só a partir do momento em que se tem opinião é que se vai conseguir discernir, de toda a informação que se tem, qual é a verídica, qual é a importante e o que faz sentido para si. Por outro lado, vivemos numa sociedade que continua a ter muitos defeitos, muitos problemas, muitas carências e isso faz com que as pessoas, no meio de tanta informação, se desliguem. O excesso faz com que as pessoas fiquem mais comodistas e é muito mais fácil ouvir um debate ou um programa sobre determinado tema do que a pessoa ir ler e perceber qual é a sua opinião sobre o assunto, se aquilo faz sentido para ela, ter a sua própria opinião. Isso dá mais trabalho. É dentro de cada um que começa esta construção. Nunca é demais ler e procurar informação, sem esquecer que tudo o que se recebe também é triado por alguém. Esta educação deve começar logo na escola? Portugal está no bom caminho e o Ministério da Educação está atento às novas necessidades. Mas estas mudanças não são rápidas. Acima de tudo, temos que educar os mais jovens para terem opinião, independência e inteligência emocional. Esta é uma área que me preocupa muito, até porque estou a criar um menino. E quero que cresça numa sociedade mais justa,

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ENTREVISTA COM ANA RITA CLARA

Quero chegar a uma idade bem avançada na vida, olhar para trás, e poder dizer "eu fiz"! Ter a sensação de que não tive medo. Fiz, fui, criei, toquei os outros, fiz a diferença. equitativa e sem fundamentalismos. Preocupa-me que, em muitas escolas e sistemas, continuemos a criar as crianças dentro de padrões. Não pode haver lugar para formatos e para caixas. Foi a partir desta vontade de evolução e desenvolvimento, de querer partilhar algumas ideias como esta e do meu lado mais ativista que criei o Change It, em 2014. Qual é o objetivo deste movimento? É um movimento que visa sobretudo inspirar as pessoas, mudar as mentalidades e os comportamentos. Resulta da junção de personalidades com vidas transformadoras, que vão partilhando experiências numa conversa de duas horas à volta de um tema. Nestes encontros criativos, as pessoas partilham histórias, emocionam-se, criam amizades, fazem networking, mas, sobretudo, chegam à conclusão de que podem efetivamente, no momento seguinte, começarem também elas um negócio, começarem um percurso fascinante, começarem a dar a volta aos seus desafios. Porquê? Porque veem ali casos reais, de pessoas que conhecem. E são mais de 350 as personalidades reunidas, além das muitas parcerias, como sejam o Web Summit, a Câmara Municipal de Lisboa ou a Startup Lisboa. O Change It tem vindo a crescer para se tornar uma organização de impacto social com outra solidez, alinhada com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da ONU – nomeadamente, e nesta primeira fase: ‘Good Health and Well Being’, ‘Gender Equality’, ‘Sustainable Cities and Communities’ e ‘Climate Action’. A partir daqui vamos começar a for-

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mar as pessoas e a criar mesmo essas mudanças práticas, ou seja, vamos começar também a dirigir esta mudança para áreas específicas. E a nossa Justiça, precisa de mudança ou funciona? Uma sociedade que vive a desacreditar na sua Justiça é uma sociedade muito infeliz e que se perde dela própria. A Justiça é um pilar fundamental de moral, de honra, da democracia, da vida em sociedade. É essencial para nos sentirmos realmente defendidos e o Ser Humano precisa de sentir segurança. Se eu acredito na Justiça? Quero acreditar. Se temos casos, tal como noutros países que nos chocam? Sim, temos. Mas o mundo não é perfeito. As pessoas não são perfeitas, nem nunca serão. As pessoas têm de se confrontar com aquilo que é o Ser Humano e ganhar espaço de opinião. Vejamos o exemplo da Greta Thunberg, que, a partir da sua luta solitária em frente à assembleia, criou um movimento mundial sobre o ambiente: mostra que qualquer um pode mudar as coisas, fazer um ‘Change It’. Temos que acreditar e ser o motor do que queremos mudar. Que marca quer deixar no mundo? Quero chegar a uma idade bem avançada na vida, olhar para trás, e poder dizer "eu fiz"! Ter a sensação de que não tive medo. Fiz, fui, criei, toquei os outros, fiz a diferença. Acho que é para isso que me entrego todos os dias. : :


SUGESTÕES

LEITURAS A ESPERA DO NUNCA MAIS – UMA SAGA AMAZÔNICA e CHORO POR TI, BELTERRA de Nicodemos Sena

Por Neemias Freire, Oficial de Justiça no Brasil

Convidado pela revista Sollicitare a apresentar duas obras literárias brasileiras, optei por um autor que, além de escritor, exerceu durante cerca de 30 anos a atividade de Oficial de Justiça no Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (Estado de São Paulo) e de quem tenho a honra de ser amigo e contemporâneo. Seu nome é Nicodemos Sena, nascido em 8 de julho de 1958, em Santarém, na Amazônia brasileira, e seus livros refletem uma infância vivida entre índios e caboclos do rio Maró, na região de fronteira entre os estados do Pará e Amazonas. Em São Paulo desde 1977, o paraense Nicodemos Sena se formou em Jornalismo e Direito. Fez sua estreia literária em 1999 com o romance “A espera do nunca mais – uma saga amazônica” (Editora Cejup, Belém, 876 páginas), obra que penetra nos anos de chumbo da ditadura brasileira em meio às transformações que ameaçam a região e seu povo original, com a chegada do explorador e da pretensa modernidade. É o confronto entre a natureza e sua biodiversidade com a ganância do capital que nada respeita. Com esse livro, Nicodemos recebeu o prêmio Lima Barreto – Brasil 500 anos, da União Brasileira de Escritores. Em 2014, Nicodemos faz uma viagem à cidade de Belterra, onde seu pai, então com 81 anos, passou a adolescência durante a 2.ª Guerra Mundial, quando o lugar era administrado pela norte-americana Ford Motor Company. Ali era extraído o látex para fornecer a borracha para os veículos militares. Com o advento da borracha sintética, o projeto foi abandonado. Em 19 episódios narrados no livro “Choro por ti, Belterra” (Editora LetraSelvagem, 192 páginas), o autor reconstitui a viagem com o pai, que esperava reencontrar o lugar no qual viveu. “A florescente Belterra da época dos norte-americanos sobreviveu apenas na memória do meu pai.” Atualmente aposentado da carreira de Oficial de Justiça, Nicodemos Sena reside na cidade de Taubaté, onde recentemente abriu o Espaço Selvagem, dedicado à literatura. É também autor dos romances “A Noite é dos Pássaros”, “A Mulher, o Homem e o Cão” e mais recentemente lançou o livro de poesia “Ladrões nos Celeiros: Avante, Companheiros!”.

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ROTEIRO GASTRONÓMICO

Su ges tõ es

Por Patrícia Cadete, Solicitadora

RESTAURANTE PONTE VELHA

Um paraíso gastronómico na Sertã

RESTAURANTE PONTE VELHA Rua do Convento, 6100-593 Sertã Telefone 274 600 160 Aberto de terça-feira a domingo. Encerra à segunda-feira.

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Com 44 anos de existência, a Santos & Marçal, SA dedica-se a atividades ligadas ao turismo, designadamente restauração, eventos, catering, entretenimento e alojamento. De entre os seus vários empreendimentos, hoje destacamos o restaurante Ponte Velha. O restaurante fica situado na zona nobre da vila da Sertã, junto à ponte filipina que lhe deu o nome, ladeado por frondosos jardins e pelas ribeiras da Sertã e do Amioso. A sua gastronomia está muito ligada às raízes culturais, cristalizando o que de melhor se fez durante gerações por estas paragens. Desde a prestigiada sopa de peixe da Dona Helena até aos maranhos da Sertã e ao Bucho Recheado, o Ponte Velha é o local certo para uma experiência sensorial e cultural. É um local onde o paladar dos comensais é quem mais ordena. Para sobremesa, os cartuchinhos de Cernache do Bonjardim são imperdíveis. O espaço possui uma sala panorâmica, com vista sobre a vila da Sertã, com capacidade para acolher 90 pessoas. Sopa de Peixe da Dona Helena: A Sopa de Peixe da Dona Helena é uma criação de autor, com mais de 44 anos, da cozinheira Maria Helena Marçal. Foi servida inicialmente nas ementas do restaurante Santo Amaro (a aposta inicial do grupo), tendo depois sido introduzida nos menus dos outros restaurantes da empresa. Apresenta um sabor intenso e aromatizado, pontuado de forma harmoniosa por um conjunto selecionado de ingredientes de grande qualidade. Esta iguaria assume-se também como a simbiose perfeita entre o mar e o campo, devolvendo um sabor absolutamente excecional. Maranho: É o prato principal da gastronomia do concelho da Sertã. Graças ao restaurante Santo Amaro, esta iguaria, feita à base de carne de cabra, arroz e hortelã, saiu do anonimato e passou a ser servida diariamente à mesa dos clientes. Bucho Recheado: À semelhança do que se passou com o Maranho, a introdução deste prato na ementa dos restaurantes do concelho conferiu-lhe um maior protagonismo e uma visibilidade superior, sendo hoje presença assídua na mesa dos sertaginenses. Os ingredientes utilizados na confeção do Bucho Recheado à moda da Sertã são, além do bucho de porco, o lombo de porco, galinha, presunto, ovos, chouriço magro, pão caseiro e vinho branco. : :


Por Delfim Costa, Solicitador e vogal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

“O melhor tempero da comida é a fome.” Cícero

RESTAURANTE BAGOEIRA

O melhor da gastronomia do Minho A história da humanidade está intimamente ligada à história dos alimentos. O prazer proporcionado pela comida é dos mais importantes da vida, depois de satisfeitas as necessidade alimentares de sobrevivência. O ato de comer traz-nos tanto sensações simples, como um grande prazer e emoção. A gastronomia nasceu desse prazer e da arte de cozinhar, retirando dos alimentos o máximo benefício. Saborear a gastronomia do Minho é tudo isso e muito mais. A gastronomia minhota distingue-se como a mais rica e variada de Portugal. Já o escritor português Ramalho Ortigão (1863-1915) referia-se a ela da seguinte forma: “Há só um banquete português que desbanca todos os jantares de Paris, mas que os desbanca inteiramente: é a ceia da véspera de Natal nas nossas terras do Minho.” Falar de gastronomia do Minho é, obrigatoriamente, falar do Restaurante Bagoeira, em Barcelos. É um dos mais antigos e conceituados restaurantes da Cidade do Galo, a rainha do artesanato e a única cidade portuguesa – e da Península Ibérica – com o selo de Cidade Criativa da UNESCO, uma referência mundial em artes e ofícios tradicionais. Vale a pena visitar. Mas voltando à mesa: no Restaurante Bagoeira, uma casa com mais de 400 anos de hisRESTAURANTE BAGOEIRA tória, pode desfrutar da qualidade da oferta gastronómica e do serviço da equipa de sala e de cozinha. A ementa é dedicada a pratos tipicamente minhotos, sem esquecer as novas tendências, servidas a preceito. O destaque vai para os rojões à moda do Minho, para o ca- Avenida Dr. Sidónio Pais, 495 4750-333 Barcelos brito, para as papas de sarrabulho e para o bacalhau e o polvo assados na brasa. Para finali- Telefone 253 809 500 zar a refeição, nada como experimentar a delícia da casa, uma receita antiga de leite-creme Aberto todos os dias. queimado com chila e amêndoa. Não deixe de visitar o Minho e as maravilhas desta região sempre verde, berço do vinho verde, do bacalhau, do sarrabulho e de palácios feudais. Os minhotos recebem com grande hospitalidade e simpatia. As pessoas do Minho são assim, bastante simples e sem medo de usar alguns palavrões, tornando as conversas mais coloridas e cheias de humor. No final da visita, embarque numa nova viagem pelos sabores do Minho no restaurante Bagoeira, que também dispõe de um hotel caso pretenda pernoitar, pois é certo que um dia no Minho vai saber a pouco. Uma experiência única para desfrutar com familiares e amigos. : :

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VIAGENS

Fafe

A SALA DE VISITAS DO MINHO

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Por Joana Gonçalves, Gabinete de Comunicação e Relações Externas

F

afe. Com certeza já ouviu falar em Fafe. Porventura soa-lhe a rally. Se calhar, a vitela assada. Alguns, ao ouvir estas quatro letrinhas, respondem em alta voz “Com Fafe ninguém fanfe!”. Para outros, há um tal bruxo que vem à ideia. Para mim, Fafe significa o melhor cantinho do mundo. Decorria o ano de 1887 e, na sua obra “O Minho Pittoresco”, José Augusto Vieira escrevia o seguinte: “Olhe, meu caro, esta boa terra de Fafe é assim: pão pão, queijo queijo; portuguesa de lei, hospitaleira, franca até à rudeza e capaz também de pôr um bom cacete de cerquinho, na sua justiça deles, onde el-rei não haja posto a sua própria. É que a espada vai na burra, e nada por isso de contrariar a altaneira Fafe. Mas é de simpatizar, não é verdade?” É verdade, sim senhor! Fafe, a sala de visitas do Minho e a mais brasileira das terras portuguesas – é aqui que se encontram alguns dos mais belos exemplares da arquitetura trazida para o nosso país, em finais do século XIX, pelos “brasileiros de torna viagem”: emigrantes fafenses que fizeram fortuna no Brasil e regressaram para investir na sua terra natal, construindo palacetes que ainda hoje marcam a paisagem local. Fafe, a terra da Justiça, como se confirma pelo monumento erguido junto ao tribunal e pela velha lenda da Justiça de Fafe, que vem dos tempos das Cortes, em que os homens de Fafe eram conhecidos pela sua forma viril e frontal de resolver as questões. Fafe que inspirou e acolheu Camilo Castelo Branco, homenageada no romance Mistérios de Fafe (1868) e nas duas peças de teatro O Morgado de Fafe em Lisboa (1861) e O Morgado de Fafe Amoroso (1865). Fafe dos passeios e da natureza. Das frondosas margens da barragem da Queimadela, das aldeias e dos espigueiros. Da igreja românica de Arões, o único monumento nacional deste concelho, à Casa do Penedo, a casa mais estranha do mundo, construída nos anos 70 entre quatro penedos nos píncaros da serra. E, por falar em serra, não se esqueça de subir ao famoso salto da Lameirinha e experienciar o momento alto do rally de Portugal. Fafe é vitela assada à sua moda, é cavacas e pão de ló de Fornelos. É casas em granito, bombos nas romarias, é tabernas, é uma ‘estridéinte’ pronúncia, é fogo de artifício na noitada da Senhora de Antime. É ver o Rui Costa (sim, o Rui Costa) a fazer-se homem e jogador na Associação Desportiva de Fafe, enquanto os fafenses gritam no estádio municipal: “É o Fafe, é o Fafe! À vitória, à vitória!” É esta a verdade. Para mim, Fafe é o melhor cantinho do mundo. : :

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VIAGENS

Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

NO PARAÍSO VIVE-SE AO RITMO DO LEVE-LEVE

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o centro do mundo celebra-se um paraíso chamado São Tomé e Príncipe. Um arquipélago que é feliz e rico em tudo aquilo que é raro no resto do planeta. Encontrado no golfo da guiné em 1470 pelos navegadores portugueses João de Santarém e Pedro Escobar, este país irmão ergue-se do mar vestido de um verde exuberante e é hoje um dos lugares mais fascinantes do nosso planeta. Conquista-nos à primeira vista pela sua beleza natural e pela alegria contagiante do seu povo. O leve-leve, que tão bem caracteriza a forma de vida destas gentes, é o lema de uma terra habituada a viver numa abundância de paz de espírito que faz corar de vergonha o chamado primeiro mundo. A ligação a Portugal é das mais intensas que se conhecem nas ex-colónias e, até por isso, é fácil sentirmo-nos bem-recebidos num país que nos dá e ensina tanto. Aqui a terra é próspera e produtiva e as pessoas sabem viver com o que o seu país lhes oferece. Além da cana de açúcar e do café, São Tomé é conhecido pelo seu cacau de excelente qualidade, tendo chegado a ser o maior produtor mundial desta matéria-prima durante parte do século XX. Vale a pena visitar as antigas roças coloniais, que conservam ainda um gigantesco património histórico e nos ajudam a perceber como eram exploradas estas culturas nos tempos coloniais. Compare esse conhecimento histórico com uma visita à fábrica em funcionamento do italiano Claudio Corallo, que vem referido em várias publicações internacionais como sendo responsável pela produção do melhor chocolate do mundo. Visite, prove e veja se consegue discordar. A comunhão entre o ser humano e a natureza fazem dos são-tomenses especialistas na utilização e aproveitamento dos seus recursos naturais e das plantas que crescem nas suas frondosas florestas. Em São Tomé vi uma planta ser misturada com água para fazer espuma e substituir o

sabão, outra que pode ser usada como esfregão para lavar panelas, bem como muitas outras usadas para fins medicinais. Visitar São Tomé é uma excelente opção em qualquer época. Com um clima tropical húmido e que se mantém todo o ano entre os 22ºC e os 30ºC, só existem duas estações climáticas. A mais quente e húmida é a época das chuvas (de fevereiro a maio e de outubro a dezembro), enquanto na famosa Gravana (de junho a setembro e janeiro a fevereiro), a temperatura desce ligeiramente e a chuva dá descanso ao arquipélago. A temperatura da água do mar é também estável e próxima dos 30ºC. E se, junto ao oceano, as águas quentes, as praias, as rochas e a cor do mar nos deixam sem fôlego, no interior, as cascatas de águas geladas rodeadas de florestas não fazem por menos. A gastronomia são-tomense está recheada de produtos frescos vindos da terra e sobretudo do mar. A qualidade do peixe não exige grandes preparados para nos deixar completamente rendidos ao seu sabor. Não raras vezes, a acompanhar encontramos a típica banana e fruta pão, que tantas saudades deixam a quem parte. Quem se lembra do programa na roça com os tachos apresentado por João Carlos Silva, pode (e deve!) ir à sua Roça São João matar saudades das suas receitas e deleitar-se com um momento de cozinha ao vivo, seguido da degustação dos pratos confecionados. A Casa Museu Almada Negreiros, onde viveu o artista que lhe dá nome, é outro dos locais onde podemos degustar vários pratos típicos de São Tomé, naquela que considero ser a varanda mais exótica onde já almocei. Embora seja muito difícil e injusto parar por aqui as nossas recomendações gastronómicas, há que referir a santola em Neves como outro dos pontos de paragem obrigatória. Há muitas razões para ir a São Tomé e Príncipe e, agora que penso nisso, se soubéssemos saborear o paraíso ao ritmo do leve-leve, dou-me conta que, talvez não haja nenhuma para voltar. : :

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