PLATAFORMA E-LEILÕES ULTRAPASSA OS 2 MIL MILHÕES DE EUROS EM BENS VENDIDOS
EDIÇÃO N.º 28 \ QUADRIMESTRAL \ FEVEREIRO – MAIO 2020 \ €2,50
À CONVERSA COM
CRISTINA GATÕES
Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras REPORTAGEM
A JUSTIÇA NAS MÃOS DO POVO. JUÍZES SOCIAIS
ENTREVISTA COM
MANUEL LOBO ANTUNES Embaixador de Portugal no Reino Unido
FICHA TÉCNICA
Sollicitare
ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
Diretor José Carlos Resende Editor Rui Miguel Simão Redatores principais André Silva, Andreia Amaral, Joana Gonçalves Colaboram nesta edição: Ana de Sousa Matos, Francisco Serra Loureiro, Joana Benjamim, Luís Goes Pinheiro, Marcelino Costa Santos, Miguel Ângelo Costa, Pedro Afonso, Rafael Parreira, Rui Carvalheiro, Samuel Sousa, Susana Antas Videira e Tânia Fernandes Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde Tiragem: 6 500 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes.
EDIÇÃO N.º 28 \ FEVEREIRO – MAIO 2020
REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
BASTONÁRIO José Carlos Resende ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE: Armando Oliveira (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Paulo Branco (Braga) 2ª SECRETÁRIA: Ana Filipa da Silva (Seixal) CONSELHO GERAL PRESIDENTE: José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1º VICE-PRESIDENTE: Paulo Teixeira (Matosinhos) 2º VICE-PRESIDENTE: Armando A. Oliveira (Braga) 3ª VICE-PRESIDENTE: Edite Gaspar (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Rui Miguel Simão (Lisboa) 2ª SECRETÁRIA: Rute Baptista Pato (Benavente) TESOUREIRA: Vanda Santos Nunes (Barreiro) VOGAIS: João Coutinho (Figueira da Foz), Carla Franco Pereira (Évora) Ana Paula Gomes da Costa (Sintra), Maria José Almeida Ricardo (Lisboa) Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE: Carlos de Matos (Lisboa) VICE-PRESIDENTE: Mário Couto (Vila Nova de Gaia) SECRETÁRIA: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) VOGAIS: Otília Ferreira (Lamego), José Guilherme Pinto (Maia), Neusa Silva (Viseu) Valter Jorge Rodrigues (Moita), Margarida Carvalho (Lisboa), Alberto Braz (Coimbra) Susana Pinto (Felgueiras), Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira) CONSELHO FISCAL PRESIDENTE: Miguel Ângelo Costa (Barcelos) SECRETÁRIO: João Francisco Lameiro Pinto (Sesimbra) VOGAL: Mazars & Associados, Sroc, S.A. CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE: Júlio Santos (Silves) VICE-PRESIDENTE: Fernando Rodrigues (Matosinhos) VOGAIS: Marco Antunes (Vagos), Lénia Conde S. Alves (Leiria), Christian Pedrosa (Almada) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO PRESIDENTE: Jacinto Neto (Loures) VICE-PRESIDENTE: Mara Fernandes (Lisboa) VOGAIS: Marco Santos (Trofa), Susana Rocha (Matosinhos) Nelson Santos (Marinha Grande) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE: Duarte Pinto (Porto) SECRETÁRIA: Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS: Elizabete Pinto (Porto), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira) Delfim Costa (Barcelos) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) SECRETÁRIO: Leandro Siopa (Pombal) VOGAIS: Edna Nabais (Castelo Branco), Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Graça Isabel Carreira (Alcobaça) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE: João Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIO: António Correia Novo (Portalegre) VOGAIS: Natércia Reigada (Lagos), Maria José Santos (Silves) Carlos Botelho (Almada) Estatuto editorial disponível em: http://osae.pt/pt/pag/osae/estatutos-editoriais/1/1/1/361
Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.
EDITORIAL
José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
BREXIT – Damos capa ao Embaixador de Portugal no Reino Unido, Manuel Lobo Antunes, que nos falou do Brexit e das suas consequências. A saída do Reino Unido da União Europeia é, sem sombra de dúvidas, um tema que marca o final da última década e o início desta. Independentemente das opiniões de cada um, o Brexit trará mudanças – boas ou más – a Portugal e aos restantes países da União. Conforme sensatamente assinala o nosso Embaixador, é forçoso reconhecer que o Brexit originará problemas, mas também oportunidades. A nossa equipa fez uma rápida visita a Londres para conhecer as perspetivas de quem lida diariamente com esta nova situação e o que está a ser feito para que, após o período de transição, estejam garantidos os interesses dos mais de 400 mil portugueses residentes no Reino Unido. Realçamos também a importância de compreender os problemas dos britânicos que residem, trabalham ou negoceiam em Portugal. O SEF – Na senda das migrações, destaque para a entrevista que nos concedeu a Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Cristina Gatões. Realçam-se números impressionantes. Só no aeroporto de Lisboa, no ano passado, foram controlados 10.500.000 passageiros! O número de residentes estrangeiros, no nosso país, ultrapassa os 500.000. Esta entrevista merece especial atenção quando nos consciencializamos que vivemos num país que precisa de ser repovoado, mas que tem fortes homogeneidades culturais e que precisa de perceber como subsistir num mundo globalizado com complexas problemáticas de integração. JUÍZES SOCIAIS – Porque falar de Justiça é também falar de Juízes Sociais, quisemos conhecer os cidadãos que fazem Justiça em Portugal. Sabia que estes são importantes intervenientes nos Tribunais de Família e Menores e que têm um papel fulcral na definição do projeto de vida de crianças e jovens? O artigo “Justiça nas mãos do povo” explica esta temática. Sendo uma instituição estimável, evidencia-se a necessidade de rever as normas, que já datam de 1978, quanto à forma de seleção e formação dos Juízes Sociais.
A COMUNIDADE HINDU – Dando seguimento ao ‘especial religião’, fomos conhecer o Hinduísmo e a Comunidade Hindu de Portugal, no Templo Radha Krishna, em pleno coração de Lisboa. Trata-se de uma religião iniciada há mais de 3.500 anos que tem um calendário diferente. Julgamos que vamos surpreender a maioria dos nossos leitores e, em especial, muitos lisboetas. OUTROS TEMAS – Analisamos, ainda, questões técnicas e jurídicas, casos práticos e passamos pelas nossas histórias traduzidas nas vivências do ano transato. Contamos, também, a história de homens como o Solicitador e Agente de Execução Joaquim Fernandes e viajamos até ao início da nossa instituição relembrando o presidente Ayres de Oliveira, que dirigiu a Câmara durante nove anos. Como habitualmente, terminamos com sugestões culturais e de lazer. DOIS MIL MILHOES DE EUROS – Este é o valor dos bens vendidos na plataforma e-Leilões da OSAE. O esforço dos Agentes de Execução para bem identificar os bens a serem vendidos, aliado a uma plataforma eficaz e de baixo custo, está a permitir resolver dramas de credores, devedores e fiadores. Estamos a impulsionar outras métricas! Além do número de processos, quanto se está a recuperar? Quanto sobra para os devedores? Quantos processos se extinguem por pagamento integral, acabando com os devedores ou fiadores eternamente a pagar prestações para juros superiores às capacidades? OS QUE CONHECEM O FORO ESTÃO A SENTIR A DIFERENÇA! : :
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Sollicitareíndex Labor N.28 \ FEVEREIRO – MAIO 2020
MANUEL LOBO ANTUNES
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Embaixador de Portugal no Reino Unido Entrevista
A JUSTIÇA NAS MÃOS DO POVO
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CRISTINA GATÕES
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Reportagem
Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Entrevista
NA SENDA DA HISTÓRIA. O MELHOR DE 2019
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O ano da OSAE
Fotografia capa: Rui Santos Jorge
EDITORIAL
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PROFISSÃO A intervenção dos Agentes de Execução nas execuções da competência dos Tribunais Administrativos e Tributários 52 Relação jurídica fiscal – qual o papel do Solicitador 62 Tecnologia 64 Solicitadores ilustres Ayres de Oliveira 66 Desequilíbrios de redação no combate ao desequilíbrio entre arrendatários e senhorios 76
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Improbus Omnia Vincit Labor Improbus Omnia Vincit
HINDUÍSMO
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Praticar o bem como lei Reportagem
JOAQUIM FERNANDES
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Solicitador Entrevista
ANABELA MOREIRA
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Atriz
Entrevista
CARETOS DE PODENCE
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Os Reis do Carnaval Reportagem
OSAE Estatísticas e-leiloes.pt Reflexões 2019 Conselho Regional do Porto Conselho Regional de Coimbra Conselho Regional de Lisboa O retrato de uma década Tomada de Posição Agressões a Agentes de Execução com poderes públicos e assistência da força pública no contexto de processos de execução O IFBM EXPLICA... O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)
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SUGESTÕES Teses / Resumos 68 Leituras 77
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ROTEIRO GASTRONÓMICO Restaurante "Taberna do Canal" Restaurante "Taberna Vicentina"
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VIAGENS Apaixone-se pela ilha Terceira Panamá. O abre-latas do comércio internacional
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ENTREVISTA
“O Brexit não me parece que tenha sido a situação mais favorável”
MANUEL LOBO ANTUNES EMBAI XA D OR D E PORT U GA L N O R E IN O U N ID O
Chegou a Londres poucos meses depois do referendo que conduziu ao Brexit. A carreira diplomática já o levara a postos de prestígio em Bruxelas e Roma, com passagens por cargos políticos em Lisboa, mas é em terras de Sua Majestade que lida com uma das situações mais interessantes do seu percurso profissional: a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). No número 11 de Belgrave Square, uma praça oitocentista em pleno coração londrino, Manuel Lobo Antunes recebeu-nos na Embaixada de Portugal para falar com tranquilidade do futuro, da importância de preservar a relação entre o Reino Unido e a UE e do orgulho que sente na vasta comunidade portuguesa presente no país. Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia Rui Santos Jorge
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ENTREVISTA COM MANUEL LOBO ANTUNES
Chegou a Inglaterra em 2016, logo após o referendo. Como foram esses tempos? Foram tempos dinâmicos, ativos, interessantes e diferentes. Foi também uma situação nova para mim. Tive a notícia de que ia ser nomeado Embaixador em Londres antes do referendo e, portanto, contava com uma situação que não foi exatamente a que encontrei quando cá cheguei. Na altura, as sondagens eram favoráveis ao remain [ficar na UE] e, apesar de tudo, a maioria das pessoas acreditava que o referendo teria uma resposta positiva. Não aconteceu, o povo votou de outra maneira e eu vim encontrar uma situação nova. As novidades também são interessantes: trazem a sua riqueza, os seus desafios e, por isso, foi e tem sido muito interessante passar por esta nova fase. Afirmou, há cerca de um ano, que “a saída do Reino Unido da UE não faz sentido”. Hoje, continua com a mesma opinião? É evidente que para muita gente faz sentido, num quadro de opções e análises políticas e mesmo por razões culturais. O leave [sair da UE] ganhou, portanto as pessoas consideram que essa é a melhor posição. Do meu ponto de vista – e de acordo com os dados e estudos objetivos que há, e mesmo com o que tem que ver com a posição do Reino Unido no
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mundo –, o Brexit não me parece que tenha sido, tanto para o Reino Unido, como para a UE, a situação mais favorável. Mas agora a saída está consumada, estamos numa nova situação e vamos ver as consequências, benéficas ou não. É uma porta que se abriu e que, naturalmente, ao longo dos próximos meses e dos próximos anos, nos dará novas indicações sobre o que pode ser o Reino Unido fora da UE. Muitos afirmam que o Reino Unido caminha para um novo ‘orgulhosamente sós’. Concorda com essa perspetiva? Não acho que seja um novo ‘orgulhosamente sós’. O Reino Unido nunca foi um país só. Pelo contrário, sempre foi um ator dinâmico e ativo na comunidade internacional. É membro permanente do Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] e é membro da NATO [Organização do Tratado do Atlântico Norte], por exemplo. Mas é um facto que, a partir de agora, deixará de ter participação e influência no quadro das decisões que em matéria de política externa e outras são adotadas pela UE. De resto, o governo de Boris Johnson tem dito repetitivamente que quer que o Reino Unido continue a ser um ator ativo na comunidade internacional. Eu próprio conto com um Reino Unido ativo. Só não o será sob o chapéu-de-chuva e o enquadramento da UE. E julgo que, às vezes, a união faz a força.
As relações de Portugal com o Reino Unido são históricas e de extrema importância: temos um superavit comercial com o Reino Unido, temos mais de dois milhões de britânicos a visitar Portugal todos os anos e temos uma comunidade muito numerosa de portugueses residentes no Reino Unido que trabalham para a prosperidade e para o desenvolvimento do país. Com a saída do Reino Unido, a balança da UE vai pender para o centro, para a Europa central. Que impactos trará essa situação para Portugal? Essa é uma matéria que obriga a uma aprofundada reflexão. O Governo português já disse que, naturalmente, quer manter e intensificar, face a esta situação, os laços com o Reino Unido em vários aspetos. Um deles, muito importante, é a defesa. Portugal tem e procura ter relações importantes com os chamados países atlanticistas europeus, isto é, com costa para o Atlântico. O Reino Unido faz parte desse grupo de países e queremos manter uma relação, também desse ponto de vista, ativa com o Reino Unido, exatamente para reequilibrar as relações no contexto da Europa. Acredita que uma maior ‘literacia para UE’ teria evitado o Brexit? Não sei se teria evitado o Brexit, mas a literacia é sempre importante. De qualquer modo, temos que ser justos: por um lado, o pouco conhecimento e a pouca informação que existe sobre a UE não são exclusivos do Reino Unido; por outro,
a própria União poderia, também, fazer um pouco mais em termos de transmissão da sua mensagem. É um facto que muitos cidadãos têm pouco conhecimento sobre a UE, sobre o seu funcionamento, o porquê de existir, o que já conseguiu, o que nos trouxe e o que nos pode trazer no futuro. Uma informação mais abundante e mais assimilada é certamente uma informação que ajuda a uma decisão mais esclarecida. A pessoa decide melhor, com mais conhecimento de causa, quanto mais informação sobre aquilo que está a decidir lhe é fornecida. Na sua opinião, que impacto terá o Brexit nas relações entre Portugal, o Reino Unido e os países de língua portuguesa? As relações de Portugal com o Reino Unido são históricas e de extrema importância: temos um superavit comercial com o Reino Unido, temos mais de dois milhões de britânicos a visitar Portugal todos os anos e temos uma comunidade muito numerosa de portugueses residentes no Reino Unido que trabalham para a prosperidade e para o desenvolvimento do país. Estas são áreas que queremos continuadas e fortalecidas. O trabalho que o Governo português nos pede para fazer, enquanto diplomatas, vai no sentido de salvaguardar e reforçar aquilo que são os interesses do nosso país. Mas tenho que realçar um aspeto muito importante: muitas das áreas de cooperação entre Portugal e o Reino Unido passavam-se,
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ENTREVISTA COM MANUEL LOBO ANTUNES
como disse, sob o chapéu-de-chuva da UE. Os ministros e toda a máquina político-diplomática encontravam-se regularmente em Bruxelas. Agora, essa possibilidade de encontros e de reuniões não mais pode acontecer; tem que ser feita a nível bilateral. E tem que ser feita de uma forma intensa e regular, identificando as áreas em que queremos estabelecer novas parcerias. É exatamente isso que estou instruído a fazer: identificar, por orientação do Governo, e promover as áreas em que se poderá trabalhar, mais e melhor, em conjunto: na ciência, na investigação, na cultura, nas questões digitais, na proteção do ambiente e no desenvolvimento sustentado. São tudo áreas em que podemos reforçar o diálogo e encontrar pontos comuns para trabalhar. Já a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), conforme os sucessivos governos portugueses têm afirmado e reconhecido, é um fórum muito importante para Portugal e que queremos aprofundar. Posso dizer que o Reino Unido tem muito interesse em acompanhar os trabalhos da CPLP e em conhecer o que vamos fazendo em conjunto. Creio que, a partir de agora, esse interesse e essa atenção à CPLP por parte das autoridades britânicas será ainda maior. Há, portanto, muitas oportunidades a explorar: umas já existem; outras temos que as criar, com imaginação e força de vontade para que tal seja possível.
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Como está a decorrer o período de transição que começou em fevereiro? O período de transição está a decorrer muito bem. Devo dizer que se tem passado com total tranquilidade. Não conheço, até agora, casos específicos que me suscitem qualquer preocupação. Parece-me que a comunidade está tranquila e consciente de que estamos agora numa nova fase. Estamos num momento em que, do ponto de vista britânico, terá que se começar a preparar as posições para negociar a futura relação com a UE, assim como a UE terá que o fazer. A política interna do Reino Unido é sempre muito interessante, viva e dinâmica. O que espera que venha a acontecer a partir do dia 01 de janeiro de 2021, quando se der o final desse período? Espero que quando o período de transição acabar – e o Reino Unido seja, efetivamente e em todos os aspetos, um Estado terceiro perante a UE – tenha sido negociado um novo quadro de relacionamento e surjam acordos, que não deverão ser puramente comerciais. As áreas de colaboração, de diálogo e de interação entre o Reino Unido e a UE são tantas e de um espetro tão largo que, naturalmente, todos os aspetos terão que ser analisados, negociados e, depois, operacionalizados. Mas espero que no final deste período
Enquanto Embaixador, devo dizer que a comunidade portuguesa no Reino Unido me deixa confiante no futuro: pela sua qualidade, pela presença e pelo trabalho que realiza. São pessoas de grande valor. transitório, se não todos os aspetos, pelo menos os mais importantes estejam regulamentados. Receia que esta concretização do Brexit ameace a coesão do Reino Unido, em particular, e da União Europeia, em geral? Alguns ensaios e artigos que leio apontam nesse sentido. De qualquer forma, creio que é muito cedo para se tirar conclusões e previsões a esse respeito. Há, entretanto, muitas etapas que têm que ser vencidas e ultrapassadas. Como disse anteriormente, a política no Reino Unido é dinâmica e ativa, portanto vamos acompanhando a situação e fazendo a nossa análise à medida que a situação evolui. Neste momento não tenho nenhuma razão para entender que o desmembramento do Reino Unido e da União Europeia seja uma inevitabilidade. Da sua experiência diária, como é que os cerca de 400 mil portugueses residentes no Reino Unido reagiram ao Brexit? Logo a seguir ao referendo pareceu-me que houve uma certa deceção, tristeza, ansiedade e preocupação. Mas julgo
que, com o tempo, e sobretudo após ter sido possível assinar o acordo de saída – favorável aos interesses dos cidadãos da UE no Reino Unido – a tranquilidade foi-se instalando. De uma fase de angústia passou-se para uma certa confiança no futuro. Mas, naturalmente, há, em muitos dos nossos nacionais, um certo desgosto, pena e deceção com o facto do povo britânico ter decidido sair da UE. Como carateriza a comunidade portuguesa no Reino Unido? É uma comunidade diversificada. Há uma geração mais antiga, ligada sobretudo aos serviços tradicionais, originária em grande parte da Região Autónoma da Madeira. Há uma forte presença da comunidade madeirense, sobretudo em Londres. E depois há outra geração mais nova, que aqui procura ou formação profissional ou oportunidades que podem não ter no nosso país ou mesmo uma experiência internacional como enriquecimento pessoal e profissional. Têm altas qualificações e distribuem-se por diversas áreas: da banca às finanças, passando pela arquitetura, pela advocacia, pela saúde ou pelas artes. Enquanto Embaixador, devo dizer que a comunidade portuguesa no Reino Unido me deixa confiante no futuro: pela sua qualidade, pela presença e pelo trabalho que realiza. São pessoas de grande valor. Há portugueses a voltar a Portugal por causa do Brexit? Sei, efetivamente, de casos de pessoas que saíram. Talvez algumas já o tivessem planeado e o Brexit tenha sido um
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ENTREVISTA COM MANUEL LOBO ANTUNES
O Reino Unido continua a ser um fornecedor e um cliente muito importante para Portugal e o nosso objetivo é que essa situação se mantenha e se reforce. É para isso que estamos a trabalhar.
elemento adicional. Outros são jovens que procuram oportunidades que estão a surgir neste Portugal moderno e que são interessantes para o seu futuro. Mas houve casos de pessoas que saíram porque preferiam viver num país membro da UE. Em todo o caso, as estatísticas demonstram que continuam a vir muitos portugueses para o Reino Unido. Há uma situação equilibrada entre aqueles que têm entrado e aqueles que têm saído. O que muda para os portugueses que já estão no Reino Unido e para os que desejam emigrar para este país após a saída da UE? Os que já cá estão ficam sob alçada do acordo de saída que garante o status quo, isto é, a situação que agora têm, independentemente do Brexit. Para os que vierem, poderá ou não haver mudanças. O Reino Unido, ao sair da UE, tem toda a liberdade de estabelecer a sua política de imigração e dizer quem pode ou não entrar. Julgo que, relativamente a esse aspeto, haverá um diálogo com a UE na perspetiva de se encontrar um regime de reciprocidade que seja tão favorável quanto possível, quer para os nacionais britânicos que queiram ir para Portugal ou para os outros países membros, quer vice-versa. Mas o Reino Unido, como país soberano, aplicará a sua política de imigração como entender. As empresas portuguesas que exportam para o Reino Unido devem ou não estar preocupadas com o Brexit? No caso das empresas, o que eu aconselho é que mantenham um diálogo permanente com o nosso Governo, que acompanhará as negociações que vão ser feitas na UE e no Reino Unido sobre a relação futura entre estes dois blocos. O Governo providenciará as informações que são necessárias para que as empresas se adaptem, caso se revele necessário, à nova realidade das relações comerciais e económicas entre Portugal e o Reino Unido. Há um estudo muito interessante encomendado pela Confederação Empresarial de Portugal sobre as possíveis consequências do Brexit nas empresas portuguesas. O estudo conclui que o Brexit poderá ser uma oportunidade, mas também poderá ser uma perda. O Reino Unido continua a ser um fornecedor e um cliente muito importante para Portugal e o nosso objetivo é que essa situação se mantenha e se reforce. É para isso que estamos a trabalhar.
O facto de ter sido escolhido um português, João Vale de Almeida, para ser o primeiro embaixador da UE no Reino Unido será bom para as aspirações de Portugal? Será, sobretudo, bom para a UE, mas naturalmente que ter nacionais portugueses, nossos compatriotas, em cargos importantes a nível internacional é sempre motivo de grande satisfação e orgulho. Mas sobre esse assunto apenas posso desejar as melhores felicidades a João Vale de Almeida, garantir o nosso apoio e manifestar a certeza de que desempenhará um ótimo papel em nome de toda a UE. Que papel poderá o Solicitador desempenhar neste período de transição vigente? O Solicitador deve procurar manter-se informado e deve seguir e estudar ao pormenor este processo, que é complexo e cujas consequências ainda nos são desconhecidas. Deve haver, no meu ponto de vista, uma vontade de informar e de ser informado. São matérias complexas e muitas vezes também longe da realidade do dia-a-dia dos cidadãos, porque têm os seus fóruns de negociação, os seus métodos e procedimentos. Em casos complexos como este, é muito importante informar corretamente e ir mais além naquilo que é a generalidade do que se vai dizendo. Sendo Embaixador num país que está a vivenciar uma situação inédita, espera novos desafios para o seu trabalho? Encaro esta situação como diferente e tal não significa que seja um desafio. Tenho experiência europeia pelo facto de ter trabalhado nas instituições europeias, mas esta situação em concreto é nova e procuro responder da melhor maneira que posso e sei. Já tenho alguns anos de experiência diplomática, já passei por situações muito diversas e acredito que com sangue frio, bom senso e alguma maturidade se vão resolvendo e ultrapassando os problemas. Gosto de refletir sobre os assuntos, gosto de política e de a analisar e este processo do Brexit, desse ponto de vista, tem sido muito extenuante e tem-me ‘obrigado’ a estudar, a ler, a analisar, a conhecer. É um processo muito rico neste contexto europeu e mundial que vivemos. É um processo de grandes alterações e modificações. Vejamos se estamos preparados para elas. : :
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O que precisa o cidadão de saber?
ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 2020:
– Os cidadãos da União Europeia poderão entrar no Reino Unido com Cartão de Cidadão ou Passaporte válidos, sem necessidade de visto; – Os portugueses residentes no Reino Unido ou os cidadãos do Reino Unido residentes em Portugal mantêm o estatuto e os direitos dos cidadãos da União Europeia; – Os cidadãos do Reino Unido com residência permanente em Portugal: · Manterão o direito de residência; · Têm direito a um cartão de residência permanente (válido por 10 anos); · Podem pedir nacionalidade portuguesa. – Os cidadãos do Reino Unido sem residência permanente em Portugal: · Devem registar-se junto da Câmara Municipal da área de residência, solicitando a emissão de um certificado de registo – válido por 5 anos. – As empresas portuguesas no Reino Unido: · Mantêm o estatuto e os direitos dos cidadãos da União Europeia, cumprindo as regras do Mercado Único e da União Aduaneira.
DEPOIS DE 31 DE DEZEMBRO DE 2020 (se não houver acordo):
– Deixa de haver livre circulação (de bens, serviços, pessoas e capitais) entre os países da União Europeia e o Reino Unido: · Os cidadãos da União Europeia, para entrarem no Reino Unido, têm a necessidade de obter um visto para visitas ou viagens com duração até três meses; · Os cidadãos que estabeleceram residência no Reino Unido poderão continuar a entrar no país com o Cartão de Cidadão válido, até 31 de dezembro de 2025. Terão obrigatoriamente de submeter, junto das autoridades britânicas e até 30 de junho de 2021, as suas candidaturas ao settled status ou ao pre-settled status. – Haverá reintrodução de procedimentos aduaneiros e de controlos fronteiriços; – As relações comerciais e de investimento da União Europeia com o Reino Unido serão regidas pelas regras nacionais e internacionais aplicáveis a qualquer outro país terceiro.
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BREXIT O QUE PRECISA DE SABER?
Foi no passado dia 31 de janeiro de 2020, às 23 horas de Lisboa e Londres, que o Reino Unido saiu da União Europeia, estando, neste momento, num período de transição até ao dia 31 de dezembro de 2020. Mas e o que precisamos mesmo de saber? Texto Ana de Sousa Matos, Solicitadora
O que precisa o Solicitador de saber? – Poderá prestar apoio jurídico aos cidadãos do Reino Unido residentes em Portugal: • No processo de obtenção de título de direito de residência permanente em Portugal, seja o certificado de registo (5 anos), seja o título de residência permanente (10 anos), nas suas renovações e no processo de pedido de atribuição de nacionalidade; – Poderá prestar apoio jurídico ao cidadão português residente no Reino Unido: • Designadamente, no novo estatuto de residente no âmbito do EU Settlement Schem.
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A JUSTIÇA NAS MÃOS DO POVO 14
REPORTAGEM
TODAS DIFERENTES, TODAS IGUAIS. MUDAM OS PROTAGONISTAS, OS CONTORNOS MAS AS NARRATIVAS SÃO SEMPRE DE VIDAS, DEMASIADO CURTAS, INTERROMPIDAS. E QUANDO O QUE NÃO ERA SUPOSTO ACONTECER SE TORNA REAL, É OBRIGATÓRIO QUE A SOCIEDADE SEJA CHAMADA A INTERVIR NA JUSTIÇA. AFINAL, ESTE É UM PROBLEMA E UM DEVER DE TODOS… EMBORA A MAIORIA DAS PESSOAS NÃO TENHA CONHECIMENTO, ACONTECE MAIS VEZES DO QUE SERIA EXPETÁVEL E, NOS TRIBUNAIS DE FAMÍLIA E MENORES ESPALHADOS PELO PAÍS, JÁ TODOS CONHECEM E ESTÃO HABITUADOS A TRABALHAR COM OS JUÍZES SOCIAIS. DESCUBRA CONNOSCO OS CIDADÃOS QUE FAZEM JUSTIÇA EM PORTUGAL. Texto Andreia Amaral / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt
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Maria José Rosado, Juíza Social
ão cidadãos comuns, voluntários, sem qualquer formação específica. Têm apenas que ter mais de 25 anos e menos de 65 anos, saber ler e escrever português, estar no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos e não estar pronunciado nem ter sofrido condenação por crime doloso. Nomeados por um período de dois anos, renovável, estão ao lado dos juízes de direito a decidir e, pelo seu contributo, recebem apenas as ajudas de custo estipuladas em portaria. Ninguém o faz pelo dinheiro. Querem apenas ajudar a reescrever uma história mais risonha para as crianças cujas vidas acabam nas mãos dos tribunais de Família e Menores. Os juízes sociais vão ao tribunal levar a sensibilidade da sociedade em processos tutelares educativos em que esteja em causa a aplicação de medidas de internamento de jovens, ou em processos de promoção e proteção em que seja necessário realizar um debate judicial, designadamente quando se tem em vista definir o projeto de vida das crianças, como seja deliberar a sua retirada da família biológica. “Os casos que me marcam mais são sempre os de adoção, quando a família desiste daquela criança Quando a entregam e quando não há nenhum elemento da família que se disponibilize para aceitar aquela criança”, confessa Maria José Rosado, explicando: “Às vezes levo os casos comigo para casa. Quando se trata daqueles casos que mexem connosco é difícil desligar. Ao fim ao cabo, sou mãe, já sou avó e há ali a nossa parte afetiva… Embora nós saibamos que
Os juízes sociais vão ao tribunal levar a sensibilidade da sociedade em processos tutelares educativos em que esteja em causa a aplicação de medidas de internamento de jovens, ou em processos de promoção e proteção em que seja necessário realizar um debate judicial, designadamente quando se tem em vista definir o projeto de vida das crianças, como seja deliberar a sua retirada da família biológica. António Fialho, Juiz de Direito
quando estamos na função de juiz social não a podemos demonstrar, ela existe.” Juíza Social desde 2003 no Tribunal de Família e Menores do Barreiro, a docente de educação especial de 61 anos conheceu esta função em 2001, quando era professora do 1.º ciclo e a autarquia lançou o desafio nas escolas. “Para nós, professores, era uma novidade”, conta. A vontade de fazer a diferença impeliu-a a avançar. “Na escola, contactamos com bastantes casos sociais que algumas vezes vêm ter aqui [ao tribunal]. Temos crianças que já estão institucionalizadas, outras que são vítimas de maus tratos. E, como há esse contacto no dia a dia, depois também temos curiosidade em saber qual vai ser o projeto de vida desta criança se realmente o tribunal se interessar por ela. Gostava de dar o meu contributo, não na parte jurídica, porque isso determina o juiz profissional, mas mais na parte relacional e afetiva, de fazermos o melhor para que aquela criança seja feliz.” No final do dia, não há certezas. Embora, para reforçá-las, o coletivo seja sempre composto por um juiz profissional e por dois juízes sociais. “O poder não me assusta, tenho é receio de julgar mal. E isso é que me tira o sono e me assusta”, revela Carlos Carneiro. Com 40 anos, psicólogo de profissão e juiz social no Tribunal de Família e Menores do Porto - Este, em Paredes, desde maio de 2015, foi a Instituição Particular de Solidariedade Social para a qual trabalhava que foi interpelada pelos serviços sociais da autarquia, para convidar um
elemento da mesma, residente no concelho, a candidatar-se a uma vaga de juiz social no Tribunal de Paredes. O sentido do serviço público motivou-o a avançar, mas também “a dedicação e o sentimento de proteção para com os mais frágeis, que neste caso são as crianças”. Lidar com casos difíceis não foi uma novidade para si, mas admite que o desempenho da função de juiz social mudou a sua perceção da sociedade: “Embora a experiência acumulada na intervenção junto de comunidades disfuncionais me tenha cedo revelado um mundo menos colorido, a vivência desta experiência como juiz social mostrou-me o pior que possa existir dentro de uma comunidade, por mais limitada de meios que esta possa ser. Algumas situações avaliadas são completamente indiscritíveis e até mesmo inenarráveis para este tempo. Por vezes custa acreditar que estamos a viver em pleno século XXI…” Maria José Rosado vai mais longe e diz que “a nossa sociedade está bastante doente”. E se não é fácil compreender a sociedade, perceber o sistema judicial não é um desafio menor. Sem formação, na larga maioria dos casos, na área de Direito, os juízes sociais vão sendo introduzidos à moldura da lei pelos juízes profissionais. “A prova é produzida e deve ser apreciada pelos três juízes, incumbindo ao juiz de carreira, que, assim como o juiz social, deve ter uma grande preocupação com a vertente humana e social, explicar ao juiz social a lei e até onde se pode ir na decisão”, afirma Maria Margarida Neves, Juíza de Direito
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no Juízo de Família e Menores do Tribunal da Comarca de Porto - Este. António Fialho, Juiz de Direito no Tribunal de Família e Menores do Barreiro, complementa: “Acaba por ser a nossa obrigação.” Conforme explica o Juiz de Direito, este enquadramento é feito de forma natural e aberta, numa relação marcada pelo diálogo. “Só tive uma situação em concreto, que foi um facto qualificado como crime com alguma gravidade. Estava em causa um internamento, relativo a um crime muito grave, um homicídio. Fazia alguma confusão [aos juízes sociais] que a medida máxima para um caso de homicídio fosse três anos, que é o que está na lei, quando, se estivéssemos a falar num âmbito de uma prisão, ela podia andar entre os 12 e os 25 anos.” Na sua opinião, “para quem trabalha fora desta área, é um bocado difícil conceber que esta seja efetivamente a medida máxima”. Por isso, a comunicação é fundamental: “Da discussão nasceu a clarificação junto dos juízes sociais de que estamos perante um objetivo completamente diferente do que estamos perante a pena, que é realmente a necessidade da educação para o direito de um jovem que está em processo de formação da sua personalidade. Dessa discussão é que, depois, acabou por ser compreensível por que é que estamos a falar de um tempo de medida tão baixo.” Mas qual é, então, o papel do juiz social?
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Um modelo com 40 anos A figura do juiz social começou por ser consagrada na Constituição da República Portuguesa de 1976, na altura institucionalizando formas de participação popular na administração da justiça através de “juízes populares”. Um ano depois, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 82/77, de 6 de dezembro) identificava situações específicas em que se deveria recorrer aos mesmos e, em 1978, o Decreto-Lei 156/78, de 30 de junho, trazia à luz do dia o regime de recrutamento e funções dos juízes sociais. Dizia o diploma, no n.º 3, que “com a institucionalização dos juízes sociais procura-se fundamentalmente trazer a opinião pública até aos tribunais e levar os tribunais até à opinião pública: já actuando contra a rotina dos juízes e sensibilizando-os em relação aos valores sociais dominantes e suas prioridades, já estimulando os cidadãos à formação de opiniões correctas a respeito da administração da justiça e ao reforço do seu sentimento de legalidade”. O diploma, ainda em vigor, veio estabelecer que cabe às câmaras municipais a organização de candidaturas e a preparação, elaboração e organização das listas, que serão votadas pela assembleia municipal e remetidas ao Conselho Superior da Magistratura e ao Ministério da Justiça. Nesse sentido, a lei estabelece ainda que as câmaras municipais podem socorrer-se da cooperação de entidades, públicas ou privadas,
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ligadas por qualquer forma à assistência, formação e educação de menores. É isso que acontece na grande maioria dos casos, até porque as listas são constituídas por 15 juízes sociais efetivos e por 15 suplentes. Em Lisboa, no Porto e em Coimbra são ainda mais. Contudo, o recurso aos juízes sociais não está previsto apenas para situações ligadas aos mais jovens. E se hoje os casos de arrendamento rural para os quais estavam consagrados praticamente desapareceram, nas situações da competência dos tribunais de trabalho pouco foram usados. “É verdade que quando se fala de juízes sociais fala-se quase sempre de tribunais de família. A constituição do tribunal coletivo misto nessas outras jurisdições é opcional e aqui é obrigatória”, refere António Fialho, esclarecendo que a Lei Tutelar Educativa e a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo estipulam situações em que é obrigatório existir intervenção do coletivo. Nas outras áreas, prossegue o Juiz de Direito, “como é opcional e os profissionais tendem a ter alguma reserva em relação a mecanismos de administração da justiça por fora, perdeu-se a prática”. Mas, mais de quatro décadas depois de surgir a lei, as vantagens do modelo continuam a prevalecer nos tribunais de Família e Menores. “Os Juízes sociais trazem o olhar da sociedade à sala de audiências”, defende Maria Margarida Neves.
“Constituem uma forma de participação popular na administração da justiça e de trazer a opinião pública até aos tribunais. Por isso desempenham um papel importante e decisivo nos assuntos mais melindrosos e delicados na nossa sociedade.” A opinião é partilhada por António Fialho: “Pessoalmente, não vejo nenhuma desvantagem. O único problema que nós temos é que a lei é de 1978, portanto peca um pouco por ter alguma desatualização em relação à realidade atual. Necessitaria provavelmente de alguns ajustes em termos de critérios, do próprio recrutamento, do próprio funcionamento, dos direitos e dos deveres dos juízes sociais.” Neste âmbito, a inclusão de uma formação inicial ou de uma ação de esclarecimento antes e durante o desempenho das funções deveria, na opinião do Juiz de Direito, ser algo a considerar. Pese embora o facto de que, acima de tudo, “exige-se alguma sensibilidade para analisar aquelas questões”, António Fialho reconhece “que o conhecimento das regras jurídicas pode ajudá-los a exercer melhor as suas funções”. Essa parece ser também a opinião dos juízes sociais. “Acredito que fui escolhido pela experiência e currículo apresentados. No entanto, sou da opinião que numa fase inicial deveria haver uma formação específica para integrar melhor os juízes sociais no contexto judicial, em particular aqueles que pela primeira vez irão desempenhar funções”, defende Carlos Carneiro.
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Por isso mesmo, a Câmara Municipal do Porto organizou, em parceria com a Universidade Fernando Pessoa, o I Curso de Formação em Juiz Social, finalizado em janeiro de 2019 e que conferiu diploma a 51 juízes. “Concordo que seria benéfico se houvesse algum tipo de sensibilização ou uma pequena formação”, diz, por sua vez, Maria José Rosado. Contudo, de acordo com esta juíza social, os constrangimentos que possam existir num primeiro momento são facilmente ultrapassáveis com o apoio dos colaboradores do tribunal. No seu caso, o Tribunal de Família e Menores do Barreiro promoveu visitas a um centro educativo e a um centro de acolhimento, “para eles próprios verem, quando tomam uma decisão, em que medida é que essa decisão afeta a vida daquela criança ou daquele jovem em concreto. É uma iniciativa que envolve as pessoas na decisão e acaba por recordá-las de que também têm aquela obrigação”, explica António Fialho, dizendo que, por questões logísticas, nem sempre é fácil agilizar este tipo de iniciativas. “São muito importantes”, alerta Maria José Rosado. “Muitas vezes a pessoa só conhece esses espaços pelo que está escrito nos processos ou pelo que vê na televisão, porque ao vivo nunca esteve e é totalmente diferente.” Depois, refere, acima de tudo, é necessário “empenho e dedicação”. Nas mãos da sociedade “Nós somos notificados por carta registada”, explica Maria José Rosado, indicando que o tribunal disponibiliza a escala anual dos juízes sociais. “Nesses dias já sabemos que podemos ser chamados”, refere, enquanto complementa que é chamada cerca de três vezes num ano. “Geralmente nessa notificação vai um pequeno resumo do caso que vai a debate. Com algum tempo de antecedência, venho e consulto o processo. Tento sempre pôr-me ao corrente do máximo de informação. No dia do debate, também há sempre um encontro prévio, para troca de informação e de ideias. E depois vamos para o debate, já um pouco mais à vontade, mais preparados e em sintonia também com a opinião do juiz.” Apesar de esta sintonia do coletivo ser o resultado desejável, nem sempre isso acontece. “Nem todas as decisões são lineares e pode falhar o consenso entre os três juízes. Embora presida e escreva o acórdão, o juiz de direito não tem voto de qualidade. É raro, mas já aconteceu juízes de carreira votarem vencidos”, refere a Juíza de Direito Maria Margarida Neves. Em Portugal, os juízes sociais votam na matéria de facto, aprovando o que foi considerado como provado, e na matéria de direito, que muitas vezes tem uma componente especificamente jurídica. E, neste último capítulo, o apoio do juiz de direito é fundamental. Além disso, enquanto nos coletivos de crime a decisão deve ser feita de acordo com a maioria – passando o relator a ser o mais velho dos juízes vencedores –, aqui o relator é sempre o juiz profissional. “O que ele deve fazer é traduzir a decisão que corresponde à vontade
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da maioria, mesmo que ele não concorde com essa decisão”, explica António Fialho. “Podemos ter maior discussão, mas normalmente a decisão é unânime. Da discussão nasce a luz. O nosso objetivo é, no fim de contas, da discussão acabar por chegar a um entendimento comum. Não se trata aqui de cedências, mas às vezes de pontos de vista completamente diferentes no sentido de retirar alguma conclusão.” No Tribunal de Família e Menores do Barreiro, “a experiência é positiva e ninguém prescindiria de ter juízes sociais, porque acaba também por ser positivo do ponto de vista da própria fundamentação da decisão perante a sociedade”. Maria Margarida Neves confirma que a participação do juiz social é bem aceite por entre os juízes profissionais. “Afigura-se-me que os juízes aceitam esta composição do Tribunal, pois, são olhares diferentes que vão colaborar na formação da deliberação, a maioria das vezes muito difícil, principalmente em termos afetivos e emocionais. Saliente-se, contudo, que quando o processo chega, por exemplo, à fase da retirada de uma criança à sua família ou ao internamento de um jovem em Centro Educativo, normalmente juízes, procuradores do Ministério Público, Técnicos da Segurança Social e outros já tentaram outros caminhos e opções que se goraram.” Não obstante, ambos os juízes recordam que este é um serviço público obrigatório para quem o desempenha e reconhecem que é fundamental os juízes sociais serem responsáveis, até porque a falta de um juiz social leva a que não se constitua o tribunal coletivo, atrasando os processos e adiando futuros. “Ser juiz social é julgar, é decidir a vida de crianças e jovens, não é dar palpites”, sublinha Maria Margarida Neves. Mas os resultados de um coletivo misto podem ser excecionais, conforme desvenda António Fialho: “Recentemente, até tive uma experiência muito positiva. Temos uma juíza social que é psicóloga e, numa das últimas deliberações, o projeto de apoio psicossocial foi da obra dela. É uma área que eu não domino e ela sim, e tinha um conjunto de ideias. Só demonstra duas coisas: primeiro que ela tinha preparado bem o processo; segundo, que estava realmente interessada e que trouxe realmente a sua própria experiência profissional para aquela realidade. Estamos a aplicar agora esse projeto e as coisas estão a correr bastante bem.” Também ele psicólogo, Carlos Carneiro não tem dúvidas de que “o juiz social deve ser alguém equilibrado mentalmente, deve ter experiência prévia com crianças e, sobretudo deve estar disposto a defender o superior interesse das crianças”, enquanto Maria José Rosado diz que, sendo uma experiência fantástica, “é preciso muito estofo emocional e não é para toda a gente”. Interessado? Maria Margarida Neves deixa o mote: “Se tem disponibilidade e vontade para apreciar e julgar as várias situações de vida que o Tribunal é chamado a dirimir, não hesite, já que o seu papel é importante num país democrático, constituindo uma forma de o povo participar também na administração da justiça.” : :
SOLUTIO
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ENTREVISTA
“Temos consciência de que temos um longo caminho a percorrer”
CRISTINA GATÕES
DIRETORA NACIONAL DO SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é a sua casa desde 1991. Foi ali que cresceu e fez carreira. Começou por ser inspetora no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa e, depois, na Direção Regional do Centro. Aí, assumiu funções como Responsável pelos departamentos de Fiscalização e de Documentação, como Chefe do Departamento Regional de Emissão de Documentos e Subdiretora, até se tornar Diretora Regional. Há cerca de um ano, num momento particularmente agitado para o SEF, foi designada Diretora Nacional. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e com uma pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos, Cristina Gatões acredita que é sempre possível fazer mais e melhor. De natureza irrequieta e determinada, quer contribuir para que “Portugal seja cada vez mais um país de referência no acolhimento de imigrantes e um dos países mais seguros do mundo”. Entrevista Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira
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ENTREVISTA COM CRISTINA GATÕES
Faz agora um ano que assumiu funções como Diretora do SEF. Que balanço faz deste primeiro ano no cargo? Qual foi o principal desafio que enfrentou? Quando assumi funções, a 16 de janeiro de 2019, tinha noção do imenso desafio que aceitava. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é a minha casa desde 1991 e sempre vivi intensamente o crescimento do SEF e as crescentes responsabilidades que com o tempo foram integrando a nossa missão. O balanço que faço do desempenho do SEF é, naturalmente, muito positivo. Graças ao esforço e inquestionável profissionalismo de todos foi possível, num ano particularmente exigente, aumentar, de forma extraordinária, todos os indicadores. Mas porque sou por natureza irrequieta e penso convictamente que é sempre possível dar mais uns passos, prefiro pensar que o melhor ainda está para chegar. O maior desafio de qualquer pessoa no exercício de funções de Direção na Administração Pública e em Forças e Serviços de Segurança em particular, neste momento é, seguramente, a gestão dos recursos humanos. É fundamental criar condições para que os funcionários se sintam motivados, empenhados, disponíveis para aprender e focados no nobre exercício da missão de serviço público que lhes está confiada. Nos últimos tempos, a dificuldade e a morosidade no acesso aos serviços do SEF têm estado na ordem do dia. O que motivou esta questão e o que está a ser feito para mitigá-la? O trabalho do SEF neste último ano foi particularmente intenso, sobretudo no que respeita ao atendimento ao público e à gestão documental. O principal desafio é corresponder às necessidades dos cidadãos estrangeiros, num esforço permanente de otimização de procedimentos e da capacidade de atendimento. A melhoria do atendimento ao público e a celeridade na instrução processual são matérias prioritárias para o Serviço e para a Tutela. Internamente, têm vindo a ser promovidos novos procedimentos para a área documental com vista à simplificação e desburocratização, eficiência e flexibilização dos serviços. Este é um caminho que iniciámos já no final de 2018, com o aumento da capacidade de atendimento do principal canal de comunicação com o cidadão estrangeiro – o Centro de Contacto –, cujo horário de atendimento foi alargado em mais 03h30. Este foi o primeiro passo que demos em direção à maximização da capacidade de resposta, graças a uma duplicação do número de funcionários neste departamento. Mas a resposta ao cidadão não se esgotou aqui! Estamos, diariamente, a fazer com que o atendimento em front office possa também ser melhorado. Em alguns locais aumentámos o horário de atendimento em dois turnos, de acordo com os meios disponíveis em cada unidade orgânica; de forma gradual e proporcional, temos vindo a aumentar o número de atendimentos em todos os balcões, harmonizando o rácio de atendimento por funcionário, entre outras medidas que demoram algum tempo a ter visibilidade na esfera pública.
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Este tem sido, de facto, o maior desafio. Espero poder atingir com sucesso esta meta, com a entrada dos 116 assistentes técnicos que se encontram em concurso e que esperamos possam ingressar no Serviço o quanto antes. Por outro lado, estamos a avaliar algumas soluções de ordem tecnológica para podermos aliviar o atendimento presencial. Permita-me, ainda, referir que, em setembro do ano passado, o SEF disponibilizou mais de 11 mil vagas para agendamento de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada e independente (artigos 88 n.º 2 e 89 n.º 2 da Lei de Estrangeiros), renovação de autorização de residência e reagrupamento familiar, visando a otimização do Serviço face ao crescente número de atendimentos registados e procurando maximizar o potencial de atendimento. Em 2019. foram atendidas mais de 333 mil pessoas em todo o país, o que representa um acréscimo de cerca de 76 mil em relação a 2018. Quanto a concessões de autorizações de residência, foram atribuídos, em 2019, 128.836 novos títulos de residência, 106.899 renovações de autorização de residência e 38.118 novos títulos de residente ao abrigo do regime do reagrupamento familiar. Estes números são bastante superiores quando comparados com o ano de 2018: 93.154 novos títulos de residência, 80.429 renovações de autorização de residência e 26.660 novos títulos de residente ao abrigo do reagrupamento familiar. Como referiu, o SEF é a sua casa desde 1991. Em que medida é que a atividade mudou? O mundo mudou imenso desde então e o SEF não ficou alheio a esta mudança. Em 1991, os computadores no SEF eram uma realidade praticamente inexistente. O trabalho era feito manualmente, as máquinas de escrever eram mecânicas, ainda se usava papel químico para garantir cópia, fotocopiadores eram um luxo muito parcimoniosamente gerido, o fax já era utilizado para as comunicações mais urgentes, não havia telemóveis e todas as consultas sobre antecedentes eram feitas via telefone ou por fax ou ofício para o Ficheiro Central, onde uma zelosa equipa de funcionários procurava por informações em milhares de fichas individuais, arquivadas em armários metálicos de gavetinhas pequenas. Portugal aderiu a Schengen, modernizou-se e passou claramente a ser um país de crescente atração para a imigração. O número de residentes estrangeiros em Portugal era de cerca de 124 mil. Atualmente, de acordo com os dados provisórios de que dispomos, são mais de 500 mil. É fácil, por estes números, perceber que a realidade com que lidamos hoje é bem diferente daquela que conheci na década de 90. O tema Imigração/Migrações passou a estar presente na ordem do dia de forma constante e, transversalmente, é, a par das alterações climáticas, o tema que mais tem determinado e condicionado as políticas a nível mundial. O imigrante passou, e bem, a ser incondicionalmente objeto de direitos humanos que todos os Estados de Direito têm
O balanço que faço do desempenho do SEF é, naturalmente, muito positivo. Graças ao esforço e inquestionável profissionalismo de todos foi possível, num ano particularmente exigente, aumentar, de forma extraordinária, todos os indicadores. de, ativamente, garantir. As políticas de imigração passaram a ser ativas e proactivas e a integração é inquestionavelmente fundamental no contexto da regulação dos fluxos migratórios. Contudo, associada aos movimentos migratórios de massas passou, também, a existir uma crescente responsabilidade dos estados em assegurar que estes movimentos sejam feitos em segurança. O reforço da segurança e da troca de informações entre serviços congéneres é, naturalmente, o reverso da liberdade de circulação de pessoas e não pode ser descurado, exigindo-se um equilíbrio que tenha sempre como pano de fundo o absoluto respeito pelos direitos humanos e direitos, liberdades e garantias dos Estados de Direito. As soluções tecnológicas de que dispomos hoje são uma peça fundamental para o bom desempenho do nosso trabalho, sobretudo em áreas como o controlo de fronteiras que atualmente já é feito por equipamentos automatizados. Somos, sem dúvida, um serviço com muita flexibilidade, capaz de se adaptar às diferentes realidades e fluxos migratórios. A globalização e a digitalização facilitaram ou dificultaram o trabalho? Tal como referi, as tecnologias e a partilha de informação a nível europeu e mundial são elementos facilitadores do nosso trabalho e atualmente é absolutamente impossível imaginar a nossa ação, em qualquer das áreas de atuação do SEF, sem um intenso recurso às mais modernas tecnologias.
O binómio homem versus máquina há muito que deixou de ser uma luta e passou a ser uma parceria. Toda a atuação ao nível das fronteiras, do controlo da permanência de cidadãos estrangeiros, bem como matérias relativas à proteção internacional são, nos nossos dias, impensáveis sem a utilização intensa das novas tecnologias. Não que elas substituam o fator humano, de todo. A intervenção dos especialistas e dos peritos nas matérias é fundamental e incontornável, sendo por isso da maior importância e prioridade a crescente aposta na formação, atualização e requalificação dos recursos humanos. Por outro lado, reconhecemos, enquanto órgão de polícia criminal, que o crime tem tendência para estar uns passos à frente dos nossos especialistas. Crimes como a falsificação de documentos, usurpação de identidade e o tráfico de seres humanos e outros crimes conexos são fenómenos em crescimento, à escala global, aos quais devemos estar especialmente atentos. E, neste contexto, o trabalho que desenvolvemos em estreita cooperação com as demais forças e serviços de segurança a nível nacional, com os parceiros europeus e internacionais, com as agências europeias, designadamente Frontex, EASO, eu-LISA, Europol, EuroJust, etc., têm permitido a apresentação de muitos e relevantes trabalhos no combate a redes transnacionais de crime organizado. A participação em múltiplos fóruns internacionais – ICMPD, IGC, IATA, etc., – têm permitido ao SEF e a Portugal manterem uma posição de grande relevância em termos europeus e internacionais em matérias de imigração.
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Nada disto seria possível se não acompanhássemos a evolução tenológica e não desenvolvêssemos intensos esforços de a adaptar à nossa realidade e necessidade. O crescimento do turismo em Portugal e o aumento do número de imigrantes colocam uma pressão acrescida sobre o SEF. Como têm dado resposta a este desafio? O crescimento do turismo em Portugal é uma realidade e um fator de desenvolvimento económico, social e cultural. E naturalmente que o SEF tem sido, em várias vertentes, um ator muito ativo, de forma inquestionavelmente positiva. Só no ano passado, foram controlados no Aeroporto de Lisboa cerca de 10.500.000 passageiros. Mais 2.005.891 que em 2018. Ou seja, registou-se um crescimento na ordem dos 12 por cento. A este aumento do número de passageiros e de voos controlados, o SEF respondeu com um reforço dos meios humanos com cerca de 90 inspetores estagiários, em julho do ano passado, o que veio permitir um reforço do efetivo nos meses de maior afluxo de passageiros, ou seja, de junho a setembro. Com base neste reforço, em julho e agosto de 2019, foram registados os melhores tempos de espera desde que há registo: 11 minutos nas chegadas e três minutos nas partidas. Já este ano, em janeiro, ocorreu novo reforço do efetivo no Aeroporto de Lisboa, com a chegada de cem novos inspetores estagiários. Também recentemente, o SEF adquiriu 49 e-gates de nova geração para os aeroportos de Lisboa, Faro, Porto e Madeira, num investimento total de cerca de cinco milhões de euros. As e-gates têm um sistema operativo mais rápido e funcional, que permite processar de forma mais célere a leitura de passaportes com dados biométricos. No Aeroporto de Lisboa entrou em funcionamento, no passado dia 10 de fevereiro, a nova área de controlo de fronteira, nas chegadas, onde foram colocadas duas das novas e-gates, além de outras cinco posições de controlo manual. Esta nova área permite o processamento de 700 a 800 passageiros por hora, assegurando um mais rápido controlo da sua chegada neste terminal. No total, a fronteira de chegada do Terminal 1 passou a poder acionar 21 posições manuais e 14 e-gates, o que perfaz 35 pontos de controlo. No Terminal 2 entrarão em funcionamento, em breve, as cinco restantes e-gates adquiridas para o Aeroporto Humberto Delgado. Nos Aeroportos de Faro e do Funchal já começaram também os trabalhos para instalação dos 16 e 10 novos pórticos, respetivamente. E no Aeroporto do Porto, os trabalhos para a implementação das 16 e-gates de nova geração deverão arrancar em breve. Aproximadamente, quantos cidadãos estrangeiros residem em Portugal atualmente e quais as suas principais origens? O número de cidadãos estrangeiros em Portugal ultrapassou, no ano passado, a barreira do meio milhão.
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O Brasil continua a ser o país mais representado em Portugal, com um total de residentes na ordem dos 151 mil. Depois Cabo Verde, com pouco mais de 37 mil; o Reino Unido, com 34 mil; a Roménia com 31 mil e a Ucrânia com cerca de 30 mil cidadãos residentes no nosso país. O que torna Portugal atrativo para os imigrantes? A crescente atratividade de Portugal resulta naturalmente, quer de fatores endógenos, quer de fatores exógenos. Mas as condicionantes externas só resultam de forma positiva porque a nível interno há uma mobilização generalizada para fazer mais e melhor. E o SEF não é naturalmente alheio a esse esforço e a essa mobilização. A qualidade de vida e a melhoria da qualidade dos serviços prestados à comunidade em geral são naturalmente um fator motivador para quem pretende visitar o país ou para quem pondera ou toma a decisão de aqui fixar residência. A par destes fatores há um outro que é incontornável neste processo e que é a perceção e avaliação internacional de Portugal como um país seguro. E neste trabalho o SEF é uma vez mais um parceiro muito ativo, quer direta, quer indiretamente, seja no rigoroso controlo que é feito ao nível das fronteiras externas, quer na avaliação dos pedidos de residência, quer no combate a redes de criminalidade organizada em matéria de auxílio à imigração ilegal, quer do tráfico de seres humanos, designadamente de menores. O trabalho diário que coordenadamente desenvolvemos com todos os serviços e forças de segurança, muitas vezes em apoio a missões, ações ou operações que não são da nossa competência, mas que para o sucesso das mesmas a nossa experiência é fundamental, são fatores que discreta, mas eficazmente, permitem aumentar a atratividade de Portugal como país de destino seguro. Considera que o país dispõe de meios adequados ao acompanhamento de migrantes? Portugal é um país de referência no que toca ao quadro legal vigente em matéria de acolhimento e integração. A legislação existe e as estruturas funcionam. Tal como noutras matérias, o que importa é aumentar e consolidar a capacidade de articulação entre instituições, o diálogo construtivo, incluindo com a sociedade civil. A integração dos imigrantes não se faz apenas por “decreto”, importa impulsionar o envolvimento de toda a comunidade, incluindo, naturalmente, dos migrantes que devem desde o primeiro momento participar ativamente na definição do seu projeto de vida em Portugal. Na sua opinião, os formalismos burocráticos para a obtenção de Vistos Gold são adequados? Que balanço faz desta medida? O regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), em vigor desde o dia 8 de outubro de 2012, permite que cidadãos nacionais de Estados Terceiros possam obter uma autorização de residência temporária
ENTREVISTA COM CRISTINA GATÕES
para atividade de investimento com a dispensa de visto de residência para entrar em território nacional. O balanço que faço, apesar de todos os sobressaltos que houve, é extremamente positivo. O processo de concessão de ARI, quer por força da lei, quer por força de um Manual específico para o efeito, segue um rigoroso procedimento de avaliação. Todos os pedidos são objeto de análise criteriosa, seguindo um processo de avaliação alargado, incluindo verificações de segurança a nível nacional e internacional. Importa referir que, no que respeita às atividades de investimento, estas são alvo de pronúncia de diferentes entidades nacionais competentes e que dispõem de mecanismos adequados à salvaguarda da legalidade e da segurança que se querem presentes. No momento de renovação dos títulos, é feita uma nova avaliação relativamente à manutenção ou não das condições que levaram à concessão. As disposições legais em vigor incluem os termos no âmbito dos quais é justificada a não renovação de título de re sidência. Pode igualmente ocorrer o cancelamento do direito de residência que pode ser acionado, se necessário, a qualquer momento, nomeadamente por factos praticados em momento posterior à concessão. O SEF tem competência específica para controlo da presença e atividade de cidadãos estrangeiros em território nacional e, neste contexto, destaca-se a monitorização periódica e regular das bases de dados nacionais e internacionais, salvaguardando a eventual inserção de novos registos, posteriores à decisão de concessão ou renovação e que, sempre que tal se imponha, determinam cancelamento de títulos e ação consonante. Isto já aconteceu no passado, comprovando que estamos atentos e atuamos em conformidade com as mais exigentes regras de cooperação nacional e internacional em razão da matéria. No contexto europeu, onde quase todos os países têm regimes semelhantes, Portugal cumpre todas as recomendações na matéria, acrescentando-se ser considerado uma boa prática a publicação e publicitação mensal que fazemos da informação estatística global sobre Autorizações para Atividade de Investimento (ARI) disponibilizada no Portal do SEF, mensalmente. Acresce, ainda, que Portugal, ao contrário de alguns países da União Europeia, não faz qualquer ligação deste regime com a Lei da Nacionalidade; ou seja, o estatuto de residente ARI não constitui, de todo, fator relevante, preferencial ou outro, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa. Qual a importância da investigação no SEF? Que recursos estão alocados a este departamento e quais são os eixos prioritários da sua atuação? A prevenção e a repressão da criminalidade associada aos fenómenos migratórios estão definidas como prioridade no SEF. Atenta a sua elevada complexidade, a prevenção e a
Só no ano passado, foram controlados no Aeroporto de Lisboa cerca de 10.500.000 passageiros. Mais 2.005.891 que em 2018. Ou seja, registou-se um crescimento na ordem dos 12 por cento. A este aumento do número de passageiros e de voos controlados, o SEF respondeu com um reforço dos meios humanos com cerca de 90 inspetores estagiários, (…) o que veio permitir um reforço do efetivo nos meses de maior afluxo de passageiros. Sollicitare 27
investigação da criminalidade grave, organizada e transnacional, designadamente o tráfico de pessoas, a associação de auxílio à imigração ilegal e o casamento ou união de conveniência são um dos principais pilares de atuação do SEF. Enquanto órgão de polícia criminal, o SEF tem apostado na atividade investigatória, com um aumento exponencial de 67 por cento de processos-crime concluídos de 2018, face a 2017, por exemplo. O exponencial aumento da imigração para Portugal não pode, de todo, ser percecionado como uma oportunidade para as redes criminosas. Para que Portugal seja um país credível, onde os direitos humanos são respeitados e garantidos e onde os criminosos são perseguidos e punidos, é fundamental que haja uma atuação continuada e consistente de combate a estes fenómenos. Essa tem sido a postura e a atuação do SEF, designadamente na atuação junto de explorações agrícolas, estabelecimentos de diversão noturna, clubes de futebol, etc. A intervenção e os resultados apresentados permitem-nos um inegável orgulho nos nossos operacionais que, apesar das dificuldades de recursos humanos, têm assegurado, a nível nacional e internacional, o desmantelamento de situações de grave violação dos mais elementares direitos dos imigrantes. Não posso, contudo, deixar de salientar o trabalho consolidado que temos vindo a desenvolver, em parceria com outros atores, ao combate ao tráfico de menores e que tem permitido identificar rotas e modus operandi complexos, referenciando Portugal como um bom exemplo neste campo. A problemática do tráfico de seres humanos tem ganhado dimensão no nosso país? Quais as situações com que, atualmente, mais se deparam a este nível e o que está na sua base? Neste âmbito, e considerando a crescente preocupação com o tráfico de seres humanos, o SEF empreende uma atuação focada no combate a este fenómeno, numa estratégia assente nas vertentes da prevenção, formação e repressão. Face a isto, o SEF criou no decorrer do ano passado equipas especializadas, vocacionadas para uma intervenção integrada - ao nível da proteção e acolhimento das vítimas de tráfico de seres humanos e da investigação criminal. Na prática, existe uma articulação permanente entre os elementos em funções na Direção de Fronteiras de Lisboa (Aeroporto) e os elementos da Unidade Anti Tráfico de Seres Humanos do SEF (UATP), com o apoio de uma Procuradora do Ministério Público, do DIAP de Lisboa, dedicada exclusivamente aos casos detetados no Aeroporto de Lisboa. No que toca ao tipo de exploração, Portugal (em contraciclo com os restantes países da UE) continua a sinalizar maioritariamente homens vítimas de exploração laboral, incidindo, sobretudo, em trabalhadores do Leste Europeu. De que outras formas tentam combater este problema? Além do que já foi referido anteriormente, tem-se revelado crucial a crescente e permanente articulação e cooperação
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entre os vários atores locais, nacionais e internacionais. A troca de informações, a atualização sobre novos modus operandi e novas tendências, a partilha de boas e melhores práticas são fundamentais para atingir os objetivos nesta matéria. Ao longo de 2018, o número de ações de fiscalização diminuiu. Esta tendência manteve-se em 2019? O que justifica este decréscimo, quando o número de cidadãos estrangeiros em Portugal aumentou, e que riscos comporta? O controlo da permanência e atividades de cidadãos estrangeiros em território nacional, designadamente no que se refere à verificação do cumprimento do regime nacional de imigração, incide em três eixos de atuação: ações de inspeção e fiscalização e respetivos resultados, prevenção e repressão da criminalidade associada aos fenómenos migratórios e gestão da documentação de segurança. No que diz respeito a dados consolidados de 2019 ainda não tenho essa informação, mas posso, no entanto, adiantar que a quebra registada em 2018 teve a ver, sobretudo, com uma gestão do efetivo que obrigou a uma maior concentração de Inspetores em ações direcionadas para o controlo de fronteiras e à necessidade de desenvolver a resposta nacional para a crise migratória. Contudo, tal não implica necessariamente uma menor atenção ou atuação de prevenção e/ou fiscalização. A crescente partilha de informações entre serviços permite-nos atuações mais cirúrgicas e mais vocacionadas para situações de tráfico, o que é claramente uma prioridade da nossa atuação. As denúncias são importantes para o desempenho do trabalho do SEF? A que circunstâncias deve o cidadão comum estar atento? As denúncias são um elemento importante para a programação do nosso trabalho, havendo que avaliar as mesmas e a sua credibilidade e atuar em função dessa análise. Em função desse trabalho é inegável que alguns dos inquéritos que registamos têm origem em denúncias que nos chegam. Isto demonstra duas coisas que devemos ressalvar: a primeira é que o cidadão reconhece no SEF um papel interventivo. A segunda é que conseguimos levar as denúncias a bom porto, isto é, quando existe fundamento e é reunida a prova documental necessária, conseguimos concretizar a missão que nos é confiada: penalizar as atividades criminosas e salvaguardar os direitos das vítimas. Por exemplo, numa das operações mais mediáticas que tivemos nos últimos tempos, a operação “Masline”, em dezembro de 2018, foram sinalizadas 26 vítimas de tráfico de seres humanos e os detidos continuam em prisão preventiva. E esta investigação teve origem numa denúncia. Este tipo de operações com grande impacto na opinião pública serve também para despertar consciências e criar alertas na sociedade civil para que todos possamos prevenir e denunciar a prática deste tipo de criminalidade.
ENTREVISTA COM CRISTINA GATÕES
A saída de menores do país que não estejam acompanhados por quem exerça a responsabilidade parental carece de uma autorização prévia. Que controlo é feito para aferir se os menores estão autorizados a sair? Não deveria ser instituído um modelo estandardizado de autorização, como a Plataforma Viagem de Menores da OSAE? Essa autorização é sempre solicitada pelos Inspetores do SEF que fazem o controlo de fronteira. A Plataforma de Viagem de Menores consiste num modelo de autorização desenvolvido pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. No entanto, a atual legislação não fixa nenhum modelo próprio e fechado para a redação da autorização em apreço. Além disso, em território nacional, o reconhecimento de assinaturas pode ser feito através de serviço notarial, mas também é competência atribuída às câmaras de comércio e indústria, conservadores, oficiais de registo, advogados e solicitadores.
Os Solicitadores poderão ter um crescente papel na promoção das regras relativas à imigração legal, bem como dos mecanismos legais disponíveis para proteção dos imigrantes de esquemas criminosos, fraudulentos ou irregulares.
Na sua opinião, que contributo podem os Solicitadores dar a nível dos processos de estrangeiros que residem ou querem residir em Portugal? Os Solicitadores, por inerência de funções, têm um papel muito presente na vida do cidadão estrangeiro e, no exercício da sua missão, é-lhes naturalmente reconhecido um relevante papel no âmbito da difusão e cumprimento das regras relativas à entrada, permanência e afastamento de cidadãos estrangeiros. Nessa circunstância, à semelhança de outros atores institucionais, os Solicitadores poderão ter um crescente papel na promoção das regras relativas à imigração legal, bem como dos mecanismos legais disponíveis para proteção dos imigrantes de esquemas criminosos, fraudulentos ou irregulares. A par disso, podem ter um relevante e determinante papel no esclarecimento e cumprimento das regras relativas à passagem de fronteiras e documentação essencial para o efeito, regras estas aplicáveis quer a cidadãos nacionais quer estrangeiros, residentes ou não em território nacional. Que práticas ou mecanismos internacionais considera que seria importante Portugal implementar? Portugal tem vindo a afirmar-se em muitas áreas como exemplo de boas práticas. No que diz respeito à nossa área da atuação, no quadro da administração interna, somos um serviço aberto à modernização. Temos consciência de que temos um longo caminho a percorrer e que há sempre mais e melhor a fazer. Queremos continuar a contribuir de forma empenhada, determinada e entusiástica para que Portugal seja cada vez mais um país de referência no acolhimento de imigrantes e um dos países mais seguros do mundo, contribuindo assim, de forma decisiva para um Portugal mais desenvolvido e atrativo. : :
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OSAE
PLATAFORMA E-LEILÕES ULTRAPASSA OS 2 MIL MILHÕES DE EUROS EM BENS VENDIDOS Entrevista a Jacinto Neto, Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
O valor de bens vendidos através do e-Leilões tem sempre, desde a criação desta plataforma, vindo a aumentar. A que se deve este sucesso? Sim, é um facto que os números têm evoluído de forma positiva. Importa salientar que o sucesso que a venda em leilão eletrónico tem alcançado deve-se, em grande medida, ao esforço e empenho dos Agentes de Execução e, mais recentemente, dos administradores judiciais, com a disponibilização do máximo de informação sobre os bens colocados em venda (descrição do bem, disponibilização de fotografias e vídeos 360º). Gostava ainda de destacar o trabalho do helpdesk no controlo de qualidade dos anúncios. É todo este trabalho de equipa o segredo do sucesso. A plataforma e-Leilões tem contribuído para a valorização dos bens, para o incremento dos níveis de transparência, publicidade e celeridade, representando um reforço na garantia da defesa dos direitos de exequentes e executados. O aumento do número de licitações demonstra que há cada vez mais confiança na utilização da plataforma? Sem dúvida. Devo dizer que a plataforma é muito simples e intuitiva, já que os bens estão separados por categoria (imóveis, veículos, equipamentos, mobiliário, máquinas e direitos). Além disso, há uma forte aposta na personalização, isto é, os interessados podem definir alertas e, assim, receber avisos, via e-mail, cada vez que sejam carregados bens na plataforma que correspondam aos seus interesses definidos. Esta funcionalidade possibilita uma excelente interação com as vendas judiciais, não exigindo grandes conhecimentos jurídicos ou informáticos por parte dos interessados. Acresce que os grandes pilares da plataforma – destaco a valorização dos bens em venda, a celeridade, a publicidade alargada e ainda a possibilidade de os interessados licitarem em segurança e transparência – se encontram plasmados nos números, pelo que não restam dúvidas de que a evolução é positiva, tendo já atingido um excelente nível de confiança junto dos interessados. Como se perspetiva a evolução destes números? Atualmente podemos considerar que a plataforma e-Leilões já atingiu a sua maturidade, pelo que contamos manter o número de bens vendidos e de valores obtidos idêntico ao do ano transacto. Ainda assim, contamos com um aumento significativo de potenciais interessados. : :
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ESTATÍSTICAS
e-leiloes.pt
Bens vendidos até 12 de fevereiro de 2020 2016 (de maio a dezembro) 2017 2018 2019 2020 Total
VALOR 40.302.887,82 € 402.922.473,50 € 645.990.224,02 € 823.217.960,65 € 120.537.367,81 € 2.041.970.913,80 €
NÚMERO 500 4031 7291 7990 1551 21363
Tipo de bens vendidos até 12 de fevereiro de 2020 Imóveis Veículos Mobiliário Equipamentos Direitos Máquinas
Número de licitações de todos os bens (vendidos ou não) até 12 de fevereiro de 2020 2016 2017 2018 2019 2020 Total
4107 47.263 145.593 197.232 46.100 440.295
17.532 1.052 1.042 1.008 509 220
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OSAE
NA SENDA DA HISTÓRIA. O MELHOR DE 2019.
A
Texto Joana Gonçalves no de consolidação, de desafios
e de vivências a ritmo acelerado. Assim foi 2019 para a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE). As iniciativas e os acontecimentos multiplicaram-se ao longo de todo o calendário e o resultando foi unânime: o contributo da OSAE para a Justiça e para o país é inquestionável.
O ano começou com a conferência “Linguagem da Justiça e o Cidadão”. Promovida pelo Instituto de Formação Botto Machado (IFBM) da OSAE, no dia 10 de janeiro, esta foi uma iniciativa inédita que contou com a presença dos então Secretários de Estado Luís Goes Pinheiro (Adjunto e da Modernização Administrativa) e Helena Mesquita Ribeiro (Adjunta e da Justiça), entre outras personalidades, que, na sede da OSAE, em Lisboa, debateram formas de aproximar a linguagem da Justiça aos cidadãos. Empenhada em estabelecer pontes com os diferentes quadrantes, a OSAE participou nas reuniões do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) e acolheu mesmo, na sua sede, a 19 de março e a 24 de setembro, dois desses encontros. No primeiro esteve presente, como convidado, António Correia de Campos, Presidente do Conselho Económico e Social (CES) e, no segundo, Maria Lúcia Amaral, Provedora de Justiça. Ainda no âmbito do CNOP, a OSAE fez parte, a 15 de outubro, da delegação que esteve reunida, na cidade da Horta, com Vasco Cordeiro, Presidente do Governo Regional dos Açores, e Ana Luís, Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores. Nesta visita institucional foram abordados temas como a estrutura regional das ordens profissionais e os modos de colaboração entre estas e o governo da região autónoma. Convocada para o dia 29 de março, a Assembleia Geral dedicada à discussão e votação do Relatório e Contas respeitantes ao ano de 2018 terminou com os associados a aprovarem por maioria todos os pontos.
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Integrando a Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ) e a Union Européenne des Huissiers de Justice (UEHJ), em 2019 a OSAE marcou presença nos dois encontros destes organismos. O primeiro aconteceu em Berlim, no dia 10 de maio, e o segundo em Paris, de 26 a 29 de novembro. O dia 9 de julho é recordado como importante para a OSAE: na sua sede foi assinado o protocolo contra a procuradoria ilícita com a Associação Portuguesa dos Profissionais do Sector Funerário (APPSF), que visa prevenir e diminuir a prática, por parte das agências funerárias, de atos próprios dos solicitadores e advogados sem que para isso estejam habilitadas, como, por exemplo, a prestação de aconselhamento jurídico ou fiscal as famílias enlutadas. Durante o evento, José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, e Paulo Moniz Carreira, Presidente da APPSF, reiteraram que partilham esta preocupação, indicando que esta situação provoca problemas desnecessários, evitáveis caso a informação fosse prestada por profissionais qualificados, designadamente por Solicitadores. Este protocolo foi alvo de grande interesse por parte da comunicação social que, nos meses seguintes, realizou vários trabalhos sobre esta temática. Conforme ficou também estabelecido no protocolo, foram realizadas sessões de esclarecimento sobre este acordo, por todo o país, de frequência obrigatória para os profissionais que desejam integrar a Bolsa de Solicitadores prestadores dos serviços protocolados. No final do ano, a 4 de dezembro, deu-se a abertura da referida Bolsa, que conta já com 987 Solicitadores inscritos. As ferramentas tecnológicas de apoio à atividade mereceram também enaltecimentos por parte da comunidade internacional. A sede da OSAE recebeu, no início de 2019, uma delegação do Brasil composta por professores universitários que vieram saber mais acerca do GeoPredial, plataforma inovadora de georreferenciação que visa a delimitação precisa, com rapidez e segurança, de propriedades. Já no segundo semestre do ano foi a vez de uma delegação da Geórgia visitar a OSAE, com vista a melhor conhecer o sistema português de execução e a plataforma e-Leiloes. Os excelentes resultados alcançados por esta plataforma gerida
pela Ordem foram, de resto, notícia em diferentes meios da imprensa nacional. Em destaque ao longo de 2019 estiveram também os Autos de Constatação. Foi a 10 de julho que a sede da OSAE acolheu a conferência internacional “A Constatação como meio de prova”, precisamente para salientar este que é um instrumento personalizado, inviolável e inalterável de recolha de factos e uma realidade muito importante em países como França e Holanda. Já em Espanha é manifestada a urgência em adotar este procedimento. Realizado sob a égide de Françoise Andrieux, antiga presidente da UIHJ, este foi o primeiro evento da iniciativa “Conversas de Justiça”, promovida pelo Conselho Científico do IFBM da OSAE. Coube à Secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, o encerramento da conferência. O ano que terminou foi, de resto, de grande atividade para este instituto de formação. Em outubro, sob o mote “Abra as portas do conhecimento”, deu-se o lançamento da nova plataforma do IFBM na internet. Desenvolvida no sentido de facilitar a consulta das formações agendadas, por data ou tema, mas também de modo a disponibilizar as informações de maior relevo sobre cada iniciativa no imediato, esta plataforma obteve grande aceitação por parte dos associados, e não só, pelo facto de adaptar os conteúdos de acordo com o perfil profissional do utilizador. Este poderá também visualizar as ações em que está inscrito, consultar o histórico das iniciativas frequentadas, tirar os respetivos certificados ou comprovativos, descarregar os materiais pedagógicos e manifestar interesse em ações futuras. No total, o IFBM ministrou 147 ações de formação, num conjunto de 745 horas, 5543 inscritos e 33 temas em 24 localidades. De salientar que houve ainda uma aula virtual, novidade em 2019 e que se pretende repetir em 2020. Ciente da necessidade de os associados poderem recrutar colaboradores qualificados que possam integrar os seus escritórios, assumindo de imediato as funções de empregado forense, a OSAE, através do IFBM, promoveu, pela primeira vez, a realização de um Curso Intensivo de Assessoria Jurídico-Forense. Para além das matérias tradicionalmente ministradas no curso ordinário de empregados forenses de
Agente de Execução, esta iniciativa formativa contemplou ainda outras matérias, tais como atendimento ao público (presencial e telefónico), inglês jurídico, principais plataformas eletrónicas da OSAE, titulação e requisitos registais, fiscalidade do património e do escritório, deontologia e protocolo forense, tendo como objetivo garantir que os candidatos a empregados forenses sejam capacitados com as necessárias competências que lhes permitam ser recrutados diretamente através de uma bolsa de emprego pública, criada pela OSAE para o efeito. Sempre no debate dos temas que marcam a atualidade das profissões, a OSAE deu continuidade, em conjunto com os Conselhos Regionais e as Delegações Distritais e Concelhias, ao IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução. Foram cinco as edições realizadas: Algarve, Braga e Viana do Castelo, Guarda e Viseu, Lisboa e, por fim, Açores. As duas últimas marcaram a estreia de um novo formato, mais dinâmico, interativo e com uma orientação mais pragmática. De olhos postos no futuro, estas iniciativas funcionaram como enquadramento para algumas mudanças legais e deram protagonismo a apresentação de serviços, soluções inovadoras e sinergias que podem representar mais-valias para o portfólio dos profissionais representados pela OSAE. Setembro trouxe boas notícias para os Agentes de Execução: a Assembleia da República, na Lei n.º118/2019, legislou que “a competência para cobrança coerciva de impostos e outros tributos administrados por autarquias locais pode ser atribuída à administração tributária mediante protocolo, ou a agentes de execução mediante protocolo com a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.” Empenhada em fazer parte da discussão de medidas que visem simplificar a vida de cidadãos, empresas e organizações com o Estado, a OSAE integrou a Comissão para a Modernização Administrativa e esteve presente nas quatro reuniões que aconteceram ao longo do ano, presididas pela Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa. O ano terminou com a Assembleia Geral da OSAE, que decorreu a 27 de dezembro e culminou na aprovação de todos os documentos e assuntos levados a assembleia, destacando-se o Plano de Atividades e o Orçamento para 2020. : :
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OSAE
Reflexões 2019 CONSELHO REGIONAL DO PORTO Texto André Silva O ano 2019 do Conselho Regional do Porto (CRP) da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) foi cheio. Cheio de iniciativa, cheio de eventos. Para começar, logo no dia 18 de janeiro, as Delegações Concelhias de Baião, Felgueiras, Marco de Canaveses e Amarante, promoveram a iniciativa “Conversa informal”. Esta contou com a moderação de Armanda Gonçalves, Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Porto-Este, e com a participação de Manuel António Neves Moreira, do Juízo de Execução de Lousada, Pedro Carriço, Solicitador e Delegado Concelhio de Gondomar da OSAE, e José Cardoso, Solicitador e Delegado Concelhio de Penafiel da OSAE. No mesmo dia, em Aveiro e organizado pela sua Delegação Distrital, decorria o workshop “Como é vista a ação executiva pela Comarca”. Fevereiro chegou e, no dia 15, com a ajuda das Delegações Concelhias de Vizela e de Guimarães, chegou também o Encontro de Solicitadores, na cidade de Vizela. Na sessão de abertura estiveram presentes Victor Hugo Salgado, Presidente da Câmara Municipal de Vizela, Duarte Pinto, Presidente do CRP da OSAE, Pedro Pinto, Presidente da Delegação Distrital de Braga da OSAE, e Sílvia Lopes, Delegada Concelhia de Vizela da OSAE. Participaram ainda Miguel Ângelo, Presidente do Concelho Fiscal da OSAE, e Delfim Costa, Vogal do CRP. O mês de março trouxe-nos o IV Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução | Braga e Viana do Castelo. Mais de 150 pessoas estiveram presentes no Teatro Gil Vicente, em Barcelos, para refletir sobre o estado de arte das duas profissões e encontrar caminhos para um futuro de sucesso. Já no dia 15 de março foi a vez de Aveiro receber a conferência “A Execução para a Prestação de Facto”, promovida pelo CRP. Foram oradoras Teresa Madaíl, Juíza de Execução de Águeda, e Mónica Bastos Dias, Juíza de Execução de Coimbra, autoras do livro ‘Linhas Mestras da Execução para Prestação de Facto’. O momento contou ainda com a moderação de Pires da Rosa, Juiz Conselheiro. No dia seguinte, o CRP promoveu o evento “Rota da Alheira e do Enchido”. Uma iniciativa que mostrou como é o fabrico de alheiras, enchidos, pão de Mirandela e compotas. Um convívio que fica, certamente, na memória (e no paladar) de todos os participantes. Foi ainda em março, no dia 28, que arrancou a primeira edição do ciclo de “Sessões de Trabalho”, dedicada ao tema “Documento Particular Autenticado”. Cerca de uma centena de pessoas
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marcaram presença nesta iniciativa da Delegação Distrital do Porto da OSAE, que contou com a participação de José Cardoso, Delegado Concelhio de Penafiel, Delfim Costa, Vogal do CRP, Duarte Pinto, Presidente do CRP, Marco Santos, Delegado Concelhio da Trofa, e Pedro Santos, Delegado Concelhio de Santo Tirso. Maio chegou, assim como a conferência “O Processo de Inventário e As Partilhas Extrajudiciais”. Decorrida no dia 9 de maio e promovida numa organização conjunta entre o CRP, a Delegação Distrital de Braga da OSAE e as Delegações Concelhias de Fafe e Cabeceiras de Basto da OSAE, esta iniciativa reuniu, em Fafe, cerca de uma centena de profissionais. Ainda neste mês, a cidade de Aveiro foi palco, no dia 11 de maio, de um convívio entre associados da OSAE. O CRP, com o apoio da Delegação Distrital de Braga da OSAE, organizou também, no dia 16 de maio, mais uma conferência subordinada ao tema “A Execução para a Prestação de Facto”. Foram cerca de 80 as pessoas que marcaram presença nesta iniciativa. Junho apresentou-nos a segunda edição do ciclo de “Sessões de Trabalho”, dedicado às “Partilhas Extrajudiciais”. Foi no dia 6 de junho, em Vila Nova de Gaia, que Fernanda Pereira, Oficial de Registos em Barcelos, Libertária Lemos, Delegada Concelhia de Vila Nova de Gaia, e Delfim Costa, Vogal do CRP, debateram o tema “Titulação e Obrigações Inerentes. Aspetos práticos”. Já a terceira edição deste mesmo ciclo teve lugar em Penafiel, no dia 28 de junho. Debateram o tema “Regulamento Jurídico das sucessões na União Europeia” Raimundo Queirós, Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça, e João Ricardo Menezes, Notário. A iniciativa contou ainda com moderação de Armanda Gonçalves, Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este. O calor e o mês de julho trouxe, no dia 4 de julho, em Barcelos, a apresentação do livro “A Titulação dos Negócios – Aspetos Jurídicos, Fiscais e Registais”, da autoria de Fernanda Pereira, Oficial de Registo no Espaço Registos de Barcelos. O mês de julho terminou com o evento “Sunset Jurídico Popular”. Uma iniciativa do CRP que teve lugar em Penafiel e que contou com a participação de muitos Solicitadores e Agentes de Execução, marcando o início das férias judiciais. O mês de setembro foi palco da Assembleia Regional do Porto, no dia 30 de setembro, e no mês de outubro, a 24,
estreou-se a iniciativa “Encontros Concelhios”. O evento reuniu cerca de quatro dezenas de participantes na Biblioteca Municipal Ferreira de Castro, em Oliveira de Azeméis. No final desta iniciativa houve ainda tempo para entregar os diplomas aos novos Solicitadores e para homenagear o Solicitador José da Mota Ferreira, um profissional de reconhecido mérito e um exemplo para todos os colegas. O último dia do mês de outubro e a Póvoa do Varzim acolheram mais uma edição da iniciativa “Sessões de Trabalho”. O evento, que contou com a participação de cerca de oito dezenas de profissionais, teve como oradores principais Luísa Lopes, Advogada e Docente do ISCET, e Fernando Rodrigues, Vice-Presidente do Colégio dos Solicitadores da OSAE, que se debruçaram sobre as temáticas “Arrendamento e as suas recentes alterações” e “Autos de Constatação – Aplicação ao arrendamento”. No dia 9 de novembro, decorreu o tradicional Magusto organizado pelo Conselho Regional do Porto da OSAE. Solicitadores e Agentes de Execução reuniram-se para celebrar a festividade de São Martinho, na qual, como não poderia deixar de ser, a castanha foi rainha. O último mês do ano começou com o workshop “As recentes alterações ao código de Processo Civil”. Cerca de uma centena de pessoas reuniram-se neste momento de formação, que contou com a participação de Juízes Titulares dos Juízos de Execução da Comarca de Aveiro como oradores. Henrique Delgado de Carvalho abordou “As alterações ao regime do RPOP (DL n.º 269/98, de 01.09) e as implicações na tramitação da ação executiva comum” e Inês Gomes centrou a sua comunicação no “Artigo 733 do Código de Processo Civil – efeito do recebimento dos embargos de executado”. Já Helena Patrício falou sobre o “Artigo 751 do Código de Processo Civil – ordem da realização da penhora – na parte objeto de alteração legislativa” e, por fim, Teresa Madail abordou a “A aplicação da lei no tempo”. O ano do Conselho Regional do Porto terminou com o tradicional, e muito esperado, Jantar de Natal. Águeda foi a cidade escolhida e recebeu mais de uma centena de pessoas. O ano 2019 foi repleto de iniciativas, mas estamos convictos de que este novo ano será ainda mais preenchido de momentos que marquem a vida deste Conselho Regional do Porto. : :
OSAE
Reflexões 2019 CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA
Entrevista a Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Que balanço faz o Conselho Regional de Coimbra (CRC) do ano 2019? Na senda da construção de uma ligação cada vez mais próxima com os associados, a interação entre o CRC, as delegações distritais e as concelhias, através das mais diversas atividades, sejam elas na sede do CRC ou descentralizadas, foram sempre atividades participadas e com novas sugestões. Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu foram o cenário da colheita de colaborações, vivências e partilhas com um único objetivo: a atualização constante. Para além disso, a porta dos órgãos de soberania manteve-se aberta e vai estar em destaque em 2020, fortalecendo a comunicação, a cooperação e a colaboração. Que acontecimentos e atividades organizados pelo CRC em 2019 destaca como mais relevantes? Foi na nossa sede que decorreram as mais variadas tertúlias, incluindo apresentações de livros com a presença dos autores. Foram casos disso: “Com Famílias nos entendemos”, “Linhas Mestras da Execução para Prestação de Facto” e “Casos Práticos de Solicitadoria - Direito da Família e das Sucessões”. Três grandes destaques, quer pelos intervenientes, quer pelas temáticas. O CRC celebrou, ainda, em 2019, o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, numa parceria com a APDC. O Fórum de Solicitadores e Agentes de Execução | Guarda e Viseu foi revigorante, quer quanto às matérias, quer quanto às intervenções. O CRC organizou, também, sessões de esclarecimento sobre as “Plataformas eletrónicas e fiscalização”, com a colaboração do CPCAE e da CAAJ. Com um forte apoio da Comarca de Coimbra e da Juíza Presidente Isabel Namora, este evento decorreu no Juízo de Execução do Palácio da Justiça de Soure. Nesta iniciativa foi lançada a primeira pedra sobre o evento “Conversas com as Execuções”. Magistrados, Oficiais de Justiça e Agentes de Execução juntaram-se e, com uma forte participação e mantendo o apoio da Comarca de Coimbra e do representante da OSAE no Conselho Consultivo, este evento contou com três edições. Já na Comarca da Guarda, com a colaboração da Delegação Distrital da Guarda, a sessão de esclarecimento sobre “Plataformas eletrónicas e fiscalização” resultou numa sala de audiências repleta e com a comunidade judiciária atenta e unida. Foi durante o ano que terminou que o CRC iniciou o projeto “Itinerário de Proximidade”. Os primeiros concelhos abrangidos foram Fundão e Covilhã, num projeto que tem como premissa reunir com os Chefes dos Serviços de Finanças e Conservadores dos Registos, apresentando os dirigentes locais da OSAE e sensibilizando para a temática da procuradoria ilícita. Esta iniciativa passou ainda pelos concelhos de Peniche e Caldas da Rainha. Aqui abriram-se as portas para a sessão de esclarecimento “Sem ‘Multas’, + Pontos”. O evento seguiu para a cidade da Guarda, com a temática “Ação executiva – primeiro impulso processual”.
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O CRC promoveu, em 2019, o Dia Regional do Solicitador. Um marco real e assertório, esta iniciativa decorreu no dia 12 de junho nas nossas instalações. Destaca-se a cerimónia de homenagem a Avelino Gomes Paredes, que empresta agora o nome a uma das salas da sede do CRC. Destacamos a importância da homenagem a este profissional que foi “uma das figuras mais destacadas e mais representativas dos Solicitadores, classe à qual deu sempre o seu melhor, que prestigiou, dignificou e valorizou como poucos, por via dos seus elevados conhecimentos profissionais”. Marcaram presença várias entidades do Estado, da OSAE, a ACT, a ASAE e o SEF. Gostaria de destacar ainda o trabalho do FoRCOP. Apostou-se numa mesa redonda sob o tema “Ordens Profissionais e a Sociedade - A economia regional, nacional e internacional e a responsabilidade social das Ordens Profissionais” e conseguiu-se uma casa cheia. O CRC manteve a sua participação ativa em 2019. Saliento também o jantar de homenagem a Isabel Matos Namora, Juíza Desembargadora, que sempre apoiou a OSAE e o CRC enquanto Juíza Presidente da Comarca de Coimbra. Atual Diretora-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), é figura de mérito, fruto de um proveitoso trabalho que tem conquistado ao longo de uma carreira, reconhecido por todos os Solicitadores e Agentes de Execução. Encerramos o ano 2019 com a Gala de Natal do CRC. Nela, tivemos um espaço de dedicação, excelência e mérito, através do qual homenageamos os associados pelos seus 25 e 50 anos de profissão. Quero destacar ainda a causa “OSAE Solidária”, que reverteu para o “Lar O Girassol” e nos possibilitou a oportunidade de contribuir para o desígnio “Uma nova casa, Uma nova vida”. Assim foi a incumbência do ano 2019, com o sentimento de adicionar algo mais nos sonhos e nos sorrisos das crianças, puras de coração. Foi uma gala participada e que decorreu na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, lugar de sentimentos e de amores, lugar de requinte, história, natureza e glamour. Deixou recordações, saudades e sorrisos.
Assim se fecha o ciclo de 2019. Um ciclo em que o aproximar de associados e de entidades, com o contributo de todos os órgãos dirigentes, foi o mote. Foi bom terminar com reflexão, partilha, cumplicidade e abraços. Assim foi o nosso 2019. Que assim seja o 2020! Quais são os caminhos e as perspetivas que se adivinham para 2020? Em primeiro lugar, quero falar do Dia Regional do Solicitador. Vamos repetir a valentia, mas com uma diferença: a data. Será a 19 de junho de 2020 - data a reter. Manteremos a apresentação de intervenções dinâmicas, de uma forma que se torne pró-ativa para os nossos mais importantes intervenientes, os associados, e preservando a boa cortesia, simpatia e sintonia com quem nos visita. Queremos manter a parceria com o CPCAE, com a CAAJ e com as comarcas. Queremos fazer, em 2020, as sessões “Plataformas eletrónicas e fiscalização” em Castelo Branco, Leiria e Viseu. A iniciativa “Conversa com as Execuções” é para continuar. Queremos voltar a debater, de um maneira informal, questões técnicas e práticas, numa partilha de conhecimentos e experiências que resulte numa mais-valia para os profissionais que participam. Estou certa de que o projeto “Itinerário de Proximidade”, no ano 2020, terá novas edições e viajará até outros concelhos, designadamente aos distritos de Coimbra e Viseu, patenteando novos impulsos e motivações aos associados destes distritos e de todos os outros que nos queiram acompanhar, sempre com apoio das delegações distritais. Em 2020, queremos, ainda, surpreender com os “Encontros Temáticos” e com atividades de cariz cultural, lúdico e recreativo, que a diminuto prazo o CRC estimulará todos a participarem. Uma última palavra para a FoRCOP. Pretendemos manter a continuidade em 2020, com a missão de debater questões concretas como o desenvolvimento da região centro a nível económico, cultural e social. : :
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OSAE
Reflexões 2019 CONSELHO REGIONAL DE LISBOA Entrevista a João Aleixo Cândido, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Que balanço faz o Conselho Regional de Lisboa (CRL) do ano 2019? Considero que o balanço não podia ser mais positivo, até porque os objetivos que tracei para o ano que agora acabou foram cumpridos. Falo, claro, de trabalhar em prol dos associados e de uma Justiça ao serviço do cidadão. Que acontecimentos e atividades organizados pelo CRL em 2019 destaca como mais relevantes? Os acontecimentos e as atividades organizados por este Conselho Regional, em 2019, foram muitos e importantes. De entre eles, gostaria de destacar alguns. Começo pelos Fóruns de Solicitadores e Agentes de Execução. Este ano realizámos três: Algarve, no dia 2 de março, Lisboa, no dia 27 de junho, e Açores, no dia 26 de setembro. O Fórum de Lisboa estreou um novo formato, mais dinâmico, interativo e com uma orientação mais pragmática, ao qual os Açores deram continuidade. O mês de junho, mais precisamente o dia 22, trouxe o tradicional Encontro Regional de Solicitadores do Conselho Regional de Lisboa. Esta iniciativa, que marca a sua décima terceira edição, teve lugar em Castelo de Vide e Marvão e os participantes tiveram oportunidade de visitar estas lindíssima vilas medievais, o seu riquíssimo património, os seus castelos e fortalezas, as suas serras (São Paulo e São Mamede), a beleza natural
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que as rodeia, as suas imponentes escarpas, a cultura e as tradições do povo alentejano. Tenho a certeza de que foi um dia inesquecível para todos. Quero, ainda, aproveitar para falar do Almoço de Natal deste Conselho Regional. Um autêntico sucesso. Mais de uma centena de associados preencheram, por completo, no dia 14 de dezembro, a tenda panorâmica do Cristo Rei, em Almada. Esse foi também o dia em que se homenageou o Solicitador Joaquim Fernandes e todos os colegas que completaram 25 e 50 anos de profissão. Por último, mas não menos importante, quero acrescentar que este Conselho Regional participou, afincadamente, no acompanhamento ao Estágio para Solicitadores 2019/2020, na preparação e elaboração dos processos de inscrição, suspensão e cancelamento, entre outros procedimentos. Quais são os caminhos e as perspetivas que se adivinham para 2020? Em 2020 queremos continuar a melhorar tudo o que foi feito até agora. Queremos ter ideias originais e disruptivas, que marquem a diferença, mas sempre tendo a qualidade como objetivo – qualidade essa que os associados do CRL já não dispensam. Mas quero, acima de tudo, continuar a acompanhar os Solicitadores, os Agentes de Execução e o Estagiários, sempre em prol de uma melhor Justiça. : :
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OSAE 2010-2019 O retrato de uma dĂŠcada.
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REPORTAGEM / ESPECIAL RELIGIÃO A liberdade religiosa é fundamental num estado democrático. Mas o que acontece quando a lei civil e a doutrina apontam caminhos diferentes? Neste espaço, vamos revelar-lhe, ao longo de várias edições, os credos com maior representatividade em Portugal. Saiba o que defendem, no que acreditam, como vivem e qual o seu conceito de Justiça.
HINDUÍSMO:
PRATICAR O BEM COMO LEI NAMASTÊ. A SAUDAÇÃO TÍPICA DO HINDUÍSMO ABRE-NOS A PORTA PARA COMEÇAR A COMPREENDER AQUELA QUE É UMA DAS RELIGIÕES MAIS ANTIGAS E, TAMBÉM POR ISSO, MAIS COMPLEXAS DO MUNDO. DO KARMA À REENCARNAÇÃO, DO YOGA À MEDITAÇÃO, DA IMAGEM DE GANESHA, O DEUS COM CARA DE ELEFANTE QUE SIMBOLIZA SORTE E PROSPERIDADE, ÀS COLORIDAS CERIMÓNIAS, DAS ORAÇÕES À BEIRA DO RIO GANGES ÀS VARIADAS DANÇAS TODOS TEMOS MÚLTIPLAS REFERÊNCIAS DO HINDUÍSMO. CULPA TAMBÉM, REFIRA-SE, DA GLOBALIZAÇÃO, QUE FEZ ECOAR NO MUNDO OCIDENTAL OS HÁBITOS E A FILOSOFIA QUE TÊM A SUA ORIGEM NA ÍNDIA. A FORMA COMO TODAS ESTAS REFERÊNCIAS CONFLUEM NO MESMO CAMINHO EM DIREÇÃO AO MESMO DESTINO, ESSA SIM, PERMANECE OCULTA PARA A MAIORIA. DESCUBRA CONNOSCO A RELIGIÃO DA ETERNA LEI: O HINDUÍSMO. Texto Andreia Amaral / Fotografia Cláudia Teixeira / assista ao vídeo em www.osae.pt
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A PRATICAR O BEM COMO LEI
Kuntal Guiga
curiosidade estava lá. Na zona da Grande Lisboa, a maioria das pessoas já passou em algum momento pelo templo hindu, o Templo Radha Krishna. Como se estivéssemos perante um quadro, o cenário é, inequivocamente, de tranquilidade. Talvez pelo verde do jardim que destoa numa cidade de edifícios fechados, ou pela fonte que nos prende o olhar em contemplação. Talvez seja pela geometria da própria arquitetura do complexo, com a escadaria a elevar-nos, de forma calma e sem ostentação, até ao templo… Vamos entrar pelo portão lateral. Por isso percorremos os contornos do terreno. Quase junto à entrada vemos uma parede com inscrições. Estão ali os nomes de todas as religiões com representação em Portugal e percebemos imediatamente que reina a tolerância. Somos recebidos por Kuntal Guiga, aquela que será a nossa guia pela espiritualidade do Hinduísmo, que nos leva até ao vice-presidente da Comunidade Hindu de Portugal. “O Hinduísmo é mais do que uma religião. É uma maneira de estar na vida, uma filosofia de vida”, começa por explicar Ajit Hansraj. “É tentar ser um Ser melhor”, desvenda, indicando que, para concretizar esse desígnio e encontrar a divindade suprema, as pessoas podem enveredar por caminhos diferentes. Esses itinerários, através dos quais se vai conquistando sabedoria, foram passados de geração em geração, numa multiplicidade de variações e cultos que têm a sua origem na Índia e se baseiam nas tradições védicas. Estas foram, mais tarde, incorporadas nos Vedas, escrituras sagradas elaboradas aproximadamente 1500 anos antes de Cristo. Sem uma declaração de fé instituída, os conhecimentos transmitidos nos Vedas – que se relacionam com valores filosóficos, culturais e sociais – foram colocados em prática de formas diferentes pelos povos que se espalhavam no território. Por isso, o Hinduísmo, também conhecido como Sanātana Dharma (Eterna Lei), é a união das crenças e tradições étnicas. O objetivo é sempre o mesmo: a unidade suprema da vida.
“O Hinduísmo é mais do que uma religião. É uma maneira de estar na vida, uma filosofia de vida.”
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Ajit Hansraj, vice-presidente da Comunidade Hindu de Portugal
O Divino em tudo Conforme explica o vice-presidente da Comunidade Hindu de Portugal, à primeira vista, esta religião “pode ser considerada politeísta, porque tem muitos deuses”. No entanto, não é esse o caso: “Nós acreditamos num divino só, que tudo vem de um. É a mesma coisa que ter vários rios que se unem num oceano. Portanto, nesse caso seria monoteísta. Mas é mais que isso, é panteísta. O que quer isso dizer? Que existe divindade em tudo. Deus criou o planeta, criou o ser humano, Deus criou tudo, por isso, todos nós e tudo tem uma divindade. Todos nós somos parte de algo superior, somos todos criaturas de Deus.” E daí a saudação Namastê. “Saudamos a sua divindade” - explica Ajit Hansraj - “porque todos temos a divindade em nós”. Como Deus está em tudo, as pessoas depositam a sua fé nas mais diferentes formas. “Na Índia, há milhares de deuses, porque as pessoas acreditam em tudo e depositam a sua fé até numa planta ou num animal.” Por isso, o respeito por todos os seres e por todo o planeta é uma máxima inabalável.
Ajit Hansraj
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“No Hinduísmo, nós acreditamos muito no darma”, destaca Ajit Hansraj. “O darma é uma obrigação de todos, de que para estarmos bem connosco temos que fazer bem ao próximo.” E, apontando para a fotografia de um dos mais notáveis hindus, recorda: “Mahatma Gandhi já dizia 'faça bem a alguém sem saber a quem'.” Nesse espírito, entre as diversas iniciativas que a Comunidade Hindu de Portugal organiza – desde eventos desportivos, a aulas de yoga ou danças tradicionais, a mostras de gastronomia e ações de solidariedade social – todos os anos, no dia 2 de outubro, para se celebrar o nascimento de Ghandi, existe uma doação de sangue. “Estamos a doar e não sabemos qual vai ser o destino. Mas poderá salvar vidas. E é esse o espírito que nós temos, de tentar fazer bem, seja qual for a religião, o credo.” E se o darma representa o dever, o karma são as ações. “Há três tipos de karma: as nossas ações das vidas passadas, as do presente e as que teremos no futuro. É consoante o que acumulamos nas nossas ações que vamos receber, na próxima encarnação, as coisas boas e as coisas más”, complementa Kuntal Guiga, revelando outra das crenças do Hinduísmo: a reencarnação.
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“Há três tipos de karma: as nossas ações das vidas passadas, as do presente e as que teremos no futuro. É consoante o que acumulamos nas nossas ações que vamos receber, na próxima encarnação, as coisas boas e as coisas más.”
Kuntal Guiga
Os hindus acreditam que, para se libertarem do ciclo de reencarnações, têm que evoluir e alcançar uma paz mental perfeita a par de um total desprendimento dos desejos mundanos. Só nessa altura se unirão ao espírito supremo. “São as orações, as venerações, as práticas, os yogas, a meditação e as leituras dos livros sagrados que nos ajudam a aliviar os karmas que acumulamos, que nos trazem o conhecimento, que nos iluminam e libertam”, indica Kuntal Guiga. É precisamente para evitar a acumulação de karmas que a maioria dos hindus é vegetariana. Segundo o Hinduísmo, existem cinco elementos: terra, ar, água, fogo e éter.
“Não temos o direito de tirar uma vida. Qualquer Ser sofre”, explica Kuntal. “Mas quanto menos elementos tiver, menos sofre e menos karmas acumulamos”, diz, enquanto indica que os vegetais só têm um elemento. “Há que viver em harmonia, praticar sempre o bem e não acumular karmas. É isso que nos ensinam os Vedas e os nossos livros sagrados, os Puranas.” O culto dos avatares É no interior do templo que vamos compreender os Puranas, textos ancestrais com narrativas sobre as histórias dos deuses. Antes, descalçamo-nos, colocando os sapatos nas
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PRATICAR O BEM COMO LEI
múltiplas estantes que rodeiam uma das laterais do edifício. “Não é propriamente por ser um local sagrado, mas acima de tudo por uma questão de higiene”, clarifica Ajit Hansraj. Esta é, de resto, uma preocupação permanente dos hindus. Em causa está a pureza. Assim, também antes de cada oração, uma de manhã e outra ao final da tarde, há que lavar as mãos, o rosto, os braços e as pernas. É por isso que todos temos a imagem dos hindus a banharem-se nas margens do Ganges, o rio sagrado da Índia. “Fazemos todas as orações no templo e qualquer pessoa, mesmo que não seja hindu, pode vir assistir ou rezar. Mas não é obrigatório. Nada no Hinduísmo é obrigatório. Cada um faz com a sua fé”, explica Kuntal Guiga, enquanto nos abre a porta do templo. Diante nós, um conjunto de altares estende-se num festival rico de cor. “Todos os hindus têm em sua casa um altar com pequenas estatuetas das divindades”, diz Kuntal, contextualizando que é aí que geralmente fazem os rituais. “Acendemos uma vela, um incenso, colocamos, consoante as nossas possibilidades, as oferendas – que podem ser flores, frutas, frutos secos, doces, salgados, aquilo que quisermos, desde que seja 100 por cento vegetariano – e fazemos a nossa oração. Geralmente, a maioria dos crentes faz todos os dias o Arti (transcrição de Aarti) e recita o Gayatri Mantra. Depois, de acordo com a sua devoção, mantras, por exemplo, de Krishna, Rama ou Shiva.” Igualmente importante é o Om (Aum), aquele que os hindus acreditam ter sido o primeiro som no universo. “É algo que está sempre a vibrar no interior de cada ser e que devemos encontrar, através da meditação, para ter tranquilidade.” O Arti, ritual com oferendas às deidades, decorre sempre também no templo. No final, o ministro de culto, também designado sacerdote, distribui as frutas. “Essa comida abençoada chama-se prasada. É muito importante para nós recebermos um pouco e, quando isso acontece, partilhamos com todos”, assume aquela que poderia ser a nossa guru. O vice-presidente da Comunidade Hindu de Portugal explica-nos porquê. “O guru é um mestre, é um professor.” Segundo refere, os primeiros gurus estão em casa, são os pais, já que é com eles que se aprendem as primeiras coisas – aliás, o respeito pelos mais velhos e mais sábios é uma máxima do Hinduísmo e, por isso, além de no cumprimento se pedir a sua bênção, estão sempre em primeiro lugar. Os segundos gurus são os professores, que ensinam e preparam para a vida. “Depois temos o guru espiritual, uma pessoa especial que nos ajuda e que cada um escolhe. Não tem de ser o ministro de culto, podemos nomear qualquer pessoa.” Assim, habituada a levar grupos em visitas pelo templo – só de escolas há cerca de três todas as semanas –, Kuntal leva-nos junto aos altares e revela-nos a história que cada um deles conta. São memoriais às aventuras dos deuses relatadas nos Puranas e noutros livros ancestrais, como o Ramayana. “Representam os nossos deveres, os valores morais, a forma de vivermos, a ética e as nossas ações.” Entre tantas outras, ensinam a “pensar coisas boas, elevadas”, a
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“Fazemos todas as orações no templo e qualquer pessoa, mesmo que não seja hindu, pode vir assistir ou rezar. Mas não é obrigatório. Nada no Hinduísmo é obrigatório. Cada um faz com a sua fé.”
Kuntal Guiga
“nunca tomar decisões sem ver, mas sobretudo sem ouvir”, “a ficarmos calados quando há uma troca de palavras, para não estragarmos as relações, porque precisamos de tudo e de todos”, a “tomarmos conta da natureza”, a “ajudarmos os outros”, a “respeitarmos todos os seres”, a “libertarmo-nos das coisas mundanas, porque viemos à vida sem nada e nada levaremos quando morrermos”. Os deuses que ali vemos são, na verdade, avatares. “Os avatares são o mesmo Deus em épocas diferentes”, desvenda Ajit Hansraj. Conforme indica, há, por exemplo, dez avatares principais do deus Vishnu, que, com Brama e Shiva, constitui a Trindade Divina. E os avatares mais conhecidos são o deus Rama (sétima encarnação), Krishna (oitava) e Buddha (nona). “O 10.º está para vir”, revela. Kuntal complementa que a décima encarnação será no final desta era e que ainda só passámos 5553 anos dos 42 mil que a compõem. No que diz respeito ao volver dos anos, Kuntal clarifica que os hindus se regem pelo calendário lunissolar e estão agora no ano 2076. “Realizamos todas as festividades religiosas e tomamos decisões – relativas, por exemplo, ao momento de fazer um negócio ou ao dia e à hora do casamento – de acordo com o calendário e com os astros, porque há horas auspiciosas e outras que nem tanto”, assume, referindo ainda que geralmente são os sacerdotes que fazem estas leituras. Diferenças culturais Como não poderia deixar de ser, também a data de mudança do ano é móvel. O momento é assinalado com uma
celebração que une um pouco o conceito tradicional do Natal e da Passagem de Ano. O Diwali, também conhecido como Festa das Luzes, marca a vitória da luz sobre as trevas e do conhecimento sobre a ignorância. Nessa data, assinalada com fogo de artifício, as pessoas estreiam roupas novas e trocam doces entre si. Depois, há um sem-número de festividades religiosas, que se multiplicam pela infinidade de deuses venerados e são mais ou menos relevantes para cada hindu consoante as suas crenças. A diversidade do Hinduísmo reflete-se também nos rituais que compõem as cerimónias tradicionais, como o casamento, momento geralmente marcado por uma celebração que se estende por vários dias. E esta é uma união sagrada, conforme revela Kuntal Guiga: “Evita-se os divórcios, principalmente se houver filhos. Até à data, só vi dois ou três divórcios. Os amigos, os irmãos, os familiares ou até o sacerdote tentam explicar ao casal que ao longo da vida temos que estar juntos. É como uma bicicleta, uma roda apoia a outra, ou como uma canoa, que tem que ser remada pelas duas pessoas para seguir para a frente. Há sempre altos e baixos na vida, mas não se deve desanimar, porque juntos conseguimos levar o barco e ultrapassar as dificuldades.” Já no que diz respeito aos rituais relativos ao nascimento e à morte, tem sido necessário ultrapassar algumas questões em Portugal. “Os nossos bebés não têm nome à nascença. Consoante a data e a hora de nascimento, o sacerdote tira horas auspiciosas e indica duas ou três iniciais a partir das quais damos o nome ao bebé. E é no 12.º dia após o nascimento que
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fazemos esta cerimónia”, explica Kuntal, assumindo que foi necessário fazer um trabalho de sensibilização no sentido de autorizar que o registo não fosse imediato. “Até para registar nomes hindus tivemos alguns problemas. Mas hoje já há mais conhecimento, é mais fácil.” Um trabalho que ainda está a ser feito é o que se prende com a necessidade de ter um depósito de cinzas. Isto porque a tradição hindu é que o corpo seja cremado, para que o espírito se liberte, e as cinzas, ou “flores”, como as designam, sejam lançadas no Rio Ganges. Contudo, o vice-presidente da Comunidade Hindu em Portugal não tem dúvidas de que, no país, impera a liberdade religiosa. “Há um trabalho muito grande a ser feito”, diz. “A Comissão de Liberdade Religiosa é exemplar na Europa.” E prossegue: “Não existem leis perfeitas, como não existem legislações perfeitas, mas vamos aperfeiçoando. Todos nós temos os nossos problemas, mas está a tentar-se resolver esses problemas.” Atualmente, há cerca de 50 mil hindus em Portugal. E, como “no conhecimento é que está o respeito do outro”, Ajit Hansraj diz que a Comunidade Hindu em Portugal pretender “unir mais as pessoas e fazer mais pontes”. Por isso, não só o templo está aberto para receber qualquer pessoa, como se continuarão a promover, como tem sido apanágio, iniciativas culturais, sociais, desportivas e gastronómicas que permitam aproximar e dar a conhecer a comunidade hindu a todos os cidadãos. De resto, prossegue o responsável, “o Hinduísmo não converte ninguém. É uma questão de prática e quem quiser, pratica. Mas todos são bem-vindos”. : :
“o Hinduísmo não converte ninguém. É uma questão de prática e quem quiser, pratica. Mas todos são bem-vindos”
Ajit Hansraj
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ecorreu, no passado dia 11 de dezembro, a Assembleia Eleitoral dos Associados da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) beneficiários da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. Neste ato, foram eleitos os seguintes representantes da OSAE para o mandato que decorre de 2020 a 2022: - Conselho de Direção da CPAS: José Manuel Oliveira (cédula profissional n.º 917). - Conselho de Fiscalização da CPAS: Maria Helena Reis Pinto (cédula profissional n.º 3279).
A INTERVENÇÃO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO NAS EXECUÇÕES DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E TRIBUTÁRIOS
Por Susana Antas Videira, Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Consultora da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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PROFISSÃO
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constatação generalizada a excessiva morosidade dos tribunais administrativos e fiscais, ainda que os últimos dados estatísticos disponíveis revelem uma ligeira diminuição da pendência. Bosquejando a memória histórica, verificamos que foram esses mesmos constrangimentos – morosidade e pendência – que ditaram, em 2003, uma alteração de paradigma do processo executivo através da consagração de um modelo em que o papel central é desempenhado pelo agente de execução, que alia os poderes de impulso, gestão e direção da ação executiva, libertando o decisor de tarefas que não sejam estritamente jurisdicionais e, por outro lado, os funcionários de atos a realizar no exterior. Compreende-se a opção do legislador, também do ponto de vista estritamente teorético: em termos gerais, a execução corresponde a um momento “prático”, por contraposição ao momento “teórico”, de definição do direito ou da verdade, que necessariamente o antecede. Também o sistema de cobrança coercitiva de dívidas fiscais foi objeto de profunda reforma, iniciada em 2005, na sequência da titularização das dívidas fiscais ocorrida em 2003, tópico que deixamos enunciado e que, nesta sede, não importa desenvolver. Anota-se, ainda, que as execuções tributárias estão, hoje, detalhadamente reguladas pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário, decorrendo os processos perante entidades administrativas e apenas sendo submetidos aos tribunais tributários quando sejam suscitadas questões de natureza jurisdicional. Sendo que, na lição da melhor doutrina, sufragada pela jurisprudência, o processo de execução fiscal se integra, como espécie característica, no género correspondente ao processo executivo, afigura-se muito oportuno que o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro tenha traçado o papel interventivo do agente de execução no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, com o propósito de conferir maior eficácia e celeridade. Assim, com tal diploma, passou a prever-se que nas execuções que sejam da competência dos tribunais administrativos e tributários, os agentes de execução desempenham as suas funções, sem prejuízo das competências próprias dos órgãos da administração tributária (artigos 44.º, n.º 3, 49.º, n.º 3, do ETAF, e 11.º, n.º 6, do CPTA).
Não obstante, a falta de regulação posterior da disciplina prevista nos referidos artigos do ETAF e do CPTA veio reduzir a intenção do legislador a mera previsão legal, sem qualquer concretização prática. Nestes termos, e a fim de conferir eficácia e plena operatividade ao modelo que se pretendeu instituir, urge concretizar este regime jurídico, regulando-o. Com efeito, os mesmos fundamentos que militaram em 2003 para consagrar um modelo desjudicializado de ação executiva, aperfeiçoado em 2008, através do reforço da posição do agente de execução, e a opção assumida em 2005 de proceder à tramitação do processo de execução fiscal nos serviços da administração tributária justificam que se concretize e regulamente a atribuição, já prevista na lei, da promoção e prossecução do procedimento de execução fiscal [também] aos agentes de execução, aproveitando, ademais, as garantias de isenção na condução do procedimento. A independência do agente de execução é, desde logo, afirmada pela jurisprudência constitucional, que considera que as exigências que caracterizam a [sua] atividade são salvaguardadas pelas regras de deontologia profissional que os vinculam, constantes do seu Estatuto, conforme se lê no acórdão n.º 199/2012, de 24 de abril. Com efeito, sem se pretender questionar a isenção e a imparcialidade da administração tributária, suficientemente alicerçada no princípio da legalidade, a atribuição – efetiva e real, em concretização do já hoje previsto na lei – aos agentes de execução de competência neste domínio significa imparcialidade e objetividade, por força quer da configuração deontológica dos seus deveres quer da posição de terceiro que ocupam. No plano dos factos potencia, ademais, um acréscimo de eficiência, atenta a experiência avolumada na condução da ação executiva, a qual já superou 15 anos. E a administração da Justiça não pode prescindir de soluções que reforcem a confiança, a eficácia e a celeridade, a fim de contrariar a opinião generalizada de que a justiça humana se tornou tão lenta, tão lenta, que [pode] ombrear com a Justiça divina, conforme advertiu Sua Excelência o Presidente da República, na Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial, em janeiro de 2020. : :
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ENTREVISTA
“A profissão de Solicitador é maravilhosa”
JOAQUIM FERNANDES Solicitador, Agente de Execução, Contabilista, Professor… As profissões multiplicam-se em facetas de um homem cujas maiores ambições sempre foram o conhecimento e o amor. Dedicado, lutador, de sorriso na cara e piada na manga, enquanto trilhava o seu percurso para o sucesso, abria caminho para que tantos outros o seguissem. Foi presidente do Conselho Regional do Sul da então Câmara dos Solicitadores durante seis anos, presidente da Mesa da Assembleia Regional do Sul por outros tantos, foi tesoureiro do Comité dos Postulantes da Justiça da Europa e esteve envolvido na criação do Solicitador de Execução. Escreveu uma sebenta de Deontologia, formou um sem-número de Solicitadores e foi patrono de muitos outros. Assim é Joaquim Fernandes, homem que Lardosa viu nascer para se tornar o profissional reconhecido e o amigo querido. Entrevista Andreia Amaral
assista ao vídeo em www.osae.pt
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Nasceu em Lardosa, em Castelo Branco, há 75 anos. Como foi a sua infância? A minha infância foi muito alegre, mas extremamente pobre. Quando nasci, o meu pai adoeceu logo e eu tive que ir para Vale de Prazeres, onde vivia a minha avó paterna. Fui criado com ela até por volta dos 10/11 anos. Nesse lapso de tempo, e como era normal na altura, fui pastor. Talvez seja a profissão mais bela que se pode ter, ser pastor naqueles lugares… Entretanto, o meu pai melhorou e fui viver para ao pé dos meus pais. Ele, que não sabia uma letra, mas foi sempre um homem de progresso, disse que eu tinha de ir estudar. Falou com uma prima afastada da minha mãe que vivia em Castelo Branco e ela aceitou-me como hóspede, mas um hóspede que tinha que dormir num colchão no chão e que vivia de um cabaz que todas as semanas a mãe mandava… Tirei o Curso Geral do Comércio. Fiz seis anos em cinco, porque compreendi perfeitamente o sacrifício da minha família. Do mesmo modo que fiz isto em Castelo Branco, fiz isso em Lisboa. Uma vizinha da minha mãe ofereceu-me a casa para eu poder estudar cá. Como tive muita dificuldade em encontrar emprego, acabei por tomar conta de duas crianças para poder estudar. Depois, a senhora encontrou uns jovens estudantes para eu dar explicações de cálculo financeiro, até porque estava a tirar a secção de Economia e Finanças. O primeiro fato e os primeiros sapatos que tive em Lisboa foi a senhora que mos comprou. Entretanto, consegui entrar na Mocidade Portuguesa e, mais tarde, nos Hospitais Civis de Lisboa. Tudo isto antes da tropa. Na verdade, quando depois veio a vida militar, como não podia trabalhar, era o meu compadre quem me governava. Como se vê, a minha vida não foi muito fácil… Mas isso nunca o demoveu dos estudos. Sempre ambicionou mais conhecimento? Sempre. Também tive a felicidade de os meus patrões perceberem o benefício dos estudos. Estive 35 anos à frente dos serviços jurídicos da Fima, Lever e Iglo [ndr: atual Unilever Fima], onde me trataram com um carinho invulgar. Quando tirei o curso de Solicitador tinha que faltar algumas vezes, até porque tinha de ir ao estrangeiro. Na altura, o próprio Elísio Alexandre Soares dos Santos, que faleceu há pouco tempo, disse-me que o que eu fizesse era bom para a empresa também. Nunca me esqueci disso. Adorei a postura dele. O que o levou a seguir a área da Solicitadoria? Uma mulher, a culpa é sempre de uma mulher!... [risos] Foi uma prima de uma prima minha que me falou nisso. Disse-me que, já que eu trabalhava nos serviços jurídicos, devia ser Solicitador. Na altura, perguntei-lhe o que era e ela disse-me que era uma especialização muito mais rápida do que tirar o curso de Direito. Informei-me e achei que realmente fazia sentido. Tirei o curso no CEJ [Centro de Estudos Judiciários], onde tinha aulas às sextas e aos sábados. Na altura, as aprovações eram
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por unanimidade, não eram por valores, e fiquei bem. Gostei muito de fazer o curso, até porque fiz muitos amigos. Mas a nível profissional também foi muito importante, porque, a partir daí, o Sr. Soares dos Santos entendeu que eu, já sendo Solicitador, tinha mais competências para dirigir o departamento e assumi esse cargo. E como começou a aventura na então Câmara dos Solicitadores? Foi pouco depois. Fui a um congresso em Las Palmas, onde fui abordado pelo Amílcar Costa, antigo Presidente do Conselho Geral, e por um colega excecional de Odemira. Disseram-me que eu tinha que ir para a Câmara, porque precisavam de uma pessoa que soubesse de contabilidade e fiscalidade. Após falar com a minha mulher, aceitei o desafio. A partir daí, fui o tesoureiro da Câmara dos Solicitadores. Nessa altura, já se tinha começado a organizar os cursos da Câmara, que foi o que projetou a entidade a nível nacional. Foi também a esse trabalho que dei continuidade quando, mais tarde, me tornei presidente do Conselho Regional do Sul [CRS], depois de ter sido convidado para me candidatar e de ter merecido a concordância dos colegas. Sobre essa altura, não posso deixar de destacar que tive um colega excecional, o Solicitador Rui Carvalheiro. É um homem muito íntegro e foi quem sempre me apoiou. Convidámos pessoas magníficas para darem os cursos. Tínhamos um naipe de professores tão excecional que até as faculdades o reconheciam. Esta foi uma área de particular foco durante o tempo em que foi presidente do CRS, mas que também esteve sempre presente na sua vida. Sempre quis trabalhar com formação e ensino? Sim, gosto muito de ensinar! Cheguei a ser professor primário de adultos, na sequência de um convite do então Ministério do Exército. Fui professor em faculdades e formador, além de na Câmara, em muitos locais. Já no âmbito da minha permanência como presidente do CRL, porque fui reeleito, também fui convidado pela Soprofor para dar formação em Paris a licenciados filhos de emigrantes portugueses na área contabilística, de direito comercial, do registo e notariado. Mais tarde, pertenci à Comissão de Avaliação do Ensino Superior, com o Prof. Dr. Adriano Moreira. Foram todas experiências muito boas e que me permitiram fazer grandes amigos. Mas a profissão que eu mais gostava de ter era médico. Só que chumbei sempre no exame de admissão. Foi esse vazio que o levou a ser tão ativo profissionalmente e em tantas frentes? Sabe, quando nós na vida não temos nada, queremos saber tudo. E o que mais admiro nas pessoas, quando falam comigo, é evidenciarem-me coisas que eu não sei. Admiro muito quem sabe mais do que eu. Gosto de ouvir e receber conselhos. Claro que depois analiso interiormente as coisas e sou eu quem decide, mas é bom ter outras perspetivas.
ENTREVISTA COM JOAQUIM FERNANDES
Admiro muito quem sabe mais do que eu. Gosto de ouvir e receber conselhos. Claro que depois analiso interiormente as coisas e sou eu quem decide, mas é bom ter outras perspetivas. Por exemplo, também sou amante de museus e já conheci muitos… Felizmente, talvez seja das pessoas que mais têm viajado, porque eu não vivo para amealhar, eu vivo para conhecer. E sou apologista de que se deve dar o conhecimento todo à juventude, de modo a formá-los para terem uma vida melhor e mais consentânea com as suas possibilidades. É esse tipo de conduta que defendo. E tenho esta necessidade de transmitir esses conhecimentos, esta forma de estar, de viver e respeitar os outros, sobretudo ao meu filho e às minhas netas. Sempre levei a minha vida de acordo com uma máxima: nunca gastar mais do que aquilo que tenho. E essa é uma das mensagens que transmito na Sebenta de Ética e Deontologia que escrevi. De resto, este é um tema que sempre acarinhou… Que mensagem quer transmitir? Sim, a ética das pessoas e das empresas é um tema que adoro desde sempre. No estágio da então Câmara dos Solicitadores fui responsável exatamente por esta área. Acho que todos temos que ter ambição, mas esta não se deve transformar em ganância. Deve ser uma ambição com sensibilidade e não desmedida. E, se dentro das nossas pos-
sibilidades pudermos ajudar, devemos ajudar. Não ficamos mais pobres por isso. Acha que são características particularmente importantes para o Solicitador e para o Agente de Execução? São. Por exemplo, numa problemática de um processo executivo, se for atendido por um velhinho ou por um menor, sou incapaz de entrar ou de perguntar alguma coisa. Só deixo um papel para ser transmitido à família, para que depois me telefone. Acho que as crianças e os idosos não têm que ter responsabilidade. Não é chegar e dizer “Sou Agente de Execução. Vamos limpar isto tudo…” Eu sei que isso existe, mas eu sou incapaz de fazê-lo. São temas muito delicados, que mexem com as vidas das pessoas e muitas vezes geram atos irrefletidos. Como tal, estas profissões, que são de risco, exigem grande sensibilidade, calma e conhecimento. Veja, eu até já estive sequestrado duas vezes… Nunca teve vontade de desistir? Não, nem pensar. Isso seria contranatura. E não tenho medo, tenho algum receio. Penso que a educação e o diálogo vencem tudo. No fim, as coisas resolvem-se e as pessoas
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ENTREVISTA COM JOAQUIM FERNANDES
Solicitador era o homem pobre da profissão, do Direito. Hoje é um homem nobre na profissão. Digo que o Advogado deveria ser o teórico para a barra do tribunal, nós deveríamos ser os profissionais práticos para tudo. Fazemos mesmo muita coisa. É óbvio que não sabemos tudo, mas eu não tenho qualquer problema em encaminhar um cliente para um colega que esteja mais por dentro do assunto. Fico muito feliz mesmo, primeiro porque não perdi o cliente – sabe que sou honesto –, depois porque ajudo a pessoa e um colega. Todos ganhamos. Temos que ser colaborativos!
pagam. Mas já estive em situações complicadas, até acompanhado pela Polícia. Acima de tudo, temos que pensar muito bem nas coisas que vamos dizer, porque cada palavra conta. E o que o levou a ser Agente de Execução? Enquanto presidente do Conselho Regional do Sul tinha participado nas negociações com os Huissiers de Justice sobre a ação executiva. Era uma coisa nova e sempre achei que iríamos abarcar, não só a área executiva, como a área da constatação, da qual sou apologista – o processo executivo é mais agressivo, porque nós temos que atuar e, muitas vezes, vamos penhorar aquilo que não existe. Se não estou em erro, na altura até já tinha idade para me reformar, mas apesar disso achei que fazia sentido. E gosto. Gosto de tudo o que faço, porque também sou contabilista [risos]. Interesso-me por muitas áreas, porque acho que, se souber, escuso de perguntar. É uma questão de satisfação pessoal. Para si, o que é ser Solicitador? A profissão de Solicitador é maravilhosa. Acho que os Solicitadores não se devem sentir diminuídos, nem em formação, nem em cultura, face às outras profissões liberais. E eu que lidei com quase todas, porque fiz também parte do Comité das Profissões Liberais do Ministério da Educação, do Prof. Dr. Oliveira Martins, acho mesmo que é uma profissão muito digna, que recebe muita formação e conhecimentos. Nesta área é preciso ser um eterno estudante? De facto, é preciso uma atualização constante. Não concordo muito com esta permanente mudança legislativa – ninguém consegue aprender a lei e quando ela é aplicada é desvirtuada, porque uns dizem que é de uma forma, outros de outra –, mas a verdade é que ela existe. Se um Solicitador ou um Advogado estiver um mês sem rever a legislação, perde por completo a carruagem. E hoje, com a internet, é muito mais fácil acompanhar essas alterações. Acha que a profissão mudou muito? Teve uma evolução mesmo muito grande. No passado, o
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Como viu a passagem da Câmara a Ordem? Acho que foi uma grande dignificação da profissão. Mas tenho que dizer que isso foi obra de um homem invulgar que a Ordem tem: o José Carlos Resende. Todos os outros foram bons dirigentes e colegas, mas como o José Carlos Resende não há nenhum. É o homem certo para o lugar certo. No seu caso em particular, que contributo é que acha que deixou? Acho que o maior contributo que deixei foi a amizade aos meus colegas, foi o meu maior contributo para eles e deles parar mim. É o que levo. Gosto de todas as profissões que faço, tento embrenhar-me nelas, mas o mais importante é isso. Foi tesoureiro do Comité dos Postulantes da Justiça. Como definiria a classe em relação aos congéneres internacionais? Penso que em termos de tecnologia, estamos melhor. Temos programas na ação executiva únicos, que eles não têm. Aliás, nesse aspeto, somos um exemplo para o mundo jurídico. Que desafios acha que a Ordem e os profissionais enfrentam atualmente? Lentamente, os processos executivos vão diminuindo, porque as pessoas consciencializaram-se, de uma vez por todas, de que dever é péssimo e vão gerindo as suas vidas de outra forma. Cada vez haverá menos processos executivos e, logo, menos Agentes de Execução. Sou contra a distribuição maciça e acho que deve haver um levantamento dos escritórios de cada um para saber quantos processos conseguem e devem ter. Entendo também que o Agente de Execução trataria bem, e deveria tratar, os processos na área fiscal e administrativa. Que conselhos deixaria aos novos profissionais? Aconselho sempre a trabalharem em conjunto, nomeadamente a formarem sociedades. Hoje, com a evolução da legislação, não conseguimos abarcar tudo. É preferível estarmos associados a outros colegas, porque a resolução dos problemas torna-se mais fácil. A especialização e a colaboração são o ideal no futuro. Depois, o meu conselho é que sejam sempre honestos. É essa a minha postura: honestidade acima de tudo. : :
O IFBM EXPLICA…
O IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES (IRS)
Por Francisco Serra Loureiro, Solicitador e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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que em tempos se afigurava como uma verdadeira missão impossível, nomeadamente com a necessidade de arquivar e, posteriormente, apresentar um imenso rol de documentação junto dos Serviços de Finanças, tornou-se, hoje, numa tarefa muito mais simples graças à evolução tecnológica e à desburocratização material promovida pela Autoridade Tributária. No entanto, não podemos descurar uma série de cuidados a ter com a entrega do IRS. Além dos rendimentos decorrentes do trabalho dependente ou dos rendimentos empresariais e profissionais, existe um enorme conjunto de rendimentos a considerar para efeitos de IRS: os juros, as rendas e as mais-valias derivadas da venda de um prédio são alguns exemplos. Há, portanto, necessidade de se ter um cuidado redobrado na entrega da declaração, de forma a certificar que estes dados estão devidamente incluídos nos anexos correspondentes. Mas o zelo a ter com a entrega do IRS não se limita ao seu conteúdo. Devemos, também, ter em conta alguns prazos que devem ser respeitados em todo este processo. Assim, caso o seu agregado familiar sofra alguma alteração, o contribuinte deve comunicar à Autoridade Tributária, até ao dia 15 de fevereiro, essas mesmas alterações, tendo em consideração a sua composição no dia 31 de dezembro do ano a que o imposto diz respeito. Posteriormente, deve-se ter em atenção que, até ao dia 25 de fevereiro, o contribuinte deve verificar e confirmar as suas faturas no portal e-fatura, podendo, inclusivamente,
até dia 31 de março, não só reclamar dos valores associados aos benefícios pela apresentação de fatura, como também reclamar dos valores das deduções à coleta que são relativos às apelidadas despesas gerais. Devemos ter particular atenção a este ponto, pois todas as deduções são relevantes para a consideração final do imposto a pagar ou a receber pelo contribuinte. Falamos de diversos tipos de deduções que são, de facto, bastante abrangentes. Nestas incluímos, além das despesas gerais familiares, outras deduções específicas, como são as despesas suportadas com educação, saúde, lares, encargos com imóveis ou mesmo as deduções pela exigência legal de fatura suportadas pelo agregado familiar. Chegados a abril, começa a decorrer o prazo para a entrega da declaração, o qual termina a 30 de junho. Findo este prazo, a Autoridade Tributária procede à liquidação do imposto. Apurado o valor a pagar ou a receber pelo contribuinte, desde que observados os prazos estipulados legalmente, a emissão do eventual reembolso será efetuada até 31 de agosto, salvo se a declaração for entregue para além do prazo mencionado anteriormente. Pese embora se observe, atualmente, a manifesta simplicidade da entrega deste relevante imposto, é conveniente ter atenção a todas as regras e prazos para boa salvaguarda dos interesses do contribuinte e da Autoridade Tributária, de modo a evitar possíveis dissabores. Assim, para que tudo seja conduzido de forma célere e eficaz, respeitando todos os preceitos legais, sabe que pode sempre contar com a ajuda de um Solicitador. Porque já sabe, um Solicitador, todos os serviços. : :
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TOMADA DE POSIÇÃO AGRESSÕES A AGENTES DE EXECUÇÃO COM PODERES PÚBLICOS E ASSISTÊNCIA DA FORÇA PÚBLICA NO CONTEXTO DE PROCESSOS DE EXECUÇÃO
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Union Internationale des Huissiers de Justice outubro 2019
riada em 1952, o objetivo da Union Internationale des Huissiers de Justice (UIHJ) é representar os seus membros em organizações internacionais e garantir a colaboração com órgãos profissionais nacionais. Trabalha para melhorar o direito processual nacional e os tratados internacionais e empenha todos os esforços na promoção de ideias, projetos e iniciativas que visem o progresso e a elevação do estatuto independente dos agentes de execução com poderes públicos. Ninguém deve fazer justiça por si mesmo. Para esse fim, a principal missão do agente de execução com poderes públicos é assegurar a execução de decisões judiciais e de outros títulos executórios em nome do credor. É por isso que as Diretrizes de 17 de dezembro de 2019 sobre a Execução da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ) do Conselho da Europa defendem que os agentes de execução sejam as únicas autoridades competentes na matéria e que realizem todos os procedimentos de execução (ponto 33). A esse respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considera que os agentes de execução com poderes públicos “trabalham para garantir a administração adequada da justiça, o que os torna um elemento essencial do Estado de Direito”.1 Esta tarefa essencial de executar decisões judiciais não é isenta de perigo, longe disso. Em todos os países, demasiados agentes de execução com poderes públicos são vítimas de violência verbal ou física. Algumas são incapacitantes, outras resultam em deficiências irreversíveis e outras, infelizmente, são mortais. As Diretrizes da CEPEJ sobre Execução (ponto 16) consideram que “todos os agentes que possam vir a estar envolvidos nos procedimentos de execução (polícia, especialistas, tradutores, intérpretes, autoridades locais, seguradoras de risco, especialistas em cuidados infantis, etc.) devem ter estatuto legal suficiente por forma a auxiliar o agente de execução e devem estar prontamente disponíveis, caso a sua ajuda seja necessária para a execução de uma decisão”.
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O artigo 13.º do Código Mundial de Execução estabelece que “sob sua responsabilidade, o Estado deverá garantir a assistência das autoridades públicas aos profissionais responsáveis pelas execuções”2. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu em vários casos que o Estado é responsável pelo bom funcionamento e eficiência do sistema de execução. Essa responsabilidade também envolve a assistência das autoridades públicas, quando necessário. As forças de ordem pública devem ser colocadas à disposição do agente de execução com poderes públicos e devem garantir a sua segurança.3 Apesar desses princípios e das opiniões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a agressão e o uso de violência contra pessoas que representam a autoridade do Estado, incluindo agentes de execução com poderes públicos, persistem em alguns países. Além disso, a assistência policial é fraca ou inadequada em vários Estados. Um sistema eficaz de execução deve ser considerado um Direito Humano sob, por exemplo, o artigo 6.º da Convenção sobre Direitos Humanos. A execução de decisões judiciais por um agente de execução com poderes públicos é essencial para o bom funcionamento da nossa sociedade. Toda a violação, verbal ou física, da integridade de um agente de execução com poderes públicos no exercício de funções constitui um ataque ao Estado de Direito e deve ser severamente combatida e punida. No âmbito de uma boa administração da justiça, é essencial que os agentes de execução com poderes públicos que assim o solicitem obtenham sem demora a assistência da polícia para garantir não apenas a sua proteção, mas também das partes em execução e uma implementação normal das medidas de execução. A esse respeito, a UIHJ considera que: • A agressão e a violência contra agentes de execução com poderes públicos nunca devem ser toleradas; • Os atos de agressão e violência contra agentes de execução com poderes públicos devem levar a processos contra os autores de tais atos. As autoridades judiciais devem poder agir proporcionalmente em caso de violação dos
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padrões de boa conduta por parte de qualquer pessoa no decurso da execução; O Estado é responsável pela proteção dos agentes de execução com poderes públicos durante o exercício das suas funções; A assistência constante por parte das autoridades públicas (incluindo da polícia) deve ser garantida; Quando necessário, em caso de risco previsível de agressão contra um agente de execução com poderes públicos, as autoridades estatais (incluindo a polícia) devem prestar assistência ao agente de execução com poderes públicos como medida preventiva; As autoridades públicas devem prestar a máxima atenção à prevenção da violência e agressão contra agentes de execução com poderes públicos, por exemplo, empregando os meios (legais) das autoridades locais no campo da prevenção ou mediante consulta conjunta entre o agente de execução com poderes públicos e as autoridades. : :
1 Pini e outros / Roménia (22 de junho de 2004, requerimentos 78028/01 e 78030/01) 2 Código Mundial da Execução, UIHJ, 5 de junho de 2015 3 Ver, por exemplo, o caso Pini e Bertani e Atripaldi / Roménia (22 de junho de 2004, requerimentos 78028/01 e 78030/01), em que o Tribunal concluiu: "O Tribunal considera que tal conduta em relação aos agentes de execução com poderes públicos, que trabalham para garantir a administração adequada da justiça, o que os torna um elemento essencial do Estado de Direito, é incompatível com a sua posição de agentes da lei e que devem ser tomadas medidas contra os responsáveis. Como tal, é responsabilidade do Estado tomar todas as medidas necessárias para que os agentes de execução com poderes públicos possam realizar a tarefa que lhes foi confiada, garantindo-lhes, em particular, a assistência efetiva de outras autoridades que possam apoiar a execução quando as circunstâncias o exigem, na falta das quais as garantias de que o litigante gozou durante a fase judicial do processo perdem o seu propósito."
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RELAÇÃO JURÍDICA FISCAL – QUAL O PAPEL DO SOLICITADOR?
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Por Pedro Afonso, Solicitador
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relação jurídica fiscal pode ser analisada a partir de diversas perspetivas, nomeadamente tendo em conta os seus titulares (ativos), os sujeitos (passivos), o conteúdo e as relações em que a mesma se desdobra. Mas de que forma se pode consubstanciar o papel do Solicitador junto da Administração Tributária? Desde logo, através do mandato tributário, que se encontra previsto no artigo 5.º, n.º 2, do CPPT, que possibilita os Solicitadores a exercê-lo. Por outro lado, e paralelamente ao artigo 40.º do CPC, o artigo 6.º do CPPT, antes da redação dada pela Lei nº 118/2019 de 17/09, estatuía que “é obrigatório a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo”. Como sabemos, a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é igual à alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em processo civil, ou seja, 5.000,00€. O que limitava, assim, a intervenção do Solicitador nas causas até 10.000,00€. Não obstante, com a redação dada pela Lei nº 118/2019 de 17/09, alterou-se as regras do patrocínio judiciário e representação em juízo, sendo obrigatório a constituição de mandatário nos tribunais tributários nos termos da Lei Processual Administrativa. Atualmente, nos tribunais administrativos, conforme previsto no artigo 11º do CPTA, é obrigatório a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, correspondendo assim ao previsto no artigo 40.º do CPC. Por outro lado, o Solicitador pode atuar como representante fiscal dos residentes no estrangeiro, bem como de residentes no território nacional que se ausentem deste por período superior a seis meses, e ainda de pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a atividade, conforme estatui o n.º 6 do artigo 19.º da LGT. Não obstante, devemos referir que a representação deixou de ser obrigatória, passando a ser meramente facultativa, nos termos do n.º 8 do artigo 19.º da LGT, em relação
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a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia (UE) ou do Espaço Económico Europeu (EEE). Neste último caso, desde que esse Estado membro esteja vinculado à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da UE, na sequência do Acórdão do TJUE de 5 de maio de 2011, no processo n.º C-267/2009, que opôs Portugal à Comissão Europeia, considerando discriminatório e contrário à livre circulação de pessoas e capitais na UE. O exercício da representação, legal ou voluntária, encontra-se em estreita relação com o princípio da boa prática tributária, que está consagrado no artigo 32.º da LGT, o qual incumbe aos representantes das pessoas singulares, e a quaisquer pessoas que exerçam funções de administração em pessoas coletivas ou entes fiscalmente equiparados, o cumprimento dos deveres tributários das entidades que representam. Um dever que tem, de resto, específicas concretizações, nomeadamente no âmbito da responsabilidade tributária, conforme o artigo 22.º da LGT. Dessa forma, levanta-se, desde já, a questão de saber se o Solicitador, no exercício da representação legal ou voluntária, é responsável pelas dívidas tributárias, juros e demais encargos legais dos seus clientes. Ora, o Solicitador, apesar de ser qualificado como sujeito passivo das múltiplas e diversificadas obrigações ou deveres acessórios, previsto no artigo 123.º do CIRS e 126.º do CIRC, não é considerado como responsável tributário, nos termos do artigo 22.º da LGT. A sua responsabilidade circunscreve-se ao cumprimento das obrigações acessórias previstas nos artigos 112.º do CIRS e artigo 117.º do CIRC, bem também do nº 2 do artigo 31º da LGT. Por outro lado, não devemos confundir a representação fiscal com a responsabilidade fiscal, esta última presente na figura do gestor de bens ou direitos, artigo 27.º da LGT, onde são solidariamente responsáveis em relação a estes e entre si, por todas as contribuições e impostos dos não residentes relativos ao exercício a seu cargo. A Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, teve um papel importante, em virtude de ter vindo revogar o n.º 3 do
artigo 27.º, que estabelecia a presunção entre o representante fiscal e o gestor de bens ou direitos. O representante fiscal do não residente, quando pessoa diferente do gestor dos bens ou direitos, devia obter a identificação deste e apresentá-la à AT, bem como informar no caso da sua inexistência, presumindo-se, salvo prova em contrário, gestor dos bens ou direitos na falta destas informações e, consequentemente, responsável tributário nos termos do artigo 22.º da LGT. Não se deverá confundir, assim, a prática de atos jurídicos através do mandato com a gestão de uma entidade não residente. O gestor de bens e direitos pratica atos de gestão, enquanto que o Solicitador pratica atos próprios, definidos por Lei. No âmbito da renúncia, o Oficio n.º 90026 2019-02-07 estabelece que, nos termos do n.º 9 do artigo 19.º da LGT, o representante pode renunciar à representação nos termos gerais, mediante comunicação escrita ao representado, enviada para a última morada deste. Torna-se eficaz relativamente à AT quando lhe for comunicada, devendo esta, no prazo de 90 dias, proceder às alterações, desde que tenha decorrido pelo menos um ano desde a nomeação ou tenha sido nomeado novo representante fiscal. Estes requisitos são de preenchimento obrigatório, para os não residentes pertencentes a países terceiros. Aos representantes fiscais de não residentes pertencentes a Estados Membros ou a residentes que se ausentem para Estados Membros da UE ou do EEE, desde que esse Estado Membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da UE, a renúncia basta-se somente com a sua comunicação, acompanhada da prova de que a mesma foi dada a conhecer ao representado, tornando-se eficaz quando comunicada à AT. A comunicação de renúncia deve ser feita por meio idóneo, ou seja, carta registada com aviso de receção. Em sede de IVA, deve ainda demonstrar que deu conhecimento ao representado da renúncia à procuração e, consequente, extinção da mesma. Esta indicação tem de constar expressamente da comunicação efetuada, dada a natureza da representação fiscal em sede de IVA. : :
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TECNOLOGIA CORREIOS MAIS OU MENOS ELETRÓNICOS Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e 1.º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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onfigurar uma conta de correio eletrónico numa aplicação cliente de e-mail (como o Outlook, o Thunderbird ou o Gmail) é essencial para mantermos uma boa gestão de contactos, agendas e claro, comunicações. Contudo, no momento de fazer essa configuração, siglas como SMTP, IMAP, ou POP3 podem assustar e fazer com que percamos a vontade de percorrer esse processo de configuração. Por isso, vamos desmistificar o funcionamento do serviço de correio eletrónico, explicando o significado de cada uma destas siglas e ajudando a perceber qual o melhor serviço para si. Se não está familiarizado com estes conceitos, esta pode ser uma boa oportunidade de aprender uma coisa nova e, quem sabe, começar a ajudar os seus familiares, amigos e colegas a otimizarem a gestão das suas contas de correio eletrónico. Vamos a isso? ENVIO DE CORREIO (SMTP) Quando enviamos uma mensagem de correio eletrónico, estamos a dar uma indicação ao servidor onde é feito o alojamento da nossa conta de que deve comunicar com outro servidor onde está alojada a conta de correio eletrónico do destinatário. Para que essa comunicação entre servidores diferentes faça sentido, é necessário que ambos reconheçam o mesmo protocolo de comunicação. No correio eletrónico esse protocolo de envio é o SMTP (Simple Mail Transporte Protocol). Numa comparação simples, o protocolo SMTP é a versão eletrónica das comunicações entre os diversos postos de correios, espalhados pelo mundo. Como uma espécie de selo postal que permite que as comunicações sejam postas em circulação. Simples, não?
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PROFISSÃO
RECEÇÃO DE CORREIO ELECTRÓNICO (IMAP/POP) Agora que o seu posto de correios (servidor de e-mail) já recebeu a mensagem, ela foi colocada no seu apartado pessoal (conta de e-mail). Pode optar por ir ver a mensagem aos correios e manter o original no apartado ou pedir que o carteiro lhe traga a mensagem a casa, que é como quem diz configurar um serviço de IMAP ou POP3, conforme as suas necessidades. Alguns servidores de correio eletrónico também permitem o acesso direto ao seu apartado através de uma página de webmail. Contudo, manter apenas esta opção pode ser muito limitador e por isso é bom considerar todas as suas opções. – IMAP O serviço IMAP (Internet Message Internet Protocol) é o tal que lhe permite ligar-se ao posto de correios para ver as mensagens que recebeu no seu apartado e por isso só funciona se tiver acesso à internet. Permite sincronizar as mensagens que tem no servidor de correio eletrónico com os dispositivos onde o configurou, que é como quem diz conseguir ver e gerir o correio sem ter que o tirar do apartado no posto de correios. Como o que o IMAP faz é ligar-se ao servidor de correio eletrónico para aceder e gerir as pastas que aí se encontrem, dizemos que comunicação via IMAP é bidirecional. Tenha em atenção que todas as alterações que faça num dos dispositivos configurados, são espelhadas no servidor e vice-versa. Com o serviço de IMAP pode ver a mesma mensagem em vários dispositivos, mantendo-a armazenada no servidor de correio eletrónico o que pode levar ao entupimento da sua caixa de e-mail (ou apartado postal). Ao fim de algum tempo corre o risco de ter o funcionário do posto de correios a queixar-se que “isto não é sítio para guardar as suas cartas!” ou a pedir-lhe mais dinheiro por esse serviço.
– POP O POP3 (Post Office Protocol) é como um carteiro pessoal que poderá colocar a fazer o trajeto que considerar mais adequado para si. É por isso um protocolo de comunicação unidirecional, em que mensagens chegam ao servidor (posto de correios) e são imediatamente transportadas para a sua morada (aplicação de cliente de e-mail). Como o POP3 (carteiro) leva as suas mensagens, elas não ficam a ocupar espaço no servidor (posto de correios). Tenha em atenção que este carteiro só transporta as novas mensagens que cheguem à caixa de entrada. Se tiver outras pastas criadas no servidor e as quiser transferir, terá que o fazer manualmente. Uma das maiores vantagens desta funcionalidade é garantir que a sua caixa de correio eletrónico nunca fica cheia. Outra vantagem é que não precisa de internet para consultar as mensagens que já foram recolhidas pelo seu carteiro e entregues na sua aplicação de cliente de e-mail. Agora que já sabe que não há assim tantas diferenças entre o correio eletrónico e o correio postal, talvez tenha mais carinho pelo seu servidor/posto dos correios, consiga começar a tratar por tu o seu carteiro/POP3 e tenha cuidado para não ocupar todo o espaço do seu apartado/caixa de correio electrónico. : : Servidores de correio eletrónico – Postos dos correios Caixa de e-mail – Apartado SMTP – Selo e características da carta IMAP – Serviço de acesso remoto ao apartado POP3 – Serviço de entrega do correio por carteiro
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SOLICITADORES ILUSTRES AYRES DE OLIVEIRA “A persistência é o caminho do êxito” Charles Chaplin
Por Miguel Ângelo Costa, Solicitador, Agente de Execução e Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
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a génese e na vida das grandes instituições sempre existiram, na sua estrutura, pessoas que, pela visão, capacidade organizativa, inteligência, persistência e amor à causa, cimentaram pilares que perduraram, robustos e sólidos, com grande prestígio perante a sociedade. Ayres de Oliveira nasceu no dia 10 de junho de 1891, em São Pedro de Sul. Como grande parte dos beirões – dado as circunstâncias do interior rural que, naquela época, poucas esperanças dava a uma população cada vez mais empobrecida –, só lhe restava uma de duas saídas: a emigração para o Brasil ou a migração para uma grande cidade do país. E é assim que, desde muito novo, Ayres de Oliveira se vê a labutar num escritório de um advogado na baixa lisboeta, nos princípios do século XX. Em 1912, já como ajudante de solicitador – profissão reconhecida por decreto de 3 de março de 1842 – e conjuntamente com outros colegas, mais tarde solicitadores de grande prestígio, como Rolando Silva,* José Caetano Marques, Alberto A. May Totta e Duarte Rodrigues, “absolutamente convencidos da justiça de sua causa”, reivindicam que os ajudantes de solicitadores com mais de 10 anos de prática sejam nomeados solicitadores encartados. (1) Esta reclamação tinha razão de ser. À data, só em Lisboa, por cada solicitador encartado existiam três ajudantes, cuja atividade era idêntica à do encartado. O encartado tinha competência legal, o não encartado tinha competência de facto. (2) Em 1919, depois de ser incorporado no exército como Sargento durante a 1.ª Grande Guerra Mundial e mobilizado para África, “comendo o pão que o diabo amassou em campanha, em zona tórrida, passando mal e bebendo
as águas lamacentas com micróbios das febres“ (3), por despacho no Diário do Governo de 12 de julho, é nomeado solicitador encartado para a Comarca de Lisboa, exercendo esta profissão até à sua morte, a 10 de março 1971. Foram mais de 50 anos de profissão e de serviço à classe, nunca virando a cara e nunca dizendo não. Vemo-lo a colaborar, empenhadamente, no primeiro Regulamento da Câmara dos Solicitadores, inserido no Estatuto Judiciário de junho de 1927. Fez ainda parte, durante o triénio de 1937/39, do Conselho Diretivo da então Câmara dos Solicitadores do Distrito Judicial Lisboa, passando a presidir os seus destinos nos anos de 1943 e 1944. Sempre se mostrou, perante os colegas de todo o país e perante o exterior, um defensor acérrimo da valorização dos solicitadores. “E foi, a partir dessa data, por assim dizer, que o seu valor como elemento combativo da classe se começou a evidenciar”(4). Em dezembro de 1940 funda, em conjunto com outros colegas, dos quais aqui destaco Manuel Camanho** e Avelino Paredes***, o Boletim da Câmara dos Solicitadores, um verdadeiro farol para toda a classe e para o mundo jurídico português, tornando-se seu diretor até 1964 (n.º 66). É ainda eleito, pelos seus pares, presidente da direção da antiga Câmara dos Solicitadores nos triénios de 1945/47, 1954/56 e 1957/59.
Na defesa intransigente da classe, foi um dos pioneiros da entrada dos Solicitadores na então Caixa de Previdência dos Advogados, fazendo parte, em 1954, da Comissão para a integração dos interesses destes profissionais na referida Caixa. Mais tarde, foi nomeado Diretor da Caixa de Previdência, em representação da Câmara dos Solicitadores, no triénio de 1963/1965. Ayres de Oliveira, ao longo da sua vida profissional, foi reconhecido pela sua incessante e persistente luta em prol da classe. Respeitado por todos os colegas e pela comunidade judiciária em geral, recebeu todas as consagrações que lhe eram devidas, nomeadamente a medalha de mérito profissional, o que levou o colega Artur Lino de Sousa a afirmar, numa das suas muitas homenagens, “se não foi capitão na tropa, é porque, antes, quis ser capitão no foro“ (5). : : NOTAS: * Rolando Silva, Edição Sollicitare n.º 19 ** Manuel Camanho, idem n.º 21 *** Avelino Paredes, idem n.º 23 1 – Noções Elementares do Ajudante do Solicitador, Rolando Silva, 1912 2 – Idem 3 – Boletim da Câmara dos Solicitadores, n. 22, Agosto/Outubro 1944 4 – Avelino Paredes, 1971 5 – Boletim n.º 22, Agosto/Outubro de 1944.
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Teses SUGESTÕES
A Monitorização do Trabalhador e o RGPD
A
atualidade remete-nos para uma realidade cada vez mais digital, fruto da natural evolução tecnológica. Deste modo, assistimos ao desenvolvimento de novas realidades laborais que pela sua natureza simplificam o quotidiano laboral de inúmeros trabalhadores. Podem, no entanto, permitir uma monitorização intrusiva e injustificável da esfera da vida privada do trabalhador. Deste modo, a presente dissertação teve como mote a análise das várias vertentes da relação laboral, nos seus diferentes momentos contratuais. O contrato de trabalho propriamente dito sujeita o trabalhador a uma subordinação jurídica e legitima o exercício do poder de direção por parte da entidade empregadora. Neste caso, o uso do consentimento como fundamento de licitude do tratamento de dados pessoais dificilmente será prestado livremente pelo trabalhador, salvo raras exceções. Assim, a definição de “consentimento”
/Resumos
deve estar conectada à definição de “livre”, de modo a que este seja tão fácil de dar como de retirar. A monitorização do trabalhador está presente em várias situações, nomeadamente, no registo dos tempos de trabalho, no uso de instrumentos de trabalho da entidade empregadora e na utilização de meios de vigilância à distância. Por isso, importa considerar o fundamento que legitima a recolha e posterior tratamento dos dados pessoais e aplicar o princípio da minimização da recolha de dados ao caso concreto, de forma a evitar uma monitorização intrusiva e injustificável da esfera da vida privada dos trabalhadores. : : O trabalho completo pode ser consultado em https://iconline.ipleiria.pt/handle/10400.8/4368 Carolina Ferreira Mestre em Solicitadoria de Empresa, ESTG/ Instituto Politécnico de Leiria Autor: Samuel Sousa
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O estatuto do pessoal dirigente na administração local: o caso do distrito de Bragança
Q
uero, naturalmente, começar por enfatizar a asserção de que em Portugal escasseiam os estudos sobre o estatuto do pessoal dirigente quer da administração central quer da administração local, sendo esta a que mais nos importava. Ao dizer isso, quero sublinhar que pouco ou nada se sabe sobre a sua idade, os anos de experiência, as suas habilitações académicas, os cursos para dirigentes que frequentaram ou o que pensam sobre o exercício da sua nobre função. Outrossim, realizar um trabalho sobre o seu estatuto serviria para valorizar o seu trabalho tantas vezes menorizado e esquecido mas também para consolidar a ideia da sua dificuldade em gerir incompatibilidades e conflitos entre a função técnica e a função política que tantas vezes se confunde e que os coloca bastas vezes em situações delicadas. É consabido o mérito, a qualidade e a importância da sua função na gestão autárquica pelo conhecimento mais profícuo e abrangente da realidade autárquica e das potencialidades e estrangulamentos e nenhum eleito local pode prescindir desse manancial de conhecimento. O presente trabalho intentará abarcar todos os aspetos relevantes desse estatuto numa perspetiva diacrónica mas também sincrónica. Daremos devida nota da sua evolução histórica, da sua posição nos vários modelos de gestão pública através de uma ampla revisão de literatura, do seu enquadramento normativo ao longo dos tempos, do regime jurídico atual e da sua referência noutros diplomas legais. Não olvidamos também que urgia também enquadrar essa temática nos ensinamentos que nos eram ministrados nas várias unidades curriculares do Mestrado em «Gestão Autárquica». Em abono da verdade era incontornável abordar a Nova Gestão Pública em oposição ao modelo burocrático de Max Weber e aflorar os mais recentes modelos de gestão público, os quais coexistem, nem sempre pacificamente, na estrutura de funcionamento da administração pública portuguesa, incluindo a sua dimensão local. Isso entronca, a nossos olhos, nas competências dos dirigentes ligadas à inovação, à criatividade, à capacidade cognitiva, à gestão por objetivos, ao clima organizacional, ao trabalho em equipa, ao trabalho em parceria, às relações interpessoais, à comunicação, à resiliência, à auto-confiança e à consciência ética e os valores. Como é fácil de intuir, esses atributos podem resumir-se ao desenvolvimento de competências de liderança, ideias que serão desenvolvidas na presente empresa.
Nesse conspecto, pareceu-nos mais que justificado abarcar temáticas atinentes ao provimento, às competências, ao perfil ao horário de trabalho, às licenças sem remuneração, à responsabilidade dos cargos dirigentes, à exclusividade e acumulação de funções, às incompatibilidades, impedimentos e inibições, à substituição, ao estatuto remuneratório, à formação e à avaliação dos dirigentes. Por fim, arriscamos fazer a caracterização dos dirigentes intermédios do Distrito de Bragança através da elaboração, envio e preenchimento de inquéritos por questionário a todos os dirigentes intermédios dos municípios do Distrito de Bragança. Optamos por essa metodologia de recolha de dados porque era a que nos dava maiores garantias de sucesso, tendo em conta a reduzida disponibilidade temporal de que dispúnhamos. Antes da elaboração e distribuição dos inquéritos por questionário, realizamos uma pesquisa nos portais dos doze municípios do Distrito de Bragança, onde recolhemos onze dos doze organogramas (33), onde constam as unidades orgânicas equivalentes a departamentos ou divisões previstas nos regulamentos orgânicos, bem sabendo que podem não estar todas providas. Foi elaborado um pré-teste preenchido pelo Director do Departamento de Coordenação Geral do Município de Mirandela, Eng. Guedes Marques, a quem agradecemos profusamente pelas sugestões pertinentes efetuadas que tivemos em justa conta no texto final enviado a todos os dirigentes intermédios dos Municípios do Distrito de Bragança. Foi obtida uma taxa de execução de 100% com 37 questionários, o que deveu também ao empenho dos Presidente de Câmara e restantes vereadores, embora esse processo tenha demorado dois meses. Concluímos, na esteira de Faria (2002), que o papel dos dirigentes é cada vez mais entendido como o de promover as necessárias adaptações institucionais, em nome e no interesse do público e não mais, o de alguém que se limita a resolver problemas e a ultrapassar dificuldades próprias de um ambiente particular e que é absolutamente vital dotar os dirigentes com as necessárias competências, nomeadamente, ao nível da gestão e da liderança. Foram, são e serão peças fundamentais na complexa engrenagem da gestão autárquica que se pretende eficaz, eficiente, transparente e responsável. : : Rui Magalhães Vereador da Câmara Municipal de Mirandela
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CULTURA
ANA BE LA MO REI RA E N T R E V I S TA A
“Poder viver diferentes vidas é algo que me entusiasma”
Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt
FEZ-SE ATRIZ NO CINEMA E RECEBEU DAS MÃOS DO MENTOR, JOÃO CANIJO, A CÂMARA COM QUE SE ESTREOU NA REALIZAÇÃO. FASCINADA PELOS RITUAIS E PELAS PESSOAS COMUNS, ESTEVE, NOS ÚLTIMOS ANOS, ENVOLTA EM DIFERENTES PROJETOS QUE A LEVARAM A VIVER VIDAS QUE MUDAM A SUA TODOS OS DIAS. DE SORRISO GENUÍNO – TAL COMO GENUÍNO É O DISCURSO –, A MULTIFACETADA ATRIZ REVELOU-SE UMA MULHER EM PAZ CONSIGO MESMA E COM O QUE A VIDA TEM PARA LHE DAR. CONHEÇA ANABELA MOREIRA.
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ENTREVISTA COM ANABELA MOREIRA
Quem é a Anabela Moreira? Essa é uma pergunta que me fazem muitas vezes nos castings e não tenho ainda resposta para ela. Sou muita coisa. Não posso dizer que sou uma mulher espiritual mas, apesar de não ser religiosa, gosto muito de ler sobre as diferentes religiões. Há pouco tempo encontrei umas aulas sobre judaísmo, nas quais o rabino dizia que nós, ao longo do dia, mudamos e não somos a mesma pessoa. Eu sinto isso e acho que, pela primeira vez, houve alguém que pôs por palavras aquilo que sinto. Não me sei definir porque eu própria mudo. Talvez tenha que ver com o tipo de trabalho que faço… Mas gosto de acreditar que sou generosa. Há uma preocupação que tenho diariamente: tentar fazer com que as pessoas se sintam bem perto de mim para que eu consiga dar sempre mais, não só no meu local de trabalho, mas também com as pessoas de quem gosto. De resto, não me sei definir. Deu os primeiros passos na representação ainda na escola. Desde cedo soube que era o caminho a seguir? Sempre. E também não se explica. Andei no colégio de São José, um colégio de freiras, e passei muito mal durante esse tempo. Perdia-me muito nas aulas. Enquanto as professoras estavam a falar, eu desenvolvia um conjunto de técnicas para que elas acreditassem que eu as estava a ouvir, mas na verdade não estava [risos]. E como já era muito alta, comparada com as minhas colegas, colocaram-me na parte de trás da aula. Quando fizeram isso, ainda piorou. Estava sempre longe dali, sempre fui demasiado sonhadora, estava fechada no meu mundo imaginário. Um dia, quando fizemos uma peça de teatro, deram-me um dos papéis principais: ser a apresentadora de todo o evento, do princípio ao fim. E foi a primeira vez na minha vida que fui elogiada e, de certa forma, validada. Deixei de ser aquela aluna meia dispersa e os professores passaram a dar-me importância. Isso foi determinante para mim. Gostei tanto daquela sensação de estar em cima do palco, de conseguir guiar as pessoas através de uma determinada emoção, de conseguir agarrar a atenção delas, que aquilo ficou dentro de mim. Depois desse momento, e sempre que podia, em vez de fazer trabalhos de escola convencionais, fazia-los em vídeo. Agarrava na câmara de filmar do meu pai e “obrigava” os meus colegas de grupo a representar. Mais uma vez, os professores ficavam todos maravilhados. Dava-me muito gozo, e portanto sim, começou por ser uma brincadeira. Nessa altura não me apercebia da estrutura que existia à volta do ser-se ator. Só muito mais tarde é que fiz um filme a sério, só muito mais tarde é que entrei numa agência. Comecei tudo um bocadinho tarde de mais. Lembro-me que fiquei maravilhada quando descobri que existia um sem fim de teorias sobre o que é a representação, porque para mim era só uma brincadeira. É por isso que chega a apostar noutras áreas do conhecimento? Sim, na Psicologia. Ainda tentei convencer o meu pai a ir para o conservatório, mas ele não achou graça nenhuma.
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Basicamente o que me disse foi: “Quem quiser estar aqui em casa e ser apoiado, escolhe um curso normal. Caso contrário, a porta da rua é ali.” Claro que se eu tivesse dito que queria mesmo ir para o conservatório ele não me expulsava de casa, mas era medrosa e achei por bem escolher o tal curso normal. A Psicologia apareceu quase como numa necessidade de continuar este jogo do ser-se ator, de perceber o ser humano, as suas emoções e comportamentos. Mas depois, no quarto ano, comecei a ter Psicologia Clínica e a estudar os casos clínicos e fiquei muito assustada! Estava quase a terminar o curso, quase a ser Psicóloga e comecei a sentir uma coisa muito estranha: quando dizia que estava a estudar Psicologia, as pessoas ficavam tensas à minha volta porque achavam que as conseguia ler. E comecei a ficar desiludida porque percebi que existiam muitas teorias para a mesma coisa, mas não existiam respostas. Uns colegas escolhiam uma teoria; outros outra. Achava tudo muito pouco sério. Mais tarde eu própria fiz Psicoterapia e hoje tenho o máximo de respeito pela Psicologia, mas achei que não servia para mim. Foi aí que voltou o plano inicial, a representação? Na altura soube que a Patrícia Vasconcelos ia abrir um curso de atores muito interessante e com grandes professores na ACT – Escola de Atores. E então passei o quarto ano do curso de Psicologia a trabalhar o meu pai e convenci-o a pagar-me o curso da ACT, que não era nada barato. Foi a melhor coisa que fiz. Foram 18 meses espetaculares e foi lá que conheci o João Canijo. Acabei o curso da ACT e nesse mesmo dia estava a estagiar para um filme do João. A partir daí nunca mais parei. O curso foi extremamente importante para perceber melhor quem eu era, mas dentro de todas as contradições de quem eu sou. Apesar de ter uma presença regular no pequeno ecrã, é sobretudo no cinema que melhor tem afirmado a sua identidade artística. São mundos muito diferentes? Existe uma diferença muito óbvia para quem trabalha nas duas áreas que se prende com o tempo das coisas. Num filme tens três cenas por dia e toda a equipa está entusiasmada para que aquela cena se esgote no limite até ficar o melhor que pode ficar. A televisão, por norma e por sistema, não tem esse espaço. Não digo que não haja essa preocupação, mas não há tempo. Quando se tem 40 ou 50 cenas para gravar num dia, não há tempo para ficar a trabalhar numa cena só. Claro que eu tenho tido a sorte de ser convidada para participar em projetos de televisão bastante interessantes e que me têm possibilitado fazer televisão num ritmo que, embora não seja o do cinema, está muito mais aproximado e faz toda a diferença. Quando está a trabalhar em televisão, o ator é colocado sob uma pressão imensa e tem que desenvolver um grande grau de concentração para não se deixar influenciar por aquele ritmo louco. É como se toda a gente dissesse, desde o primeiro momento, que não tens tempo. O que quer dizer que, quando chegares para filmar, também
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não vão ter tempo para falhares, para experimentares. Acaba por ser sempre uma grande pressão. Mas claro, para quem gosta acaba por ser divertido e tenho tido a sorte de fazer projetos giros para televisão como ‘Os Filhos do Rock’ ou a ‘Filha da Lei’. É conhecida pela imersão nas comunidades que pretende retratar. Este é um processo doloroso? É exatamente por não me ser doloroso que o tenho feito. Não é essencial para todos os atores e não tenho nenhum método. O que acontece é que nunca fui muito saudosa e sempre me questionei sobre o facto de a minha vida ser muito limitada. Tenho uma grande curiosidade e já pude – sendo sempre a Anabela – trabalhar numa lota, tocar vacas, estar num convento, trabalhar num cabeleireiro, morar no Bairro Padre Cruz… Poder viver diferentes vidas é algo que me entusiasma. É interessante como os sítios são facilitadores da criação de uma determinada personagem, ou seja, não tens que desenvolver tanto a tua imaginação porque és colocada nas situações. Mas um ator pode-se inspirar em tudo, num quadro, num livro, noutro filme, no seu imaginário e muitas vezes pode ser contraproducente experienciar aquilo que se está a tentar retratar. Nem sempre a realidade interessa. Mas nunca tive problemas em passar por esses processos imersivos porque, lá está, não sou saudosa. Não preciso da presença física de ninguém para estar bem. Se me mandarem para o Minho durante quatro meses, eu estou bem; se me mandarem outros tantos para o Douro, estou bem. Estou sempre bem.
ESCOLHAS… Um livro: Crime e Castigo (Dostoiévski) Um filme: Lola (Brillante Mendoza) Um programa de TV: Não consigo escolher um… estou rendida ao Netflix. Uma música: Pela generosidade e fragilidade em palco, todas as músicas de Amy Winehouse. Um sítio: O sítio onde estamos.
E sair desses processos é simples? Não. Mas aí é interessante porque voltas à tua vida com os olhos diferentes. Já não voltas exatamente igual. Há pouco tempo fui para alto mar com um grupo de pescadores e nunca mais consegui olhar para o preço do peixe da mesma maneira. Aqueles homens são super-heróis! Por mais que achemos que o peixe é caro, não é. Só se passando por determinadas realidades é que as conseguimos compreender. E são vidas tão diferentes da minha que é quase um privilégio que me estão a dar ao poder vivê-las. É como se me estivessem a possibilitar brincar com a minha vida. Podia fazê-lo só a ler o guião, acontece muitas vezes, não há tempo para mais. Neste momento estou a gravar ‘O Atentado’, que se passa em 1937, e não tivemos ensaios, houve uma pequena conversa e arrancámos sem nada. E, portanto, tem que se procurar de outra maneira, em filmes, histórias, perguntando a pessoas mais velhas o que era ser-se mulher na altura, por exemplo. Mas os processos imersivos são bons e eu sou fascinada com eles. Agradeço cada oportunidade que me dão de os experienciar e, claro, quando regresso não venho da mesma forma. Ser-se ator é um ato de fé? É um ato de fé e nem sempre é possível ter essa fé. Acreditar que há uma equipa de 100 pessoas a trabalhar é
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fascinante, chegar a um sítio e ver camiões, luzes, cenários… Estão ali pessoas que trabalharam durante meses para se chegar àquele momento em que o ator é colocado no decor e alguém grita “ação”. É um ato de fé. Acredito que todos nós somos atores, em circunstâncias diferentes. Todos o fazíamos quando éramos crianças, só que nessa altura não questionávamos nada. Todos brincávamos ao “tu agora és o polícia e eu sou o ladrão” e depois invertíamos os papéis. É uma capacidade natural do ser humano. Só que depois a brincadeira torna-se mais complexa e são 100 pessoas a trabalhar para que aquele momento se concretize. E é complicado, nós os atores não podemos ser pessoas muito saudáveis. Participou n’Os Filhos do Rock’, que recebeu críticas muito boas, mas que não teve grandes audiências. O público português ainda não está muito familiarizado com estes produtos? A RTP sempre conseguiu conquistar um nicho interessante exatamente por não estar dependente das audiências. Sei de muitas pessoas, inclusive de fora de Portugal, que ainda hoje vêm a série, através dos vários meios que existem à disposição atualmente. Por isso, hoje em dia, as audiências em televisão são uma falácia porque são difíceis de medir. É claro que gostava muito que, quando os produtos nos orgulham, chegassem ao maior número de pessoas. Ninguém trabalha para não ter audiências, nem sequer os projetos de autor ou o cinema mais intelectual. Não há ninguém que despreze a 100 por cento o público. O que eu acredito é que um trabalho feito só para agradar ao público irá, à partida, castrar aquilo que é a arte. E a RTP tem esse sítio bonito onde nós não estamos preocupados com as audiências e é também por isso que o serviço público faz sentido. A RTP tem feito um excelente trabalho e tem estado a dar trabalho a muitos profissionais do audiovisual e do cinema, não só atores, mas técnicos, que de outra maneira não o teriam. Não podem existir só novelas, tem que existir um bocadinho de tudo. Era bom que houvesse mais incentivos para que os outros canais pudessem fazer coisas assim. Mas são realidades diferentes.
Em que projetos está a trabalhar neste momento? 2019 foi um complexo para mim, apesar de ter estado envolvida num documentário, de ter estado a abrir uma empresa – a Maleta à Portuguesa – e de começar a preparar o próximo filme do João Canijo. Sinto que foi um ano em que parecia que nada acontecia. Já não estava habituada a isso há algum tempo. Este ano, de repente, são projetos atrás de projetos, o que também me assusta! Estou a acabar ‘O Atentado’, a ensaiar com o Pedro Cabeleira, que vai fazer uma longa-metragem, e em breve vou começar mais um estágio profundo com o João Canijo, em Ofir. Ainda tenho um outro projeto do Carlos Conceição e mais algumas coisas faladas. Se o ano passado foi uma espécie de travessia no deserto, este ano cheguei a bom porto.
Como acha que o cinema português é visto fora de portas? É muito bem visto. Acho que as pessoas não têm a noção de que lá fora conhecem os nossos realizadores e os nossos filmes. Prova disso são os prémios que todos os anos o cinema português ganha. Existe um grande respeito pelo que fazemos. É fascinante perceber que nós, com tão pouco dinheiro, com tão poucas produções anuais e com tão poucos meios estamos a competir com filmes que não têm sequer os nossos orçamentos. E é essa a beleza do cinema português. Às vezes estou a olhar para alguns filmes americanos e penso que se tivessem menos dinheiro até lhes fazia bem. Mas há espaço para tudo. A verdade é que não temos mesmo ideia de como somos acarinhados e do quanto as pessoas procuram ver os nossos projetos lá fora.
O que lhe falta para se sentir totalmente realizada? Falta-me comprar a casa dos meus sonhos! [risos] Vou fazer 44 anos em março e estou exatamente naquele momento em que nós, mulheres, mudamos. Apesar de gostar mais de mim hoje em dia, tenho que reaprender a gostar de mim de outra maneira. Para me sentir realizada gostava de chegar a um sítio onde não precisasse de muita coisa. Mas acho que nunca nos sentimos completamente realizados, temos momentos em que sim, outros em que não. Lá está, mudamos durante o dia. Todos nós devemos sentir isso e todos nós estamos só a tentar fazer o melhor que pudemos. Para me sentir realizada acho que tenho que ter mais compaixão e generosidade comigo. Assim como tento ter compaixão para com os outros quando eles erram, acho que devo também fazer isso comigo. : :
Acho que as pessoas não têm a noção de que lá fora conhecem os nossos realizadores e os nossos filmes. Prova disso são os prémios que todos os anos o cinema português ganha. Existe um grande respeito pelo que fazemos.
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PROFISSÃO
DESEQUILÍBRIOS DE REDAÇÃO NO COMBATE AO DESEQUILÍBRIO ENTRE ARRENDATÁRIOS E SENHORIOS
Por Rafael Parreira, Assessor Jurídico e Professor Assistente convidado na ESTG-IPLeiria
A
lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, veio introduzir normas de relevo no panorama do arrendamento urbano. Entre as diversas alterações que compõem a mais recente reforma nesta matéria, debruçamo-nos sobre a moldura da oposição à renovação, tanto nos arrendamentos habitacionais, como não habitacionais. O art.º 1097.º do Código Civil, que estatui a oposição à renovação deduzida pelo senhorio nos contratos de arrendamento urbano habitacional, passou a contar com um n.º 3 que prevê que “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (…)”. A possibilidade de convencionar um prazo de um ano, renovável por iguais períodos, faz-nos questionar a redação do supra transcrito n.º 3 do art.º 1097.º. Com efeito, cremos que o legislador peca ao referir-se à “oposição à primeira renovação” pois, na prática, os efeitos de uma eventual oposição à segunda renovação ficam sem a cobertura que cremos ser a base desta introdução legislativa. Retiramos da letra deste novo dispositivo a oposição à segunda renovação, desde que cumpra os prazos previstos no n.º 1, que produzirá os seus efeitos no termo dos dois
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anos (data da segunda renovação, que não chega a operar por força da oposição) e não decorridos três anos de duração do contrato, por ser uma situação sem verdadeiro enquadramento no n.º 3. Relativamente a este novíssimo n.º 3, encerramos com a ideia de que teria sido vitoriosa, ou pelo menos mais esclarecedora, a expressão “independentemente do prazo estipulado, a oposição do senhorio a qualquer das renovações apenas produzirá efeitos decorridos, no mínimo, três anos desde o início do contrato”. Falhou novamente a minuciosidade do legislador relativamente aos contratos de arrendamento não habitacional. A nova lei introduziu no art.º 1110.º um n.º 4, com a seguinte redação: “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.” Ora, a ideia subjacente surge-nos como semelhante à espelhada no anteriormente analisado art.º 1097.º, n.º 3, no entanto, com uma redação diferente, a provocar uma interpretação radicalmente diversa em termos práticos e que, cremos, igualmente a não refletir o pensamento legislativo. Se a intenção do legislador é que o contrato complete cinco anos de vigência, não poderá sugerir que a própria operação de oposição ocorra apenas após esses mesmos cinco anos, sob pena de, perante uma renovação automática convencionada de, no mínimo, um ano, remeter a cessação do contrato para o termo do sexto ano de contrato e não do quinto. Assim, propomos a seguinte expressão: “Independentemente do prazo estipulado, a oposição à renovação por parte do senhorio apenas produzirá efeitos decorridos, no mínimo, cinco anos desde o início do contrato.” Não obstante a aparente diminuta dimensão das críticas apontadas, os lapsos referenciados poderão conduzir a dificuldades interpretativas dos contraentes e dos próprios julgadores, bem como, consequentemente, a desnecessárias disparidades práticas. : :
SUGESTÕES
LEITURAS Para esta edição da nossa revista, e em resposta ao amável convite da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, sugiro as seguintes obras que, embora aparentemente pouco tenham em comum, pelo menos numa das leituras possíveis fazem todo o sentido. Estou certo de que esta modesta sugestão, para além de proporcionar uma leitura agradável, talvez faça os leitores refletir sobre a real situação em que vivemos.
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA de José Saramago Por Rui Carvalheiro, Solicitador e Agente de Execução
Neste livro somos transportados para uma realidade cruel, em que a progressiva cegueira mostra o que de pior existe no ser humano. A sua leitura faz-nos temer a própria humanidade no seguimento de uma situação de caos. Ao longo do livro, publicado pela primeira vez em 1995, Saramago vai-nos guiando pela desorganização e pela superação dos valores mais básicos da sociedade, transformando as suas personagens em animais egoístas na luta pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, o autor consegue mostrar que, mesmo em situações adversas, há valores sociais que persistem como a ajuda mútua e a preocupação com o próximo. Na minha opinião, este é um livro cujas temáticas têm grande aplicação na realidade atual, particularmente em certas profissões.
A TERCEIRA VISÃO de Lobsang Rampa A história deste livro tem como pano de fundo o Tibete no começo do século XX. O autor conta a sua própria história: aos sete anos – idade em que, no Tibete, é decidido qual o melhor caminho destinado a cada pessoa –, astrólogos traçaram o seu mapa astral. Este determinou que o seu melhor caminho seria seguir para um mosteiro onde iniciaria a preparação adequada para se tornar um Lama Médico. Em “A Terceira Visão” podemos analisar pormenorizadamente uma proposta de vida, alicerçada em valores quiçá menos apegados aos valores materiais e à concorrência desenfreada entre as pessoas, privilegiando a contemplação, a observação da natureza, o profundo respeito pela mesma e, especialmente, pelo Homem.
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REPORTAGEM
OS REIS DO CARNAVAL MARCAM A FOLIA DE CARNAVAL NO NORDESTE TRANSMONTANO COM OS SEUS TRAJES COLORIDOS E FARFALHUDOS, MÁSCARAS COM NARIZES PONTIAGUDOS E CHOCALHOS À CINTURA. MARCAM O FINAL DO MORTIÇO E ESCURO INVERNO E DO RENASCER DE UMA ABUNDANTE PRIMAVERA. MARCAM O REGRESSO À COR E À VIDA. PÕEM UMA PEQUENA ALDEIA DO INTERIOR NO MAPA DE NACIONAIS E ESTRANGEIROS, MOSTRANDO COMO UMA TRADIÇÃO CONSEGUE ATRAVESSAR DÉCADAS DE MUDANÇA E MANTER-SE FIEL A SI PRÓPRIA. ERAM JÁ O ORGULHO DE UM POVO; HOJE SÃO DE UMA NAÇÃO. DECLARADOS PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL DA HUMANIDADE PELA UNESCO NO FINAL DE 2019, OS CARETOS DE PODENCE ANDAM AÍ. ANDAM AÍ OS REIS DO CARNAVAL.
Texto Joana Gonçalves / Fotografia Associação Grupo de Caretos de Podence
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OS REIS DO CARNAVAL
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“É Carnaval, ninguém leva a mal!”.
unca um ditado popular fez tanto sentido quando é do Entrudo Chocalheiro que se fala. Estamos em Podence, no concelho transmontano de Macedo de Cavaleiros, o berço dos tão afamados Caretos e do seu endiabrado Carnaval. Figuras demoníacas, para uns, personagens enigmáticas, para outros, o certo é que ninguém lhes fica indiferente. Sabe-se que é um rito milenar. Sabe-se que está ligado aos ciclos da natureza. E sabe-se, também, que a partir do momento em que um transmontano entra dentro daqueles fatos coloridos e tapa a cara com uma máscara misteriosa, ganha uma outra vida e está autorizado a fazer de tudo. Começar a contar esta história pelo princípio é tarefa difícil, pela simples razão de não se saber com exatidão onde ela começa. “De facto, não sabemos até onde podemos recuar e encontrar estes mascarados a agir tal como hoje agem e a vestir a indumentária que hoje vestem, sendo que a transmissão oral remete esta tradição para tempos mais recuados do que aqueles a que os registos escritos nos podem remeter neste momento.”, refere Luís Costa na sua dissertação de mestrado “Caretos de Podence: História, Património e Turismo”. A hipótese mais acertada, contudo, é a de que os caretos surjam ainda antes dos romanos cá porem pé. Certo é que a tradição parece estar intimamente ligada a duas importantes datas: o final de um rigoroso inverno e o anteceder da Quaresma. Por outras palavras: a passagem de um tempo frio, agreste e escuro, de menor produtividade agrícola, para um tempo de Primavera, da chegada das sementeiras, da chegada do sol, da cor e da vida. É por isso que, de acordo com António Carneiro, presidente da Associação Grupo de Caretos de Podence, este festejo “tem sido interpretado como festa ancestral, associada a ritos de fertilidade e a ritos agrários”. As máscaras e os fatos berrantes dos caretos parecem concordar com a explicação. Personificando o regresso à irreverência, o careto, qual diabo à solta depois de meses de contenção, aufere de total impunidade durante um curto período, dois dias apenas: o chamado Domingo Gordo (domingo que antecede o Carnaval) e o próprio dia de Carnaval, terça-feira. Podence transfigura-se por esta ocasião. Tasquinhas surgem nos espaços mais improváveis, os que estão fora a ganhar a vida escolhem o Carnaval para, por uns dias,
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regressar à terra, milhares de forasteiros invadem as ruas da aldeia. A pacatez de todos os dias dá lugar a uma animação que não se encontra noutro lugar: caretos correm freneticamente pelas ruas, o som dos chocalhos ecoa por todo o lado. O objetivo é só um: surpreender as raparigas solteiras para as chocalhar, isto é, através de um jogo de cintura, fazer embater os chocalhos nas nádegas das mulheres, mais uma vez numa analogia com a fertilidade que a terra começa a ganhar por essa ocasião. Mas quem pode ser careto? “Todos os rapazes nascidos e originários de Podence”, responde António Carneiro. Esta é uma tradição que passa de pais para filhos e as crianças do sexo masculino começam, desde cedo, a entrar no espírito. Conhecidos por facanitos, mascaram-se com réplicas dos caretos adultos e acompanham, nas suas andanças e brincadeiras, o grupo dos caretos mais velhos. Figuras principais da festa, estes diabos transmontanos vestem-se com uma espécie de colchas antigas, de lã ou de linho, decoradas com franjas de lã colorida – as cores mais usadas são o vermelho, amarelo e verde – e máscaras angulares de folha de zinco, vermelhas, podendo ser ornamentadas com tinta. Por cima da cabeça, cobrem-se com um capuz feito com os mesmos materiais. À cintura, o que mais importa, uma alinhada coleção de chocalhos, os quais se ouve sempre que, em grupo, aceleram pela aldeia, dançam, saltam, gritam, numa algazarra sem fim. Na mão levam um pau ou bengala, que lhes serve de apoio na corrida e nos saltos. O traje fica completo por duas bandoleiras ao peito com campainhas. Muitos destes fatos garridos, “feitos à mão pelos artesãos de Podence”, como explica António Carneiro, são guardados e vestidos geração após geração, constituindo verdadeiras relíquias para as famílias. O Carnaval mais português de Portugal Os festejos, em Podence, duram quatro dias, sendo terça-feira o mais importante. É aí que a procissão dos caretos percorre a rua principal da aldeia e se realiza a impressionante “Queima do Entrudo” – para quem nunca viu, trata-se da queima de uma espécie de boneco gigante em forma de careto –, simbolizando “um ato de fé, durante o qual é queimada uma figura que se parece com um diabo, representando o ano velho, o que terminou e ficou para trás, o que houve de mau, e se purifica tudo para se começar de novo”, explica António Carneiro. Mas já no Domingo Gordo os caretos andaram à solta em Podence. Não há como fugir. Sem qualquer
O objetivo é só um: surpreender as raparigas solteiras para as chocalhar, isto é, através de um jogo de cintura, fazer embater os chocalhos nas nádegas das mulheres, mais uma vez numa analogia com a fertilidade que a terra começa a ganhar por essa ocasião.
Sollicitare 81
OS REIS DO CARNAVAL
aviso, embora todos aguardem por eles, os caretos aparecem em correria frenética descendo a rua em frente à igreja de Podence, aos gritos e a fazer uma enorme algazarra com os chocalhos que trazem presos à cintura. Por mais que fujam, as mulheres sabem que dificilmente estão a salvo, exceto as grávidas ou as que tiverem crianças ao colo. Ou se se refugiarem no adro da igreja. Aí, os caretos não entram! Na noite de segunda-feira é tempo dos “pregões casamenteiros”, momento em que um grupo de pessoas assume o papel de sacerdotes e se coloca em pontos elevados da aldeia para aí anunciar os “casamentos” de todos os solteiros da terra. Esta é a noite que, para muitos, se prolonga até o sol já ir alto no horizonte. E se o último Entrudo contou com a participação de mais de uma centena de caretos, a história nem sempre foi assim tão positiva. Apesar de hoje ser um dos maiores ícones da etnografia portuguesa, por altura da década de 70 esta tradição esteve quase a desaparecer. Fatores como a Guerra Colonial e a emigração levaram a que grande parte dos jovens de Trás-os-Montes, em geral, e de Podence, em particular, rumasse a outras paragens. No entanto, este ritual que esteve quase em vias de extinção, “é retomado com vibrante vitalidade a partir dos anos 80, com o regresso pontual e a persistência de alguns que, conduzindo o fio da memória e da vivência de ser careto, vão, até hoje, alargando a participação e transmitindo a todos os descentes de Podence a herança cultural que os une e identifica”. Esta revitalização surge também com o forte contributo da Associação Grupo de Caretos de Podence. Nascida em 1985 com o objetivo de preservar os Caretos enquanto símbolo da cultura nordestina, hoje tem “por prioridade implementar atividades e programas educativos direcionados para os mais novos, dado que são o elo principal na perpetuação da manifestação festiva”. Para tal, importa sublinhar o trabalho que realiza na Casa do Careto, espaço museológico criado em 2004 por esta associação e que alberga o repositório do entrudo e dos Caretos de Podence, com destaque para o acervo de vários pintores consagrados da região, como Graça Morais e Balbina Mendes. Do Carnaval de aldeia a Património Cultural Imaterial da Humanidade Foi a 12 de dezembro de 2019, na cidade de Bogotá, na Colômbia, que os tradicionais mascarados do Nordeste Transmontano obtiveram o reconhecimento mais esperado, juntando-se à lista portuguesa onde já constam o Fado, o Cante Alentejano, a Dieta Mediterrânica, a Falcoaria, os Bonecos de Estremoz, a Arte Chocalheira e o Barro Preto de Bisalhães. Uma decisão que encheu de orgulho a pequena aldeia de Podence, com apenas 200 habitantes, e Portugal inteiro, marcando “o início de uma responsabilidade maior” para o presidente da Associação dos Caretos de Podence. A visibilidade já tinha números impressionantes antes da declaração da UNESCO: em 2019 foram cerca de 30 mil
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os turistas – a maioria portugueses, mas com o número de estrangeiros em crescendo –, que viajaram até às terras frias de Macedo de Cavaleiros para assistir aos festejos. Este ano, entre 22 e 25 de fevereiro, espera-se ainda mais afluência. No seguimento desta notoriedade, está planeada a construção de um novo largo e de várias infraestruturas na aldeia, entre as quais o Museu do Careto, pelo arquiteto Souto de Moura. Ideias não faltam, vontade também não. Os caretos estão aí e estão para ficar, fazendo desta uma das tradições mais genuínas e únicas de Portugal. Longa vida aos Reis do Carnaval. : :
Ideias não faltam, vontade também não. Os caretos estão aí e estão para ficar, fazendo desta uma das tradições mais genuínas e únicas de Portugal.
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ROTEIRO GASTRONÓMICO
Su ges tõ es
Por Joana Benjamim, Solicitadora
RESTAURANTE TABERNA DO CANAL
À mesa na “Veneza” de Portugal
RESTAURANTE TABERNA DO CANAL Canal de São Roque, 55 3800-151 Aveiro Telefone 234 042 475 Encerra ao domingo. Aberto de segunda a quinta-feira ao almoço; sexta-feira e sábado aberto ao almoço e ao jantar.
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Conhecida como a “Veneza portuguesa”, a pequena e encantadora cidade de Aveiro situa-se na parte costeira da região centro de Portugal. Atravessada por canais que cortam a cidade, é deslumbrante o passeio que se proporciona nos tradicionais e coloridos moliceiros que navegam pelas suas águas, outrora utilizados para conduzir os seus tripulantes na colheita dos moliços. São característicos pela sua elegante proa e pelas pinturas carregadas de humor. Após o passeio nos moliceiros, com o canal de São Roque à porta, a refeição só pode ser na icónica Taberna do Canal. Um restaurante tradicional com uma esplanada virada para um dos maiores expoentes da Veneza de Portugal. Com mais de 130 anos de existência, é um dos espaços comerciais mais antigos. Situado no centro de Aveiro e explorado por Ricardo Andrade desde abril de 2014, a Taberna do Canal é um local acolhedor que leva à mesa o melhor da gastronomia aveirense. Com um cardápio tipicamente regional, na Taberna do Canal os pratos são confecionados maioritariamente com produtos da terra, frescos, garantindo-se, assim, a melhor qualidade possível. Começamos por abrir o apetite com as famosas amêijoas à pescador, acompanhadas de um belo espumante da bairrada. Segue-se, talvez, a melhor caldeirada de enguias ou o melhor bacalhau suado, aromatizado com azeite e especiarias. Se optarmos por um prato de carne, sugerimos um suculento bife de carne marinhoa. Para finalizar, e para adoçarmos a boca, aconselho as deliciosas natas do céu com cobertura de ovos moles, acompanhadas pelo licor de alguidar oriundo da nossa beira mar. Ora… depois desta descrição, e de tantos outros pratos que poderia aqui descrever, resta-me saudar e agradecer ao Ricardo e aos que com ele trabalham pelo acolhimento que prestam e aconselhar a vossa vinda! : :
Por Tânia Fernandes, Solicitadora e Delegada Concelhia de Albufeira da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
TABERNA VICENTINA
De comer e chorar por mais Albufeira, historicamente terra de pescadores, está atualmente no topo da lista de destinos turísticos no Algarve. Apesar de ter mais de 500 estabelecimentos de restauração, a minha sugestão destaca-se pela novidade e localização. Desde finais de julho 2019, mesmo no coração de Albufeira, a Taberna Vicentina é um estabelecimento informal e confortável, inspirado nas tabernas antigas, com barris à vista, paredes revestidas com caixas de vinho e cestas. É um espaço acolhedor e com uma decoração cuidada, cheio de referências aos costumes tradicionais, dispondo de duas áreas exteriores que combinam na perfeição com o clima algarvio. Este projeto foi lançado por dois irmãos, Laura e Rodrigo Vicente. Com receitas caseiras de pratos típicos e petiscos regionais e nacionais, que pretendem marcar pela diferença o mercado gastronómico da cidade, o objetivo deste espaço é oferecer uma experiência tipicamente portuguesa a quem por aqui passa, utilizando apenas produtos fabricados no nosso país. Para quem é fã de petiscos, na Taberna Vicentina poderá encontrar chouriça de Lamego assada em aguardente, salada de polvo da costa algarvia, tenro e com temperos bem equilibrados, ovos com farinheira, alheira de Mirandela, punheta de bacalhau (saladinha bem fresca, ótima para servir como entrada com umas tostinhas ou pão torrado ou para um lanche), pica-pau (carne TABERNA VICENTINA caracterizada pela textura suave, consistência e um sabor acentuado), camarão ao alhinho, moelas, sandes de carne assada, frango, atum, bifanas, pregos e saladas frescas variadas de queijo de cabra, camarão, atum ou frango, tábuas de queijos e enchidos nacionais e muitos Rua Bartolomeu Dias, 8 8200-184 Albufeira outros produtos que primam pela frescura e pela qualidade. Telefone 932 014 776 Há ainda pratos do dia à disposição dos clientes. O cozido à portuguesa composto por Encerra ao domingo. uma miríade de vegetais, carnes e enchidos cozidos, as lulinhas à algarvia, a massinha de peixe, o bacalhau com broa de milho no forno, o entrecosto com migas à moda do Alentejo e o arroz de salpicão são alguns dos favoritos de quem visita este lugar. A Taberna Vicentina dispõe de uma requintada seleção de vinhos das mais prestigiadas castas, podendo o cliente escolher entre vinhos das margens do Douro às planícies alentejanas. Caso ainda tenha um espacinho, poderá experimentar a tarte de maçã caramelizada com gelado de baunilha que, para mim, é uma das melhores sobremesas, ou ainda a mousse de chocolate, a pera bêbeda em vinho do porto, o arroz doce, os bolinhos caseiros ou o bolo lava de chocolate derretido com gelado de baunilha. São de chorar por mais. Após o deleite desta refeição, aproveite para dar uma vista de olhos ao nosso comércio tradicional e percorrer as pequenas ruas da cidade antiga, desde a Praia dos Pescadores até à Praia do Peneco, do outro lado do centro de Albufeira pelo passeio marginal, sempre com uma excelente vista mar. : :
Sollicitare 85
Apaixone-se pela ilha Terceira! 86
VIAGENS
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Por Marcelino Costa Santos, Solicitador
enha conhecer a ilha Terceira, uma das nove ilhas do arquipélago dos Açores e, em termos históricos, bastante rica e importante na história de Portugal. Angra do Heroísmo foi, inclusive, capital do país por duas vezes. Começo por destacar um dos maiores feitos bélicos da ilha, a Batalha da Salga: no dia 25 de julho de 1581, na histórica vila de São Sebastião, esta batalha desenrolou-se entre as forças locais afetas a D. António I e as forças de D. Filipe de Espanha, culminando com a vitória dos portugueses. Em resultado disso, a ilha Terceira seria Portugal durante cerca de dois anos (1581-1583). Para os amantes das tradições e das festas populares, a oferta é grande e vai desde os famosos bailinhos de Carnaval, passando pelas Festas do Espírito Santo, até às famosas touradas à corda, que atraem milhares de pessoas por terreiros, praças e ruas de toda a ilha. Mas o ponto alto são mesmo as Sanjoaninas, as festas em que se celebra São João. Comemoradas na cidade de Angra do Heroísmo na última semana de junho, com as tradicionais fogueiras a serem ateadas no coração da cidade, caraterizam-se ainda pela oferta de vinho e sardinhas aos presentes na madrugada de 24 de junho. Noutros locais, as festividades também são recorrentes. De um modo geral, de junho a outubro, a ilha encontra-se constantemente em festa. Relativamente a pontos turísticos obrigatórios, os ditos ex-libris da ilha, sugiro que comece por explorar o centro da cidade de Angra do Heroísmo, classificada Património Mundial da UNESCO desde a década de 80. Não pode deixar de visitar o jardim Duque da Terceira, uma das pérolas da cidade. Suba depois até ao Monte Brasil, com a sua muita natureza para explorar, bem como à fortificação do Castelo de São João Batista, onde poderá desfrutar de uma excelente panorâmica sobre a cidade. São ainda pontos obrigatórios o Algar do Carvão, a Gruta do Natal, a Lagoa das Patas, a Serra do Cume (com o miradouro para a manta de retalhos, panorâmica de cortar a respiração) e os trilhos no interior da ilha. No interior, encontrará as ditas “vacas felizes dos Açores” nas pastagens verdejantes e os toiros bravos. Na parte norte da ilha recomenda-se a freguesia dos Biscoitos e visita ao Museu do Vinho, no qual poderá saborear licores locais e o vinho verdelho (vinho produzido localmente). Mais a sul, poderá visitar a cidade da Praia da Vitoria. Ao nível da gastronomia, é obrigatório provar a alcatra da Terceira, o prato mais tradicional da ilha, e a queijada Dona Amélia (doce que surgiu em 1901 quando as senhoras de Angra do Heroísmo homenagearam a visita da Rainha D. Amélia e do Rei D. Carlos à ilha Terceira). A ilha Terceira é um excelente destino para fazer turismo. Os terceirenses são conhecidos pela sua alegria e hospitalidade. Sítio calmo e agradável, é perfeita para uma escapadinha de fim de semana e aconselha-se a visitar no verão. : : Tenho uma saudade tão braba Da ilha onde já não moro, Que em velho só bebo a baba Do pouco pranto que choro. Vitorino Nemésio
Sollicitare 87
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VIAGENS
PANAMÁ
O ABRE-LATAS DO COMÉRCIO MUNDIAL
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Mabelin Santos
o sul da América Central, entre a Costa Rica e a Colômbia, encontramos a República do Panamá: um país em forma de abre-latas que, fazendo jus à sua figura, rasgou a tampa do Mar das Caraíbas para o Oceano Pacífico. O Panamá é um país repleto de praias e ilhas paradisíacas e com uma fauna e flora abundantes e variadas nas suas águas quentes e florestas tropicais exuberantes. Mas, neste país privilegiado pelos encantos naturais, é humana a obra que mais se destaca: o Canal do Panamá, um dos pontos de passagem mais importantes do comércio mundial. Esta obra prima da engenharia começou a ser construída pelos franceses na década de oitenta do século XIX, mas foi abandonada pouco depois, devido a dificuldades técnicas e à morte de muitos trabalhadores por doenças tropicais. A construção foi retomada pelos americanos, que a concluíram alguns anos mais tarde: a inauguração data de 15 de agosto de 1914, no início da Primeira Guerra Mundial. Os Estados Unidos da América controlaram durante décadas a zona envolvente do canal e o próprio canal até que, em 1999, a administração passou definitivamente para as autoridades panamianas. O canal tem cerca de 82 km de comprimento e inclui um sistema de eclusas que permite elevar os navios até aos lagos Gatún e Miraflores e destes para o mar. Muito recentemente, o Governo do Panamá abriu um novo canal, duplicando a capacidade de transporte e pondo termo às aspirações de outros países da América Central de desenvolver um projeto concorrente. No sul do país, de frente para o Oceano Pacífico e à esquerda do famoso canal, encontramos a cidade do Panamá, a capital da República do Panamá. Nela habitam mais de um terço dos quatro milhões de habitantes deste pequeno país. É uma cidade de grandes contrastes: de um lado, os arranha-céus e edifícios modernos, que levam muitos a apelidarem-na de “Dubai das Américas”, do outro, o “Casco Viejo”, com as suas edificações coloniais e monumentos históricos. A parte moderna é cosmopolita e agitada. Um reflexo dos billion dollars em serviços e taxas gerados anualmente pelo Canal do Panamá, pelo registo de navios, que é o
Por Luís Goes Pinheiro, Jurista
maior do mundo, e pela Zona Franca de Colón, a segunda maior zona de comércio livre de impostos do planeta, apenas atrás de Hong Kong. O seu skyline visto do Passeo Esteban Huertas ou da Cinta Costera, a avenida marginal que entra mar adentro, impressiona, fazendo lembrar o de outras paragens mais a norte. Ali podemos contemplar nove dos 14 edifícios mais altos da América Latina, como o edifício residencial e hoteleiro JW Marriott Panama, que lembra o Burj al Arab e chegou a chamar-se Trump Ocean Club (adivinham porquê?), ou a icónica F&F Tower, que mais parece um parafuso gigante, com os seus mais de 50 andares a rodarem alguns graus sobre o antecedente, proporcionando a todos os pisos quatro soalheiras varandas. A parte antiga é pitoresca e charmosa. É pelo Casco Viejo, Património da Humanidade desde 1997, que o visitante vai querer passear a pé pelas ruas estreitas, apreciando a marca da colonização espanhola bem patente nos monumentos e habitações recentemente reabilitados ou parando nas lojas de recuerdos para comprar um panamá, os afamados chapéus feitos com a palha da planta toquila, que, afinal, são produzidos no Equador, mas, em virtude do seu nome, tornaram-se um dos símbolos do país. O centro histórico fica encostado ao Pacífico e cresce ao redor da Praça da Independência, onde pontua a Catedral Metropolitana do Panamá, a Basílica Santa María la Antigua. Este edifício extraordinário beneficiou muito recentemente de profundas obras de reabilitação e restauro, inauguradas pelo Papa Francisco e, em boa parte, asseguradas por uma empresa portuguesa, a Dalmática, de Lousada. Não deixe de visitar aqui também as outras igrejas e conventos ou as praças e palácios, como o Palacio de las Garzas, onde vive o Presidente, ou o Palacio Bolivar, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O Casco Viejo é também um ótimo sítio para degustar as iguarias da região, beber um ron con hielo ou uma cerveja gelada e até dar um pezinho de dança ao som dos ritmos do Caribe, pois não faltam espaços acolhedores. Imperdível é também experimentar a gastronomia panameña num dos restaurantes que ladeiam o Canal do Panamá, tendo por companhia os cargueiros, “paquetes” e outras grandes embarcações que vão sendo rebocadas ali ao pé. O Panamá é um país surpreendente. Vá descobri-lo. : :
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