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Entrevista com Fernanda Gomes
FERNANDA GOMES
SOLICITADORA E AGENTE DE EXECUÇÃO
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Foi a 31 de dezembro de 1984 que se inscreveu na então Câmara dos Solicitadores. Tinha apenas 23 anos de idade, mas determinação que baste para decidir enveredar pela área da Solicitadoria e, mais tarde, pela vertente da Execução. Perdeu já conta aos anos de trabalho, tal é a naturalidade com que encara o mesmo. Mas destes 36 anos de carreira guarda uma certeza: “não estou arrependida de ter feito este percurso e faço um balanço bastante positivo. Conheci gente extraordinária, quer a nível de colegas, de quem tenho um orgulho louco, quer a nível de clientes, do tempo em que exercia bastante Solicitadoria. Acontece que muitos deles se tornaram amigos e enriqueceram imenso a minha vida”. Falamos da ilustre Solicitadora e Agente de Execução, Fernanda Gomes.
Entrevista Dina Teixeira / Fotografia OSAE
Assista ao vídeo em www.osae.pt
É natural da freguesia de Paranhos, no concelho do Porto. Fale-nos um pouco do seu percurso de vida.
O meu percurso de vida é a coisa mais normal que pode haver. Ser Solicitadora foi, praticamente, a única profissão que tive. Estava no primeiro ano da Faculdade de Letras da Universidade do Porto quando me falaram no curso de Solicitadoria – que eu não fazia a mais pequena ideia que existia, nem sabia o que era. Por isso, fui à então Câmara dos Solicitadores e lá conheci os Solicitadores Gil Barbosa e Daniel Lopes Cardoso, sendo que este último me marcou muito. Tinha tanto respeito por ele e achava-o tão superior que nunca na vida me atrevi a chamar-lhe colega. E, então, nesse dia, quando saí da Câmara dos Solicitadores, decidi que ia fazer este curso. Entretanto, comecei a trabalhar com advogados e, portanto, fiz o curso já a trabalhar. Deixei a faculdade e passei a ser Solicitadora. Em 2002, no primeiro ano em que houve o curso de Agente de Execução, fui fazê-lo porque queria ver como era e pareceu-me muito interessante. Achei mesmo que era a primeira grande viragem na nossa profissão e, então, acabei por me inscrever como Agente de Execução em 2007.
Porque é que decidiu seguir a área da Solicitadoria?
Quando fui à Câmara dos Solicitadores tentar saber mais sobre o curso, sem dúvida que o facto de ter encontrado o Gil Barbosa e, logo a seguir, o Daniel Lopes Cardoso, pesou muito na minha decisão. Eu entrei para perguntar informações, para saber o que era ser Solicitador, pois na altura não havia internet para eu ir ao Google pesquisar. E, nesse dia, o Gil Barbosa estava lá e falou comigo naquele jeito muito peculiar que ele tinha e, de repente, entrou o Daniel Lopes Cardoso e pôs-se ali a falar e eu fiquei fascinada. Achei que tinha mesmo de seguir esta área.
Inscreveu-se na Câmara dos Solicitadores a 31 de dezembro de 1984. Que balanço faz destes 36 anos de carreira?
Dizer-me que eu tenho 36 anos de carreira é um bocadinho assustador. Julgava que tinha para aí 10, mas, claro, vividos intensamente.
Estes 36 anos de carreira foram muito interessantes porque tive a oportunidade de viver numa época em que para consultar os processos tínhamos de ir ao Tribunal. Todos os dias se ia ao Tribunal. Lembro-me que, para fazer registos nas Conservatórias, houve uma altura em que ia para a fila às 07h00 da manhã. Portanto, era um mundo totalmente diferente daquele que agora temos, com a informática e com a internet. Não estou arrependida de ter feito este percurso e faço um balanço bastante positivo. Conheci gente extraordinária, quer a nível de colegas, de quem tenho um orgulho louco, quer a nível de clientes, do tempo em que exercia bastante Solicitadoria. Acontece que muitos deles se tornaram amigos e enriqueceram imenso a minha vida.
Quais foram as suas experiências mais marcantes?
Como Solicitadora, a experiência mais marcante que tive foi com um homem que ainda hoje é meu cliente. Fiquei amiga dele e da família e tenho uma admiração muito grande por eles. Aquele homem marcou-me pela sua tenacidade. É um self-made man que construiu um pequeno império. Também me marcou a sua mulher – mesmo estando na sombra dele – pela personalidade extremamente forte. Aquele homem nunca na vida teria atingido o que atingiu se não tivesse, efetivamente, aquela pessoa na retaguarda. Ela foi um apoio para a família e para os filhos de uma forma extraordinária e silenciosa. É uma família que me marca muito.
Enquanto Agente de Execução, marcou-me muito a crise. Inscrevi-me em 2007 e os anos seguintes foram muito maus. A perceção de que qualquer um de nós poderia ser executado foi algo que me chocou. Foi forte e tornou-me, penso eu, mais humilde. O facto de ser Agente de Execução alterou imenso a minha postura: deixei de vestir-me como me vestia e também deixei de usar anéis, porque achava ofensivo chegar a casa de um executado toda “emperiquitada”. Ainda hoje acho que isso não se faz. Por hábito, tinha sempre a resposta pronta para qualquer coisa e, enquanto Agente de Execução, aprendi a ouvir mais e a não julgar tanto. Tem sido uma experiência muito, muito interessante.
O que a levou a ser também Agente de Execução?
A possibilidade de ser Agente de Execução surgiu de forma prática e natural. Na altura, o trabalho em Solicitadoria nos centros urbanos diminuiu substancialmente e eu tinha de arranjar algo mais. Comecei então a exercer a Execução.
Sente-se realizada nestas profissões?
Claro que sim. No início, quando me perguntavam “o que é que faz?” ou “qual é a sua profissão?”, eu respondia muito baixinho “sou Agente de Execução”, porque toda a gente dizia “ai que horror”. Agora digo com convicção “Agente de Execução, faz favor”. Todos nós temos de ter uma profissão e exercê-la com dignidade, como acho que eu e os meus colegas fazemos. Só cumprimos o que está estabelecido e, para além disso, creio que o conseguimos fazer com calor humano e respeitando sempre o processo e o executado.
Como descreve o seu dia a dia enquanto Solicitadora e Agente de Execução?
Não consigo descrevê-lo plenamente porque ele nunca é igual. Normalmente faço imensas diligências fora, porque tenho processos em grande parte do país, desde o Norte até Lisboa. No Sul tenho apenas dois ou três processos, mas quando as diligências são lá, confesso que costumo delegar. Ando muito, muito fora, exatamente por causa daquele respeito que as pessoas merecem. Às vezes vou fazer a diligência por minha conta e risco, duas e três vezes para não ser tão bruta e chegar lá a dizer: “é agora, tem de sair!”. Eu que não gosto nada de andar de carro, passei a fazer por dia entre os 500 e os 700 quilómetros. Neste momento, é óbvio que não, porque há este problema da pandemia que todos nós sabemos e os processos executivos estão suspensos.
Acha que estas profissões têm evoluído muito?
Sim, sem dúvida. Nós agora, pelo computador, pedimos as certidões, as cadernetas prediais, tudo. Antes íamos para as filas e lá estávamos horas e horas. Contudo, perdeu-se também o contacto. Neste momento, já não conheço as pessoas que trabalham no Tribunal ou nas Finanças; só na Conservatória é que ainda conheço alguém do meu tempo. As que conhecia, já quase todas se reformaram. Confesso que também tenho saudades disso: de ir ao Tribunal e tomar um café, de ir às Finanças, de estar. Tenho muitas saudades de estar. Porém, reconheço que, em termos de rentabilidade e de otimização, a tecnologia não tem comparação com o que se fazia antigamente. Se antes íamos ao Tribunal diariamente ver os processos, levantar e pagar guias, entre muitas outras situações, agora sentamo-nos aqui na secretária e fazemos tudo. É uma diferença abismal.
Na sua opinião, quais são as características que os Solicitadores e os Agentes de Execução devem ter?
Idoneidade, solidariedade e respeito. E acho que temos. Eu tenho muito, muito orgulho nos meus colegas. Nunca tive, até hoje, um colega a quem eu ligasse a pedir ajuda para esclarecer alguma dúvida sobre uma diligência, ou sobre outro assunto qualquer, e que não o fizesse. E esta sensação de apoio e de conseguirmos perceber que se nos ajudarmos uns aos outros a classe fica melhor, é algo que eu admiro muito em todos eles.
Que conselhos deixa aos novos profissionais?
Ó gente, venham daí! Façam! Arrisquem! Venham porque esta será uma profissão que, a meu ver, nunca será extinta. Haverá sempre novas coisas para fazer, ainda para mais nesta fase em que a OSAE está a arranjar outros nichos de mercado para trabalharmos. Nisso a nossa Ordem está de parabéns. Portanto, eu acho que devem vir para esta profissão. Há gente nova e eu já conheço alguns, poucos mas conheço alguns, pessoas extraordinárias que fazem imenso e que são muito proativas. Precisamos disso. : :
Nas suas redes sociais, Fernanda Gomes, ao longo dos anos, contou peripécias que lhe têm acontecido enquanto Agente de Execução. Entre histórias de dificuldades, também se realçam as que são humanas. Desta forma, muito rica e visual, faz perceber a importância do serviço de Agente de Execução para fazer Justiça.
© Samuel
«“– Mas era só o que faltava! Então saiu da cama cedo, veio por essa estrada fora até à Guarda, com este frio, por nossa causa que não pagamos e ia-se embora sem tomar alguma??? Nem pensar! Já não digo para almoçar que, pronto, deve ter outras coisas marcadas, mas um chá ou um café, com este bolinho que fiz de manhã, ainda está morninho. Não quer? Não me vai fazer a desfeita. Eu sei que é a sua profissão, eu sei, mas minha filha é uma profissão bem azeda, adoce-a com uma fatia deste bolinho. Olhe, se não se sente à vontade, não coma, mas então vai levar para comer na viagem. Também não? É por ser cheeinha? Olhe que não é uma fatia deste bolo que a vai engordar... é caseirinho. Com o chá não insisto porque o chá é que não a ajude. Por causa da água fica-se mais inchada, mais pesada. Os líquidos para quem quiser emagrecer não recomendo!”
Pronto, a partir de hoje acabaram-se os líquidos! Vivam os bolos!»