O Repórter

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As tensas relações entre governo e mídia no Paraná

Transgênicos: os genes da discórdia

Sonegação de impostos: quem paga a conta?

OBSESSÃO

Saiba mais sobre esse desejo incontrolável e as formas de tratamento o_reporter.indb 1

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Editorial Esta revista é resultado de um trabalho de seis meses dos alunos da turma do 6º Período do curso de Jornalismo, da Unibrasil. Nestes tempos de contatos virtuais, buscamos exercitar o que se convencionou definir como a alma do nosso ofício: a reportagem. Saímos em campo em busca de histórias, personagens e temas que expressassem as preocupações, curiosidades e interesses do cidadão. Definido nosso roteiro, fizemos aquilo que é a parte mais rica do jornalismo: conversar, provocar e ouvir as pessoas, registrar suas reações, opiniões, desejos e medos. Do contato direto com nossos personagens e da observação e pesquisa da realidade à nossa volta, extraímos nossa matéria prima, que procuramos burilar em textos e traduzir em imagens para compartilhar com nossos leitores. Demarcamos um percurso variado, que nos conduziu aos diferentes compartimentos do jornalismo. Mergulhamos na precisão das estatísticas das matérias sobre economia, no intrincado mundo das relações entre política e comunicação, nas intrigantes manifestações culturais e comportamentais e buscamos resgatar também um pouco da história do nosso país. Nessa viagem, fomos guiados pela vontade de explicar o mundo que nos cerca e estimular a reflexão sobre suas contradições e polêmicas. Mas sempre procurando captar e expor as informações sob múltiplos olhares. Assim é ou deveria ser o jornalismo. É possível que na produção sejam encontradas algumas “rebarbas”. Mas e daí? Os alunos estão em processo de formação, apreendendo. E neste sentido, interessa, primeiramente, o exercício laboratorial, a experiência formuladora de conceitos, onde o fundamental é o palmilhar desse caminho chamado “construção do jornalista profissional”.

6. Mídia X Governo

22. Cidade sufocada Causas e efeitos do inchaço urbano

Professor Hugo Abati

Expediente Jornalista responsável:

Hugo Abati - Reg. Prof. 2774/11/07

Edição de Arte e Diagramação: Adriano Valenga Carneiro

Reportagem

Adriano Gomes Ana Andrade Anderson Leandro Bruna Magno Danielle Scheffelmeier Mei Flávia Bueno Francieli Regina Galo Guilherme Dala Barba 4

Heitor Hayashi Kleverson Lopes Luiz Augusto Gomes Marcus Vinicius Schroeder Mariane Correia Matheus Amorim Oscar Ariel Colaço Paula Valeska Ferronato Rafael Adamowski Rafaella Siqueira Robson Louriel Albuquerque da Silva Silvana Vicente Stela Piardi Stephany Zgoda Thiago Marcelo Paes

38. Dedosolho no preço combustíveis

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40. Asocial responsabilidade sob novos

Índice

aspectos

12. Depoimento O cinegrafista e a bala de borracha

14. Retrato da repressão Sirlei Fernandes fala sobre sua prisão no DOI-CODI

18. Índios O que os espelhos

42. Educação no campo 44. Esporte como integração 48. Transgênicos Os genes da discórdia 54. SUS Na prática funciona? 60. Obsessão Esse obscuro

não mostram

objeto do desejo

26. Trabalho informal A luta pela sobrevivência

28. Pro Jovem Como funciona

o programa de preparação do jovem para o mercado de trabalho

32. Economia solidária Um novo jeito de gerar emprego

36. Sonegação de impostos

Quem paga a conta?

66. Pedofi lia Entrevista com o

jornalista Milton Rui Fortunati, autor do livro Inocência Ferida.

70. Teatro Guaíra Uma história 71. A arte do grafite 72. Como é você diante de sua tribo? 74. Ae omorte avarento

Conto de Kleyton Miguel Presidente

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Política Polêmica

Da Redação / Entrevistas Flávia Bueno e Ana Andrade

Mídia O da questão Governo

Foto: Júlio Covello

O governador do Paraná, Roberto Requião, durante entrevista coletiva.

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Foto: Júlio Covello

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delicada relação entre governo e imprensa sempre deu o que falar. E muito o que escrever. Os laços financeiros entre poder público e meios de comunicação costumam pautar essa discussão, que se mantém na ordem do dia, mas não chega ao cidadão comum. No Paraná, entretanto, o governador do Estado, Roberto Requião (PMDB) resolveu lavar a roupa suja em público. Sentindo-se boicotado pela mídia, durante a campanha eleitoral de 2006, expôs uma ferida e reduziu drasticamente os investimentos em mídia privada. Mas as tensões começaram bem antes. Desde o início do seu segundo mandato, o governador já havia limitado os repasses de verbas de publicidade para a mídia privada. Durante a campanha eleitoral, já criticava duramente o governo anterior pelos altos gastos com divulgação e propaganda. Dizia que sua opção era investir mais em setores como saúde e educação. A disputa de 2006 foi apenas a gota d´água em um conflito que envolve jornais, emissoras de rádio e televisão. Em uma entrevista coletiva concedida dois dias após a eleição, Requião aproveitava cada pergunta dos jornalistas para mandar um recado para os proprietários dos meios de comunicação. A partir daquela data, as verbas de publicidade encolheram e Requião passou a fazer suas criticas à mídia diretamente na TV Paraná Educativa, que não é uma TV pública, mas um veículo estatal. Um dos principais palcos para as manifestações do governador foi a Escola de Governo, reunião de sua equipe para prestação de contas da administração estadual, realizada semanalmente às terças-feiras, e transmitida para o estado pela TV Paraná Educativa. A guerra começou e foi parar na Justiça. Os políticos de oposição, cri-

Antes, havia a censura pronta para golpear quem tentasse noticiar o que não fosse de interesse dos poderosos. Hoje há muita liberdade, e também por conta dessa liberdade, há quem veja nisso uma boa fonte de renda”. Adailton Bittencourt, jornalista da RPC.

ticados pelo governador na Escola de Governo, aproveitaram a onda de hostilidade entre ele e os meios de comunicação e foram à Justiça exigir que cessassem as criticas. O Tribunal Regional Federal, da 4a. Região, em Porto Alegre, acolheu a reclamação e determinou o fim das transmissões da Escola de Governo. O governador recorreu da decisão, a Escola de governo voltou ao ar, mas ele está proibido de se referir aos adversários. A cada desobediência, é multado em R$ 200 mil. O caso está no Superior Tribunal de Justiça. Requião já foi condenado ao pagamento de multas que somam R$ 650 mil e denuncia que está sendo submetido à censura. E o combate continua. Para Adailton Bittencourt, coordenador de reportagem e do núcleo de cobertura de eleições da RPC TV Paranaense, a vitória ou derrota de um candidato se deve única e tão somente aos seus próprios méritos e às suas ações. “Quando projetamos no outro a causa de nossos problemas, acabamos por perder a grande chance de avaliar nossos próprios erros e acertos”, diz o jornalista. Ele classifica como “vergonhosa” a relação do governador Roberto Requião com a imprensa paranaense e alega que tudo não passa de uma reação do poder público, que não se conforma quando a mídia vai a fundo em suas coberturas. “Quando a imprensa começou a investigar mais o poder público, os políticos começaram a se fechar, sempre com discursos preparados e informações que não lhe causem futuros prejuízos. Aqui, não se consegue

descobrir quantos funcionários há na Assembléia Legislativa. Cada vez que a imprensa tenta, é criado um muro de entraves e situações para dificultar o acesso a uma informação que por lei, e ainda mais por uma questão moral, deveria ser pública”. Na opinião do jornalista e funcionário da área de imprensa da Assembléia Legislativa, o advogado especialista em Ética e também professor, Luiz Alberto Kuchenbecker Pena, esta relação é “alvo de constante e intensa pressão”. Pena acredita que, para transformar essa relação socialmente aceitável, seria necessário uma intervenção mais qualificada e independente dos profissionais. “Precisaríamos de profissionais mais bem preparados e independentes, que tenham suas atitudes mergulhadas nos conceitos da ética”. Para Pena, os governantes deveriam cumprir seus papéis e se esforçar mais para o bem social do que para o bem pessoal. Assim como os jornalistas. As duas partes ainda precisam evoluir muito para chegar a este ponto, conclui. O conceito de liberdade da imprensa é importante para entender essa relação. Em qualquer profissão, existem maus profissionais. O jornalismo não é exceção. Para Bittencourt, é possível encontrar alguns meios de comunicação sérios e livres “Antes, havia a censura pronta para golpear quem tentasse noticiar o que não fosse de interesse dos poderosos. Hoje há muita liberdade, e também por conta dessa liberdade, há quem veja nisso uma boa fonte de renda”. Repórter

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Isenção uando um veículo de comunicação orienta para uma cobertura comprometida com interesses específicos na divulgação de um fato, os jornalistas podem ser reféns da ideologia da empresa. E só restam duas alternativas: obedece ou pede demissão. Ou ainda uma terceira: desobedece e é demitido. O professor e mestre em jornalismo, João Augusto Moliani, relata que já passou pela experiência e reflete sobre as várias formas de reação do jornalista. No seu caso, Moliani optou por suas convicções e não pelo emprego: “Eu posso ter vários problemas, como por exemplo, o financeiro, e posso optar por entrar no ‘acordo’. Em função disso, eu sou um profissional de qualidade duvidosa? Às vezes, não. Pode-se estar enfrentando uma circunstância difícil, mas é preciso analisar até onde nossas crenças podem suportar a violação”, analisou. Há quem diga que a mídia está submetida a interesses econômicos durante todo o tempo. Outros, que os veículos de comunicação podem sobreviver sem essa submissão. Bittencourt observa que os governos não são os maiores anunciantes do mercado. E que o discurso de que a mídia é dependente dos governos parte de quem não tem credibilidade para defender essa posição. “Os políticos que têm esse discurso – de que o partido da imprensa é o dinheiro –, poderiam ter um pouco de coerência e doar seus salários para entidades assistenciais sérias, demitir todos os seus parentes e afilhados políticos. Eu não me lembro de ter visto algum político votando ou propondo a diminuição dos próprios salários e benefícios”, opinou. Quanto à neutralidade no tratamento da informação, Moliani comentou: “Quando temos dois jornalistas cobrindo um mesmo assunto, teremos visões distintas. Isso é do ser humano. Eu sou mais ou menos parcial? Não. Eu vejo aquilo de uma maneira diferente. Não deixando de lado o que realmente importa, quando se produz uma matéria, que é o interesse publico.

Fotos: Hugo Abati

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Uma imprensa ética não é uma imprensa imparcial, neutra, que está no alto do muro. Uma imprensa ética é aquela que consegue tratar os assuntos e os personagens com a devida eqüidade” Alberto Kuchenbecker Pena, professor e advogado especialista em Ética.

Quando temos dois jornalistas cobrindo um mesmo assunto, teremos visões distintas. Isso é do ser humano (...) Não deixando de lado o que realmente importa quando se produz uma matéria, que é o interesse público” João Augusto Moliani, professor de Jornalismo. 8

E para isso, é preciso saber lidar com as diferenças, as divergências e o contraditório”, defende o professor Moliani. Já o professor Pena entende que a mídia não precisa ser neutra, mas justa. “Uma imprensa ética não é uma imprensa imparcial, neutra, que está no alto do muro. Uma imprensa ética é aquela que consegue tratar os assuntos e os personagens com a devida eqüidade”, definiu. O professor Moliani indica a falta de investigação dos profissionais da imprensa em apurar o que é declarado pelos políticos ou pelo poder público, em geral, como um dos obstáculos à neutralidade. Moliani interpreta a política, neste caso, como a “arte da argumentação”, onde o que é dito é apenas repercutido pelos meios. “Esse processo é complicado, você transmite o que os outros acham e não o que realmente acontece. Não há uma analise”, afirma. Pública ou particular? ara Pena, um governante tem todo o direito de usar o canal estatal para relatar sobre suas obras, mas também tem o dever de prestar contas de suas ações para a sociedade. O professor de Ética também defende que a emissora estatal deve abrir espaço para a divulgação da cultura e das diversas correntes de pensamentos políticos. “Isso não quer dizer que o governo, (qualquer governo), possa transformar uma emissora pública em aparelho de propaganda seu ou de seu grupo, como se a emissora não passasse de um palanque, ou qualquer coisa que o valha”, ressalta. O professor Pena destaca que o cidadão também é agente nesse processo, já que os impostos que paga são fonte de financiamento para a manutenção do canal estatal ou público. O professor Moliani acrescenta que o canal deve ser público e não de expressão do governo. “Tudo o que é político, é também contraditório. Alguns gostam mais do candidato x e outros do candidato y. Então, o canal deve servir ao estado e não estar a serviço de um governo, especificamente”, conclui.

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OA visãooutro lado do governo sobre a mídia O assessor especial do governador para a Comunicação, Benedito Pires, expõe o ponto de vista do governo do Paraná sobre esse enfrentamento com a mídia. Pires, um dos colaboradores mais próximos e leais a Requião, expressa o outro lado dessa polêmica. Como o governo Requião vê a cobertura jornalística sobre as ações governamentais, no Paraná? É um pergunta difícil, já que o governo quase não vê cobertura sobre suas ações, com raras exceções. Tome-se como exemplo o seminário “Crise — Rumos e Verdades”, que por quatro dias trouxe a Curitiba 35 especialistas do Brasil e de países como Argentina, México, Itália, Estados Unidos, Rússia, Equador, Inglaterra e Venezuela. Participou gente como Marcio Pochman, presidente do Ipea, o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, o norte-americano Thomas Palley, pósdoutor pela Universidade de Yale, autor da proposta de um acordo global justo, entre tantos outros. Ainda assim, pouco sobre o seminário se viu na mídia. Nossa imprensa preferiu, antes mesmo do evento ter começado, defini-lo como um capricho pessoal do governador e, assim, ignorá-lo. Felizmente, a grande mídia não é mais necessária para que o cidadão tenha acesso às informações. O site do seminário registrou mais de 30 mil acessos durante os quatro dias. Mais de 1,5 mil pessoas assistiram os debates via internet. A minirreforma tributária pelo gover-

no é outro exemplo. Embora haja estudos, inclusive da Fiep, comprovando que a mudança irá trazer vantagens para quem ganha menos, há uma má vontade sistemática e generalizada, na mídia, contra a proposta. O governo só aparece na mídia — e aí, sim, com destaque — quando se trata de criticá-lo. Nem que para isso seja preciso distorcer fatos — o que ocorre com lamentável freqüência. Mas, para quê informar bem, com qualidade, se o objetivo é apenas 'bater' no governo? A que o governo atribui esse conflito? Há um dato irrefutável — o governo que nos antecedeu gastou 1,46 bilhão de reais em propaganda, em valores corrigidos. Este governo, entre 2003 e 2006, gastou 203 milhões, também em valores corrigidos. Façam-se as contas e perceba-se a brutal diferença. Mas não é só isso — a grande mídia, no Brasil, tem uma posição clara no espectro ideológico. Nada contra isso, ressaltamos — desde que tal posição seja de conhecimento do leitor. Mas esse não é o caso. E a mídia e o governador estão em pólos opostos, ideologicamente. O que vemos, então, são jornais de direita defendendo preceitos neoliberais, advogando o fim de direitos trabalhistas, privatizações de empresas que em países do 'primeiro mundo' — para usar um termo tão caro à nossa imprensa — seguem sendo públicas. Pior, vendem isso a seus leitores como se fosse a verdade factual, a única alternativa

A grande mídia, no Brasil, tem uma posição clara no espectro ideológico. Nada contra isso, ressaltamos — desde que tal posição seja de conhecimento do leitor. Mas esse não é o caso.”

possível. É o diabo do discurso único, tornado anacrônico pela crise que começou em setembro. Os exemplos são inúmeros, mas usemos um da mídia nacional — tão partidarizada quanto a daqui. Semanas atrás, o âncora do jornal do meio-dia da rádio CBN entrevistava um economista crítico do modelo neoliberal. Surpreso, como se estivesse ante a aparição de uma fantasma, perguntou o âncora — “Mas o senhor não se sente só nadando contra a corrente? Todos os economistas que nós ouvimos se opõem ao que o senhor defende”. A resposta — “Não estou só. Posso listar dezenas, até centenas de economistas que pensam como eu. Mas vocês sempre ouvem os que pensam como vocês preferem que as coisas sejam”. A entrevista terminou ali mesmo. E, suspeitamos, foi a última desse economista à CBN. Comentando as criticas de Requião à mídia sobre o resultado das últimas eleições, Adailton Bittencourt, jornalista da Rede Paranaense de Comunicação, diz que a vitória ou derrota de um candidato se deve única e tão somente aos seus próprios méritos e às suas ações. Ora, Bittencourt decerto deve ter esquecido da edição que a rede de tevê que o emprega fez do debate entre Lula e Collor, em 1989. Ou da tentativa de vincular o candidato do PT ao seqüestro do empresário Abílio Diniz, também em 89. Jornalista experiente que é, certamente conhece o famoso debate entre John Kennedy e Richard Nixon, que se tornou paradigmático para qualquer aspirante a marqueteiro político. Foi o primeiro registro notável do predomínio da imagem numa campanha eleitoral. Lembremos também, em Repórter

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2006, da imagem tanto repetida por jornais, tevês, portais de internet, da famosa pilha de dinheiro cuidadosamente montada e fotografada por um delegado de polícia simpático ao PSDB. Serviu de mote para as perguntas furiosas do candidato derrotado Geraldo Alckmin — “de onde veio o dinheiro, Lula?” Que uma coisa fique muito clara. Este governo, e o governador Roberto Requião, em toda a sua trajetória, defendem a liberdade de expressão como um direito inalienável de qualquer cidadão. Desse direito faz parte a liberdade de imprensa. Mas tal liberdade implica também responsabilidades — no caso da imprensa, a responsabilidade de informar bem, de ser fiel aos fatos. E a polêmica sobre o nepotismo? Como o governo responde às criticas? Em campanha para o governo do Estado, em 2002, Roberto Requião registrou no programa de governo o compromisso de fazer de seu irmão, Maurício, secretário da Educação. Esse compromisso garantiu a Requião o voto de boa parte dos professores e educadores do Estado, que conhecem a competência e o conhecimento de Maurício sobre o assunto. Em cinco anos sob o comando de Maurício, o avanço da Educação no Paraná é inegável. Segundo o Ideb, o Paraná está em primeiro lugar entre todos os estados do País nas séries iniciais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio e em segundo lugar nas séries finais do Ensino Fundamental e ultrapassando metas estabelecidas pelo MEC para 2009. Sob o comando de Eduardo Requião, os Portos de Paranaguá e Antonina mais que dobraram suas receitas cambiais, que saltaram de pouco mais de US$ 4 bilhões, em 2002, para US$ 11,8 bilhões em 2007. Graças ao ótimo desempenho dos portos paranaenses, o governo federal decidiu suspender a privatização do sistema portuário brasileiro. Com Maristela Requião no comando, o Museu Oscar Niemeyer — que no ínicio de 2003 era apenas um imponente prédio vazio — é atualmente o museu brasileiro que mais exibe exposições simultâneas, e 10

Requião está sob censura prévia, graças a uma sentença judicial que em muito extrapola os limites de atuação do Poder Judiciário.” se consolidou como referência internacional de qualidade, conhecido e procurado no mundo todo. Os três foram empregados por Requião por terem competência para gerir as áreas que assumiram. Os resultados são inegáveis. Ao colocar parentes em postos-chave de seu governo, Requião deu a cara a tapa. Se o que ele quisesse fosse simplesmente garantir sinecuras a parentes, teria sido mais fácil colocá-los em cargos de segundo escalão, por exemplo. Mas a mídia foi severa com os parentes de Requião a ponto de chegar a desrespeitá-los. A Gazeta do Povo legendou uma foto de Maristela com a expressão “No olho da rua”. Uma pergunta — por que a mídia, tão rigorosa com os parentes de Requião, é tão discreta com o irmão e a esposa do prefeito de Curitiba, que também ocuparam cargos no primeiro escalão da prefeitura? Há, inclusive, uma campanha ostensiva entre políticos e blogs chamada 'Fica, Fernanda'. Ora, trata-se de incentivo ao nepotismo ou não? Note-se que não discutimos, aqui, a competência da primeira-dama para qualquer cargo para que seja indicada pelo prefeito, mas simplesmente a diferença de tratamento que a mídia dá aos parentes de Requião e aos de outros políticos. Outro ponto criticado pelos adversários seria o suposto uso da Rede Paraná Educativa para promoção pessoal do governador. Como o senhor vê essa cobrança? Roberto Requião não usa a Paraná Educativa para promoção pessoal. Usa-a, sim, como emissora de televisão pública e estatal que é, para divulgar programas e políticas de governo. O assunto foi exaustivamente debatido nos últimos meses, período em que Requião recebeu o apoio de personalidades como os jornalistas Luis Nassif, Sérgio Andrade, pre-

sidente da Fenaj, Maurício Azêdo, presidente da ABI, Raimundo Pereira e Carlos Chagas, do senador Cristóvam Buarque, dos governadores do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, do Tocantins, Marcelo Miranda, entre tantas outras. Todos entendem que Requião está sob censura prévia, graças a uma sentença judicial que em muito extrapola os limites de atuação do Poder Judiciário. Como avalia o fato de a mídia reclamar liberdade de imprensa para publicar o que deseja e, ao mesmo tempo, os opositores políticos entrarem com ações na Justiça, requerendo a proibição das manifestações do governador Roberto Requião, transmitidas pela TV Paraná/Educativa? Eis a contradição que salta aos olhos, e que deve ser objeto de reflexão de toda a sociedade, mas principalmente de jornalistas — e de futuros jornalistas, como os estudantes da UniBrasil. E não apenas no caso de Requião. É preciso também analisar o tratamento que a mídia dá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o jornalismo de esgoto que se tornou padrão da revista Veja — é fundamental que os estudantes conheçam o dossiê sobre a revista preparado pelo jornalista Luis Nassif, que está na internet, em http://luis.nassif. googlepages.com/. O Jornalismo é uma atividade fundamental a uma sociedade democrática. Mas não é o quarto poder, como acreditam alguns. O jornalista precisa, antes de mais nada, ser um crítico permanente do próprio trabalho e da atuação do veículo em que trabalha. Se não for assim, se incorrer no mais comum erro de tantos jornalistas — o deslumbramento com o próprio 'poder', com a falsa noção de celebridade trazida pela profissão —, como poderá ele almejar ser um crítico, um fiscal do trabalho de governos, políticos, corporações, quem quer que seja?

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Inúmeros estudos comprovam a parciliadade da imprensa.

Foto: Carlos Ruge

Tese de doutorado analisa cobertura das eleições no Paraná, em 2002.

A mídia nas eleições E

lza Oliveira Filha, jornalista, mestre em sociologia e doutora em Ciências da Comunicação afirma que a relação da política e imprensa no Paraná, historicamente, sempre foi “harmônica”. Ela trabalhou durante 20 anos em jornais do Paraná, como O Estado do Paraná e Folha de Londrina, e atuou como correspondente local de O Estado de São Paulo e o Globo. Os momentos em que houve oposição das mídias foram raros, apontou Oliveira, que vê peculiaridades na relação do atual governador com os meios de comunicação. “Isso se deve, parcialmente, ao comportamento do próprio governador e também a atitudes que ele implementou no relacionamento com a chamada grande mídia. Requião não se desentendeu apenas com os patrões da mídia, mas também com os próprios jornalistas”, afirma. Elza não crê que a imprensa, de um modo geral, esteja livre dos interesses políticos quanto à apuração e divulgação das noticias. “Inúmeros estudos comprovam a parcialidade da imprensa”, declarou a professora. Ela menciona que, em outros países, o vinculo político é menos evidente. Cita o exemplo da imprensa americana, em que os veículos de comunicação, editorialmente, assumem a

defesa de uma candidatura, mas mantêm a cobertura dos demais candidatos. No Brasil, acrescenta, esta forma de jornalismo é mais rara porque os veículos de comunicação são parciais e trabalham de acordo com interesses políticos, deixando de lado os interesses sociais. “A informação é manipulada, omitida e tratada de maneira fragmentada, dificultando o entendimento da realidade e a formação de uma opinião pública consciente de seus direitos e deveres de cidadania”, explica Em seus estudos e pesquisas de doutorado, em que analisou a cobertura dos jornais Gazeta do Povo, O Estado do Paraná, e a Folha de Londrina, durante a campanha eleitoral de 2002, Oliveira concluiu que a principal dificuldade dos jornalistas foi “a pressão patronal sobre o noticiário, seguida da falta de infra-estrutura para o desenvolvimento do trabalho (sobretudo recursos para viagens), e do despreparo e desempenho dos profissionais”. Ela ouviu os relatos dos partidos e candidatos, especialmente no caso em que o jornal estava envolvido na disputa, como o Estado do Paraná, cujo proprietário Paulo Pimentel disputava uma vaga ao Senado. Elza acha que as vitórias do governador Roberto Requião (PMDB), no Pa-

raná, e do presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), em 2006, desmentem a influência soberana da mídia sobre a opinião pública. “É importante lembrar que também a grande imprensa estava majoritariamente contra o Lula”, comparou. Para Oliveira “as elites dominam, mas o povo não é totalmente manipulável e amorfo”. Quando estourou o escândalo da manipulação do debate transmitido pelo Jornal Nacional da Rede Globo, entre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Mello (então PRN) na eleição presidencial de 1989, a emissora foi acusada de edição fraudulenta do programa. Mesmo que a organização tenha sido conivente, no intuito de manipular a opinião pública, quem fez a edição do debate foi um jornalista , diz o professor Moliani, que destaca a participação do profissional no processo. “Não desmerecendo a responsabilidade que a instituição tem com relação a esse fato, o profissional poderia ter negado a participação”, considerou o professor Moliani. “Nunca é a organização. É sempre o sujeito. É sempre o humano que está ali. Quem editou o debate do caso Collor e do Lula, foi um humano, é ele que poderia não ter editado”, declarou. A professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e autora do Livro “Telejornalismo e Poder nas Eleições Presidenciais”, Flora Neves, não vê fraude na edição do debate entre Lula e Collor. “O que houve foi uma manipulação na edição do maior telejornal do país para exibir melhores momentos de um candidato e piores de outro, a fim de propiciar uma interferência na opinião pública na véspera da eleição”, analisa. Neves acha que a campanha Repórter

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Depoimento Jornalismo

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A visão do c

A Foto: Hugo Abati

Eleição de Lula - Poder da imprensa nem sempre é hegemônico.

Em seu livro, a professora e pesquisadora Flora Neves analisa comportamento da mídia, durante as eleições presidenciais, em 2006.

de 89 foi diferente do caso Proconsult em 1982, quando se denunciou uma tentativa de fraude para impedir a candidatura de Leonel Brizola (PDT) ao governador do Rio de Janeiro. “A Proconsult era associada aos antigos colaboradores do regime militar, que governou o país entre 1964 e 1985”, observou. Na campanha eleitoral de 2006, a professora ouviu o repórter Rodrigo Viana, da Rede Globo, que não aceitou as imposições feitas pela direção de jornalismo, que pressionava para que assinasse um documento de repúdio ao programa “Observatório da Imprensa”, que acusava a emissora de ser unilateral na cobertura 12

do processo e até de omitir o acidente da empresa Gol Transportes Aéreo, no qual morreram pessoas 154 pessoas, no dia 29 de setembro de 2006, véspera da eleição. “Ele disse que não assinaria, pois considerava que a cobertura da Rede Globo não tinha sido isenta”. Em sua tese, a professora da UEL constatou que a maior emissora do país nunca agiu de forma isenta nas eleições presidenciais. Para ela, as elites, a imprensa e o poder público são uma rede completamente comprometida, uma moeda de troca. “Os acordos entre Congresso e Executivo e entre as grandes empresas para aprovar projetos e liberar concessões transformou a radiodifusão no Brasil em uma relação totalmente promíscua, onde poucos, nacionalmente, e em nível estadual e municipal, detêm tal poder”., afirma A professora da UEL insiste em que veículos e jornalistas têm a obrigação de ser imparciais. “Ao abrir para discussões, entrevistas e interagir com seus públicos, o jornalista está contribuindo para se desprender da parcialidade que muitas vezes carrega”, defende. Através de seus estudos, Neves pretende contribuir com o cidadão, ajudando-o a ser mais crítico em relação ao sistema e para que não desanime e lute pela democratização da comunicação.

atuação do repórter cinematográfico, além de registrar os fatos tal como ocorrem, pode mudar bastante o ponto de vista sobre um acontecimento. A forma de documentar a notícia pode dar compreensão variada ao público, a partir de suas intenções. Por esta característica da profissão, o repórter cinematográfico está muitas vezes em situação de risco. A mercê daqueles que não querem sua imagem registrada ou muito menos publicada em qualquer veículo de comunicação. Já vimos repórteres que foram mutilados durante a cobertura de uma guerra ou o exemplo dos vietnamitas que cruzavam seu país a pé para defender seus negativos. Mesmo com todas as dificuldades e riscos da profissão o jornalista nunca espera, mesmo dentro das circunstâncias mais difíceis, ver o seu direito profissional não respeitado ou cerceado. Passei por esta situação de restrição à atividade profissional, há pou-

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Texto e imagens Anderson Leandro

o cinegrafista e a bala de borracha cos dias, quando fazia o registro da desocupação por parte da Policia Militar do estado do Paraná de uma área de terra onde estavam mais de 600 famílias. Na ocasião, levei um tiro de bala de borracha que percorreu 10 centímetros em minha face, alojando-se próximo à garganta. Não vamos tratar aqui o fato da ocupação de terra ter sido incentivada por pessoas ligadas aos donos do imóvel para retirar da propriedade de 17.800 metros quadrados o título de área de preservação permanente, que a gente vê apenas nas novelas e documentários antigos sobre a apropriação de terras no Brasil. Na atualidade, a realidade se confunde a ficção. Faz algum tempo que um escritor traçou o diagnóstico: “Sempre tem um pouco de ficção na realidade”. Cheguei de manhã na área da ocupação e pude ver as famílias ateando fogo em pneus para estimular a atenção do público para a batalha que aconteceria mais tarde. O que havia naquele lugar, por volta das seis horas da manhã, era a certeza Filmagem: momento em que policial dispara que resistiriam cobala de borracha na mo forma de gadireção do cinegrafista. rantir um teto seguro para morar. O sentimento predominante naquelas pessoas era o de que o aparato de repressão do estado não agiria de forma violenta e nem ao menos seria utilizado para tirar daquela gente o direito de morar. Orientado sobre o tipo de co-

Anderson: perfuração de bala de borracha durante desocupação no bairro Fazendinha, em Curitiba.

bertura que a direção de meu programa esperava, eu desde cedo estava a postos para cumprir a tarefa. Presenciei crianças sendo alimentadas – outras brincando no orvalho da manhã – sem saber por que estavam acordadas desde tão cedo, e pessoas que, sem poder organizar a resistência, caminhavam para o trabalho. Mas o dia irrompeu! E com ele centenas de policiais também chegaram ao lugar onde se daria a batalha. Nesta hora, diante de câmeras filmadoras e fotográficas ecoou o grito dos ocupantes: “Queremos terra! Polícia é para ladrão, para o povo, não!” O oficial de justiça, “em nome da lei”, aponta para o alto o despacho autorizando o uso da força para retirar as famílias que ocupavam o local há mais de 45 dias. O conflito começa ao som de bombas de efeito moral, tiros de bala de borracha, gás lacrimogêneo e toda sorte de gritos de guerra para assom-

brar e espantar os que ousavam resistir ao irresistível. Uma bala de borracha sobrou para mim. Fui atingido pela mira de um policial que atirou para o lado que não devia. Atirou para restringir o registro da sua ação. Atirou como se fosse normal atirar contra tudo e contra todos quando a situação merecia a mais extrema cautela. Caí por mirar a câmera para “o que não deve ser visto”. Caí por mostrar o erro. O homem pago pelo homem atirando em homem, mulher e criança. Caí por mostrar o horror e a barbárie. Caí diante, não da bala de borracha atirada contra a imprensa, caí diante da bala do homem contra o homem. Caí, porque apenas eu caí. Os outros que caíram não tinham uma câmera, ou câmeras a seu favor. É esse o tipo de risco que corre o profissional de mídia que insiste em mostrar o que deve ser mostrado e o risco que se corre sem uma câmera ao lado. Repórter

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História Golpe de 64

Texto e fotos Adriano César Gomes

Retratoda o ã s s e r rep

Sirlei, em frente à Universidade Federal do Paraná (UFPR), quase 30 anos após o incidente. 14

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Vítima da repressão imposta pela ditadura militar

durante os anos de vigência do AI-5, Sirlei Aparecida Fernandes contou ao repórter Adriano Gomes como

foram os momentos de angústia no prédio do Dops e os anos que se seguiram ao incidente que marcou sua vida

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de dezembro de 1974. Curitiba, véspera de Natal. Sirlei Aparecida Fernandes, na época com 19 anos, era uma estudante do curso de comunicação social da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Com pouco dinheiro para voltar a Campo Mourão (sua cidade natal) e passar as festas com a família, ela decidiu se juntar a mais quatro amigos – todos estudantes da UFPR, também naturais do interior do estado – para comemorar a data, cantando e tocando violão na escadaria da Federal, na praça Santos Andrade. “Era para ser um Natal diferente”, diz Sirlei. E realmente foi. Por volta das onze da noite, o grupo, animado por melodias inocentes, hinos militares e canções ufanistas, foi abordado por policiais. Os vizinhos da praça, incomodados com o barulho e a cantoria dos quatro jovens, resolveram chamar a Polícia Militar (PM). Além de Sirlei, faziam parte do grupo uma jovem chamada Branca, um colega apelidado Casca e mais dois amigos (uma garota e um garoto), também estudantes da Federal. Ao serem abordados, os jovens tentaram argumentar, dizendo que estavam apenas cantando, festejando a noite de Natal. Os policiais não gostaram e o clima ficou tenso. No empurra-empurra, caiu da mochila de Casca alguns

Eles me levaram a uma sala, onde havia vários policiais. Eles eram grandes, fortes e falavam alto e grosso, justamente para me intimidar. Fiquei com medo. Naquela hora achei que não saíria dali com vida.”

panfletos e materiais impressos que denunciavam o sumiço de estudantes envolvidos em conflitos políticos em Curitiba. “Depois da cantoria, tínhamos planejado sair para trabalhar.” O trabalho do grupo era panfletar e distribuir jornais que denunciavam os maus tratos e os abusos sofridos por estudantes, nos últimos meses. “Eu sabia que o material que carregávamos não poderia cair nas mãos das autoridades. Sabia do perigo, pois havíamos sido alertados sobre o risco. Mas, para ser sincera, eu não tinha dimensão do momento político que todos vivíamos.” Apesar dos tímidos protestos do grupo, foram todos levados ao prédio da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops). A sede do Dops ficava a poucas quadras do local, num antigo edifício da rua Doutor Faivre. Lá chegando, o grupo foi separado e cada um deles foi interrogado individualmente. Antes da separação, significativos olhares foram trocados entre os cinco estudantes. Olhares que diziam uns aos outros: “Silêncio. Ninguém fala nada.” Sirlei foi interrogada durante alguns minutos, sempre sob a pressão das vozes e dos olhares intimidadores proferidos pelos inquisidores. “Após me interrogarem, eles perceberam que, apesar de distribuí-los, eu não tinha muita consciência em relação ao conteúdo dos panfletos”, explica. “Entenderam que eu não passava de massa de manobra.” Então, após o interrogatório, Sirlei foi liberada no início da manhã do dia 25. Não sem antes receber uma advertência dos policiais sobre o perigo envolvido “nessas atividades contra o Estado”. Devido ao trauma causado pelo episódio, Sirlei passou anos sem ver ou procurar os quatro amigos. Eles só foram se reencontrar muito tempo depois, mas nem todos estavam presentes a essa reunião. Branca, colega de Sirlei e também estudante da Federal, nunca mais foi vista. “Tentamos encontrá-la de todos os modos possíveis, mas foi em vão. Depois daquela noite de Natal, jamais tivemos notícias dela”, relata. Repórter

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Represália irlei decidiu que precisava passar uns tempos com a família, em Campo Mourão. Quando voltou a Curitiba para o início das aulas, percebeu que não seria nada fácil retomar a vida do modo como era antes. Sua matrícula para o segundo ano do curso de Comunicação Social na UFPR não pode ser efetuada. “Disseram-me que faltavam uns papéis, mas eu sabia que estava tudo em ordem”, lembra. As aulas começaram e Sirlei não desanimou. Mesmo sem estar matriculada, continuou freqüentando as aulas, como de costume, esperando pela validação de sua matrícula. Algo que nunca aconteceu. Após alguns meses de persistência, ela desistiu. Não tinha mais como lutar contra a vontade opressora da ditadura, que em tudo influía e a todos comandava. O sonho de se tornar jornalista teria que ser adiado. A repressão havia vencido. Ao menos por enquanto.

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A cena política m 1974, o Brasil estava sob o comando do general Geisel. Apesar de Geisel ter iniciado o processo

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de abertura democrática, os anos ainda eram de chumbo. O país vivia sob o domínio do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que foi baixado por Costa e Silva em 1968 e permaneceu em vigor até o início de 1979. “Sabíamos que vivíamos um tempo estranho, algo não andava bem”, relembra Sirlei. “Só não sabíamos, exatamente, o que era aquilo que estávamos vivendo.” O AI-5, a princípio, não tinha prazo de vigência e dava poderes ilimitados ao presidente. Através do AI-5, ficava suspensa a garantia de habeas corpus aos acusados de crimes ou infrações contra as ordens econômicas, sociais e à economia popular. Estabeleceu-se, na prática e sem restrição, a censura aos meios de comunicação. Mandatos foram deliberadamente cassados e vários funcionários públicos – inclusive professores universitários – foram expurgados dos quadros do governo. “As pessoas simplesmente sumiam e, muitas vezes, não se tinha mais notícias delas”, diz Sirlei. Devido ao AI-5, a tortura foi institucionalizada no Brasil. Policiais e agentes do Dops e do Destacamento de Operações de Informações - CenMesmo após tudo o que passou nos anos de repressão, Sirlei segue em frente. Hoje é jornalista e mãe de dois filhos.

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tro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) tinham carta branca para perseguir, prender, interrogar e torturar qualquer suspeito de incitar ou fazer parte de movimentos de esquerda. Muitos abusos foram cometidos nessa época. Porém, em agosto de 1979, no primeiro ano de governo de João Batista Figueiredo, foi promulgada a Lei de Anistia, que “perdoava” toda espécie de crime político cometido durante os anos de repressão. Tanto daqueles que foram torturados injustamente pelos agentes da ditadura, quanto daqueles que mataram, perseguiram, espancaram, torturaram e exilaram jovens estudantes, professores, artistas e intelectuais, durante quase as duas décadas que durou o regime. Retomando o sonho tempo passou e a vida de Sirlei tomou outro rumo. Os anos universitários haviam, por hora, ficado para trás. Após conhecer o marido, vieram os filhos e com eles novas responsabilidades. Em 1984, teve início o movimento Diretas Já, com mobilizações acontecendo também em Curitiba. Sirlei estava lá. Apesar da ampla abertura democrática alcançada a partir de 1984, ela ainda não sentia que as coisas haviam voltado ao normal. Faltava algo. “Decidi que era hora de voltar a estudar e retomar minha vida do ponto onde havia parado”, recorda. Era 2001 e quase 30 anos, já haviam se passado desde o episódio da Santos Andrade. Muita coisa mudara e ela sentira que era hora de mudar também. A graduação no curso de jornalismo aconteceu em 2006, na UniBrasil – a exatos 32 anos do incidente ocorrido nas escadarias da Federal. A reportagem, na tentativa de apresentar ao leitor documentos relativos aos acontecimentos vividos por Sirlei, há mais de 30 anos deparou-se com uma situação bastante estranha: não existem registros de passagem de Sirlei Aparecida Fernandes entre os documentos do Dops disponíveis no Arquivo Público do Paraná. Outro detalhe chama

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a atenção: o fato de – entre a vasta documentação relativa aos estudantes da Universidade Federal do Paraná, nas décadas de 1960, 1970 e 1980 – curiosamente, não haver registros dos alunos dos anos de 1974 e 1975. O que aconteceu com esses documentos? Onde foi parar o registro de Sirlei que atestaria sua passagem pelo Dops? E onde está a relação dos alunos da Federal dos anos de 1974 e 1975? Perguntas não respondidas, várias outras que dizem respeito a um dos mais atrozes períodos da história deste país. “Levou muito tempo para que eu pudesse superar tudo aquilo que aconteceu”, revela Sirlei. “Hoje, tudo não passa de uma má lembrança, um fantasma que, agora, pertence ao passado”, conclui. Torturadores Impunes o que aconteceu com os militares, policiais, agentes e torturadores que cometeram abusos contra estudantes, trabalhadores e pessoas comuns, durante os anos em que o país foi assolado pela repressão? Nada. No Brasil, a Lei da Anistia, aprovada em 1981, pelo presidente – e militar – João Baptista Figueiredo, garante impunidade a todos os torturadores da ditadura militar. O projeto de lei que garante a Anistia foi aprovado em 1981, depois de terem sido barrados outros projetos e emendas que tinham como intenção favorecer também os presos políticos, as famílias dos desaparecidos e os mortos pela ditadura. Sem opção, as famílias brasileiras tiveram que se contentar com um atestado de óbito presumido ou de desaparecimento, sem direito ao esclarecimento do que aconteceu com os militantes ou saber o paradeiro de seus corpos. Os torturadores e assassinos continuam impunes. Mas essa história parece ter tomado, recentemente, novos rumos. Tudo parece ter começado com uma declaração do ministro da Justiça, Tarso Genro, a respeito da impunidade proporcionada pela Lei de Anistia aos torturadores. Os crimes cometidos pelos militares e tortura-

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dores não se enquadrariam no perfil de crimes políticos, mas no dos crimes contra a humanidade, de acordo com a Convenção de Genebra Ao saberem da intenção do ministro, comandantes das Forças Armadas exigiram do presidente Lula uma manifestação pública de que não haverá revisão alguma nos moldes da Lei de Anistia ou nos processos criminais já extintos. Segundo o presidente da Ordem

AI-5:

O DNA DA REPRESSÃO Dos 17 Atos Institucionais editados entre 1964 e 1969 pelo Regime Militar brasileiro, o de número 5 - que completou 40 anos, em 2008 sem sombra de dúvidas, é o mais emblemático. Se pudéssemos buscar a essência dos anos de chumbo, o AI-5 é o seu DNA. Subscrito pelos integrantes do Conselho de Segurança Nacional, o texto legitima em seus 12 artigos a ofensiva do Estado na missão de eliminar toda e qualquer oposição, seja pela censura prévia aos meios de comunicação, seja pelo fim do habbeas corpus, seja pelo fechamento do Congresso Nacional e cassação do mandato dos parlamentares. Nas entrelinhas do AI-5 é possível constatar que a partir da sua edição, em 13 de Dezembro de 1968, a prática da tortura pelos agentes do Estado contra os inimigos do Regime foi legitimada, tudo em nome da Segurança Nacional contra o avanço do comunismo. Embora sua vigência tenha ido

dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir se crimes desse tipo, praticados há mais de 20 anos, prescrevem ou não. “Se o Brasil assinou tratados internacionais que prevêem a imprescritibilidade da tortura, seria lógico que o STF dissesse que tortura não prescreve”, disse Britto em matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, em 16 de outubro deste ano.

até 1978, o AI-5 deixou como herança a cultura da impunidade que persiste há mais de quatro décadas e mantém torturadores e assassinos da Ditadura Militar distantes de qualquer responsabilização. Somente com a abertura ‘ampla, geral e irrestrita’ dos Arquivos da Ditadura é que a Democracia brasileira poderá reescrever essa página da História Política e superar de uma vez por todas o passado que insiste em nos atormentar (e nos torturar). Tortura, nunca mais!

Silvia Calciolari é jornalista, mestre em Sociologia pelo UFPR e autora do livro ‘Expresos políticos e a memória social da tortura no Paraná (1964 – 1979)’.

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Artigo

Situação indígena

Texto Matheus Amorin Fotos Oswaldo Eustáquio

O que os espelhos n

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não mostram A aldeia Karungá,

em Piraquara, retrata a realidade do índio brasileiro

Crianças da aldeia Araxá-í, em Piraquara.

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á um quê de colonialismo em se observar a vida em tribos indígenas brasileiras. Um ar de visão evolucionista em relação a essas pessoas tão mais civilizadas, mas ainda tidas por muitos como “exóticas”. Nada poderia ser mais equivocado. Quando os portugueses chegaram a estas terras, pensaram que ganhar espelhos, e outros presentes europeus seriam o auge da realização pessoal para aqueles silvícolas (com o perdão do termo, pois não cabe nem àquelas tribos e nem às de hoje). Não se davam conta de que a sociedade que haviam “descoberto” era muito superior à deles em matéria de organização política e social. Para se ter uma idéia do quão avançados eram os indígenas brasileiros à época do colonialismo, se Lênin e seus camaradas tivessem desembarcado em terras tupiniquins ao invés dos lusitanos, imediatamente entrariam em outras caravelas, rumo ao oriente, sua terra natal, bradando a plenos pulmões: “Funciona! O comunismo funciona! Não temos o que temer!”. Porque a herança deixada por aqueles índios é tão forte em seu povo, mesmo nos dias de hoje, mesmo com tantas barreiras e tantas tentativas (voluntárias ou não) de forçar uma adaptação dos índios ao modo “branco” de vida em sociedade, que ainda que se duvide, daqui a muitos anos, haverá um grupo indígena a preservar sua cultura. É o que se percebe ao entrar em contato com os povos de aldeias como a Araxá-í, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba. Localizada em um pé de serra, já nos limites da cidade, o pequeno povoado tem cara de vilarejo do interior. Mas os costumes de seus habitantes demonstram a enorme diferença para a dita “civilização ocidental”. Estão preservados os antigos ritos, coRepórter

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mo o de repartir tudo com todos: eles não dependem mais da pesca e da caça, como se podem imaginar. Sim, os anos passaram também para eles. Mas isso não quer dizer evolução. Não para eles, que sentem na pele os efeitos do abandono e do neo-colonialismo branco. Os conquistadores de outrora foram substituídos por gente engravatada, com um discurso muito mais hipócrita. Se antes ofereciam tecidos e arte vinda do outro lado do oceano, hoje tentam ofertar terras delimitadas, marcadas com régua e caneta no mapa que eles, os brancos, produziram. E o fazem como se estivessem realizando a boa ação do dia. Ora, não são os índios os verdadeiros donos desse chão? Por que sujeitar-se às imposições de outros, que invadiram seu território, mataram sua gente, saquearam sua História e tentaram, como se não fosse nada, acabar com sua cultura? Porque o mundo em que vivem os descendentes daqueles caçadores, caciques, pagés, aventureiros, não os vê como homens livres. São antes escravos de uma sociedade que raramente lembra que eles existem. Quando isso acontece, é porque apareceram na televisão, em alguma notícia de jornal, empunhando um facão para um homem com traços que lembram os navegantes europeus, ou fazendo protestos no meio de uma estrada federal, exigindo seus direitos. O máximo que a boa vontade dos detentores do poder midiático lhes permite é aparecer em um programa de variedades na TV, como se fossem extraterrestres, observados de longe, e com muito cuidado, pelos espectadores que vivem nas grandes cidades. Mal sabem eles que, para garantir um pedaço de chão (este chão, que lhes é de direito), os índios da TV precisam lutar muito. Lutar contra a esperteza e a burocracia do sistema de distribuição de terras nacional. Lutar contra as leis injustas, contra a compulsão hereditária do homem branco de conquistar sempre mais e mais espaço, não importa a que custo. Um lugar para viver m 2003, a aldeia Araxá-í foi palco de uma guerra política entre os índios e este sistema autoritário, que previa a desapropriação daquela área. Fo-

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Crianças indígenas da aldeia Araxá-í, durante visita à reserva da Ilha da Cotinga.

ram necessários quatro longos anos de negociação da Funai para que o lugar permanecesse como lar dos guaranis. Foi dado em 2007 um dos primeiros passos para que a aldeia, onde vivem cerca de 70 pessoas, se transforma em uma reserva indígena. A Prefeitura fez a doação de um terreno de 40 hectares para a tribo, que já ocupava a área há 8 anos. Em fevereiro do mesmo ano também foi enviado à Diretoria de Assuntos Fundiários da Funai, em Brasília, um pré-estudo sobre a viabilidade de se criar a reserva. O reconhecimento da área, por parte do governo, significa

mais investimentos na aldeia. A vida na Araxá-í não é fácil. Por se tratar de uma área de mananciais, às margens da barragem Piraquara I, existe uma série de restrições ambientais. Os índios vivem basicamente da venda de artesanato. O que ganham é insuficiente e a alimentação é reforçada com cestas básicas cedidas pela Funai. As casas da aldeia são precárias e a energia elétrica só chegou ao fim do ano passado, com o programa do governo federal Luz Para Todos. Para que o poder público possa investir ainda mais, é preciso que a área

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Produtos artesanais: fonte de renda nas aldeias indígenas.

esteja reconhecida e demarcada. O governo do Estado e a Prefeitura já estão elaborando projetos para a construção de casas de alvenaria e desenvolvimento da apicultura. Outro projeto da Secretaria de Estado da Educação visa capacitar professores, já que as aulas ministradas na aldeia são bilíngües. No entanto, segundo o administrador regional da Funai em Curitiba, Glênio Alvarez, o processo de criação da aldeia pode demorar um pouco. No ano passado foi feito um pré-estudo antropológico sobre o grupo, enviado este ano à Funai. Dependendo da análi-

se, será criado um grupo de trabalho que fará um estudo mais aprofundado sobre a viabilidade de ser criar a reserva, além de definir o tamanho da área. A doação da área para a aldeia pode encurtar caminhos para a instalação da reserva. O prefeito de Piraquara, Gabriel Jorge Samaha, diz que o repasse do terreno foi uma questão de respeito com a comunidade indígena. “Eles escolheram Piraquara para viver porque acham que aqui tem um significado místico. Foi a partir de então, que o local passou a se chamar Espaço Etno Biodiverso M’Bya Guarani Araça-í.

O Serviço de Proteção (ao Índio) na mão dos Estados seria a anarquia nos processos e nos meios; estaríamos expostos, a meu ver, na extensão do território brasileiro aplicado, aqui o extermínio, ali a catequese forçada, teologia ou metafísica, e mais além o abandono.” Carta do Mal. Cândido Rondon, de 1910.

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Geral

Espa莽o urbano

Textos Stephany Zgoda, Mariane Correia e Bruna Magno

Cidade sufocada

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O Inchaço urbano pela ótica do cidadão

Foto: Hugo Abati

Vila Nova, Colombo, região metropolitana de Curitiba.

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trânsito flui vagarosamente. O taxista Zederico Guerreiro, 51 anos, segue com sua rotina. A primeira parada é na Rua Engenheiro Rebouças, sentido centro, apartamento 350. Para chegar ao destino, enfrentou um congestionamento de 38 minutos, e mais 15 minutos na espera de sua passageira, a funcionária pública Claudia Tavares Adkins. Claudia entrou no carro e desculpou-se pelo atraso. “Estava esperando a babá de meu filho chegar. Ela mora no centro, mas mesmo assim se atrasou, graças à falta de ônibus”. “Que trânsito!”, exclama Cláudia. “Como o senhor consegue viver nessa rotina?”. Guerreiro lembra que quando era criança, seu pai levava os cavalos para beber água na fonte do Largo da Ordem, depois de fazer compras em uma mercearia que existia ali perto. No começo de sua carreira, como taxista, estava acostumado com a tranqüilidade das ruas. “A partir do ano de 1999, eu lembro que as coisas começaram a mudar, o número de carros aumentou muito depressa, e parece que não cabem mais carros dentro da cidade”. Atualmente 1035.819 veículos circulando pelas ruas de Curitiba, e 500 novos carros licenciados todos os dias na cidade, segundo dados do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR). Marise Heleine, especialista em trânsito da URBS, diz que há um conjunto de ações que precisam ser feitas com continuidade, para que se possa pensar em melhorar o fluxo no trânsito.” Não basta somente os órgãos públicos e governantes resolverem. A população deve fazer a sua parte”, comenta. Para Marise quem quiser comprar seu carro deve saber que junto com o “sonho” vai adquirir os problemas das cidades motorizadas. “Acho que ficou muito fácil para o brasileiro comprar carro. Por isso, tem tanto carro e tanto trânsito”, supõe Zederico. “Se as pessoas andassem mais de ônibus, não ia ter tanto movimen-

to. E olha que já não é só em horário de “pico”, mas também no meio da manhã ou da tarde está tudo congestionado”, acrescenta o taxista. Transporte coletivo specialistas apontam o incentivo ao uso de transporte coletivo como a melhor saída para desafogar o trânsito na metrópole. O difícil é convencer uma parcela da população a mudar seus hábitos. De acordo com uma pesquisa da Associação Nacional de Empresas de Transporte Urbano (NTU), para transportar 70 pessoas são necessários 50 automóveis, ao passo que um único ônibus faria o serviço, e ainda sobraria algum espaço. Então, por que muitas pessoas preferem enfrentar o trânsito caótico a pegar um ônibus? Num ônibus lotado, a estudante universitária Márcia Dominico, 22 anos, relatou as dificuldades que enfrenta utilizando o transporte coletivo pela manhã e final da tarde. “Tenho que pegar dois ônibus para ir para o estágio de manhã e mais dois no final da tarde. A cada ano, os ônibus estão mais lotados do que quando eu entrei na faculdade. Sempre houve lotação, mas está cada dia pior!”, reclama a estudante. Dados indicam aumento no número de pessoas que utilizam o transporte coletivo. Para a Urbs, o fato se deve ao preço das tarifas e ao transporte integrado com a região metropolitana. Em 1997, o número de passageiros era de cerca de 350 milhões por ano. O número diminuiu para 290 milhões, em 2004, ano em que a demanda voltou a subir, alcançando 320 milhões de passageiros em 2007. Atualmente, de acordo com site da Urbs, 2 milhões de usuários usam diariamente o sistema integrado do transporte coletivo. Mas os 1980 ônibus, atendendo 395 linhas, suprem as necessidades da população? A longa espera na fila (e durante o trajeto), os ônibus lotados, a falta de conforto, a falta de educação dos usuá-

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rios – apesar da propaganda feita em outros estados do país, deixa Curitiba longe do “primeiro mundo” neste quesito, e – sem falar na sensação de insegurança são os principais obstáculos à utilização do transporte coletivo na capital paranaense. Migração e empregabilidade babá Alana Tortato, 46 anos, deixou o município de Barra do Turvo, São Paulo, e veio para Curitiba em busca de melhores condições de vida. “Trabalhar no campo era cansativo e muito difícil. A nossa renda familiar era muito baixa. Minhas irmãs vieram para cá ainda crianças, com meu pai. Estudaram e hoje têm uma profissão.” relata. Após um período longo sem trabalho, seu filho, João Paulo Tortato, 32 anos, casado e pai de duas crianças, conseguiu emprego como empacotador em um moinho de farinha de trigo. Juntos ganhavam cerca de dois salários mínimos por mês, mas insuficientes para sustentar uma família com cinco pessoas. Caso semelhante é o de Marcos Cardoso Boja, 25 anos. Ele deixou o interior de São Paulo, após ser demiti-

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do do emprego, no caixa de supermercado. Ao chegar em Curitiba, sua intenção era conseguir um bom emprego e fugir do olhar reprovador da pequena

Foto: Hugo Abati

Terminal do Guadalupe: embarque para a região metropolitana de Curitiba.

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cidade de Itararé. Depois de inúmeras tentativa, sem um resultado positivo, começou a trabalhar como carrinheiro, de onde tira R$ 7 por dia. Com esse novo contingente migratório vieram a falta de emprego, infraestrutura, moradias, segurança, saúde, saneamento básico, educação, o crescimento das favelas e da economia informal, aumento da população pobre, e das precárias condições de vida da classe operária, derivadas dos baixos salários. Dados do governo do estado indicam que a necessidade de investimentos em infra-estrutura cresceu de 36% para 80%, nas últimas três décadas. A população urbana aumentou no período de sete anos enquanto a população rural diminuiu em 20 municípios do estado. O Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que mais da metade dos municípios que perderam população rural está concentrada nas regiões Oeste, Centro e Noroeste. O mesmo processo foi notado entre os anos de 1996 e 2000, em 39 cidades. Segundo o professor do departamento de História da Universidade Federal do Paraná, Dennison de Oliveira, no caso paranaense, essa transição se completou apenas nos anos 80, quando finalmente a população urbana ultrapassou a rural. “Sem dúvida

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Curitiba, mais de um milhão de carros em circulação.

Êxodo rural A redução da população rural, embora generalizada em todo o Estado, foi mais acentuada no conjunto de municípios com predomínio de ocupação agrícola (-3,46 %); da redução de 257 mil pessoas do meio rural paranaense, três quartos devem-se à redução verificada neste conjunto de municípios. O processo de evasão populacional observado não teve como contrapartida a absorção, pelo mercado de trabalho urbano, da mão-de-obra liberada das atividades agrícolas. Considerando-se os dados sobre ocupação no Paraná, no período 1992-1997, verificou o crescimento (17,5%) da ocupação nos setores de atividade propriamente urbanos. Entretanto, esta performance deve ser relativizada, pois a base de comparação, o ano de 1992, coincide com a recessão associada ao Plano Collor, sendo que a recuperação posterior do nível de ocupação apenas repôs este ao patamar anterior à crise. Além disso, o incremento da ocupação nos segmentos urbanos foi suficiente apenas para “compensar” a redução da ocupação na agricultura (-20,14%). O saldo do período 1992-1997, no Paraná, foi um crescimento da ocupação total aquém do crescimento da PEA e da PIA, implicando o aumento da taxa de desocupação de 5,4% para 6,9%.

que as cidades, e ainda mais as metrópoles, transformaram o habitat da população mundial, impondo um estilo de vida pouco regulado pelos padrões típicos das sociedades agrícolas”, disse. No Paraná, a urbanização foi intensa nas décadas de 70 e 80. Na época, a população das áreas rurais, atraída pelo desenvolvimento industrial, começou a dar uma nova forma para Curitiba e região metropolitana. Em busca de soluções reorganização das cidades e dos espaços usufruídos por toda a sociedade é passo básico no direcionamento de melhorias para a qualidade de vida e segurança. Os graves problemas encontrados no trânsito urbano e regional do país desencadearam a busca por soluções. Os problemas causados pelo inchaço urbano colocam o Brasil frente a uma situação preocupante, na qual a mobilidade é questão de política pública, mudança de lógica e elaboração de planos de governo sustentáveis. Alana Tortato, Marcos Cardoso Boja, Márcia Dominico, Zederico Guerreiro e Claudia Adkins são cinco cidadãos, com histórias de vida diferentes, mas que se encontram e se confundem com a de muitos outros que sentem na pele o drama que vem assombrando a vida na cidade grande: o inchaço urbano.

Sobrevivência a R$ 0,10 por kilo de lixo reciclável recolhido.

Foto: Hugo Abati

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Geral

Sobrevivência

Texto e fotos Rafaela Siqueira

Trabalho informal a luta pela sobrevivência

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Julio Cezar Padilha – R$ 700 por mês como flanelinha.

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úlio César Padilha de Paula, 38 anos, acorda às 5 da madrugada, quando a lua ainda está alta. As ruas estão desertas, gostaria de ficar na cama, mas não pode. O abrigo oferecido pela prefeitura obriga que as pessoas levantem e desocupem o local bem cedo. O local será preparado para receber as mesmas ou novas pessoas que, como Júlio, não tem moradia e disputam uma vaga, diariamente, nos beliches. Os abrigos, imensos galpões, acolhem as pessoas que não tem moradia, e são uma opção para que não sejam agredidas, queimadas, roubadas ou sofram com o frio da madrugada. Na vida, Júlio é flanelinha. Trabalha de segunda a domingo guardando carros nas ruas de Curitiba. Ajudando na baliza, recebe a recompensa pela vigilância do carro ou moto quando o motorista quer pagar. Pai de quatro filhos, divorciado, estudante do ensino fundamental, sem a terceira séria concluída, atua há um ano e meio no Bairro Cristo Rei, nas imediações do Pollo Shoping. Trata-se de uma área de aproximadamente 70 metros, com capacidade para 14 carros. O local para estacionar os carros na rua é marcado por árvores. Ali,11 flanelinhas como ele dividem o espaço para receber gorjetas. Em muitos casos, os donos dos carros negam qualquer ajuda. Ewaldo Shiuler, freqüentador do local, diz “não pago, não vou contribuir para o aumento de trabalhadores de rua e pedintes. Tenho

direito de colocar meu carro na vaga”. Júlio quer retornar os estudos, mas alimenta a hipótese de que as dificuldades afastam este desejo. Segundo ele, o horário que pode ser dedicado à escola implicará no exercício de seu trabalho diário de flanelinha. Caso Júlio deixe o seu local de trabalho antes do horário do Shopping encerrar o atendimento, ou chegue horas mais tarde a sua abertura, uma outra pessoa pode pegar o seu ponto de trabalho, e passar a receber pela guarda dos carros. Com um rendimento de R$700 mensais, consegue pagar aluguel da casa que os filhos moram e alimentálos. Júlio nunca trabalhou com carteira assinada, mas está satisfeito com o salário que tira como flanelinha. Conta que quando trabalhava nas ruas do centro seu lucro era melhor. Mas como não era cadastrado para que o trecho de rua seja dele, não pode ficar no local. Além disso, policiais militares exigiam um pouco do que ele ganhava no final do dia. Antes exercia a função de faxineiro, que lhe rendia muito pouco no final do mês. Para completar sua a renda catava papelão das lojas que ficam próximas ao ponto que trabalha. Mas com o roubo dos pneus de sua carroça, acumula papelão na calçada. Ainda sonha em ter um emprego que possa lhe proporcionar uma aposentadoria. “Meu sonho é ser manobrista de estacionamento. Mas como não tenho estudo, não consigo vaga nestes lugares.”

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De bem com a informalidade a mesma cidade, um pouco mais adiante, numa das ruas paralelas à XV de Novembro, Moacir Minuzzo, 50 anos, recebe sorridente os fregueses que vem até seu carro comprar frutas e verduras. Atualmente, trabalha por prazer. “Sinto-me bem recebendo e conversando com as pessoas da vizinhança, fazendo amizades, trocando opiniões e discutindo assuntos”, explica. Ele é produtor e vendedor de frutas.Apesar de ser formado em teologia pela PUC e ter exercido a função de padre no sudoeste do Paraná, o vendedor de frutas não se identificou com a batina e com a paróquia e veio para Curitiba, onde adquiriu uma Kombi velha para vender a mercadoria que comprava no Ceasa. Por muitos anos sua vida teve a mesma rotina. O tempo passou e o simples vendedor se transformou no produtor das frutas e verduras que antes tinha que comprar para revender. Acompanhado de dois funcionários, também trabalhadores informais, fazem as entregas dos produtos em restaurantes, hotéis, mercearias e mercados de pequeno porte. Minuzzo trabalha com venda de frutas e verduras há 28 anos em Curitiba. O seu dia também começa cedo, mas ele tem um lar, uma esposa, filhos e atualmente trabalha por lazer, por gostar do que faz, se sentir bem em meio ao pomar e às verduras. “Gosto de enfiar o pé no barro, ir para dentro do mato. Sinto-me feliz com meu dia começando assim”, diz o ex padre. Hoje em dia, Moacir é proprietário de um apartamento, um caminhão, um sítio e uma caminhonete D-20. No sábado em que foi entrevistado, uma questão lhe foi imposta: se era mesmo necessário que o detentor de uma vida estável, com clientes fixos, tivesse a necessidade de estar às 13h22 em pé, sob chuva e frio esperando compradores. “Tudo saiu da fruta, é um prazer para mim estar aqui conversando com os clientes que se tornam amigos.”. Satisfeito, tem um salário mensal de R$ 4.000, e afirma que a comodidade faz muitos trabalhadores informais não crescerem economicamente.” A falta de vontade de conseguir uma vida melhor estaciona as pessoas e elas nunca saem de onde começaram. Já fiz R$8.000 por

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Moacir Minuzzo – R$ 4.000 mensais vendendo frutas e verduras.

mês, e tem épocas que não consigo nem R$2.000. Mas nunca desisti.” Ambulantes número de vendedores ambulantes é grande no centro de Curitiba. A falta de empregos formais (com carteira assinada) pode ser um dos indicadores responsáveis para que o trabalho informal seja a saída para o sustento de várias famílias. Por falta de melhores oportunidades algumas pessoas recorrem à informalidade. Como é o caso dos ambulantes que precisam fugir a todo o momento dos fiscais da prefeitura. P.A.M. é um brasileiro que também persiste. Tem 35 anos, trabalhou com carteira assinada para empresas de transporte rodoviário,mas há três anos vende dvd pirata provenientes do Paraguai. Apesar de já ter pago imposto, hoje tem que fugir dos fiscais da prefeitura. É vendedor ambulante porque não conseguiu mais um emprego com carteira assinada, por estar acima dos trinta anos e não possuir especialização. Mas garante que apesar de ganhar pouco, consegue se sustentar. “Para conseguir um bom emprego, precisaria conhecer alguém que tenha influência”, diz o vendedor. . Alguns vendedores possuem licença para vender seus produtos. É o caso do vendedor José Ramiro Lopes, que trabalha na Travessa da Lapa há quatro anos. Segundo ele, a autorização é gratuita e pode ser conseguida em uma das

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Ruas da Cidadania, em Curitiba. “A licença á concedida apenas para quem vende produtos nacionais. Por isso o número de vendedores ilegais ainda é grande”, diz Lopes. J.L.S., 43 anos, vende capa para cartão transporte na Praça Rui Barbosa há cinco anos. Ele trabalhou 25 anos com carteira assinada em diversos tipos de funções. Devido à toxoplasmose, perdeu a visão. “Trabalho por opção, já que não preciso sustentar a casa, onde quatro pessoas trabalham com carteira assinada”, completa. Em algumas regiões no centro, como a Praça Zacarias e a Rua XV, não se encontram mais ambulantes, devido ao policiamento. Porém, alguns policiais defendem os ambulantes. “É melhor eles venderem nas ruas sem pagar os impostos do que roubar as pessoas. Já que estão desempregados, ao menos procuram uma forma de sobreviver”, diz o policial militar D. M. M. Os policiais militares podem atuar contra os vendedores ilegais, mas normalmente esse trabalho é feito por fiscais da prefeitura. A maioria dos consumidores acredita que o acesso aos produtos vendidos pelos ambulantes é mais fácil graças aos preços oferecidos por eles. “Apesar de desconfiar da qualidade dos produtos, é mais fácil comprar um cd pirata de R$ 5 do que um original de R$ 30, justifica o consumidor F.M. Repórter

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Geral

Projovem

Texto e fotos Guilherme P. Dala Barba

ProJovem A dolescente contra o abandono escolar e o desemprego juvenil

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ma menina de 15 anos acorda às cinco da manhã todos os dias, desce do beliche com cuidado para não acordar o irmão menor, pega um surrado uniforme de colégio e leva para o único banheiro da casa para se trocar. Na frente do espelho decide que não vale a pena arrumar seus cabelos, pois ao voltar para casa ele estará de qualquer maneira arruinado. É dia de ajudar seu pai e não há razão para sair arrumada. Então o seu pai bate na porta para apressá-la e avisar que estão atrasados. Saem de casa apressados, pegam a carroça do pai e começam a recolher restos de papel dos lixos e ruas da cidade. Partem do bairro Sítio Cercado até o centro de Curitiba e só retornam ao entardecer. Esta é uma história comum de entrada precoce no mercado trabalho e de evasão escolar. A menina, que pediu para não ser identificada para não correr o risco de prejudicar sua família, justifica a rotina: “não adianta estudar se não tiver dinheiro para comer”. Os anos em que o aluno fica longe da escola dificilmente serão recuperados nos anos posteriores, e o resultado é o prejuízo à formação deste cidadão. A família, que necessita de dinheiro, abre mão da possibilidade de oferecer estudo a criança e, conseqüentemente, a possibilidade de um futuro com melhores perspectivas. Pesquisas atéria veiculada no Jornal Gazeta do Povo, em 26/10/2008, apontou que 5.589 crianças e adolescentes estão em processo de evasão escolar em

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Curitiba. O índice é resultado da soma das Fichas de Comunicação do Aluno Ausente, enviadas pelas escolas municipais aos Conselhos Tutelares. O número não é exato, pois nem todos os colégios informam sobre a evasão de seus alunos. Mas estima-se que ao fim de 2008 o número seja bem maior que o atual, que representa 3% dos alunos da rede pública municipal. De acordo com relatório da Organização Mundial do Trabalho (OIT), pessoas com baixa educação possuem extrema dificuldade em arranjar emprego em países em desenvolvimento como o Brasil. As empresas preferem optar por mão-de-obra qualificada e que possa garantir o crescimento da produção. Neste sentido, o aprendizado escolar ou de ofício é crucial para o desenvolvimento humano, social e para a entrada no mercado de trabalho. Dados do IBGE mostram que o número de jovens desempregados no país, de acordo com a População Economicamente Ativa (PEA), ultrapassa os 20%, enquanto os desempregados com idade superior aos 24 anos não chega a 6%. A Assistente Social e Educadora Marilene Silveira Ponshi, que durante oito anos trabalhou na Fundação de Ação Social (FAS) e depois em ONG’s voltadas para o adolescente, concorda com a análise realizada pela OIT. “Mesmo que se crie emprego para todos não adiantaria muito. Apenas crescimento não resolve os problemas do país, pois ninguém irá contratar alguém sem um mínimo de capacitação na área”, afirma. Além do problema educacional, a

Cartaz explica dinâmica do programa voltado a juventude.

evasão escolar pode deixar o jovem sem supervisão e livre para conviver na rua, sem orientação e exposto a um mundo de drogas e violência. A necessidade de conseguir dinheiro fácil e a idéia de que a sociedade não ajuda para seu desenvolvimento acabam por fortalecer o egoísmo e as tendências violentas. Sob a gestão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDF), o Governo Federal implantou o Programa Agente Jovem com o objetivo de atender jovens de 15

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Programa tem como objetivo a reintegração social e aumento da escolaridade de menores em situação de vulnerabilidade

a 17 anos, em situação de risco e vulnerabilidade social, pertencentes a famílias com renda até meio salário mínimo por pessoa. Porém, pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense, a pedido do MDS, mostrou que a maioria dos participantes do programa, entre 2003 a 2007, não haviam conseguido arranjar trabalho com carteira assinada. Além disso, apontou que poucos deles haviam retornado a estudar após atingirem a idade limite e saírem do Agente Jovem.

Um novo programa nalisando os pontos negativos e positivos do Agente Jovem, especialmente os relacionados a cidadania, foi criado o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem Adolescente, com o objetivo de diminuir as altas taxas de desemprego juvenil, abandono escolar, retirar os menores da rua e atingir um maior número de pessoas. Desenvolvido pelo Governo Federal e executado em parceria com os

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municípios, o Programa é voltado para jovens de 15 a 17 anos. Visa realizar atividades pedagógicas, culturais, esportivas, de capacitação profissional e estimular a cidadania e o convívio familiar de seus integrantes. Com duração de 24 meses e atividades oferecidas em horário de contra-turno, o programa procura manter os jovens provenientes de famílias em situação de vulnerabilidade social afastados das ruas. Trata-se de uma tentativa de promover a reintegração à educação e reduzir os índices de violência, uso de drogas, gravidez e doenças na adolescência. Além das aulas, os participantes são cadastrados no Sistema de Cadastro Único, para suas famílias serem selecionadas no Programa Bolsa Família, e receberem uma cesta básica mensal. A medida serve como estímulo para os participantes manterem a regularidade no Programa, que possuí critérios de comprovação de freqüência escolar acima dos 75%. O menor Renan Silveira Taborda, participante de um dos coletivos, admite que o ProJovem alterou sua rotina. Antes, costumava passar o dia sozinho em casa, enquanto os pais trabalhavam. “Agora tenho o que fazer e ainda ajudo minha família. Meus pais gostaram, pois não precisam ficar preocupados, pensando onde vou estar ou com quem estou andando”. Espera-se que o Programa seja mais completo e bem-sucedido que seu predecessor. Apenas para o primeiro ano do ProJovem Adolescente estima-se o atendimento a 498 mil jovens. É mais que o triplo que o Programa Agente Jovem atingiu durante toda sua duração. A expectativa para 2010 é de que 1,7 milhões de menores sejam atendidos no Brasil. Repórter

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Paraná o estado, 116 cidades foram inscritas para participar do Programa, com o objetivo de atender aproximadamente 12 mil menores. Da verba total destinada ao ProJovem Adolescente no Brasil, o Paraná receberá R$ 648,2 mil, para implantação das atividades, manutenção e contratação de profissionais capacitados para trabalhar com os jovens. De acordo com a assistente social Dayane de Oliveira, que coordena um dos coletivos do programa, “a parte mais complicada é atraí-los para participar. O jovem, por natureza, é rebelde. Por isso, precisamos de atividades que não apenas os capacitem, mas também os desafiem e divirtam”, explica. Segundo ela, existe um esforço para que o menor perceba o valor do desenvolvimento oferecido para seu futuro profissional e social. Desde sua implantação, os coletivos em Curitiba têm reunido, em média, 20 participantes. Algumas regiões apresentam maior adesão. Em outras, a participação é menor, mas acima do

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ProJovem: preparação para o mercado de trabalho.

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mínimo estabelecido pelo MDS. Além de afastar os menores das ruas, o ProJovem Adolescente encaminha os jovens acima de dezesseis anos para cursos nos Liceus de Ofícios e estimula a criação de vínculo entre os participantes. “Moramos próximos um do outro, mas não nos conhecíamos. Hoje freqüento a casa de alguns como se fosse a minha”, afirma Julieta do Rocio Salgado, que participa desde o início do primeiro coletivo realizado no Núcleo Regional Portão. Participante dos Programas Agente Jovem e Liceus de Ofícios, Eduardo do Rosario Piannaro levava seu irmão, Gustavo, todos os dias para as atividades do ProJovem e afirma ter percebido uma mudança de postura no comportamento dele. “Ele era bastante fechado. Bem quieto. O ProJovem tem ajudado a mudar isso, já que a integração é parte obrigatória de quase todas as atividades desenvolvidas”, explica. Atualmente, os amigos é buscam Gustavo para acompanhálo até o local em que vai ser realizada a atividade do dia. A realidade vivida por esses jovens, muitas vezes passa despercebida aos olhos da população. A maioria deles já reprovou alguma vez na escola, convive pouco tempo com os pais, que precisam trabalhar para sustentar a família em horários variados, e possuem poucos laços sociais. O incentivo ao estudo oferecido pelo Programa e a possibilidade de enxergar o funcionamento da sociedade por outro ângulo, que permita ao adolescente vislumbrar uma participação social e econômica efetiva, é fundamental para afastá-los da marginalidade. “Como eles vivem em regiões de vulnerabilidade, onde poucos conseguem realmente melhorar suas vidas, é natural que não possuam grandes ambições. Acredito que seja importante mostrar que eles possuem o potencial para ser mais. A única coisa que falta é a orientação, tanto em casa quanto fora. Só espero que eles percebam o valor do encaminhamento profissional que é realizado”, afirma Eduardo, que atualmente trabalha como gerente em uma Lan House e que deseja investir na compra de sua própria residência. Ele começou como um simples funcionário, após receber o diploma de con-

Bolsa Família O programa foi criado para garantir a segurança alimentar e nutricional e promover o acesso aos serviços públicos, em especial educação, saúde, alimentar e assistência social. Atende famílias em situação de vulnerabilidade social com três formatos de benefícios, variáveis de acordo com a situação vivenciada por cada família. O Programa também unificou os benefícios do Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás, realizado para facilitar o controle e acesso aos auxílios. Para receber o Bolsa Família é necessário estar dentro dos critérios de renda e comprovar a freqüência escolar dos menores. A última pesquisa realizada pelo Ministério da Educação aponta que 98% do total de alunos de família beneficiadas freqüentam pelo menos 85% das aulas. Valores do Bolsa Família Valor médio do benefício Benefício básico Benefício Variável Benefício/Adolescente

R$ 85,00 R$ 62,00 R$ 20,00 R$ 30,00

Famílias com renda até R$ 60,00 por pessoa possui o direito ao benefício básico, além do benefício variável, de acordo com o número de crianças até 15 anos, no limite de três benefícios. Além destes, famílias com jovens entre 16 a 17 anos recebem o benefício para adolescente, totalizando uma quantia entre R$ 62,00 a 182,00. Famílias com renda de R$ 60,00 a R$ 120,00 possuem o direito de receber o benefício variável e para o adolescente, entre R$ 20,00 a R$ 120,00.

clusão de curso de Informática do Liceu de Ofícios. Porém, como ainda está em fase de implantação, o programa ainda apresenta falhas. Entre elas os atrasos dos professores e as dificuldades de acesso a algumas Associações e ONG´s que forneceram seus espaços para a realização de atividades. As inscrições para o ProJovem Adolescente podem ser realizadas nos Núcleos Regionais da Fundação de Ação Social, localizados nas Ruas da Cidadania, ou nos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS das cidades participantes.

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Realidade Nacional última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – Pnad/2006, realizada pelo IBGE, divulgou que 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram os estudos. Destes, 44% não trabalham. Estes dados revelam a quantidade de empregos gerados para essa faixa etária. Baseado no Pnad/2006, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizou pesquisa a ser divulgada em outubro de 2008 que indica a realidade de trabalho no país. Jovens entre 15 até 24 anos ocuparam 7,8% do total de emprego gerado no Brasil, entre os anos de 1986 a 2006. A coordenadora nacional do Projeto de Promoção do Emprego de Jovens na América Latina (Prejal), Karina Andrade, afirma que é impossível falar de trabalho sem analisar o ensino. Segundo ela, mesmo que existam empregos para aqueles que abandonaram o ensino, não são suficientes para uma mudança social. Conseqüentemente, os filhos acabam seguindo o mesmo caminho dos pais, seja no mercado informal ou em trabalhos de baixa remuneração. A fragilidade da educação no país provoca a entrada do jovem de maneira precária no mercado de trabalho e o aumento do trabalho informal com níveis de rendimento baixo. Somado ao ensino e à precoce entrada no mercado de trabalho, os jovens ainda precisam lidar com a concorrência dos maiores de 25 anos, que enxergaram as possibilidades de emprego aumentar nos últimos anos. O gráfico indica que, entre 1996 até 2006, o emprego para os jovens, que representam 45% da força de trabalho no país, diminuiu de maneira brusca. São 3,5 milhões de pessoas desempregadas, um número alarmante e acima da média mundial. A falta de oportunidades tem feito o jovem empregos mal remunerados. Pesquisa da OIT demonstra que 93% dos empregos disponíveis para este grupo estão no mercado informal, com baixa remuneração, nenhuma perspectiva de crescimento ou estabilidade. A pouca experiência e preconceitos em relação ao jovem também são

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Atividades de recreação no ProJovem, em Curitiba.

apontados, junto com a educação, como fatores fundamentais para a queda de oportunidades e a preferências por pessoas mais velhas do mercado. O Brasil segue um caminho inverso ao dos países desenvolvidos. Os jovens são obrigados a entrar no mercado de trabalho despreparados, sem conseguir oportunidades dignas e chances reais de melhoria econômica e social. Em suas análises, o presidente do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e economista Márcio Pochmann aponta que países como França e Estados Unidos procuram ao máximo atrasar a entrada do adolescente no mercado de trabalho, para que estes desenvolvam suas potencialidades e possam atuar de maneira qualificada dentro dos ramos que selecionaram, o que resulta em um fortalecimento da força de trabalho jovem, que é confiável e capacitada.

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Economia Projeto Social

Texto Paula Valeska

Economia solidária um novo jeito de gerar emprego

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dona de casa Ivanilda Mauricio da Vença, 38 anos, é mãe do Pedro, de dois anos. Moradora de Colombo descobriu a economia solidária como uma maneira de gerar renda e garantir o sustento do lar. Assim como muitas mulheres da região metropolitana de Curitiba, ela encontrou possibilidade, por meio do Clube de Troca, em Colombo, de garantir um futuro digno para sua família. No clube, as mulheres produzem macarrão caseiro, sabão, coxinhas, produtos de limpeza, flores, arranjos, pesos para porta e tapetes feitos de retalhos. Com o trabalho na entidade, Ivanilda conseguiu ajeitar sua vida. “Quando eu comecei a freqüentar o Clube de Troca, a minha situação financeira era ruim. Tive que me virar. Comecei a produzir itens para vender, com a ajuda do grupo. Hoje, tenho minha casa com duas peças onde consigo sobreviver”, diz. A assistente social do Clube da Troca, Adriana Maria Matias, comenta que às vezes a política transmitida aos cidadãos, pelos governantes, funciona da maneira ideal, mas a realidade é outra. “Na periferia, é onde a comunidade está de fato precisando. E nem sempre se divulgam trabalhos como esse. Às vezes, as pessoas têm a imagem de que pobre tem que morar em qualquer lugar, mesmo que não tenha escolas, creches e saneamento básico. Mas aqui trabalhamos com outros ideais”, diz. Adriana explica que, além da questão financeira e econômica, o centro discute assuntos como a partilha de saberes, sempre pautados na educação popular. Daniele Pereira de Basso, 42 anos, também participante do Clube de Troca, acredita que as pessoas precisam se unir

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para modificar a realidade em que vivem. “Aprendemos aqui que uma pessoa sozinha, às vezes, não consegue chegar onde ela quer, mas uma comunidade unida pode ir mais longe. É uma forma de aprendermos com a experiência das outras pessoas, e nos conscientizar da importância do trabalho como comunidade”, opina. A economia solidária funciona em entidades que trabalham com a cooperação entre todos os funcionários. Em empresas que adotam essa política, os colaboradores se empenham para o bem comum, e todos têm suas necessidades supridas por meio da cooperativa, das atividades realizadas em equipe. Nesses casos, não há alguém que manda e outros que obedecem. O objetivo é o mesmo: todos têm domínio sobre os meios de produção e os rumos que a entidade vai tomar são decididos em reuniões com os membro. Ela vem atuando como um meio de inclusão social e proporciona cidadania ao gerar e renda para as pessoas. A idéia dessa atividade é a valorização do ser humano e de seu trabalho. As cooperativas são ótimos exemplos de economia solidária, já que a renda total da produção fica com todos os participantes. Atualmente, estão cadastrados mais de 25 mil empreendimentos em todo o país, no Sistema Nacional de Informações Sobre Economia Solidária. Em muitos municípios, foram criados os chamados bancos do povo, que fornecem crédito aos empreendedores de baixa renda. De 2006 para 2007, houve um aumento de 158 empreendimentos. Estes são dados apresentados no Mapeamento da Economia Solidária no Paraná, do ano passado. De acordo com a pes-

quisa, o número total de trabalhadores é de 4.900, sendo 37% mulheres e 63% homens. As principais atividades dentro da economia solidária são agropecuária, alimentos, prestação de serviços, artesanato, confecção e etc. Essa forma de administração de negócios tem uma ótica completamente diferente do lucro. Todos os membros se unem quando há uma decisão importante a ser tomada. Os funcionários têm cotas dentro da empresa, e todos são considerados donos e responsáveis pelo bom andamento do negócio. A intenção de empresas que funcionam a partir dessa lógica é fazer com que os colaboradores se insiram no mercado de forma justa, e que se mantenham ali por

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Programa já criou mais de 20 mil empreendimentos em todo o país e

movimenta cerca de 7,5 bilhões por ano

Panificação: uma das alternativas de renda no programa Economia Solidária.

Encontro da Economia Solidária realizado em Guarapuava, em 2007.

Fotos: Divulgação

meio do seu trabalho. A economia solidária percebe um ambiente mais amplo que aquele somente do capital, mas se projeta em um espaço público, envolve a dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural. O governo federal tem se preocupado em investir na formação de profissionais que possam dar assistência junto às comunidades. Outra forma de participação do governo é o fornecimento de crédito para as cooperativas solidárias, que dão o suporte financeiro às iniciativas em todo o país. O poder público pode também participar fornecendo equipamentos e espaços físicos para os empreendimentos, como, por exemplo, dando suporte na distribuição dos produtos

e serviços. Dados do Departamento de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Solidária revelam que, no país, estão identificados 21.857 empreendimentos, que movimentam R$ 7,5 bilhões anuais. No Paraná, foi apresentado um projeto de lei (ainda não foi aprovado), para a criação de uma política estadual de economia solidária. Uma das propostas do projeto é levar adiante a criação da Frente Parlamentar de Economia Solidária, que tem como um dos objetivos a instituição de uma política estadual de fomento à essa atividade. A aprovação do projeto é importante para formalizar essa relação entre o poder público e a comunidade que está atuando neste setor. Existe também no Paraná o Centro Público de Economia Solidária, que é uma iniciativa da prefeitura de Londrina e do Governo Federal, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego. É o único centro em funcionamento no estado, destinado exclusivamente à economia solidária. No caso do setor privado, ele pode atuar em conjunto com as instituições oficiais participando desta rede de produção, mas apenas na condição de parceiro. Um aspecto interessante é que, apesar de o conceito de economia solidária estar associado a pequenas atividades, este modo de produção também tem empreendimentos de médio e grande porte. A Usina de Catende, em Per-

nambuco, que já foi a maior produtora de açúcar da América Latina, faliu e se transformou em um empreendimento de economia solidária gerenciado pelos seus quatro mil trabalhadores. Outro exemplo de empresas solidária é um estaleiro, que fornece navios para a Petrobrás e uma empresa produtora de equipamentos de base para vagões de trens. Segundo o economista Amarildo Monarin, a economia solidária não traz apenas benefícios para as pessoas que aprendem novos ofícios, garantindo mais renda, mas para a sociedade como um todo. “Se vários criadores de gado leiteiro, por exemplo, se reúnem e montam uma cooperativa, as chances são maiores deles se inserirem no mercado. Sozinhos, eles não teriam possibilidade de montar um sistema para purificação do leite, que exige uma tecnologia mais cara. Mas em um grupo, isso é possível. E o consumidor final tem acesso, assim, a mais variedade de produtos, muitas vezes a preços mais baixos”, comenta. De acordo com Monarim, as cooperativas têm tendência a se desenvolver, gerando mais empregos para terceiros. “Além de gerar benefícios para os associados, o trabalho da cooperativa movimenta vendedores de ração pra gado, ou de leiteiros, que vendem o leite aos mercados. Dessa forma, o círculo se amplia, e não beneficia apenas quem faz, mas toda uma cadeia”, completa. Repórter

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Universitários visitam feira de Economia Solidária na UniBrasil.

Deputado Tadeu Veneri explica o rendimento

Segundo o Deputado Estadual Tadeu Veneri (PT), que coordena a Frente Parlamentar da Economia Solidária no Paraná, uma das dificuldades das empresas da economia solidária são a comercialização de seus produtos e serviços. “Para 471 empreendimentos no estado, o mercado local comunitário é o principal lugar para comércio. Somente 12 comercializam produtos para todo o Brasil e 6 exportam”, comenta. Ele acredita que a sociedade consumidora precisa conhecer a economia solidária e saber que os empreendimentos produzem bens e serviços de boa procedência e com boa qualidade. “Não adianta apenas produzir, é preciso vender para gerar renda. O acesso ao crédito se tornou outro empecilho para a economia solidária. O levantamento aponta que 108 empreendimentos acessaram o valor total de R$ 41.377.699,00. Mas a maior parte desse recurso tem o impacto das cooperativas de crédito. A pesquisa indica que 58% dos EES apresentam necessidade de crédito”, cita. Mas, de acordo com o deputado, eles não conseguem o empréstimo porque, além dos bancos não oferecerem linhas específicas de crédito, são prejudicados pela falta de documentação, taxas de juros elevadas, burocracia dos agentes financeiros, elaboração falha de projetos e falta de garantias. Veneri explica ainda, que o governo federal discute atualmente a abertura de uma linha de crédito especialmente voltada para as empresas de economia solidária de grande porte, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

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Foto: Douglas Santuci

da Economia Solidária

Solidários na universidade

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1ª Feira Universitária de Economia Solidária - realizada em novembro de 2008, na UniBrasil - reuniu 20 empreendimentos que participam do programa em Curitiba, Região Metropolitana, litoral paranaense e Vale do Ribeira. O objetivo foi comercializar e divulgar essa proposta artesanal e alternativa. De acordo com Edson Stéin, coordenador do curso de Economia da Unibrasil, é importante que os universitários conheçam essa forma de produção por autogestão. “Com a economia Solidária, a sociedade pode perceber que existem outras

maneiras de organização da produção, fora da lógica capitalista de sobordinação do trabalho. Quem participa desse programa são aqueles que não encontraram um lugar no modo de produção capitalista. Mas organizados coletivamente, criaram um meio alternativo onde todos trabalham e usufruem de forma igualitária os resultados, independente do trabalho que desenvolvem”, explica o economista. O evento foi romovido pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária, em parceria com a Secretaria do Trabalho, Emprego e Promoção social, UniBrasil e Fórum Paranaense de Economia Solidária.

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Economia Política Fiscal

Texto Silvana Vicente Ilustraçõ Noviski

Sonegação de im

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impostos. Afinal, quem paga a conta? Pesquisa indica que

sonegação pode chegar

a 30% do valor de imposto arrecadado. O que isso significa?

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milhão de casas populares, 250 mil escolas, 400 hospitais de grande porte, 100 mil postos de saúde; 40 mil kilômetros de estrada asfaltada, e ainda sobrariam 250 bilhões de reais para o poder público investir em saneamento básico, cultura, universidades, pesquisa tecnológica e muito mais, se a sonegação de impostos, no Brasil, fosse reduzida a zero. Projeções indicam que a sonegação de impostos, no pais, corresponde à mesma proporção da carga tributária. A sonegação beira os 30%, enquanto a carga tributária é de 35% do Produto Interno Bruto (PIB). O estudo foi divulgado pelo professor de finanças públicas licenciado da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - Etco, André Franco Montoro Filho, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. A pesquisa mostra que no comércio de combustíveis, fumo, medicamentos, bebidas e tecnologias, a sonegação alcança 30% dos valores envolvidos.

A conclusã é que se a sonegação fosse combatida, seria possível reduzir as alíquotas dos impostos. Todos pagariam menos e o governo arrecadaria mais. O PIB, indicador que revela a riqueza gerada no Brasil, chegou a 3 trilhões, em dezembro de 2008. O que significou uma arrecadação de mais de 1 trilhão para o poder público. Sonegar é crime! esmo tendo o conhecimento que sonegar é crime, há empresas que resolvem correr o risco. Dívida com o governo? Nem pensar. Melhor declarar a manter um débito. O fato, no entanto, é que as empresas que deixam de pagar impostos causam prejuízos ao Estado e ao interesse público. São menos recursos para a educação, a saúde, a cultura, etc. Tais prejuízos não são causados apenas por empresas. O consumidor também contribui com a sonegação quando adquiri um produto ou serviço e não solicita nota fiscal. Mas nem sempre o consumidor tem consciência de que está favorecendo a empresa ao não pagar imposto. A lei que regulamenta o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) autoriza a substituição da Nota Fiscal de venda a consumidor pelo cupom fiscal, desde que conste no cupom a razão social, nome fantasia, endereço, CNPJ e inscrição estadual. O equipamento que emite o cupom fiscal deve ser registrado na Comissão Técnica Permanente do ICMS (COTEPE/ICMS). De acordo com a le-

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gislação, é sonegação: não emitir notas fiscais, falsificar ou alterar nota fiscal; omitir informações ou prestar declaração falsa; circular produto diversas vezes com uma mesma nota; não recolher aos cofres públicos as retenções realizadas de terceiros (FGTS, IR Fonte, ICMS, etc.). Segundo a contadora Sirlene Vicente, há paessoas que sonegam, apresentando declarações falsas porque no meio de milhões de declarações de Imposto de Rendas, o governo confere poucas. “É um número muito pequeno que cai na malha fina”, diz ela, lamentando que muitos contadores colaboram nestas falsificações. Desculpa para não pagar carga tributária é um dos fatores responsáveis pelas empresas optarem pelo não pagamento dos impostos? É comum ouvir que o cidadão paga muito imposto para ter poucos benefícios sociais, e ganha pouco e que a culpa é do governo. A carga tributária, no Brasil, é alta para o cotidiano dos consumidores. A alíquota de um detergente no valor de R$ 0,83 é de R$ 0,34. O sabão em pó, no valor de R$ 3,98, tem uma carga de R$ 1,68, ou seja, 42,27 % do valor do produto. De um macarrão espaguete, que custa R$ 1,69, o governo recebe R$ 0,69. Além dos impostos sobre produto, o tributo também está presente nas atividades rotineiras, como tomar banho, acender a luz, ligar a geladeira,

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comprar um carro, ligar a TV, comprar alimento, falar ao telefone, coletar o lixo e conservar a limpeza pública, entre outras. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), os tributos sobre renda, consumo e patrimônio já consomem 157 dias de trabalho do brasileiro por ano. Neste ano, o cidadão trabalhou cinco meses para pagar impostos, taxas e contribuições. No primeiro trimestre deste ano, a carga tributária atingiu 38,90% do Produto Interno Bruto Brasileiro. Tendo em vista que o PIB é igual à soma de todos os valores referentes a serviços e bens produzidos num período, significa que o poder público, ficou com quase 40% de tudo que foi produzido. Segundo o economista e advogado Jairo Rastelli, especializado em direito tributário, para muitas empresas e profissionais liberais continuarem no mercado, o caminho escolhido é o da sonegação. “Um produto que é importado da China e chega ao Brasil por um determinado valor, com os impostos custa R$ 100,00. O mesmo produto, fabricado aqui, custa sem os impostos de circulação os mesmos R$ 100,00 “.

Arrecadação O total arrecadado de tributos federais, estaduais e municipais no primeiro trimestre de 2008 foi de R$ 258,9 bilhões, contra R$ 221,7 bilhões do primeiro trimestre de 2007. A arrecadação apresentou crescimento nominal de R$ 37,1 bilhões Ao mesmo tempo que os tributos federais cresceram R$ 27,39 bilhões, os estaduais cresceram R$ 8,7 bilhões e os municipais subiram R$ 1,04 bilhão. O imposto de renda foi o tributo que mais cresceu (R$ 11,78 bilhões), seguido do ICMS (R$ 7,74 bilhões) e do INSS (R$ 6,53 bilhões). A CPMF teve uma redução de R$ 7,48 bilhões no primeiro trimestre de 2008, em face da sua extinção. Os tributos federais cresceram 18,44%, os estaduais 14,48% e os municipais 7,93%.

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A sonegação fiscal leva a um comportamento muito ligado ao jeitinho brasileiro, que diz: ‘eu sonego e vou muito bem; você não sonega e vai muito mal!’ O País sonegador não tem o espelho da honestidade. Não tem o espelho da moralidade.”

Economia Consumidor

Jairo Rastelli, economista

Para Rastelli o que impulsiona a sonegação é que, além da carga fiscal, o Governo não tem uma máquina fiscalizadora adequada ao tamanho do Brasil. E nem instrumentos suficientes para conter a sonegação. “A sonegação fiscal leva a um comportamento muito ligado ao jeitinho brasileiro. Eu sonego e vou muito bem. Você não sonega e vai muito mal! Se eu tenho dinheiro, é lógico que vou achar alguém do governo que também é corrupto e assim não serei penalizado! Daí para ser um furador de filas, não respeitador das leis de trânsito, não respeitador dos direitos do próximo, é só um passo. O País sonegador não tem o espelho da honestidade. Não tem o espelho da moralidade”, declarou Rastelli. Mas carga fiscal não deve servir para justificar a sonegação, uma vez que a Suécia, um dos países mais ricos do mundo, tem uma das maiores cargas tributárias. Os impostos são altíssimos e mesmo assim a estrutura social é estável. A arrecadação é bem aplicada. É o país que mais investe em educação, superando os Estados Unidos, a França, o Japão e a Itália. As escolas para crianças e adolescentes são gratuitas. Os jovens que desejam continuar os estudos recebem bolsas. Existem poucas instituições particulares. A saúde na Suécia também é de boa qualidade, comparada a de outros países. Todas as comunidades dispõem de centros de atendimento médico e o número de médicos disponíveis para atender a população também é elevado.

Pesquisa

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Texto Fl


Texto Flávia Bueno

fotográfica

De olho no preço dos combustíveis

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ocê já teve a impressão, ao passar pelos postos de combustíveis, em Curitiba, que os preços do álcool hidratado e da gasolina são praticamente os mesmos? E quantas vezes você esperou para abastecer, até chegar àquele posto onde economizaria alguns centavos? Pois você estava na pista certa. Pesquisa realizada pelos acadêmicos da disciplina de Fotojornalismo da Unibrasil aponta que de 161 postos de combustíveis - das cinco principais bandeiras (Esso, Ipiranga, Texaco, Shell e Petrobrás) - mais de 60% comercializava preços idênticos. Ou seja: 61,25% dos postos vendiam gasolina na faixa de R$2,49 por litro, e o álcool por R$1,49 - em 63,75% dos postos. Na região central, o valor comercializado era na faixa de R$2,49 em quase 70% dos postos, enquanto o álcool era vendido por R$1,49 em 75% das bombas. Nos bairro periféricos de Curitiba, o percentual ficou um pouco menor. Gasolina a R$ 2,49 em 58% dos postos, e álcool a 1,49 - em 59% deles. A amostragem fotográfica foi realizada no dia 08 de novembro de 2008,

sob a coordenação do professor Hugo Abati. Ele entende que a fotografia é de capital importância para o exercício do jornalismo. São documentos irrefutáveis que comprovam a ocorrência dos fatos.” De acordo com o professor, o estudo foi uma oportunidade para demostrar que o fotojornalismo pode ter relevante função social ao refletir os interesses e problemas da sociedade. A semelhança nos valores chamava a atenção dos universitários, antes mesmo do cruzamento de dados da pesquisa. Enquanto fotografava, a aluna Fabiana Franzoci verificou que a maioria dos postos da área central de Curitiba trabalhava com os mesmos preços. Sobre a prática da reportagem, o aluno Ricardo Pereira notou que alguns funcionários e proprietários dos postos o “encaravam” - como se quisessem intimidá-lo, enquanto fotografava. “Mas quem deseja fazer jornalismo investigativo, não pode ter medo,”, justifica. O consumidor Luiz Alberto sempre abastece nos postos da mesma bandeira e não acredita que os preços se-

jam tabelados. Supõe que cada posto tenha um preço. Já o mecânico José Simas, que abastece seu veículo na região em que trabalha, diz que os preços são sempre muito parecidos. Para Joilnei dos Santos, que trabalha no departamento financeiro de um posto de gasolina, o mercado é muito competitivo. “Quando o posto da esquina muda o preço, força a acompanhar o preço dele”, explica, alegando que a margem de lucro é pequena e que “a concorrência acirrada faz com que os preços sejam similares”. O presidente do Sindicato dos Revendedores de Combustíveis do Paraná, Roberto Fregonesi, disse à reportagem que a similaridade dos preços é uma característica desse segmento, e que essa semelhança nos preços acontece em qualquer lugar. Indagado se as fotografias apresentam fortes indícios de cartelização, Hugo Abati considera os resultados da pesquisa “no mínimo, intrigantes”. “Fizemos o levantamento e o material foi encaminhado ao Ministério Público. Agora, é com o especialistas”, conclui. Repórter

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Economia Empresa

Texto e foto Danielle Mei

A responsabilidade social sob novos aspectos Empresas começam a

investir em programas

para melhorar a qualidade de vida do cidadão

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ocê já foi ao mercado hoje? E reparou na gama de produtos que nem ao menos sabemos de onde vêm? Geralmente compramos muitos itens por critérios como tradição da marca, preferências de sabor ou até pelo valor menor da compra. Mas será que nós, consumidores, paramos para analisar se a empresa da qual adquirimos o produto está atenta para questões sociais, se auxilia alguma instituição carente ou algum projeto ambiental? Preocupadas com a questão da responsabilidade social, algumas instituições trabalham para que o tema seja mais difundido. O Centro de Ação Voluntária, em Curitiba, faz o relacionamento entre as empresas interessadas em exercer alguma atividade envolvendo responsabilidade social e projetos que precisem de auxílio. O Centro de Ação Voluntária de Curitiba (CAV) é uma organização social sem fins lucrativos que existe desde 1988. A sua função é estabelecer a promoção e o fortalecimento do voluntariado transformador em Curitiba e Região Metropolitana. O centro realiza um trabalho que funciona como “ponte” entre as pessoas que se interessam em iniciar uma atividade voluntária e as instituições sociais que precisam da atuação delas para conseguir atingir seus objetivos de transformação. 40

Como uma forma de sustentabilidade, o CAV presta consultoria às empresas pelo Programa Empresarial de Voluntariado. A presidente da instituição, Juara de Almeida Ferreira, explica o trabalho do programa. “As atividades do CAV são relacionadas ao voluntariado empresarial, que é o incentivo e o apoio ao envolvimento de seus colaboradores em atividades na comunidade e é com este foco da responsabilidade social que o CAV atua”, cita. Segundo Juara, existem vários indicadores sociais hoje no mercado. “O investimento social privado é fenômeno recente no Brasil e as empresas estão procurando as melhores formas de fazê-lo para consolidar seus valores perante o público”. O trabalho realizado com enfoque social beneficia tanto a empresa, que melhora o conceito em relação à sociedade, quando as instituições que recebem o auxílio. As organizações que se preocupam com responsabilidade social realizam atividades envolvidas com saúde, educação, meio ambiente, transporte e moradia. Esse trabalho tem a intenção de favorecer a comunidade onde está localizada. Fabricantes de plástico, poluente da natureza, podem colaborar promovendo ações ambientais em determinada comunidade. O Grupo Votorantim é um exemplo de empresa que foi por esse caminho. A empresa, que atua no ramo de cimentos, concreto, mineração e metais, executa projetos na área ambiental e social, como o “Poupança Florestal”. O programa oferece crédito financeiro e tecnologia de ponta para o cultivo de florestas de eucaliptos, o que proporciona geração de renda a pequenos,

médios e grandes produtores. É a única empresa brasileira a participar do relatório Criando Valores Para Todos: Estratégias para Fazer Negócios Com os Pobres, da Organização das Nações Unidas. Em entrevista ao site da Votorantin, Cláudio Boechat, autor do caso enviado à ONU, diz que o diferencial está no porte e na quantidade de pessoas beneficiadas pelo programa. “Este caso é um exemplo de combate à pobreza porque propicia a inclusão social via empreendedorismo e geração de emprego”, diz. A Votorantim também repassa recursos para projetos sociais e culturais, por meio do Investimento Privado ou Externo, que prevê a transferência de verbas de forma planejada, monitorada e sistemática. No âmbito cultural, a empresa escolheu jovens de 15 a 24 anos, para que tenham acesso à cultura de forma mais fácil, especialmente criações artísticas brasileiras. “O grupo também trabalha para melhorar a realidade do Brasil, voltando-se para o desenvolvimento sustentável. Só em 2006, foram investidos 37 milhões de reais nessas ações”, conta o presidente da empresa, Walter Schalka. “A nossa intenção é oferecer aos jovens uma oportunidade para crescerem intelectualmente e na sociedade. Trabalhamos com essa faixa etária em diversas partes do Brasil. Um desses projetos é o Futuro em nossas mãos, que proporciona aos jovens oportunidades para aprenderem uma profissão, dentro da construção civil e a serralharia, auxiliando entidades que oferecem aos jovens cursos profissionalizantes”, completa. O administrador de empresas Thomas Altaras explica que as organiza-

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ções maiores estão mais engajadas com a contribuição social. “O tema é uma maneira barata de fazer marketing, sem contar que atrai mais clientes do que a propaganda normal, pois o mundo, hoje, gira em torno também de questões como meio ambiente”, opina. Segundo ele, os investimentos em ações na área social ajudam a empresa a conquistar clientes. “Cito uma regra geral do marketing para bons resultados na empresa. O que faz ter clientes é manter os bons clientes e, todo o dia, obter outros novos. Sendo assim, a responsabilidade cativa antigos, pois eles vêem que os negócios estão se inovando. Também atrai novos clientes, pois há maior procura, nos dias atuais, por organizações que olhem para o lado social”, finaliza. A bióloga Larissa Chiamolero explica que já trabalhou em instituições de ensino que se preocupam com a responsabilidade social. “Atualmente, as opções de atividades que as empresas podem exercer nesse aspecto são muitas. Ela pode apoiar algum programa que já é desenvolvido na comunidade ou procurar meios de reduzir o impacto ambiental que causa por meio de programas de coleta de material para reciclagem ou plantio de árvores”, comenta. Larissa acredita em grandes mudanças de mentalidade e de qualidade de vida. “Com serviços prestados na área de responsabilidade social, todos trabalhamos no desenvolvimento sustentável, por meio de ações que reduzem impactos ambientais, gerem renda e garantam a produção consciente, renovando o que nos dá matéria prima. Além disso, vivemos em uma época com grandes desigualdades sociais. Não tem como ser diferente. O trabalho social diminui essas diferenças”, diz. A economista Ingelore Griebner vê a responsabilidade social como uma tendência. “Muitas matérias-primas saem da natureza, por exemplo, para a indústria de cosméticos. Se as empresas não se preocupam em preservar, vai chegar uma hora em que não terão de onde tirar o que precisam para fazer seus produtos. Acredito que, futuramente, aquelas que não realizarem algum trabalho de responsabilidade social podem ser mal vistas”, opina. Ingelore destaca iniciativas do go-

Palestra “O que é ser voluntário” ministrada pelo membro do Centro de Ação Voluntária de Curitiba, Querentino Dagostin.

verno para incentivar esses trabalhos. “É justo que empresas que contribuem para a qualidade de vida do planeta e dos cidadãos tenham seus impostos reduzidos. É uma forma do Estado mostrar que também se preocupa com questões sócio-ambientais sob o aspecto do voluntariado”, alega. Para a economista, a responsabilidade social na empresa também é a forma de conquistar uma nova fatia de clientes. “Um exemplo bom é o Mc Dia Feliz, no qual o valor das vendas de Big Mac, do Mac Donalds, é revertido a instituições que ajudam pessoas com câncer. Compramos mais justamente por sabermos que esse dinheiro vai ajudar a quem precisa”, completa. O trabalho social de uma empresa também deve ser desenvolvido internamente, defende a economista. A preocupação com a qualidade de vida dos seus funcionários é uma de suas expressões. “Não adianta nada a empresa passar uma imagem positiva, se preocupando com questões sociais e de meio ambiente, se seus colaboradores não estão satisfeitos no local em que trabalham. É importante que as instituições pensem na qualidade de vida dos seus empregados, proporcionando um ambiente de trabalho onde eles não se estressem. E que ofereçam benefícios, co-

mo planos de saúde”, diz. Segundo ela, os funcionários também fazem o marketing. “Por mais que se faça uma propaganda positiva dizendo que a empresa ajuda a sociedade, se um funcionário fizer uma crítica negativa, a imagem da instituição será prejudicada”, conta. Publicidade e meio ambiente publicitária Jhenyfer Gladis explica que a responsabilidade social é uma forma de conscientização e comunicação. “Acredito que a publicidade tem obrigação de passar e incentivar o trabalho social nas empresas. Isso é importante. Além do mais, as imagens das firmas melhoram a partir do momento que eles contribuem por um mundo melhor”, explica. Na opinião da publicitária, as empresas que trabalham com esse conceito têm mais chances de aumentar suas vendas. “Um exemplo que cito é O Boticário, que investe pesado em publicidade desse tipo. Eu, por exemplo, consumo mais produtos da marca depois das propagandas com esse tema”, revela. Segundo ela, as peças de marketing são criadas a partir do que a empresa faz nesse sentido, e ganhase como em qualquer outro material publicitário.

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Educação

Ensino Novos projetos

Curso de pedagogia do

campo busca superação da evasão escolar e a

permanência do estudante na zona rural

Texto Anderson Leandro

valoriza jovem no campo

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dia ainda está prestes a clarear e a professora Ana Regina Martins da Silva já caminha apressada para pegar o ônibus que a levará da sede do município para a Escola Estadual Juvenal Borges da Silveira, na zona rural da cidade da Lapa/PR, onde leciona. Ela cumpre diariamente, a bordo do ônibus escolar da prefeitura, uma rotina de 63 quilômetros que

a coloca ao lado de estudantes filhos de agricultores da localidade. O colégio tem 430 estudantes divididos em dois turnos e os professores não moram na comunidade. Para Ana Regina, isto explica um pouco das dificuldades que os professores têm em entender a realidade local. Ela conta que o laboratório da escola tem 27 computadores e apenas em abril de 2008, oito deles foram conectados à internet. Apesar da ligação tardia, para ela, agora os estudantes vão ter acesso ao mundo sem precisar sair do lugar onde moram. “A escola precisa dar incentivo para que o jovem que mora no campo permaneça na escola e tenha valor pela profissão de seus pais e pela sua provável profissão. A utilização das técnicas e recursos atuais vai ajuda-lo a entender que é melhor viver no campo”, diz Ana Regina. “Com um currículo voltado para este tipo de jovem e estrutura que disponibilize o conhecimento e a tecnologia da cidade é que vamos diminuir a evasão escolar e valorizar aqueles que moram no campo”, afirma a professora. Segundo o IBGE, existem 11.923 escolas em zonas rurais no Brasil e mais de 80.000 professores.

Fotos: Divulgação

Ana Regina Martins da Silva: dedicação à educação no campo.

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Para agricultores situação descrita pela professora Ana Regina forçou as universidades públicas brasileiras a buscar uma capacitação diferenciada para os

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professores que atuam em zonas rurais. Várias delas já estão oferecendo setores especializados na formação do professor que vai lecionar em área rural. Um exemplo vem da Universidade Federal do Paraná, onde é realizado um curso específico para este educador. O curso de pedagogia da educação do campo reúne estudantes ligados às organizações coletivas de agricultores familiares, assentados da reforma agrária e comunidades faxinalenses do Paraná. As comunidades faxinalenses são grupos tradicionais paranaenses e caracterizam-se pela produção coletiva de alimentos e criação de animais com antigas técnicas agroecológicas. Eles vêm a Curitiba a cada três meses para passar duas semanas em sala da aula, onde trocam experiências e estudam os principais autores que falam da educação do campo. Mas que educação é essa? Por que a escola do campo deve ser diferente da cidade? Estas e outras perguntas são respondidas pelo professor Miguel Arroyo, um defensor de longa data desta formação especial. Para ele, é preciso que a escola tenha vínculo com o estudante e mostre o que o mundo tem de bom e de ruim e quais as vantagens que o jovem do campo leva em permanecer no lugar onde ele mora. Uma escola comparativa. Arroyo diz que a escola rural merece uma política especial por parte do estado e o sucesso de toda a operação educacional vai depender da forma como o professor conseguir desvelar esta realidade para os estudantes. “O currículo, o sistema educacional, o material didático e a metodologia de ensino são ferramentas que professor do campo deve manejar com habilidade para conseguir um bom resultado”, afirma Arroyo. Entre os alunos do curso de especialização em educação do campo da UFPR está o prefeito de Porto Barreiro/PR, João Costa de Oliveira, do PT. “Participo junto com outros se-

te membros da secretaria de educação da cidade e entendo que assim vamos ter elementos para tentar diminuir a evasão escolar no município” diz o prefeito. “Vamos apresentar alternativas para o jovem entender que pode viver bem no campo” completa Oliveira. O curso está na terceira de quatro etapas e vai formar pedagogos com especialização em educação rural. Ensino de agroecologia utra escola que inova na formação do jovem do campo está no interior do estado do Paraná e funciona num assentamento da reforma agrária, também no município da Lapa. A Escola Latino Americana de Agroecologia tem um curso gerido por organizações não governamentais, sob supervisão do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e da Universidade Federal do Paraná. O curso oferece graduação em técnica agroecológica para alunos agricultores. Eles aprendem como valorizar a terra e produzir de maneira sustentável. O coordenador do curso, professor José Maria Tardin, explica que a escola é direcionada para formar o jovem com parâmetros baseados no diálogo, na demonstração prática e na formação humana. “Queremos que o técnico formado na nossa escola ajude o agricultor e as famílias e não apenas diga para elas o que fazer”, afirma Tardin. A graduanda Soraya Reis gosta do curso devido ao modelo de agricultura que a escola defende. “Não aprendemos agricultura convencional, mas uma educação que volta o jovem para o campo, que valoriza a família e os conhecimentos tradicionais”, diz. Com três anos de existência, a escola já esta na sua segunda turma. O método proposto faz com que o aluno ajude o agricultor e a família a desenvolver a propriedade de maneira que respeite o meio ambiente e valorize o ser humano, dentro da perspectiva de crescer no campo.

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Professor Miguel Arroio: “Escola rural merece uma política especial.”

Produção de conhecimento esquisadores têm se dedicado a estudar e propor soluções para a educação de jovens e adultos do campo. As obras fazem parte da bibliografia de todos os cursos nacionais que tratam do tema. No Paraná, a Secretaria de Educação do estado publicou uma série onde interagem livros, revistas e conteúdos multimídia voltados para a educação do campo. A cada dia, novas publicações oferecem respostas e capacitação para professores e educadores dos jovens deste setor.

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Esporte Integração

Texto e fotos Rafael Adamowski e Kléverson Lopes

Futebol e interatividade Clube prepara atletas e

forma cidadãos. Trabalho é referência no conceito

da prática esportiva como meio de transformação social

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imba na gorduchinha! É bola pra frente no Centro Esportivo Trieste Stadium, no bairro Santa Felicidade, em Curitiba! Responsabilidade social é um quesito “show de bola” e fundamental para o desenvolvimento de qualquer setor empresarial. E o grupo Stival procura de várias formas incentivar a prática do futebol como método de interação, afastando crianças e adolescentes do perigo das drogas e da marginalidade. Um gol de placa é o programa de formação de atletas, que compreende desde escolinhas de base até as categorias mirim, pré-infantil, infantil, juvenil e juniores, habituais dos grandes clubes de futebol. O Trieste é hoje referência entre os clubes amadores da Grande Curitiba. A entidade disponibiliza gratuitamente o programa de formação de atletas.

Segundo o diretor geral, Mauro Marturelli Júnior, as atividades são importantes, mesmo que os atletas não sigam a profissão. “Com essa meninada atuando aqui, eles se afastam de problemas sociais que infelizmente temos hoje em dia”, afirma. Todos os profissionais que acompanham as categorias têm formação acadêmica, o que torna a qualidade de ensino e prática das atividades mais técnica e profissional. Marturelli Júnior começou a trabalhar no Trieste, em 2005, com o objetivo de dirigir uma equipe de profissionais para a formação de novos atletas, ou ao menos incluí-los na sociedade de forma que se tornem grandes cidadãos. As atividades de base começaram em 2005, com a categoria juvenil. O clube conta, atualmente, com categorias do sub-10 ao sub-20.

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Treino de jovens atletas no Trieste Stadium, em Curitiba.

em Santa Felicidade Os garotos inscritos recebem todo o apoio necessário: material para treino, auxílio transporte, quatro refeições ao dia, assistência médica, seguro de vida, e contam com treinamentos diários. “Nós fazemos a nossa parte e contamos com que eles façam a deles. Entramos com a responsabilidade social e os jovens com a responsabilidade de cidadãos”, diz Marturelli Júnior. O maior centro esportivo de Curitiba, em Santa Felicidade, também abriga outras modalidades esportivas, como basquete, natação e até mesmo yoga, além de outras atividades físicas, que estão disponíveis em uma estrutura com área de aproximadamente 60.000 m², espaço onde, em meio a muitos jogos de futebol, muitos golaços de responsabilidade e interação social acontecem. Ao todo, a equipe conta com 127 jovens jogadores, aproximadamente

25 por cada categoria. O projeto conta com a captação de jovens de São Paulo, Santa Catarina e interior do Paraná. Existe também um convênio com cerca de 40 escolas de Curitiba e Região Metropolitana. “Entre 1500 e 2000 atletas fazem testes anualmente no clube, uma média que varia de 150 a 200 todos os meses”, diz o diretor. No próprio clube, moram 30 adolescentes vindos de outras localidades do Brasil. O alojamento tem capacidade para 58 jovens - com acesso a Internet e também é equipado com televisão e DVD. A manutenção e limpeza são feitas duas vezes ao dia. Segundo Marturelli Júnior, no Brasil, a cultura do futebol é muito popular. “Recebemos atletas para fazer testes de muitos lugares, alguns distantes como Maranhão, Minas Gerais e Goiás. Temos o objetivo de ao menos fazer com que o sonho de

muitos desses garotos possa se tornar realidade. Infelizmente não é possível para todos. Caso não se tornem jogadores, sem dúvida serão grandes cidadãos envolvidos na sociedade” afirma. E para que haja garantia da construção de bons cidadãos, um dos requisitos é que 100% dos garotos estejam matriculados na escola. Todos recebem orientação de pedagogas, de modo a estimular e contornar possíveis problemas. O Trieste tem convênio direto com duas escolas próximas, em Santa Felicidade, a Escola Estadual Safel e a Professor Francisco Zardo. A comissão técnica é próxima da encontrada em clubes profissionais. Exige-se formação acadêmica para os preparadores físicos, fisioterapeutas, e outros profissionais. E os jogadores do mirim já mostram empenho e reRepórter

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sultado. No primeiro ano de participação no Campeonato Metropolitano de Curitiba alcançaram o título, desbancando uma hegemonia de duas décadas do chamado trio de ferro, formado por Coritiba, Atlético Paranaense e Paraná Clube.

Com essa meninada atuando aqui, eles se afastam de problemas sociais que infelizmente temos hoje em dia” Mauro Marturelli Júnior

De longe para crescer eanderson Luis de Pontes, 15 anos, é um exemplo entre os garotos que vieram de longe, deixaram familiares e amigos para lutar pelo sonho de se tornar um jogador de futebol profissional. Ele chegou há um ano e oito meses em Curitiba, mora num dos alojamentos fornecidos pe-

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lo clube e se diz muito feliz com a oportunidade. Ele é natural do município de Eldorado, no interior de São Paulo, e foi descoberto após um amistoso realizado entre o Trieste e seu ex-clube, o Projeto Nova Geração, que também tem o objetivo de formar atletas e cidadãos. “Fui convidado pra fazer testes, passei duas semanas aqui e fui aprovado”, diz ele, sorrindo. Para ele, que tem idade para equipe infantil, mas já atua como goleiro no juvenil, é importante trabalhar e estudar, porque não existe a certeza de se tornar um atleta profissional. E Leanderson se mostra feliz com a

Jovens que participam do programa do Trieste precisam estar matriculados na escola.

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Programa de formação de atletas do Trieste tem 127 jovens em sua equipe.

oportunidade. “Na minha cidade eu não treinava diariamente, e aqui tem a estrutura necessária. Tem sido “uma crescente” na minha vida”, avalia. E a importância de estar envolvido nas atividades vai mais longe. “Aqui nós ficamos distantes de se envolver com drogas, com coisas erradas. Acredito que muitas crianças, se tivessem a oportunidade que eu tive, não se tornariam delinqüentes ou usuários de drogas”, afirma. História de superação á quatro anos, Thiago Mehl trabalha como preparador de goleiros no Trieste Futebol Clube. Para ele, o primeiro objetivo no dia-a-dia do esporte é que os atletas se tornem grandes pessoas e colaborem positivamente para a cidadania. Thiago é o autor da iniciativa intitulada Fábrica de Goleiros. “Eu

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trabalhava no Atlético Paranaense, ofereci o projeto para eles, mas não aceitaram. Ofereci então para o Trieste e foi aceito. Esses quatro anos comprovam que a idéia era boa”. Entre os nomes revelados pelo Trieste, estão os dos goleiros Lucas Alves e Roberto, do Goiás, Lucas do Atlético Mineiro e Alex Faria, do Grêmio, todos atuando nas categorias Mirim e Júnior e com grandes possibilidades de se profissionalizarem. Segundo Thiago, muitos garotos chegam desacreditados e conseguem se superar. “Eu mesmo, se não fosse o esporte, deveria ter seguido outro caminho. Muitos dos meus amigos seguiram para o caminho da marginalidade, e arrumaram grandes problemas com o uso de drogas e fazendo coisas ilícitas. Eu pude me formar e hoje eu trabalho para criar oportunidades que eu mesmo tive na vida”, complementa Thiago.

É importante trabalhar e estudar, porque não existe a certeza de se tornar um atleta profissional.” Leanderson Luis de Pontes

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Ci锚ncia

Texto Heitor Hayashi

Foto: Hugo Abati

GMOs

Transg锚nicos: 48

os genes da disc贸rdia Rep贸rter

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Lavoura de soja no município de Dois Vizinhos, sudoeste do Paraná.

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uando a discussão sobre os alimentos transgênicos começou a ficar acirrada no Brasil, em 1988, a falta de informação sobre o assunto deixava a população à mercê dos interesses das duas pontas na disputa. A partir daí, a sociedade ficou sem saber se os transgênicos realmente ofereciam risco à saúde, natureza e soberania nacional, ou se a nova tecnologia traria benefícios com o aumento da produtividade alcançada, graças a sementes mais resistentes a pragas e intempéries. Repórter

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Foto: Divulgação

Grãos de soja transgênica.

Um organismo é chamado de transgênico, ou geneticamente modificado, quando é feita uma alteração no seu DNA”

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Pesquisas encomendadas ao Ibope pela Monsanto (multinacional da área de agricultura e biotecnologia produtora de sementes transgênicas) e pelo Greenpeace (organização não-governamental defensora do meio-ambiente), sobre a aceitação do produto, mostravam que, de acordo com a maneira que as questões eram formuladas, o resultado pendia ora para o lado do sim, ora para lado do não. Um artigo publicado pela pesquisadora Julia Silvia Guivant, presidente da Associação de Pesquisa e Pósgraduação em Ambiente e Sociedade (ANPPAS), em 2006, na Universidade de Campinas (Unicamp), apontou que, nessa disputa, os interessados, muitas vezes, fazem uso de “pesquisas sem representatividade”, ou seja, estatísticas que quando aplicadas sem a devida contextualização podem trabalhar a favor de um grupo ou de outro.

Julia aponta para o risco de as entrevistas aplicadas pelas empresas de pesquisa de opinião fazerem uso de questões breves sobre temas tecnicamente distantes para o cidadão-comum. Para ela, “o número limitado de pesquisas, no Brasil, prejudica a relação entre a opinião-pública e os novos experimentos científicos”. E hoje, qual seria a resposta para uma das perguntas feitas pelo Ibope em 2003? “Um organismo é chamado de transgênico, ou geneticamente modificado, quando é feita uma alteração no seu DNA”, ou seja, no local onde estão às características de um ser vivo. Por meio da engenharia genética, genes são retirados de uma espécie vegetal ou animal e transferidos para outra. Esses novos genes sofrem uma espécie de reprogramação, podendo produzir um novo tipo de substância, diferente do organismo original. Caso você pudesse

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escolher entre um alimento transgênico e um alimento não transgênico, qual deles escolheria? Ao ser apresentada à questão, quando comprava soja em grão no mercado Municipal de Curitiba, a advogada Fernanda Rubini Martins disse ser contra o consumo de transgênicos, por “ter medo de produtos que sofreram mutação genética”. Mas ela não soube responder se o produto que comprava era transgênico, convencional ou orgânico. Mas se, em princípio, o debate dá a impressão de ser tão acalorado, por que quando aprofundado tecnicamente as posições tendem a se dissipar, e até mesmo entrar em contradição? Para permitir a você, leitor, a opção de escolha por meio da informação, e conseqüente reflexão, dividimos a abordagem do assunto em dois grupos: os que defendem o uso e o plantio de transgênicos, e os que são contra. Quem é a favor s principais interessadas na utilização das Sementes Geneticamentes Modificadas (GMOs) são as empresas que financiam as pesquisas. Dentre elas, a Monsanto, a Syngenta e a Bayer lideram o grupo. Para elas, a tecnologia alcançada com os transgênicos é um grande passo para o processo da produção de alimentos. “As GMOs permitem que o agricultor opte pela semente ideal para o tipo de solo de sua propriedade. Com isso, ele pode driblar problemas climáticos e químicos (solo), aumentar a produtividade e reduzir custos com a aplicação de herbicidas”, conta Maurício Dutre, técnico agrícola de uma cooperativa em Assaí, interior do Paraná. As sementes transgênicas foram desenvolvidas para resistir a herbicidas à base de glifosato. No caso das lavouras tradicionais, por elas não terem essa capacidade, além do glifosato, recebem a complementação de produtos com outros princípios ativos. Mas, e quem planta, o que acha? O agricultor Luis Augusto Fantini nasceu no Rio Grande do Sul, mas no final da década de 90 arrendou a terra que tinha e foi para a região CentroOeste. Depois de perambular por Goiás, chegou à conclusão de que ainda

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não era ali o seu lugar. Mais uma vez, arrumou as malas e foi para Rondonópolis, Mato Grosso, onde hoje planta soja, “um pouco de GMO (sementes geneticamente modificadas) e um pouco da normal”, ele explica. “Eu prefiro plantar os dois tipos para ter segurança. Teve safra em que a convencional rendeu mais. Já, há dois anos, quando deu uma forte seca, a transgênica mostrou melhor resistência”, completa Fantini, que não vê problemas no uso das duas variedades. Para ele, o consumidor é quem deve decidir sobre a aceitação ou não das inovações tecnológicas, pois a tentativa de coibir o plantio não vai funcionar na prática. “Quando morava no sul, era comum escutar que produtores plantavam GMOs contrabandeadas da Argentina desde os anos 90”, conta. No campo, essa mediação também pode ser notada. O estado de Mato Grosso, principal produtor nacional de soja, já prevê um recuo na evolução da área a ser semeada com GMOs. Se na transição entre a safra de 2004 e 2005 o salto ficou próximo de 4.000%, para este ano, a previsão é a de que a área tenha um pequeno crescimento de apenas 2%. A Monsanto foi procurada para fornecer dados relativos ao crescimento nas vendas, área plantada com sementes GMOs e previsão de crescimento no Brasil. Por meio do assessor de comunicação da empresa, Guilherme Sierra, a empresa disse que não revela números, e também se negou a disponibilizar fontes técnicas.

Direito do consumidor Embora a legislação seja de 2003, só em 2008 os produtos a base de soja transgênica começaram a ser identificados ao consumidor.

O outro lado causa da redução da área plantada com sementes transgênicas é o gasto com o glifosato, herbicida que exige o volume de oito litros por hectare para garantir a eficácia no caso das GMOs. Na lavoura da soja tradicional, cerca de 3,5 litros dão conta do recado. Mais uma vez a economia entra para balancear o cenário. Se em 2007, o produtor pagava cerca de US$ 4,50, por litro, este ano o valor subiu para US$ 6,50. Além disso, o agricultor precisa pagar royalties entre 1% e 3% para a empresa produtora da semente, um motivo a mais para o produtor optar pelo plantio tradicional.

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uso de GMOs, inclusive uma lista com os “Sete pecados capitais dos transgênicos” (greenpeace.org/brasil/transgenicos/). Nessa relação, um dos principais problemas relacionados a GMOs estaria no risco de o produtor, que deseja plantar somente plantas convencionais, ter sua lavoura contaminada por pólen de espécies geneticamente modificadas e, com isso, ficar impedido de vender seu produto como não transgênico.

Foto: Daniele Siqueira/Ag. Rural

No Paraná, esse efeito também pode ser observado. No norte do estado, na região de Londrina, o produtor Nelson Toshio Watanabe diz que, por causa da alta no custo de produção de soja transgênica, o preço final da convencional mais alto deve atrair maior interesse. Para este ano, Watanabe deve plantar cerca de 200 hectares de GMOs. “Só vou semear porque já havia comprado as sementes com antecedência. Se o custo para a implantação da lavoura for mantido, no ano que vem, volto para a produção tradicional”. A bióloga Luciene Mora Carvalho alerta que o uso indiscriminado do glifosato pode ter conseqüências graves ao ser humano e à natureza. “Mulheres grávidas contaminadas com o Roundup (nome comercial do herbicida da Monsanto) correm sérios riscos de abortar”, alerta Luciene, que dá um exemplo de danos à natureza: “caso a plantação receba fortes chuvas logo após a aplicação, o produto pode cair nos rios. Com isso, peixes, anfíbios e plantas aquáticas podem ser exterminados”. O professor de Genética da Universidade de Brasília, Nagib Nassar, alerta que os transgênicos podem produzir complicações de forma indireta. “Nos Estados Unidos, onde o produto é utilizado desde a década de 90, agricultores constataram a ocorrência do ‘Colapso Desordenado de Colméias’ (CDC), causado pela contaminação das abelhas na fase de polinização das plantas geneticamente modificadas”, conta o pesquisador. “Na natureza, os elementos estão interligados e qualquer mudança em sua estrutura pode chegar efeitos imprevisíveis”. No caso das abelhas, o inseto que poliniza o milho no verão também é responsável pelo desenvolvimento de frutas e verduras no inverno. No campo dos ambientalistas, o Greenpeace foi procurado, mas não atendeu à solicitação de entrevista feita pela reportagem, mas no site da instituição há vasto material que condena o

Milho trangênico plantado nos Estados Unidos em 2008.

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Informa莽茫o para a qualidade de vida

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Saúde

Diagnóstico

Texto Robson Louriel, Stela Piardi, Colaboração Rafael Adamowski, Rafaella Siqueira

SUS na prática

funciona Preciso de um médico, não tenho dinheiro, saio de madrugada para ir ao postinho. Quando chego, me deparo com pessoas esperando pela distribuição de senhas. São cem por dia. Se tiver sorte, pega um clínico geral no mesmo dia. Se não, é preciso voltar no dia seguinte. Mas se o caso for específico e precisar de um médico especialista, pode-se esperar meses ou anos esperando por um exame ou consulta”

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ste é o caso de Eloina de Fátima Camargo, 42 anos. Moradora do bairro Cajuru, em Curitiba, ela vive esse drama há seis meses. Sua primeira ida ao posto de saúde para esta nova seleção de exames, e consequentemente, a cirurgia de retirada do útero começou em 07 de maio deste ano. Após o início do tratamento, ela só consegue marcar exames e retornos ao médico, de três em três meses. Segundo Eloina, o médico do postinho já adianta remédios para os próximos períodos, ou seja, emite liberação de ordem de entrega de medicação para um intervalo de 90 dias, que será o prazo que o assistenciado pelo SUS voltará a ser atendido. Em 03 de julho de 2008, Eloina foi atendida por um clínico que a encaminhou a um reumatologista. Várias tentativas de agendamento já foram feitas. Segundo ela, ligar para marcar uma consulta ao reumatologista ou ir até ao postinho é tempo perdido. “Funcionários orientam para li-

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Foto: Rafaella Siqueira

gar de 15 em 15 dias. Ir até o posto de saúde é viagem perdida. Até hoje não consegui”. No mesmo mês, a médica solicitou uma ecografia pélvica para prosseguir com o processo da cirurgia de retirada de útero de Eloina, mas a espera ainda persiste. Entre inúmeros exames e consultas já efetuados, a operação ainda não será marcada até o fim desse ano, e está com “possível” agendamento para o mês de janeiro de 2009, 9 meses depois da primeira consulta. “Para conseguir vaga e me consultar, tenho que chegar às 5h da manhã no postinho. A cada nova consulta, solicitam também novos exames - e o intervalo, para isso, é de no mínimo três meses. Enquanto isso, ficam me enro-

Penso num sistema misto, parceria público-privada com a ajuda também de quem pode contribuir” lando, apenas me passam remédios. O que escuto? Não há vagas, ligue daqui quinze dias! É sempre a mesma coisa”, completa. Rafael Juliano Albuquerque, 31 anos, espera uma consulta com o oftalmologista há três anos. Em 2005 foi ao posto de saúde Afonso Pena, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, e até agora não foi chamado. Agora, com os óculos prontos, prefere desembolsar o dinheiro para uma consulta particular

Quando usamos os hospitais de Curitiba, não estamos usando o sistema de Curitiba, e sim a rede do Estado”.

do que esperar pelo SUS. “Imagine se fosse algo muito grave, já estaria cego!”, ironiza. Sem reclamações ambém há pessoas que se dizem contentes com o SUS. É o caso de Aparecida da Cruz Santos, esposa de José Virgulino dos Santos, que sofreu um assalto, levou três facadas e uma martelada na cabeça. Ele ficou três semanas em estado grave na UTI de um hospital público de Curitiba. Aparecida conta que José teve toda estrutura necessária para a recuperação do marido. “Agora, durante a recuperação, ele retirou a sonda duas vezes. Fui ao posto de saúde do Cajuru e eles prontamente me atenderam”, explica.

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História Ela conta que uma fisioterapeuta e uma nutricionista do SUS vão à sua casa para dar instruções sobre os cuidados com José. “Talvez pela gravidade do problema do meu marido, eles tomem providências diferentes”, conclui. Paliativo ma das saídas para quem não pode ou não quer esperar pelos exames ou consultas, e tem uma condição financeira um pouco melhor, é apelar para os planos de saúde mais baratos. Foi

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Em alguns lugares demora 60 dias para conseguir um exame, 90% disso é problema de gestão”. o que aconteceu com a faxineira Ivone Pereira Campos, 37, que possui uma renda de R$ 700 e dois filhos. “Meu filho tem asma e não pode depender da espera por consultas do SUS. Faço um esforço e pago um plano mais em conta com co-participação”.

Foto: Silvana Vicente

A história da saúde pública brasileira teve seu primeiro marco em 1953, com a criação do Ministério da Saúde. Foi somente com a aprovação da Constituição Federal, em 1988 que o termo saúde ficou definido, aqui no Brasil, como “direito de todos e dever do Estado”. Então surgiu o Sistema Único de Saúde (SUS) posto em funcionamento em 1990, com a aprovação da Lei Orgânica da Saúde. O SUS foi criado para atender todos os cidadãos que necessitem de serviços na área da saúde. Financiado com recursos arrecadados por meio de impostos e contribuições sociais pagos pela população, seu sistema estabelece que todos têm direito a consultas, exames, internações e tratamentos, seja na esfera municipal, estadual e federal.

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Sistema de Saúde é único.

Foto: Silvana Vicente

Cidade e Estado são igualmente responsáveis

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m meio a reclamações e elogios da população que necessita do Sistema Único de Saúde para obter atendimento médico, o secretário de Saúde de São José dos Pinhais, Giovani de Souza, fala sobre os trabalhos realizados pelo SUS, os problemas existentes e as idéias que podem ser implantadas para a melhoria do sistema: Repórter - Em relação aos investimentos do Governo Federal e Estadual, como é a situação de São José dos Pinhais? Giovani de Souza: O Sistema Municipal de Saúde funciona em 4 níveis. O primeiro é o da atenção básica realizado nas Unidades de Saúde, SUS. São atendimentos voltados à Clínica Geral. Estruturamos, no município, como em todo o Brasil, o Programa Saúde da Família, no qual há 25 equipes trabalhando em 22 unidades, distribuídas na área urbana e rural. Com uma população próxima de 300 mil habitantes, e pelo tamanho territorial de São José ser o dobro de Curitiba, há uma grande necessidade do usuário, principalmente das comunidades mais carentes do serviço público. Disponibilizamos medicamentos, e em algumas unidades, pediatras e ginecologistas. Existem seis unidades de grande porte, cinco de médio, e outras onze de pequeno porte. O segundo nível é o de especialidade, onde se encontram os especialistas, neurocirurgião, cardiologista, ortopedista, entre outros. Dentro desse nível, há clínicas de Especialidade, o Centro de Especialidades Médicas (CEM), Centro de Especialidade Odontológica (CEO), Centro Integral de Atenção a Mulher (CIAM), Centro Especializado de Atendimento à Criança (CIAC), e em construção, o Centro Integral de Atendimento ao Idoso. O terceiro nível tem o Sistema de Urgência e Emergência, com Unidades 24 horasque atendem acidentes ou outros inci-

dentes ocorridos após as 22 horas. Na Rede Hospitalar do Município, relativo ao quarto nível, existem dois Hospitais, o São José e o Atílio Talamini. O tamanho da população e do município determinam a quantidade de recursos investidos pelos governos Federal e Estadual? Dependendo dos municípios, na questão de população, têm-se uns números percentuais de arrecadação. No caso de São José dos Pinhais, é o terceiro arrecadador em ICMS. Todas as secretárias municipais de saúde têm um fundo que recebe recursos, que contam com 25 contas, tem recursos do Governo Federal, Estadual e próprios. O Governo Estadual, por exemplo, paga para cada equipe R$ 6 mil reais. Para nós, é um dinheiro insignificante, já que alguns médicos recebem R$ 10 mil de salário. É um dinheiro que ajuda, mas ainda é muito pouco. Hoje, 80% do que é gasto na área da saúde é recurso próprio do município. Como o governo especifica os setores para aplicar o dinheiro, há algumas dificuldades, uma vez que o mesmo governo não sabe das necessidades do município. Dessa forma, quando se determina a aplicação em determinado setor, não é possível aplicar em outro que precisa de investimento. Para se ter idéia, o governo Estadual, hoje, destina R$ 450 mil para manter o Hospital Filantrópico. Mas a necessidade para a manutenção do hospital é de um milhão e trezentos mil. Já o Governo Federal, nesse caso, não destina nada. No caso dos municípios que não tem recursos próprios, e dependem do governo Estadual, estas localidades encontram maiores dificuldades? Com certeza. Muitos dos hospitais filantrópicos do Paraná e do Brasil estão “sucateados”, sem equipamentos, sem recursos humanos e endividados, por

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Faltam recursos dos governos Estadual e Federal para manter todo esse sistema funcionando dentro dos níveis de satisfação. causa disso. Faltam recursos dos governos Estadual e Federal para manter todo esse sistema funcionando dentro dos níveis de satisfação. Na teoria, o SUS é um sistema perfeito. Na sua opinião, o que dificulta o seu funcionamento? Os governos Municipal, Estadual e Federal não repassam recursos suficientes para o SUS. Pela experiência que tenho nas iniciativas privada e pública, penso num sistema misto. Eu acredito que deveria haver uma possibilidade de que aqueles que usufruem o sistema e podem contribuir, contribuam. Num hospital público, todo recurso tem que ser do SUS. Mas nele também são atendidas pessoas que teriam condições de custear parcialmente o atendimento. Assim, ao atender toda a comunidade, o sistema fica sobrecarregado, carente de recursos, oferecendo um serviço precário. O governo tem estudado a possibilidade do sistema misto, com um fundo de participação da comunidade ou da iniciativa privada, porque o país nunca vai ter recurso suficiente para atender toda a população com dinheiro somente do SUS. Isso é inviável. Porém, no Paraná, ainda não existe um modelo para a aplicação dessa estratégia. Estamos em uma fase de transição. O secretário de Saúde de São José dos Pinhais, Giovani de Souza.

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Quando estes projetos serão postos em prática?

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O Brasil possui 5.564 municípios, mas a realidade no Nordeste, por exemplo, é diferente da de São José dos Pinhais. A realidade aqui não é como na maior parte do Brasil. No Paraná, são 399 municípios, e cada um deles tem uma realidade diferente. O Governo Federal e Estadual têm dificuldades em aplicar os mesmos métodos nos municípios. Portanto, fica difícil estipular um tempo para resolver os problemas ou criar um modelo de atendimento. Há uma integração entre as cidades da região metropolitana em relação ao atendimento dos pacientes? Não, acaba-se usando a rede. Quando precisamos os hospitais de Curitiba, não estamos utilizando o sistema de Curitiba, e sim a rede do Estado. Os hospitais do Trabalhador, Evangélico e Cajuru - que são hospitais de referência para a Região Metropolitana, - são os que recebem recursos dos governos Federal e Estadual para manter o atendimento ao SUS. Atualmente, 50% dos recursos SUS do Estado ficam em Curitiba. Em São José dos Pinhais uma parte dos recursos vem do governo estadual, mas a maior parte provém do município.

localizado aqui, não seria São José que estaria efetuando o atendimento, e sim o sistema. Quando Curitiba diz que está atendendo 30%, pode ser considerado um erro, porque não é o município, e sim o sistema. Na verdade, são os hospitais do Estado, localizados em Curitiba, que estão atendendo.

projeto é construir um hospital regional, mas isso depende dos governos Estadual e Federal. Se construirmos um hospital regional em São José, é por que existe demanda. Mas há um projeto da construção de um hospital regional em São José dos Pinhais, por causa das rodovias e do Aeroporto.

Para o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), a reabertura do Hospital São José foi boa. Segundo ele, a estrutura de Curitiba é sobrecarregada pelos cidadãos da região metropolitana. Porém, muitos deles trabalham em Curitiba e pagam impostos na cidade.

Qual sua opinião em relação à espera de exames e consultas em muitos lugares do país?

Ele quis dizer que a reabertura do Hospital São José é boa para o atendimento da demanda do município, mas os recursos para manter os hospitais de Curitiba vêm do Governo Estadual e são destinados a atender a população, independente de serem de Tijucas do Sul, Piraquara ou outra cidade. O dinheiro é administrado por Curitiba, mas não é da prefeitura da cidade. É destinado pelo Estado para manter os hospitais estaduais, que estão no município.

Curitiba é obrigada a atender de 30 a 40% de sua região metropolitana?

Nessa integração, existe o projeto da construção de um hospital estadual em São José dos Pinhais, como os localizados em Curitiba?

Curitiba atende através do sistema. Se um hospital, como o Cajuru, estivesse

O prefeito eleito de São José dos Pinhais, Ivan Rodrigues, disse que seu

Os recursos para manter os hospitais de Curitiba vêm do Governo Estadual e são destinados a atender a população, independente de serem de Tijucas do Sul, Piraquara ou outra cidade. O dinheiro é administrado por Curitiba, mas não é da prefeitura da cidade.”

A definição de exames, medicamentos e exames de alta complexidade precisam de uma organização. Se não houver uma gestão profissional sobre este sistema, ocorrem problemas. Eu acredito que a maior parte dos municípios tem dificuldade na gestão. O grande problema da administração pública relacionada a SUS é a gestão. Falta uma visão na administração pública, relacionada ao sistema de saúde. Eu sou administrador, e não médico. Em 10 meses consegui organizar coisas que em dez anos não foram feitas. O que falta ainda aos profissionais de saúde são os conhecimentos das ferramentas de gestão e administração. Na minha equipe, há orientação sobre diretrizes, gestão estratégica, gestão por resultado, plano estratégico, vias de custos, processos, projetos. Essas coisas, quando colocadas no papel, minimizam erros em até 40%. Eu acredito que, quando há uma gestão eficiente e profissional, é possível reduzir custo e tempo. Em alguns lugares, demora 60 dias para conseguir um exame. 90% dos casos são problemas de gestão. Alguns exames de alta complexidade não são viáveis porque não são financiados pelo governo. Esse problema também gera um colapso no sistema. E é outra situação que precisa ser avaliada.

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Saúde

Comportamento

Texto e fotos Robson Louriel, Stela Piardi

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roquei meu casamento por um copo de cachaça! Perdi emprego, perdi o caráter e só agora descobri que eu sou um alcoólatra e preciso de tratamento”. Esse é um dos milhares de casos existentes entre aqueles que por alguma razão, perdem o controle, adotam uma conduta excêntrica e começam a fazer parte dos “Compulsivos e Obsessivos”. Assumir-se compulsivo ou obsessivo é uma grande dificuldade. Buscar tratamento, então, é uma barreira difícil e, muitas vezes, quase insuperável. Mas antes, é necessário distinguir qual é o verdadeiro problema . Como saber o que significa isso que as pessoas sentem e que os faz perder o controle sobre suas próprias vontades? As atitudes de um obsessivo, ou compulsivo, são as mais diferentes possíveis. Alguns são maníacos por limpeza, fazer compras, telefone, bebidas, comida, drogas, cigarro, desejo sexual incontrolável, roer unhas, dentre outras. Hoje, existem grupos de tratamento para a maioria dos casos. Costumam ser oferecidos em igrejas e ONG’S, de forma gratuita, preservando o anonimato das pessoas.

“Comecei a beber com 16 anos, em uma festa junina. Até então eu achava que a bebida só me deixava mais solto, feliz. Aos 18, quando casei, meu monstro da bebida despertou. Eu achava que era onipotente, e aos 23 joguei meu casamento no lixo ao trocar minha esposa por um copo de cachaça. Me escondia no álcool e cheguei ao meu limite.Tive convulsões, já vomitei sangue, cheguei ao fim do poço mesmo!” Hélio está com 33 anos e freqüenta o grupo de reabilitação AA (Alcoólicos Anônimos). Há três anos, ele reatou com a esposa e se considera um alcoólatra em recuperação. “É muito cedo pra dizer que aprendi, estou aprendendo a cada dia. Quando alcoólatra, eu só vivia o hoje, o amanhã não me pertencia. Agora eu penso num futuro, quero reconstruir minha vida. O AA me deu forças, aqui eu sou importante”, relatou. Sem limites mar demais. Foi o que levou Mel, 28 anos, a freqüentar um grupo de auto-ajuda para se “curar” de algo comum entre a maioria das mulheres.Para ela, quando o amor ultrapassa todos os limites, o jeito é se afastar. “O que eu estava sentido não era mais

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amor, era posse, o ciúme tomou conta de mim! Já tive três namorados, sempre fui ciumenta e isso foi o motivo do fim de todos. Com o casamento percebi que não tinha limites, desconfiei até das minhas irmãs”, conta. Mel procurou o Mulheres que Amam Demais (MADA), influenciada pelo próprio ex-marido. Freqüenta o grupo desde fevereiro de 2008 e ainda tem esperanças de reatar o casamento. Porém diz que precisa aprender a amar. “Eu me sentia um lixo, via ameaça em tudo e em todos, não me concentrava no meu emprego e sofria demais, às vezes até sem motivo. Cheguei a pagar para uma amiga seguí-lo. O medo de ser traída me consumia”. Para a psicóloga Wael de Oliveira, há vários entendimentos sobre o que determina as compulsões. Pode ser genético ou psíquico. Na perspectiva psíquica, todas as compulsões são construídas na primeira infância, que vai até os sete anos de idade, juntamente com a construção da personalidade”, explica. Wael diz que um ato passa de obsessivo para compulsivo na vida de uma pessoa quando se transforma em uma condição para viver. ”Se alguém tem a idéia de somente entrar com o pé direito dentro de casa, é uma obsessão. Quando alguém não consegue mais entrar em casa se não colocar o pé direito primeiro, se torna uma compulsão”. A psicóloga também acrescenta que há muitos casos de crianças obsessivas e que os pais não conseguem enxergar. E muitas características externas podem refletir somente na vida adulta. No cérebro, os mecanismos da dependência química e da compulsão se parecem, eles atuam na mesma região. Porém, enquanto um possui a dependência de uma certa substância química, o outro é manifestado pelos impulsos. Os dois possuem a mesma função: satisfazer a sede do prazer.

Obsessão

Aquilo que vem da mente, idéias ou imagens que de maneira repetitiva, invadem o pensamento e as pessoas não conseguem evitá-las. Normalmente a obsessão está ligada à organização das coisas, higiene, incertezas, pecados... 62

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Sexo – um desejo mais comum do que parece á transei com mais de cinco mulheres em uma noite! Muitos não acreditam e acham que é fantasia, que sou um ‘comedor’. Mas na verdade, sou um doente compulsivo por sexo.” “Tinha 19 anos quando comecei a me sentir assim. Já cheguei a comprar “acessórios” em sex shop a fim de tentar me conter, mas isso não adianta. Acho que quando a gente tem essa doença, o desejo é muito maior que a própria consciência. Quando eu pensava em sexo, aquilo me consumia, eu precisava transar!” Esse é o depoimento de um “Compulsivo em tratamento” (como ele mesmo se designa) que freqüenta um grupo de auto-ajuda em Curitiba. Hoje ele está com 31 anos e diz já ter passado por coisas de ‘arrepiar’. “Já fiz coisas das quais me arrependerei eternamente. Graças a Deus, aqui no grupo encontrei ajuda. Se continuasse daquele jeito, talvez hoje eu não estivesse vivo.” O desejo incontrolável pelo sexo, a obsessão sexual, representa o vício mais tentador e também um dos mais presentes na mente dos obsessivos. Segundo estudo recente feito por especialistas, no Brasil, os compulsivos sexuais representam 6% da população, ou seja, o equivalente a cerca de 10 milhões de pessoas. Também denominadas ninfomaníacas, ou ainda satiristas, no caso dos homens, são aqueles que possuem a “fome por sexo”, praticam o ato sexual; não pelo prazer que isso acarreta, mas somente pela satisfação momentânea de sua compulsão. O que na maioria das vezes acaba gerando uma relação anorgásmica (não chega a ter o orgasmo) e que posteriormente irá trazer aquele sentimento de culpa e falta de limites, pondo em risco seus relacionamentos, seus trabalhos e até suas próprias vidas. Para a médica sexóloga com pósgraduação em Disfunção Sexual Masculina e Feminina na Universidade de Boston (EUA) e Diretora Clínica do Núcleo de Estudos de Sexologia e Geriatria de Curitiba, Marilene Cristina Vargas, esse tipo de obsessão, na maioria das vezes, é conseqüência de

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algum trauma, na infância ou na vida adulta, originário de algum choque emocional, uma alteração metabólica, ou ainda, de uma diminuição de neuro transmissores. Problemas orgânicos e psicológicos desencadeiam a obsessão. A médica sexóloga explica que os casos de obsessão aumentaram muito nos últimos anos e que o fator principal é a desagregação familiar. “Quando a pessoa não tem presente este ambiente de família, acaba sentindo-se solitária e, busca no ato sexual compensar o desamor, sanar sua fome afetiva através de uma penetração”. Marilene ressalta que hoje em dia, as mulheres estão mais compulsivas pelo sexo do que os homens. “Até o ano 2000, a maioria dos casos ocorriam com homens. Agora, devido a essa “igualdade dos sexos”, a mulher tende a ser o “sexo forte”. E ao privar mais pela sua liberdade e independência, procuram tratar os homens como objeto, assim como as suas mães eram tratadas antigamente. Porém, esse tipo de atitude não deixa de ser um grande engano, pois agindo de tal forma ela não ama e não deixa ser amada e no fim acaba sofrendo muito”, explica. Caso a caso omo qualquer outro tipo de anomalia, quando se pretende tratar alguém que sofre com os desvios sexuais, antes de qualquer coisa é necessário avaliar a situação, pois tudo varia de pessoa à pessoa. Existem casos muito diferentes e que só um especialista poderá determinar. A sexóloga explica que o primeiro passo para o tratamento é o teste do Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota (MMPI, na sigla em inglês da Universidade de Minnesota). Teste freqüentemente usado para verificar personalidades nos campos mentais e da saúde. “Ele fará uma ava-

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Compulsão

É designada por comportamentos estereotipados, atitudes que não são agradáveis, nem úteis, mas fazem com que a pessoa fique muito ansiosa se não executá-los.São os popularmente chamados vícios.

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O Transtorno Obsessivo Compulsivo consiste na combinação de obsessões (pensamentos) e compulsões (comportamento). Este caso ocorre quando a pessoa fica tão “obcecada” com seus pensamentos que mesmo sem enxergar a necessidade daquilo, acaba colocando-o em prática, ou seja, exercendo atitudes compulsivas liação se a compulsão é real ou não, e também se ela é originária de um distúrbio psiquiátrico ou orgânico. A partir daí, se for detectado que o problema é orgânico, é necessário fazer a reposição do que está faltando, aplicando dosagens de dopamina, serotonina, lítio, magnésio, enfim busca-se curar esse desequilibro químico celular que desencadeia o distúrbio psiquiátrico em questão. E, se for psicológico, o tratamento é feito por meio de terapia, que pode ser breve e ainda com grupos, ou seja, os conhecidos “Compulsivos Anônimos”.” Marilene alerta para uma modalidade que aumenta e preocupa os psicólogos e especialistas do meio, o “Sexo On-line”. Segundo eles, a facilidade do contato e o espírito inicial de fantasia estão desencadeando muitos episódios de anomalia sexual, e neste caso, o tratamento é muito mais difícil. “O órgão mais sexual do nosso corpo é o cérebro, ele é ilimitado e, quando estimulado, você não sabe quais são as fronteiras. Quando se trata de sexo pela Internet, na maioria dos casos, são pessoas totalmente normais, porém devido a essa facilidade que o mundo cibernético propõe, acabam desenvolvendo essa anomalia. Portanto, cuidado com os convites!” alerta.

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Valério Weber: obcecado por cidadania.

Será Obsessão? Ele considera que sim: “Sou um obsessivo por cidadania!” Valério Weber, 65 anos, militar aposentado, é o cidadão paranaense com o maior número de ligações para o serviço 156 (Prefeitura de Curitiba), mais de 1000 solicitações. Entre reclamações, sugestões e elogios, Weber procura sempre manter este contato com os órgãos públicos e assim exercer seu papel como cidadão. Tudo começou em 1983, quando Weber encaminhou uma carta ao Ministro da Burocratização quando realizava um estudo para o mestrado em que o tema era “Serviço público – servir o público”. Segundo ele, não esperava obter resposta, achava que o ministro sequer leria sua carta. Mas foi diferente. Ao ver sua resposta ainda por telégrafo e assinada pelo ministro, ele sentiu-se incentivado. “As autoridades falam co-

migo”, exclama. A partir dessa data Valério começou a anotar tudo que via de errado e que poderia mudar. Quando saía na rua levava consigo um gravador e uma caderneta nos quais relacionava todas as irregularidades que encontrava pela frente. Desde placas entortadas, semáforos estragados, buracos nas ruas, até mesmo as situações em que se encontravam os catadores de papel das ruas, lhe chamava à atenção. Tudo anotava e passava para os órgãos. Hoje, suas sugestões e/ou reclamações caíram bastante, cerca de 30%. Segundo ele, o principal motivo é a falta de respostas. Mas mesmo assim Weber ainda se considera um cidadão antenado e com obsessão por cidadania. “Se todos tivessem essa obsessão o mundo seria diferente, não é?”, completa ele.

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Entrevista Comportamento

por Guilherme Dala Barba

Pedofilia Escritor expõe a hipocrisia da sociedade em relação a que o código penal define

Foto: Hugo Abati

como “crime hediondo”

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ilton Rui Fortunato é jornalista aposentado, autor de livros como “Relações Virtuais - A Verdade Nua e Crua da Internet” e o recente “Pedofilia: A Inocência Ferida”. Durante mais de dez anos, trabalhou no jornal Gazeta do Povo nas editorias policial e coluna social. Dedica boa parte de seu tempo voltado para ações sociais e não hesita em apontar as falhas que acredita existir na sociedade em relação aos temas que escreve, geralmente ignorados pela população devido ao fato de tratarem de assuntos trágicos e complexos. Seja sobre as facilidades de manipulação e mentiras pela internet, sobre crimes hediondos que acontecem no Paraná e no Brasil, Milton Rui procura expor uma realidade ignorada e, por vezes, suja e degradante. Suas obras receberam prêmios devido a coragem e embasamento teórico sobre os temas que se propõe a analisar. Em entrevista concedida a Repórter, o escritor discorre sobre o mercado editorial brasileiro, de seu passado como jornalista e, principalmente, sobre pedofilia, tema de seu último livro. Repórter

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Repórter - O livro “Pedofilia: A inocência Ferida” trata de um tema pouco abordado pela sociedade. O que o motivou a trabalhar e pesquisar a respeito? Milton Rui Fortunato - Não escondo de ninguém essa história. Não se pode ter vergonha do que acontece em sua vida. Eu tenho duas filhas, que são a razão da minha vida. E uma delas é especial e foi abusada por um professor quando tinha 11 anos. Você não tem idéia do que é passar por isso. A gente só ficou sabendo uns três dias depois. Juro que fui pro colégio querendo matar o cara. E acho que teria feito se tivesse tido a chance. Isso mexe com a gente, mexe mesmo. A partir dali, comecei a perceber como tive dificuldade em lidar com aquilo. Como minha filha reagiu e decidi pesquisar a respeito, tentar conscientizar as pessoas. A única forma que existe para impedir que isso aconteça é a prevenção. É a palavra-chave.

Foto: Irene Roiko - CMC

De que forma o senhor considera que a sociedade enfrenta a pedofilia?

Os pedófilos, geralmente, são pessoas em quem as crianças confiam. Não são estranhos. Sabem conversar com menores e conquistam a confiança deles.” Milton Rui Fortunatto, jornalista.

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Não enfrenta. Veja só, eu escrevi esse livro, que tem uma linguagem fácil e sem nada que possa incomodar alguém, mas basta ver o tema, que as pessoas fogem. E fogem por medo de lerem algo que aconteceu com eles. Que até eles mesmo tenham feito. Não estou dizendo que fizeram como um pedófilo faria - essa é uma raça de bandido que não merece o menor respeito - mas às vezes as pessoas temem que leiam algo que aconteceu com eles, mesmo que involuntariamente e que de alguma forma o marcou. Não existe fuga para isso. O menor que é abusado carrega para o resto da vida o temor. Teve gente durante as entrevistas, que chorava e tremia só de relembrar. Não precisa ser, necessariamente, uma experiência física. O abuso pode ser men-

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tal e psicológico. É algo brutal e muita gente prefere a ignorância a respeito. E o pior é que, em alguns casos, estão certos. O Conselho Tutelar é algo que não funciona no país, é incapaz de dar conta de todos os problemas envolvendo menor e tudo o que faz é observar. E depois, não importa o que aconteça, sempre fica uma sensação de impunidade dos culpados. Acho que nunca é o suficiente para aqueles que tiveram que passar por uma situação como essa. As vítimas de pedofilia costumam esconder que sofreram abusos. Como explicar esta reação e o que fazer para mudar este comportamento? Medo. Os pedófilos, geralmente, são pessoas em quem as crianças confiam. Não são estranhos. Sabem conversar com menores e conquistam a confiança deles. São pais, padrastos, tios e tias. É algo sujo, algo que vem antes da hora para o menor e que ele não sabe lidar. Além disso, têm sempre as ameaças de que se contar vai apanhar ou até mesmo morrer. E isso para uma criança é muito difícil de compreender. É difícil para ela perceber que não tem culpa. Até que ponto o senhor enxerga a internet contribuindo para a proliferação da pedofilia? A internet é o maior antro de pedófilos que existe. Acesse qualquer chat, desses do UOL, Terra, AOL, que eu não sei se existe ainda. Mas em todos eles você acha tanto pedófilos quanto menores que acham que já entendem alguma coisa de sexo e que estão dispostos a correr riscos. Orkut é outro site complicado, apesar de ter melhorado bastante o policiamento. Mas, antes, era comum encontrar comunidade de pedofilia cheia de pessoas trocando experiência. Uma coisa simplesmente terrível. Sem contar a facilidade com que se pode conseguir marcar programa com

menores através de sites. Em uma matéria veiculada no site G1, o Papa aponta a mídia e a indústria do entretenimento como causadores de uma banalização sexual, que contribuiria para a prostituição e pedofilia. Acredita que existe mesmo esta influência? Claro que existe. Pegue qualquer novela, que vai ser fácil entender o porquê do jovem ser mais precoce hoje em dia. Some isso com a ausência dos pais, que precisam trabalhar cada vez mais para conseguirem sobreviver e a falta de orientação sexual oferecida pelos colégios, e temos um grande problema em nossas mãos. Os menores acham que entendem o que é sexo. E sabem mesmo, mas teoricamente. Na hora da prática, são surpreendidos, e aí é tarde para voltar. Basta terem o azar de encontrar uma pessoa sem consciência e vão ser abusados. E isso é algo que não tem volta. Sem contar coisas como gravidez na adolescência e doenças. Os menores sabem o que é sexo, alguns querem fazer, mas não tem idéia das implicações que isso pode gerar. Não estou dizendo que sexo é algo ruim e que isso deve ser posto na cabeça de adolescentes, mas deve existir um dialogo com os pais, uma conscientização do que é isso para que não se aproveitem da ingenuidade deles. Como jornalista, o senhor acredita que pedofilia é um tema evitado pela imprensa? Não são evitados e sim explorados de forma errada. Não se faz um estudo sobre pedofilia e nem as formas de se previnir contra ela. O que existe são matérias sensacionalista a respeito do tema. Todo mundo lê enojado sobre um pai que se aproveitou do filho. E daí nós lemos bobagens como distúrbio mental ou loucura temporária no abusador. Isso não existe. Quase a maioria

das pessoas que abusam são minuciosos, tomam precauções para não serem pegos. Olhe o caso lá da menina que ficou presa por 24 anos no porão de casa. Acha que aquilo é insanidade? Claro que não, o pai foi extremamente calculista. Teve mais do que tempo para repensar seus atos e ainda assim continuou fazendo. E isso é mais normal do que pensa. Como foi o processo de edição de seu primeiro livro? Editar um livro no Brasil é muito complicado. Tenho até orgulho em dizer que fiz tudo por conta própria, sem o auxílio do governo, até mesmo porque não acredito no incentivo à cultura. É extremamente complicado conseguir ter sua obra aprovada e ainda existe toda a dificuldade de conseguir convencer empresas a apoiá-lo. Imagine qual empresa quer ter seu nome vinculado a uma obra que trata sobre pedofilia? É muito complicado e não se pode esperar um grande retorno. Digo pra quem quiser ouvir que gastei quase trinta mil reais com a edição, não consegui recuperar todo o dinheiro e não acredito que irei. Muitos aspirantes literários se queixam das dificuldades do mercado editorial no país. O senhor acha que existe mesmo um preconceito literário no país? Editoras favorecem muito autores com nome no mercado. Além disso, costumam cobrar extremamente caro por um serviço pequeno. Vão te pedir pra pagar a impressão e vão te dar 2% do preço de capa. O problema é que, sem eles, a distribuição não existe. É quase uma máfia. Conseguir fazer seu livro circular em grandes livrarias sem uma editora ajudando na distribuição é praticamente impossível. Eles têm contratos e acordos para dificultar o acesso.

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Cultura Teatro

Texto e foto Marcus Vinicius Schroeder

Fachada do Teatro Guaíra, em Curitiba.

Guaíra uma história E

le já faz parte da cidade de Curitiba. É grande, imponente, recebe sempre muitas pessoas anônimas, mas também muitos famosos. Ele é o Teatro Guairá, cartão postal de Curitiba e do estado do Paraná. A história do Teatro Guaíra começa no século XIX, quando ainda se situava onde hoje está o prédio da Biblioteca Pública do Paraná. Na época, o teatro foi criado com outro nome; Theatro São Theodoro, em homenagem a Theodoro Ébano Pereira, fundador de Curitiba. E foi no início do século passado, em 1900, que o teatro recebeu seu nome atual. Demolido em meados dos anos 50, foi reconstruído pelo então governador do estado Bento Munhoz da Rocha Netto. Reconstruído em frente à Praça Santos Andrade, o teatro foi responsável por uma grande evolução cultural na cidade. O primeiro auditório o "Auditório Salvador de Ferrante", de tamanho médio, conhecido como Guairinha, foi inaugurado em 19 de dezembro de 1954. Em 12 de dezembro de 1974, o grande auditório, o

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Guairão, começou a funcionar, e recebeu o nome de "Auditório Bento Munhoz da Rocha Netto". Foi criado na época, o grupo teatral que ficou sob a superintendência de Ary Fontoura, Glauco Flores de Sá Brito e Fábio Laynes. Também surge, sob direção de Tereza Padron, o Curso de Danças Clássicas do Teatro Guaíra (atual Escola de Dança Teatro Guaíra). O "Auditório Glauco Flores de Sá Brito", conhecido como o miniauditório, foi inaugurado um ano depois do grande auditório, em 1975. Já o "Teatro José Maria Santos", que não faz parte do prédio principal, mas integra o patrimônio do "Centro Cultural Teatro Guaíra", foi inaugurado em 27 de junho de 1998. Ao longo dos anos, o Teatro Guaíra desenvolveu e produziu muitas atividades e espetáculos, como o Grande Circo Místico, de Chico Buarque e Edu Lobo. Feito especialmente para o Balé Teatro Guaíra, o espetáculo teve a participação de Ana Botafogo, Ekaterina Maximova, Vladimir Vasilev, Monica Panader, Cristina Martinelli, Aldo Lotufo, José Moura e Emílio Martins como bailarinos convidados. Em seus 36 anos de existência, o Balé Teatro Guairá já constituiu um repertório com mais de 130 coreografias. Nos últimos anos, o teatro passou a oferecer novas atrações, como sessões de música erudita com a Orquestra Sinfônica do Paraná, aberta ao público, aos domingos. O teatro também tem produzido, todos os anos, óperas de grandes nomes

da música clássica, romântica, barroca e contemporânea. Ludwig Van Beethoven, Tchaikovsky, Mozart, Haendel, Orff, Gershwin, Bolling, Bruckner, Stravinsky, Paul Hindemith e Shoenberg figuram entre os compositores executados. Incluemse ainda, importantes compositores brasileiros como Villa-Lobos, Carlos Gomes, Radamés Gnattali e Camargo Guarnieri, além dos paranaenses Alceo Bocchino, Henrique Morozowicz, Padre José Penalva, Hilton Barcelos, Bento Mossurunga e Augusto Stresser. Todos os gostos têm vez no Guaíra. Segundo a presidente do Teatro Gauíra, Marisa Villela, o teatro tem como política trazer todos os eventos sem distinção de público. Villela destacou que produtores culturais de todo o país procuram o Gauíra para exibir seus repertórios. E desde o inicio de 2007, lembra a diretora-presidente Marisa Vilella, o Centro Cultural vem investindo na modernização de seus equipamentos, na manutenção e reforma de seus auditórios. “Tudo isso possibilita um melhor atendimento ao público e produtores. São reformas internas realizadas nos bastidores”, explica. O teatro também busca a popularização da arte, e para isso criou o Projeto Teatro para o Povo, que acontece sempre no último domingo de cada mês, com entrada franca, e que em 2007, reuniu mais de 10 mil pessoas. Ivo Rodrigues, vocalista da banda curitibana Blindagem, considera o Guaíra um templo da arte de Curitiba. Ele disse que já teve o prazer de tocar no palco do grande auditório e que, até hoje, nada se comparou a isso em sua vida. Já o advogado Lincoln Sobrinho, que teve sua formatura realizada no Guairão, também acha que lá tem algo de diferente. A funcionária Pública, Marcia Regina da Silva, não esquece do show do “Rei” Roberto Carlos que ela assistiu no Guaíra. A dentista Caroline Cristina, 22 anos, contou que enfrentou sete horas de estrada, para percorrer os 450 quilômetros entre Pato Branco, no interior do Paraná, até Curitiba, para assistir ao espetáculo, "Beatles Num Céu de Diamantes", "Ainda enfrentamos uma fila de duas horas", contou.

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Grafite

Texto e fotos Luiz Augusto Gomes Junior

a arte de transformar muros em telas

por muitos. Tanto que muitos moradores nos incentivam, deixando pintar os muros de suas casas”, relata. A pratica não é exercida só pelos homens. Há uma minoria de mulheres no meio. Como Juliana Juventino, que grafita junto com Johnny. “Sempre que me reúno com amigos, nós achamos algum lugar e pedimos permissão para poder pintar,” diz.

Invcentivo rojetos realizados por alunos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), do curso de Artes Cênicas, como atividade extracurricular, ajudam a jovens pichadores a desenvolver suas técnicas, sem estragar o visual da cidade com suas “demarcações”. A UFPR oferece curso básico de grafite para aperfeiçoar as técnicas do gênero. Eles obtêm espaços para a prática, com a autorização dos proprietários. Um dos alunos é Thiago Diego Fagundes, que optou pelo curso apenas para aprender, o grafite. “Fiquei sabendo do curso por meio da minha mãe, que um dos alunos dela se inscreveu, aí fiz inscrição. Desejo, um dia, se possível, poder desenhar nos muros da cida-

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Grafite é uma pintura feita em espaços públicos. É um tipo de inscrição em paredes, que resgata a prática utilizada desde o Império Romano. Esse renascimento artístico teve inicio no Brasil no final da década de 1970, em São Paulo. A partir daí, espalha-se por todos os centros urbanos e expressa a opressão sofrida pela sociedade, principalmente das classes menos favorecidas, mostrando assim a realidade das ruas. Na versão brasileira, o grafite foi incrementado. As cores ficaram mais fortes e os traços ganharam mais vida. O grafite brasileiro é considerado um dos melhores do mundo. Mas há uma polêmica em torno do grafite, que começou a ser confundido com vandalismo e poluição visual. Muitos grafiteiros pintam em cima de pichações de vândalos. É o caso de Johnny Crispim, que trabalha como garçom em um restaurante em Curitiba. Quando pode, ele se reúne com seus amigos para grafitar. “Ainda há preconceito conosco, pois ainda acham que somos pichadores. Mas ao contrário deles não marcamos território. Nós praticamos uma obra de arte, que é apreciada

O que rola nas ruas

de.” Ele também fala sobre o preconceito e o medo da repressão policial. “Já tive amigos que estavam grafitando e foram abordados pela polícia, que tomou suas latas de tinta e os tratou como se estivessem pichando, que ilegal. Por isso, tenho medo de grafitar.” Break Dance grafite está ligado diretamente a vários movimentos, especialmente o Hip Hop. Junto com ele, o Break Dance, praticado com o ritmo da música que é muito semelhante ao grafite, pois nasceu da opressão da classe dominante sobre a periferia. A moda chegou ao Brasil somente em 1991. O primeiro curso de “dança de rua” no Brasil foi na cidade de Santos, realizado pelo coreógrafo Marcelo Cirino, que realizava desde o ano 1982, pesquisas e trabalhos práticos. O ritmo é influenciado pela dança Africana, não só pelo fato de ser da rua, mas também da expressão BBoying, que provavelmente se originou da palavra africana Boioing, que significa pular, saltar. Estes são principais movimentos utilizados no Break Dance. O break se tornou uma tendência nas periferias.

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Crônica

Comportamento

Texto e fotos Oscar Ariel e Thiago Paes

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abe aquela pessoa que se amarra nos carnavais fora de época? Ou prefere gastar seu tempo no shopping fazendo compras e mais compras? Ou então do tipo que se mata de tanto estudar todos os dias ou é aquele que fica horas na academia mesmo sendo véspera de prova? Cada um tem seu estilo e junto com outros amigos, que possuem as mesmas preferências, formam sua “tribo“. Noutros tempos, a criação do grupo costumava ser fácil. Dava se apenas por critérios mais geográficos ou de parentesco. Os que estavam próximos e eram da mesma ascendência constituíam, naturalmente, um grupo, a que podemos chamar clã ou tribo e que era o único grupo a que o indivíduo pertencia durante toda a sua vida. Hoje, a moderna família ainda se constitui como um grupo de grande importância para os indivíduos, mas tornouse insuficiente só por si. Existe a necessidade de algo mais, de outro grupo que partilhe os mesmos interesses e personalidades, mas que se destaque da família. Andando pelas ruas de Curitiba, podemos enxergar muitas dessas pessoas e suas respectivas “tribos”. A cada rua, um mar de pessoas. A cada olhar, no meio delas é um rosto, uma roupa, uma cor, um estilo de vida que as diferenciam uma das outras. Agora qualquer pessoa deve pensar, como é o dia a dia dessas pessoas, que em suas vestimentas principalmente são tão diferentes, como elas agem, o que elas fazem, quais os outros aspectos que fazem ser distintos para com os outros.

Tribos ois bem, entraremos no mundo algumas delas. Abordar “qual é a delas”, expressão usada por muitas “tribos”. Falando primeiramente de um mundo complexo, que são os roqueiros. Difícil retrata-los, pois são muitas as vertentes. Punks, góticos, indies, metaleiros, enfim inúmeros. Talvez possamos sintetizar de modo geral, Eduardo Leprevost faz parte desta tribo do rock. A sua roupa negra e o cabe-

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Como é você

lo liso bem comprido não deixam muitas dúvidas quanto ao seu gosto musical. Mas se, porventura, ainda restassem duvidas da sua tribo, o nome da banda, ‘Pantera’, escrito na sua camisola, imediatamente as afastaria.Geralmente pessoas como Eduardo gostam de heavy metal e hard rock. São muito bizarros! Ta certo que aqueles cabelos podem ser taxados de horríveis. Por que não estilosos? Mas pelo menos, eles não são considerados robôs da mídia. São exóticos! Não precisei de muito para dar de frente com mais um caso distinto. Vejo outro tipo. É um daqueles que trocam qualquer atividade a céu aberto para permanecer em casa, na frente do computador ou videogame. Os gamers ficam o dia todo disputando competições no mundo virtual, sozinhos ou em jogos em rede. Se você precisar de alguma ajuda quando o assunto for tecnologia, pode perguntar a um integrante desse grupo que ele não lhe deixará na mão. Guilherme Almeida (27) é jogador de RPG. A sigla é Role-Playing Game, que significa jogo de interpretação de personagem. Assim como todo o jogador de RPG, Guilherme já foi estereotipado como Nerd, jovem anti-social cujos interesses recaem sobre tecnologia, coleções, RPG, Ficção Científica, Comics, literatura, cinema. Resumindo, um “intelectualóide.” Ele não se considera um Nerd. “Longe disso, jogadores de RPG, em sua maioria, são estudiosos sim, mas não ficamos sempre trancados. Somos bem sociáveis”. Sim, muito sociável, até esta pobre pessoa tentou jogar uma partida, mas não teve sucesso. Figurino visual, às vezes, ajuda muito para saber com quais tribos estamos lidando. Vejo um jovem de blusas e calças bem compridas e muito largas, tênis idem, correntes nos pescoços e modo de andar desleixado.André de Oliveira (18) pertence à cultura Hip-Hop, há 11 anos. Desses,

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quatro como profissional, dando aulas de dança em comunidades carentes. Ele conta que, em Curitiba, o mundo Hip-Hop é bastante fechado, principalmente em função da preservação da cultura. “O pessoal do Hip-Hop prefere permanecer nos guetos. Talvez a tribo que mais sofra preconceito seja a do Hip-Hop. Taxados como ‘Manos’, somos confundidos com marginais, pelas roupas largas e pelo jeito com que encaramos a vida em sociedade”. Algo me intrigou durante esse processo. Eu tento conhecer um pouco mais sobre as tribos. O pagode é considerado um dos mais animados grupos. Muita cerveja, churrasco e samba modernizado. Pois é, um samba repleto de influências que fizeram do pagode uma moda. Henrique Mariano(20), comenta que no pagode tudo é alegria, mulher bonita, som que dá pra dançar a noite toda. Mas ele concorda: tem que gostar. “Somos até odiados, vistos como playboys e patricinhas. Mas não é isso. O pagode é pura diversão e amizade. Somos normais”, diz Henrique Mariano, 20. Cidades grandes como a nossa, abrangem uma infinidade de prédios, pessoas dos mais variados tipos e, como não, outdoors por todos os lados. Mas não precisa olhar para cima para achar as tendências desta e até da próxima estação. É só esperar uma patricinha ou mauricinho passarem engomadinhos nas passarelas da rua. Não se trata de uma ideologia comum e nem da falta de qualquer outra. É acima de tudo, estilo. Se os metaleiros não se preocupam com a aparência, esses são peritos em marcas. Eles não têm endereço certo, porque, afinal, a moda é efêmera. Basta ir a um lugar badalado, que você vai encontrar muitos como a estudante de moda Juliana Abreu. “Eu a-d-o-r-o estar bem vestida com tudo o que está na moda, e isso não quer dizer que eu seja fútil. Se as pessoas forem julgar só pelo que vêem, realmente, vão achar que eu não tenho conteúdo. Porém, o jeito que eu falo, o modo como eu

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diante da sua “tribo”? me visto são apenas elementos externos”. Quando Henrique me fala de “playboys” e patricinhas, penso em qual balada eles freqüentam, onde eles se encaixam. Conversando com um “playboy” nato, não existe onde se enquadram. Como diz em sua canção Gabriel Pensador: “Sou playboy e vivo na farra / Vou a praia todo dia e sou cheio de marra”. Talvez a letra da música “Retrato de um Playboy” possa retratar como é a vida deles. A prioridade dos integrantes dessa tribo é estar sempre na moda. Mas, é claro, sem extravagâncias, pois eles são pessoas de muita “classe“. Quanto ao comportamento, as “patricinhas” e “mauricinhos” são alegres, divertidos e os mais populares da escola. Marcio Lopes (24), considera-se assim e não tem vergonha. “Saio, me divirto onde quero, não me preocupe se falam que sou mauricinho pelo carro que estou ou não. Se tenho a oportunidade de ser assim, por que serei diferente?”. Peões m estilo que começou a despontar nos anos 2000 e até hoje tem muitos adeptos é o country. Marcos Vinicius Muchinski (23) gosta da cultura country. Gosta de andar "traiado", ou seja, vestido de cowboy. Nos fins de semana assume o papel de peão. Já participou de alguns rodeios no interior do Paraná. O cowboy tenta ainda se tornar especialista em montar touros e já quebrou diversos ossos nestas tentativas. Em Curitiba, ele mora com o pai, a mãe, a irmã. Na balada, Marcos freqüenta as casas Rancho Brasil e Victoria Villa, mas não gosta de dançar. Sua preferência é pelos shows de moda de viola e sertanejo. “Olha, é um estilo muito bacana. Estamos ligados a essa ar do interior, mesmo estando na cidade. Gostamos de muita festa, e somos muitos companheiros”, afirmou.

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Academia é um negocio sério. ncontramos os tais “ratos de academia.” Aficionados por corpos escul-

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pidos, os membros dessa tribo não perdem tempo e nas horas livres correm para a academia. Os figurinos de malhação normalmente os acompanham fora da ginástica Por isso, é fácil identificar esses jovens. Márcio Chacolski é modelo e se preocupa muito com o corpo. Além de praticar musculação, ele também é faixa-preta de jiu-jitsu. Ele fala que a tribo é forte em Curitiba e o preconceito gira em torno da confusão entre uma pessoa forte e um anabolizado. Ao contrário de quem se droga, os praticantes da musculação encontram, segundo Márcio, uma ótima maneira para manter uma boa saúde. E então... rogramas e lugares típicos, acessórios, livros, músicas. É fácil reconhecer membros de tribos urbanas, mesmo quando eles fazem questão de evitar denominações. Só que não é necessário ir aos seus “nichos” para reconhecer um gótico em sua sensível obscuridade, o senso crítico e contestador dos punks, o jeitinho natureba dos hippies. Não que eles sejam todos iguais, mas sempre existe um traço especifico que os une e a identificação fica fácil. Em uma sociedade tão diversa, o motivo pelo quais as pessoas se juntam em um grupo não é mistério. O psicanalista Sergio Lorusso explica que todo mundo precisa se sentir parte de algum grupo. “O ser humano tem necessidade de se agrupar como uma forma de ser amparado e não se sentir sozinho. Assim, busca outros com os mesmos traços, seja de pensamentos, modos de vestir, músicas . E como esses elementos se exteriorizam, existe uma taxação, já que se formam verdadeiras tribos”. Pois é, e não adianta julgar o que a gente não conhece, ninguém gosta de ser. “Temos tendência a tecer opiniões sobre o que é diferente sem conhecermos. As pessoas não são melhores nem piores por causa de seus gostos e cabe a nós uma segunda impressão”, conclui o psicanalista curitibano.

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Literatura Conto

Conto Kleiton Presidente

A morte e o avar O

A morte e o avarento, de Hans Holbein.

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s impostos eram cobrados de acordo com as necessidades do condado. E nem mesmo o rigoroso inverno daquele ano impediu que o coletor de impostos se ocupasse de sua profissão pela manhã, quando a névoa se dissipava entre as pequenas casas e tavernas do vilarejo de Borgonha, no sul da Holanda. A presença do coletor significava perdas e prejuízos para os camponeses, cujo trabalho duro, mal recompensado e submisso, rendia ao Conde uma contribuição satisfatória. Acompanhando o coletor de impostos, uma figura rara e inusitada, conhecido no vilarejo, mas chegado há pouco para servir ao condado. Homem de feições magras, membros pequenos e corpo franzino, possuia experiência como agrimensor e demarcaria terras para o alcaide. Seria designado para servir somente ao Conde e seus familiares, mas um contratenpo o transformou em acompanhante do velho coletor, que estava para se aposentar. E como o cargo só poderia ser ocupado por pessoas instruídas, e principalmente, dotadas de talento matemático, o agrimensor que já não era - transformou-se em coletor de impostos na pequena aldeia, onde em pouco tempo construiu amizades entre os camponeses, prestou favores, mostrando-se inicialmente compreensivo e cordial nas cobranças mensais. Com o passar dos anos, no entanto, os camponeses tomaram gosto em ironizar o antigo agrimensor, chamando-o de “avarento” - o que era facilmente explicável, devido de seu profundo afeto por valores materiais. Indiferente aos comentários, o coletor relevava o fato sem preocupação. Aliás, preocupação era o que menos denotava, pois ao ser acolhido pelo condado, reservaramlhe o melhor quarto de hospede do castelo. O formato neoclássico das paredes, os traços enviesados e o teto côncavo do aposento maravilhavam e enalteciam o espírito do serviçal. As largas cortinas vermelhas suspensas que envolviam a cama eram apetrecho nobre, juntamente à arca situada diante do leito, trancada sempre a sete chaves. Mas algo nesse coletor não agradava a dona da estalagem. Velha de caberlos brancos, faces castigadas e alma enferma, possuía olhar penetrante e percepção aguçada. Carregava nas veias o sensível conhecimento do mundo místico, herdado dos antepassados celtas. Desde o começo observava no forasteiro algo de perverso, diabólico e não explicável. Foi na grande festa de primavera, gentilmente incentivada e até certo ponto custeada pelo condado, que algo surpreendente aconteceu. Fogueiras, competições, música, jongo - dança típica herdada das aldeias do norte, fomentavam a animação no vilarejo e dos elegantes súditos do castelo. As contribuições oferecidas a Divindade da aldeia permaneciam empilhadas em um canto da tenda reservada ao Conde e aos seus familiares. Tudo transcorre-

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arento

A morte do avarento, de Hieronymus Bosch.

ria normalmente se a ausência do avarento coletor não fosse notada pela estalajeira e logo especulada pelos aldeãos. Diante dos comentários maldosos, o alcaide, figura notável e autoritária, designou um grupo de paladinos a vistoriar o paradeiro do avarento, que deveria obrigatoriamente, não só participar da festa, mas também recolher os impostos e valores pagos pelas famílias menos aventuradas. Ao retornar do castelo, o chefe do grupo, olhos fixos no alcaide, relatou alguns fatos estranhos. O coletor havia desaparecido. O dinheiro e outras formas de valores, porém, encontravam-se espalhados por todo o quarto. Indubitavelmente, a informação surpreendeu o alcaide, e não menos o sub-alcaide. Permaneceram imóveis, entreolhando-se, enquanto os clarins anunciavam a chegada majestosa do Conde, para a distração de todos os presentes. A estalajadeira, que assistia a tudo petrificada e captava com audição sensível todas as informações proferidas, saiu sem ser notada. Encorajada pela chegada da família condal, rumou para o castelo, a passos largos que denunciavam nervosismo e ansiedade. Ao se aproximar do aposento, percebeu que a porta estava entreaberta. E ao empurrá-la, sentiu um cheiro difícil de suportar. Havia dinheiro, de fato, espalhado pelo chão, e a arca estava aberta. Seu sexto sentido despertou quase que por extinto. As imagens se contorceram diante dos olhos, risadas ecoaram pelo quarto, criaturas fedidas e temerosas apareceram em cima da cama, perto da velha arca, e na estante, detrás da cortina. O sangue fervia nas veias, pingos de suor marcavam a testa e o assoalho, enquanto os dedos contorciam-se, formando sinais da mitologia celta, como proteção extra contra algo indefinido. O avarento, naquele momento, apareceu sob duas formas: na cama, definhado e disputado por anjos e pequenos diabos, e na beira da arca, com um sorriso cordial, atirando moedas para quem veio lhe tirar a vida. Subitamente, a estalajeira sentiu uma aragem fria e não mesnos assustadora passar através do umbral e arrepiar suas costas. Era o sinal de que a disputa havia acabado! O antigo cobrador de impostos, e por fim, avarento, era levado pelas mãos da morte. Para o inferno ou para o céu, não se sabe. A estalajadeira pouco compreendia o que acabara de presenciar, mas permaneceu imóvel como se o seu espírito tivesse saído do corpo e participado daquele episódio. Após refletir por alguns segundos, seguiu para o corredor, ao mesmo tempo em que os paladinos marchavam para o interior do castelo, em busca do avarento. Na aldeia, as comemorações continuavam, enquanto o céu estrelado testemulhava a grande festa de adoração a Polimnia, deusa que protege o vilarejo - e todos que nele habitam, dos espíritos indesejados. Repórter

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