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Curitiba Crimes que marcaram a capital paranaense

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Expediente Revista Curitiba ID. Produto laboratorial do curso de Jornalismo do UniBrasil Centro Universitário. Coordenação: Rodolfo Stancki. Projeto gráfico: Carolini Déa. Reportagem: Amanda Koiv, Anna França, Beatriz Jarzinski, Carolini Déa, Fernanda Facchini, Gabriela Galliano, Matheus Ribeiro

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SUMARIO

Maria Bueno........................................................5 Traumas...............................................................8 Fabio Royer.......................................................11 Flavio Atila......................................................13 Paraibinha........................................................16 Egydio Pilotto..................................................19 Nivaldo e Nelson...............................................24

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JORNALISMO UNIBRASIL


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Maria Bueno: A historia e os milagres da santa de Curitiba A história de uma das divindades mais populares de Curitiba tem origem em um crime brutal do século XIX. Maria da Conceição Bueno, cujo túmulo no Cemitério Municipal se tornou um lugar de peregrinação de fiéis em busca de milagres, ficou conhecida porque foi assassinada por um soldado do Exército brasileiro chamado Inácio Diniz, em 29 de janeiro de 1893. Maria Bueno teve uma vida cercada por contradições e mistérios, uma vez que seus registros oficiais não podem ser encontrados. De acordo com o livro “Maria Bueno – História, Romance e Hagiografia” do escritor Sebastião Izidoro, Maria da Conceição Bueno teria nascido no dia 8 de dezembro de 1854, em Morretes, região litorânea do estado do Paraná. Filha de dois lavradores, o nome teria sido escolhido em homenagem à Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Maria nasceu em meio a uma família problemática. O pai, Pedro Bueno, era alcoólatra. O casal tinha outras duas filhas e o sonho do lavrador era ter um menino. Logo, a caçula era rejeitada. Após o nascimento de Maria, Pedro partiu em direção ao Paraguai. Depois disso, nunca mais foi visto. A partida dele fez com que a mãe, Júlia Bueno, levasse a família para a região da Capela do Tamanduá, então localizada nas imediações de Campo Largo. Aos seis anos de idade, Maria Bueno acabou perdendo sua mãe e ficou sob a responsabilidade da irmã mais velha, que era bastante agressiva com a menina, chegando por vezes a espancá-la. Em certa ocasião, ainda muito nova, Maria conseguiu escapar do cárcere em que

vivia e relatou a um padre o seu martírio. O sacerdote, por sua vez, a enviou para Curitiba, onde ela permaneceu sob os cuidados das Irmãs Marcelinas. As freiras que tomavam conta da jovem tiveram de retornar para a Itália. Maria ficou e começou a trabalhar como empregada doméstica para um casal de italianos, Mário e Alice Basso. Após a morte de Mário, a funcionária e a viúva ficaram desamparadas e foram obrigadas a se mudar para uma casa simples. Buscando o próprio sustento e o da patroa, Maria passa a trabalhar como lavadeira na Rua Saldanha Marinho. Dentro desse cenário, ela conhece seu algoz.

Maria Bueno: Uma outra versao O historiador Edivan da Silva Ramos guarda registros históricos que revelam a história de uma Maria ainda pouco conhecida por seus devotos. O historiador relatou em entrevista à Rede Massa que, Maria realmente nasceu em Morretes, mas ela não era filha de lavradores. A moça, na verdade era uma exescrava que ao receber a carta de alforria se mudou para Curitiba, para trabalhar como lavadeira na Rua da Misericórdia, e posteriormente na Rua Saldanha Marinho. Mas o desfecho ainda é o mesmo: Lá conheceu o soldado e posteriormente foi morta, a navalhadas. 5


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O Crime “A polícia desta capital trata presentemente de descobrir o autor de um horroroso assassinato, que, pelo que parece foi perpetrado por desumana criatura. O fato é o seguinte: Ontem de manhã, apareceu Maria Bueno, de cor parda em uma travessa da Rua dos Campos Gerais, desta cidade, tendo a cabeça quase completamente separada do corpo.” Maria Bueno além de ser uma bela mulher, também tinha personalidade forte. Tais características perturbavam o juízo do homem com que Maria tinha um relacionamento amoroso, o soldado do oitavo regimento de cavalaria, Inácio Diniz. O décimo aniversário da Sociedade Operária se aproximava e um baile estava prestes a acontecer. Inácio alertou a companheira, possessivo, disse que não gostaria que a moça fosse até a festa. Maria acatou por hora a ordem do soldado, mas assim que ele retornou ao regimento seguiu em direção a comemoração Inácio Diniz, ao descobrir que Maria tinha ido ao baile ficou furioso. Saiu escondido do regimento onde deveria cumprir turno, e esperou a moça sair do evento. Ao avistar Maria, fingiu que iria acompanhá-la até em casa, e então a atacou a navalhadas. 6

Ela ainda tentou se defender, mas mesmo assim, acabou sendo degolada. O corpo de Maria foi encontrado na Rua Campos Gerais, onde hoje se encontra a avenida Vicente Machado. Devido a brutalidade, o crime chocou a pacata Curitiba. →


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Inácio Diniz chegou a confessar o crime diante do júri mas mesmo assim, foi inocentado. Comovidos pela injustiça e barbárie, populares iam até o local onde Maria foi atacada para acender velas. Até que em certa ocasião, uma situação chamou a atenção de uma senhora que prestava homenagens à Maria. A mulher

notou que a chama de uma vela não se apagava. A mulher, muito religiosa levou a vela até o padre da paróquia que a mesma freqüentava. O sacerdote disse a fiel para que esquecesse daquilo, pois não passava de coisa “da cabeça” dela Para o historiador Edivan, isso ocorreu pois naquele período a Igreja Católica não teria interesse em beatificar uma mulher parda que não era batizada, e ainda freqüentava o candomblé. A idéia que Maria Bueno era uma prostituta, foi disseminada pela Igreja para que eles não tivessem de abrir o processo de canonização. Mas isso não impediu que Maria ao longo de 126 anos fosse homenageada por milhares de paranaenses. Seu túmulo está cheio de placas de agradecimentos, ocupando inclusive espaços que pertencem a outras sepulturas. Também é possível notar a presença de rosas, principalmente vermelhas, que seriam as preferidas da moça. A estátua de Maria Bueno, que foi produzida em tamanho real e está localizada acima da capela retrata uma moça virginal. Com uma expressão triste, toda vestida de branco em meio a querubins. Tão diferente da Maria Bueno verdadeira, que seria parda, alegre, independente com comportamento à frente de seu tempo.

Por: Anna França 7


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Os traumas de quem presencia um assassinato em casa

No dia 14 de novembro de 2017, um homem com tornozeleira eletrônica assaltou uma farmácia na Rua Alberico Flores Bueno, principal via do Bairro Alto em Curitiba. Durante o roubo, os lojistas chamaram a polícia e o ladrão fugiu, pulando os muros de um condomínio residencial. Acabou sendo alvejado na lavanderia da Família Silva*, que vive há algumas quadras dali. “Fiquei com medo. Tive medo que ele fizesse algum mal para a minha sobrinha que estava em casa. Ele estava muito drogado. Ficamos com medo dele pegar a arma e matar todo mundo”, conta Catarina*, moradora da residência. O ladrão entrou pelos fundos da casa e quebrou o telhado da lavanderia, o que chamou a atenção de Rodrigo*, o cunhado que visitava a família. Rodrigo viu que o homem estava dentro do terreno e o expulsou. O sujeito voltou sorrateiramente e se escondeu na lavanderia. Os moradores chamaram a polícia, que entrou na casa e matou o assaltante durante uma troca de tiros. Uma experiência deixa marcas emocionais em uma família. Depois de o Instituto Médico Legal retirar o corpo do local, o sangue ainda ficou manchado nas paredes da casa. “Foi bem traumatizante. Os policiais fizeram o serviço e ainda deixaram o sangue para limparmos. Eu, meu filho e meu cunhado que fizemos a limpeza do local. Não queria que minha esposa passasse por isso. Não gosto nem de lembrar desse acontecido”, relembra Arandi*, marido de Catarina.

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Em 2017, o Brasil teve 5.012 casos


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de pessoas mortas por policiais – 790 a mais que em 2016 - de acordo com um levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. Quando esses crimes ocorrem dentro das residências de outras pessoas, geralmente ninguém se preocupa em dar assistência na limpeza do local ou no tratamento das testemunhas. “Dependendo da intensidade do acontecimento, algum membro da família poderá desenvolver o estresse pós traumático, um distúrbio de ansiedade caracterizado por sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais gerados pela cena traumática. Ou seja, quando se recorda do fato, ele revive o próprio episódio, com a mesma intensidade de dor e sofrimento, toda esta lembrança gera no indivíduo alterações neurofisiológicas e mentais”, explica o psicólogo Willian Corrêa.

Hoje, dois anos depois do ocorrido, ainda com marcas do tiro na parede, a família prefere não pensar muito nessa história. “Para tratar o indivíduo deverá se submeter a um tratamento com um psicólogo da terapia cognitivocomportamental, assim como ter indicações de medicamentos ansiolíticos quando necessário”, observa Corrêa. * Preservamos a identidade da família nesta reportagem por questões de segurança.

Por: Gabriela Carsten Galliano

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O assassinato sem soluçao No dia 16 de julho de 2018, o gerente comercial Fábio Royer desapareceu. Após dois dias, um corpo é achado incendiado em uma estrada rural de Colombo, na região metropolitana de Curitiba. A massoterapeuta Márcia Strapasson estava a caminho do trabalho quando observou um carro todo queimado. Ela pensou que fosse algo relacionado a um roubo. “Como a rua é estreita e não passam carros o tempo todo, seria até comum se deparar com uma cena dessas”. Descobriu o que havia acontecido algum tempo depois. “O caso do Fábio foi misterioso. Eu e minha mãe, que moramos ali perto da cena do crime, ficamos pensando o motivo disso ter acontecido com um homem que parecia sossegado”, comenta Márcia, que ainda se lembra do cheiro de queimado que saía do carro. Royer sumiu após sair de casa na segunda-feira, dia 16, por volta das 19 horas, para ir até uma farmácia comprar uma bombinha de asma para o filho, no bairro Bacacheri. Segundo a família, ele estava dirigindo um Renault Kwind, com placas BBZ 5224. O celular teria sido desligado após as 19h30. A vítima era um funcionário licenciado e, atualmente, trabalhava como gerente financeiro em uma loja de móveis no bairro Batel, em Curitiba. Os possíveis motivos do assassinato ainda não foram esclarecidos, mesmo após mais de um ano depois do crime. Segundo a Polícia Civil, os atrasos nas investigações estão relacionados à peculiaridade do homicídio. Em casos como esse, existem diversas dificuldades, uma delas é a coleta de depoimento de testemunhas de assassinatos praticados

por facções criminosas ou cometido por causa de disputas pelo controle do tráfico ou pelo uso de drogas. “As testemunhas presenciais dos fatos e até a família da vítima, com conhecimento da autoria do crime, preferem alegar em depoimento que nada viram ou nada sabem, temendo futuras represálias de traficantes e organizações criminosas caso repassem informações à polícia que possam levar à prisão do assassino”, disse à reportagem um representante da Polícia Civil, por meio de uma nota da assessoria de imprensa. Outra situação que impede a resolução rápida de um crime é a que envolve cena de um homicídio. Com poucas câmeras de segurança ao redor, fica mais difícil identificar os suspeitos e confrontar o biotipo do criminoso das imagens com o de possíveis autores do assassinato. Muitas vezes também, a população cria embaraços à investigação quando se mostra relutante em fornecer imagens de suas câmeras particulares de segurança, o que pode atrapalhar o rápido andamento das investigações. Outro fator que dificulta é o de locais ermos e sem testemunhas. A vítima também pode possuir um histórico de problemas e desavenças com o autor do assassinato, mas não compartilhava esse fato com a família ou amigos, que não sabem sobre a vida pessoal da vítima. E não fornece elementos que ajudem a identificar a motivação do crime e a direcionar a investigação. No caso específico de Royer, o que se sabe até o momento é que Fábio

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nem sequer chegou à farmácia, o que pode apontar aos policiais que o crime aconteceu durante o trajeto. Apesar de confirmar que a esposa foi ouvida, em um depoimento longo, o delegado Osmar Feijó preferiu não confirmar detalhes sobre o que foi dito, nem ao menos o que a mulher teria comentado sobre o relacionamento do casal. Além da mulher, o delegado também buscou ouvir outras pessoas ligadas à família, que possam ajudar a polícia a montar o quebra-cabeça do crime. Com uma semana de investigação, a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil ainda não tinha divulgado qual era a principal linha de investigação apurada e esperava que detalhes como a quebra de sigilo telefônico e outras informações importantes chegassem para completar o inquérito. Logo depois que o corpo do gerente comercial foi encontrado dentro de um carro completamente queimado, o delegado Luiz Alberto Cartaxo, da DHPP, divulgou que a vítima tinha uma vida paralela a que vivia com a esposa. O veículo foi localizado no fim da tarde de quarta, após uma denúncia. Estava em uma estrada rural do bairro Guaraituba, em Colombo, na região metropolitana da capital. Dentro, o corpo carbonizado estava no banco de trás. Na ocasião, apesar de a Sala de Imprensa da Polícia Militar ter confirmado que o carro possuía as mesmas características do veículo de Fábio. Algumas horas depois, no local, a Polícia Civil reforçou que seria necessário a realização de exames para ter a comprovação sobre o veículo e a identidade da vítima. A polícia também diz que muitos crimes como esses ficam sem resolução porque faltam servidores em

número suficiente. Faltam softwares de inteligência, como um sistema que compare as digitais encontradas em locais dos crimes ou um banco de dados estadual ou nacional de forma automática, programa que teria que ser adquirido pelo Governo do Estado. Hoje, há confrontações das digitais colhidas em local de crime, a partir da apresentação da identidade de um suspeito, porém não se tem um programa que cruze as digitais encontradas em local de crime com as digitais das carteiras de identidades emitidas no Paraná. Outros materiais poderiam ajudar nas investigações, como viaturas descaracterizadas, rastreadores, e até drones. Um ano após o assassinato, a polícia revelou que Royer estava sendo chantageado. Uma nova linha de investigação trabalha com a hipótese de que o gerente era vítima de extorsão. Seis meses antes do crime, nas movimentações financeiras dele, a Polícia Civil (PCPR) encontrou depósitos bancários de alto valor para contas desconhecidas da família. Isso pode indicar a motivação do crime. Até o momento é isso o que se sabe sobre o crime, de acordo com a polícia. Uma investigação como essa pode levar anos ou nunca ser resolvida. O que determina a rapidez é a quantidade de testemunhas ou conhecidos das vítimas que colaboram prestando informações à polícia, além do modo de execução do crime, o local e assim por diante. Enquanto o assassinato não tem sua resolução apresentada, os familiares continuam sem resposta. Por: Fernanda Facchini


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Tragico efeito da prisao social: uma vida que poderia ter sido poupada Professor de biologia e enfermeiro, Flávio Ávilla foi vítima de um assassinato cruel em Curitiba após marcar encontro “às escondidas” O professor de biologia e enfermeiro Flávio Laureth Ávilla morreu sem chegar a uma conclusão sobre sua própria sexualidade. É possível afirmar que a vergonha tenha sido causa de sua morte. No dia 6 de julho de 2017, ele saiu de casa pela manhã e desapareceu. Seu corpo foi encontrado três dias depois, em um matagal de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. Ele havia sido assassinado por um homem que iria encontrar para ter um encontro sexual às escondidas. Ávilla tinha uma família. Quatro filhas, três netas. Nunca assumiu a homossexualidade a ninguém. Não havia qualquer desconfiança por parte de seus familiares. Para eles, o que aconteceu poderia ser até mesmo um desejo momentâneo.

O crime No dia 10 de julho de 2017, pessoas viram o carro do professor estacionado sem placas e encaminharam denúncias à Polícia Civil. Um dos suspeitos, Gabriel Mateus Belinski, de 21 anos, foi preso no bairro Boqueirão, em Curitiba. Na casa do jovem foram encontrados a arma do crime, documentos pessoais da vítima, os óculos de grau, o relógio, pastas de trabalho, além das roupas e

os tênis do professor. Eles queimaram os pertences, mas algumas coisas ficaram intactas. Gabriel foi quem apontou o local exato onde o corpo estava. Ele e um adolescente de 17 anos, que também foi apreendido, confessaram ter matado Ávilla. O corpo estava enrolado num cobertor, no meio de um matagal próximo ao Parque Nacional do Guaricana, na divisa de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), com Morretes, no litoral do Paraná. Flávio foi atraído para a morte. Três meses antes do crime, Gabriel Belinski mantinha contato com ele pelo whatsapp e marcou o encontro pelo aplicativo. Gabriel e o adolescente assassinaram o professor lhe dando três golpes na cabeça com uma barra de ferro, e em seguida, para terminar de matálo, fizeram dois ferimentos na garganta com uma faca de cozinha. O objetivo de ambos, a princípio, era apenas roubar o professor. Com a Captur branca, eles saíram com o corpo do professor no portamalas e ainda pararam em um comércio. Compraram um cobertor, com o qual o corpo foi enrolado, e fitas adesivas, para prender o cadáver. As mãos e os pés, amarraram com fios de luz. Na cabeça, foi colocado um saco plástico preto. 13


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Assumir a sexualidade é um processo Além dos conflitos internos, o principal aspecto que impede as pessoas de se aceitarem e assumirem sua sexualidade é o medo da reação da família, principalmente quando se trata de alguém que viveu durante anos como heterossexual. O apoio incondicional 14


DE 2020 durante esta fase tão JANEIRO conturbada e cheia de dúvidas é essencial na vida de um LGBTQ+.

“Se pudéssemos ter essa conversa com ele antes de tudo isso acontecer, que aceitaríamos ele de qualquer forma, para que ele pudesse seguir a vida dele como desejasse, sem esconder, sem perigo”, lamentou Flávia Feltrin, filha do professor Flávio Avilla. Luis Bueno, 18 anos, ativista do Grupo Dignidade, conta que fato de não assumir mata psicologicamente. “Tentar ser alguém que você não é para agradar aos outros afeta de uma maneira muito negativa”, afirma. Além disso, o índice de depressão e suicídio é ainda maior nestes casos.

O Grupo Dignidade atua na defesa e promoção da livre orientação sexual e dos direitos humanos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Pessoas que ainda não se assumiram frequentam o grupo e, segundo Luis, dizem que gostariam de poder falar porque se sentem reprimidas, sobretudo pelas imposições religiosas e as divergências familiares.

Mais uma vez, o medo das opiniões alheias e o preconceito da sociedade, são gatilhos para relacionamentos “secretos”, que podem levar a fins lamentáveis como o do professor Flávio. Sexualidade, desejo e amor não deveriam ser tabus. Se a falta de dados oficiais dificulta a solução de crimes contra a homofobia, o caso de Flávio poderia ser mais um que não entraria para as estatísticas. Por: Amanda Koiv

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Paraibinha: a mumia serial killer O corpo do criminoso, famoso por ser um suposto assassino em série, está atualmente no museu do IML, em Curitiba

O que acontece conosco depois da morte? Vamos para o céu? Para o inferno? Pagamos por nossos pecados no purgatório? Ou então não há nada? Apenas vazio infinito? Não há como responder essas perguntas. Mas o que temos certeza é de que iremos morrer e nosso corpo putrefará, entrará em decomposição e sumirá. Tudo o que fomos será deixado para trás e deixaremos de existir. Pois afinal, como já diria Machado de Assis, ao morrer os vermes rompem nossa fria carne. Certo? Errado. Há casos em que os vermes não fazem o seu trabalho.

Na cidade de Campo Largo, mais especificamente na localidade de Morro Grande, se localizava um acampamento. Nesse local, residia um homem conhecido apenas como Paraibinha. O lugar servia de residência não só para ele, como para muitos outros trabalhadores braçais, chamados de peões, na linguagem popular. Esses homens residiam em pobres choupanas, e trabalhavam em situações precárias para sobreviver.

Paraibinha não tinha nome, apenas um apelido e a fama de perigoso. Muitos acreditavam que o homem de estatura mediana era um serial killer que teria matado cerca de 20 pessoas. O termo estava sendo cunhado nos Estados Unidos na década de 70, mesma época

em que Paraibinha supostamente estaria cometendo seus crimes na Região Metropolitana de Curitiba. Na época, muitas matérias jornalísticas a respeito de assaltos, abusos e até mesmo um assassinato com cacos de vidro, foram noticiados como crimes cometidos por um sujeito chamado “Paraibinha”. Como não se sabe seu nome verdadeiro até hoje, é difícil dizer se os delitos foram cometidos pela mesma pessoa. Segundo o jornal Diário do Paraná, veiculado na terça-feira, 13 de setembro de 1977, na tarde do dia 11, por volta das 14h, Paraibinha desentendeu-se com Osvaldo Miguel Rodrigues, encarregado de ministrar os trabalhos na empresa que estava trabalhando, a Reflorestamentos Azevedo. De acordo com o jornal, Paraibinha já havia se desentendido com outro companheiro de acampamento, na noite anterior a de sua morte. Durante essa discussão, ele teria recebido algumas pauladas na cabeça. O rapaz teria ficado com medo de uma vingança por parte de Paraibinha, e teria fugido do local. Conforme entrevista de Osvaldo para o Diário do Paraná, no dia seguinte, Paraibinha estava chorando enquanto escorria sangue dos ferimentos causados pelas pauladas. Segundo Osvaldo, Paraibinha teria dito que ele pagaria por seus machucados. O encarregado teria oferecido roupas limpas, e o levado para a 17


Curitiba ID própria choupana, mesmo tendo recebido ameaças de morte. Ao entrar no casebre, Paraibinha teria pegado uma foice e desferido quatro golpes em Osvaldo, um na cabeça, duas no braço direito e uma na cabeça. Para se defender, o encarregado pegou um pedaço de madeira, desarmou o seu agressor e com a mesma foice que foi atacado e golpeou Paraibinha 15 vezes. Foram 5 “foiçadas” na cabeça, três nas costas, duas nos braços, cerca de quatro no peito e uma na região glútea. A morte do peão foi instantânea. O crime foi reportado ao destacamento de polícia de Campo Largo. Na época, o sub-tenente Moura foi até o local e acionou a Polícia Técnica e o Instituto Médico Legal. Paraibinha foi levado até o IML, e Osvaldo, após ser medicado no Pronto Socorro Municipal, foi autuado em flagrante pela polícia. O corpo de Paraibinha não foi identificado até hoje. A família não reclamou o cadáver, e também não foram encontrados os seus documentos, portanto não há meios de saber quem ele é ou se realmente foi o serial killer famoso que dizem que ele foi. Como não houve reclamação, Paraibinha foi mumificado e exposto no museu do IML. Joel Camargo é curador do museu há 15 anos e é o responsável pela manutenção das três múmias que estão no local. Joel aplica álcool, formol e glicerina nas múmias, para que elas não embolorem. Segundo ele, os cabelos e unhas de Paraibinha continuam crescendo, mesmo após 42 anos de sua morte. Para o curador do museu, isso acontece porque o corpo continua se deteriorando e acaba “soltando” do corpo, dando a impressão de que está crescendo.

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Apesar disso, não há explicação que comprove cientificamente que os cabelos e unhas seguem crescendo em um corpo mumificado há tantos anos. “O Paraibinha era um sujeito de alta periculosidade, e acabou pagando na mesma moeda, morreu com golpes de foice também, que era a arma que ele usava para matar as pessoas”. Conta Joel. O curador afirma que o mais importante é ter respeito com os corpos e nunca agir sem consideração com a pessoa que morreu. Segundo ele, há lendas que envolvem o corpo de Paraibinha, criando um imaginário em torno da múmia. “Alguns guardas [vigias noturnos] já viram o corpo dele andando dentro do Museu do IML. Eu nunca vi e nem quero ver!” Outra lenda, contada pela autora do livro Lendas Curitibanas, Luciana Mallon, afirma que Paraibinha era um assaltante que matava as pessoas após roubá-las. Em um dia, ele teria invadido uma casa, roubado e matado todas as pessoas da família, menos Paulo que se escondeu em um armário no porão. Ao ver toda a sua família morta, Paulo que tinha a fama de ser um lobisomem, jurou vingança. Então, em uma sexta-feira de lua cheia, Paulo foi atrás do algoz de sua família, tomou a foice que ele usava e o assassinou. O corpo foi levado ao IML, e segundo moradores da região, era possível ver a múmia nas ruas, durante noites de lua cheia, em busca de sua arma. Apesar de ser apenas uma lenda, a foice que matou Paraibinha, por algum motivo, foi retirada do Museu.

Por: Carolini Déa


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O crime da Rua Barao do Rio Branco Em 1930, o Brasil ainda sentia as consequências mais intensas da crise econômica provocada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929. As eleições gerais daquele ano estavam marcadas para acontecer no dia 1º de março. Pouco tempo antes, Curitiba, que tinha cerca de 100 mil habitantes na época, era abalada por um assassinato que causou grande comoção na opinião pública. O caso ficou conhecido como O crime da Rua Barão do Rio Branco.

pedestres que também passavam por ali tentaram ajudar a deter os bandidos, mas foram ameaçados pela mesma pistola que atingiu o tesoureiro, além de quase serem atropelados pelo veículo dirigido pelo comparsa do atirador.

O guarda costas Vany Borges sofreu alguns ferimentos por conta dos golpes de barra de ferro, mas Egydio não resistiu ao tiro e morreu na madrugada seguinte, apesar do atendimento médico que lhe foi prestado. Egydio Pilotto tinha No dia 25 de fevereiro de 1930, por 53 anos. volta das 9 horas da manhã, o tesoureiro Egydio Pilotto, que trabalhava na estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul, andava a pé pela Rua Barão do Rio Branco. Ele estava junto do guarda-costas Vany Borges, que carregava uma maleta com cerca de cinquenta contos em dinheiro e cheques. De acordo o advogado Rui Cavallin Pinto, do site do Memorial do Ministério Público, os valores eram do recolhimento habitual de taxas na ferrovia. Quando estavam a um quarteirão da estação ferroviária, a dupla foi surpreendida por um homem, bem vestido e de aparência jovem, que os atacou com uma barra de ferro. Depois de alguns golpes, o agressor conseguiu tomar a maleta das mãos do guarda costas e correu na direção de um automóvel que o aguardava ali por perto. Mesmo ferido, Egydio tentou correr atrás do bandido para recuperar a mala, mas foi contido por disparo de arma de fogo do assaltante, que o atingiu mortalmente na altura do estômago. Dois

Retrato de Vany Borges, o segurança de Egydio, publicada no jornal O Dia

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Curitiba ID Segundo a edição N. 2201 do jornal O Dia de 1 de março de 1930, os criminosos fugiram em alta velocidade em um Chevrolet azul com placa de São José dos Pinhais virando à esquerda na Rua Pedro Ivo. O carro foi abandonado na divisa das as ruas Visconde de Guarapuava e Bento Viana e encontrado horas depois. Dentro do veículo foram encontrados a maleta vazia e a barra de ferro usada para agredir as vítimas. O crime repercutiu muito na opinião pública da época. A visibilidade foi ainda maior porque Pilotto era uma pessoa respeitada e porque ocorreu em plena luz do dia em uma das vias centrais da cidade. A polícia, então, começou uma operação para ir ao encalço dos ladrões, mas acabou cometendo uma série de equívocos no meio do caminho e prendeu pessoas que não tiveram nada a ver com o crime por conta de algumas suspeitas. De acordo com Rui Cavallin Pinto, que escreveu sobre o caso no site do Memorial do Ministério Público, os primeiros acusados pelo crime foram três sírios, presos no bairro Cachoeirinha, próximo de Colombo, além do jovem Flávio Braga, filho de um inspetor de rendas estaduais, que foi detido em sua casa e solto só após prestar depoimento. Até mesmo o segurança da vítima, Vany Borges, se tornou suspeito de ser cúmplice dos bandidos. O segurança chegou a ser torturado pelo então delegado que conduzia a investigação e estava disposta a arrancar uma confissão de Vany. Segundo o jornal O Dia, o segurança passou fome na delegacia e foi torturado com um aparelho com “duas grandes colheres de metal cruzadas em forma de tesoura”. A rigorosa sessão de tortura

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Retrato de Egydio Pilotto publicada no jornal O Dia, na manhã seguinte do assalto. Foto: O Dia.

acabou causando graves sequelas físicas e morais, como revelado pelo jornal A República, na edição de 8 de março de 1938. Apesar do empenho das autoridades policiais (e dos seus exageros), a investigação só foi fazer algum progresso quase um ano depois, quando em 22 de janeiro de 1931 chegava uma notícia de um crime semelhante que ocorreu em Porto Alegre. O guarda ferroviário José Goulart Sant’ Ana foi assassinado em Caminho Novo, na capital gaúcha, ao tentar conter dois assaltantes armados que roubaram uma mala com cerca de $135 mil (em dinheiro, cheques e vales) do inspetor da Viação Férrea, Artur Fonseca. O crime com o mesmo modus operandi denunciava que poderia ser um


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Com essas informações, a polícia crime de autoria dos mesmos assaltantes tratou de organizar uma força-tarefa para do crime da rua Barão do Rio Branco. cercar o local e pegar os criminosos de surpresa. O plano funcionou e os homens foram presos sem resistência. Com eles, foi encontrada uma grande quantidade de armas, munição de diferentes calibres, e uma parte do dinheiro roubado, além de transferência bancária de valores e outros objetos suspeitos.

Carro usado na fuga dos assaltantes. Foto: O DIA

Os jornais da época, como a Gazeta do Povo, publicaram matérias na data do crime noticiado as semelhanças com o crime ocorrido na capital paranaense no ano anterior e ressaltando e ressaltando que o crime permanecia sem solução. Poucos dias depois chegava à polícia a denúncia de que uma mulher apontava dois homens que moravam em um sobrado na Avenida Sete de Setembro n. 90 eram os autores dos crimes.

A princípio ambos alegaram inocência, mas após um exaustivo interrogatório, Papst acabou confessando a autoria dos crimes de Curitiba e Porto alegre, cometidos pela dupla. Kindermann, pelo contrário, não confessou e apenas disse: “não digo nada, nem direi. Se acharem que sou culpado então me condenem a 30 anos, e não me perguntem nada!”.

De acordo com o jornal Correio do Paraná, os suspeitos eram João Hans Papst Filho e Rodolfo Kindermann e a denunciante era a jovem sueca, Martha Schmedeck, amante de Kindermann. Martha dizia ter ouvido do próprio amante a confissão de que ele e o amigo foram os responsáveis pelos crimes de Egydio Pilotto e de Porto Alegre e que ainda tinham um plano de assaltar o Banco do Brasil nos próximos dias. 21


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Rebeliao no Presidio Após um inquérito ser instaurado contra os criminosos, ambos foram encaminhados para o presídio do Ahú. A primeira penitenciária do Estado foi construída em 1903 junto ao Hospital Nossa Senhora de Lurdes, que era destinado a pessoas que eram consideradas “loucas” na época. Em 1905, o hospital foi transferido para a região do Prado Velho e o Ahú foi transformado em prisão provisória.

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a residência do Tenente Estácio dos Santos, atrás de mais armas. O tenente se armou junto de filho, Jorge dos Santos, um jovem militar que se armou com um fuzil atrás da casa e disparou contra os prisioneiros, seguindo as ordens do pai.

Entre uma série de vítimas dos disparos, Jorge acertou a perna de um dos detentos que tentava saltar o muro. Em meio a tentativa de fuga, Rodolfo Kindermann foi atingido próximo do pulmão por um disparo do No dia 17 de maio, menos tenente. de dois meses depois de serem encarcerados, a dupla se envolveu João Hans Papst Filho estava em uma revolta violenta dentro armado com um revólver e do presídio. Por volta das 6 horas quase alcançando a saída do da manhã, um grupo de detentos presídio ileso, mas ao ver seu de uma ala do presídio fizeram parceiro atingido, desistiu de uma rebelião. O tumulto começou concretizar a fuga e voltou para depois que Papst Filho acertou um ajudar o companheiro. Quando punhal nas costas de um guarda. reencontrou o amigo, teve a Isso acabou incitando os outros confirmação de um enfermeiro de presos a correrem armados que o ferimento não tinha maior com barras de ferro e madeiras gravidade e exclamou aliviado: em direção ao alojamento dos Graças a Deus! policiais a procura de armas - munições. O conflito durou cerca de meia Houve conflitos policiais e hora, os presos dominados foram detentos e dois guardas acabaram para as suas celas e cerca de 20 mortos com golpes de faca. Cerca feridos foram levados para a Santa de 40 presos participaram do Casa para receberem cuidados conflito, alguns deles foram até médicos.


Romance Segundo o professor de História da Universidade Federal do Paraná, Clóvis Gruner, autor do artigo “Paixões torpes, ambições sórdidas: transgressão, controle social, cultura e sensibilidade moderna em Curitiba, fins do século XIX e início do XX”, para os jornais da época não bastava apenas noticiar o fato, também era preciso deixar a cena do crime mais próximo possível do leitor. “Na linguagem jornalística, os crimes tornavam-se uma espécie de ficção, em que não faltavam os ingredientes necessários ao desenvolvimento dos enredos policiais, mesmo aqueles de qualidade duvidosa”, diz Gruner. Gruner afirma que a história dos criminosos era romantizada nos jornais da época para criar uma tentativa de associação entre modernidade urbana e “decadência moral”. O fascínio dos jornalistas da época pela dupla de criminosos representa uma das faces da “modernidade curitibana”. Seis anos depois do massacre do presídio do Ahú, a história de João Papst e Rodolpho Kindermann acabou virando um romance nas mãos dos escritores Osvaldo Almeida Pereira e Ivo Silva. O romance “As Façanhas de Papst e Kindermann” foi lançado

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em 1937 e apesar de ser baseado na história da dupla, tomou muitas liberdades ao longo da trama. Clóvis Gruner aponta Papst e Kindermann foram “heroicizados” no livro e são representados como vítimas da sociedade, que foram obrigados a recorrer a vida criminosa. A história do assalto de Egydio Pilotto, por exemplo, é modificada quando os autores inserem mais uma dupla de assaltantes que foram os verdadeiros assassinos que matam o tesoureiro antes de Papst e Kindermann finalizarem o assalto, mas são os dois que acabam presos e condenados por latrocínio (roubo seguido de morte). Ainda, segundo historiador, “o ‘vasto contingente de fantasia’ acrescentado à trama aproxima a narrativa do folhetim, ou ‘romance de sensação’, e a descaracteriza como biografia”.

Por: Matheus Ribeiro23


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Nivaldo e Nelson Savagin: os irmaos do crime Conhecidos na década de 1970, por roubar comércios da região, os dois andavam juntos na vida criminal

Comando do presidio Bom comportamento, obedientes, educados, Nivaldo e Nelson eram considerados pelos agentes da prisão como “presos inteligentes”. Já no início da pena foram responsáveis pela criação de um jornal da prisão.

Foi na época das transformações urbanas a partir do Plano Preliminar de Urbanismo (PPU) em Curitiba, que os irmãos Nivaldo e Nelson Savagin ficaram conhecidos. Na década de 1970, os dois colocavam medo nos comerciantes da As notícias fizeram com que região. os irmãos fossem influentes no local. Mas foi em 1977, que Nivaldo e Livre acesso em alas da cadeia para a Nelson, com respectivamente 20 e 23 produção de reportagem, contato direto anos, entraram na fábrica de farinha com os guardas, consequentemente Moinho Percegona, em busca de cometer se tornaram os mandantes do principal mais um assalto, considerado o mais grupo que liderava o comando do marcante na trajetória criminosa dos dois. presídio. Quando chegaram no local do crime se depararam com os donos do moinho, os irmãos Luis, Clemente e Tissiano Persegona, ambos reagiram ao ato de Nivaldo e Nelson. Os temidos irmãos atiraram contra os proprietários. Luis e Clemente morreram no local, Tissiano levou um tiro no pescoço e ficou paraplégico.

“Eles eram muito obedientes. Mandavam outros detentos fazerem o que não era permitido, para manter a imagem com os agentes penitenciários”, comenta o agente penitenciário Celso Borges (nome fictício para manter o anonimato da fonte).

Cada departamento da cadeia era comandado por um preso. A mina A morte dos donos da fábrica de ouro dos alojados era a cozinha, na resultou na prisão dos irmãos. Os dois época propriedade de Nelson Savagin. foram encaminhados para a Prisão Diante desses fatos os irmãos Central do Estado (PCE-PR), ambos foram indiciados a 60 anos de prisão, tramaram e lideraram uma das mais pelo crime de latrocínio- roubo seguido famosas rebeliões da Prisão Central. Um túnel que passava por 24 celas de morte. foi construído para a fuga dos presos, programada para o dia 20 de dezembro de 1982. 24


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Bom comportamento, obedientes, educados, Nivaldo e Nelson eram considerados pelos agentes da prisão como “presos inteligentes”. Já no início da pena foram responsáveis pela criação de um jornal da prisão.

não poderiam mais entrar no local.

Diante da reivindicação dos presos o diretor não garantia de que estas pessoas não entrariam mais no interior da prisão. Uma reunião do diretor do presídio com o então secretário da Justiça Túlio Vargas As notícias fizeram com que os definiu a soltura dos reféns, já que o ato irmãos fossem influentes no local. Livre serviu como símbolo do cumprimento do acesso em alas da cadeia para a produção pedido. de reportagem, contato direto com os Momentaneamente guardas guardas, consequentemente se tornaram os mandantes do principal grupo que assumiram o controle do local, mas a revolta dos detentos era tão grande que liderava o comando do presídio. poucos minutos depois eles deixaram “Eles eram muito obedientes. a cadeia, alegando que era impossível Mandavam outros detentos fazerem o permanecer em uma prisão sem estar que não era permitido, para manter a controlada e tranquila. imagem com os agentes penitenciários”, Os líderes do motim, incluindo os comenta o agente penitenciário Celso Borges (nome fictício para manter o irmãos, com os atos na rebelião teriam mais de 200 anos na cadeia, somado anonimato da fonte). com as penas anteriores. Nenhum deles Cada departamento da cadeia era foi penalizado. comandado por um preso. A mina de ouro Após o ato, os irmãos foram julgados dos alojados era a cozinha, na época de morte por indivíduos de grupos propriedade de Nelson Savagin. contrários. Em março de 1983, Nelson Diante desses fatos os irmãos foi morto com golpes de armas caseiras, tramaram e lideraram uma das mais feitas com vidros das janelas das celas. famosas rebeliões da Prisão Central. Nivaldo teve que ser transferido para uma Um túnel que passava por 24 celas prisão em São Paulo. foi construído para a fuga dos presos, Celso Borges conta que foi uma programada para o dia 20 de dezembro troca “foram mais de 70 presos trocados de 1982. Através da construção não com presídios de São Paulo, depois da conseguiram escapar, os agentes rebelião e a morte do Nelson, Nivaldo observaram a movimentação. Mas era teve que ser transferido, se não ia ter o o início de dois dias de tumulto. Os mesmo fim do irmão”. irmãos decidem fazer presos de reféns, e então fazer um pedido para o diretor do presídio. Para a liberdade 15 agentes

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Carandiru Sem o braço direito, após a morte do irmão, Nivaldo foi instalado na Casa de Detenção de São Paulo. Localizada no bairro Carandiru, a dez minutos da Praça da Sé, o local contava com sete pavilhões construídos em 1920. Em 20 de outubro de 1992, dois detentos começam a brigar nas instalações do presídio. Indícios de fogo e divisão de dois grupos rivais preocupam o diretor do local, José Ismael Pedrosa, que chama reforços da Polícia Militar. Era o início do Massacre do Carandiru. Segundo a Super Interessante, da editora Abril, 320 policiais chegam ao local para amenizar a situação no pavilhão 9, onde estava acontecendo o tumulto. Há controvérsias no caso, versão de presos e policiais. Ao todo foram 111 detentos mortos. 103 vítimas de disparos, dentre eles Nivaldo Savagin, durante a chacina levou 11 tiros que consequentemente deixaram sequelas no jeito de andar e falar.

Comportamento Segundo o agente penitenciário Celso Borges, Nivaldo e Nelson eram muito ligados. Ambos educados, obedeciam os servidores públicos. Conversavam como líderes do presídio. Eram braço direito um do outro. A psicóloga Alyssa Reis afirma que a entrada dos irmãos no crime pode ter sido através de um trauma familiar, seja ele desencadeado por sentimentos de 26

ciúmes, raiva ou até situações de abuso moral/sexual. “Em um primeiro momento é possível fazer uma análise para detectar o que gera esta ação, em seguida, elaborar uma estratégia psicológica para que tenha mudança no comportamento”, afirma Reis. Ela defende que a psicologia pode ser instalada dentro de presídios para reverter este tipo de situação. “Este sistema, dentro das cadeias, pode ajudar a reverter o processo e inserir o indivíduo de outra forma na sociedade”, completa a psicóloga.

Destino de Nivaldo Após anos na cadeia, foi solto em 2005, por habeas corpus. Ainda em São Paulo começou a cursar Direito. Mas a vida do crime logo o chamou novamente. Em 2010, voltou à Curitiba. Com um carro de Balneário Camboriú, ele e dois comparsas, assaltaram uma fábrica de alimentos em São José dos Pinhais, no bairro Jardim Itália. Eles buscavam dinheiro, mas saíram com menos do que esperavam. No carro, a polícia encontrou R$ 150, um computador e cheques. Nivaldo levou um tiro na perna, escolheu voltar para o crime e segue preso, novamente em São Paulo.

Por: Beatriz Jarzinski


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