ESSÊNCIAS DA ILHA

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ESSÊNCIAS DA ILHA Carla Patrícia do Vale Lucas Funchal, 2006


ESSÊNCIAS DA ILHA


Ficha Técnica Autor: Carla Patrícia do Vale Lucas Local / Ano: Funchal, 2006 Trabalho realizado para a Exposição de Poesia, Pintura e Fotografia “Essências da Ilha”, no âmbito do 10.º aniversário da Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, que esteve patente no Museu de Eletricidade Casa da Luz, em julho de 2006. Esta exposição conjugou, num verdadeiro trabalho em equipa, diferentes olhares sobre a Ilha da Madeira. A poesia de Carla Vale Lucas aliou-se às artes plásticas, com os trabalhos dos designers Elisabete Henriques, Eugénio Santos, Nélia Susana e Sónia Dória.


ESSÊNCIAS DA ILHA

côncavas as velas guiaram-me até à enseada onde atraquei… e com salgadas lágrimas

verdes esperanças

construí o ser que hoje sou a ilha que descubro com o olhar nunca foi minha é da natureza

nunca será minha… do mundo

do tempo

é a que da beleza a primeira enredou meu peito em estilhaços de luz - ouro da vida


Por isso… abro, uma a uma, as quatro janelas do meu coração … as janelas que atracam o mareado tempo que ficou. Quero descobrir esta minha ilha com os olhos da alma, esperando que a sua essência fecunde em mim o verdadeiro sentido da vida!


PRIMEIRA JANELA

Tento abrir esta janela, à procura de uma voz que me revele os seus segredos. Não a consigo abrir… nela sobejam despojos do emaranhado dos dias!


nascida das entranhas da terra embalada em águas de mar salgado serpenteada por abruptas montanhas brindada por profundos vales adormecida em apertadas fajãs e praias de calhau conquistou força no fogo na lava na cinza que a fizeram despertar na terra que a viu nascer na água que se tornou seu lar no ar e no tempo que tudo cimentou… e não há norte

sul

este

oeste

que não encontre seu mar seu templo

seu altar…

e não há espírito

enlevo

desdenho

capaz de destronar esta ilha que meus olhos coroou com tamanho engenho



SEGUNDA JANELA Espreito… Já não vislumbro a ilha em contornos aparentes, vivo-a num paradoxo de vida…


bordada em sonhos se tece a ilha… versa ela versos de poesia aninhados ora junto ao mar ora junto às encostas escarpadas esculpidas e recortadas por mãos excelsas

divinas

versa ela a melodia que se emaranha no tempo e nas gentes que nela se refugia lancei aqui âncora… o mar que muitos dizem aprisionar deu-me liberdade para me sentir presa à profundidade que encerra esperando ser descoberta tal como o foi em tempos de el-rei … urdida em espuma

perdida em bruma…


e com a mesma constância que corre água na ribeira deixo-me alcandorar com as montanhas a pique talhadas… onde se elevam ventos e venturas onde se guardam tesouros onde se vive a história da luta por uma fracção de terra

por uma porção de vida



TERCEIRA JANELA

Descubro que esta ilha é terra afortunada, fruto da epopeia da vida.


pelo mar desvendada em tempos que o tempo fez esquecer… em caravelas chegou o ensejo da fé cultivar e da pátria engrandecer… uma terra virgem encontraram uma floresta de folha persistente cinzelando as montanhas e a costa beijando timidamente… prodigioso solo este fecundado por fios de água pérola em oceano deserto essa que cresce e enlouquece a mente insana que ousa sucumbir a força divina à força humana… foram ásperas as mãos que a virgem floresta delapidaram que assaltaram sul este oeste… e só em terras que a bússola aponta como norte terras de chuva nevoeiro entesourou-se esta essência de vida a cada estação resistente…


são valentes suas árvores barbusano vinhático loureiro til. árvores frondosas seculares que em eterna primavera vicejam… a luz que ávida rompe as suas copas beija arbustos beija a alcatifa de herbáceas que em tempos dispersos avivam em cor a grande tela da vida… e neste quadro perfeito moldado por mãos excelsas habitam outros seres transportando a essência desta esmeralda nos recônditos arquitectada … e como chuva em fogo e como vento em cinza esquece-se a morte abraça-se tamanha vida!



QUARTA JANELA

Depostas sobre as janelas que abri, encontrei pequenas essências ancoradas a pedestais, espraiando vida‌


calcorreei montanhas vales mares toda a sua mítica beleza… tentei descrevê-la

pintá-la

mas em vão… tão grande tão plena era verdadeiro milagre da natureza urdiu em mim utopias pespontou esperança plantou a audácia do homem que ali morou… homem humilde que pela fé lutou com a terra bravia que com a natureza guerreou sem nela causar ferida… venceu a chuva… o sol as rochas… as montanhas enrijeceu sua força por um amor latente e sempre vivo… ardente


mourejou de sol a sol… as chagas

as lágrimas conheceu-as

amparou-as

as pesadas encostas em que degraus edificou e foi pela força dos músculos queimados pelos dias… e foi com a coragem tatuada pela dor… que conquistou cada palmo de terra que conquistou a água amenizou a sua têmpera e numa vertiginosa inspiração construiu colossais levadas serpenteando lombos

vales…

homem humilde este calejado pelas vidas que viu perecer pelo sangue que viu derramado no lugar em que água viria a correr…


SÃO ESTAS AS QUATRO JANELAS DO MEU CORAÇÃO

abraçam os mistérios que se despenham nos precipícios de vertigem que o verde manto percorre e beija e que meus olhos serpenteiam num arrojo de alpinista… procuro como poeta

como artista

tentando compreender esta ilha tentando desvendar seus segredos… por tanto a viver

por tanto a amar!


pequenas grandes essências encontrei firmeza

rudeza

nas ondas do mar

graciosidade nos montes

na imponente certeza de que preciosa é a natureza… pequenas grandes essências encontrei nas mãos que trabalharam a terra que construíram história… qual adamastor… qual gigante conseguiria alguma vez igualar a força deste amor a esta ilha do atlântico?

Carla Vale Lucas (2006)



EXPOSIÇÃO “ESSÊNCIAS DA ILHA” Funchal 2006 Museu de Eletricidade Casa da Luz

As cortinas de poesia pendendo do tecto e abrindo as janelas do coração para as Essências desta Ilha


EXPOSIÇÃO “ESSÊNCIAS DA ILHA” As obras artísticas (pintura e fotografia) a ilustrar cada uma das janelas…

Elisabete Henriques (2006)


EXPOSIÇÃO “ESSÊNCIAS DA ILHA”

Eugénio Santos (2006)


EXPOSIÇÃO “ESSÊNCIAS DA ILHA”

Nélia Susana (2006)


EXPOSIÇÃO “ESSÊNCIAS DA ILHA”

Sónia Dória (2006)



ESSÊNCIAS DA ILHA … numa multiplicidade de olhares… Porque só assim se enriquece a vida e se constrói uma visão do mundo!


ESSÊNCIAS DA ILHA Carla Patrícia do Vale Lucas Funchal, 2006


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