Apostila aneis

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Introdu¸ca˜o a` Teoria de An´eis Cristina Maria Marques Departamento de Matem´atica-UFMG 1999 ( com revis˜ao em 2005)


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Pref´ acio ´ Esta apostila consta das notas de aula feitas para as disciplinas Algebra I e Estruturas Alg´ebricas, as quais que j´a lecionei v´arias vezes na UFMG. Ele tem por objetivo introduzir a estrutura alg´ebrica dos an´ eis . ´ O pr´e requisito para a leitura desse livro ´e a disciplina Fundamentos de Algebra, ou seja, uma introdu¸ca˜o aos n´ umeros inteiros. Fazemos uma recorda¸ca˜o dessa disciplina no Cap´ıtulo 1. Esta apostila foi escrita com o intuito de ajudar aos alunos na leitura de outros textos de ´ Algebra como por exemplo o excelente livro do Gallian [1]. V´arios an´eis s˜ao apresentados como os an´eis quocientes, an´eis de polinˆomios sobre an´eis comutativos e outros. No Cap´ıtulo 7 ´e feita uma generaliza¸ca˜o desses an´eis, definindo dom´ınios euclidianos, dom´ınios de fatora¸ca˜o u ´nica e dom´ınios de ideais principais. Tambem apresentamos o Teorema Fundamental dos Homomorfismos que permite a comparara¸c˜ao de an´eis. Espero alcan¸car meu objetivo. Cristina Maria Marques. Belo Horizonte,9/3/99.

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Sum´ ario Pref´ acio

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1 Inteiros 1.1 Propriedades b´asicas . . . . . . . . . 1.2 Teorema Fundamental da Aritm´etica 1.3 Indu¸ca˜o matem´atica . . . . . . . . . 1.4 Rela¸ca˜o de equivalˆencia . . . . . . . . 1.5 Exerc´ıcios do cap´ıtulo 1 . . . . . . .

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1 1 5 5 6 8

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10 10 13 14 15 16 17

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19 19 20 22 24

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2 An´ eis 2.1 Defini¸co˜es e propriedades b´asicas 2.2 Suban´eis . . . . . . . . . . . . . . 2.3 Dom´ınios Integrais . . . . . . . . 2.4 Corpos . . . . . . . . . . . . . . . 2.5 Caracter´ıstica de um anel . . . . 2.6 Exerc´ıcios do Cap´ıtulo 2 . . . . . 3 Ideais e an´ eis quocientes 3.1 Ideais . . . . . . . . . . . . . . 3.2 An´eis quocientes . . . . . . . . 3.3 Ideais primos e ideais maximais 3.4 Exerc´ıcios do Cap´ıtulo 3 . . . .

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4 Homomorfismos de an´ eis 4.1 Defini¸ca˜o e exemplos . . . . . . . . . . . . . 4.2 Propriedades dos homomorfismos . . . . . . 4.3 O teorema fundamental dos homomorfismos 4.4 O corpo de fra¸co˜es de um dom´ınio . . . . . . 4.5 Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 4 . . . . . . .

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5 An´ eis de Polinˆ omios 34 5.1 Defini¸ca˜o e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 5.2 O Algoritmo da divis˜ao e conseq¨ uˆencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 5.3 Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 ii


´ SUMARIO 6 Fatora¸c˜ ao de polinˆ omios 6.1 Testes de redutibilidade . . . . . 6.2 Testes de irredutibilidade . . . . . 6.3 Fatora¸ca˜o u ´nica em Z[x] . . . . . 6.4 Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 6 . 7 Divisibilidade em dom´ınios 7.1 Irredut´ıveis e primos . . . . . . . 7.2 Dom´ınios de Fatora¸ca˜o u ´nica . . 7.3 Dom´ınios Euclidianos . . . . . . . 7.4 Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 7 .

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8 Algumas aplica¸c˜ oes da fatora¸c˜ ao u ´ nica em 8.1 Introdu¸ca˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.2 O anel Z[ω] . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.3 A equa¸ca˜o X 3 + Y 3 + Z 3 = 0 . . . . . . . 8.4 A equa¸ca˜o Y 2 + 1 = 2X 3 . . . . . . . . . .

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dom´ınios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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41 41 43 46 48

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51 51 53 55 57

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60 60 61 66 70


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´ SUMARIO


Cap´ıtulo 1 Inteiros 1.1

Propriedades b´ asicas

Vamos recordar aqui as principais propriedades dos inteiros Z = {..., −2, −1, 0, 1, 2, ...} as quais ser˜ao consideradas como axiomas.Elas ser˜ao usadas em todo nosso curso. • Fecho: Se a e b s˜ao inteiros ent˜ao a + b e a.b tamb´em s˜ao. • Propriedade comutativa: a + b = b + a e a.b = b.a para quisquer inteiros a e b. • Propriedade associativa: (a + b) + c = a + (b + c) e (a.b).c = a.(b.c) para quaisquer inteiros a, b e c. • Propriedade distributiva: (a + b).c = a.c + b.c para quisquer inteiros a, b e c. • Elementos neutros: a + 0 = a e a.1 = a para todo inteiro a. • Inverso aditivo: Para todo inteiro a existe um inteiro x que ´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao a + x = 0. Tal x ´e denominado inverso aditivo e tem a nota¸ca˜o −a. Obs: a nota¸ca˜o b − a significa b + (−a). • Cancelamento: Se a, b e c s˜ao inteiros com a.c = b.c com c 6= 0 ent˜ao a = b Tais axiomas nos permitem provar outras propriedades de Z bastante comuns. Exemplo 1.1.1. Para todo a, b e c em Z temos a.(b + c) = a.b + a.c Com efeito, como sabemos que o produto ´e comutativo em Z segue que a(b + c) = (b + c).a Pela propriedade distributiva temos que (b + c).a = b.a + c.a Finalmente usando a propriedade comutativa do produto segue o resultado. 1


CAP´ITULO 1. INTEIROS

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Exemplo 1.1.2. Podemos provar que 0.a = 0. Para isto, observe que como 0=0+0 0.a = (0 + 0)a = 0.a + 0.a Somando de ambos os lados −0.a teremos que 0 = 0.a = a.0 pela comutatividade do produto. Exerc´ıcio 1.1.3. Prove que para todo a, b e c em Z temos: 1. (a + b)2 = a2 + 2ab + b2 2. (−1)a = −a 3. −(ab) = a(−b) 4. (−a)(−b) = ab 5. −(a + b) = (−a) + (−b) A ordem em Z ´e definida usando os inteiros positivos { 1,2,3,...}. Defini¸c˜ ao 1.1.4. Se a e b s˜ao inteiros dizemos que a ´ e menor que b, e denotamos por a < b quando b − a for positivo. Se a < b escrevemos tamb´em b > a.

As principais propriedades da ordem dos inteiros s˜ao : • Fecho dos inteiros positivos: a soma e o produto de dois inteiros positivos s˜ao positivas. • Tricotomia : para todo inteiro a, temos que ou a > 0, ou a < 0 ou a = 0. Outras propriedades da ordem de Z podem ser obtidas atrav´es dessas. Exemplo 1.1.5. Suponha que a, b e c s˜ao inteiros com a < b e c > 0. Vamos provar que ac < bc. Por defini¸ca˜o a < b significa que b−a>0 Pela propriedade do fecho (b − a)c > 0. Pela propriedade distributiva e o exerc´ıcio anterior, segue o resultado. Exerc´ıcio 1.1.6. Prove que se a, b e c ∈ Z, a < b e c < 0 ent˜ao ac > bc.


´ 1.1. PROPRIEDADES BASICAS

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Uma propriedade muito importante de Z ´e o princ´ıpio da boa ordena¸c˜ao : Princ´ıpio da boa ordena¸c˜ ao (PBO) Todo subconjunto n˜ao vazio de inteiros positivos possui um menor elemento. O PBO diz que se S ´e um subconjunto n˜ao vazio dos inteiros positivos ent˜ao existe um s0 ∈ S tal que s ≥ s0 para todo s em S. O conceito de divisibilidade ´e muito importante na teoria dos n´ umeros e ser´a estendido na teoria de an´eis em geral. Dizemos que um inteiro n˜ao nulo t ´e divisor de um inteiro s se existe um inteiro u tal que s = tu. Escrevemos neste caso que t|s ( lemos t divide s ) Quando t n˜ao ´e um divisor de s, n´os escrevemos t 6 | s. Um primo ´e um inteiro positivo maior que 1 cujo u ´nicos divisores positivos s˜ao 1 e ele mesmo. Como nossa primeira aplica¸c˜ao do PBO temos uma propriedade fundamental do inteiros: Teorema 1.1.7 (Algoritmo de Euclides (AE)). Sejam a e b inteiros com b > 0. Ent˜ao existem inteiros q e r tais que a = bq + r onde b > r ≥ b. Tais q e r s˜ao u ´nicos. Demonstra¸c˜ ao : Existˆ encia: Considere o conjunto S = {a − bk | k ∈ Z e a − bk ≥ 0}. Se 0 ∈ S, existe q ∈ Z tal que a − bq = 0. Fazendo r = 0 o algoritmo est´a provado. Se 0 6∈ S vamos aplicar o PBO. Para isto temos que provar que S 6= ∅. Se a > 0, a − b0 = a > 0 e ent˜ao S 6= ∅. Se a < 0, a − b2a = a(1 − 2b) > 0 e ent˜ao S 6= ∅. Pelo PBO, S possui um menor elemento que chamaremos de r. Assim, existem q, r ∈ Z tais que a − bq = r , r ´e o menor elemento de S e r > 0. S´o falta provar que r < b. Se r = b a − bq = r = b a − bq = b a − b(q + 1) = 0 Isto indica que 0 ∈ S, o que n˜ao acontece neste caso. Se r > b a − bq = r > b a − bq − b > 0 a − b(q + 1) > 0 Isto indica que a − b(q + 1) pertence a S o que ´e um absurdo pois ´e menor que r = a − bq e r ´e o menor elemento de S. Unicidade Suponha que existam q, q 0 , r, r0 tais que a = bq + r = bq 0 + r0


CAP´ITULO 1. INTEIROS

4 com 0 ≤ r, r0 < b. Como r0 − r = b(q 0 − q)

temos que b | (r0 − r). Mas como r0 − r < b concluimos que r0 − r = 0, r0 = r e q = q 0 . Nota¸c˜ ao : q ser´a chamado de quociente e r ser´a chamado de resto da divis˜ao de a por b. Exemplo 1.1.8. Se a = 34 e b = 7 o algoritmo diz que 34 = 7.4 + 6; para a = −49 e b = 6, o algor´ıtmo de Euclides diz que −49 = 6.(−9) + 5. Defini¸c˜ ao 1.1.9 (M´aximo divisor comum). O m´aximo divisor de dois inteiros a e b n˜ao nulos ´e o maior de todos os divisores comuns de a e b. Ele ser´a denotado por mdc(a, b) ou quando n˜ ao causar d´ uvidas simplesmente por (a, b). Quando mdc(a, b) = 1 dizemos que a e b s˜ao relativamente primos. Podemos definir mdc(a, b) da seguinte forma: mdc(a, b) = d se e somente se 1. d > 0 2. d|a e d|b. 3. se existir um inteiro c tal que c|a e c|b ent˜ao c|d. Temos de provar que as duas defini¸co˜es s˜ao equivalentes. Para isto precisamos do pr´oximo teorema que diz que o mdc(a, b) ´e uma combina¸ca˜o linear de a e b. Esta ´e nossa segunda aplica¸c˜ao do PBO. Teorema 1.1.10 (mdc ´e uma combina¸ca˜o linear). Se a e b s˜ao inteiros n˜ao nulos ent˜ ao existem inteiros s e r tais que mdc(a, b) = sa + tb Demonstra¸c˜ ao Considere o conjunto S = {am + bn | m, n ∈ Z e am + bn > 0}. S 6= ∅ porque se vocˆe achar uma combina¸ca˜o am + bn < 0 ent˜ao multiplique por −1 e ter´a uma combina¸c˜ao positiva. Pelo PBO, S possui um menor elemento. Seja d o menor elemento de S. Assim existem s, t ∈ Z tais que d = sa + tb . Afirma¸c˜ao : d = mdc(a, b) Com efeito, pelo algoritmo de Euclides, existem q, r ∈ Z tais que a = dq + r e 0 ≤ r < d. Se r > 0, ent˜ao 0 < r = a − dq = a − (as + tb)q = a(1 − s) + (−tq)b ∈ S . Isto ´e um absurdo pois d ´e o menor elemento de S, Assim r = 0 e d|a. Analogamente, d|b Seja agora d0 outro divisor comum de a e b. Assim a = d0 k e b = d0 h para certos k e h em Z, d = as + bt = d0 ks + d0 ht = d0 (ks + ht) e portanto d0 |d. Logo d = mdc(a, b). Defini¸c˜ ao 1.1.11 (M´ınimo m´ ultiplo comum ). O m´ınimo m´ ultiplo comum de dois interos n˜ ao nulos ´e o menor m´ ultiplo comum positivo de a e b. Nota¸c˜ ao : mmc(a, b) Podemos definir o mmc(a, b) na forma : mmc(a, b) = m se e somente se 1. m > 0 2. a|m e b|m 3. Se existir m0 inteiro tal que a|m0 e b|m0 ent˜ao m|m0 Exerc´ıcio 1.1.12. Prove que as duas defini¸c˜oes de mdc s˜ao equivalentes.


´ 1.2. TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMETICA

1.2

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Teorema Fundamental da Aritm´ etica

O teorema fundamental da aritm´etica ´e um resultado importante o qual mostra que os n´ umeros primos s˜ao os construtores dos inteiros. Teorema 1.2.1 (Teorema Fundamental da Aritm´etica (T F A) ). Todo inteiro maior que um se escreve de maneira u ´nica como um produto de primos. Para provarmos este teorema temos de provar algumas propriedades dos primos. Lema 1.2.2 (Lema de Euclides). Se p ´e um primo que divide a.b ent˜ao p divide a ou p divide b. Demonstra¸c˜ ao : Suponha que p ´e um primo que divide ab mas que p 6 |a.Como p ´e primo podemos afirmar que p e a s˜ao relativamente primos .Assim existem inteiros r e s tais que ra + sp = 1. Ent˜ao rab + rpb = b. Como p|ab e p|rpb temos que p|b. Note que o Lema de Euclides falha se p n˜ao for primo ; por exemplo 6|4.3 ,6 6 |4 e 6 6 |3 Demonstra¸c˜ ao do Teorema Fundamental da Aritm´ etica Unicidade Suponha que exista duas fatora¸co˜es em primos de n: n = p1 p2 ...pr = q1 q2 ...qs . Pelo Lema de Euclides p1 |qi para algum qi e como p1 e qi s˜ao primos temos que p1 = qi para algum i ∈ {1, 2, ..., s}. Analogamente p2 = qj para algum j ∈ {1, 2, ..., s} e assim por diante . Pela propriedade do cancelamento teremos 1 = qi1 ...qik se s > r. Mas isto ´e um absurdo pois nenhum primo ´e invert´ıvel. Analogamente se r < s chegamos num absurdo. Logo s = r e os primos s˜ao os mesmos. Existˆ encia: S´era feito depois do segundo princ´ıpio da indu¸ca˜o matem´atica na pr´oxima se¸ca˜o .

1.3

Indu¸c˜ ao matem´ atica

Existem dois tipos de prova usando indu¸c˜ao matem´atica. Ambas s˜ao equivalentes ao PBO e vˆem do s´eculo XVI. Primeiro princ´ıpio da indu¸c˜ ao matem´ atica (1o P IM ) Seja S um subconjunto de Z contendo a. Suponha que S tem a propriedade de possuir n+1 sempre que S possuir n com n ≥ a. Ent˜ao S contem todo inteiro maior ou igual a a. Assim, para provarmos que uma afirma¸ca˜o ´e verdadeira para todo inteiro positivo, n´os devemos primeiro verificar que a afirma¸ca˜o ´e verdadeira para o inteiro 1. N´os ent˜ao supomos que a afirmativa ´e verdadeira para o inteiro n e usamos esta afirmativa para provar que a afirmativa ´e v´alida para n + 1.


CAP´ITULO 1. INTEIROS

6

Exemplo 1.3.1. Podemos usar o (10 P IM ) para provar que n! ≤ nn para todo inteiro positivo n. A afirmativa ´e v´alida para n = 1 pois 1! = 1 ≤ 11 = 1. Agora suponha que n! ≤ nn ; esta ´e a hip´otese de indu¸ca˜o .Temos de provar que (n + 1)! ≤ (n + 1)(n+1) . Usando a hip´otese de indu¸ca˜o (n + 1)! = (n + 1).n! (n + 1)! ≤ (n + 1).nn (n + 1)! ≤ (n + 1).(n + 1)n (n + 1)! ≤ (n + 1)(n+1) Isto completa a prova. Segundo princ´ıpio de indu¸c˜ ao matem´ atica.(2o P IM ) Seja S um subconjunto de Z contendo a. Suponha que S tenha a propriedade de sempre conter n quando S contiver todos os inteiros menores que n e maiores que a. Ent˜ao S contem todo inteiro maior ou igual a a. Para usar esta forma de indu¸c˜ao , n´os primeiro provamos que a afirmativa ´e v´alida para a. Depois mostramos que se a afirmativa ´e verdadeira para todos os inteiros maiores ou iguais a a e menores que n ent˜ao ela ´e verdadeira para n. Exemplo 1.3.2 (Existˆencia do TFA). N´os usamos o 2o P IM com a = 2 para provar a parte da existˆencia do TFA. Seja S ⊂ Z formado de inteiros maiores que 1 que s˜ao primos ou um produto de primos. Claramente 2 ∈ S. Agora n´os assumimos que para algum inteiro n, S cont´em todos os inteiros k com 2 ≤ k < n. N´os devemos mostrar que n ∈ S. Se n ´e primo, ent˜ao n ∈ S por defini¸ca˜o . Se n n˜ao for primo, n poder´a ser escrito na forma n = ab onde 1 < a < n e 1 < b < n. Como estamos assumindo que a e b pertencem a S, n´os sabemos que eles s˜ao primos ou produto de primos. Assim, n tamb´em ´e um produto de primos. Isto completa a prova.

1.4

Rela¸c˜ ao de equivalˆ encia

Em matem´atica objetos diferentes num contexto podem ser vistos como iguais noutro. Por exemplo, como i2 = −1, i3 = −i, i4 = 1 temos que para efeito de achar potencias de i os n´ umeros s˜ao iguais se tiverem o mesmo resto na divis˜ao por 4. Assim, aqui 5 = 1, 240 = 0, 243 = 3. O que ´e necess´ario fazer para que estas distin¸co˜es fiquem claras, ´e uma generaliza¸c˜ao apropriada da no¸ca˜o de igualdade; isto ´e, n´os necessitamos de mecanismo formal para especificar quando ou n˜ao duas quantidades s˜ao iguais numa certa coloca¸ca˜o . Tais mecanismos s˜ao as rela¸co˜es de equivalencia. Defini¸c˜ ao 1.4.1 (Rela¸ca˜o de Equivalˆencia). Uma rela¸c˜ao de equivalˆencia num conjunto S ´e um conjunto R de pares ordenados de elementos de S de modo que: 1. (a, a) ∈ R para todo a ∈ S ( propriedade reflexiva ) 2. (a, b) ∈ R implica (b, a) ∈ R ( propriedade sim´etrica ). 3. (a, b) ∈ R e (b, c) ∈ R implica (a, c) ∈ R ( propriedade transitiva )


˜ DE EQUIVALENCIA ˆ 1.4. RELAC ¸ AO

7

Quando R for uma rela¸ca˜o de equivalˆencia num conjunto S, escrevemos aRb ao inv´es de (a, b) ∈ R. Tamb´em como uma rela¸ca˜o de equivalˆencia ´e uma generaliza¸c˜ao de igualdade, s´ımbolos sugestivos s˜ao ≈, ≡, ou ∼. Se ∼ for uma rela¸c˜ao de equivalˆencia num conjunto S e a ∈ S , ent˜ao o conjunto [a] = {x ∈ S | x ∼ a} ´e chamado de classe de equivalencia de S contendo a . Exemplo 1.4.2 ((a ≡ b mod n)). Em Z definimos a rela¸c˜ao de equivalˆencia: a ≡ b mod n ⇔ n|(a − b) ´ f´acil ver que ≡ modn ´e uma rela¸ca˜o de equivalˆencia ; E 1. a ≡ a mod n pois n|0 2. Se a ≡ b mod n ent˜ao b ≡ a mod n pois se n|(a − b) ent˜ao n|(b − a). 3. Se a ≡ b mod n e b ≡ c mod n temos que n|(a − b) e n|(b − c) e ent˜ao n|(a − c). Isto mostra que a ≡ c mod n As classes de equivalencia de Z mod n ser˜ao as classes dos restos da divis˜ao por n. Com efeito, dado a em Z pelo algor´ıtmo de Euclides temos a = qn + r com 0 ≤ r < n. Isto mostra que a ≡ r mod n. Denotaremos por Zn o conjunto das classes de equivalencia de Z m´odulo n. Usaremos a nota¸c˜ao a ¯ para [a].Assim Zn = {¯0, ¯1, ..., n − 1} . Defini¸ c˜ ao 1.4.3 (Parti¸c˜ao de um conjunto S). Uma parti¸c˜ao de um conjunto S ´e uma cole¸c˜ao de subconjuntos n˜ao vazios disjuntos de S cuja uni˜ao ´e S. Teorema 1.4.4. As classes de equivalencia de um conjunto S formam uma parti¸c˜ao de S. Reciprocamente, para toda parti¸c˜ao P de um conjunto S, existe uma rela¸c˜ao de equivalencia em S cujas classes de equivalencia s˜ao os elementos de P . Demonstra¸c˜ ao : Seja ≡ uma rela¸ca˜o de equivalencia em S. Para todo a ∈ S temos que a ∈ [a] pela propriedade reflexiva. Assim [a] 6= ∅ e a uni˜ao de todas as classes de equivalencia de S ´e S. Vamos agora provar que duas classes de equivalencia distintas s˜ao disjuntas . Com efeito, suponha que [a] e [b] possuem um elemento x em comum. Isto implica que x ≡ a e x ≡ b. Pela propriedade transitiva a ≡ b e portanto [a] = [b]. A rec´ıproca ´e deixada como exerc´ıcio. Exemplo 1.4.5. Pelo exemplo anterior temos que Z = [0] ∪ [1] ∪ ... ∪ [n − 1].


CAP´ITULO 1. INTEIROS

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1.5

Exerc´ıcios do cap´ıtulo 1

1. Se a e b s˜ao inteiros positivos ent˜ao ab = mdc(a, b).mmc(a, b) 2. Suponha que a e b s˜ao inteiros que dividem o inteiro c. Se a e b s˜ao relativamente primos, mostre que ab|c. Mostre com um exemplo, que se a e b n˜ao s˜ao relativamente primos ent˜ao ab n˜ao necessita dividir c. 3. O conjunto dos racionais positivos satisfaz o PBO ? 4. Mostre que mdc(a, bc) = 1 ⇔ mdc(a, b) = 1 e mdc(a, c) = 1 5. Se existem inteiros a, b, s e t de modo que at + bs = 1 mostre que mdc(a, b) = 1. 0

0

0

0

6. Seja d = mdc(a, b). Se a = da e b = db mostre que mdc(a , b ) = 1 7. Sejam p1 , p2 , ..., pn primos distintos. Mostre que p1 p2 ...pn + 1 n˜ao ´e divis´ıvel por nenhum desses primos. 8. Mostre que existem infinitos primos. Sug: Use 7. 9. Prove que para todo n, 1 + 2 + ... + n = n(n + 1)/2 10. Para todo inteiro positivo n, prove que um conjunto com n elementos tem exatamente 2n subconjuntos(contando com o vazio e o todo). 11. Prove o Lema generalizado de Euclides: Se p ´e um primo e p|a1 ...an , prove que p|ai para algum i, i = 1, 2, ..., n. 12. Seja S um subconjunto de R. Se a e b pertencem a S, defina a ∼ b se a − b ´e um inteiro. Mostre que ∼ ´e uma rela¸ca˜o de equivalˆencia em S. 13. Seja S = Z. Se a, b ∈ S defina aRb se ab ≥ 0. R ´e uma rela¸ca˜o de equivalencia em S ? 14. Uma rela¸c˜ao num conjunto S ´e um conjunto de pares ordenados de elementos de S. Ache um exemplo de uma rela¸ca˜o que seja sim´etrica, reflexiva mas n˜ao transitiva. 15. Ache um exemplo de uma rela¸ca˜o que seja reflexiva , transitiva mas n˜ao sim´etrica. 16. Ache um exemplo de uma rela¸ca˜o que seja sim´etrica, transitiva e n˜ao reflexiva. 17. Sejam n e a inteiros positivos e d = (a, n). Mostre que a equa¸ca˜o ax ≡ 1 mod n tem uma solu¸ca˜o ⇔ d = 1. 18. Prove que o 1o PIM ´e uma consequˆencia do PBO.


1.5. EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 1

9

19. Seja (x0 , y0 ) uma solu¸c˜ao de ax + by = c com a, b e c inteiros. Mostre que todas as solu¸co˜es de ax + by = c tˆem a forma x = x0 + t(b/d), y = y0 − t(a/d) onde d = mdc(a, b) e t ∈ Z. 20. Se u e v s˜ao positivos, mdc(u, v) = 1 e uv = a2 , mostre que u e v s˜ao quadrados onde u, v e a pertencem a Z. 21. Prove por indu¸ca˜o sobre n , que n3 + 2n ´e sempre divis´ıvel por 3. 22. Se n ´e um natural ´ımpar, prove que n3 − n ´e sempre divis´ıvel por 24. 23. Seja n um natural composto. Ent˜ao n tem um divisor primo p tal que p ≤ 24. Prove que existe um n´ umero infinito de primos da forma 4n − 1.

√ n.


Cap´ıtulo 2 An´ eis 2.1

Defini¸co ˜es e propriedades b´ asicas

Um anel ´e um conjunto A, cujos elementos podem ser adicionados e multiplicados ( isto ´e, s˜ao dadas duas opera¸c˜oes (x, y) → x + y e (x, y) → x.y aos pares de elementos de A em A) satisfazendo as seguintes condi¸c˜oes : 1. Para todo x e y ∈ A n´os temos a comutatividade da soma, a saber x+y =y+x 2. Para todo x e y ∈ A n´os temos a associatividade da soma, a saber, (x + y) + z = x + (y + z) 3. Existe um elemento e em A tal que x + e = x para todo x ∈ A. Not: e = 0. Este ´e chamado elemento neutro da adi¸c˜ao . 4. Para todo elemento x ∈ A existe um elemento y em A tal que x + y = 0. Not: y = −x Este ´e tamb´em chamado de sim´etrico de x. 5. Para todo x, y, z ∈ A n´os temos a associatividade da multiplica¸c˜ao , a saber (x.y).z = x.(y.z) 6. Para todo x, y, z ∈ A n´os temos a distributividade da multiplica¸c˜ao `a direita e esquerda , a saber x(y + z) = x.y + x.z e (y + z).x = y.x + z.x Observa¸co ˜es : 1) Observe que a multiplica¸c˜ao n˜ao necessita ser comutativa. Quando isto ocorrer, dizemos que A ´e um anel comutativo

10


˜ ´ 2.1. DEFINIC ¸ OES E PROPRIEDADES BASICAS

11

2) Um anel n˜ao necessita ter elemento neutro da multiplica¸ca˜o (isto ´e, um elemento y tal que xy = yx = x para todo x ∈ A). Este elemento ´e chamado de unidade do anel e denotado por 1. Quando um anel A possui o elemento neutro da multiplica¸c˜ao dizemos que A ´e um anel com unidade. 3) Os elementos n˜ao nulos de um anel n˜ao necessitam ter inversos multiplicativos (isto ´e, y ´e inverso multiplicativo de x se e somente se xy = yx = 1). Os elementos de um anel A que possuem inverso multiplicativo s˜ao chamados de invert´ıveis de A ou unidades de A. Usaremos a nota¸c˜ao U (A) = {x ∈ A| x ´e uma unidade de A}. Exemplo 2.1.1. O conjunto dos inteiros Z com a adi¸c˜ao e multiplica¸ca˜o usuais ´e um anel. Exemplo 2.1.2. Os conjuntos Q, R, C com as opera¸c˜oes usuais s˜ao exemplos de an´eis. Observe que U (Q) = Q − {0}, U (R) = R − {o}, U (C) = C − {0}. Exemplo 2.1.3 (O anel Zn ). J´a definimos Zn no cap´ıtulo 1. Zn = {¯0, ¯1, ..., n − 1} Vimos tamb´em quando duas classes s˜ao iguais,isto ´e, a ¯ = ¯b ⇔ n|(a − b) Em Zn definimos as opera¸c˜oes : Zn × Zn → Zn (¯ a, ¯b) → a + b

Zn × Zn → Zn (¯ a, ¯b) → a.b

Como estamos trabalhando com classes, as quais s˜ao conjuntos, temos de mostrar que estas opera¸co˜es est˜ao bem definidas, isto ´e , se a ¯ = a1 e ¯b = b1 ent˜ao a + b = a1 + b1 e a.b = a1 .b1 . Pela igualdade das classes temos que existem x, y ∈ Z tais que a − a1 = xn e b − b1 = yn Somando estas duas equa¸co˜es temos que (a + b) − (a1 + b1 ) = (x + y)n Isto significa que a + b = a1 + b 1 Tamb´em , a.b = (xn + a1 )(yn + b1 ) = xyn2 + xnb1 + a1 yn + a1 b1 e esta equa¸c˜ao indica que n|(ab − a1 b1 ) ou seja a.b = a1 .b1 . Como a soma e a multiplica¸c˜ao de duas classes dependem essencialmente da soma e multiplica¸ca˜o ´ em Z, respectivamente, temos que v´arias propriedades dessas opera¸c˜oes de Zn s˜ao herdadas de Z.E o caso da comutatividade da soma, associatividade da soma e produto e distributividade. Observe que o elemento neutro da soma de Zn vai ser a classe ¯0 que representa os m´ ultiplos de n. O sim´etrico da classe a ¯ ´e a classe −a. O anel Zn ´e comutativo com unidade sendo a unidade a classe ¯1.


´ CAP´ITULO 2. ANEIS

12

Exemplo 2.1.4. O conjunto Z[x] de todos os polinˆomios na vari´avel x com coeficientes inteiros com a multiplica¸ca˜o e adi¸ca˜o usuais ´e um anel comutativo com unidade. Recorde que se f (x) = a0 + a1 x + ... + an xn e g(x) = b0 + b1 x + ...bm xm ent˜ao f (x) + g(x) = (a0 + b0 ) + (a1 + b1 )x + ... + (ak + bk )xk onde k = max{n, m} f (x).g(x) = c0 + c1 x + ... + cn+m xn+m onde cj = aj .b0 + aj−1 .b1 + ... + a0 .bj Agora verifique que Z[x] realmente um anel comutativo e a sua unidade ´e f (x) = 1 Exemplo 2.1.5. O conjunto M 2 (Z) das matrizes 2 × 2 com entradas inteiras ´e um anel n˜ao 10 comutativo com unidade . Verifique isto! 01 Exemplo 2.1.6. O anel 2Z com a soma e produto usuais ´e um anel comutativo sem unidade. Exemplo 2.1.7. O conjunto das fun¸c˜oes reais cont´ınuas a uma vari´avel cujo gr´afico passa pelo ponto (1, 0) ´e um anel comutativo sem unidade com as opera¸co˜es : (f + g)(a) = f (a) + g(a) e (f g)(a) = f (a)g(a) Exemplo 2.1.8. Se A1 e A2 s˜ao an´eis , n´os podemos definir um novo anel A1 × A2 = {(a1 , a2 )|ai ∈ Ai } com as opera¸co˜es componente a componente: (a1 , a2 ) + (b1 , b2 ) = (a1 + b1 , a2 + b2 ) e (a1 , a2 ).(b1 , b2 ) = (a1 .b1 , a2 .b2 ) Este anel ´e chamado de soma direta de A1 e A2 . Vamos ver agora como podemos operar com an´eis. Teorema 2.1.9 (Regras da soma e do produto). Sejam a, b e c elementos de um anel A. Ent˜ ao: 1. Vale a lei de cancelamento para a soma, isto ´e, se a + b = a + c ent˜ao b = c. 2. O elemento neutro aditivo ´e u ´nico. 3. O inverso aditivo ´e u ´nico. 4. a.0 = 0.a = 0 5. a(−b) = (−a)b = −(ab) 6. (−a)(−b) = ab 7. a(b − c) = ab − ac e (b − c)a = ba − ca. Se A tem unidade 1 ent˜ao


´ 2.2. SUBANEIS

13

8. (−1)a = −a 9. (−1)(−1) = 1 10. O elemento neutro da multiplica¸c˜ao ´e u ´nico. 11. O inverso multiplicativo ´e u ´nico. Demonstra¸c˜ ao 1. Basta somar a ambos os lados da igualdade o inverso aditivo de a. 2. Suponha que existam dois elementos neutros, a saber, e e e1 . Usando a defini¸c˜ao de elemento neutro temos e = e + e1 = e1 . 3. Suponha que o elemento a possui dois inversos aditivos: a1 e a2 . Ent˜ao a + a1 = a + a2 = 0. Segue ent˜ao pelo cancelamento provado em 1 que a1 = a2 . 4. Utilizando a distributividade temos a.0 = a(0 + 0) = a.0 + a.0. pelo cancelamento em 1 temos que a.0 = 0. Analogamente 0.a = 0. 5. Queremos provar que a(−b) ´e o sim´etrico de ab. Para isto basta somar a(−b) + ab e ver se o resultado ´e zero. Como a(−b) + ab = a(−b + b) = a.0 = 0, segue o resultado. Analogamente para (−a)b ´e o sim´etrico de ab. ´ f´acil ver que −(−a) = a para todo a 6. (−a)(−b) = −[a(−b)] = −[−ab] pelo ´ıtem anterior. E em A. 7. a(b − c) = a(b + (−c)) = ab + a(−c) = ab + (−ac) = ab − ac pelas propriedades anteriores. 8. (−1)a = −(1a) = −a por 5. 9. Direto de 6. 10. Suponha que existam duas unidades em A: 1 e b . Pela defini¸c˜ao de unidade teremos 1 = 1.b = b. 11. Suponha que o elemento a de A tenha dois inversos multiplicativos : b e c. Assim ba = ab = ac = ca = 1 e b = b1 = bac = 1c = c utilizando a associatividade da multiplica¸ca˜o .

2.2

Suban´ eis

Um subconjunto S de um anel A ´e um subanel de A se S for um anel com as opera¸c˜oes de A. Exemplo 2.2.1. Z ´e um subanel de Q, Q ´e um subanel de R e R ´e um subanel de C.

Teorema 2.2.2 ( Teste para saber se ´e um subanel). Um subconjunto S de um anel A ´e um subanel de A se:


´ CAP´ITULO 2. ANEIS

14 1. S 6= ∅ 2. Para todo a e b em S, a − b ∈ S e ab ∈ S.

Demonstra¸c˜ ao Como as propriedades comutativa, associativa,distributiva s˜ao v´alidas para A, em particular, para S. Ent˜ao faltam apenas verificar se as opera¸co˜es s˜ao fechadas, se o elemento neutro aditivo est´a em S e se o inverso aditivo de cada elemento de S est´a em S. Por hip´otese, se a e b ∈ S ent˜ao ab ∈ S. Como S 6= ∅, tome x em S.Por hip´otese x − x = 0 ∈ S. Tamb´em, por hip´otese 0 − a = −a ∈ S para todo a ∈ S Logo, se a e b ∈ S ,a + b = a − (−b) ∈ S por hip´otese e o teste est´a provado. Exemplo 2.2.3. {0} e A s˜ao suban´eis de A. Exemplo 2.2.4. {¯0, ¯2, ¯4} ´e um subanel de Z6 . Construa as tabelas para verificar isto. Exemplo 2.2.5. Os suban´eis de Z s˜ao da forma nZ . Exemplo 2.2.6 (Inteiros de Gauss). Z[i] = {a + bi | a e b ∈ Z} ´e um subanel de C. Com efeito, Z[i] 6= ∅. (a + bi)(c + di) = (ac − bd) + (ad + bc)i ∈ Z[i] (a + bi) − (c + di) = (a − c) + (b − d)i ∈ Z[i] Pelo teste, Z[i] ´e um subanel de C.

2.3

Dom´ınios Integrais

O anel Z tem propriedades que em geral um anel qualquer n˜ao tem. Veremos algumas delas nesta se¸ca˜o . Defini¸c˜ ao 2.3.1 (Divisor de zero). Um elemento n˜ao nulo a em um anel comutativo A ´e chamado um divisor de zero se existe um elemento n˜ao nulo b em A tal que ab = 0. Defini¸c˜ ao 2.3.2 (Dom´ınio integral). Um anel comutativo com unidade ´e chamado de dom´ınio integral ou simplesmente dom´ınio se ele n˜ao tem nenhum divisor de zero. Assim, num dom´ınio integral ab = 0 ⇔ a = 0 ou b = 0 Exemplo 2.3.3. Z, Q, C, R s˜ao dom´ınios . Z6 n˜ao ´e um dom´ınio pois ¯2.¯3 = ¯0 e ¯2, ¯3 6= ¯0 Exemplo 2.3.4. O anel dos inteiros de Gauss Z[i] = {a + bi|a, b ∈ Z} ´e um dom´ınio pois ´e comutativo com unidade e n˜ao tem divisores de zero porque est´a contido em C Exemplo 2.3.5. Z[x] ´e um dom´ınio .Com efeito, sejam f (x) = a0 + a1 x + ... + an xn e g(x) = b0 + b1 x + ...bm xm em Z[x] tal que f (x)g(x) = 0. Suponha que f (x) e g(x) n˜ao s˜ao nulos. Tome ai0 ∈ Z tal que i0 ´e o menor coeficiente de f (x) tal que ai0 6= 0 . Analogamente tome bj0 em g(x) tal que j0 ´e o menor ´ındice tal que bj0 6= 0 . Se f (x)g(x) = c0 + c1 x + c2 x2 + ... + cn+m xn+m teremos pela nossa escolha de i0 e j0 que ci0 +j0 = ai0 bj0 6= 0, o que ´e um absurdo. Logo f (x) ou g(x) ´e nulo.


2.4. CORPOS

15

√ √ √ Exemplo 2.3.6. Z[ 2] = {a + b 2 | a, b ∈ Z} ´e um dom´ınio . Observe que Z[ 2] ⊂ R Exemplo 2.3.7. Zp ´e um dom´ınio ⇔ p ´e primo. Com efeito, suponha que p ´e primo e a ¯¯b = ¯0; isto indica que ab = ¯0 ou p|ab. Pelo Lema de Euclides temos p|a ou p|b, ou seja a ¯ = ¯0 ou ¯b = ¯0. Reciprocamente suponha que Zp ´e um dom´ınio e p n˜ao ´e primo. Ent˜ao existem inteiros a e b tais que p = ab e 1 < a, b < p. Temos ent˜ao o¯ = a ¯¯b. Como Zp ´e um dom´ınio temos que a ¯ = ¯0 ou ¯b = ¯0, ´ facil ver que isto n˜ao acontece e chegamos assim num absurdo. ou seja p|a ou p|b . E Uma das propriedaes mais importantes dos dom´ınios ´e a propriedade de cancelamento. Teorema 2.3.8 (Cancelamento). Sejam a, b e c pertencem a um dom´ınio integral. Se a 6= 0 e ab = ac ent˜ao b = c. Demonstra¸c˜ ao De ab = ac temos a(b − c) = 0 e como a 6= 0 e estamos num dom´ınio temos que b = c.

2.4

Corpos

Em muitas aplica¸co˜es , um tipo especial de dom´ınio ´e usado. Defini¸ c˜ ao 2.4.1. Um anel comutativo com unidade ´e chamado um corpo se todo elemento n˜ ao nulo ´e uma unidade. Frequentemente usamos a nota¸ca˜o ab−1 como a dividido por b. Pensando nisto podemos dizer que um corpo ´e um conjunto o qual ´e fechado em rela¸ca˜o `a adi¸ca˜o , subtra¸ca˜o , multiplica¸ca˜o e divis˜ao. Exemplo 2.4.2. Q, R, C s˜ao os exemplos mais famosos de corpos. O teorema seguinte diz que no caso finito, corpos e dom´ınios s˜ao os mesmos. Teorema 2.4.3. Se D ´e um dom´ınio finito ent˜ao D ´e um corpo. Demonstra¸c˜ ao Como D ´e um dom´ınio, D j´a ´e um anel comutativo com unidade. Assim s´o falta provar que todo elemento n˜ao nulo ´e invert´ıvel. Seja a 6= 0 um elemento de D. Como D ´e finito, a sequencia a, a2 , a3 , a4 , ... come¸car´a a se repetir, isto ´e, existe um i > j tal que ai = aj . Ent˜ao pela lei do cancelamento aj (ai−j − 1) = 0 e como a 6= 0 temos que ai−j = 1 . Se i − j = 1 , a = 1 e portanto ´e invert´ıvel. Se i − j > 1, ai−j−1 ´e o inverso de a e ent˜ao a ´e invert´ıvel. Corol´ ario 2.4.4. Se p ´e primo Zp ´e um corpo. Usando o exemplo 2.3.7 anterior temos Corol´ ario 2.4.5. Zn ´e corpo se e somente se n ´e primo. Exemplo 2.4.6 (Corpo com 49 elementos). Seja Z7 [i] = {a + bi | a, b ∈ Z7 e i2 = −1}. Este ´e o anel dos inteiros de Gauss m´odulo 7. Elementos s˜ao adicionados e multiplicados como em n´ umeros complexos, exceto que ´e m´odulo 7. Mostre que Z7 [i] ´e um corpo. √ Exemplo 2.4.7. Q[ 2] ´e um corpo . Prove isto.


´ CAP´ITULO 2. ANEIS

16

2.5

Caracter´ıstica de um anel

Note que para todo x ∈ Z7 [i] n´os temos 7x = ¯0. Similarmente no anel {¯0, ¯3, ¯6, ¯9} contido em Z12 n´os temos 4x = ¯0 para todo x. Esta observa¸ca˜o motiva a defini¸c˜ao seguinte. Defini¸c˜ ao 2.5.1 (caracter´ıstica de um anel). A caracter´ıstica de um anel A ´e o menor inteiro positivo n tal que nx = 0 para todo x ∈ A . Se tal elemento n n˜ao existe n´os dizemos que A tem caracter´ıstica 0. Not: car(A) Exemplo 2.5.2. Z tem caracter´ıstica zero e Zn tem caracter´ıstica n. Um anel infinito pode ter caracter´ıstica n˜ao nula. Por exemplo, o anel Z2 [x] de todos os polinˆomios com coeficientes em Z2 tem caracter´ıstica 2. Quando um anel tem unidade, o processo de achar a caracter´ıstica ´e simplificado; Teorema 2.5.3 (caracter´ıstica de um anel com unidade). Seja A um anel com unidade 1. Se n.1 = 0 e n ´e o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0 temos que a caracter´ıstica de A ´e n. Se n˜ ao existe n inteiro positivo tal que n.1 = 0 ent˜ao a caracter´ıstica de A ´e 0. Demonstra¸c˜ ao Suponha que n˜ao existe n inteiro positivo tal que n.1 = 0; pela defini¸ca˜o de caracter´ıstica deA, car(A) = 0. Se n ´e o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0 temos que nx = n(1x) = (n.1)x = 0 para todo x em A. Isto prova que car(A) = n Teorema 2.5.4 (caracter´ıstica de dom´ınio). A caracter´ıstica de um dom´ınio ´e 0 ou um n´ umero primo. Demostra¸c˜ ao Seja D um dom´ınio . Pelo teorema 2.5.3, como D possui unidade basta verificar a unidade. Se n˜ao existe n inteiro positivo tal que n.1 = 0, ent˜ao a caracter´ıstica de D ´e 0.Suponha agora que existe um inteiro positivo m tal que m.1 = 0 e seja n o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0. Queremos provar que n ´e primo. Suponha que n n˜ao ´e primo. Ent˜ao existem inteiros s, t tal que n = st com 1 < s, t < n. Assim 0 = n.1 = (st).1 = (s.1)(t.1) e como D ´e dom´ınio temos que s.1 = 0 ou t.1 = 0. Mas isto contraria o fato de n ser o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0. Logo n ´e primo.


2.6. EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 2

2.6

17

Exerc´ıcios do Cap´ıtulo 2

1. Ache o erro na prova seguinte de (−a)(−b) = ab sabendo que a e b s˜ao elementos de um anel R. (−a)(−b) = (−1)a(−1)b = (−1)(−1)ab = 1ab = ab 2. Ache todos os suban´eis de Z. 3. Mostre que se m e n s˜ao inteiros e a e b s˜ao elementos de um anel, ent˜ao (ma)(nb) = (mn)(ab). Observe que ma = a + a + ... + a, m vezes se m for positivo e ma = (−a) + (−a) + ... + (−a), −m vezes quando m for negativo. Observe que usamos isto no teorema 2.5.4. 4. Z6 ´e um subanel de Z12 ? 5. A unidade de um subanel tem de ser a mesma do anel todo? Se sim, prove! Sen˜ao , dˆe um exemplo. 6. Mostre que 2Z ∪ 3Z n˜ao ´e um subanel de Z. 7. Determine o menor subanel de Q que contem 1/2, isto ´e, um subanel X tal que se S for um subanel de Q que cont´em 1/2 ent˜ao S vai conter X. 8. Determine o menor subanel de Q que contem 2/3. 9. Suponha que exista um inteiro positivo par n tal que an = a para todo elemento a de um anel R. Mostre que −a = a para todo a em R. √ √ √ 10. Seja Z[ 2] = {a + b 2 | a, b ∈ Z}. Prove que Z[ 2] ´e um anel com as opera¸co˜es +, . usuais dos reais. 11. Ache um inteiro n que mostre que Zn n˜ao necessita ter as propriedades abaixo, as quais Z tem: (a) a2 = a ⇒ a = 0 ou a = 1 (b) ab = 0 ⇒ a = 0 ou b = 0 (c) ab = ac e a 6= 0 ⇒ b = c. Este inteiro n ´e primo? Mostre que as tres propriedades acima s˜ao v´alidas em Zn quando n for primo. 12. Prove que um anel comutativo com a propriedade de cancelamento (na multiplica¸ca˜o ) n˜ao tem divisores de zero. 13. Liste todos os divisores de zero de Z20 . Qual a rela¸ca˜o entre os divisores de zero de Z20 e as unidades de Z20 ? 14. Mostre que todo elemento n˜ao nulo de Zn ´e um unidade ou um divisor de zero. 15. Ache um elemento n˜ao nulo num anel que n˜ao ´e um divisor de zero nem uma unidade.


´ CAP´ITULO 2. ANEIS

18

16. Seja R um anel comutativo finito com unidade. Prove que todo elemento n˜ao nulo de R ou ´e um divisor de zero ou uma unidade. O que acontece se tirarmos a hip´otese finito de R? 17. Descreva todos os divisores de zero e unidades de Z × Q × Z. 18. Ache um divisor de zero em Z5 [i] = {a + bi | a, b ∈ Z5 , i2 = −1}. 19. Seja d um inteiro que n˜ao ´e um quadrado. √ positivo √ Prove que Q[ d] = {a + b d | a, b ∈ Q} ´e um corpo.

20. Seja S o conjunto das matrizes 2 × 2 com entradas em Z da forma

ab 00

.

(a) Mostre que S ´e um subanel de M2 (Z). (b) Mostre que S tem um elemento neutro multiplicativo a esquerda, mas nenhum a direita. (c) Mostre que S tem un n´ umero infinito de elementos neutros multiplicativos a esquerda. 21. Prove que se um anel tem um u ´nico elemento neutro multiplicativo a esquerda,ele tamb´em ´e um elemento neutro multiplicativo a direita e portanto ´e o elemento neutro multiplicativo do anel. 22. Ache o inverso multiplicativo de ¯2x2 + ¯2x + ¯3 ∈ Z4 [x] e o inverso multiplicativo de ¯4x3 + ¯6x2 + ¯2x + ¯5 ∈ Z8 [x]. Os exerc´ıcios abaixo est˜ao relacionados entre si. 23. Seja A um anel . Um elemento x de A ´e chamado de nilpotente se existir um inteiro positivo n tal que xn = 0. Dˆe exemplos de elementos nilpotentes. 24. Seja x um elemento nilpotente de um anel comutativo com unidade A. (a) Mostre que 1 + x ´e uma unidade de A. (b) Mostre que a soma de um nilpotente com uma unidade ´e uma unidade de A. 25. Seja A um anel comutativo com unidade, A[x] o anel dos polinˆomios com coeficientes em A e f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 ∈ A[x]. Prove que f (x) ´e uma unidade em A[x] ⇔ a0 ´e uma unidade em A e a1 , a2 , ..., an s˜ao nilpotentes. (Sug.: Se b0 + b1 x + ...bm xm ´e o inverso de f , prove por indu¸ca˜o que ar+1 n bm−r = 0. Portanto an ´e nilpotente e ent˜ao use o exerc´ıcio anterior). 26. Complete os exemplos 2.4.6 e 2.4.7 do texto.


Cap´ıtulo 3 Ideais e an´ eis quocientes Definiremos agora um subanel que nos permitir´a definir novos an´eis a partir dele.

3.1

Ideais

Defini¸ c˜ ao 3.1.1 (Ideal). Um subanel I de um anel A ´e chamado um ideal de A se para todo a ∈ A e todo x ∈ I, xa ∈ I e ax ∈ I . Assim, um subanel de um anel A ´e um ideal se ele absorve os elementos de A, isto ´e, aI ⊆ I e Ia ⊆ I para todo a em A. Um ideal I de A ´e pr´ oprio se I 6= A. Enunciaremos agora um teste para saber quando um subconjunto de A ´e um ideal de A. A sua demonstra¸ca˜o resulta direto do teste para saber se um subconjunto de A ´e um subanel e da defini¸ca˜o de ideal. Teorema 3.1.2 (Teste para saber se ´e ideal). Um subconjunto n˜ao vazio de um anel I ´e um ideal de A se: 1. a − b ∈ I, para todo a, b ∈ I 2. xa e ax est˜ao em I quando a ∈ A e x ∈ I . Exemplo 3.1.3. Para todo anel A, {0} e A s˜ao ideais de A. O ideal {0} ´e chamado de trivial. Exemplo 3.1.4. nZ com n ∈ Z ´e um ideal de Z. Como j´a provamos no exerc´ıcio 2 do cap´ıtulo 2 que os u ´nicos suban´eis de Z s˜ao os da forma nZ, estes tamb´em s˜ao os u ´nicos ideais de Z. Exemplo 3.1.5. Seja A um anel comutativo com unidade e x ∈ A. O conjunto < x >= {ax|a ∈ A} ´e um ideal de A chamado de ideal gerado por x Exemplo 3.1.6. Sejam R[x] = { f(x)| f(x) ´e um polinˆomio com coeficientes em R} e I = { f(x) ´ f´acil provar que I ´e um ideal de R[x] ∈ R[x]|f (0) = 0}. E Exemplo 3.1.7. Seja A = {f : R → R onde f ´e uma fun¸c˜ao } e S = { fun¸co˜es diferenci´aveis de R em R}. Prove que S n˜ao ´e um ideal de A. 19


´ QUOCIENTES CAP´ITULO 3. IDEAIS E ANEIS

20

3.2

An´ eis quocientes

Seja A um anel e I um ideal de A. Defina em A a rela¸ca˜o : x∼y ⇔ x−y ∈I ´ f´acil ver que ∼ ´e uma rela¸ca˜o de equivalˆencia: E 1. x ∼ x pois x − x = 0 ∈ I 2. se x ∼ y ent˜ao y ∼ x pois x − y ∈ I implica em y − x = −(x − y) ∈ I porque I ´e um ideal. 3. se x ∼ y e y ∼ z ent˜ao x ∼ z pois se x − y ∈ I e y − z ∈ I, somando temos que x − z ∈ I pela defini¸c˜ao de ideal. Assim, como toda rela¸ca˜o de equivalˆencia determina uma parti¸ca˜o temos que A vai ser a reuni˜ao disjunta das classes de equivalˆencia : [ A= [x] x∈A

onde [x] = {y ∈ A | y ∼ x} = {y ∈ A | y − x ∈ I} = {y ∈ A | y ∈ x + I} Usaremos as nota¸c˜oes x + I = [x] e A/I = {x + I | x ∈ A}. Queremos transformar A/I em um anel. Para isto vamos definir em A/I duas opera¸co˜es e depois provar que elas est˜ao bem definidas, pois como estamos trabalhando com classes, e portanto conjuntos , elas n˜ao poder˜ao depender do representante da classe. As opera¸co˜es v˜ao ser: (x1 + I) + (x2 + I) = (x1 + x2 ) + I e (x1 + I).(x2 + I) = (x1 .x2 ) + I Suponha que x1 + I = y1 + I e x2 + I = y2 + I. Ent˜ao x1 − y1 ∈ I e x2 − y2 ∈ I . Como I ´e um ideal (x1 − y1 ) + (x2 − y2 ) ∈ I ,ou seja, (x1 + x2 ) − (y1 + y2 ) ∈ I . Pela defini¸ca˜o da rela¸ca˜o de equivalˆencia isto indica que (x1 + x2 ) + I = (y1 + y2 ) + I e fica provado que a soma est´a bem definida. Para provar que o produto est´a bem definido,observe que x1 x2 − y1 y2 = x1 x2 − y1 x2 + y1 x2 − y1 y2 = (x1 − y1 )x2 + y1 (x2 − y2 ) Como I ´e um ideal, (x1 − y1 )x2 ∈ I e y1 (x2 − y2 ) ∈ I. Logo o produto fica bem definido . Exerc´ıcio 3.2.1. Prove que (A/I, +, .) ´e um anel com elemento neutro 0 + I e o inverso aditivo de x + I ´e −x + I.


´ QUOCIENTES 3.2. ANEIS

21

Exerc´ıcio 3.2.2. Prove que se A ´e um anel comutativo com unidade ent˜ao A/I tamb´em ´e um anel comutativo com unidade. Chamaremos A/I de anel quociente. Exemplo 3.2.3. Z/4Z = {0 + 4Z, 1 + 4Z, 2 + 4Z, 3 + 4Z}. Com efeito, todo n em Z ´e da forma n = 4q + r onde q ∈ Z e 0 ≤ r ≤ 3 pelo Algor´ıtmo de Euclides.Pela defini¸c˜ao da classe de equivalˆencia temos que n + 4Z = r + 4Z com r = 0, 1, 2, 3 Exemplo 3.2.4. 2Z/6Z = {0 + 6Z, 2 + 6Z, 4 + 6Z}. Observe que 6Z ´e um ideal de 2Z e que todo elemento da forma 2n ´e da forma 2(3q + r) quando aplicamos o Algor´ıtmo de Euclides para n e 3. Assim os elementos de 2Z/6Z v˜ao ser 0 + 6Z, 2 + 6Z e 4 + 6Z. Exemplo 3.2.5. Sejam A={ e

I={

a1 a2 a3 a4 a1 a2 a3 a4

tal que a1 , a2 , a3 , a4 ∈ Z} tal que a1 , a2 , a3 , a4 ∈ 2Z}

´ f´acil de provar que I ´e um ideal de A e que E a1 a2 A/I = { + I tal que ai ∈ {0, 1}}. a3 a4 Observe que A/I ´e um anel n˜ao comutativo com unidade com 16 elementos. Exemplo 3.2.6. Sejam R[x] = { f(x)| f(x) ´e um polinˆomio com coeficientes em R} e < x2 + 1 > o ideal gerado por x2 + 1. Ent˜ao R[x] = {ax + b+ < x2 + 1 > |a e b ∈ R} 2 <x +1> Para provar isto, tome f (x) ∈ R[x] e divida f (x) por x2 + 1 obtendo um quociente q(x) e um resto da forma ax + b em R[x]. Podemos escrever f (x) = q(x)(x2 + 1) + ax + b e ent˜ao a classe de f (x) m´odulo < x2 + 1 > vai ser ax + b+ < x2 + 1 >. Observe que (x+ < x2 + 1 >)2 = x2 + < x2 + 1 >= −1+ < x2 + 1 > e ent˜ao substituindo a classe x+ < x2 + 1 > por i teremos que R[x] = {ai + b | a, b ∈ R e i2 = −1} = C < x2 + 1 > . Vemos assim que an´eis quocientes nos permite a cria¸c˜ao de certos tipos especiais de an´eis.


22

3.3

´ QUOCIENTES CAP´ITULO 3. IDEAIS E ANEIS

Ideais primos e ideais maximais

Defini¸c˜ ao 3.3.1 (ideal primo). Um ideal pr´oprio I de um anel A ´e primo se quando x, y ∈ A e xy ∈ I ent˜ao x ∈ I ou y ∈ I. Exemplo 3.3.2 (ideais primos de Z). Os ideais primos n˜ao nulos de Z s˜ao os pZ onde p ´e um primo de Z. Para ver isto seja nZ um ideal de Z e suponha que nZ ´e um ideal primo. Se n n˜ao for primo existem a e b em Z tais que n = ab e 1 < a, b < n. Como por hip´otese estamos supondo que nZ ´e primo temos que a ou b pertencem a nZ. Suponha que a = kn com k ∈ Z. Temos ent˜ao que n = knb ou n(1 − kb) = 0, e como estamos no dom´ınio Z isto implica que n = 0 ou 1 − kb = 0, isto ´e, n = 0 ou b = 1. Como n 6= 0 e b 6= 1 concluimos que n tem que ser primo. Por outro lado suponha que p ´e primo e xy ∈ pZ. Logo p divide xy e pelo Algor´ıtmo de Euclides p divide x ou p divide y, isto ´e, x ∈ pZ ou y ∈ pZ e ent˜ao pZ ´e um ideal primo. Defini¸c˜ ao 3.3.3 (ideal maximal). Um ideal pr´oprio I de um anel A ´e maximal se quando existir um ideal B de A tal que I ⊆ B ⊆ A ent˜ao I = B ou B = A Exemplo 3.3.4. < x2 + 1 > ´ e um ideal maximal de R[x] Com efeito, suponha que exista um ideal B de R[x] tal que < x2 + 1 >⊂ B ⊂ R[x] e que < x2 + 1 >6= B. Ent˜ao existe um f em B tal que f 6∈< x2 + 1 > isto ´e, o resto da divis˜ao de f por x2 + 1 n˜ao ´e zero e podemos escrever f = q(x2 + 1) + ax + b para algum q ∈ R[x] e a, b em R onde a e b n˜ao s˜ao simultaneamente nulos. Isolando ax + b vemos que ax + b = f − q(x2 + 1) ∈ B e ent˜ao (ax + b)(ax − b) = a2 x2 − b2 = a2 (x2 + 1) − (a2 + b2 ) ∈ B 1 2 2 Como x2 + 1 ∈ B temos que a2 + b2 ∈ B. Observe que a2 + b2 6= 0 e ent˜ao a2 +b 2 .a + b = 1 ∈ B o 2 que implica que B = R[x]. Isto mostra que < x + 1 > ´e um ideal maximal de R[x].

Teorema 3.3.5 (A/I ´e dom´ınio ⇔ I ´e primo). Seja A um anel comutativo com unidade e I um ideal pr´oprio de A. Ent˜ao A/I ´e dom´ınio ⇔ I ´e primo. Demonstra¸c˜ ao Como A ´e comutativo com unidade temos que A/I ´e um anel comutativo com unidade. Sejam a, b ∈ A tal que ab ∈ I. Passando para classes teremos ab + I = (a + I)(b + I) = 0 + I Como A/I ´e um dom´ınio temos que a + I = 0 + I ou b + I = 0 + I , isto ´e, a ∈ I ou b ∈ I. Reciprocamente, suponha que I ´e primo e que (a + I)(b + I) = 0 + I, isto ´e, ab + I = 0 + I, ou seja ab ∈ I. Como I ´e um ideal primo de A temos que a ∈ I ou b ∈ I, o que significa em termos de classes que a + I = 0 + I ou b + I = 0 + I e que A/I n˜ao tem divisores de zero. Como A/I ´e comutativo com unidade porque A ´e, temos que A/I ´e dom´ınio. Teorema 3.3.6 (A/I ´e corpo ⇔ I ´e maximal). Seja A um anel comutativo com unidade e I um ideal de A. Ent˜ao A/I ´e corpo ⇔ I ´e maximal.


3.3. IDEAIS PRIMOS E IDEAIS MAXIMAIS

23

Demonstra¸c˜ ao Como A ´e comutativo com unidade temos que A/I ´e um anel comutativo com unidade. Suponha que exista um ideal B de A tal que I ⊆ B ⊆ A e que I 6= B. Ent˜ao existe um x ∈ B e x 6∈ I. Em termos de classe temos que x + I 6= 0 + I e como A/I ´e um corpo existe y + I ∈ A/I tal que xy + I = 1 + I, isto ´e, xy − 1 ∈ I. Como x ∈ B temos que xy ∈ B e portanto, 1 ∈ B e B = A. Reciprocamente suponha que I ´e maximal e vamos mostrar que A/I ´e um corpo. Para isto tome x + I 6= 0 + I em A/I . Isto significa que x 6∈ I e temos ent˜ao a cadeia de ideais I ⊂ I+ < x >⊂ A. Como I ´e maximal temos que I+ < x >= A. Assim existe y ∈ I e a ∈ A tal que 1 = y + ax ou 1 − ax ∈ I. Em termos de classe significa que (a + I)(x + I) = 1 + I isto ´e, x + I ´e invert´ıvel e A/I ´e um corpo.


´ QUOCIENTES CAP´ITULO 3. IDEAIS E ANEIS

24

3.4

Exerc´ıcios do Cap´ıtulo 3

1. Sejam x e y elementos de um dom´ınio de caracter´ıstica p. (a) Mostre que (x + y)p = xp + y p n

n

n

(b) Mostre que para todo inteiro positivo n, (x + y)p = xp + y p . (c) Ache um anel de caracter´ıstica 4 tal que (x + y)4 6= x4 + y 4 2. Se I e J s˜ao dois ideais de um anel A, mostre que a soma de ideais definida por I + J = {x + y|x ∈ I e y ∈ J} ´e um ideal de A. 3. No anel dos inteiros, ache um inteiro positivo a tal que (a) < a >=< 2 > + < 3 > (b) < a >=< 6 > + < 3 > (c) < a >=< m > + < n > 4. Se I e J s˜ao dois ideais de um anel A, mostre que o produto de ideais definido por I.J = {a1 b1 + a2 b2 + ... + an bn |ai ∈ I e bi ∈ J e n ´e um inteiro positivo } ´e um ideal de A. 5. No anel dos inteiros, ache um inteiro positivo a tal que (a) < a >=< 3 > . < 4 > (b) < a >=< 6 > . < 8 > (c) < a >=< m > . < n > 6. Sejam I e J ideais de um anel A. Prove que IJ ⊆ I ∩ J 7. Se I e J s˜ao ideais de um anel comutativo com unidade A e I + J = A mostre ent˜ao que IJ = I ∩ J 8. Se um ideal I de um anel A cont´em uma unidade, mostre que A = I. 9. Prove que o ideal < x2 + 1 > ´e primo em Z[x], mas n˜ao ´e maximal. Sug.: use um fato que veremos no cap´ıtulo 5 que Z[x] possui algoritmo da divis˜ao para polinˆomios cujo coeficiente l´ıder ´e 1 ou −1. Ver exerc´ıcio 15 do Cap.5 . 10. Se A ´e um anel comutativo com unidade e I ´e um ideal de A, mostre que A/I ´e um anel comutativo com unidade. 11. Prove que R[x]/ < x2 + 1 > ´e um corpo. 12. Seja A um anel comutativo com unidade. Mostre que todo ideal maximal ´e primo. 13. Mostre que I = {(3x, y)|x, y ∈ Z} ´e um ideal maximal de Z × Z. 14. Seja A o anel das fun¸co˜es cont´ınuas de R em R. Mostre que I = {f ∈ A|f (0) = 0} ´e um ideal maximal de A.


3.4. EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 3

25

15. Quantos elementos tem Z[i]/ < 3 + i > ? Dˆe raz˜oes para sua resposta. 16. Em Z[x], o anel dos polinˆomios com coeficientes inteiros, seja I = {f ∈ Z[x]|f (0) = 0}. Prove que I n˜ao ´e um ideal maximal de Z[x] 17. Prove que I =< 2 + 2i > n˜ao ´e um ideal primo de Z[i]. Quantos elementos tem Z[i]/I ? Qual ´e a caracter´ıstica de Z[i]/I. 18. Em Z5 [x], seja I =< x2 + x + 1 >. Ache o inverso multiplicativo de 2x + 3 + I em Z5 [x]/I. 19. Mostre que Z2 [x]/ < x2 + x + 1 > ´e um corpo. 20. Mostre que Z3 [x]/ < x2 + x + 1 > n˜ao ´e um corpo. 21. Ache todos os ideais maximais de Z. 22. Se D ´e um dom´ınio de ideais principais, isto ´e, dom´ınio onde todo ideal ´e da forma < a > para algum a em D, prove que D/I ´e um anel de ideais principais onde I ´e um ideal de D. 23. Mostre que todo ideal n˜ao nulo de Zn ´e da forma < d¯ > onde d ´e um divisor de n. 24. Ache todos os ideais maximais de (a) Z8 (b) Z10 (c) Z12 (d) Zn


Cap´ıtulo 4 Homomorfismos de an´ eis 4.1

Defini¸c˜ ao e exemplos

Podemos descobrir informa¸c˜oes sobre um anel examinando sua intera¸ca˜o com outros an´eis. Fazemos isto atrav´es dos homomorfismos . Um homomorfismo ´e uma aplica¸ca˜o que preserva as opera¸c˜oes soma e produto dos an´eis. Defini¸c˜ ao 4.1.1 (Homomorfismo e isomorfismo de an´eis). Um homomorfismo φ de um anel R em um anel S ´e uma aplica¸c˜ao de R em S a qual preserva as opera¸c˜oes de um anel, isto ´e, φ(a + b) = φ(a) + φ(b) φ(ab) = φ(a).φ(b) para todo a e b em R. Um homomorfismo de an´eis o qual ´e injetivo e sobrejetivo ´e chamado um isomorfismo de an´ eis. Neste caso dizemos que R e S s˜ao isomorfos. Observe que na defini¸c˜ao acima as opera¸co˜es a` esquerda do sinal de igual s˜ao as de R, enquanto as da direita s˜ao de S. Quando temos um isomorfismo φ : R → S isto significa que R e S s˜ao algebricamente idˆenticos . Exemplo 4.1.2. Para todo inteiro n a aplica¸ca˜o k 7−→ k mod n ´e um homomorfismo de Z em Zn . Com efeito (a + b) mod n = a mod n + b mod n (a.b) mod n = a mod n.b mod n Este homomorfismo ´e chamado homomorfismo canˆ onico. Observe que toda classe k mod n ´e imagem do inteiro k e assim o homomorfismo canˆonico ´e sobrejetivo. Exemplo 4.1.3. Em geral se I ´em ideal de um anel R a aplica¸ca˜o que associa a cada elemento r de R a sua classe r + I ´e um homomorfismo de an´eis chamado homomorfismo canˆonico . 26


˜ E EXEMPLOS 4.1. DEFINIC ¸ AO

27

Exemplo 4.1.4. Seja φ : R[x] → R que associa f (x) 7−→ f (1). Ent˜ao φ ´e um homomorfismo sobrejetivo pois φ(f + g) = (f + g)(1) = f (1) + g(1) = φ(f ) + φ(g) φ(f.g) = (f.g)(1) = f (1).g(1) = φ(f ).φ(g) Para todo a ∈ R, a = f (1) onde f (x) = a ∈ R[x].Isto mostra que φ ´e sobrejetivo. Exemplo 4.1.5. A aplica¸c˜ao a + bi 7−→ a − bi ´e um isomorfismo de C em C. Prove isto. Exemplo 4.1.6. A aplica¸ca˜o φ : x 7−→ 4x de Z3 → Z12 ´e um homomorfismo . Temos primeiro que verificar que esta aplica¸c˜ao est´a bem definida pois estamos trabalhando com classes e portanto tem que independer do representante da classe. Suponha ent˜ao que em Z3 as classes a ¯ = ¯b. Assim a − b = 3k para algum k em Z. Multiplicando esta express˜ao por 4 temos 4a − 4b = 12k. Isto mostra que as classes 4a = 4b em Z12 e assim temos que φ(¯ a) = φ(¯b) e φ est´a bem definida. Vamos agora provar que φ ´e um homomorfismo. Pela defini¸ca˜o de φ , a) + φ(¯b) φ(¯ a + ¯b) = φ(a + b) = 4(a + b) = 4a + 4b = φ(¯ φ(¯ a.¯b) = φ(a.b) = 4a.b Por outro lado em Z12 , φ(¯ a).φ(¯b) = 4a.4b = 16ab = 4ab. Logo φ ´e um homomorfismo. Exemplo 4.1.7. A aplica¸ca˜o φ : Z5 → Z10 que leva x¯ 7−→ 5x n˜ao est´a bem definida pois ¯1 = ¯6 em Z5 mas φ(¯1) = 5 6= 30 = φ(¯6) em Z10 . Exemplo 4.1.8. Podemos usar homomorfismos para concluir fatos sˆobre teoria de n´ umeros. Por exemplo, para provar que a sequencia 2, 10, 18, 26, ... n˜ao cont´em nenhum cubo , suponha que um elemento da forma 8k + 2 com k ∈ Z seja um cubo a3 . Aplicando o homomorfismo canˆonico φ : Z 7−→ Z8 teremos que ¯2 = φ(8k + 2) = φ(a)3 . Mas ´e f´acil verificar que em Z8 n˜ao existe nenhum elemento cujo cubo dˆe ¯2. Assim, a sequencia acima n˜ao tem nenhum cubo. Exemplo 4.1.9 (Teste de divisibilidade por 9). Um inteiro n cuja representa¸ca˜o decimal ´e ak ak−1 ...a0 ´e divis´ıvel por 9 se e somente se ak + ak−1 + ... + a0 for divis´ıvel por 9. Para provar isto, observe que n = ak 10k + ak−1 10k−1 + ... + a0 100 e seja φ : Z 7−→ Z9 o homo canˆonico. Assim 9|n ⇔ φ(n) = ¯0. Como φ(10) = ¯1 teremos: φ(n) = φ(ak 10k + ak−1 10k−1 + ... + a0 100 ) = ak ¯1k + ak−1 ¯1k−1 + ... + a0 ¯10 = ak + ak−1 + ... + a0 = ak + ak−1 + ...a0 Assim 9|n se e somente se ak + ak−1 + ...a0 = ¯0, isto ´e, 9|(ak + ak−1 + ... + a0 )


´ CAP´ITULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANEIS

28

4.2

Propriedades dos homomorfismos

Aqui vamos aprender a trabalhar com homomorfismos. Teorema 4.2.1 (Propriedades dos homomorfismos de an´eis). Seja φ um homomorfismo de um anel R em um anel S. Ent˜ao: 1. φ(0) = 0 2. φ(−r) = −φ(r) para todo r em R. 3. Para todo r em R e todo inteiro positivo n, φ(nr) = nφ(r) e φ(rn ) = φ(r)n . 4. Se A ´e um subanel de R ent˜ao φ(A) ´e um subanel de S. 5. Se I ´e um ideal de R e φ ´e sobrejetivo ent˜ao φ(I) ´e um ideal de S. 6. Se J ´e um ideal de S ent˜ao φ−1 (J) ´e um ideal de R. 7. Se R ´e comutativo ent˜ao φ(R) ´e comutativo. 8. Se R tem unidade 1 e φ ´e sobrejetivo ent˜ao φ(1) ´e a unidade de S se S for n˜ao nulo. 9. φ ´e um isomorfismo se e somente se φ ´e sobrejetivo e kerφ = {r ∈ R|φ(r) = 0} = {0}. 10. Se φ ´e um isomorfismo de R sobre S ent˜ao φ−1 ´e um isomorfismo de S sobre R. Demonstra¸c˜ ao 1. Aplicando φ a` express˜ao 0 + 0 = 0 teremos φ(0 + 0) = φ(0) e assim φ(0) + φ(0) = φ(0), isto ´e, 2φ(0) − φ(0) = 0 e finalmente φ(0) = 0. 2. Aplicando φ a` expess˜ao r + (−r) = 0 teremos que φ(r) + φ(−r) = φ(0) = 0. Somando de ambos os lados −φ(r) temos φ(−r) = −φ(r) como quer´ıamos provar. 3. φ(nr) = φ(r+r+r+...r) = nφ(r) e φ(rn ) = φ(rr...r) = φ(r)n pela defini¸ca˜o de homomorfismo. 4. Sejam x, y ∈ φ(A). Ent˜ao x = φ(a1 ) e y = φ(a2 ) onde a1 e a2 est˜ao em A. Pelo teste, basta provar que x − y ∈ φ(A) e xy ∈ φ(A). Mas x − y = φ(a1 ) − φ(a2 ) = φ(a1 − a2 ) ∈ φ(A) pois A ´e um subanel. Pelo mesmo motivo xy = φ(a1 )φ(a2 ) = φ(a1 a2 ) ∈ φ(A). 5. Como I ´e um subanel pelo item anterior φ(I) j´a ´e um subanel de S. S´o falta provar que S.φ(I) ⊂ φ(I). Como φ ´e sobre, todo s em S ´e da forma s = φ(r) para algum r em R. Assim, sφ(a) = φ(r).φ(a) = φ(ra) ∈ φ(I) para todo a ∈ I. 6. Aplicando o teste para saber se ´e um ideal, sejam x, y ∈ φ−1 (J). Existem ent˜ao j1 e j2 em J tais que φ(x) = j1 e φ(y) = j2 . Como φ(x − y) = φ(x) − φ(y) = j1 − j2 ∈ J temos que x − y ∈ φ−1 (J). Tamb´em, para todo r ∈ R e x ∈ φ−1 (J) temos φ(rx) = φ(r)φ(x) ∈ J o que mostra que rx ∈ φ−1 (J) 7. Basta observar que φ(r1 )φ(r2 ) = φ(r1 r2 ) = φ(r2 r1 ) = φ(r2 )φ(r1 ) para todo r1 e r2 em R.


4.3. O TEOREMA FUNDAMENTAL DOS HOMOMORFISMOS

29

8. Para todo s ∈ S, s = φ(r) para algum r em R porque φ ´e sobre. Assim sφ(1) = φ(r)φ(1) = φ(r1) = φ(r) = s. Analogamente φ(1)s = s. 9. Se φ ´e isomorfismo ent˜ao φ ´e sobre e injetiva, isto ´e, se φ(r1 ) = φ(r2 ) ent˜ao r1 = r2 . Se r ∈ kerφ ent˜ao φ(r) = φ(0) = 0 e portanto r = 0. Assim ker φ = {0}. Reciprocamente suponha que φ ´e sobre e ker φ = {0}. Vamos provar que φ ´e injetiva. Para isto suponha que φ(r1 ) = φ(r2 ). Ent˜ao φ(r1 − r2 ) = 0 o que mostra que r1 − r2 = 0 porque ker φ = {0}. Assim φ ´e injetivo e sobre e portanto um isomorfismo. 10. Temos de provar que φ−1 (s1 + s2 ) = φ−1 (s1 ) + φ−1 (s2 ) e φ−1 (s1 .s2 ) = φ−1 (s1 ).φ−1 s2 . Suponha que φ−1 (s1 ) = r1 e φ−1 (s2 ) = r2 . Logo φ(r1 ) = s1 , φ(r2 ) = s2 e φ(r1 + r2 ) = φ(r1 ) + φ(r2 ) = s1 + s2 . Isto mostra que φ−1 (s1 + s2 ) = r1 + r2 = φ−1 (s1 ) + φ−1 (s2 ). Analogamente φ−1 (s1 .s2 ) = φ−1 (s1 ).φ−1 s2 . Teorema 4.2.2. Seja φ um homomorfismo de um anel R no anel S. Ent˜ao o conjunto kerφ = {r ∈ R | φ(r) = 0} ´e um ideal de R. Demonstra¸c˜ ao Exerc´ıcio.

4.3

O teorema fundamental dos homomorfismos

Teorema 4.3.1 (Teorema fundamental dos homomorfismos (TFH)). Seja φ um homomorfismo de R R .Em s´ımbolos, φ(R) ≈ kerφ um anel R no anel S. Ent˜ao φ(R) ´e isomorfo ao anel quociente kerφ Demonstra¸c˜ ao Defina a aplica¸c˜ao ψ:

R kerφ

→ φ(R) r + kerφ 7−→ φ(r)

Temos que mostrar que ψ ´e um isomorfismo. Em primeiro lugar vamos provar que ψ est´a bem definida, isto ´e, que independe da escolha da classe. Suponha que r1 + kerφ = r2 + kerφ. Ent˜ao r1 − r2 ∈ kerφ, isto ´e φ(r1 ) = φ(r2 ) e ψ(r1 + kerφ) = ψ(r2 + kerφ) e ψ est´a bem definida. ψ ´e um homomorfismo pois ψ(r1 +kerφ+r2 +kerφ) = ψ(r1 +r2 +kerφ) = φ(r1 +r2 ) = φ(r1 )+φ(r2 ) = ψ(r1 +kerφ)+ψ(r2 +kerφ) ψ((r1 + kerφ).(r2 + kerφ)) = ψ(r1 .r2 + kerφ) = φ(r1 .r2 ) = φ(r1 ).φ(r2 ) = ψ(r1 + kerφ).ψ(r2 + kerφ) ψ ´e injetiva pois kerψ = {r + kerφ ∈ ´ f´acil ver que ψ ´e sobre. E

R |φ(r) kerφ

= 0} = {0 + kerφ}.

Exemplo 4.3.2. Queremos mostrar que <xR[x] e isomorfo a C. Utilizando o teorema fundamental 2 +1> ´ dos homomorfismos basta criar um homo φ sobre entre R[x] e C tal que kerφ seja igual a < x2 + 1 >. Defina φ : R[x] → C f (x) 7−→ f (i)


´ CAP´ITULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANEIS

30

´ f´acil ver que φ ´e um homo sobre e que < x2 + 1 >⊂ kerφ. E Seja agora f (x) ∈ kerφ. Dividindo f (x) por x2 + 1 temos que existem q(x) ∈ R[x] e a, b ∈ R tais que f (x) = (x2 + 1)q(x) + ax + b. Queremos provar que a e b s˜ao nulos. Como f (x) ∈ kerφ , aplicando φ na express˜ao acima temos que ai + b = 0. Logo a = b = 0 e f (x) ∈< x2 + 1 >. Assim kerφ =< x2 + 1 > e pelo TFH, C ≈ <xR[x] 2 +1> . Todo anel com unidade de caracter´ıstica 0 possui uma c´opia de Z e todo anel com unidade de ´ o que veremos a seguir. caracter´ıstica n tem uma c´opia de Zn . E Teorema 4.3.3 (Homomorfismo de Z em an´eis com unidade). Seja R um anel com unidade 1. A aplica¸c˜ao φ: Z → R n 7−→ n.1 ´e um homomorfismo de an´eis. Demonstra¸c˜ ao φ(n + m) = (n + m).1 = n.1 + m.1 = φ(n) + φ(m) e φ(nm) = (nm).1 = (n.1)(m.1) = φ(n)φ(m) como j´a provamos no Cap.2. Corol´ ario 4.3.4 (Um anel com unidade cont´em Z ou Zn ). Se R ´e um anel com unidade de caracter´ıstica n ent˜ao R cont´em um subanel isomorfo a Zn .Se R ´e um anel com unidade de caracter´ıstica 0 ent˜ao R cont´em um subanel isomorfo a Z. Demonstra¸c˜ ao Vimos que a aplica¸ca˜o φ: Z → R m 7−→ m.1 ´e um homomorfismo de an´eis. Se a caracter´ıstica de R for n ent˜ao kerφ = {m ∈ Z|m.1 = 0} = nZ. (Prove isto!). Ent˜ao pelo TFH, φ(Z) ≈ Z/nZ = Zn e φ(Z) ´e o subanel de R procurado. Se a caracter´ıstica de R for 0 ent˜ao kerφ = {m ∈ Z|m.1 = 0} = {0}. Ent˜ao pelo TFH, φ(Z) ≈ Z/{0} = Z, Como φ(Z) ´e um subanel de R, este ´e o subanel procurado. Corol´ ario 4.3.5 (Um corpo cont´em Zp ou Q). Se F ´e um corpo de caracter´ıstica p ent˜ ao F cont´em um subcorpo isomorfo a Zp . Se F ´e um corpo de caracter´ıstica 0 ent˜ao F cont´em um subcorpo isomorfo a Q. Demonstra¸c˜ ao Como todo corpo ´e um dom´ınio , ele tem unidade e sua caracter´ıstica ou ´e 0 ou um n´ umero primo p. Se caracter´ıstica de F for p ent˜ao pelo corol´ario anterior F vai ter um subanel isomorfo a Zp , o qual vai ser um subcorpo de F . Se caracter´ıstica de F for 0 ent˜ao F vai ter um subanel S isomorfo a Z. Como F ´e um corpo F vai conter todos os inversos de S. Considerando o conjunto T = {ab−1 |a, b ∈ S e b 6= 0} temos que T ⊂ F e T ´e isomorfo a Q(prove isto !).


˜ 4.4. O CORPO DE FRAC ¸ OES DE UM DOM´INIO

4.4

31

O corpo de fra¸c˜ oes de um dom´ınio

Note que Q ´e constitu´ıdo das fra¸co˜es de Z. Podemos repetir esta constru¸c˜ao a todos os dom´ınios . Teorema 4.4.1. Seja D um dom´ınio. Ent˜ao existe um corpo F (chamado corpo das fra¸co ˜es ou corpo quociente de D) que contem um subanel isomorfo a D. Demonstra¸c˜ ao Repetiremos a constru¸c˜ao de Q. Seja S = {(a, b)|a, b ∈ D e b 6= 0}. Em S definimos a rela¸c˜ao de equivalˆencia (a, b) ∼ = (c, d) ⇔ ad = bc Denotamos por [(a,b)] a classe de equivalˆencia de (a, b) e F := {[(a, b)]|(a, b) ∈ S}. Em F definimos uma soma e um produto: [(a, b)] + [(c, d)] = [(ad + bc, bd)] [(a, b)].[(c, d)] = [(ac, bd)] ´ trabalhoso, mas f´acil, provar que estas opera¸c˜oes est˜ao bem definidas e que (F, +, .) ´e um E anel.Observe que o elemento neutro da soma ´e [(0,1)] e o da multiplica¸ca˜o ´e [(1,1)]. O inverso de um elemento [(a, b)] 6= 0 ´e [(b,a)]. Usando a nota¸ca˜o ab = [(a, b)] podemos trabalhar com F do mesmo modo que trabalhamos com Q. Finalmente vamos mostrar que F contem um subanel isomorfo a D. Basta considerar a aplica¸ca˜o φ: D → F d 7−→ d1 e mostrar que φ ´e um homomorfismo injetivo . Isto ´e deixado para o leitor assim como todos os detalhes dessa demonstra¸c˜ao . (x) Exemplo 4.4.2. O corpo de fra¸c˜oes do dom´ınio Z[x] ´e { fg(x) |g(x) 6= 0}. Este corpo ´e chamado de conjunto das fun¸co˜es racionais e denotado por Z(x)


´ CAP´ITULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANEIS

32

4.5

Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 4

1. Mostre que a correspondencia x 7−→ 5x de Z5 para Z10 n˜ao est´a bem definida. 2. Mostre que a correspondencia x 7−→ 3x de Z4 para Z12 est´a bem definida e preserva a adi¸ca˜o mas n˜ao a multiplica¸ca˜o . 3. Crie um crit´erio de divisibilidade por 4. 4. O anel 2Z ´e isomorfo a 3Z? O anel 2Z ´e isomorfo a 4Z? 5. Seja Z3 [i] = {a + bi|a, b ∈ Z3 }. Mostre que Z3 [i] ´e isomorfo a

Z3 [x] <x2 +1>

como corpos.

6. Seja a b S={ |a, b ∈ R}. −b a a b Mostre que φ : C → S dada por φ(a + bi) = ´e um isomorfismo de an´eis. −b a √ √ a 2b |a, b ∈ Z}. 7. Seja Z[ 2] = {a + b 2k a, b ∈ Z} e H = { b a √ Mostre que Z[ 2] e H s˜ao isomorfos como an´eis. a b 8. Considere a aplica¸ca˜o de M2 (Z) em Z dada por 7−→ a. Esta aplica¸ca˜o ´e um homoc d morfismo de an´eis? 9. A aplica¸c˜ao de Z5 em Z30 dada por x 7−→ 6x ´e um homomorfismo de an´eis? Note que a imagem da unidade ´e a unidade da imagem mas n˜ao a unidade de Z30 10. A aplica¸ca˜o x 7−→ 2x de Z10 em Z10 ´e um homomorfismo de an´eis? 11. Ache o kernel do homomorfismo φ : R[x] → R dado por φ(f (x)) = f (1). 12. Ache todos os homomorfismos de Z em Z 13. Ache todos os homomorfismos de Q em Q 14. Prove que a sequencia 3, 7, 11, 15, ... n˜ao tem nenhuma soma de dois quadrados. 15. Prove que a soma dos quadrados de tres inteiros consecutivos n˜ao pode ser um quadrado. 16. Seja n um inteiro positivo obtido rearranjando os d´ıgitos de m de algum jeito (por exemplo, 4567 ´e um rearranjamento de 6754). Mostre que m − n ´e divis´ıvel por 9. 17. Sejam R e S an´eis comutativos com unidade. Se φ ´e um homomorfismo de R sobre S e a caracter´ıstica de R ´e n˜ao nula, prove que a caracter´ıstica de S divide a caracter´ıstica de R.


4.5. LISTA DE EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 4

33

18. Se R ´e um anel comutativo de caracter´ıstica p, p primo, mostre que a aplica¸c˜ao de Frobenius x 7−→ xp ´e um homomorfismo de R em R. 19. Seja φ um homomorfismo de um anel comutativo R com unidade sobre S e A um ideal de S. (a) Se A ´e primo em S ent˜ao φ−1 (A) ´e um ideal primo de R. (b) Se A ´e maximal em S ent˜ao φ−1 (A) ´e um ideal maximal de R. 20. Prove que a imagem por homomorfismo de um anel de ideais principais ´e um anel de ideais principais. Prove que Zn ´e um anel de ideais principais e que todo anel quociente de um anel de ideais principais ´e um anel de ideais principais. 21. Prove que se m e n s˜ao inteiros positivos distintos ent˜ao os an´eis nZ e mZ n˜ao s˜ao isomorfos. 22. R e C s˜ao isomorfos como an´eis? 23. Determine todos os homomorfismos de R em R. √ √ 24. Mostre que Q[ 2] e Q[ 3] n˜ao s˜ao isomorfos. 25. Mostre que o corpo quociente de Z[i] ´e isomorfo a Q[i]. 5

26. Mostre que o n´ umero de Fermat 22 + 1 n˜ao ´e primo. Para isto, observe que 641 sendo primo implica que Z/641Z ´e um corpo. Observe tamb´em que 641 = 24 + 54 e 641 = 27 .5 + 1. Da segunda igualdade, tire a express˜ao 5 de 5 mod 641, substitua na primeira e veja que 641 divide 22 + 1. 27. Seja D um dom´ınio e F seu corpo quociente. Mostre que se E ´e um corpo que cont´em D ent˜ao E cont´em um subcorpo isomorfo a F (assim o corpo quociente de um dom´ınio D ´e o menor corpo que cont´em D). 28. Seja A um anel e I um ideal de A. Mostre que existe uma correspondˆencia biun´ıvoca entre os ideais de A que contˆem I e os ideais do anel quociente A/I. 29. Ache todos os ideais de Z36 . 30. Ache todos os ideais de Zn . Quantos existem ? 31. Mostre que

Z5 [x] <x2 +x+1>

´e isomorfo a

Z5 [x] <x2 +x+2>

como corpos.


Cap´ıtulo 5 An´ eis de Polinˆ omios Trabalharemos com an´eis de polinˆomios do mesmo jeito que vocˆes aprenderam no segundo grau. S´o tem que agora estamos preocupados com a sua estrutura de anel .Veremos que mudando o anel onde os coeficientes pertencem teremos an´eis de estruturas diferentes.

5.1

Defini¸c˜ ao e exemplos

Defini¸c˜ ao 5.1.1. Seja R um anel comutativo. O conjunto dos s´ımbolos formais R[x] = {an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 | ai ∈ R, n ∈ N} ´e chamado o anel de polinˆ omios sˆ obre R na indeterminada x . Dois polinˆomios an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 e bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0 s˜ao considerados iguais se e somente se ai = bi para todo i ∈ N (defina ai = 0 quando i > n e bi = 0 quando i > m) Nesta defini¸ca˜o , os s´ımbolos x1 , x2 , ..., xn n˜ao representam vari´aveis do anel R. Sua finalidade ´e servir como lugares convenientes para separar os elementos do anel R ; a1 , a2 , ..., an . N´os poder´ıamos ter evitado os x, s definindo um polinˆomio como uma sequencia infinita a0 , a1 , a2 , ..., an , 0, 0, ... mas nosso m´etodo tem a vantagem da experiencia de x como vari´avel. A desvantagem do nosso m´etodo ´e a confus˜ao que se pode fazer entre polinˆomio e a fun¸ca˜o que ele pode representar. Por exemplo, em Z3 [x] os polinˆomios f (x) = x4 + x e g(x) = x2 + x representam a mesma fun¸ca˜o de Z3 em Z3 pois f (a) = g(a) para todo a ∈ Z3 , mas f (x) e g(x) s˜ao elementos diferentes de Z3 [x]. Para fazer R[x] um anel definimos a adi¸c˜ao e multiplica¸ca˜o de modo usual. 34


˜ E EXEMPLOS 5.1. DEFINIC ¸ AO

35

Defini¸ c˜ ao 5.1.2 (soma e multiplica¸ca˜o de polinˆomios ). Sejam R um anel comutativo e f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 g(x) = bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0 polinˆomios pertencentes a R[x]. Ent˜ao f (x) + g(x) = (as + bs )xs + (as−1 + bs−1 )xs−1 + ... + (a0 + b0 ) onde ai = 0 para todo i > s e bi = 0 se i > m. Tamb´em f (x)g(x) = cm+n xm+n + cm+n−1 xm+n−1 + ... + c0 onde ck = ak b0 + ak−1 b1 + ... + a1 bk−1 + a0 bk para k = 0, ..., m + n. A defini¸ca˜o da multiplica¸c˜ao parece confusa mas n˜ao ´e. Ela ´e a formaliza¸c˜ao do processo familiar da distributividade e colecionando termos iguais. Exemplo 5.1.3. Sejam f (x) = x3 + 2x + 1 e g(x) = 2x2 + 2 ∈ Z3 [x]. f (x) + g(x) = x3 + 2x2 + 2x + 0 f (x)g(x) = (x3 + 2x + 1)(2x2 + 2) = 2x5 + 2x3 + x3 + x + 2x2 + 2 = 2x5 + 2x2 + x + 2 Nossa defini¸ca˜o de soma e produto de polin˜omios foram formuladas de tal forma que R[x] ´e um anel comutativo . Prove isto! Vamos agora introduzir alguma terminologia para polinˆomios. Se f (x) = an xn + ... + an−1 xn−1 + ... + a1 x1 + a0 onde an 6= 0, n´os dizemos que f(x) tem grau n ; o termo an ´e chamado de coeficiente l´ıder de f(x); se o coeficiente l´ıder de f(x) for a unidade do anel dizemos que f ´e mˆ onico. N˜ao definimos grau para o polinˆomio nulo f (x) = 0 . Polinˆomios do tipo f (x) = a0 s˜ao chamados de polinˆ omios constantes. N´os geralmente escrevemos grf = n para indicar que grau de f ´e n. Muitas propriedades de R s˜ao levadas para R[x]. Nosso primeiro teorema mostra um exemplo: Teorema 5.1.4. Se D ´e um dom´ınio ent˜ao D[x] ´e um dom´ınio. Demonstra¸c˜ ao Como n´os j´a sabemos que D[x] ´e um anel, o que precisamos provar ´e que D[x] ´e comutativo com unidade sem divisores de zero. Claramente D[x] ´e comutativo porque D o ´e. Se 1 for a unidade de D ent˜ao ´e f´acil ver que f (x) = 1 ´e a unidade de D[x]. Finalmente suponha que f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 e g(x) = bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0 onde an 6= 0 e bm 6= 0 . Ent˜ao pela defini¸c˜ao do produto, f (x)g(x) tem coeficiente l´ıder an bm 6= 0 porque D ´e dom´ınio. Logo f (x)g(x) 6= 0 e D[x] ´e um dom´ınio.


´ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 5. ANEIS

36

Exemplo 5.1.5. Como todo corpo K ´e um dom´ınio ent˜ao K[x] ´e um dom´ınio . Tamb´em K[x, y] := K[x][y] ´em dom´ınio.

5.2

O Algoritmo da divis˜ ao e conseq¨ uˆ encias

Uma das propriedades dos inteiros que usamos repetidas vˆezes ´e o algoritmo da divis˜ao: se a e b s˜ao inteiros e b 6= 0, ent˜ao existem inteiros u ´nicos q e r tais que a = bq + r onde 0 ≤ r < |b|. O teorema a seguir ´e um an´alogo para os polinˆomios sobre um corpo. Teorema 5.2.1 (algoritmo da divis˜ao para polinˆomios). Sejam F um corpo, f (x) e g(x) ∈ F [x] com g(x) 6= 0. Ent˜ao existem polinˆomios q(x) e r(x) em F [x] tais que f (x) = g(x)q(x) + r(x) com r(x) = 0 ou gr r(x) < gr g(x). Tais q(x) e r(x) s˜ao u ´nicos . Demonstra¸c˜ ao Existencia de q(x) e r(x): Se f (x) = 0 ou gr f < gr g n´os colocamos q(x) = 0 e r(x) = f (x). Ent˜ao vamos assumir que n = grf ≥ grg = m. Sejam f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 e g(x) = bm xm + bm−1 xm−1 + ... + b0 . Usaremos o 2o P IM no grau de f . Se grf = 0, f e g s˜ao constantes em F , tome q(x) = f /g e r(x) = 0. Vamos supor agora que grf > 0 e colocamos f1 = f (x) − an bm −1 xn−m g(x). Ent˜ao f1 = 0 ou grf1 < grf . Pela nossa hip´otese de indu¸ca˜o existem q1 (x) e r1 (x) em F [x] tais que f1 = g(x)q1 (x) + r1 (x) onde r1 = 0 ou gr r1 < gr g. Assim f (x) = an bm −1 xn−m g(x) + f1 (x) = an bm −1 xn−m g(x) + q1 (x)g(x) + r1 (x) = [an bm −1 xn−m + q1 (x)]g(x) + r1 (x). e esta parte do teorema est´a provada. Unicidade: Suponhamos f (x) = q0 (x)g(x) + r0 (x) = g(x)q1 (x) + r1 (x) onde ri = 0 ou gr ri < gr g, i = 1, 2. Subtraindo as duas equa¸co˜es temos que 0 = g(x)(q0 (x) − q1 (x)) + (r0 (x) − r1 (x)) ou r0 (x) − r1 (x) = g(x)(−q0 (x) + q1 (x)) . Como o grau de r0 (x) − r1 (x) ´e menor que o grau de g(x) e g(x) divide r0 (x) − r1 (x), isto s´o ´e poss´ıvel se r0 (x) − r1 (x) = 0. Assim r1 = r0 e q1 = q0 .


˜ E CONSEQU ¨ ENCIAS ˆ 5.2. O ALGORITMO DA DIVISAO

37

Os polinˆomios q(x) e r(x) s˜ao chamados de quociente e resto da divis˜ao. Seja agora D um dom´ınio. Se f e g ∈ D[x] dizemos que g|f isto ´e, g divide f se existe um polinˆomio h ∈ D[x] tal que f = gh. Neste caso n´os chamamos g de fator de f . Um elemento a ∈ D ´e um zero de f se f (a) = 0. Quando F ´e um corpo, a ∈ F e f (x) ∈ F [x], n´os dizemos que a ´e um zero de multiplicidade k se (x − a)k divide f mas (x − a)k+1 n˜ao divide f . Com estas defini¸co˜es , podemos dar v´arias conseq¨ uˆencias do algor´ıtmo da divis˜ao . Corol´ ario 5.2.2 (o teorema do resto). Se F ´e um corpo, a ∈ F e f (x) ∈ F [x] ent˜ao f (a) ´e o resto da divis˜ao de f por x − a. Corol´ ario 5.2.3 (o teorema do fator). Seja F um corpo, a ∈ F e f ∈ F [x]. Ent˜ao a ´e zero de f se e somente se x − a ´e fator de f . Corol´ ario 5.2.4 (polinomios de grau n tˆem no m´aximo n zeros). Um polinˆomio de grau n sobre um corpo tem no m´aximo n zeros contando multiplicidades. Demonstra¸c˜ ao Usamos indu¸ca˜o em n. Claramente um polinˆomio de grau 1 tem exatamente 1 zero . Agora suponha que a afirmativa ´e v´alida para todo polinˆomio de grau menor que n e n ´e maior que 1. Seja f um polinˆomio de grau n sobre um corpo e seja a um zero de multiplicidade k. Ent˜ao f (x) = (x−a)k g(x) onde g(a) 6= 0 e n = k + grg o que mostra que grg < n. Se f n˜ao tem nenhum zero diferente de a ent˜ao n˜ao temos nada mais a demonstrar. Se f tiver outro zero b 6= a ent˜ao 0 = f (b) = (b − a)k g(b) e ent˜ao g(b) = 0 .Como grg < n segue pela nossa hip´otese de indu¸ca˜o que o n´ umero de zeros de g ´e menor ou igual ao grau de g e assim n´ umero de zeros contando multiplicidades de f ´e menor ou igual a k + grg = k + n − k = n e o nosso corol´ario est´a demonstrado. N´os observamos que o u ´ltimo corol´ario n˜ao ´e verdade para an´eis de poliˆomios arbitr´arios. Por exemplo x2 + 3x + 2 tem 4 zeros em Z6 . Exemplo 5.2.5. Os zeros de xn −1 ∈ C[x] s˜ao wi com w = cos3600 /n+isen3600 /n e i = 1, 2, ..., n. Para ver isto use a f´ormula de Moivre. Pelo corol´ario anterior esses s˜ao os u ´nicos zeros de xn − 1. O n´ umero complexo w ´e chamado de raiz primitiva da unidade. N´os terminamos esse cap´ıtulo apresentando uma aplica¸ca˜o te´orica do algoritmo da divis˜ao mostrando que F [x] e Z s˜ao bem parecidos. Para isto vamos definir dom´ınios de ideais principais. Defini¸ c˜ ao 5.2.6 (dom´ınio de ideais principais). Um dom´ınio de ideais principais (DIP) ´e um dom´ınio R no qual todo ideal tem a forma < a >= {ra | r ∈ R} Teorema 5.2.7. Se F um corpo ent˜ao F [x] ´e um DIP. Demonstra¸c˜ ao Pelo teorema sabemos que F [x] ´e um dom´ınio. Seja agora I um ideal de F [x]. Se I = 0 nada a demonstrar. Suponha ent˜ao que I 6= 0 e seja g o polinˆomio de menor grau que pertence a I .


´ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 5. ANEIS

38

Vamos provar que I =< g >. Como g ∈ I, gF [x] ⊂ I e ent˜ao < g >⊂ I. Tome h ∈ I. Pelo algor´ıtmo da divis˜ao temos que existem q e r em F [x] tais que h = qg + r com r = 0 ou grr < grg. Temos que r = h − qg ∈ I e ent˜ao pela escolha de g, r s´o pode ser 0. Logo g|h o que prova que I ⊂< g > e portanto I =< g >. O teorema acima mostra tamb´em como achar um gerador dos ideais de F [x]: Teorema 5.2.8. Seja I um ideal de F [x] , F um corpo e g um elemento de F [x]. Ent˜ao g gera I, isto ´e, I =< g > se e s´omente se g ´e um elemento n˜ao nulo de grau m´ınimo em I. Faremos agora uma aplica¸ca˜o desse teorema: Exemplo 5.2.9. Considere o homo φ de R[x] em C dado por f (x) 7−→ f (i). Ent˜ao x2 + 1 ∈ kerφ e ´e claramente o polinˆomio de menor grau em kerφ. Assim kerφ =< x2 + 1 > e <xR[x] 2 +1> ≈ C pelo TFH. Observe que n˜ao temos unicidade no gerador de um ideal I de F [x], mas podemos determinar as rela¸co˜es entre geradores de um ideal n˜ao nulo de um dom´ınio D. Com efeito, suponha que I =< g >=< g1 >. Assim g|g1 e g1 |g. Logo g = g1 .h1 e g1 = g.h onde h1 e h est˜ao em D.. Substituindo as duas express˜oes temos g = g.h.h1 , g(1 − hh1 ) = 0 e como estamos num dom´ınio, g = 0 ou h1 .h = 1, isto ´e, g e g1 diferem por unidades. Dizemos neste caso que g e g1 s˜ao associados. Exemplo 5.2.10. < x2 + 1 >=< 2(x2 + 1) >=< 31 (x2 + 1) > em R[x]. < 3 >=< −3 > em Z. < 2x2 + 6x + 2 >=< x2 + 3x + 1 > em Q[x] < x + i >=< ix − 1 > em C[x].


5.3. LISTA DE EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 5

5.3

39

Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 5

1. Seja R um anel comutativo. Mostre que a caracter´ıstica de R[x] ´e igual a` caracter´ıstica de R. ¯ n xn + ... + a0 ) = 2. Se φ : R −→ S um homomorfismo de an´eis, defina φ¯ : R[x] −→ S[x] por φ(a φ(an )xn + ... + φ(a0 ). Mostre que φ¯ ´e um homomorfismo de an´eis . 3. Seja f (x) = x3 + 2x + 4 e g(x) = 3x + 2 em Z5 [x]. Determine o quociente e o resto da divis˜ao de f (x) por g(x). 4. Mostre que o polinˆomio 2x + 1 em Z4 [x] tem inverso multiplicativo. Em Z[x] existem polinˆomios n˜ao constantes com inverso multiplicativo? 5. Prove que o ideal < x > em Z[x] ´e primo e n˜ao maximal. 6. Prove que o ideal < x > em Q[x] ´e maximal. 7. Seja F um corpo infinito e f (x) ∈ F [x] Se f (a) = 0 para um n´ umero infinito de elementos a de F , ent˜ao f (x) = 0 8. Seja F um corpo infinito e f (x), g(x) ∈ F [x]. Se f (a) = g(a) para um n´ umero infinito de elementos a de F , ent˜ao f (x) = g(x). 9. Seja F um corpo e p(x) ∈ F [x]. Se f (x), g(x) ∈ F [x], gr f < gr p e gr g < gr p, mostre que f (x)+ < p(x) >= g(x)+ < p(x) > implica que f (x) = g(x). 10. Se I ´e um ideal de um anel R, prove que o conjunto I[x] dos polinˆomios de R[x] cujos coeficientes est˜ao em I ´e um ideal de R[x]. Dˆe um exemplo de um anel comutativo R com unidade e um ideal maximal I de R de modo que I[x] n˜ao ´e um ideal maximal de R[x]. 11. Seja R um anel comutativo com unidade. Se I ´e um ideal primo de R, prove que I[x] ´e um ideal primo de R[x] √ √ e isomorfo a Q[ 2] = {a + b 2|a, b ∈ Q}. 12. Prove que <xQ[x] 2 −2> ´ 13. Prove que

Z3 [x] <x2 +1>

´e isomorfo a Z3 [i] = {a + bi | a, b ∈ Z3 }.

14. Seja f (x) ∈ R[x]. Suponha que f (a) = 0 e que f 0 (a) 6= 0. Mostre que a ´e um zero de f (x) de multiplicidade 1. 15. Seja f (x) ∈ R[x]. Suponha que f (a) = 0 e que f 0 (a) = 0. Mostre que (x − a)2 divide f (x). 16. Seja R um anel comutativo com unidade e f (x) ∈ R[x]. Suponha que g(x) = bm xm + ... + b0 ∈ R[x] e bm seja invers´ıvel em R. Prove que o algor´ıtmo de divis˜ao existe para f e g, isto ´e, ∃q(x), r(x) ∈ R[x] tais que f (x) = g(x)q(x) + r(x) com r(x) = 0 ou gr r(x) < gr g(x) . Prove que temos tamb´em unicidade neste caso. 17. Sejam A um anel comutativo com unidade, f (x) ∈ A[x] e a ∈ A. Ent˜ao f (a) = 0 ⇔ ∃t(x) ∈ A[x] tal que f (x) = (x − a)t(x).


40

´ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 5. ANEIS

18. Seja D um dom. e 0 6= f (x) ∈ D[x]. Ent˜ao o n´ umero de ra´ızes de f (x) em D (contando multiplicidades) ´e menor ou igual ao grau de f . 19. Se K ´e um corpo, K[x, y] = K[x][y] = anel de polinˆomios em y com coeficientes em K[x] (a) Mostre que K[x, y] ´e um dom´ınio e n˜ao ´e principal. (b) Mostre que o ideal < x, y > ´e maximal em K[x, y].


Cap´ıtulo 6 Fatora¸ c˜ ao de polinˆ omios 6.1

Testes de redutibilidade

Como vimos no cap´ıtulo anterior, o anel de polinˆomios K[x] com K corpo ´e bem parecido com o anel dos inteiros. Temos tamb´em o an´alogo a n´ umero primo: Defini¸ c˜ ao 6.1.1 (pol. irredut´ıvel e redut´ıvel). Se D um dom´ınio, um polinˆomio f (x) ∈ D[x] ´e irredut´ıvel sobre D se 1. f 6= 0 e f n˜ao ´e uma unidade de D[x]. 2. Sempre que f = gh ent˜ao g ou h ´e uma unidade de D[x]. Um polinˆomio f ∈ D[x] ´e redut´ıvel se f n˜ao ´e nulo nem uma unidade de D[x] e se f n˜ao for irredut´ıvel. Antes de darmos exemplos de irredut´ıveis precisamos saber quais s˜ao as unidades de D[x], ou seja, quais s˜ao os elementos invers´ıveis de D[x]. Sabemos que D[x] ´e um dom´ınio e ent˜ao vale que gr(f.g) = grf + grg. Seja f uma unidade de D[x]. Ent˜ao existe um g ∈ D[x] tal que f.g = 1. Aplicando o grau , temos que grf + grg = 0. Assim grf = grg = 0, f, g ∈ D e f.g = 1 provando assim que f e g s˜ao unidades de D e acabamos de provar o teorema: Teorema 6.1.2. Os elementos invers´ıveis de D[x], onde D ´e um dom´ınio, s˜ao as unidades de D. Exemplo 6.1.3. Vamos calcular o conjunto das unidades de alguns an´eis de polinˆomios 1. U (Z[x]) = {−1, 1}. 2. U (R[x]) = R − {0}. 3. U (K[x]) = K − {0} se K ´e um corpo. Conhecendo agora as unidades de K[x] onde K ´e um corpo, temos que f ´e irredut´ıvel sobre K se n˜ao for constante e se f n˜ao puder ser escrito como produto de dois polinˆomios em K[x] de grau menor . 41


˜ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 6. FATORAC ¸ AO

42

Exemplo 6.1.4. f (x) = 2x2 + 4 ∈ Q[x] ´e irredut´ıvel sobre Q pois 2x2 + 4 = 2(x2 + 2), 2 ´e uma unidade de Q[x] e x2 + 2 n˜ao pode ser escrito como um produto de polinˆomios de grau 1. Prove esta u ´ltima afirma¸ca˜o ! Exemplo 6.1.5. f (x) = 2x2 + 4 ∈ Z[x] ´e redut´ıvel sobre Z. Com efeito, 2x2 + 4 = 2(x2 + 2), e 2 n˜ao ´e uma unidade em Z[x] Exemplo 6.1.6.√ f (x) = √ 2x2 + 4 ∈ Q[x] ´e irredut´ıvel sobre R e redut´ıvel sobre C. Com efeito, 2 2x + 4 = 2(x + 2i)(x − 2i). Tente escrever 2x2 + 4 = (ax + b)(cx + d) em R[x] para provar que 2x2 + 4 ´e irredut´ıvel sobre R. Exemplo 6.1.7. x2 − 2 ´e redut´ıvel sobre R e irredut´ıvel sobre Q. Exemplo 6.1.8. O polinˆomio x2 + 1 ´e irred. sobre R e red. sobre C. Em geral ´e dif´ıcil determinar se um polinˆomio ´e ou n˜ao irredut´ıvel sobre um dom´ınio mas existem alguns casos especiais quando isto ´e f´acil . Nosso primeiro teorema ´e um desses casos. Ele se aplica aos exemplos acima. Teorema 6.1.9 (teste de redutibilidade para graus 2 e 3). Seja F um corpo. Se f (x) ∈ F [x] e grf = 2 ou 3 ent˜ao f ´e redut´ıvel sobre F se e somente se f tem um zero em F Demonstra¸c˜ ao Suponha que f = gh onde g e h posssuem grau menor que o de f e perten¸cam a F [x]. Como grf = grg + grh e grf = 2 ou 3 , pelo menos um dos g ou h tem grau 1, digamos g(x) = ax + b. Ent˜ao claramente −b/a ´e um zero de g e ent˜ao um zero de f . Reciprocamente, suponha que f (a) = 0 onde a ∈ F . Ent˜ao pelo teorema do fator , x − a ´e um fator de f e assim f (x) ´e redut´ıvel sobre F .2 Este teorema ´e f´acil de ser usado quando estamos com corpos finitos Zp pois basta verificar os zeros de f . Note que polinˆomios de grau ≥ 4 podem ser redut´ıveis sem ter zeros no corpo. Por exemplo (x2 + 1)2 ´e redut´ıvel sobre Q e n˜ao tem nenhum zero em Q. Observe que o Teorema 6.1.9 n˜ao se aplica em dom´ınios em geral. Por exemplo, 2(x2 + 1) ´e redut´ıvel sobre Z e n˜ao tem ra´ızes em Z. Os nossos pr´oximos tres testes lidam com polinˆomios com coeficientes inteiros. Para simplificar a prova do primeiro deles n´os introduzimos alguma terminologia. Defini¸c˜ ao 6.1.10 (conte´ udo de um pol. e pol. primitivo). O conte´ udo de um pol. f = an xn + ... + a0 ∈ Z[x] ´e o mdc{ai |i = 0, ...n}. Um polinˆomio ´e chamado de primitivo se seu conte´ udo for igual a 1. Teorema 6.1.11 (Lema de Gauss). O produto de 2 polinˆomios primitivos ´e primitivo.


6.2. TESTES DE IRREDUTIBILIDADE

43

Demonstra¸c˜ ao Sejam f e g dois pol. primitivos e suponha que o produto f g n˜ao seja primitivo. Seja p um divisor primo do conte´ udo de f g e sejam f¯ e g¯ as imagens dos pol. obtidos de f e g aplicando o homomorfismo φ : Z[x] 7−→ Zp [x] , o qual leva an xn +an−1 xn−1 +...+a0 em an xn +an−1 xn−1 +...+a0 onde ai significa a classe de ai em Zp . Ent˜ao f¯g¯ = ¯0. Como Zp [x] ´e um dom´ınio temos que f¯ ou g¯ ´e nulo. Isto indica que p divide o conte´ udo de f ou p divide o conte´ udo de g, o que ´e absurdo pois f e g s˜ao primitivos .2

Lembre-se que a quest˜ao da redutibilidade depende do anel onde os polin˜omios est˜ao. Assim √ x − 2 ´e irredut´ıvel sobre Z mas redut´ıvel sobre Q[ 2]. Podemos provar que todo polinˆomio sobre um dom´ınio de grau maior do que um, ´e redut´ıvel sobre algum corpo. O teorema a seguir mostra que no caso dos inteiros este corpo tem que ser maior que Q. 2

Teorema 6.1.12 (red. sobre Q ⇒ red. sobre Z). Seja f ∈ Z[x] . Se f for redut´ıvel sobre Q ent˜ ao ele vai ser redut´ıvel sobre Z Demonstra¸c˜ ao Suponha que f = gh onde g e h est˜ao em Q[x]. Se f n˜ao for primitivo f j´a ´e redut´ıvel sobre Z e n˜ao temos nada mais a demonstrar. Podemos supor agora que f seja primitivo. Tirando o mmc dos denominadores dos coeficientes de g e de h temos que existem inteiros a e b e polinˆomios g1 e h1 em Z[x] tais que abf = g1 h1 . Se c1 = conte´ udo de g1 e c2 = conte´ udo de h1 temos que abf = c1 c2 g2 h2 onde g2 e h2 est˜ao em Z[x] e s˜ao primitivos . Tomando o conte´ udo da u ´ltima express˜ao e usando o Lema de Gauss temos que ab = c1 c2 e f = g2 h2 . Como g2 e h2 est˜ao Z[x] temos que f ´e redut´ıvel sobre Z.2.

6.2

Testes de irredutibilidade

O teorema 6.1.10 reduz a quest˜ao de irredutibilidade de um polinˆomio de grau 2 ou 3 para a quest˜ao de achar um zero. O pr´oximo teorema permite simplificar o problema mais ainda. Teorema 6.2.1 (teste de irred. modp). Seja p um n´ umero primo e suponha f (x) ∈ Z[x] com grf ≥ 1. Seja f¯ ´e o polinˆomio obtido de f reduzindo todos os coeficientes mod p . Se f¯ ´e irredut´ıvel mod p, isto ´e, sobre Zp e grf¯ = grf ent˜ao f ´e irredut´ıvel sobre Q. Demonstra¸c˜ ao Suponha que f seja redut´ıvel sobre Q. Pelo teorema anterior, se f for red. sobre Q ent˜ao ele vai ser red. sobre Z. Assim existem pol. g e h em Z[x] tais que f = gh onde g e h possuem graus menores que grf [observe que g e h n˜ao podem ter grau igual a zero porque sen˜ao f n˜ao seria redut´ıvel sobre Q]. ¯ as imagens de f, g e h respectivamente atrav´es do homomorfismo Sejam f¯, g¯ e h


˜ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 6. FATORAC ¸ AO

44

g=

−→ Zp [x] P ¯ = ni=0 bi xi i=0 bi x 7−→ g

Z[x] Pn

i

Como gr¯ g ≤ grg < grf¯, ¯ ≤ grh < grf¯ grh ¯ com gr¯ ¯ = grh o que ´e um absurdo e grf = grf¯ por hip´otese, n´os temos que f¯ = g¯h g = grg e grh ¯ pois nossa hip´otese diz que f ´e irred. sobre Zp . Assim f ´e irred. sobre Q.2 Observa¸co˜ es 1. Se grf¯ 6= grf n˜ao podemos afirmar nada ; por exemplo, f (x) = 3x2 −2x−1 ∈ Z[x] ´e redut´ıvel sobre Q e f¯ = −2x − 1 = 1x + 2 ∈ Z3 [x] ´e irredut´ıvel sobre Z3 . 2. Seja cuidadoso para n˜ao usar a rec´ıproca do teorema; se f ∈ Z[x] e f¯ ´e red. sobre Zp para algum p, f pode ainda ser irred. sobre Q. Por exemplo, considere f (x) = 21x3 − 3x2 + 2x + 8. Sobre Z2 temos que f¯ = x3 + x2 = x2 (x + 1). Mas sobre Z5 , f¯ = x3 − 3x2 + 2x + 3 n˜ao tem nenhuma raiz em Z5 o que mostra que f¯ ´e irred. sobre Z5 e ent˜ao f ´e irred. sobre Q. 3. O exemplo anterior mostra que f¯ pode n˜ao ser irredut´ıvel sobre Zp mas ser irredut´ıvel sobre outro primo p. Observe que existem pol. f que s˜ao irred. sobre Q mas f¯ ´e red. sobre Zp para todo primo p, como ´e o caso do pol. f (x) = x4 + 1 ∈ Z[x]. Exemplo 6.2.2. Seja f = 15x3 − 3x2 + 2x + 7 ∈ Z[x]. Em Z2 [x] temos que f¯ = x3 − x2 + 1, f¯(0) = 1 e f¯(1) = 1. Assim f¯ ´e irred. sobre Z2 e grf¯ = grf , o que prova que f ´e irred. sobre Q. Observe que sobre Z3 , f¯ = 2x + 1 ´e irred. mas n˜ao podemos aplicar o teorema para concluir que f ´e irred. sobre Q. O teste de irred. modp pode tamb´em ser usado para pol. de grau maior ou igual a tres com coeficientes racionais. 9 x + 35 ∈ Q[x]. Vamos provar que f ´e irred. sobre Q. Exemplo 6.2.3. Seja f = 73 x4 − 27 x2 + 35 4 Primeiro seja h(x) = 35f (x) = 15x − 10x2 + 9x + 21. Ent˜ao f ´e irred. sobre Q ⇔ h for irred. ¯ = x4 + x + 1. Claramente h ¯ n˜ao tem zeros sobre Q. Aplicando o teste de irred. mod 2 a h temos h 2 ¯ n˜ao tem nenhum fator quadr´atico em Z2 [x]( este fator seria x + x + 1 ou x2 + 1 em Z2 . Tamb´em h pois x2 ou x(x + 1) n˜ao poderiam ser pois eles tˆem zeros em Z2 . Fazendo a divis˜ao vemos que os ¯ ¯ ´e irred. sobre Z2 e ent˜ao sobre Q. dois n˜ao s˜ao fatores de h).Assim h

Exemplo 6.2.4. Seja f (x) = x5 +2x+4. Obviamente o teorema 6.1.9 e o teste de irred. mod 2 n˜ao podem ser usados aqui. Vamos tentar mod 3. Assim f¯ = x5 + 2x + 1 em Z3 [x] e f¯(0) = 1, f¯(1) = 1 e f¯(2) 6= 0. Logo f¯ n˜ao tem fatores lineares. Mas f¯ pode ter fatores quadr´aticos; suponha que ele seja da forma x2 + ax + b. Temos 9 possibilidades para verificar. Podemos tirar dessas 9, aquelas que levam f¯ ter zeros em Z3 . Assim temos apenas que verificar se x2 + 1, x2 + x + 2 e x2 + 2x + 2 dividem f¯. Fazendo as contas eles s˜ao tamb´em eliminados. Temos ent˜ao que f¯ ´e irred. sobre Z3 e f ´e irred. sobre Q.( Por que n˜ao ´e necess´ario verificar fatores c´ ubicos e de grau 4 ?)


6.2. TESTES DE IRREDUTIBILIDADE

45

Um outro teste de irredutibilidade ´e o Crit´erio de Eisenstein (1823-1852), um aluno de Gauss. Teorema 6.2.5 (Crit´erio de Eisenstein-1850). Seja f (x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a0 ∈ Z[x]. Se existe um primo p tal que p 6 |an , p|an−1 , ..., p|a0 e p2 6 |a0 ent˜ao f ´e irredut´ıvel sobre Q. Demonstra¸c˜ ao Se f for red. sobre Q, n´os sabemos que f ser´a red. sobre Z e ent˜ao existir˜ao pol. g e h em Z[x] tais que f = gh, grg > 1 e grh < n, digamos g = br xr + ... + b0 e h = cs xs + ... + c0 . Ent˜ao, como p|a0 = c0 b0 e p2 6 |a0 segue que p|b0 ou p|c0 mas p n˜ao divide os dois. Vamos supor que p|b0 e p 6 |c0 . Temos tamb´em que p 6 |an = cs br e ent˜ao p 6 |br . Assim temos um menor inteiro positivo t tal que p 6 |bt . Agora, considere at = bt c0 + bt−1 c1 + bt−2 c2 + ... + b0 ct . Por hip´otese, p|at e pela escolha de t temos que p|bt−1 , p|bt−2 ,...,p|b0 . Claramente isto implicar´a que p|bt c0 . Isto ´e absurdo pois p 6 |bt e p 6 |c0 e p ´e primo.2

Corol´ ario 6.2.6 (Irred. do pol. ciclotˆomico). Para todo primo p, o p-´esimo polinˆomio ciclotˆomico φp (x) =

xp − 1 = xp−1 + xp−2 + ... + x + 1 x−1

´e irredut´ıvel sobre Q. Demonstra¸c˜ ao Seja f (x) = φp (x + 1) =

(x + 1)p − 1 = xp−1 + pxp−2 + ... + p (x + 1) − 1

Ent˜ao, pelo crit´erio de Eisenstein, f ´e irred. sobre Q. Assim, se φp (x) = g(x)h(x) ´e uma fatoriza¸ca˜o n˜ao trivial de φp (x) sobre Q ent˜ao f (x) = φp (x + 1) = g(x + 1)h(x + 1) seria uma fatoriza¸ca˜o n˜ao trivial de f sobre Q. Isto ´e imposs´ıvel pois pelo crit´erio de Eisenstein f (x) = φp (x + 1) ´e irredut´ıvel sobre Q.2 Exemplo 6.2.7. O pol. 3x5 + 15x4 − 20x3 + 10x + 20 ´e irredut´ıvel sobre Q pois 5 divide 20, 10, −20, 15,5 6 |3 e 52 6 |20, usando o crit´erio de Eisenstein. A importˆancia dos ideais maximais vem da sua liga¸ca˜o com os pol. irredut´ıveis. Teorema 6.2.8 (p(x) irred.⇔< p(x) > ´e max.). Seja F um corpo e p(x) ∈ F [x]. Ent˜ao o ideal < p(x) > ´e maximal em F [x] ⇔ p(x) ´e irredut´ıvel sobre F . Demonstra¸c˜ ao (⇒) Suponha < p(x) > ´e max.. Se p(x) = g(x)h(x) ´e uma fat. de f (x) sobre F ent˜ao < p(x) >⊆< g(x) >⊆ F [x]. Como < p(x) > ´e max. temos que < p(x) >=< g(x) > ou < g(x) >= F [x]. No primeiro caso temos que g(x) = p(x)t(x)para algum t(x) ∈ F [x] e como


˜ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 6. FATORAC ¸ AO

46

p(x) = g(x)h(x), juntando essas duas equa¸co˜es temos p(x)(1 − t(x)h(x)) = 0. Como F [x] ´e um dom´ınio e p(x) ´e n˜ao nulo temos que 1 − t(x)h(x) = 0 o que mostra que h(x) ´e uma unidade de F [x] e que a fatora¸ca˜o acima de p(x) ´e trivial. Logo p(x) ´ırredut´ıvel. No segundo caso, existe um polinˆomio t(x) ∈ F [x] tal que 1 = t(x)g(x) o que tamb´em mostra que a fatoriza¸c˜ao de p(x) ´e trivial. (⇐) Suponha que p(x) ´e irred. sobre F . Seja I um ideal de F [x] tal que < p(x) >⊆ I ⊆ F [x]. Como F [x] ´e um DIP, existe um g(x) ∈ F [x] tal que I =< g(x) >. Assim p(x) ∈< g(x) >, digamos p(x) = g(x)h(x) com h(x) ∈ F [x]. Como p(x) ´e irred. sobre F temos que g ou h s˜ao unidades de F [x], isto ´e s˜ao constantes n˜ao nulas. No primeiro caso I = F [x] e no segundo I =< p(x) >, o que prova que < p(x) > ´e maximal.2 F [x] ´e um corpo). Seja F um corpo e p(x) um pol. irred. sobre F . Ent˜ ao Corol´ ario 6.2.9 ( <p(x)> F [x]/ < p(x) > ´e um corpo.

O pr´oximo corol´ario ´e um an´alogo do Lema de Euclides para polinˆomios. Corol´ ario 6.2.10 (p(x)|a(x)b(x) ⇒ p(x)|a(x) ou p(x)|b(x)). Sejam F um corpo e p(x), a(x), b(x) ∈ F [x]. Se p(x) ´e irredu´ıvel sobre F e p(x)|a(x)b(x) ent˜ao p(x)|a(x) ou p(x)|b(x). Demonstra¸c˜ ao Como p(x) ´e irred., F [x]/ < p(x) > ´e um corpo e portanto um dom´ınio. Sejam a(x) e b(x) imagens de a(x) e b(x) com rela¸c˜ao ao homo canˆonico: F [x] −→

F [x] <p(x)>

Como p(x)|a(x)b(x) ent˜ao a(x)b(x) = ¯0. Assim como estamos num dom´ınio a(x) = ¯0 ou b(x) = ¯0 ou seja p(x)|a(x) ou p(x)|b(x).2 Exemplo 6.2.11. Vamos construir um corpo com 8 elementos. Pelos teoremas anteriores, basta achar um pol. de grau 3 sobre Z2 sem nenhum zero. Por tentativas, concluimos que x3 + x + 1 2 [x] serve. Assim <x3Z+x+1> = {ax2 + bx + c+ < x3 + x + 1 > | a, b, c ∈ Z2 } ´e um corpo com 8 elementos. Observe que pelo exerc´ıcio 9 do Cap. 5 temos que todos os 8 elementos s˜ao distintos. Exemplo 6.2.12. Como x2 + 1 n˜ao tem zeros em Z3 temos que x2 + 1 ´e irred. sobre Z3 . Assim Z3 [x] [x] ´e um corpo. <xZ23+1> = {ax + b+ < x2 + 1 > | a, b ∈ Z3 } ´e um corpo com 9 elementos. <x2 +1>

6.3

Fatora¸c˜ ao u ´ nica em Z[x]

Provaremos que Z[x] tem uma importante propriedade de fatora¸ca˜o . No pr´oximo cap´ıtulo, n´os provaremos que todo DIP tem essa propriedade. O caso Z[x] ´e feito separadamente porque ele n˜ao ´e um DIP. Para provar o teorema seguinte precisamos saber que as unidades de Z[x] s˜ao os pol. 1, −1 e tamb´em que todo pol. irred. em Z[x] ´e primitivo. Prove isto!


˜ UNICA ´ 6.3. FATORAC ¸ AO EM Z[X]

47

Teorema 6.3.1 (Fatora¸ca˜o u ´nica). Todo pol. em Z[x] de grau positivo, n˜ao nulo e n˜ao unidade pode ser escrito na forma b1 b2 ...bs p1 (x)p2 (x)...pm (x) onde os b ´s s˜ao primos (isto ´e, pol. irred. de grau 0), e os p(x) ’ s s˜ao pol. irred. de grau positivo. Tamb´em, se b1 b2 ...bs p1 (x)p2 (x)...pm (x) = c1 c2 ...ct q1 (x)...qn (x) s˜ ao duas tais fatora¸co˜es ent˜ao s = t e m = n e ap´os renumera¸c˜ao dos c´s e q´s n´os temos bi = ±ci para i = 1, ..., s e pi (x) = ±qi (x) para i = 1, ..., m Demonstra¸c˜ ao Existencia: Seja f n˜ao nulo e n˜ao unidade em Z[x]. Se grf = 0 , f ∈ Z e o resultado segue do TFA. Se grf > 0, seja b, o conte´ udo de f e b1 b2 ...bs sua fatora¸ca˜o em Z. Ent˜ao f = b1 ...bs f1 (x), onde f1 ∈ Z[x] ´e primitivo e tem grau positivo. Assim, para provar a parte de existencia, ´e suficiente mostrar que todo pol. primitivo de grau maior que 1 pode ser escrito como um produto de pol. irred. de grau positivo. Usaremos indu¸ca˜o no grau de f Se grf = 1 ent˜ao f j´a ´e irred. e ent˜ao OK. Agora suponha que todo pol. de grau menor que grf e primitivo pode ser escrito como um produto de pol. irred. de grau positivo.. Se f ´e irred., nada a demonstrar. Se f n˜ao for irred., f = gh onde g e h s˜ao primitivos e grg, grh < grf . Pela hip´otese de indu¸ca˜o , ambos g e h s˜ao produtos de irred. de grau positivo, o que mostra que f tamb´em ser´a. Unicidade: Suponha que f = b1 b2 ...bs p1 (x)p2 (x)...pm (x) = c1 c2 ...ct q1 (x)...qn (x) onde os b ´s e c ´s s˜ao pol. irred de grau 0 e os p(x) ´s e q(x) ´s s˜ao pol. irred. de grau positivo. Sejam b = b1 ...bs e c = c1 ...ct . Como os polinˆomios p ´s e q ´s s˜ao primitivos segue do Lema de Gauss que p1 p2 ...pm e q1 q2 ...qn s˜ao primitivos. Portanto tomando o conte´ udo de f temos b = c. Pelo TFA e ap´os renumera¸c˜ao bi = ci onde i = 1, 2, ..., s. Assim, cancelando o conte´ udo temos p1 (x)...pm (x) = q1 (x)...qn (x). Segue pelo corol´ario 6.2.10 e considerando os p ´s e q ´s como elementos de Q[x], que p1 |qj para algum j ∈ {1, 2, ..., n}. Renumerando podemos supor j = 1. Assim q1 = p1 . rs com r, s em Z. Como p1 e q1 s˜ao primitivos segue que r = s e p1 = ±q1 . Ap´os cancelamento, p2 (x)...pm (x) = ±q2 (x)...qn (x) e repetindo o argumento com p2 (x) teremos p2 = ±q2 . Se m < n, ap´os m tais passos teremos que ±1 = qm+1 ...qn . Isto diz que os pol. qi´s com i = m + 1, ..., n s˜ao unidades, o que ´e um absurdo pois eles s˜ao iredut´ıveis. Analogamente se m > n chegaremos num tal absurdo. Assim m = n e pi = qi ap´os renumera¸c˜ao .


˜ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 6. FATORAC ¸ AO

48

6.4

Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 6

1. Suponha D um dom´ınio e F um corpo contendo D. Se f (x) ∈ D[x] e f (x) ´e irredut´ıvel sobre F mas redut´ıvel sˆobre D, o que podemos dizer sobre a fatoriza¸c˜ao de f (x) sˆobre D? 2. Suponha que f (x) = xn + an−1 xn−1 + ... + a0 ∈ Z[x]. Se r ´e racional e x − r divide f (x) mostre que r ´e um inteiro. 3. Seja F um corpo e seja a um elemento n˜ao nulo de F . (a) Se af (x) ´e irredut´ıvel sobre F , prove que f (x) ´e irredut´ıvel sobre F . (b) Se f (ax) ´e irredut´ıvel sobre F , prove que f (x) ´e irredut´ıvel sobre F . (c) Se f (x + a) ´e irredut´ıvel sobre F , prove que f (x) ´e irredut´ıvel sobre F . 4. Mostre que x4 + 1 ´e irredut´ıvel sobre Q mas redut´ıvel sobre R. 5. Construa um corpo com 25 elementos. 6. Construa um corpo com 27 elementos. 7. Mostre que x2 + x + 4 ´e irredut´ıvel sobre Z11 . 8. Suponha que f (x) ∈ Zp [x] ´e irredut´ıvel sobre Zp . Se grf = n, prove que com pn elementos .

Zp [x] <f (x)>

´e um corpo

9. Seja f (x) = x3 + 6 ∈ Z7 [x]. Escreva f (x) como produto de pol. irredut´ıveis. 10. Seja f (x) = x3 + x2 + x + 1 ∈ Z2 [x]. Escreva f (x) como produto de pol. irredut´ıveis. 11. Seja p um primo. (a) Mostre que o n´ umero de polinˆomios redut´ıveis sobre Zp da forma x2 + ax + b ´e

p(p+1) . 2

(b) Determine o n´ umero de pol. quadr´aticos redut´ıveis sobre Zp . (c) Determine o n´ umero de pol. quadr´aticos irredut´ıveis sobre Zp . 12. Mostre que para todo primo p existe um corpo com p2 elementos. 13. Mostre que

Z3 [x] <x2 +1>

´e isomorfo a Z3 [i] e que Z3 [i] ´e um corpo.

14. Ache todos os zeros e suas multiplicidades de x5 + 4x4 + 4x3 − x2 − 4x + 1 sobre Z5 15. Ache todos os zeros de f (x) = 2x2 + 2x + 1 sobre Z5 por substitui¸ca˜o direta. Ache agora √ 2 usando a f´ormula −b± 2ab −4ac . Suas respostas s˜ao iguais? Deveriam ser? Ache todos os zeros de g(x) = 2x2 + x + 3 sˆobre Z5 por substitui¸ca˜o e depois pela f´ormula. Funciona? Estabele¸ca condi¸co˜es necess´aris e suficientes para que a f´ormula quadr´atica forne¸ca os zeros de uma qu´adrica de Zp [x] onde p ´e um primo maior que 2. 16. Seja f (x) = an xn + ... + a0 ∈ Z[x], onde an 6= 0. Prove que se r e s s˜ao relativamente primos e f (r/s) = 0, ent˜ao r|a0 e s|an .


6.4. LISTA DE EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 6

49

17. Seja F um corpo e p(x) irred. sobre F . Mostre que {a+ < p(x) > | a ∈ F } ´e um subcorpo F [x] de <p(x)> isomorfo a F . 18. Seja F um corpo e p(x) irred. sobre F . Se E ´e um corpo que contem F e existe um elemento a em E tal que p(a) = 0, mostre que a aplica¸c˜ao φ : F [x] → E dada por φ(f (x)) = f (a) ´e um homomorfismo de an´eis com kernel < p(x) >. 19. Investigar a irredutibilidade em Z[x] dos polinˆomios : (a) x4 − x2 + 1 (b) x4 + ax2 − 1 onde a 6= 0 em Z. (c) x4 + 45x + 15 (d) 2x4 + 3x + 3 (e) 2x7 + 3r x5 + 3 (f) xp−1 − xp−2 + xp−3 − ... − x + 1 onde p ´e um primo. (g) x12 + 14x5 + 21x + 7 (h) x12 + 5x7 + 15x2 + 5 (i) x4 + 3x2 − 1 (j) x3 − 2 (k) x10 + 5x + 5 (l) x13 + 3x5 + 3 (m) 2x4 + 3x3 + 12x2 + 6x + 6 (n) x3 + 2x2 + 3x + 1 (o) x3 − 9 (p) f (x) = x3 − 3n2 x + n3 onde n ∈ Z. Dica: Use f (nx) (q) x4 + 3x3 + 3x2 − 5 20. Investigar a irredutibilidade em Q[x] dos polinˆomios : (a) 2x4 + 4x2 − 2 (b) 10x11 + 6x3 + 6 21. Mostre que f (x) = x4 + x3 + x + 1 n˜ao ´e irredut´ıvel sobre F para qualquer corpo F . 22. Seja f (x) = ¯1x3 + ¯1x2 + ¯1. Mostre que f (x) ´e irredut´ıvel sobre Z2 . f (x) ´e irredut´ıvel sobre Z3 ? E sobre Z5 ? 23. (a) Sejam f (x) ∈ Z[x] mˆonico e f¯(x) a sua classe em Zn [x]. Se f¯(x) ´e irredut´ıvel sobre Zn ent˜ao f (x) ´ırredut´ıvel sobre Z


˜ DE POLINOMIOS ˆ CAP´ITULO 6. FATORAC ¸ AO

50

(b) Mostre que x3 − 15x2 + 10x − 84 ∈ Z[x] ´e irredut´ıvel sobre Z. 24. Seja m > 1 um inteiro. Sejam p1 , p2 , ..., pr primos distintos. Mostre que

√ m

p1 p2 p3 ...pr 6∈ Q.


Cap´ıtulo 7 Divisibilidade em dom´ınios No cap´ıtulo anterior n´os vimos fatora¸c˜ao de polinˆomios sobre Z ou sobre um corpo. V´arios desses resultados; fatora¸c˜ao u ´nica de Z[x] e algor´ıtmo da divis˜ao para F [x] , foram generaliza¸co˜es dos teoremas sobre inteiros. Neste cap´ıtulo, n´os examinamos fatora¸ca˜o num contexto mais geral.

7.1

Irredut´ıveis e primos

Defini¸ c˜ ao 7.1.1 (associados, irred. e primos). Elementos a e b de um dom´ınio D s˜ao chamados associados se a = ub onde u ´e uma unidade de D. Um elemento n˜ao nulo a de D ´e chamado de irredut´ıvel se a n˜ao for uma unidade e sempre quando a = bc com b e c em D ent˜ao b ou c ´e uma unidade. Um elemento n˜ao nulo a de um dom´ınio D ´e chamado primo se a n˜ao for uma unidade e se a|bc ent˜ao a|b ou a|c. Grosseiramente falando, irredut´ıvel ´e um elemento que pode ser fatorado apenas com a fatora¸c˜ao trivial. Observe que um elemento a ´e primo se e somente se < a > ´e um ideal primo. Relacionando as defini¸co˜es acima com as defini¸co˜es nos inteiros , parece uma enorme confus˜ao pois no Cap´ıtulo 1 definimos por inteiro primo se satisfaz nossa defini¸ca˜o de irred. e n´os provamos que um inteiro primo satisfaz a def. de primo num dom´ınio (Lema de Euclides). Esta confus˜ao surge, porque no caso dos inteiros, os conceitos de irred. e primo s˜ao equivalentes, mas em geral veremos que n˜ao ser˜ao. A distin¸ca˜o entre primos e irred. ´e melhor ilustrado nos dom´ınios da forma √ √ Z[ d] = {a + b d | a, b ∈ Z} onde d ´e livre de quadrados. Estes an´eis s˜ao de fundamental importˆancia na teoria de n´ umeros. Para analisar esses an´eis, n´os necessitamos um m´etodo conveniente para achar suas unidades, irred. e primos. Para fazer isto, n´os vamos definir a fun¸ca˜o norma √ N : Z[ √ d] → Z+ a + b d 7−→ |a2 − db2 | 51


CAP´ITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOM´INIOS

52

´ f´acil verificar as propriedades da fun¸ca˜o norma: E 1. N (x) = 0 se e somente se x = 0 √ 2. N(xy)=N(x)N(y) para todo x, y ∈ Z[ d] 3. x ´e unidade se e somente se N (x) = 1 4. Se N (x) ´e primo ent˜ao x ´e irredut´ıvel. √ Exemplo mostrar em√ Z[ −3] um irred. que n˜ao ´e primo. Temos√ aqui que √ 7.1.2. 2N´os vamos N (a + b −3) = a + 3b2 . Considere 1 + −3 . Suponha que n´os podemos fatorar 1 + √ −3 como um produto x.y onde x e y n˜ao s˜ao unidades. Ent˜ao N (xy) = N (x)N (y) = N (1 + −3) = 4, e segue que N (x)√= 2. Mas n˜ao existem inteiros a e b satisfazendo a2 + 3b2 = 2. Assim x ou y ´e √ unidade √ e 1 + √−3 ´e irredut´ıvel . Para provar que 1√+ −3 n˜ao ´e primo n´os observamos que que (1 + −3)|2.2 . √ Por outro lado, para inteiros a e (1 + −3)(1 − −3) = 4 = 2.2 √ o que mostra √ b existirem tal que 2 = (a + b −3)(1 + −3) = (a − 3b) + (a + b) −3 n´os devemos ter a − 3b = 2 e a + b = 0 o que ´e imposs´ıvel. Do exemplo anterior surge a pergunta : quais dom´ınios contˆem primos que n˜ao s˜ao irredut´ıveis? A resposta ´e: nunca ! Teorema 7.1.3 (primo ⇒ irred.). Num dom´ınio, todo primo ´e irredut´ıvel Demonstra¸c˜ ao Suponha que a ´e primo num dom. D. Ent˜ao a 6= 0 e a n˜ao ´e uma unidade e se a = b.c n´os devemos provar que b ou c ´e uma unidade. Pela defini¸ca˜o de primo, n´os temos que a|b ou a|c. Suponha que at = b e substituindo temos b.1 = b = at = (bc)t = b(ct) e pelo cancelamento ct = 1 o que mostra que c ´e uma unidade. 2 O pr´oximo teorema mostra que num DIP , irredut´ıvel e primo s˜ao equivalentes. Teorema 7.1.4 (Num DIP, irred ⇔ primo). Num DIP , um elemento ´e irredut´ıvel se e somente se ele ´e primo. Demonstra¸c˜ ao Usando o teorema anterior s´o falta provar que num DIP , todo irred. ´e primo. Seja a um elemento irred. num DIP D e suponha que a|bc. N´os devemos provar que a|b ou a|c. Considere o ideal I = {ax + by | x, y ∈ D} e como D ´e um DIP existe d ∈ D tal que I =< d > . Como a ∈ I n´os podemos escrever a = dr para algum r em D, e como a ´e irred. d ou r ´e uma unidade. Se d for uma unidade I =< d >= D e n´os podemos escrever 1 = ax + by. Ent˜ao c = acx + bcy e como a divide ambos os termos temos que a|c. Por outro lado, se r ´e uma unidade ent˜ao < a >=< d >= I, e como b ∈ I, existe um t ∈ D tal que at = b . Assim a|b. 2 Uma consequencia f´acil do algor´ıtmo da divis˜ao em Z e F [x] onde F ´e um corpo ´e que eles s˜ao DIP . Nosso pr´oximo exemplo mostra, entretanto que um dos nossos an´eis mais familiares n˜ao ´e um DIP .


˜ UNICA ´ 7.2. DOM´INIOS DE FATORAC ¸ AO

53

Exemplo 7.1.5. Mostraremos aqui que Z[x] n˜ao ´e um DIP . Considere em Z[x] o ideal I = {ax + 2b | a, b ∈ Z} =< x, 2 >. N´os afirmamos que I n˜ao ´e da forma < h(x) >. Com efeito se fˆosse, deveriam existir f, g ∈ Z[x] tal que 2 = hf e x = hg pois x e 2 est˜ao em I. Pela regra do grau, temos 0 = gr2 = grh + grf e conclu´ımos que h ´e uma constante. Para determinar qual constante, n´os observamos que 2 = h(1)f (1). Assim h(1) = ±1 ou ±2, mas como 1 6∈ I n´os devemos ter h(x) = ±2 . Mas ent˜ao x = ±2g(x) o que n˜ao tem sentido. J´a provamos que Z e Z[x] tˆem importantes propriedades de fatora¸c˜ao : todo inteiro positivo pode ser fatorado unicamente como produto de irredut´ıveis (isto ´e, primos), e todo pol. n˜ao nulo e n˜ao unidade pode ser fatorado como produto de pol. irred.. A quest˜ao de fatora¸ca˜o u ´nica num dom´ınio surgiu na tentativa de resolver o famoso Teorema de Fermat o qual conjecturava que a equa¸ca˜o xn + y n = z n n˜ao tem solu¸ca˜o inteira n˜ao trivial se n ´e maior ou igual a 3. Este problema foi proposto em 1637 e s´o foi resolvido em 1995 e durante esse tempo ajudou a v´arias ´areas da ´ Algebra a se desenvolverem, ou mesmo surgirem. O que mais intrigou aos matem´aticos foi que Fermat quando propˆos esse teorema afirmou que j´a conhecia uma prova mas que n˜ao iria escrevˆe-la al´ı, na margem do livro , porque n˜ao caberia. E quase 4 s´eculos se passaram sem a tal prova. S´o em 1995 os matem´aticos Andrew Wiles e Taylor usando teoria de curvas el´ıpticas resolveram este teorema . Por causa disso, acredita-se que Fermat usou uma fatora¸c˜ao u ´nica num dom´ınio onde n˜ao existia tal fatora¸c˜ao . Estudaremos agora dom´ınios que possuem fatora¸ca˜o u ´nica em irredut´ıveis .

7.2

Dom´ınios de Fatora¸c˜ ao u ´ nica

Defini¸ c˜ ao 7.2.1. Um dom´ınio D ´e dom´ınio de fatora¸c˜ao u ´nica (DFU) se: 1. Todo elemento de D n˜ao nulo e n˜ao unidade pode ser escrito como um produto de irredut´ıveis de D 2. A fatora¸c˜ao em irredut´ıveis ´e u ´nica a menos de associados e da ordem em que aparecem. Naturalmente o T F A nos diz que Z ´e DF U . O teor.6.3.1 diz que Z[x] ´e DF U . Provaremos que muitos dos dom´ınios que conhecemos s˜ao DF U . Provaremos antes a condi¸c˜ao da cadeia ascendente. Teorema 7.2.2 (Condi¸ca˜o da cadeia ascendente para DIP ). Num DIP toda cadeia ascendente de ideais I1 ⊂ I2 ⊂ ... ´e estacion´aria (isto ´e, existe um k tal que Ik = Ik+1 = Ik+2 = ...). Demonstra¸c˜ ao S ´ f´acil mostrar Seja I1 ⊂ I2 ⊂ ... uma cadeia ascendente de ideais num dom. D e seja I = Ii . E que I ´e um ideal de D. Como D ´e um DIP , I =< a > para algum a ∈ D. Como a ∈ I, a ∈ Ik para algum inteiro k e assim I =< a >⊂ Ik . Mas pela defini¸c˜ao de I, temos que Ii ⊂ I ⊂ Ik para todo Ii da cadeia e assim Ik deve ser o u ´ltimo ideal da cadeia . 2 Teorema 7.2.3 (DIP ⇒ DF U ). Todo DIP ´e um DF U . Demonstra¸c˜ ao : Existencia:


CAP´ITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOM´INIOS

54

Seja D um DIP . N´os primeiro mostramos que todo a ∈ D, a 6= 0, e a n˜ao unidade ´e um produto de irred.(observe que o produto pode constar de apenas um fator). Para ver isto , seja a0 6= 0, n˜ao unidade e n˜ao irredut´ıvel. Ent˜ao existem a1 e b1 n˜ao unidades em D tais que a0 = b1 a1 . Se ambos, a1 e b1 podem ser escritos como produto de irred. ent˜ao a0 tamb´em pode.Suponha que a0 n˜ao pode ser escritocomo produto de irredut´ıveis. Assim b1 ou a1 n˜ao pode ser escrito como produto de irred., digamos, a1 . Ent˜ao a1 = a2 b2 onde nem a2 nem b2 ´e unidade. Continuando neste processo, n´os obtemos uma sequencia infinita b1 , b2 , ... de elementos que n˜ao s˜ao unidades de D e uma sequencia a0 , a1 , a2 ... de elementos n˜ao nulos de D, com an = bn+1 an+1 para cada n. Como bn+1 n˜ao ´e unidade, n´os temos < an >⊂< an+1 > para cada n Assim, < a0 >⊂< a1 >⊂ ... ´e uma cadeia infinita crescente de ideais. Isto contraria o teorema anterior, de modo que n´os concluimos que a0 ´e um produto de irred.(Observe que a cadeia n˜ao p´ara pois sen˜ao < an >=< an+1 >, an+1 = dan , an = bn+1 an+1 . Juntando essas equa¸co˜es temos que bn+1 ´e uma unidade, o que ´e absurdo.) Unicidade: Temos que mostrar que a fatora¸ca˜o ´e u ´nica a menos de associados e a ordem em que os fatores aparecem. Para fazer isto, suponha que um elemento a de D pode ser escrito como: a = p1 p2 ...pr = q1 q2 ...qs onde os p e q s˜ao irred. e a repeti¸c˜ao ´e permitida. Faremos indu¸c˜ao em r. Se r = 1, ent˜ao a ´e irred. e claramente s = 1 e p1 = q1 . N´os assumimos que todo elemento o qual pode ser expresso como um produto de r −1 elementos irred. ´e escrito de modo u ´nico(a menos de assoc. e ordem). Vamos agora provar que isto tamb´em vale para um produto de r irred. Como p1 |q1 q2 ...qs ele divide algum qi . Ent˜ao q1 = up1 onde u ´e uma unidade de D. Assim ua = up1 p2 ...pr = q1 (uq2 )...qs e por cancelamento p2 p3 ...pr = (uq2 )...qs . Pela hip´otese de indu¸ca˜o estas duas fatora¸co˜es s˜ao identicas a menos de associados e a ordem em que aparecem. Assim, o mesmo ´e verdade para as 2 fatora¸co˜es de a. 2 Observa¸c˜ ao Na parte da existencia ´e que usamos que D ´e um DIP quando afirmamos que a cadeia tem que parar. Um dom´ınio com esta propriedade ´e chamado de Dom´ınio Noetheriano em homenagem a Emmy Noether, que introduziu as condi¸co˜es de cadeia . Corol´ ario 7.2.4. Se F ´e um corpo ent˜ao F [x] ´e um DF U . Demonstra¸c˜ ao Pelo teorema 5.2.7, temos que F [x] ´e um DIP

2


7.3. DOM´INIOS EUCLIDIANOS

7.3

55

Dom´ınios Euclidianos

Defini¸ c˜ ao 7.3.1 (dom. euclidiano ). Um dom. D ´e chamado de dom´ınio euclidiano(DE) se existe uma fun¸c˜ao d de elementos n˜ao nulos de D em Z+ tal que 1. d(a) ≤ d(ab) para todo a, b ∈ D − {0} 2. Se a, b ∈ D, b 6= 0, ent˜ao existem elementos q, r ∈ D de modo que a = bq + r onde r = 0 ou d(r) < d(b) Exemplo 7.3.2. O anel Z dos inteiros ´e um dom´ınio euclidiano com d(a) = |a|, o valor absoluto de a. Exemplo 7.3.3. Seja F um corpo. Ent˜ao F [x] ´e um anel euclidiano com d(f (x)) = gr f (x) (ver Teor.5.2.1) O leitor j´a deve ter visto a similaridade entre Z e K[x]. Fazemos aqui um resumo: Z K[x] Forma dos elementos an 10n + ... + a1 10 + a0 an xn + ... + a1 x + a0 Dom´ınio Euclidiano d(a) = |a| d(a) = gr a Unidades a ´e uma unidade ⇔ |a| = 1 f ´e uma unidade ⇔ gr a = 0 Alg. da divis˜ao P ara a, b ∈ Z, b 6= 0, ∃q, r ∈ Z P araf, g ∈ K[x], g 6= 0, ∃q, r ∈ K[x] tal que a = bq + r, 0 ≤ r < |b| tal que f = gq + r, 0 ≤ gr r < gr g ou r = 0. DIP I =< a >, |a| = min I =< f (x) >, gr f = min Q Q f (x) = fiki . DFU n = pki i pi primo fi irredut. Exemplo 7.3.4 (Inteiros de Gauss). Z[i] = {a + bi | a, b ∈ Z} ´e um DE com d(a + bi) = a2 + b2 . Com efeito: 1. Se x = a + bi e y = c + di com a, b, c e d em Z temos que d(xy) = d((ac − bd) + (ad + bc)i) = (ac − bd)2 + (ad + bc)2 = a2 c2 + a2 d2 + b2 c2 + b2 d2 = (a2 + b2 )(c2 + d2 ) = d(x)d(y). 2. Se x = a + bi e y = c + di com a, b, c e d em Z e y 6= 0 temos que xy −1 ∈ Q[i], o corpo quociente de Z[i] (ver exerc. 24 do cap.4). Suponha que xy −1 = s + ti onde s e t est˜ao em Q. Seja agora m o inteiro mais pr´oximo de s e n o inteiro mais pr´oximo de t. Assim |m−s| ≤ 1/2 e |n − t| ≤ 1/2. Ent˜ao xy −1 = s + ti = (m − m + s) + (n − n + t)i = (m + ni) + [(s − m) + (t − n)i]. Assim x = (m + ni)y + [s − m + (t − n)i]y N´os afirmamos que o alg. da divis˜ao acontece com q = m+ni ∈ Z[i] e r = [(s−m)+(t−n)i]y ∈ Z[i]. Com efeito, d(r) = d([(s − m) + (t − n)i])d(y) = [(s − m)2 + (t − n)2 ]d(y) ≤ (1/4 + 1/4)d(y) < d(y)


CAP´ITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOM´INIOS

56

Teorema 7.3.5 (DE ⇒ DIP). Todo dom´ınio euclidiano ´e um dom´ınio de ideais principais. Demonstra¸c˜ ao Seja D um DE e I um ideal n˜ao nulo de D. Entre os elementos de I escolha a tal que d(a) ´e m´ınimo . Ent˜ao I =< a >. Com efeito, se b ∈ I, ∃q, r ∈ D, tais que b = aq + r onde r = 0 ou d(r) < d(a). Mas r = b − aq ∈ I e portanto d(r) n˜ao pode ser menor que d(a). Assim r = 0 e b ∈< a >. 2 √

Por curiosidade existe DIP que n˜ao ´e DE. Um exemplo famoso de tal dom. ´e o Z[ 1+ 2−19 ], mas n˜ao ´e f´acil demonstrar essa afirma¸c˜ao . Uma referencia ´e: J.C. Wilson,”A Principal Ideal Ring That Is Not a Euclidean Ring”, Mathematics Magazine 46(1973);74-78.” Uma imediata consequencia dos teoremas anteriores ´e a seguinte: Corol´ ario 7.3.6 (DE ⇒ DFU). Todo dom. euclidiano ´e um DFU. Resumindo temos DE ⇒ DIP ⇒ DF U DE 6⇐ DIP 6⇐ DF U No cap´ıtulo 6 provamos que Z[x] ´e um DFU. Podemos repetir essa prova e provar o teorema Teorema 7.3.7. Se D ´e DFU ent˜ao D[x] ´e DFU. Conclu´ımos este cap´ıtulo apresentando um exemplo de um dom´ınio, o qual n˜ao ´e um DFU. √ √ em C. Exemplo 7.3.8. O anel √ Z[ −5] = {a + b −5 | a, b ∈ Z} ´e um dom´ınio pois est´a contido √ Vamos provar que Z[ −5] n˜ao ´e um DFU. Para verificar que n˜ao existe√fat. u ´nica em Z[ −5], repetimos o m´etodo do exemplo 7.1.2 e usamos a fun¸ca˜o norma N (a + b −5) = a2 + 5b√2 . Como N (xy) = N (x)N (y) e N (x) = 1 ⇔ x ´e uma unidade , segue que as u ´nicas unidades de Z[ −5] s˜ao ±1. Agora considere as fatora¸co˜es : √ √ 46 = 2.23 = (1 + 3 −5)(1 − 3 −5). √ Afirmamos √ que cada um desses 4 fatores ´e irredut´ıvel sˆobre Z[ −5] . Suponha que 2 = xy onde x, y ∈ Z[ −5] e n˜ao s˜ao unidades . Ent˜ao 4 = N (2) = N (x)N (y) donde conclu´ımos que N (x) = N (y) = 2 o que ´e imposs´ıvel. Tamb´em se 23 = xy ´e uma fat. n˜ao trivial, ent˜ao N (x) = 23, isto ´e existem a, b ∈ Z tais √que 23 = a2 + 5b2 . Claramente tais inteiros n˜ao existem. O mesmo argumento se aplica a 1 ± 3 −5.


7.4. LISTA DE EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 7

7.4

57

Lista de exerc´ıcios do Cap´ıtulo 7

1. Mostre que f (x) n˜ao constante ∈ Z[x] ´e irred. sobre Z ⇔ f (x) ´e primitivo e irred. sobre Q. 2. Defina mdc(a1 , a2 , ..., an ) onde a1 , ..., an ∈ D s˜ao n˜ao nulos e D ´e um dom´ınio. Mostre que dois mdc(a1 , a2 , ..., an ) em D s˜ao associados. 3. Seja D um dom. e a1 , a2 , ..., an elementos de D tais que < a1 , a2 , ..., an >=< d >para algum d. Mostre √ que mdc(a1 , a2 , ..., an ) =√d. Ache um dom´ınio que n˜ao possui mdc (Mostre que 6 e 2 + 2 −5 n˜ao possem mdc em Z[ −5]). 4. Mostre que mdc(2, x) = 1 em Z[x] e que 1 n˜ao pode ser escrito como combina¸ca˜o linear de 2 e x com coeficientes em Z[x]. Conclua que Z[x] n˜ao ´e um DIP. 5. Num dom. prove que o produto de um elemento irred. por uma unidade ´e irred. S 6. Mostre que Ui onde os Ui pertencem a cadeia U1 ⊂ U2 ⊂ ... de ideais de um anel R ´e um ideal. 7. Seja D um DE e d a fun¸ca˜o associada . Mostre que u ´e unidade de D ⇔ d(u) = d(1) 8. Seja D um DE e d a fun¸c˜ao associada . Mostre que se a e b s˜ao associados em D ent˜ao d(a) = d(b). 9. Seja D um DIP. Mostre que todo ideal pr´oprio de D est´a contido num ideal maximal de D. √ 10. Em Z[ −5] mostre que 21 n˜ao se fatora unicamente como um produto de irred. 11. Mostre que 1 − i ´e irred. em Z[i] √ 12. Mostre que Z[ √ −6] n˜ao ´e um DFU.(Sug. fatore 10 de 2 maneiras). Conclua que Z[ −6] n˜ao ´e um DIP. 13. Dˆe um exemplo de um DFU com um subdom´ınio, o qual, n˜ao ´e um DFU. 14. Em Z[i], mostre que 3 ´e irred. e que 2 e 5 n˜ao s˜ao irred.. 15. Num dom´ınio, mostre que a e b s˜ao associados se e somente se < a >=< b > √ 16. Prove que 7 ´e irred. em Z[ 6] , mesmo que N (7) n˜ao seja primo. √ √ 17. Prove que Z[ −3] n˜ao ´e um DIP. Idem para Z[ −5] √ 18. Prove que as u ´nicas unidades de Z[ d] onde d ´e livre de quadrados e menor que −1, s˜ao ±1. 19. V ou F? Se D ´e um DIP ent˜ao D[x] ´e um DIP. 20. Mostre que 3x2 + 4x + 3 ∈ Z5 [x] se fatora como (3x + 2)(x + 4) e (4x + 1)(2x + 3). Por que isto n˜ao contraria que Z5 [x] tem fatora¸c˜ao u ´nica?


CAP´ITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOM´INIOS

58 √ 21. Prove que Z[ 5] n˜ao ´e um DFU.

22. Prove que se p 6= 0 num DIP, < p > ´e um ideal maximal ⇔ p ´e irredut´ıvel. 23. V ou F ? Um subdom´ınio de um DE ´e um DE. 24. Mostre que para todo ideal n˜ao trivial A de Z[i],

Z[i] A

´e finito.

25. Prove que as u ´nicas solu¸co˜es inteiras da equa¸c˜ao diofantina y 2 + 1 = 2x3 s˜ao y = ±1, x = 1. Para isto: (a) Mostre que Z[i] ´e um DFU. (b) Mostre que y deve ser ´ımpar . (c) Fatore a equa¸c˜ao em Z[i] e mostre que mdc{y + i, y − i} = 1 + i (d) Substituindo os valores obtidos acima e usando a fatora¸ca˜o u ´nica de Z[i], conclua o problema. 26. Demonstre o Teorema de Fermat; Seja p um n´ umero primo. Ent˜ao s˜ao equivalentes: (a) p = 2 ou p ≡ 1 mod 4 (b) Existe a ∈ Z tal que a2 ≡ −1 mod p (c) p n˜ao ´e irredut´ıvel em Z[i] (d) p ´e soma de dois quadrados. Sugest˜ oes Para provar (a) =⇒ (b) use o Pequeno Teorema de Fermat: Para todo elemento a ∈ Z∗p temos xp−1 ≡ 1 mod p; isto ´e, para todo x ∈ {1, 2, ..., p − 1}, x ´e raiz de 1X p−1 − 1 ∈ Zp [X]. E depois use que Zp [X] ´e um DFU. Para provar (b) =⇒ (c) observe que Z[i] ´e um DIP e ent˜ao todo irredut´ıvel ´e primo. 27. Mostre que os elementos irredut´ıveis de Z[i] s˜ao exatamente os elementos : (a) ±p, ±pi com p primo em Z, p ≡ 3 mod 4 (b) a + bi com a2 + b2 primo em Z 28. Prove o Teorema de Fermat que diz: Seja n um inteiro positivo e seja n = 2r p1 u1 ...pt ut q1 v1 q2 v2 ...qs vs sua decomposi¸ca˜o em irredut´ıveis de Z, onde p1 , p2 , ..., pt s˜ao primos da forma 4n + 1 e q1 , q2 , ..., qs s˜ao primos do tipo 4n + 3. Ent˜ao, n ´e soma de dois quadrados se e somente se v1 , v2 , ..., vs s˜ao pares.


7.4. LISTA DE EXERC´ICIOS DO CAP´ITULO 7

59

29. Dˆe exemplo de um dom´ınio R no qual existe um√elemento que n˜ao√seja produto finito de √ 2√ 3 n 22 2 elementos irredut´ıveis. Sugest˜ao: Use R = K[x, x, x, x, ..., 2 x, ...] e mostre que x n˜ao ´e um produto de um n´ umero finito de irredut´ıveis.


Cap´ıtulo 8 Algumas aplica¸ co ˜es da fatora¸ c˜ ao u ´ nica em dom´ınios Este cap´ıtulo foi proposto como um trabalho final de curso em dezembro de 2004 aos alunos de ´ Algebra I e Estruturas Alg´ebricas I. Apresentei apenas um roteiro para a demonstra¸ca˜o do Teorema de Fermat para o caso n=3 e os alunos deveriam complet´a-lo. A vers˜ao que agora apresento ´e a ´ do aluno Eden Amorim do Curso de Matem´atica Computacional. Fiz apenas algumas complementa¸c˜oes no final da demonstra¸ca˜o do teorema.

8.1

Introdu¸c˜ ao

Um dos problemas mais famosos e que intrigou v´arios matem´aticos foi o de determinar se a equa¸c˜ao X n + Y n = Z n,

n≥3

tem solu¸ca˜o inteira com xyz 6= 0. H´a mil anos, matem´aticos a´rabes haviam dado uma prova de que n˜ao havia solu¸c˜ao para o caso n = 3, mas incorreta. Foi o matem´atico francˆes Pierre de Fermat (1601-1665) que em 1637 retomou o problema escrevendo nas margens de um livro que sabia como demonstrar que n˜ao havia solu¸ca˜o para essa equa¸c˜ao, por´em n˜ao apresentou tal demonstra¸ca˜o. ´ Desde ent˜ao, demonstrar esse resultado, conhecido como Ultimo Teorema de Fermat, tornou-se um desafio e foi estudado por grandes matem´aticos como Euler, Gauss, Cauchy, Hilbert e Sophie Germain, que demonstraram casos particulares. Outros tentaram apresentar a resolu¸c˜ao para o caso geral, mas sem sucesso. Somente em 1995 o matem´atico Andrew Wiles apresentou a demonstra¸c˜ao correta de que n˜ao h´a solu¸ca˜o inteira n˜ao nula para a equa¸ca˜o. Nesse trabalho vamos apresentar uma demonstra¸c˜ao para o caso n = 3: Teorema 8.1.1. A equa¸c˜ao diofantina X3 + Y 3 = Z3 n˜ao tem solu¸c˜ao (x, y, z) ∈ Z3 tais que xyz 6= 0. 60


8.2. O ANEL Z[ω]

8.2

61

O anel Z[ω]

Considere o n´ umero complexo √ 1 3 i, ω=e =− + 2 2 raiz terceira da unidade, isto ´e, ω 3 = 1. Esse n´ umero, assim como ω 2 = ω, ´e um gerador do grupo {1, ω, ω 2 } das ra´ızes terceiras da unidade. Tamb´em temos que vale a igualdade 2π i 3

ω2 + ω + 1 = 0

(∗).

A partir desse n´ umero temos o anel Z[ω] definido por: Z[ω] = {a + bω | a, b ∈ Z ; ω 2 + ω + 1 = 0 Dados α = a + bω e β = c + dω em Z[ω], a soma desses elementos ´e da forma (a + bω) + (c + dω) = (a + c) + (b + d)ω e o produto ´e (a + bω)(c + dω) = ac + (ad + bc)ω + bdω 2 = ac + (ad + bc)ω + bd(ω 2 + ω + 1) − bdω − bd = = (ac − bd) + (ad + bc − bd)ω onde, para eliminar o termo quadr´atico, somamos e subtra´ımos o termo bd(w + 1) e usamos que ω satisfaz a igualdade (∗). Esse anel ´e um dom´ınio pois ´e um subconjunto do corpo C. Em Z[ω] definimos a fun¸ca˜o: N : Z[ω] − {0} → Z+ a + bω 7→ a2 − ab + b2 a qual chamaremos de norma. Com essas defini¸c˜oes vamos provar as proposi¸co˜es a seguir. Proposi¸c˜ ao 8.2.1. Em Z[ω], 1. Se a + bω ∈ Z[ω] ´e escrito na forma u + iv ∈ C ent˜ao N (a + bω) = u2 + v 2 . Isto prova que N est´a bem definida. 2. Para todo α, β ∈ Z[ω] temos N (αβ) = N (α)N (β). Tamb´em, se α | β ent˜ao N (α) | N (β) em Z. 3. O conjunto das unidades de Z[ω] ´e U (Z[ω]) = {α ∈ Z[ω] | N (α) = 1} = {1, −1, ω, −ω, 1 + ω, −1 − ω}.


62

˜ ˜ UNICA ´ CAP´ITULO 8. ALGUMAS APLICAC ¸ OES DA FATORAC ¸ AO EM DOM´INIOS 4. O corpo quociente de Z[ω] ´e Q[ω].

Demonstra¸c˜ ao 1. O elemento a + bω de Z[ω] pode ser escrito como √ √ 1 3 3b b a+b − + i =a− + i 2 2 2 2 Como n´ umero complexo, a norma ao quadrado desse elemento ´e √ 2

2 √ 2

3b 3b b b b2 3b2 2

a − +

= a− i + = a − ab + + = a2 − ab + b2 = N (a + bω)

2 2

2 2 4 4 Portanto vemos que a fun¸c˜ao N est´a bem definida em Z[ω]. 2. Dados α = a + bω e β = c + dω, temos αβ = (ac − bd) + (ad + bc − bd)ω e portanto N (αβ) = (ac − bd)2 − (ac − bd)(ad + bc − bd) + (ad + bc − bd)2 = = a2 c2 − a2 cd + a2 d2 − abc2 + abcd − abd2 + b2 c2 − b2 cd + b2 d2 = = (a2 − ab + b2 )(c2 − cd + d2 ) = N (α)N (β) Se α | β, existe κ ∈ Z[ω] tal que β = κα. Aplicando a fun¸c˜ao N temos N (β) = N (κ)N (α) de onde conclu´ımos que N (α) | N (β) em Z. 3. Suponha que υ seja uma unidade de Z[ω]. Ent˜ao existe υ −1 tal que υυ −1 = 1. Aplicando a fun¸c˜ao N temos N (υ)N (υ −1 ) = N (1) = 1. Mas em Z+ , a u ´nica fatora¸c˜ao de 1 ´e 1 = 1 · 1. Portanto, N (υ) = N (υ −1 ) = 1. Vamos agora obter os elementos que possuem norma 1, isto ´e, os elementos a+bω que satisfazem a equa¸ca˜o a2 − ab + b2 = 1. Para isso considere o polinˆomio p(a) = a2 − ab + b2 − 1 ∈ Z[a]. Esse polinˆomio tem ra´ızes se, e somente se, o discriminante ν ´e n˜ao-negativo, ou seja, se b2 −4(b2 −1) ≥ 0. Resolvendo essa inequa¸ca˜o em R obtemos |b| ≤ √23 implicando que os poss´ıveis valores inteiros de b s˜ao −1, 0 e 1. Vamos analisar cada caso: • b = −1: Ent˜ao p(a) = a2 + a e suas ra´ızes s˜ao a = 0 e a = −1 • b = 0: Ent˜ao p(a) = a2 − 1 e suas ra´ızes s˜ao a = 1 e a = −1 • b = 1: Ent˜ao p(a) = a2 − a e suas ra´ızes s˜ao a = 0 e a = 1 Portanto, o conjunto dos elementos de Z[ω] com norma 1 ´e {1, −1, ω, −ω, 1 + ω, −1 − ω}. Podemos facilmente verificar que 1 · 1 = (−1) · (−1) = ω · (−1 − ω) = (−ω) · (1 + ω) = 1. Logo, um elemento de Z[ω] ´e unidade se, e somente se, sua norma ´e igual a 1. 4. Antes vamos definir o elemento ”conjugado”em Z[ω]. Dado um elemento α = a + bω ∈ Z[ω], queremos encontrar α ∈ Z[ω] tal que α · α = N (α). Para obter esse elemento basta resolver o seguinte sistema nas vari´aveis x e y:


8.2. O ANEL Z[ω]

63

(a + bω)(x + yω) = a2 − ab + b2 . Assim temos que, para qualquer Îą em Z[ω], Îą = (a − b) − bω. Podemos verificar que esses elementos, quando escritos na forma u + iv, sËœao realmente conjugados em C. Agora vamos a` demonstra¸caËœo da propriedade 4. O corpo quociente de Z[ω], Z(ω), e o corpo Q[ω] sËœao descritos por a + bω 2 2 | a, b, c, d ∈ Z e c + d 6= 0 Z(ω) = c + dω e Q[ω] =

a b 2 2 + ω | a, b, c, d ∈ Z e c + d 6= 0 c d

Considere um elemento de Z(ω), digamos pelo conjugado do denominador temos

a + bω . Multiplicando numerador e denominador c + dω

(a + bω)(c − d − dω) (ac − ad − bd) + (bc − ad)ω = = (c + dω)(c − d − dω) c2 − cd + d2 bc − ad ac − ad − bd + ω ∈ Q[ω] = 2 c − cd + d2 c2 − cd + d2 a b + ω de Q[ω], podemos escrever c d a b ad cb ad + cbω + ω= + ω= ∈ Z(ω) c d cd cd cd Desse modo conclu´Ĺmos que Q[ω] ´e o corpo quociente de Z[ω]. Por outro lado, dado um elemento

Proposi¸cËœ ao 8.2.2. O anel Z[ω] com a fun¸cËœao N ´e um DE. Demonstra¸cËœ ao Vamos verificar as duas propriedades de um DE: • N (ιβ) ≼ N (Îą): Pela proposi¸caËœo 8.2.1.2 temos N (ιβ) = N (Îą)N (β). Como a imagem da fun¸cËœao N ´e o conjunto dos inteiros positivos, conclu´Ĺmos que N (ιβ) ≼ N (Îą) e N (ιβ) ≼ N (β). • Algoritmo da divisËœao: Se x, y ∈ Z[ω] com y 6= 0, entËœao, pelo item 4 da proposi¸caËœo 8.2.1, xy −1 ∈ Q[ω]. Assim temos que xy −1 = s + tω, onde s, t ∈ Q[ω]. Vamos considerar inteiros m e n tais que |m − s| ≤ 1/2 e |n − t| ≤ 1/2, ou seja, m e n sËœao os inteiros mais pr´oximos dos racionais s e t. EntËœao


64

˜ ˜ UNICA ´ CAP´ITULO 8. ALGUMAS APLICAC ¸ OES DA FATORAC ¸ AO EM DOM´INIOS

xy −1 = s + tω = (m − n + s) + (n − n + t)ω = = (m + nω) + [(s − m) + (t − n)ω]. Portanto x = (m + nω)y + [(s − m) + (t − n)ω]y. Afirmamos que q = (m + nω) e r = [(s − m) + (t − n)ω]y satisfazem o algoritmo da divis˜ao. De fato, q pertence a Z[ω] e, como podemos escrever r = x − qy, o mesmo acontece para r. Al´em disso, N (r) = N ([(s − m) + (t − n)ω])N (y) = = [(s − m)2 − (s − m)(t − n) + (t − n)2 ]N (y) ≤ 1 N (y) < N (y). ≤ 4

Feito isso, conclu´ımos que Z[ω] ´e de fato um dom´ınio euclidiano. Corol´ ario 8.2.3. O anel Z[ω] ´e um DIP e portanto um DFU. Demonstra¸c˜ ao De fato, todo DE ´e um DIP e todo DIP ´e um DFU. Proposi¸c˜ ao 8.2.4. O elemento γ = 1 − ω ´e um elemento irredut´ıvel em Z[ω] e a fatora¸c˜ ao de 3 2 2 2 2 em elementos irredut´ıveis de Z[ω] ´e 3 = −ω (1 − ω) = −ω γ . Demonstra¸c˜ ao O elemento γ = 1 − ω n˜ao ´e nulo nem invert´ıvel (proposi¸c˜ao 8.2.1-3). Suponha agora que γ = α · β e vamos mostrar que α ou β ´e invert´ıvel. Aplicando a norma: N (α)N (β) = N (γ) = 3 Sabemos que, como 3 ´e primo no DIP Z, a u ´nica fatora¸ca˜o de 3 em Z ´e 3 = 3 · 1. Portanto N (α) = 1 ou N (β) = 1, ou seja, α ou β ´e invert´ıvel (novamente pela proposi¸c˜ao 8.2.1-3). Conclu´ımos ent˜ao que γ ´e irredut´ıvel e, como Z[ω] ´e DIP (corol´ario 8.2.3), tamb´em ´e primo em Z[ω]. Vamos agora verificar que −ω 2 γ 2 ´e a fatora¸ca˜o de 3 em elementos irredut´ıveis de Z[ω]: −ω 2 γ 2 = −ω 2 (1 − γ)2 = −ω 2 (1 − 2ω + ω 2 ) = = −ω 2 + 2ω 3 − ω 4 = −ω 2 + 2 − ω = = −(ω 2 + ω + 1) + 3 = 3 Como Z[ω] ´e DFU, essa ´e a u ´nica fatora¸c˜ao de 3.


8.2. O ANEL Z[ω]

65

Proposi¸c˜ ao 8.2.5. Se um inteiro a ´e divis´ıvel por γ = 1 − ω em Z[ω] ent˜ao 3 | a em Z. Demonstra¸c˜ ao Como a ´e divis´ıvel por γ, existe κ ∈ Z[ω] tal que a = κγ. Aplicando a norma temos a2 = N (κ)3, implicando que 3 divide a2 em Z. Como 3 ´e primo em Z, conclu´ımos que 3 divide a. O contr´ario tamb´em vale. De fato, se a ´e inteiro e 3 | a em Z[ω], ent˜ao γ | a, uma vez que γ ´e fator de 3. Proposi¸c˜ ao 8.2.6.

Z[ω] ∼ = Z3 . <γ>

Demonstra¸c˜ ao Verificaremos esse isomorfismo usando o teorema fundamental do homomorfismo (TFH), isto ´e, precisamos definir um homomorfismo cuja imagem seja Z3 e cujo n´ ucleo(ou kernel) seja o ideal < γ >. Z[ω] : Para isso, podemos observar qual ´e a forma dos elementos de <γ> a + bω+ < γ >= a + b − bγ+ < γ >= a + b+ < γ > . Baseados nessa observa¸ca˜o juntamente com a proposi¸ca˜o 8.2.5, definimos a seguinte fun¸c˜ao: ϕ:

Z[ω] → Z3 a + bω 7→ a + b

onde a + b representa a classe de a + b em Z3 . Vamos verificar que γ ´e um um homomorfismo: • Adi¸ca˜o: ϕ((a + bω) + (c + dω)) = ϕ((a + c) + (b + d)ω) = a + c + b + d = = a + b + c + d = ϕ(a + bω) + ϕ(c + dω) • Multiplica¸ca˜o: ϕ((a + bω) · (c + dω)) = ϕ((ac − bd) + (ad + bc − bd)ω) = ac − bd + ad + bc − bd = = ac + ad + bc + bd = (a + b) · (c + d) = = ϕ(a + bω) · ϕ(c + dω)

Agora vamos verificar as condi¸c˜oes necess´arias para usar o TFH: • O homomorfismo ϕ ´e sobrejetor. De fato, dado n ∈ Z3 , temos ϕ(n + 0ω) = n. • Nuc ϕ =< γ > Considere α ∈< γ >. Ent˜ao existe κ = c + dω ∈ Z[ω] tal que α = κγ. Escrevendo de outra forma, temos α = (c + dω)(1 − ω) = (c + d) + (2d − c)ω. Portanto ϕ(α) = c + d + 2d − c = 0. Logo, α ∈ Nuc ϕ.


˜ ˜ UNICA ´ CAP´ITULO 8. ALGUMAS APLICAC ¸ OES DA FATORAC ¸ AO EM DOM´INIOS

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Por outro lado, seja α = a + bω ∈ Nuc ϕ, isto ´e, ϕ(a + bω) = 0. Assim, a + b = 0, significando que, em Z, podemos escrever a + b = 3k. Mas em Z[ω], de acordo com a proposi¸c˜ao 8.2.4, isso pode ser reescrito como a + b = −ω 2 γ 2 k. Pela observa¸ca˜o feita no come¸co desta demonstra¸ca˜o, temos que a + bω = −(b + ω 2 kγ)γ e portanto, α ∈< γ >. Desse modo, conclu´ımos a igualdade entre esses dois conjuntos. Portanto, pelo THF Z[ω] ∼ Z[ω] = = Z3 = Im ϕ Nuc ϕ <γ> Com esse isomorfismo demonstrado, podemos representar as classes de

Z[ω] <γ>

por −1, 0 e 1.

Tamb´em vamos representar por α 7→ α mod γ o homomorfismo canˆonico entre Z[ω] e

Z[ω] . <γ>

Proposi¸c˜ ao 8.2.7. Seja α ∈ Z[ω]. Se α n˜ao for divis´ıvel por γ ent˜ao α3 ≡ ± mod γ 4 . Demonstra¸c˜ ao Suponha que α ≡ 1 mod γ. Ent˜ao existe κ ∈ Z[ω] tal que α = 1 + κγ. Elevando ao cubo ambos os membros dessa equa¸c˜ao: α3 = 1 + 3κγ + 3κ2 γ 2 + κ3 γ 3 = 1 − ω 2 γ 3 κ − ω 2 γ 4 κ2 + κ3 γ 3 Portanto α3 − 1 = γ 3 (κ3 − ω 2 κ) = γ 3 (κ(κ − ω)(κ + ω)) Queremos agora mostrar que o termo (κ(κ − ω)(κ + ω)) tem fator γ. Para isso, vamos analisar 3 casos: • Se κ ≡ 0 mod γ j´a temos o resultado que queremos. • Se κ ≡ 1 mod γ: Ent˜ao κ − ω ≡ 1 − ω ≡ γ ≡ 0 mod γ. • Se κ ≡ −1 mod γ: Ent˜ao κ + ω ≡ −1 + ω ≡ −γ ≡ 0 mod γ. Assim, o termo (κ(κ − ω)(κ + ω)) ´e divis´ıvel por γ para todo κ. Logo, podemos escrever α − 1 = kγ 4 e portanto α3 ≡ 1 mod γ 4 . Analogamente, supondo α ≡ −1 mod γ chegamos a α3 ≡ −1 mod γ 4 . 3

8.3

A equa¸c˜ ao X 3 + Y 3 + Z 3 = 0

Considere a equa¸c˜ao X3 + Y 3 + Z3 = 0

(8.1)

Suponhamos que exista uma solu¸c˜ao n˜ao trivial (α, β, ν) ∈ Z[ω]3 para essa equa¸ca˜o. Podemos considerar que α, β e ν s˜ao coprimos dois a dois. Com essa suposi¸c˜ao e com a proposi¸ca˜o a seguir, tentaremos chegar em uma contradi¸c˜ao, mostrando assim o teorema 8.1.1.


˜ X3 + Y 3 + Z3 = 0 8.3. A EQUAC ¸ AO

67

Proposi¸c˜ ao 8.3.1. Em Z[ω] podemos escrever X 3 + Y 3 = (X + 1Y )(X + ωY )(X + ω 2 Y ) Demonstra¸c˜ ao Efetuando o produto: (X +1Y )(X +ωY )(X +ω 2 Y ) = X 3 +X 2 Y ω 2 + X 2 Y ω+XY 2 ω 3 +X 2 Y +XY 2 ω 2 +XY 2 ω+Y 3 ω 3 = = X 3 +Y 3 +X 2 Y (ω 2 +ω+1)+XY 2 (ω 2 +ω+1) = X 3 + Y 3

Proposi¸c˜ ao 8.3.2. Se α, β, ν ∈ Z[ω] for solu¸c˜ao da equa¸c˜ao X 3 + Y 3 + Z 3 = 0 ent˜ao 1. O elemento γ = 1 − ω divide exatamente um dos elementos α ou β ou ν. 2. Suponha que γ | ν. Podemos afirmar que a equa¸c˜ao X 3 + Y 3 + U γ 3n Z 3 = 0

(8.2)

admite solu¸c˜ao (x, y, u, z) ∈ Z[ω]4 para algum inteiro n positivo. Seja n0 o menor inteiro n tal que a equa¸c˜ao tenha solu¸c˜ao. 3. n0 ≥ 2 4. Com rela¸c˜ao ao item 2 podemos afirmar que γ | (x + y), γ | (x + ωy) e γ | (x + ω 2 y). 5. A equa¸c˜ao Y1 Y2 Y3 = −U1 γ 3n0 −3 Z13

(8.3)

tem solu¸c˜ao (y1 , y2 , y3 , u1 , z1 ) ∈ Z[ω]5 com mdc(y1 , y2 ) = mdc(y1 , y3 ) = mdc(y3 , y2 ) = 1. 6. Podemos escrever y1 = ε1 γ 3n0 −3 t31 , y2 = ε2 t32 e y3 = ε3 t33 , onde εi com i ∈ {1, 2, 3} s˜ao unidades de Z[ω] e ti com i ∈ {1, 2, 3} s˜ao elementos de Z[ω], os quais s˜ao 2 a 2 relativamente primos e nenhum ´e divis´ıvel por γ. 7. Usando a escolha de n0 , obtemos um absurdo e conclu´ımos que a equa¸c˜ao X 3 + Y 3 + Z 3 = 0 n˜ ao tem nenhuma solu¸c˜ao n˜ao trivial em Z[ω]. Demonstra¸c˜ ao 1. Como estamos supondo que α, β, e ν s˜ao coprimos 2 a 2, de in´ıcio j´a podemos descartar a possibilidade de haver elemento que divida todos os trˆes ao mesmo tempo ou quaisquer dois deles. Agora suponha que γ n˜ao divida nenhum deles. Isso significa que α ≡ ±1 mod γ, β ≡ ±1 mod γ e ν ≡ ±1 mod γ. Por´em, usando a proposi¸c˜ao 8.2.7 e a equa¸c˜ao (8.1) esses elementos devem satisfazer α3 + β 3 + ν 3 ≡ 0 mod γ 4 .


68

˜ ˜ UNICA ´ CAP´ITULO 8. ALGUMAS APLICAC ¸ OES DA FATORAC ¸ AO EM DOM´INIOS

Mas os poss´ıveis valores para a soma da equa¸ca˜o acima s˜ao {1, −1, 3, −3}, que s˜ao todos diferentes de zero (sabemos que 3 = −ω 2 γ 2 ). Portanto chegamos numa contradi¸c˜ao e podemos concluir que γ divide exatamente um elemento dentre α, β e ν. 2. Podemos fatorar ν do seguinte modo: ν = εγ n t, onde ε ´e invert´ıvel, t n˜ao ´e divis´ıvel por γ e n ´e pelo menos igual a 1, j´a que γ divide ν. Assim, α3 + β 3 + ε3 γ 3n t3 = 0.

(8.4)

Logo, (x = α, y = β, u = ε3 , z = t) ∈ Z[ω]4 ´e solu¸ca˜o da equa¸c˜ao (8.2). 3. Como γ n˜ao divide α nem β temos que α ≡ ±1 mod γ e β ≡ ±1 mod γ. Da equa¸c˜ao (8.4) sabemos que α3 + β 3 ≡ 0 mod γ, e portanto as classes de α e β tˆem sinais contr´arios na congruˆencia m´odulo γ, ou seja, se α ≡ 1 mod γ ent˜ao β ≡ −1 mod γ. Desse modo, pela equa¸ca˜o (8.4) e pela proposi¸ca˜o (8.2.7) temos a congruˆencia α3 + β 3 + ε3 γ 3n t3 ≡ 0 mod γ 4 ⇒ ε3 γ 3n t3 ≡ 0 mod γ 4 Mas como γ n˜ao divide ε nem t, conclu´ımos que γ 4 deve dividir γ 3n , o que s´o ´e poss´ıvel se tivermos n ≥ 2, como quer´ıamos demonstrar. 4. Pela proposi¸c˜ao 8.3.1, a equa¸c˜ao (8.4) pode ser escrita como (x + y)(x + ωy)(x + ω 2 y) = −uγ 3n z 3 = 0. Como γ ´e primo em Z[ω], ele divide um dos fatores do lado esquerdo da equa¸c˜ao. O que vamos mostrar agora ´e que se γ dividir um dos fatores, ele tamb´em dividir´a os outros dois. Para isso verificaremos as equivalˆencias γ | (x + y) ⇔ γ | (x + ωy) ⇔ γ | (x + ω 2 y): • Suponha que γ | (x + y), isto ´e, (x + y) ≡ 0 mod γ. Portanto: x + ωy ≡ x + y − y(1 − ω) ≡ 0 mod γ • Se γ | (x + ωy), ent˜ao: x + ω 2 y ≡ x + ω(ωy) ≡ x + ωy − ωy(1 − ω) ≡ 0 mod γ • Finalmente, se γ | (x + ω 2 y): x + y ≡ x + ω(ω 2 y) ≡ x + ω 2 y − ω 2 y(1 − ω) ≡ 0 mod γ Portanto, conclu´ımos que γ divide os trˆes fatores. 5. Pelo item anterior, existem y1 , y2 , y3 ∈ Z[ω] tal que (x + y) = y1 γ,

(x + ωy) = y2 γ

e (x + ω 2 y) = y3 γ

(8.5)


˜ X3 + Y 3 + Z3 = 0 8.3. A EQUAC ¸ AO

69

Ent˜ao, a partir da solu¸c˜ao da equa¸ca˜o (8.2) e da proposi¸ca˜o 8.3.1 escrevemos: y1 y2 y3 γ 3 = −uγ 3n z 3 = 0 ⇒ y1 y2 y3 = −uγ 3n−3 z 3 . Assim, (y1 , y2 , y3 , u, z) ∈ Z[ω]5 ´e solu¸ca˜o da equa¸c˜ao 8.3. Al´em disso, y1 , y2 , y3 s˜ao coprimos 2 a 2. Para ver isso, suponha que exista um elemento irredut´ıvel a ∈ Z[ω] que divida y1 e y2 . Ent˜ao pelas equa¸c˜oes 8.5, a | x+y e a | x+ωy . Da´ı, γ γ x+y−x−ωy ), ou seja, a | y . Mas isso implica que a | x (pois a | (x + y)), contradizendo que x e y a| γ s˜ao coprimos. 2y 2 Similarmente, supondo que a|y1 e a|y3 , ent˜ao a| x+y , a| x+ω . Segue da´ı a | x+ω y−x−y , ou γ γ γ seja, a | (ω + 1)y. Como ω + 1 ´e invert´ıvel, conclu´ımos que a | y e conseq¨ uˆentemente a | x, contradizendo novamente a hip´otese de que x e y s˜ao coprimos. 2 y) 2y Finalmente, se a | y2 e a | y3 , ent˜ao a | x+ωy e a | x+ω . Assim a | (x+ωy−x−ω , isto ´e, a | ωy . γ γ γ Mas ω ´e invert´ıvel, implicando que a | y e segue que tamb´em a | x, de onde chegamos outra vez numa contradi¸c˜ao. Logo, y1 , y2 , y3 s˜ao coprimos 2 a 2. 6. Pelo item anterior, temos que os yi ’s (i = 1, 2, 3) s˜ao coprimos dois a dois. Assim, por ser Z[ω] um DFU, apenas um deles possui o fator γ 3n0 −3 ; suponhamos que seja y1 . Portanto, fatorando os yi ’s temos y1 = ε1 γ 3n0 −3 t31 , y2 = ε2 t32 e y3 = ε3 t33 , onde εi com i ∈ {1, 2, 3} s˜ao unidades de Z[ω] e ti com i ∈ {1, 2, 3} s˜ao elementos de Z[ω], os quais s˜ao coprimos 2 a 2 e nenhum ´e divis´ıvel por γ. 7. Observe que y1 + ωy2 + ω 2 y3 =

x+y x + ωy x(1 + ω + ω 2 ) + y(1 + ω + ω 2 ) x + ω2y +ω + ω2 = =0 γ γ γ γ

e assim fazendo as substitui¸co˜es do item 6 temos ω 2 ε3 t33 + ωε2 t32 + ε1 γ 3n0 −3 t31 = 0, ou seja t33 + ε4 t32 + ε5 γ 3n0 −3 t31 = 0 sendo ε4 e ε5 unidades de Z[ω]. Passando a u ´ltima equa¸c˜ao mod γ 4 temos que ε4 ∈ {1, −1, ω, −ω, ω 2 , −ω 2 }. Fazendo uma substitui¸c˜ao direta temos que ε4 ∈ {1, −1} e assim achamos uma solu¸ca˜o da equa¸ca˜o (8.2) e como 3n0 − 3 < 3n0 temos um absurdo pela escolha do n0 . Logo provamos o Teorema 8.3.1. A equa¸c˜ ao diofantina: X3 + Y 3 = Z3 n˜ ao tem solu¸c˜ ao (x, y, z) ∈ Z3 tais que xyz 6= 0 e x, y, z inteiros.


70

˜ ˜ UNICA ´ CAP´ITULO 8. ALGUMAS APLICAC ¸ OES DA FATORAC ¸ AO EM DOM´INIOS

8.4

A equa¸c˜ ao Y 2 + 1 = 2X 3

Queremos demonstrar o seguinte Teorema 8.4.1 (Fermat). As u ´nicas solu¸c˜oes inteiras da equa¸c˜ao Y 2 + 1 = 2X 3 s˜ao y = ±1, x = 1. Dem: Primeiro observe que y deve ser ´ımpar porque sen˜ao 2 seria invert´ıvel em Z. Reescrevendo a equa¸ca˜o em Z[i] temos: (y + i)(y − i) = 2x3 . Todo divisor comum de y − i e y + i dever´a tambem dividir (y + i) − (y − i) = 2i = (1 + i)2 e portanto deve ser 1, 1 + i ou (1 + i)2 (a menos de unidades). Como y ´e ´ımpar ent˜ao (1 + i)2 = 2i n˜ao pode ser . Assim mdc{y + i, y − i} = 1 + i e podemos escrever y + i = (1 + i)(a + bi)

e

y − i = (1 + i)(c + di)

onde mdc{a + bi, c + di} = 1. Ent˜ao 2x3 = (y + i)(y − i) = (1 + i)2 (a + bi)(c + di) = 2i(a + bi)(c + di) e como Z[i] ´e um DFU, a + bi e c + di devem ser cubos em Z[i]; note que todas as unidades ±1, ±i de Z[i] s˜ao cubos. Assim podemos escrever que existem inteiros α, β tais que y + i = (1 + i)(α + βi)3 = (α3 − 3αβ 2 − 3α2 β + β 3 ) + i(α3 − 3αβ 2 + 3α2 β − β 3 ). Resolvendo esta equa¸ca˜o temos y = α3 − 3αβ 2 − 3α2 β + β 3 = (α + β)(α2 − 4αβ + β 2 ) e 1 = α3 − 3αβ 2 + 3α2 β − β 3 = (α − β)(α2 + 4αβ + β 2 ). A u ´ltima equa¸ca˜o ´e somente satisfeita para α = 0, β = −1 e α = 1, β = 0. Levando essas possibilidades na equa¸c˜ao anterir obtemos y = ±1. e a equa¸ca˜o est´a resolvida.


Referˆ encias Bibliogr´ aficas [1] Gallian J., Contemporary Abstract Algebra, third edition, Heath, 1994. ´ [2] Garcia A. e Lequain Y., Algebra : um curso de introdu¸ca˜o , Projeto Euclides, 1988.

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