Caroline Silva – 14173 História da Arte Contemporânea Licenciatura em Artes Plásticas e Multimédia
Barnett Newman nasceu em Manhattan a 29 de janeiro de 1905. Filho de emigrantes judeus vindos da Polónia, então pertencente a URSS, Newman teve uma infância sadia, junto com seus outros três irmãos, dos quais era o mais velho. Relembra que durante seus primeiros anos de liceu faltava as aulas para ver as exposições do Museu Metropolitano de Arte e no último ano, já interessado pelo mundo artístico, começa a ter aulas de desenho seis vezes por semana. Sua formação em arte decorre de um curso livre do Citty College of New York, no qual não obtém uma performance notável. Depois de graduado, Newman aceita o convite de seu pai para integrar-se no próspero negócio da família, uma empresa de produção de roupas masculinas, a fim de poder sustentar-se como artista.1 Os primeiros trabalhos artísticos de Newman nunca o agradaram, de fato ele até destruiu alguns, mas em 1948, ele mesmo julgou ter encontrado uma maturidade artística quando pintou “Onement, I”, uma pintura a óleo unida a uma técnica de usar fita-cola para construir linhas verticais na tela. A dimensão da pintura não impressiona, 69.2 cm por 41.2 cm, entretanto sua importância para Newman é grandiosa. Ele diz: “I felt I had moved into an area for myself that was completely me”2. “Onement, I” é a primeira obra de Newman onde aparece o “zip”, uma linha vertical que se tornará recorrente no trabalho do artista a partir de então. Ele mesmo confessa que não estava premeditando usar estas listras em seu trabalho, mas que quando a fez pensou nela como “streakes of life”3, algo como os marcos da vida, ou nossa posição diante dela, e sentiu necessidade de as fazer várias vezes. Newman ainda afirma que não acredita que estas listras sirvam para dividir a pintura, mas para unir suas várias partes. Na existência da pintura, bem como na nossa experiência de vida, alguns eventos inesperados simplesmente acontecem, - o temível acaso -, e tudo se conecta de forma nem sempre premeditada, formando a essência da própria pintura, e da própria vida. Newman pinta para relacionar o espaço com a obra, ou seja, sua existência, naquele espaço, e sua relação “verticalizada” com o espectador. A obra se “coloca de pé” para conhcer o espectador e relacionar-se com ele.4 Para Newman o contacto com a pintura desenvolve-se da mesma maneira que o contato entre duas pessoas. Quando conhecemos alguém, nossa primeira impressão é causada pelas sensações de estar diante deste outro ser. Para Newman isto é uma relação metafísica5, uma interação que não se desenvolveu ainda no campo da lógica, de gostarmos ou não por descobrimor certas questões sobre o outro, mas um contato pautado pelo instante inicial, que automaticamente desperta alguma reação de nossa parte. 1
HO, Melissa. (2002). Catálogo da exposição de Barnett Newman. Museu de Arte da Filadélfia. Disponível em http://www.barnettnewman.org/artist/chronology. Consultado em 6 de novembro de 2016. 2 KunstSpektrum. (2014, 5 de março). Barnett Newman speaks about his arte [Video File]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=e2c0h1wnxf0 . Consultado em 6 de novembro de 2016. 3 Idem. 4 The Museum of Modern Art. (2010, 24 de novembro.). AB EX NY: The Painting Techniques of Barnett Newman: Vir Heroicus Sublimis [Video File]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=GacKM9yxiw4 . Consultado em 6 de novembro de 2016. 5 KunstSpeKtrum. Op. Cit.
Vir Heroicus Sublimis Barnett Newman Óleo sobre tela, fita-cola 242.2 X 541.7 cm 1950-51 MoMa (240.1969)
Em 1951, Barnett Newman apresentou pela primeira vez sua obra “Vir Heroicus Sublimis” ao público. Foi incisivo em salientar que não era necessário o afastamento da obra, como comummente o espectador ativo faria diante de uma tela com aproximadamente 2,5 metros de altura por 5,5 metros de largura6. O artista estava consciente da tendência humana para se afastar do que é grande, poderoso e informe. Immanuel Kant, em sua “Crítica do Juízo”, já havia referido o sentimento de terror que nos acomete diante de fenómenos os quais não somos capazes de controlar, suscitando as mais diversas emoções. Na história da estética é Kant quem primeiramente formula um pensamento filosófico voltado unicamente para a experiência estética. Segundo suas ideias, é na vivência de um fenómeno que eu encontro capacidades para emitir um juízo de gosto, bem como é na experiência deste fenómeno que eu posso descobrir minhas próprias limitações diante do infinito, do poderoso e do informe. A este infinito, para o qual não existe conceito ou imagem que o represente, Kant dá o nome de Sublime. Quando apresenta sua obra na Betty Parsons Gallery, Newman sabe perfeitamente o que deseja proporcionar ao seu espectador. Sua obra não pretende em nenhum momento fazer referência a algo externo, mas ela se apresenta como um acontecimento diante dos olhos do espectador e o convida a experimentar o que é estar diante do sublime. Estar diante dele nos faz sentir pequenos, incapazes, maravilhados e extasiados. O sublime nos atrai justamente por causa disso, sua infinitude revela minha finitude, seu grande poder minhas limitações, seu aspeto informe minha incapacidade para conceptualizá-lo. Além disso, é diante do sublime que sou provocado a descobri-lo, desvendá-lo, dominá-lo. “Na experiência estética vemo-nos a nós mesmos em relação a uma realidade transcendental, ou supersensível, que ultrapassa o pensamento. Tomamaos consciência dos nossos próprios limites, da 6
MOMA. Gallery label from Abstract Expressionist New York, October 3, 2010-April 25, 2011. Disponível em https://www.moma.org/collection/works/79250 . Consultado em 5 de novembro de 2016.
grandeza do mundo e da ordem inexprimível que nos permite conhecê-lo e agir sobre ele.”7 O Romantismo é o movimento que tentará apresentar uma imagem que proporcione ao espectador o surgimento de emoções desencadeadas diante do sublime.8 Kant aborda o tema e o exemplifica através de fenómenos da natureza, como tempestades, altas montanhas e horizonte além da vista, e são estas referências que levarão artistas românticos a pintar quadros como o “Caminhante sobre o mar de névoa” de Caspar David Fiedrich, pintado em 1818. Nesta imagem o cavalheiro aparece de costas, pois ele representa o próprio espectador diante da maravilhosa vista que lhe é apresentada. Newman faz exatamente o mesmo com seus espectadores, só que o coloca literalmente diante de uma obra, a qual, pela sua magnitude, parece capaz de “abraçar” o observador e envolvê-lo por todos os lados. A pequenez do espectador ressalta a grandeza da obra e vice-versa.
Caminhante sobre o mar de névoa Caspar David Fiedrich Óleo sobre tela 98.4 X 74.8 cm 1818 Kunsthalle de Hamburgo
No Romantismo, entretanto, ainda havia uma tradição académica bastante forte que impossibilitava os artistas de abandonarem a figuração, o que para Newman apresenta-se como um problema. No seu escrito “The sublime is now”, de 1948, o artista critica os movimentos artísticos do início do século XX, como os impressionistas, por exemplo, por estarem ainda presos ao mundo natural como fonte de referências para as suas obras.9 Para Newman foi isto que os impossibilitou de uma verdadeira libertação das regras tradicionais da pintura e a criação de uma arte que fosse genuinamente pura. Nas palavras de Newman: “In other words, modern art, caught without a sublime content, was incapable of creating a new sublime image, and unable to move away from the Renaissance imagery of figures and objects except by distortion or by denying it completely for an empty world 7
SCRUTON, Roger. (1983). Kant. Lisboa: Publicações Dom Quixote, p. 196. ECO, Umberto (org.). (2004). A História da Beleza. Lisboa: Difel, p. 296. 9 NEWMAN, Barnett. (1948). The sublime is now. Disponível em http://theoria.art-zoo.com/the-sublime-is-nowbarnett-newman/ 8
of geometric formalisms—a pure rhetoric of abstract mathematical relationships, became enmeshed in a struggle over the nature of beauty; whether beauty was in nature or could be found without nature.”10 Newman via nos artistas americanos uma esperança para encontrar uma estética de exaltação de si mesma, pois ali entre eles não havia o peso da tradição da cultura europeia, o que possibilitava a criação de uma arte que não precisava se preocupar mais com conceitos como o da beleza, ou com qualquer outro conceito. Em seu texto, Newman esclarece que a abstração é a única via para encontrar uma estética do sublime, e tornar a arte pura completamente. Não uma abstração que encontre no natural o seu referente, mas uma abstração igualmente pura de qualquer intenção que não seja ela mesma. Com uma linguagem abstrata, o sentido de informe que o sublime deve ter é alcançado com maior êxito e a obra não fica presa a nenhum assunto ou conceito externo a ela. Ainda melhor, a nova experiência estética proposta pelos artistas americanos pode ser vivida por qualquer um que dela se aproxime, sem necessariamente ter que carregar consigo todo conhecimento histórico das tradições artísticas. Entre os artistas de seu tempo Mark Rothko é o que mais se aproxima da obra e pensamento de Newman. Ambos acreditam na tela como um espaço de transcendência e usam da grande escala de suas telas como meio para colocar o espectador dentro deste espaço pictórico forçando-o a experimentar as mais diversas sensações. A monocromia é também um ponto em comum entre os artistas, cujas obras utilizam a cor como elemento expressivo capaz de provocar diversas emoções e sensações naqueles que as contemplam. O que fará o espectador se envolver e dialogar com a obra não será seu tema ou estrutura, mas o ambiente de sensações criado pela mesma.
Red on Marron Mark Rothko Tinta à óleo, pigmentos e cola sobre tela 266.7 X 457.2 cm 1959 TATE T01168
Os trabalhos destes artistas se desenvolveram com o objetivo de superar a materialidade, o mundo natural dos objetos e ascenderem ao que é transcendental. Esse desejo de transcendência é provavelmente resultado do sentimento pós Segunda Guerra Mundial, que havia desencadeado um ambiente de profundo drama existencial. Desiludidos com a falta de coerência na razão humana e sua incapacidade em gerir o mundo de forma satisfatória, os artistas do momento pós-guerra encontraram no conceito do informe a possibilidade de criarem obras a partir do nada, experimentar novas abordagens e técnicas e trabalharem sem o peso de regras formais estabelecidos por uma tradição. O informe abrange a ideia de que no seu estado 10
NEWMAN, Barnett. Op. Cit.
inicial mais puro, a obra não é nada, não se refere a nada, não busca interesse algum. O sublime é informe porque não se refere a absolutamente nada fora de si, e se recusa a ser captado dentro de uma forma que, de alguma maneira, impedirá seu espectador de ver sua pureza. As formas figurativas, já referia Kandinsky, são empecilhos para a vista do contemplador, pois surgem com sua imensidão de referências e conceitos preestabelecidos. A ausência de formas, por outro lado, permite ao espectador experimentar as sensações que a obra é capaz de transmitir. A música, para Kandinsky é a mais pura das artes, justamente por não levantar barreiras entre a essência da obra e os sentidos do apreciador, sendo capaz de provocar as mais profundas sensações. O Informalismo foi um movimento que começou, sobretudo, na Europa, mas por causa do conflito mundial, muitos artistas europeus emigraram para os Estados Unidos11, o que favoreceu uma troca de ideias entre artistas europeus e americanos. O desejo por uma arte nova e completamente americana, juntamente com o apoio e contacto com grandes mestres vindos da Europa, possibilitaram o nascimento do movimento do Expressionismo Abstrato, que também se desenvolvia sobre o informe, mas que acabou por alcançar autonomia e originalidade tão distinta, ao ponto de se tornar no primeiro movimento americano aceite pelo mundo das artes. O Expressionismo Abstrato, segundo o Dicionário Oxford de Arte, é “uma revolta contra afiliações a estilos tradicionais ou a procedimentos técnicos recomendados, pela renúncia ao ideal do produto artístico acabado sujeito aos cânones estéticos tradicionais, por um agressivo espírito de autodeterminação e pela firme exigência de liberdade de expressão espontânea”.12 Deste ponto de vista, a obra de Newman adapta-se perfeitamente ao movimento, já que o próprio artista revela sua ânsia por abandonar os antigos padrões e tradições da arte europeia, bem como encontra no sublime abstrato uma estética que lhe permite um trabalho livre e espontâneo, conduzindo a uma pureza tão desejada pelos pintores do início do século XX. É neste momento histórico que a pintura americana, encontra espaço para servir a ela mesma e desprender-se de qualquer outro movimento do passado, ganhando uma independência que os próprios artistas americanos ansiavam. O trabalho de Barnett Newman, neste aspeto é fundamental, pois, ao lado de outros artistas como Pollock, Rothko e De Kooning, encontrou um caminho para criar uma linguagem original e completamente americana, destituída dos padrões do passado e capaz de existir por si mesma.
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GUADAGNINI, Walter. (1994). O Segundo Pós-Guerra. In: SPROCCATI, Sandro (dir.). (1994) Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Presença, p. 215. 12 CHILVERS, Ian (org.). (2001). Dicionário Oxford de Arte. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, p. 184.
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