Os Filhos Dourados Escrito por Irmãos Grimm Variante Portuguesa Ilustração e Paginação por Carol Silva Beja , Portugal / 2016
ERA uma vez um homem pobre e uma mulher pobre que não tinham nada senão uma pequena cabana e se alimentavam do que pescavam e toda a comida que lhes chegava às mãos ia direitinha para a boca. Mas certo dia, estava o homem sentado à beira da água e tinha lançado a rede, quando aconteceu que pescou um peixe que era todo de e enquanto o homem mirava o peixe cheio de estupefação, o peixe começou a falar e disse:
« Escuta, pescador, se me voltares a atirar para dentro de água, faço da tua pequena cabana um palácio .» Respondeu o pescador: « De que me serve um palácio se não tenho nada para comer?» Continuou o peixe: « Também se vai tratar disso. Haverá um certo armário no palácio que, sempre que o abrires, terá travessas repletas dos mais belos manjares, tantos quantos quiseres.» «pois é», disse o peixe, «mas é sob condição de não revelares a ninguém no mundo, ninguém mesmo, de onde proveio a tua boa . Basta dizeres uma única palavra que seja e está tudo acabado.»
O homem tornou a atirar o peixe maravilhoso para dentro de água e foi para casa. Mas onde antes ficava a sua cabana erguia-se agora um enorme palácio. Ele arregalou muito os olhos, entrou e viu a mulher sentada num
aposento envergando belas roupas. Ela estava toda contente: «Ó homem, mas como é que isto foi acontecer assim de repente? Pois muito me agrada!» «Pois», respondeu o homem, «a mim também me agrada, mas agora estou cheio de fome, arranja-me primeiro alguma coisa para comer.»
A mulher disse: «Mas eu não tenho nada para comer e não sei onde é que hei de encontrar alguma coisa nesta casa nova.» « Também não tens de saber», disse o homem. « Estou a ver aquele grande armário ali, ora experimenta lá abri-lo.»
Quando ela abriu o armário, havia lá dentro bolos, carne, fruta e vinho, tanta coisa que até parecia estar a rir-se para ela. A mulher chamou-o cheia de alegria: «Coração, o que te apetece?» Sentaram-se, comeram e beberam. Quando ficaram cheios a mulher perguntou: «Mas, ó homem, de onde vem toda esta ?»
«Ai», respondeu ele, «não mo perguntes a mim que não te posso responder. Se o revelar a seja quem for, lá se vai de novo a nossa boa fortuna.» «Bom», disse ela, «se não devo sabê-lo, não desejo sabê-lo.» Mas não estava a falar a sério, a ideia não lhe dava sossego dia e noite; e tanto atormentou e picou o marido que este, de impaciêcia, lá acabou por revelar que aquilo tudo provinha de um maravilhoso peixe dourado que ele pescara e que deixara partir em liberdade em troca de . E mal acabara de o dizer, o belo palácio com o armário tinha desaparecido e ei-los de volta à velha cabana de pescadores.
O homem teve que retomar o seu ofício e dedicar-se à pesca. Mas a fortuna quis que ele tornasse a pescar o mesmo peixe dourado. «Escuta», disse o peixe, «se me devolveres à água, torno a dar-te o palácio com o armário cheio de cozidos e assados. Mas desta vez sê firme e não reveles de maneira nenhuma a seja quem for de onde proveio a tua , senão voltas a perder tudo.» «Cuidarei que assim seja», respondeu o pescador, e tornou a atirar o peixe maravilhoso para dentro da água. Em casa era a mesma magnificiência de antes e a mulher não cabia em si de contente com tanta fortuna. Mas a curiosidade não lhe dava sossego e, passados dois dias, começou mais uma vez a perguntar como a coisa se passara e como ele fizera. O homem manteve-se calado algum tempo, mas tanto ela o azucrinou que ele acabou por soltar a língua e revelar o segredo. De imediato o palácio desapareceu e ei-los de volta à velha cabana. «Pois aqui tens», disse o homem, «e agora tornamos a passar fome.» «Ora», respondeu a mulher, «eu cá prefiro não ter riqueza se não posso saber de onde é que ela vem senão não tenho paz.
O homem tornou a ir pescar e passado algum tempo eis que tornou a pescar o peixe dourado pela terceira vez. «Escuta», disse o peixe, «vejo que estou sempre a ir parar às tuas mãos. Leva-me contigo para casa e talha-me em seis bocados, dá dois deles a comer a tua mulher, dois ao teu cavalo e enterra os outros dois na terra, que obterás assim uma .» O homem levou o peixe para casa e fez como este lhe dissera.
Aconteceu, no entanto, que dos dois bocados enterrados na terra cresceram dois lírios dourados, o cavalo teve dois poldros dourados e a mulher do pescador deu à luz duas crianças que eram completamente . Os filhos cresceram, fizeram-se grandes e esbeltos e os lírios e os cavalos cresceram com eles. Disseram então: «Pai, queremos montar os nossos cavalos dourados e partir por esse mundo fora.»
Mas ele respondeu, muito tristemente: «Como vou aguentar quando vos tiverdes ido embora e eu não souber se estais bem?» Eles responderam: «Os dois lírios
ficam aqui, através deles podeis saber como estamos. Se estiverem em flor, é porque estamos de saúde. Se ficarem murchos, é porque estamos doentes. Se caírem, é porque estamos mortos.»
Partiram a cavalo e chegaram a uma estalagem onde havia muita gente e, ao verem dois jovens , as pessoas começaram a rir-se e a zombar deles. Ao ouvir aquela chacota, um dos filhos ficou envergonhado, não quis mais partir mundo fora, deu meia-volta e regressou para a casa do pai.
O outro porém, seguiu a cavalo e chegou a uma grande floresta. Querendo atravessá-la, disseram-lhe: «Não podeis entrar na floresta. Está cheia de ladrões que vos farão mal. E quando virem que sois e o vosso cavalo também, matar-vos-ão.» Mas ele não se deixou intimidar e disse: «Vou penetrar na floresta.»
Pegou em peles de urso e cobriu-se a si e ao cavalo com elas, escondendo assim o , e entrou confiadamente floresta adentro. Tinha cavalgado um pouco quando escutou um rumorejo por entre os arbustos e distinguiu vozes.
De um lado diziam: «Ali vai um.» Mas do outro responderam: «Deixa-o ir, é um pele de urso, pobre e despojado como um rato de igreja. O que haveríamos de fazer com ele?» E assim o filho
atravessou a floresta com sucesso e nada de mal lhe sucedeu.
Um dia chegou a uma aldeia e na aldeia viu uma moça tão bela que lhe pareceu não haver outra mais bela no mundo inteiro. E porque sentiu um grande por ela, foi ter com ela e disse: «Amo-te do fundo do coração. Queres ser minha mulher?» E tanto agradou a moça que ela aceitou e disse: «Sim, quero ser a tua mulher e ser-te fiel para o resto da minha vida.» E assim se casaram e viviam agora na maior das aventuras, quando o pai da noiva regressou a casa e,vendo que a filha se casara, ficou admirado e disse:
«Que é do noivo?» Mostraram-lhe o filho dourado, que, no entanto, estava ainda coberto com a pele de urso. O pai disse então, cheio de : «Um pele de urso nunca irá ter a minha filha!» E só queria matá-lo. A mulher suplicou-lhe muito e disse: «Ele é o meu marido e eu amo-o de todo o coração.» E o pai acabou por aplacar a sua ira. Mas a coisa não lhe saía da cabeça e na manhã seguinte levantou-se cedo para ver se o marido da filha era um vulgar e esfarrapado mendigo. Mas deu com um magnífico homem dourado deitado na cama enquanto as peles de urso jaziam por terra. Então voltou para trás, pensando: «Ainda bem que controlei a minha raiva! Senão teria cometido um crime grave.»
O filho dourado, por seu turno, estava a sonhar que saía para a caça e ia atrás de um veado. Ao acordar de manhã, disse à mulher: «Vou sair para a caça.» Ela ficou com medo e pediu-lhe para ficar em casa e disse: «É muito fácil que te suceda um grande infortúnio.» Mas ele respondeu: «Tenho de ir e assim o farei.» Levantou-se e partiu para a floresta e, passado não muito tempo, avistou um orgulhoso veado, tal como lhe surgira no sonho. Apontou para o animal e estava mesmo para disparar quando o veado se escapuliu. Desatou a persegui-lo por cima de valas e por entre arbustos e não teve descanso o dia todo. À noite, porém, o veado desapareceu perante os seus olhos. E quando o filho de ouro olhou em volta, viu que fora dar a uma pequena casa onde estava sentada uma . Bateu à porta e uma velhinha apareceu e perguntou-lhe: «O que quereis a esta hora tão tardia aqui no meio desta grande floresta?» Ele disse: «Por acaso não haveis visto um veado?» «Vi», respondeu ela, «conheço bem o veado.»
E um cãozinho que assomara à porta com ela começou a ladrar violentamente ao homem. «Vê lá se te calas, sapo maldito», disse ele, «ou ainda apanhas um tiro.» A bruxa gritou logo, cheia de fúria: «O quê, vais matar o meu cãozinho?!» E logo ali o transformou em
e ele em pedra ali ficou. E a mulher esperava por ele em vão, pensando: «Aconteceu-lhe com certeza o que eu tanto temia e tanto me pesava no ».
Mas o outro irmão estava em casa ao pé dos lírios dourados quando um deles de repente caiu. «Ai, meu Deus», disse ele. «Sucedeu um grande infortúnio ao meu irmão. Tenho de partir para ver se o consigo talvez salvar.» Disse o pai: «Fica. Se te perder também a ti, o que será de mim?» Mas ele respondeu: «Tenho de ir e assim o farei.» Montou o seu cavalo dourado e partiu e chegou à grande floresta onde se encontrava o irmão transformado em pedra. A velha bruxa saiu de casa e chamou-o querendo enfeitiça-lo também a ele. Mas ele não se aproximou e disse: «Disparo sobre ti se não restituíres a vida ao meu irmão.»
Cheia de má vontade, ela tocou na pedra com o dedo e de imediato o outro irmão readquiriu a sua vida humana. Os dois irmãos dourados ficaram muito contentes quando se reviram, beijaram-se e abraçaram-se e juntos cavalgaram para fora da floresta, um rumo à mulher, o outro rumo à casa do pai. O pai disse: «Eu bem sabia que tinhas libertado o teu irmão uma vez que o lírio dourado se ergueu de repente e tornou a despontar.» E assim viveram felizes e tudo lhes correu bem até ao fim dos seus dias.