Catalogo Pigmento em Santos: paisagens, pessoas e coisas deste mundo

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Adriana Pupo Cecilia Pastore Cyra de AraĂşjo Moreira Elisa Bueno Fabio Hanna Helena Carvalhosa Lilian Camelli Mariana Mattos Marina de Falco Renata Pelegrini Roberto Fabra Vera Toledo curadoria Marcelo

Salles






Pigmento em Santos:

paisagens, pessoas e coisas deste mundo

Nota Introdutória: o PIGMENTO existe há 5 anos, formado por artistas que se encontram quinzenalmente para discutir sua produção, arte contemporânea, enfim, sobre o que faz com que continuem a produzir arte em tempos confusos como o nosso. O PIGMENTO é mais que um grupo ou um coletivo ou uma reunião periódica de artistas: PIGMENTO são doze artistas, doze maneiras de ver o mundo através de pinturas, gravuras, instalações, desenhos e esculturas. Nesta exposição a cidade de San-

tos não aparece de forma explicita, mas como estímulo ao olhar e ao pensamento tanto dos artistas como dos visitantes”. Por que ainda produzimos obras de arte? Talvez você já tenha feito a si mesmo esta pergunta; talvez não. Que artistas procurem pela resposta é natural, mas o que ela guarda de enigma talvez nunca possa ser elucidado; melhor assim, pois eles continuarão a produzí-las. A paisagem é um dos temas mais presentes na pintura. Essa mesma


paisagem pode assumir significados ou formas inusitadas, viscerais, etéreas, reconhecíveis, atmosféricas; e ainda pode surgir sob outras linguagens. Nas pinturas de Elisa Bueno reconhecemos paisagens que normalmente associamos a qualquer litoral (como nas duas pinturas em papel montadas em acrílico); todavia um olhar mais detido revela uma atmosfera de incerteza, como se o lugar ali representado fosse por nós conhecido mas não tivessemos certeza se ele existe ou não. Esta presença atmosférica também está presente nas telas de Adriana Pupo mas, diversamente dos trabalhos de Elisa onde as cores definem os elementos que reconhecemos, Adriana usa tons esmaecidos, baixos, de azuis, rosas, amarelos... essa quase velatura nos distancia das paisagens onde os limites estão prestes a fundir-se e pequenos elementos atraem nosso olhar. Nem sempre a paisagem é espaço aberto, perspectivas longas onde mares, montanhas e vegetação convivem ou a linha do horizonte está prestes a se desfazer. Renata Pelegrini buscou captar em Santos a intervenção do homem na paisagem. Esta “paisagem construída” anula a mediação da linha do horizonte, inverte perspectivas, trans-

forma gruas em árvores, galpões em morros. Não surpreende que cores e formas decorrentes, nos desenhos ou nas pinturas, sejam dotadas de dinamismo quase palpável. É um tempo acelerado que temos aqui. Mariana Mattos compartilha com Renata algumas caracteristicas de suas obras, mas aqui surge um contraponto: a referência não é o espaço construído, que deixa de existir, e sim uma natureza que está prestes a dominar qualquer lugar. Não à toa alguns de seus trabalhos levam como título “pragas”. E como lidar com o estereótipo da paisagem? Ao falar de Santos (ou de cidades litorâneas) o mar, as montanhas, o sol, o céu, a lua surgem em nosso imaginário. Nas gravuras de Fabio Hanna a paisagem estereotipada deixa de sê-la através da explicitação da fatura, do como fazer. Uma trama de segmentos de linha entrecruzadas, as hachuras, vão se adensando até o limite do que somos capazes de reconhecer. Neste ponto olhamos para cima: um pedaço de céu prateado nos cobre, quase como se as hachuras saltassem do papel para o espaço. Outro tema historicamente recorrente nos trabalhos de arte é a fi-


gura humana. Corpos humanos nus, corpos vestidos, retratos, auto retratos, grupos, pessoas sozinhas em seus afazeres. Uma lista interminável. Mas... e se a ausência de pessoas for a maneira que artistas usam para falar da presença humana? Três artistas lidaram com este tema, cada uma a seu modo. Lilian Camelli trabalha em suas telas a memória de suas origens, no Paraguai, através de espaços internos. Quartos, corredores, salas, espaços desprovidos da presença humana e, por isso mesmo, capazes de evocar com mais força a lembrança do que vivenciamos que, agora, onde não estamos mais presentes. É como se alguém tivesse acabado de deixar o local e tudo parasse, ficasse em suspensão num tempo indefinível. Os trabalhos de Vera Toledo são de outra ordem. Eles mostram o tempo “presente”, perdem a espessura para ficarem mais próximos do que costumamos chamar “realidade. São também as únicas que mostram a figura humana, mas é importante percebermos que essas figuras são elementos de cor tanto quanto cadeiras de praia, guarda sóis, objetos quaisquer. Helena Carvalhosa apresenta uma série composta por pinturas que tem em comum cadeiras. Estas pinturas estabelecem uma

ponte entre os trabalhos de Lilian e Vera pois conjugam a falta da presença humana com a transformação de um objeto em “figura” ou tema. Através de uma simplificação temática ela nos aproxima de questões primordiais da pintura (cor, forma, tema) para pensarmos a respeito não como comparação mas como possibilidades e ampliação de nossa compreensão. Nesse campo das possibilidades Helena amplia aquelas questões ditas acima sobre a pintura. Para um artista a necessidade de expressar-se, de manifestar-se, não precisa de explicações; ela existe. E pode assumir linguagens e materializações variadas. Em suas pinturas Cyra de Araújo Moreira utiliza formas angulosas e cores fortes. Essas construções geométricas não encontram correspondência no universo, digamos, figurativo. Parecem pertencer melhor ao mundo das indefinições, ao mundo das coisas. Talvez por isso suas esculturas utilizem uma variedade de materiais, com cores naturais ou pintadas, e diferentes texturas. Essa diversidade “das coisas” também esta presente nos trabalhos


de Cecília e Roberto. Cecília Pastore usou como tema algo de que estamos rodeados: embalagens. O tema banal é capaz de proporcionar diálogos tanto na esfera política (sobre o consumismo) quanto da arte (ao dialogar com trabalhos de Giorgio Morandi), especificamente da pintura (em relação ao tema que propicia a construção de planos e interações com as cores). Já Roberto Fabra parte de uma pesquisa questionadora do proprio estatuto da pintura; a série Role of the Eye during observation (papel do olho durante a observação) não guarda relação alguma com objetos reconhecíveis, paisagens, figuras. Também, devido aos materiais empregados, não há um controle do resultado final. Fica difícil falar em “expressão” do artista, pois o que vemos nas telas pode assumir o significado que quisermos, podem ser “qualquer coisa”. O que temos é mais uma expressão de um pensamento do que de uma ação. Quando digo que a cidade de Santos esteve presente no pensamento dos artistas do PIGMENTO, ainda que isto apareça de forma tangencial na maioria das obras, acho que o melhor exemplo disso é o trabalho de Marina de Falco. Composto por treze telas do mesmo tamanho onde um tema vai se al-

terando por acréscimos, como uma partitura que a partir de uma nota dominante vai recebendo outras notas alterando ritmos e andamentos. Assim é o trabalho Quase Dança (e suas derivações), que tem ligações fortes com um dos periodos mais fertéis da nossa arte: o concretismo e o neo-concretismo, principalmente a produção de Hélio Oiticica. Mas é importante saber que Quase Dança adquire seu formato após uma de nossas reuniões onde vimos/ ouvimos algumas obras de um filho genial da cidade: Gilberto Mendes (sim, claro, o outro é Pelé...). Tudo é impermanência. Pessoas vem e vão, morrem e nascem; até as paisagens mudam rapidamente pela ação do homem. É o tempo em que vivemos, nem pior nem melhor, talvez diferente apenas. E a arte tenta manter não só uma relação temporal mais calma, um ritmo humano e não das máquinas, mas também guarda a capacidade de permanecer além de nossa existência. Em meio as coisas deste mundo é reconfortante saber que algumas delas podem falar do que ainda é ser humano. Marcelo Salles Curador


Pigmento in Santos :

landscapes, people and things of this world

Introductory Note: PIGMENTO was founded five years ago by artists who met every two weeks to discuss their production, contemporary art and what makes them continue to produce art in such confusing times as ours. PIGMENTO is more than a group or collective or regular meeting of artists. It consists of 12 artists with 12 ways of seeing the world through paintings, engravings, installations, drawings and sculptures. Santos does not appear explicitly in this exhibition but the city acts as a stimulus for the look and the thought of the artists and visitors alike.

Why do we still produce works of art? You may have already asked yourself this very question – or perhaps not. The fact that artists look for the answer to this question is natural but what the question keeps as a secret may never be explained Thank goodness because it means artists will continue to produce works of art. Landscape is one of the most common themes in painting. This same landscape may take on unusual meanings or forms, instinctive, ethereal, recognizable, atmospheric and may even arise through other languages.


In the paintings of Elisa Bueno we recognize landscape we usually associate with any coastline (as in the two paintings on paper mounted in acrylic). However, a closer look uncovers an atmosphere of uncertainty, as if we knew this place but were not sure whether it existed or not. This atmospheric presence is also present in the paintings of Adriana Pupo. However, unlike Elisa´s works in which the colors define the elements we recognize, Adriana uses faded tones, understated, blues, pinks, yellows so what looks like a stain distances us from the landscapes where the limits are about to merge and small elements attract our eye.

Renata´s features in her works but a counterpoint arises in her case. The reference is not the constructed space which ceases to exist but nature which is about to dominate any place. It is not by chance that some of her works are called “pests”.

Mariana Mattos shares some of

Three artists dealt with this theme,

And how do we deal with the stereotype of the landscape? When we talk about Santos (or any of the coastal towns) the sea, the mountains, the sun, the sky and the moon spring to our imagination. In Fabio Hanna´s engravings, the landscape ceases to be a stereotype through the explicitness of the production, of how to make it. A mesh of segments of crosshatched lines will expand, The landscape is not always open thickens to the limit of what we are space, long perspectives in which able to recognize. At this point, we tides, mountains and plants coexist look up and see a bit of silvery sky or the horizon line that is ready to covering us almost as if the crossbreak up. Renata Pelegrini set out hatchings had leapt from the paper to find how man had intervened in into space. the landscape of Santos. This “constructed landscape” annuls the me- Another recurring theme that has diation of the horizon line, inverts traditionally occurred in works of art perspectives, transforms cranes into is the human figure. Nudes, bodies trees and warehouses into hills. It is wearing clothes, portraits, self-porhardly surprising that the ensuing traits, groups, people on their own colors and forms, in the drawings or doing things. A never-ending list. paintings, are endowed with an al- But what if artists were to use the most tangible dynamism. What we absence of people to speak about the have here is time speeded up. human presence?


each in their own way. Lilian Camelli uses her paintings to recall her origins, in Paraguay, through internal spaces. Rooms, corridors, meeting places, spaces without any human presence which, for this very reason, can evoke with greater strength the memory of what we experience now where we are no longer present. It is as if someone has just left a place and everything has stopped, leaving the area in suspension in an undefinable time.

bilities and expansion of our understanding. Helena expands those questions on painting mentioned above in this field of possibilities.

The artist´s need to express himself or herself, to speak up, does not require explanations. It exists and can assume various languages and ways of coming about. Cyra de Araújo Moreira uses angular forms and strong colors in her paintings. These Vera Toledo´s works are of another geometric constructions correspond kind. They show the “present” time to nothing in what we could call the and lose the thickness to become figurative world. They seem to becloser to what we normally call “re- long more to the undefined world, ality”. They are also the only ones that the world of things. Perhaps for this show the human figure although it reason her sculptures use a variety should be pointed out that these fig- of materials, with natural or painted ures are elements of color, such as colors, and different textures. beach chairs, parasols, anything. This diversity “of things” is also presHelena Carvalhosa presents a series ent in the works of Cecília and Roconsisting of paintings that have berto. Cecília Pastore used somechairs in common. These paint- thing that we are surrounded with as ings establish a bridge between the a theme: packaging. This humdrum works of Lilian and Vera as they subject can lead to discussions in the combine the lack of human pres- political sphere (on consumerism) as ence with the transformation of well as art (by creating a dialogue an object into a “figure” or theme. with the works of Giorgio Morandi), Through a thematic simplification, particularly painting (in relation to she brings us closer to primordial the theme that allow the construcquestions of painting (color, form, tion of plans and interactions with theme) so we can think about them the colors). Roberto Fabra starts not as a comparison but as possi- from a questioning of the status of


painting itself. His series “Role of the Eye during observation” has no relation whatsoever with recognizable objects, landscapes, figures. Furthermore, the materials he uses means there is no control over the final result. It is difficult to speak about the artist´s “expression” as what we see in the canvases can assume any meaning we want. They can mean “anything”. What we have is more of an expression of a thought than an action.

Gilberto Mendes. (The other one is Pelé, of course.)

Everything is impermanence. People come and go, they die and they are born. Even the landscapes change quickly as a result of man´s action. It is the time in which we live, no worse or better, perhaps only different. And art tries to maintain not only a quieter temporal relationship, a human rhythm and not one dictated by machines, but also retain the ability to remain beyond our existence. In the When I say the city of Santos was midst of the things surrounding us in present in the thinking of the PIG- this world it is comforting to know MENTO artists, although it appears in that some people can still speak an indirect way in most of the works, about what it is like to be human. I think the best example of this is in the work of Marina de Falco. She Marcelo Salles created 13 paintings of the same size Curator where the theme is altered by additions, such as a musical score which, starting from a dominant note receives other notes altering rhythms and movements. This is what happens in the work Quase Dança (Almost Dance) and its derivations, that have strong links with the most fertile periods of Brazilian art, i.e. concretism and the neo-concretism, particularly Hélio Oiticica´s production. However it is worth mentioning that Quase Dança acquired its format after one of our meetings at which we saw and heard some works from one of the city´s greatest sons,


Adriana Pupo

Sem tĂ­tulo 2016 50 x 70 cm TĂŞmpera sobre tela


Sem tĂ­tulo 2016 70 x 90 cm TĂŞmpera sobre tela


Sem tĂ­tulo 2016 50 x 70 cm TĂŞmpera sobre tela


Sem tĂ­tulo 2016 24 x 30 cm TĂŞmpera sobre tela


Cecilia Pastore

Sem título 05 (série caixas) 2016 39 x 48 cm Óleo sobre tela


Sem título 01 (série caixas) 2016 50 x 60 cm Óleo sobre tela


Sem título 07 (série caixas) 2016 60 x 50 cm Óleo sobre tela


Sem título 03 2016 50 x 60 cm Óleo sobre tela


Cyra de Araújo Moreira

Sem título 2016 100 x 140 cm Óleo e acrílica sobre tela Página ao lado Escultura 3 2016 60 x 40 cm Acrílica sobre tela



Totem 2016 256 X 32 X 30 cm bloco celular, grampos, palitos, vidro, arame, tinta acrĂ­lica e verniz em suporte de ferro.


Escultura 1 2016 60 x 40 cm AcrĂ­lica sobre tela.


Elisa Bueno

Sem título 2014 85 x 145 cm Acrílica sobre papel


Imensidão 2015 45 x 75 cm Acrílica sobre tela


Sem título 2014 80 x 150 cm Acrílica sobre papel



Fabio Hanna

Sem título 2016 30 x 30 cm / 53 x 40 cm Água-forte


Sem título 2016 30 x 30 cm / 53 x 40 cm Água-forte


Sem título 2016 60 x 200 cm Tela de aço galvanizado



Helena Carvalhosa

Sem tĂ­tulo 2015 40 x 50 cm Ă“leo sobre tela


Sem título 2015 40 x 50 cm Óleo sobre tela


Sem título 2015 60 x 75 cm Óleo sobre tela


Sem título 2015 50 x 70 cm Óleo sobre tela


Lilian Camelli

El Cuarto Azul 2015 60 x 70 cm AcrĂ­lica sobre tela


El viento 2015 80 x 100 cm Ă“leo sobre tela


El cuarto Rosa II 2016 60 x 80 cm Óleo sobre tela


El cuarto con veladores 2016 60 x 80 cm AcrĂ­lica sobre tela


Mariana Mattos

Ensaios sobre a arvorezinha nº3 2016 75 x 56 cm Acrílica e óleo sobre papel


Estudo para Pragas 2016 30 x 30 cm Acrílica e óleo sobre tela


Sem título 2016 100 x 70 cm Acrílica e óleo sobre papel


Arelauquen 2016 30 x 40 cm Acrílica e óleo sobre tela


Marina de Falco

Biocromo #4 2014 30 x 20 cm cada Ă“leo sobre linho


Quase Dança 2014 40 x 710 x 3,5 cm (13 painéis de 40 x 50 x 3,5 cm) Óleo sobre tela


Vista da obra na exposição Quase Dança 2014 40 x 710 x 3,5 cm (13 painéis de 40 x 50 x 3,5 cm) Óleo sobre tela



Renata Pelegrini

Sem título 2016 120 x 100 cm Acrílica sobre tela


Sem título 2016 29,7 x 21,6 cm Acrílica, carvão, giz, grafite e pastel sobre papel


Sem título 2016 21,6 x 29,7 cm Acrílica, carvão, giz, grafite e pastel sobre papel


Sem título 2016 29,7 x 21,6 cm Acrílica, carvão, giz, grafite e pastel sobre papel


Roberto Fabra

Role of the eye during observation 387 2016 70 x 100 cm AcrĂ­lica e verniz sobre tela


Role of the eye during observation 377 2016 70 x 100 cm AcrĂ­lica e verniz sobre tela


Vista das obras na exposição Role of the eye during observation 373 / 380 / 382 / 384 / 387



Vera Toledo

Busão 2012 86 x 70 cm Óleo sobre tela


Jardineiro IV 2016 25 x 25 x 5 cm Ă“leo sobre tela


Feira 2014 25 x 25 x 5 cm Ă“leo sobre tela


Jardineiro II 2013 31 x 33 cm Ă“leo sobre tela


Ficha Técnica Curadoria: Marcelo Salles Expografia: Marcelo Salles Arquitetura Fotografia: Agliberto Lima Produção: Marcia Gadioli Projeto gráfico/Designer: Roberto Fabra Realização: Secretaria de Cultura de Santos Casa Contemporânea


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