Boletim Informativo 24 - Agosto 2020 - CBH Rio das Velhas

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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas | Agosto / 2020 | Ano VI - Nº 24 – EDIÇÃO ESPECIAL

Informativo

A cidade e as águas Comitê lança campanha e propõe mudança na relação entre os grandes centros urbanos e a água Pág. 2

Semana Rio das Velhas 2020 Pág. 3


Editorial

Uma reflexão sobre a relação e o impacto dos grandes centros urbanos no ambiente

O CBH Rio das Velhas definiu, no início de 2020, que o tema de sua campanha anual de comunicação seria A Cidade e as Águas – isso no momento em que ainda não vivíamos a pandemia do novo coronavírus. Motivou o Comitê, na verdade, o que aconteceu principalmente em janeiro em vários municípios da Bacia do Rio das Velhas, e em particular em Belo Horizonte. Diante de um volume de chuvas muito intenso, as cidades – com vários de seus cursos d’água canalizados – viraram palco de destruição e mortes. Entendemos que as cidades precisam ter uma melhor gestão das suas águas. Mais do que nunca, vivemos num mundo em que gradativamente a mudança climática tem se feito presente e onde eventos extremos serão cada vez mais comuns, seja com volumes de chuvas muito acima do esperado, seja com a escassez hídrica, como temos visto nos últimos cinco anos. É importante destacar que essa discussão não vale só para a capital, mas para todas as cidades. Percebemos que, de maneira geral, os Planos Diretores Municipais praticamente não abordam a questão das águas urbanas e não fazem interface com os Planos Diretores de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas. É preciso refazer esse modelo. As cidades precisam se ver como integrantes de um geosistema, de uma bacia hidrográfica, e os mananciais que fazem parte dela devem ser preservados. A manutenção da qualidade das águas nos territórios deve necessariamente ser encarada como política pública urbana. Esperamos que, através da nossa campanha, possamos sensibilizar todos os municípios da Bacia do Rio das Velhas e que essa agenda ambiental efetivamente entre na discussão das políticas públicas. Marcus Vinícius Polignano Presidente CBH Rio das Velhas

Acesse o conteúdo da campanha

Belo Horizonte, MG

Anualmente, o CBH Rio das Velhas desenvolve uma campanha institucional de comunicação e mobilização social com o objetivo de visibilizar um tema de relevância para o contexto de proteção do rio, e que seja abraçado pela comunidade da bacia hidrográfica de forma geral. Em 2020, na data em que é considerado o Dia do Rio das Velhas (29 de junho), o Comitê lançou oficialmente a campanha ‘A Cidade e as Águas’, buscando discutir e problematizar a relação e o impacto dos grandes centros urbanos no ambiente, em especial nos cursos d’água. Isso porque, já no início de janeiro, as chuvas de verão foram consideravelmente significativas na Bacia do Rio das Velhas. Não preparadas, as cidades sucumbiram, com rastros de destruição e mortes. Ao todo, 72 pessoas foram a óbito em decorrência das fortes chuvas, inundações e dos deslizamentos no estado de Minas Gerais – entre 1º de outubro de 2019 e 17 de fevereiro de 2020. Só na Bacia do Rio das Velhas foram 22 mortes e 30 municípios declarados em situação de emergência. Longe de ser uma surpresa, os números são resultado de políticas urbanas que progressivamente sufocaram os rios da cidade, evidenciando a fragilidade da gestão das águas nesses territórios. “Um fenômeno que é natural, que são os transbordamentos e as enchentes periódicas, passa a ocorrer de uma maneira muito mais frequente, porque você retira o curso d’água do seu leito natural, aterra o caminho natural das águas e sobre ele vem a impermeabilização do solo e construção de edificações. Ou seja, a cidade ocupa o que não deveria ser ocupado”, afirma o geógrafo Alessandro Borsagli, autor do livro ‘Rios Invisíveis da Metrópole Mineira’. Não à toa, após os resultados catastróficos das chuvas, entrou em vigor, no início de fevereiro, o novo Plano Diretor de Belo Horizonte, tendo como destaque a proibição de novas canalizações de córregos da cidade – bandeira historicamente defendida pelo CBH Rio das Velhas.

cbhvelhas.org.br/acidadeeasaguas 2

Se durante as estações chuvosas o medo é das enchentes e inundações, no período de estiagem o que assusta é o risco da escassez hídrica, principalmente na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), cuja metade da população depende inteiramente do Rio das Velhas para o abastecimento de água. A ameaça de um eventual rompimento de barragem de mineração nesse território agrava ainda mais a situação, que poderia levar a Grande BH a um colapso hídrico – sobretudo depois de a captação a fio d’água no Rio Paraopeba ter sido comprometida em virtude da tragédia da mineradora Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019. Ocupação predominantemente urbana na bacia Na Bacia do Rio das Velhas, como um todo, as áreas urbanas representam apenas 2,92% da área relativa, segundo o Plano Diretor de Recursos Hídricos de 2015. Ainda assim, o perfil de ocupação da bacia é majoritariamente urbano, com uma taxa de urbanização de 97,4% em 2010. Os 4.409.896 residentes na Bacia do Rio das Velhas têm participação significativa na população do estado (24,7%), principalmente em termos de população urbana: 28,1%. Os três municípios mais populosos no território são Belo Horizonte (concentra 53,9% da população, com 2.375.151 pessoas residentes, sendo 55,3% da população urbana), Contagem (423.692 pessoas, 9,6% da população) e Ribeirão das Neves (296.317 pessoas, 6,7% da população). Outros quatro municípios na bacia têm mais de 100 mil habitantes: Sete Lagoas (207.860), Santa Luzia (202.942), Sabará (126.269) e Vespasiano (104.527) Justamente três desses municípios (Ribeirão das Neves, Sete Lagoas e Santa Luzia) estão entre os quatro municípios da bacia com o pior índice de tratamento do esgoto coletado – 8,6%, 13,43% e 27,02% respectivamente.

Saiba mais sobre os temas em debate! Confira notícias, vídeo, mural de fotos e os podcasts da campanha. Veja também como sua instituição pode aderir a essa iniciativa em defesa da vida na Bacia do Rio das Velhas!


Semana Rio das Velhas 2020: A Cidade e as Águas Mais de 1.400 pessoas participaram ao vivo, nas plataformas YouTube e Facebook, das transmissões dos webinários que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) promoveu em comemoração à Semana Rio das Velhas 2020, entre 29 de junho e 1º de julho. Especialistas de diferentes áreas da bacia hidrográfica falaram sobre os desafios que a pandemia e a necessidade de isolamento social

têm imposto às questões sanitárias, à educação ambiental e mobilização social no território, bem como à comunicação e participação social em esferas colegiadas.

Os webinários estão disponíveis na íntegra! bit.ly/webinario-semana-rio-das-velhas-2020 ou escaneie o QR Code

Se você não pôde assistir, não há problema. Cada um dos três vídeos continuam disponíveis nas páginas oficiais do CBH Rio das Velhas no YouTube e Facebook. Confira!

Assista na íntegra a cada um dos três webinários:

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Por que o Onça ainda é poluído?

Ribeirão Onça em seu encontro com o Rio das Velhas, no município de Santa Luzia

Quem nunca ouviu as histórias de pessoas que nadavam nos rios urbanos? As cidades nasceram e cresceram no entorno dos cursos d’água. No princípio da ocupação, as pessoas procuravam se instalar próximo às margens porque dependiam da água para uma série de atividades. Com a expansão das cidades, as águas foram contaminadas, especialmente pelo lançamento de lixo e esgoto. E, em muitos casos, o rio, que era local de vida, foi canalizado e sumiu da paisagem. É o caso do Ribeirão Onça, que atravessa boa parte da cidade de Belo Horizonte, na região de maior população da bacia do Rio das Velhas. No território do Ribeirão Onça é possível encontrar propriedades rurais, complexos industriais, grandes investimentos imobiliários e ocupações de comunidades tradicionais – como o Quilombo de Mangueiras, as ocupações Cigana e Dandara. Assim, a região se caracteriza por uma grande diversidade social, ocupacional e ambiental. Em questões de saneamento básico, a Bacia do Ribeirão Onça sofre com o lançamento de esgotos domésticos e de efluentes industriais em seu curso. O Onça e o Ribeirão Arrudas são os afluentes do Rio das Velhas que concentram maior problema da poluição hídrica, proveniente da região metropolitana de Belo Horizonte. 4

Investimento em saneamento básico é uma demanda dos moradores, principalmente do São Gabriel e do Ribeiro de Abreu. Nesses bairros, o Ribeirão Onça é praticamente um esgoto a céu aberto. “Nós reivindicamos há vários anos a limpeza do ribeirão, pedindo providência para fazer o saneamento. Sabemos que vai demandar muito dinheiro, mas é um problema que atinge a todos os moradores nas questões de higiene, saúde e urbanização “, disse o presidente da Associação Comunitária do Bairro Ouro Minas, Gilmar Barbosa dos Santos. Para reduzir a poluição, em 2006 foi construída a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Onça, que realiza o tratamento de efluentes em nível secundário desde o ano de 2009. Responsável por tratar os esgotos domésticos oriundos da Bacia do Ribeirão Onça, contemplando os municípios de Contagem e Belo Horizonte, a estação possui capacidade para o tratamento de 1.800 l/s. A Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) informa que trata 100% do esgoto encaminhado à ETE Onça. Contudo, para a moradora do Baixo Onça, Maria Luisa Lelis Moreira, psicóloga social e ambiental que integra o Movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa e é conselheira do Subcomitê

Ribeirão Onça e do CBH Rio das Velhas, o desafio é que o esgoto tem que ser coletado e tratado em sua totalidade. “O maior desafio é interceptar, coletar e tratar 100% do esgoto da Bacia do Ribeirão Onça. Apesar da Copasa interceptar 95% do esgoto e tratar 100% do que coleta, o que vemos no Onça é um esgoto a céu aberto. A ETE Onça trouxe grandes avanços para o saneamento na bacia, mas ela ainda não atingiu a sua plenitude e ainda temos muito o que melhorar”, afirmou. Questionada sobre a qualidade dos efluentes tratados na ETE, a companhia esclarece que o tratamento atende aos padrões estabelecidos na Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH-MG Nº 01 de 2008, com uma eficiência média de 82% em remoção de matéria orgânica (dados do primeiro semestre de 2020). “A Copasa informa que o DBO do esgoto que chega na ETE Onça é de 199,8 mg/l, e o DBO do esgoto após o tratamento é de 35,29 mg/l. Ou seja, a eficiência de remoção é de 82,30%”, informa a Companhia por meio de nota.


“Deixem o Onça Beber Água Limpa” pede por saneamento no Ribeirão Onça com as metas de nadar, pescar e brincar no curso d’água A saúde, um dos assuntos mais notíciados no mundo nos últimos meses por causa do novo coronavírus, em especial no Brasil, que vive o avanço da pandemia, também é motivo de preocupação quando se trata de falta de saneamento básico. Falar em saneamento é também pensar no que deve ser feito com o esgoto, o assunto que se tornou o foco do “12º Deixem o Onça Beber Água Limpa”, evento que aconteceu entres os meses de junho e julho e teve como tema “100% de coleta, interceptação e tratamento do esgoto no Ribeirão do Onça já! - Sanear é preciso, porque viver é preciso”.

migrar para o ambiente virtual, em respeito às medidas de isolamento social da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), idealizador e realizador da ação, preparou uma programação que traz ao debate temas como o saneamento do Ribeirão Onça, as ações comunitárias que contribuem para as transformações socioeconômicas e ambientais e o protagonismo das escolas públicas do Baixo Onça.

Com as chuvas que atingiram Belo Horizonte no início do ano, o problema com a falta de tratamento de esgoto do Ribeirão Onça se tornou a situação mais grave. “Esse tema ficou muito forte para nós do movimento. Em decorrência das chuvas fortes, vários interceptores foram rompidos na margem do ribeirão, trazendo sérias consequências. O que era recorrente no Onça se intensificou”, explicou Maria Luisa Lelis Moreira.

• 100% de interceptação e captação de esgoto do Ribeirão Onça, recuperação das margens e proteção das nascentes; • Construção do novo acesso ao bairro Ribeiro de Abreu e região para possibilitar e melhorar o trânsito entre os bairros cincundados pelo Ribeirão; • Municipalização da MG-20; • Construção do Parque Ecológico Ciliar do Ribeirão Onça; • Implementação do Plano de Relocalização de famílias e negócios inseridos nas manchas de inundação do Ribeirão Onça;

Com o desafio de transformar um evento que tem como ponto forte a mobilização e participação social, em 2020 o “Deixem o Onça” teve que

Com nova licitação para conclusão de ETE, esperança para tratamento de esgoto em Sete Lagoas é renovada Já se arrasta há pelo menos 12 anos o projeto de construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Matadouro, em Sete Lagoas. No entanto, com a retomada da licitação para a conclusão do projeto, a esperança é que, enfim, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) do município

O evento também lançou a Meta 2025, com cinco pontos de reinvindicação:

trate cerca de 42 mil metros cúbicos de efluentes in natura que são lançados, diariamente, no Córrego do Matadouro, e que depois seguem para o Ribeirão Jequitibá e Rio das Velhas. O presidente da autarquia municipal, Robson Machado, conta que a Concorrência Pública 02/2019 foi publicada em 04 de junho de 2020, com o certame ocorrendo no dia 15 de julho. Sem nenhum entrave ou recurso até o momento, a expectativa é de que até outubro as obras sejam retomadas. “O prazo para finalizar todas as etapas da licitação é até 04 de setembro de 2020, podendo ocorrer antes. Assim, após finalizados os trâmites legais do processo licitatório, e assinado o contrato com a empresa vencedora, o SAAE emitirá a ordem de serviço para retomada das obras da ETE Matadouro, que acreditamos que ocorrerá até meados de outubro. Estão participando da concorrência pública duas empresas e quatro consórcios”, explica. A ETE Matadouro está sendo construída na localidade de Areias, zona rural de Sete Lagoas. O custo total do empreendimento gira em torno

Movimento sempre teve como ponto forte a mobilização e participação social.

Acesse os conteúdos do 12º Deixem o Onça Beber Água Limpa: bit.ly/CanalOnca

de R$ 98 milhões e foi iniciado pela Construtora Prefisan, que teve o contrato rescindido com o SAAE em 2018. A coordenadora do Subcomitê Ribeirão Jequitibá, vinculado ao CBH Rio das Velhas, Marley Beatriz de Assiz Lima, destacou a importância do Comitê como propositor e articulador de várias ações relacionadas à implantação da ETE Matadouro. “O CBH levanta demandas, coleta e organiza informações pertinentes, conscientiza e mobiliza a comunidade, fiscaliza e cobra as ações necessárias para que a implantação da ETE seja concluída. O Subcomitê do Ribeirão Jequitibá, atuando diretamente no território de interesse, facilita a interlocução e o desenvolvimento das ações do CBH Rio das Velhas”. O projeto da ETE está ancorado por R$ 70.972.000,00 do PAC Saneamento Básico (Contrato n° 0424.406-56), com verba oriunda de fundo perdido do Orçamento Geral da União (OGU). A previsão de conclusão da ETE Matadouro é de até 18 meses.

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Rompimento de barragem no Alto Velhas poderia levar a Grande BH a um colapso hídrico.

Comitê pede providências quanto às barragens no Alto Velhas, três delas em nível máximo de emergência 6

Em ofício direcionado à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD), ANM (Agência Nacional de Mineração), ao Ministério Público Estadual e ao Superintendente Regional do Trabalho no estado de Minas Gerais, o CBH Rio das Velhas solicitou providências que garantam a estabilidade física das barragens localizadas no território e o retorno imediato dos trabalhos de manutenção e recuperação de estabilidade em estruturas hoje interditadas.

de água do Rio das Velhas para abastecimento de aproximadamente 2,4 milhões de pessoas residentes em Raposos, Nova Lima, Sabará, Santa Luzia, São José da Lapa, Vespasiano, Lagoa Santa e Belo Horizonte.

Documento elaborado pela FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente), e apresentado ao Grupo de Trabalho de Barragens do Comitê, mostra que existem 20 barragens de rejeitos de minério interditadas no Alto Rio das Velhas, sendo 17 da Vale. Relatórios da mineradora mostram que as barragens apresentam fator de segurança inferiores ao mínimo estabelecido pela Norma Brasileira da ABNT- NBR 13.028/2017, sendo que pelo menos três delas se encontram no nível 3 de maior criticidade quanto à segurança.

Nesse contexto, o CBH Rio das Velhas pede o retorno imediato dos trabalhos de manutenção e recuperação de estabilidade em estruturas hoje interditadas. Isso porque a Comissão Permanente do Setor Mineral da Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais determinou à Vale a proibição da presença de trabalhadores nas áreas de risco nas barragens interditadas, nem mesmo aqueles relacionados às atividades para correção dos problemas, manutenção das estruturas e equipamentos. “Reconhecemos a importância da precaução e do zelo da Comissão Permanente do Setor Mineral da Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais com relação as vidas de trabalhadores envolvidos nessa tipo de operação”, mas “é imprescindível que providências, medidas e ações sejam empreendidas no sentido de atuar e trabalhar nas causas que possam ocasionar o rompimento dessas barragens”, diz o ofício.

O eventual rompimento de uma barragem de rejeito na região do Alto Rio das Velhas ocasionaria, entre outras calamidades e problemas ambientais, sociais e econômicos, a paralização da captação de água que abastece a metade da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). É nessa região que fica a Estação de Bela Fama, em Nova Lima, onde a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) promove a captação

Quilômetros adiante, é no mesmo Rio das Velhas que o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Sete Lagoas capta a água que abastece cerca de 115 mil pessoas, o que atualmente corresponde a 46% do abastecimento do município.


Histórias de ribeirinhos e do Rio das Velhas se transformam em podcasts

Um gigante da literatura divide espaço com outro gigante da resistência indígena. Os mineiros Guimarães Rosa e Ailton Krenak são a inspiração de um grupo de ribeirinhos que entendeu que narrar seria uma ferramenta poderosa para enxergar e valorizar a própria existência. ‘Narrar é Resistir’ é o resultado de uma vontade de contar histórias de famílias, de amores, da infância, dos bairros, dos rios e dos ribeirinhos. É a ideia de conectar pessoas, manter viva a memória de um povo e valorizar a relação com o curso d’água que passa na porta de casa. É a aventura de descobrir caminhos, cenários e personagens do Rio das Velhas e dos seus afluentes. Feito em formato de podcast, ‘Narrar é Resistir’ é uma coletânea online de narrativas ribeirinhas idealizada pelo Orla, um coletivo que reúne o Núcleo Capão, o Espaço Cultural da Orla e a Associação Habitacional do Bairro Lagoa, três movimentos que atuam na região de Venda Nova, em Belo Horizonte. “A narrativa é essa forma milenar de resistência que faz com que as histórias se mantenham, que a cultura se mantenha. Tem o poder de resgatar essas memórias individuais, coletivas e de afirmar o pertencimento”, explica Clarice Flores, estudante de arquitetura, moradora da microbacia do córrego do Capão e uma das idealizadoras do projeto.

de animais em casa, tudo isso me fez viver um processo longo de negação daquele lugar. Eu não me sentia pertencente ao meu bairro muito por causa do rio que fedia e me dava vergonha. Foi só quando mais velha, ao entrar na faculdade, que comecei a estudar os rios urbanos. Foi aí que entendi a situação toda da relação dos rios em Belo Horizonte”. Para além de contar histórias dos ribeirinhos, Narrar é Resistir é uma ferramenta de mobilização e educação ambiental do coletivo Orla. Um trabalho que sempre foi feito presencialmente na comunidade, batendo na porta das casas das pessoas e produzindo eventos, e que agora começa a ultrapassar as fronteiras da região de Venda Nova. “Eu acho que é a primeira vez que a gente está falando para fora da nossa comunidade. Pessoas vêm conversar com a gente querendo colaborar, pessoas com quem nunca teríamos contato. A escrita, os vídeos, os áudios são possibilidades de chegar a mais pessoas e de mostrar a realidade do povo ribeirinho”, conta Clarisse, que também compõe a equipe de mobilização do CBH Rio das Velhas.

Para ela, que é ribeirinha e tem uma história com movimentos que atuam pelas causas ambientais, o projeto faz parte da ressignificação da sua própria relação com as águas. De como ela passou a olhar de outra forma para o córrego que fez parte da sua infância. “Desde criança eu atravessava a ponte de madeira que passava pelo córrego do Capão, um afluente do córrego Vilarinho. A presença dele em leito aberto muito perto da minha casa me incomodava muito. A degradação muito aparente, o mau cheiro, o aparecimento

Acesse o site e mergulhe nas viagens dos ribeirinhos www.narrareresistir.org

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Momento Rio das Velhas

POD CAST #10

A cidade e as águas

Entrevista com Roberto Andrés, arquiteto e urbanista Enchentes, áreas desmatadas, poluição do ar, rios que mais parecem um canal de esgoto. Se você achou que não teríamos uma conta a pagar por todos esses anos em que negligenciamos a natureza ao construir e “modernizar” as cidades, basta lembrar de janeiro de 2020. Vimos cenas pelas redes sociais e nos telejornais da água tomando conta das avenidas de Belo Horizonte, arrancando o asfalto e empilhando automóveis com uma força explosiva daquelas que se vê em filmes hollywoodianos. É que o rio, sufocado, voltou a ocupar o seu lugar de direito. Não é de hoje que esse assunto preocupa o CBH Rio das Velhas. Na construção das cidades da sociedade moderna os rios urbanos foram excluídos, ignorados, cobertos para o alargamento das avenidas, para a construção de novas vias e em outras obras de infraestrutura dos municípios. Essa forma de desenvolvimento que desrespeita as formas naturais do meio ambiente não é só uma realidade de Belo Horizonte, mas uma tendência das administrações públicas que costumam colocar o deslocamento dos automóveis como prioridade no planejamento urbano. Para entender melhor sobre a equivocada relação que criamos com as águas, como o desenvolvimento urbano é feito de forma a desrespeitar o meio ambiente, a negligência histórica que é cometida na construção das cidades, tanto com a natureza como com a população mais pobre, entrevistamos o arquiteto e urbanista Roberto Andrés. Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), editor da revista Piseagrama e colaborador do Subcomitê Ribeirão Onça, Andrés fala de experiências desastrosas e projetos que podem se tornar soluções para melhorar a relação da cidade com as águas.

Você disse, em uma das suas palestras, que precisamos aprender a conviver com a água. Como isso poderia ser feito? Aprender a conviver com a água é entender que a natureza não está somente longe, no campo, nos oceanos, na floresta. Ela está também em cada quintal, em cada rua, em cada pedaço da casa. A água, esse bem precioso, esse recurso que fará falta no século que estamos adentrando, precisa ser preservada em todas as suas situações, não somente na natureza. Até porque não existe essa separação. As bacias estão todas interligadas. O esgoto, que é jogado nos córregos de Belo Horizonte, vai para o Rio das Velhas, que vai para o Rio São Francisco. Nós estamos poluindo toda a bacia. Da mesma maneira é preciso cuidar da água para que as nascentes continuem existindo com força. Para que nós tenhamos água limpa, preservada, e para que esse recurso precioso possa ser utilizado pelas próximas gerações, a gente tem que conseguir conviver com a água no nosso território, com a nascente que brota na nossa rua, no nosso bairro, no nosso quintal. Com aquele córrego que vai passar ali. Precisamos aprender a desenhar e a produzir cidades que saibam fazer essa convivência. Sem isso não é possível que a gente tenha água limpa, esse recurso fundamental para a nossa vida. Então é um sonho possível, recuperar os rios urbanos? Vimos experiências recentes, com a quarentena gerada pela COVID-19, em que algumas indústrias da região oeste de Belo Horizonte pararam de funcionar e que a qualidade do Rio Arrudas melhorou bastante, mesmo não havendo a interrupção do esgoto doméstico. Para se recuperar a água de um rio basta parar de poluí-lo. É algo perfeitamente possível. Basta captar todo o esgoto residencial, comercial e industrial e tratá-lo adequadamente. O

que é uma meta estabelecida durante muitos anos em BH e que precisa ser, de fato, levada a sério. O objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU coloca até 2030 para universalização do saneamento. Não deveríamos passar disso em hipótese alguma. A falta de saneamento gera uma série de problemas. Então é algo possível. Mais do que possível, é algo desejável e necessário. O planejamento de Belo Horizonte foi desastroso, desde os primeiros anos da cidade, quando se tentou resolver o problema das enchentes. O que a administração pública fez e continua a fazer de errado? O modo de ocupar a cidade foi um desastre, principalmente na forma como lidar com os cursos d’água. Belo Horizonte é um exemplo notório disso. O desmatamento das cabeceiras fez com que faltasse água na cidade já nos primeiros anos. Ignorar os cursos d’água fez com que eles tivessem que ser retificados e depois canalizados, cobertos. O não tratamento de esgoto fez com que esse esgoto fosse jogado diretamente nos cursos d’água, poluindo rios e córregos. Esse modelo foi se repetindo e foi se exaurindo. A cidade foi ficando cada vez mais impermeabilizada. Os córregos canalizados, fazendo com que as águas corressem de maneira muito violenta no fundo dos vales. E sempre se pensando que seria possível dimensionar, criar um grande canal, que isso permitisse resolver o problema das enchentes nos fundos dos vales. Isso não aconteceu. O que vemos é o contrário. Quanto mais a cidade é canalizada, quanto mais o solo urbano é impermeabilizado, mais os problemas se agravam. E até hoje, infelizmente, o poder público, a prefeitura de Belo Horizonte continua fazendo muitas obras que estão num paradigma que não funciona mais, mas é o que segue sendo feito.

Para ouvir o podcast com a entrevista acesse spoti.fi/30I0EJ3 ou escaneie o QR Code

INFORMATIVO CBH Rio das Velhas. Mais informações, fotos, mapas, apresentações e áudios no portal www.cbhvelhas.org.br Diretoria CBH Rio das Velhas Presidente: Marcus Vinícius Polignano Vice-presidente: Ênio Resende de Souza Secretário: Renato Júnio Constâncio Secretária-adjunta: Poliana Valgas

cbhvelhas.org.br

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@cbhriodasvelhas

Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBH Rio das Velhas comunicacao@cbhvelhas.org.br Tiragem: 3.000 unidades. Direitos reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.

COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS VELHAS

Rua dos Carijós, 150 – 10º andar - Centro Belo Horizonte - MG - 30120-060 (31) 3222-8350 - cbhvelhas@cbhvelhas.org.br

Comunicação: TantoExpresso (Tanto Design LTDA) Direção: Rodrigo de Angelis / Paulo Vilela / Pedro Vilela Coordenação de Jornalismo: Luiz Ribeiro Redação e Reportagem: Luiza Baggio, Luiz Ribeiro, Michelle Parron e Celso Martinelli Fotografia: Bianca Aun, Leo Boi, Michelle Parron Ilustração: Clermont Cintra Diagramação e Finalização: Sérgio Freitas


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