Revista Chico 05

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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 05 | NOV 2014 ISSN 2316-7661

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GOTA D’ÁGUA

A PROLONGADA ESTIAGEM EVIDENCIA OS PROBLEMAS CRÔNICOS DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO, EXPONDO O SOFRIMENTO DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA E ATINGINDO TODOS OS SETORES PRODUTIVOS DO RIO.

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As plantas aquáticas, conhecidas como ‘baronesas’, se proliferam em meio ao ambiente são-franciscano, na divisa entre as cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), no Submédio SF. Um cenário que revela os efeitos do aumento da poluição no rio, causada, principalmente, pela ação do homem. Foto: Ivan Cruz


Revista Chico Publicação semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Nº 05 | NOV 2014

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ISSN 2316-7661

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco Presidente Anivaldo de Miranda Pinto Vice-Presidente Wagner Costa Secretário José Maciel de Oliveira Coordenador da CCR do Alto Marcio Tadeu Pedrosa CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL BAIXO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL ALTO SÃO FRANCISCO

Coordenador da CCR do Médio Claudio Pereira da Silva Coordenador da CCR do Sub Médio Manoel Uilton dos Santos (Tuxá) Coordenador da CCR do Baixo Melchior Nascimento

Agencia de Bacia AGB PEIXE VIVO Diretora-geral Célia Fróes Diretora de Integração Ana Cristina da Silveira Diretor Técnico Alberto Simon Diretora de Administração e Finanças Berenice Coutinho

Produzido pela CDLJ Publicidade Coordenação geral Malu Follador Coordenação editorial e edição de texto José Antônio Moreno Textos Fred Burgos Ricardo Follador Delane Barros José Antônio Moreno Joyce de Sousa Wilton Mercês André Santana

Fotografia Ivan Cruz Nely Rosa Wilton Mercês Revisão Ana Lúcia Pereira Projeto gráfico e Editoração Jorge Martins Foto da capa Depositphotos.com Impressão Gráfica Santa Bárbara

Artigos Yvonilde Medeiros George Olavo Marianna Siegmund-Schultze Ilustração Cau Gomes Luis Augusto Esta revista é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 - Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010 - Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos reservados. Permitido o uso das informações desde que citando a fonte.

CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL MÉDIO SÃO FRANCISCO

CÂMARA CONSULTIVA REGIONAL SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO

RIO DE LÁGRIMAS Um sentimento de profunda tristeza se abateu sobre o São Francisco. Se a situação já vinha sendo considerada grave, o efeito dramático da prolongada estiagem não deixou dúvidas sobre a incapacidade do rio em absorver os reflexos de uma crise hídrica sem precedentes, que atingiu da sua nascente – que, literalmente, secou – à foz. Navegação, pesca, abastecimento, turismo – todas as áreas e funções do Velho Chico entraram em colapso. Sem muito espaço para a alegria, esta edição revela o difícil momento histórico vivido pelo rio. Praticamente todas as reportagens, artigos e entrevistas são perpassados pelos flagrantes de uma situação que merece, no mínimo, reflexão. Uma das matérias especiais aborda a questão das vazões reduzidas que, há mais de um ano, resultam em sérios prejuízos para as cidades ribeirinhas, suas populações, atividades econômicas e sociais. A reportagem evidencia não só os prejuízos acumulados até agora, como questiona a falta de interesse dos setores governamentais em ressarcir os danos causados. Infelizmente, a matéria ficou carente das informações do setor elétrico e de órgãos governamentais ligados ao tema: organismos como a Agência Nacional de Águas – ANA, a Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco – Chesf, e o Operador Nacional do Sistema – ONS, sob diferentes alegações, não se dispuseram a falar com a Chico. A revista, em compensação, traz bons artigos sobre o tema e uma longa entrevista com o hidrólogo argentino-brasileiro Pedro Molinas, uma das maiores autoridades em recursos hídricos do país, que analisa a questão das vazões sob diferentes aspectos. Outro assunto abordado na Chico diz respeito à memória da cidade de Rodelas, na Bahia, que ainda hoje vive sob os reflexos do seu alagamento causado pela construção do reservatório de Itaparica, na divisa entre Bahia e Pernambuco. Finalmente, a revista faz um amplo diagnóstico sobre a atividade pesqueira no rio São Francisco, mostrando não só as dificuldades da falta de pescado, mas as alternativas de sobrevivência dos pescadores em diversas regiões do rio, cada vez mais adeptos da piscicultura.

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Sumário

06 11 PESCADORES SEM ILUSÃO

ENSAIO: VESTÍGIOS DE CIDADES QUE SE FORAM

ENTREVISTA: PEDRO MOLINAS

AO SABOR DAS VAZÕES

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RODELAS: MEMÓRIAS DE UMA CIDADE ALAGADA

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O PROJETO INNOVATE

QUAL O CUSTO AMBIENTAL DA REDUÇÃO DA VAZÃO MÍNIMA? VELHO CHICO À LUZ DA ACADEMIA

COMITÊ ATUANTE, COMITÊ PENALIZADO

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RIOS DO MUNDO: ISAR

NA ROTA

SERES DO SÃO FRANCISCO: TEIÚ

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IMPAC TOS

Ao sabor das v O RIO SÃO FRANCISCO VIVE A PIOR CRISE DE SUA HISTÓRIA, AGRAVADA POR UMA ESTIAGEM SEM PRECEDENTES. DA NASCENTE (QUE CHEGOU A SECAR) À FOZ, O VELHO CHICO É OBRIGADO A CONVIVER COM AS CONTRADIÇÕES DE UMA GESTÃO QUE POUCO TEM FEITO PARA MODIFICAR O CENÁRIO MARCADO POR FORTES IMPACTOS AMBIENTAIS, ENQUANTO OPTA POR UMA QUESTIONÁVEL POLÍTICA DE VAZÕES REDUZIDAS. TEXTO: FRED BURGOS | FOTOS: IVAN CRUZ ILUSTRAÇÃO: CAU GOMES

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vento seco desenha um bailado de folhas mortas num chão esturricado que anuncia uma trilha de terra por onde antes corria água. A mão desliza vacilante em direção a um buraco de onde nascia o maior rio inteiramente brasileiro. Por uma descrença do fundo da alma, a mão toca a terra em busca de alguma umidade residual. Não há alimento para o otimismo. O que nunca se viu aconteceu. A principal nascente do Velho Chico desapareceu. A seca, que já se prolonga por quase três anos, está deixando à mostra não apenas a ossatura do rio em agonia, com um impacto negativo cada vez maior na vida de homens e da natureza, mas também as vísceras de um modelo de gestão de recursos hídricos no país marcado por sérias distorções. “Tive uma tristeza imensa. Pisar naquele solo seco, num curso de água que cabe a altura de um homem, pegar na terra que não tinha umidade nenhuma, foi terrível! Ao meu ver, a situação é assustadora. E temos, infelizmente, a pior expectativa possível. No quadro atual, que se arrasta por três anos sem chuvas intensas, não dá para prever índices pluviométricos com base em séries históricas”, avalia a secretária da Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco, instância do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e coordenadora-geral do Consórcio Municípios do Lago de Três Marias (Comlago), Silvia Freedman Ruas Durães. Ela esteve no Parque Nacional da Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas, em Minas Gerais, com outras 15 autoridades locais, para constatar in loco a notícia recente com


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maior carga dramática sobre a situação atual do rio São Francisco. Enquanto em Minas o cenário é desolador, em Sobradinho, norte da Bahia, a preocupação com a manutenção por cerca de um ano e oito meses da vazão de saída (defluente) em 1.130 metros cúbicos por segundo (m3/s), abaixo da mínima acordada de 1.300 m3/s, vem promovendo estragos na região do Baixo São Francisco. O mar, cuja influência das suas águas no rio chega, em situações normais, até cerca de oito quilômetros da foz, próximo ao distrito de Potengi, em Alagoas, tem avançado firme em direção ao continente, salinizando áreas distantes. “Atualmente, essa penetração do mar no rio já chegou às imediações da sede do município de Piaçabuçu, a 14 quilômetros da foz”, conta o professor Luiz Carlos Fontes, coordenador do Laboratório Georioemar, da Universidade Federal de Sergipe. No seu entender, o sistema elétrico, que é um dos usuários de águas do rio, como tantos outros que aprovaram o Plano de Recursos Hídricos da Bacia – instrumento legal para a sua gestão –, fere uma determinação do Comitê, com a anuência do governo, por meio de permissão da Agência Nacional de Águas – ANA e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Ibama. “Isso é uma situação gravíssima, ainda mais se considerarmos que se trata de algo por tempo indefinido, já estando no segundo ano seguido. Mereceria uma abordagem jurídica. O rio não atende apenas a um usuário, o sistema elétrico, em detrimento do abastecimento humano, da irrigação, da pesca, ou ainda do meio ambiente que, por sua dinâmica delicada, está posto em risco”, avalia Fontes.

semiárido brasileiro, em condições físico-climáticas muito específicas. representar cerca de 70% da disponibilidade hídrica do Nordeste, e influenciar diretamente a vida de 504 municípios”, observa o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda. Há uma reivindicação crescente de mudanças imediatas tanto no modelo de gestão das águas do rio, cuja hegemonia está sob a tutela do setor elétrico, como também no que diz respeito à matriz energética regional, exigindo investimentos conjugados em energias alternativas – eólica, solar e biomassa. “O que estamos vivenciando é um crise hídrica, potencializada por uma crise climática e, sobretudo, por uma crise de gestão. Mantemos um modelo de gestão no qual a operação dos reservatórios é restrita ao setor elétrico, que detém informações não acessíveis aos demais usuários”, adverte Miranda.

O que os demais usuários das águas do Chico vêm reclamando é que se cumpra a legislação em torno da ideia de que água é um bem comum, portanto, para usos múltiplos, e que, em situação de escassez, a prioridade deva ser o abastecimento humano. “É preciso também que se torne um fato concreto que a bacia é a unidade de gestão dos recursos hídricos, não os reservatórios”, avalia Anivaldo Miranda. Ele reivindica que o sistema elétrico é que deva estar subordinado às lógicas dos subsistemas característicos da bacia e não o contrário. “Hoje, essa prevalência do uso das águas pelo sistema elétrico não faz sentido”, diz.

UM RIO SINGULAR À seca intensa e prolongada somam-se problemas de gestão que vão desde a inexistência de ações efetivas de revitalização do Velho Chico e seus afluentes à definição de bases de dados confiáveis para emissão de outorgas, passando pela fiscalização rigorosa que coíba retiradas clandestinas de águas de rios e aquíferos, a transparência sobre os dados dos grandes reservatórios e a rigorosa observância pelo setor elétrico da Lei 9.433/97, a chamada Lei das Águas, especialmente quanto aos seus usos múltiplos. “Já chegou o momento de obrigar o governo a tratar de forma diferenciada a bacia do São Francisco, cuja singularidade está no fato de envolver o único grande rio totalmente brasileiro, atravessar cinco estados, ter cerca de 60% do seu leito passando pelo

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Em Sobradinho, na Bahia, situação de queda do nível só poderá ser regularizada...

MUDANÇA CLIMÁTICA A atual situação de seca vivida em Minas Gerais nos remete a possíveis cenários. Em dois deles, especialistas prenunciam uma possível mudança climática ou a identificação de um padrão cíclico no clima até então desconhecido. Variações entre anos hidrológicos são normais. Mas, no entender do professor Luiz Carlos Fontes, há fortes suspeitas de que tais condições estejam relacionadas a mudanças climáticas. Considerada a “caixa d’água” do São Francisco, Minas Gerais recebe as águas que evaporam na Amazônia e se dirigem para lá, num percurso que especialistas chamam de “rios voadores”. Esse vapor, ao entrar em contato com frentes frias que vêm do sul da América, produzem chuvas que alimentam inúmeros rios. O ar quente que vem do Atlântico estaria impedindo essa precipitação. “Ainda não se pode falar de forma científica que as condições atuais são resultantes de mudanças climáticas. Mas em gestão de recursos naturais não se pode ficar de braços cruzados. O meu interesse pelo São Francisco vem de 20 anos. Nunca vi pessoalmente nem encontrei em literatura sobre o rio que uma só nascente secou, muito menos que muitas secaram. Sim, na Serra da Canastra, várias nascentes menores secaram junto com a principal”, afirma o pesquisador titular da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna. Para o presidente do Comitê do São Francisco, desde 2001 as secas se tornaram mais agudas, obrigando o início dessa série de reduções de vazão. “É necessário um conjunto de medidas para encarar esse fenômeno da seca prolongada, não como algo emergencial, mas como uma recorrência que configura um padrão. E o problema é que quando definimos um fenômeno como emergencial, passamos a atuar na base do improviso”, aponta, ao mesmo tempo em que complementa:

“Ao olharmos para essa situação, o que desejamos é que já houvesse uma metodologia de ação, aprovada por todos os usuários de antemão, para os momentos de escassez de água como o que estamos vivendo”. O mesmo sentimento tem o diretor técnico da AGB Peixe Vivo, Alberto Simon, para quem se há dois anos, quando os primeiros sinais de seca foram sentidos, tivesse sido traçado um planejamento para enfrentar esse período, não se estaria nessa situação. No entender do consultor técnico em recursos hídricos do Comitê do São Francisco, Rodolpho Ramina, não se sabe se o que está ocorrendo são mudanças climáticas ou variabilidades no clima. Mas que está acontecendo alguma coisa, está. Segundo ele, uma das razões possíveis é que a demanda por água seja muito maior do que se sabe. No caso das nascentes, baterias de bombas podem estar avançando em direção às águas subterrâneas.

“Não recusaria essa possibilidade. Primeiro deveríamos olhar os usos”, diz. Opinião semelhante tem o gerente de planejamento energético da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Marcelo de Deus. “A demanda de água para irrigação na bacia do São Francisco é grande. Estudo de uma das principais consultorias do setor elétrico nacional, a PSR, sugere que há cerca de 20 anos a vazão do São Francisco, historicamente na faixa dos 2.800 m3/s (antes das barragens), vem reduzindo”, aponta. Segundo a publicação Energy Report, da PSR, uma das causas possíveis dessa redução seria a grande retirada de água do subsolo para irrigação. “Quando se pega o que está outorgado, vê-se que não há nada sério no consumo. Mas quando se olha o que está aguardando a liberação de outorga, chega-se a uma estimativa de vazão necessária para atender a essa demanda da ordem de 600 m3/s. Quem tem condições de garantir que essa água não está

NÍVEL DE ÁGUA NOS RESERVATÓRIOS É PREOCUPANTE Especialistas preveem que serão necessários dois ou três anos hidrológicos para regularizar Três Marias e Sobradinho. Em meados de outubro, em Três Marias, a vazão afluente (entrada de água) variava entre 30 a 40 m3/s, enquanto a vazão defluente (de saída) era de 140 m3/s, ou seja, saía em água 3,5 vezes o volume que estava entrando na barragem. Em Sobradinho, essa relação estava em 290 m3/s de vazão afluente para 1.130 m3/s de defluência, ou seja, saindo água do reservatório 3,7 mais do que estava entrando. As primeiras medições de vazão em rios brasileiros datam de 1931. Em outubro de 1955, foi registrada uma das mais baixas vazões no São Francisco, com a água correndo a 590 m3/s. O que se está presenciando agora é ainda mais preocupante. Se o período seco persistir, a situação se tornará, evidentemente, mais grave. O espalho d’água do

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reservatório mineiro de Três Marias, com 1.050 km2, corresponde a três vezes o da Baía de Guanabara, com seus 350 km2. Em outubro, seu reservatório estava com 3,9% do volume útil para gerar energia, o equivalente a 4 bilhões de m3 de água. Apenas duas das suas seis turbinas estavam em operação. “Num cenário mais negativo, em que a falta de chuva se estenda, esperamos terminar outubro perto de 3% de reserva. E, ao final de novembro, esse percentual cairia para perto de 1%. Se chegar a zero da reserva útil, ainda assim teremos uma Baía de Guanabara dentro do reservatório. Ou seja, não ficarão secos os 40 km depois da barragem até o rio Abaeté, como se tem especulado”, afirma Marcelo de Deus, gerente de planejamento energético da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Para uma represa que tem capacidade para abri-

gar 34 bilhões de m3, o equivalente a 12 espelhos d’água da Baía de Guanabara, Sobradinho estava, em outubro, com apenas 26% do seu volume útil. A previsão é que chegasse em novembro a 20%. Como ninguém sabe quando a seca vai acabar, a equação entre a entrada de água na barragem e a saída torna preocupante a intensidade do seu esvaziamento. “Em período de clima chuvoso, a cabeceira do rio, em Minas Gerais, recebe chuvas mais intensas entre novembro e fevereiro. Mesmo não havendo previsão de chuvas fortes, se fosse feita uma estimativa otimista, essas águas demorariam cerca de 30 dias para atravessar os mais de mil quilômetros e começar a abastecer Sobradinho. Ou seja, se chover em novembro, o alívio virá só em dezembro, e assim sucessivamente”, avalia Luiz Carlos Fontes.


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sendo retirada?”, questiona Marcelo de Deus. A crescente perspectiva de que uma intensa e desordenada exploração de águas subterrâneas teria uma grande participação na diminuição de vazões acende o sinal laranja quanto à saúde dos aquíferos, dentre os quais dois localizados no Oeste baiano despertam preocupações maiores: o Urucuia, o maior aquífero brasileiro, que já apresenta sinais de risco, segundo estudo realizado pela ANA; e o Bambuí, sobre o qual ainda não há estudos conclusivos.

TRANSPOSIÇÃO O rio sente o clima e os abusos do homem. Mesmo assim, o nível de demanda tem crescido, sem que haja uma avaliação mais rigorosa dos riscos. De acordo com Rodolpho Ramina, todo o projeto de transposição do São Francisco está em cima da vazão média histórica de 2.060 m3/s, obtida pós-construção de barragens. A média da transposição poderá chegar a 50 m3/s (a vazão mínima será de 26,4 m3/s e vazão máxima de 127 m3/s). Mas, no seu entender, há um erro nesse tipo de referência. “Deveríamos olhar a vazão no período seco. Em outros termos, avaliar o risco em cima da vazão média é um erro grave. Hoje, já estamos brigando por 10m3/s”, diz. Ramina acredita que a prevalência do uso das águas para a produção de energia tem provocado um sombreamento em torno da questão dos usos múltiplos. “O Operador Nacional do Sistema (ONS) não tem nenhum estudo que lhe permita dizer o que vai acontecer quando houver seca em meio à transposição. Pode parecer um absurdo, mas ninguém solicitou isso ao sistema. Nos períodos críticos, os conflitos surgirão sem a menor sombra de

dúvida. Qual será a prioridade? Se está se transferindo volumes de água para a irrigação, o que será dito aos produtores quando do período de secas prolongadas e baixas de vazão? Vai-se tornar secundário o abastecimento humano?”, questiona. Para João Suassuna, o governo federal está investindo R$ 8,2 bilhões para construir a transposição de águas de “um rio morto”. “Vai chegar num ponto que as soluções serão difíceis, dada a demora de se tomar providências para recuperar o rio”, adverte. Em abril deste ano, o Comitê aceitou fazer parte do conselho gestor do Sistema de Gestão do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), instância responsável pelo acompanhamento das obras da transposição e proposição de regras para o uso das águas. “Acompanharemos rigorosamente os termos das outorgas. Ao mesmo tempo, será preciso fazer entender aos governos das bacias receptoras que agora eles fazem parte não apenas da solução, mas também dos problemas”, observa Anivaldo Miranda. No entender de Miranda, a crise atual põe o Comitê à frente da batalha para que um plano de revitalização do rio São Francisco saia definitivamente da gaveta, com uma nova conceituação hidroambiental, que envolva a recomposição das matas ciliares, investimentos nas áreas de recarga dos aquíferos e nascentes, melhoria na qualidade da água, controle no uso de agrotóxicos e redução a zero das queimadas nos biomas do cerrado e caatinga. “O Comitê volta a exigir que a promessa do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva seja cumprida, de que se a transposição saísse do papel cada centavo que fosse para o projeto seria aplicado na revitalização do rio”, afirma.

POR UM PACTO DAS ÁGUAS

A crise abriu uma fenda numa crença, a rigor, desde sempre insustentável: a de que a água seria um bem infinito. E tem sido em torno dela que sociedade e governos têm demonstrado pouco cuidado com um recurso tão indispensável quanto findável. Sim, a água pode acabar em dado momento, em determinado local. As várias nascentes que secaram do Velho Chico acenderam um sinal de alerta que pode servir para uma mudança de comportamento. Os problemas gerados a partir da gestão da água, em meio a uma demanda que só faz crescer, enquanto a oferta faz o caminho contrário, têm provocado vários conflitos, o que aponta para o caminho da negociação a partir de um Pacto das Águas. “É preciso que haja uma moratória de novas demandas, que tendem a crescer indefinidamente e que colidem frontalmente com a consciência de que a água é um bem finito”, afirma o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda. A ideia do pacto pode inserir em perspectiva a construção de um amplo acordo pelo uso racional da água, seja pelo setor elétrico, que detém hoje a hegemonia do uso das águas, seja pela agricultura irrigada, enfim, por todos os usuários do São Francisco. Uma das questões centrais do Pacto das Águas para Miranda é de que o sistema de outorgas brasileiro precisa embutir para os usuários o compromisso com a sustentabilidade do rio, o que implica o uso racional de suas águas, passando pela melhoria de processos adotados, por exemplo, na agricultura irrigada. “A outorga é um instrumento legítimo para a boa gestão dos recursos hídricos. O fato de termos uma base de dados técnicos tão frágil e o sistema apresentar grandes falhas político-institucionais torna o principal instrumento de gestão hídrica fragilizado. Além disso, a exploração clandestina das águas aponta para a precariedade no sistema de fiscalização de outorgas. Mesmo onde o sistema está estruturado, não há confiabilidade na solidez dos dados que subsidiam as outorgas, que muitas vezes são dadas no escuro. Isso somado ao fato de que a fiscalização, salvo exceções, é uma ficção”, analisa o presidente do CBHSF.

...em três anos hidrológicos, segundo estudos dos especialistas

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R FOTO: WILTON MERCÊS

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Na principal ponte de Bom Jesus da Lapa, os bancos de areia já são visíveis

UM RASTRO DE PREOCUPAÇÕES

Localizado a 340 quilômetros de Belo Horizonte, Pirapora tem seu nome emprestado da língua tupi e significa “salto do peixe”, em alusão ao movimento que os peixes fazem contra a correnteza em busca de locais para a reprodução. A cidade de 55 mil habitantes está às margens do São Francisco, que ao passar por ela apresenta uma vazão histórica de 600 metros cúbicos por segundo (m3/s), mas na atualidade está na faixa dos 140m3/s. Hoje, o rio, que tem importância capital para a sua sobrevivência, se tornou um fio d’água que não exigiria grandes esforços de peixes para atravessá-lo. Assim que soube, em junho deste ano, que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) solicitou à Agência Nacional de Águas a redução na vazão, o prefeito de Pirapora, Léo Silveira, entrou com ação na Justiça Federal solicitando que o nível da água fosse mantido até que ocorresse a migração da captação de água por gravitação para o bombeamento. Ganhou um prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30. Em 45 dias, a estação de bombas estava operando, e o abastecimento aos 55 mil habitantes da cidade, garantido. Com a redução da vazão, o rio migrou para a margem oposta, deixando de entrar pelos canais que abasteciam a população. “O ONS é um usuário hipertrófico, com poderes especiais, que faz valer seus interesses específicos sobre os interesses de outros usuários”, afirma o prefeito. Segundo Silveira, projetos de irrigação, tanto públicos quanto privados, estão sendo afetados pelos atuais níveis de vazão. “O mesmo podemos dizer da pesca artesanal, que sente de maneira acentuada o nível baixo das águas. Os peixes maiores estão ficando presos em pequenas bacias e se tornando alvo fácil da pesca predatória.

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Mergulhadores têm vindo, inclusive de São Paulo, com seus arpões”, conta. Para ele, não existe transparência. “Individualmente, tem-se informação. Mas essas organizações não se comunicam com os usuários em geral”, aponta. Numa linguagem teológica, o prefeito aponta que um dos pecados originais do sistema é a inexistência de uma ANA forte. “É preciso um órgão regulador forte. O ONS se sobrepõe aos interesses dos demais usuários. Os órgãos de bacia precisam ter um maior protagonismo, capaz de impor o interesse mais amplo da sociedade”, adverte. Localizado entre os rios São Francisco e Verde Grande, o Distrito de Irrigação de Jaíba, no norte de Minas, teve início de operação em 1988. São 25 mil hectares de terras agricultáveis, que abrigam cerca de 2.100 irrigantes, dos quais 1.500 são pequenos agricultores. O agronegócio é o motor da região norte de Minas, e o Jaíba é um projeto de importância central nesse contexto. Desde que foi anunciada a redução temporária da vazão mínima de Três Marias, em junho passado, foi definido que os produtores teriam que adiar seus planos imediatos de expansão, portanto, sem ampliações de área irrigada. A ideia é aguardar. Ao mesmo tempo, ações foram implementadas tendo como alvo a coexistência dos produtores com a atual realidade. O distrito fez gestão junto ao governo federal para que iniciativas emergenciais fossem empreendidas. Dentre elas, a principal foi o desassoreamento do canal de aproximação, que faz a ligação com o rio que alimenta a estação de água do projeto. A ideia era evitar obstrução no fluxo d’água. Foram retirados mais de 80 mil m3 de sedimentos. O trabalho durou quatro meses, sendo 80% do desbloqueio feito por empresa contratada pela

Codevasf, num investimento de R$ 1,8 milhão, e a desobstrução dos outros 20% promovida pelos próprios irrigantes. A vazão normal do projeto é de 20 m3/s. Com a redução em Três Marias, baixou para 15 m3/s. Ao mesmo tempo, estendeu-se a jornada diária de 14h para 20h. “A irrigação depende do rio. Esse é um cenário difícil. O projeto foi pensado para uma vazão mínima de 500 m3/s de Três Marias e afluentes. Já trabalhamos com 300 m3/s em 2001 e o projeto ‘andou’. Atuo há 30 anos no Jaíba. Nunca me deparei com uma situação dessas. Estamos apreensivos. Se em novembro não chover, a preocupação será ainda maior”, avalia Marcos Medrado, gerente executivo do Jaíba. Desde maio de 2013, a Companhia de Saneamento de Alagoas – Casal foi obrigada a instalar de forma “provisória” uma bomba sob um flutuante, para poder levar água para a estação elevatória que abastece uma população de 200 mil habitantes, na bacia leiteira. Como a vazão baixou, as entradas do tubulão estão acima do nível do rio. “O custo adicional principal é o operacional, já que passamos a gastar 30% a mais em energia elétrica, o equivalente a R$ 150 mil por mês, além de uma perda de receita por termos diminuído nossa capacidade de fornecer água. Solicitamos ressarcimento financeiro à Chesf, que nos informou não poder fazer nada”, afirma o presidente da Casal, Álvaro José Menezes da Costa.

INFORME A revista Chico tentou ouvir as entidades ANA, ONS e a Chesf. E-mails foram enviados para seus porta-vozes, mas até o momento do fechamento desta edição não foi possível entrevistá-los.


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Rodelas

TEXTO: ANDRÉ SANTANA FOTO: GAIO MATOS

Memórias de uma cidade alagada UMA GRANDE CAIXA D´ÁGUA SOLITÁRIA EM MEIO ÀS ÁGUAS DO LAGO FORMADO PELO VELHO CHICO É A ÚLTIMA EDIFICAÇÃO AINDA EXISTENTE DA VELHA RODELAS E SERVE DE LEMBRANÇA PARA OS CERCA DE OITO MIL MORADORES DA CIDADE BAIANA, LOCALIZADA NO SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO, CUJA HISTÓRIA E DESTINO FORAM MARCADOS PELA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ITAPARICA, ENTRE BAHIA E PERNAMBUCO. MAIS DE CINCO MIL MORADORES TIVERAM QUE DEIXAR SUAS TERRAS. UMA MUDANÇA QUE DESENCADEOU PROFUNDAS TRANSFORMAÇÕES SOCIOCULTURAIS E ECONÔMICAS NA COMUNIDADE.

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odelas foi uma das sete cidades que precisaram ser alagadas para a construção da barragem de Itaparica, na década de 1980, levando à necessidade de construção de uma nova cidade, a alguns quilômetros da primeira. Também na Bahia, as outras cidades alagadas foram Glória e Chorrochó e, no lado pernambucano, Belém do São Francisco, Floresta, Petrolândia e Itapicuruba, esta última separada de Rodelas pelo trecho do rio São Francisco onde se pode ver a caixa d´água. Cortada pela BA-210, Rodelas fica a cerca de 460 km de Salvador, e teve sua história e destino marcados pelo processo de transferência geográfica por conta da construção da barragem. Entre os mais de cinco mil moradores que tiveram que deixar suas terras estão os índios da tribo Tuxá. A mudança desencadearia uma série de transformações socioculturais e econômicas dessa comunidade.

ITAPARICA, A SOLUÇÃO. Em 1977, a construção da Usina Hidroelétrica de Itaparica, na região do Submédio São Francisco, prometia adicionar ao sistema de geração hidroelétrica da região Nordeste 2.500 MW (megawatts), com uma produção anual de 8 milhões de KWh (quilowatts por hora), buscando resolver o problema de fornecimento de energia elétrica nessa região. Atualmente denominada Luiz Gonzaga, a Usina de Itaparica fica a 25k m a jusante do município de Petrolândia, em Pernambuco, e 50 km a montante do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, possuindo, além da função de geração de energia elétrica, a de regularização das vazões afluentes diárias e semanais das usinas do Complexo. A partir de 1980 começaram, então, as negociações com os moradores para a retirada das famílias das áreas que seriam inundadas. Dos municípios atingi-

dos foram inteiramente alagados os núcleos urbanos de Petrolândia e Itacuruba no território pernambucano; e de Rodelas e Glória, no território baiano. O processo de construção se consolidou em 1988, com o início da produção de energia e o reassentamento dos moradores. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf calcula que mais de 10.500 famílias foram envolvidas no programa de reassentamento. O agricultor João Ursulino da Silva, conhecido como João de Sula, ainda tem na memória as lembranças de como era a relação com a natureza e com o rio São Francisco na Rodelas que deixou de existir. Na cidade velha, a plantação era de subsistência de feijão, mandioca, arroz, plantações nas ilhas alagadas do Velho Chico. “Não havia estradas para comercializar os produtos que não eram consumidos. Para vender algo era preciso sair de lá, de barco a remo, até Belém do São Francisco, a 30 km, ou Itapicuruba, a 15 km”. Nascido em 1979, Jean Cleison Custódio Campos era muito novo, mas lembra do alvoroço que a notícia da transferência causou nos moradores, entre eles seus pais, José Campos Filho, que nasceu em Coité, distrito de Itapicuruba, e Maria Dulce Custódio Campos, nascida em Rodelas. “Primeiro ninguém acreditou muito, depois ninguém sabia ao certo o que iria acontecer”, conta o agricultou. O casal teve quatro filhos, todos na Rodelas velha. “Nossa família sempre atravessa o rio São Francisco para visitar os parentes. Minhas férias eram sempre na roça do meu avô, em Itapicuruba”, lembra.

ÓCIO E LUIZ GONZAGA Foram três anos de construção da cidade nova, entre 1985 e 1987. “Já em 1988, todos vieram para o novo local. Nesse ano, ainda dava para andar de canoa nas ruas da velha Rodelas”, lembra. Jean Cleison conta

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FOTO: WILTON MERCÊS

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Turbinas de geração de energia da barragem de Sobradinho (BA)

que o primeiro impacto foi ver o povo ocioso, sem suas terras e plantações, além de ter vindo muita gente de fora chegando para trabalhar nas obras da nova cidade. Chegavam e acabaram ficando, gerando brigas e violência. “Os moradores reassentados ficaram muito tempo recebendo dinheiro sem fazer nada e, como diz a canção do Luiz Gonzaga, ‘uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão’”, diz em referencia à Verba de Manutenção Temporária (VMT), um recurso de até dois salários mínimos dado pela CHESF para compensar o período em que ainda não tinham sido entregues os lotes, o que levou quase uma década. “Muitos acabaram bebendo ou se envolvendo em drogas e o número de suicídios foi alto. O povo dizia que os homens daqui, quando não tinham quem matar, se matavam”. O próprio pai de Cleison foi vítima dessa situação, pois passou a consumir muito álcool, até morrer, de parada cárdio-respiratória em plena travessia para Itapicuruba, a bordo de um barco no Velho Chico. Os agricultores somente receberam os lotes em 1996 e 1997 e, em 1998, a Chesf deu assistên-

cia técnica e apoio às associações agrícolas para a implantação da cultura de frutas como coco, manga e goiaba. Só o coco vingou. Nesse período que ficaram sem suas terras, muitos moradores foram para outras cidades, como Pedra Branca, Ibotirama, Caraíba, etc. Os moradores calculam que foram 422 famílias reassentadas. “Outras 300 famílias não ficaram por vários motivos, inclusive porque houve um boato de que as terras da cidade nova não eram produtivas”, diz Cleison. No acordo assinado entre moradores e a Chesf, em 1986, a estatal se comprometia a dar terras e indenizar a população. Eram de três a cinco hectares e mais 22 hectares de terras comuns para os projetos irrigados. Havia outros planos, como a construção de casas de farinha, escola agrícola e outros projetos de irrigação. Além da fruticultura, na qual se destaca o cultivo de coco, nas novas cidades, como Itapicuruba, houve projeto de psigranja, investimentos na piscicultura e criação de aves e suínos (gansos e porcos), montando poços e piscinas para os que não viviam da roça. Não deu certo. Foi criada uma cooperativa para a comerciali-

zação das plantações, mas disputas internas e brigas políticas levaram à criação de mais de uma cooperativa, enfraquecendo a união dos agricultores. Atualmente muitos lotes já foram vendidos, impera a monocultura do coco e a Chesf não se sente mais responsável pela rotina produtiva da cidade. Mesmo os projetos de irrigação já estão obsoletos.

GAMBIARRAS PARA A FAMÍLIA João de Sula chegou à cidade nova com seus sete filhos. “Os meninos cresceram e os três hectares ficaram pequenos. Tivemos que fazer umas gambiarras para dividir com eles”, brinca, referindo à improvisação necessária para atender aos filhos. Outro que chegou à cidade nova com os filhos (cinco no total) foi Francisco Pezentino Filho, de 85 anos, que era agricultor e boiadeiro, regia boiadas para diversas cidades até Juazeiro. Um dos filhos é Francisco Célio Moura Pezentino, 42 anos, que destaca o lado positivo da mudança para a nova cidade. “Na velha cidade, os mora-

ÍNDIOS TUXÁ: 30 ANOS DE ESPERA.

FOTO: WILTON MERCÊS

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O coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Uilton Tuxá é cacique da tribo Tuxá de Rodelas e denuncia a espera que o seu povo ainda faz, três décadas depois, para receber suas terras. As negociações para transferência da tribo Tuxá de Rodelas para a nova cidade envolveram, além da Chesf, a Funai – Fundação Nacional do Índio. Em 1988, o reassentamento do povo Tuxá foi concluído. Contudo, em 2014, ou seja, 26 anos depois, as organizações de defesa dos povos indígenas denunciam que a Chesf ainda não viabilizou os quatro mil hectares estabelecidos no convênio de 1987. A nova aldeia dos Tuxá tem uma área de aproximadamente 50 hectares. Desde 1991, o Ministério Público Federal, acionado por denúncias feitas pela Funai, vem cobrando o não cumprimento das metas e prazos estabelecidos no acordo firmado com a Chesf. Quase três décadas depois do deslocamento para a nova aldeia na nova cidade de Rodelas, o povo Tuxá encontra- se em condições sociais e econômicas em patamares inferiores à encontrada antes da construção da barragem de Itaparica, sobrevivendo exclusivamente da VMT. – Verba de Manutenção Temporária – que recebem dessa empresa estatal. Ainda por meio da Superintendência de Planejamento da Expansão da Transmissão, Murilo Sergio Lucena Pinto, a Chesf esclarece que foram cumpridos todos os compromissos com o Perímetro Irrigado de Rodelas/BA, “visto que é um perímetro 100% titulado (escritura pública de doação), ou seja, todos os reassentados são donos de seus lotes, com a respectiva área de sequeiro e parcela de Reserva Legal com plena quitação ao que previa o acordo de 1986”. Já em relação à comunidade indígena Tuxá, a empresa informa que já cumpriu integralmente os seus compromissos do Termo de Ajustamento de Conduta firmado no bojo da ACP nº 1999.33.00.010342-0, TAC TUXÁ, conforme se depreende do Laudo Pericial levado a efeito por solicitação do Ministério Público Federal.


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dores, como meu pai, eram meeiros, plantavam roças de arroz, feijão, melancia, amendoim e catavam algaroba, cuja vagem serve de alimento para os animais. Eram todos muito humildes”, observa. Para Francisco, a mudança trouxe um progresso grande e o desenvolvimento da nova cidade foi rápido. “Lá eles não tinham um palmo de terra e automaticamente ganharam três hectares. A Chesf ainda bancou os lotes irrigados e uma verba mensal. Quem não cruzou os braços teve como mudar de vida”, destaca Francisco, que atualmente é um dos maiores agricultores de coco da região, com cerca de 100 hectares de terras. Ele faz questão de dizer que não foi fácil construir a vida. Na nova cidade, enquanto não tinham as terras, eles e os irmãos foram se virando como podiam, “vendendo cocada, picolé, trabalhando como auxiliar de servente”.

MUSEU DA MEMÓRIA A professora Célia Almeida Soares, de 46 anos, veio da Rodelas velha com seus pais e seis irmãos e não esquece o processo de reassentamento, para ela desumano, por não pensar no social e nas pessoas. “Quando a Chesf chegou já

foi para a construção. Ficou para trás uma história de vida. As famílias foram ludibriadas, por não saberem de fato como seria o futuro”, explica. Ela diz que, fruto da falta de informação, muitos pequenos agricultores de subsistência responderam errado a um questionário do Governo, que organizou quem receberia ou não terras na nova cidade. “Como muitos exerciam a pequena agricultura familiar, não comercial, não foram incluídos na distribuição de terras”, cita como um dos exemplos das consequências das dúvidas dos moradores com o projeto de transferência. Para a professora, que na época da transferência tinha 18 anos, um dos pontos mais negativos foi a demora na entrega das terras. “Foram dez anos sem produzir nada, só esperando. Os jovens cresceram sem ver seus pais trabalharem. Esse prejuízo cultural é enorme, incalculável”. Só recentemente, com o processo de democratização do Brasil, houve uma preocupação em realizar trabalhos compensatórios. “Mas no nível da cultura, até agora nada”, destaca sugerindo, entre outras ações, a criação de um museu na cidade, para não deixar essa memória morrer.

Por intermédio do superintendente de Planejamento da Expansão da Transmissão, Murilo Sérgio Lucena Pinto, a Chesf informa que “ao longo dos anos, o setor elétrico vem empenhando esforços para melhoria de suas praticas com relação ao tratamento das questões que envolvem as populações atingidas por barragens. Este esforço é percebido na orientação para inserção da dimensão ambiental em todas as fases de seus empreendimentos (planejamento, implantação e operação), envolvendo o desenvolvimento de estudos e mudanças no seu relacionamento com outras instituições e com a sociedade”. O superintendente cita a atual política para as populações atingidas por barragens, que tem como marco o Decreto nº 7342/2010, que institui o cadastro socioeconômico da população atingida por empreendimentos de geração de energia hidrelétrica, e cria o Comitê Interministerial de Cadastramento Socioeconômico (CSE), no âmbito do Ministério de Minas e Energia; e a Portaria Interministerial nº 340/2012, que estabelece competências e procedimentos para a execução do Cadastro Socioeconômico.

NOVAS BARRAGENS NO VELHO CHICO Mesmo diante do passivo em relação à hidrelétrica de Itaparica, o Governo Federal vem dado prosseguimento ao projeto de construção de duas barragens na região do Submédio: Pedra Branca e Riacho Seco. O objetivo desse projeto é compensar a perda de geração de energia da Hidroelétrica de Sobradinho ocasionada pelas obras de transposição das águas do rio São Francisco. Estudos de viabilidade realizados pela Chesf revelam que serão mais de 11 mil pessoas transferidas das localidades a serem alagadas, em cidades da Bahia e de Pernambuco. Os municípios mais atingidos serão Orocó, em Pernambuco, pela construção de Barragem de Pedra Branca, e Curaçá, na Bahia, pelas obras da Barragem de Riacho Seco. Somente no município de Orocó, cerca de quatro mil moradores serão deslocados, enquanto, para construir Riacho Seco, serão 1.052 famílias transferidas, o que equivale a 4.795 pessoas. Outros municípios que sofrerão impacto das águas represadas são as comunidades de Abaré e Juazeiro (BA); Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, Lagoa Grande e Cabrobó (PE). A previsão era que as usinas entrassem em operação em 2012, mas até agora nem as obras de construção se iniciaram. De acordo com a assessoria de comunicação da Chesf, para os projetos das barragens irem a leilão é necessária decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel. Há um vídeo publicado no Youtube pela Chesf, em 2010, que apresenta os estudos de viabilidade. No vídeo, a estatal apresenta também os programas socioambientais para conservação do meio ambiente e para beneficiar as famílias dos municípios atingidos: https://www.youtube.com/watch?v=-ByV4loBmAA “Os projetos governamentais preocupam-se apenas com os impactos ambientais e esquecem os impactos sociais, os sentimentos envolvidos, as histórias e tradições interrompidas e os hábitos e costumes que formam a identidade dos povos da bacia, como indígenas e quilombolas”, denuncia Almacks Luiz Silva, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Salitre. Apesar de a Chesf anunciar que as novas hidroelétricas terão quedas bem menores que outras similares, como Sobradinho e Itaparica, diminuindo as áreas alagadas, ativistas em defesa do meio ambiente denunciam que a quantidade de energia gerada terá impacto insignificante diante dos danos causados. As duas usinas hidrelétricas produzirão 560mw (Riacho Seco, 240 megawatts; e Pedra Branca, 320 megawatts) com impacto em 11 mil vidas humanas, enquanto a Hidroelétrica de Xingó impactou apenas 90 pessoas para uma produção de mais de 2.139mw. Há uma avaliação de que, pelo cronograma, estas hidrelétricas deveriam ter entrado em operação no ano de 2009, quando outras fontes de energia ainda

tinham um estudo muito incipiente. Atualmente a situação é outra. A energia eólica, por exemplo, é uma realidade e estão previstos mais de 100 parques de energia eólica na bacia do São Francisco, principalmente na bacia do Salitre, região da Chapada Diamantina, que vai gerar mais de mil vezes a energia que será gerada pelas usinas de Riacho Seco e Pedra Branca. “Atualmente a energia eólica é capaz de suprir eventuais carências de energia ocorridas com a transposição. Para que submeter essas populações ribeirinhas ao mesmo drama dos desalojados de outras regiões alagadas?”, questiona Almacks Silva, que também integra o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF. As “outras regiões alagadas”, às quais Almacks faz referência, são as cidades de Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado, localizadas nos mais de 4.200 km alagados pelas águas de Sobradinho, na década de 1970. A construção do reservatório de Sobradinho, em Juazeiro, obrigou a realocação de cerca de 12 mil famílias dos municípios atingidos. Em artigo intitulado “A hidrelétrica de Riacho Seco faz jus ao nome que tem”, publicado no portal Edo Debate: cidadania e meio ambiente, o engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, criticou a proposta de construção de novas barragens, diante da dificuldade hídrica pela qual o rio passa. Em um trecho, o pesquisador diz: “Apesar de sabedoras dos indesejáveis riscos hidrológicos existentes no rio São Francisco, mesmo assim as autoridades elaboraram a proposta para construção dessa nova hidrelétrica a montante de Itaparica, em cujo local são frequentemente auferidas vazões diminutas e, portanto, inadequadas à geração de energia com a segurança desejada. O rio São Francisco não terá vazão suficiente para gerar energia com essa nova hidrelétrica!”. Em relação às críticas dos ambientalistas, a Chesf não confirma as previsões de populações atingidas e informa que os Aproveitamentos Hidroelétricos (AHE) de Riacho Seco e Pedra Branca se encontram em fase de estudo, mas em estágios bem diferentes. Enquanto Riacho Seco já tem Estudo de Viabilidade entregue a Aneel e ao Ibama, a AHE Pedra Branca ainda não teve o estudo de viabilidade elaborado, pois ainda não foram concluídas as tratativas com o Ibama para emissão do Termo de Referência para os estudos ambientais. “Dessa forma, como ainda não foi realizado o cadastramento socioeconômico, não existe uma previsão de população atingida para este empreendimento, mas já está proposta a realização de um programa de participação social, conjuntamente com a realização dos estudos ambientais”, informa o superintendente de Planejamento da Expansão da Transmissão, Murilo Sérgio Lucena Pinto.

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Pescadores sem ilusão FOTOS: IVAN CRUZ

A ESTIAGEM PROLONGADA QUE CASTIGA O RIO SÃO FRANCISCO, INTENSIFICADA PELA REDUÇÃO DA VAZÃO EM TRÊS IMPORTANTES USINAS HIDRELÉTRICAS, ACARRETA PREJUÍZOS A UMA DAS MAIS EMBLEMÁTICAS ATIVIDADES ECONÔMICAS DA BACIA, A PESCA ARTESANAL, QUE, COMO O VELHO CHICO, PODE ESTAR COM OS DIAS CONTADOS. O DESAPARECIMENTO DO PESCADO, A FALTA DE INCENTIVOS, ALÉM DE PROBLEMAS AMBIENTAIS DIVERSOS, TORNARAMSE REALIDADE PARA PESCADORES DOS CINCO ESTADOS BANHADOS PELAS ÁGUAS SÃO-FRANCISCANAS, IMPEDINDOOS DE EXERCER O SEU OFÍCIO COMO MEIO DE VIDA. REALISTAS, ELES JÁ NÃO ALIMENTAM ILUSÃO QUANTO AO FUTURO DO VELHO CHICO. TEXTO: RICARDO FOLLADOR

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Jocecino José dos Santos, sócio da Acripeixess: pesca tradicional perde espaço para piscultura em tanques-rede

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inal de tarde na turística Penedo, situada às margens daquele que é o morador mais ilustre da cidade. Um pequeno grupo faz uma rápida parada para o almoço. O restaurante escolhido é o que tem como pano de fundo o ilustre morador. Em meio à animada refeição surge um efêmero assunto à mesa. Por sinal, a respeito deste célebre cidadão. “O que será do futuro do rio?”, pergunta a matriarca à família. Prontamente vem a resposta. “A transposição dará jeito”, responde, de modo confiante, o marido. O genro hesita. “Será?”, indaga desacreditando. A discussão no recinto é breve, mas ganha força nos principais centros do Baixo São Francisco, região que engloba os estados de Alagoas e Sergipe. O tema em questão está relacionado ao símbolo cultural e econômico da região, o rio São Francisco, que separa em seu leito municípios ribeirinhos desses dois estados do Nordeste. O baixo nível das águas do Velho Chico angustia

quem visita a localidade pela primeira vez. E é esse sentimento que faz com que o grupo de turistas interrompa a refeição para observar pela varanda os inúmeros bancos de areia, as famosas ‘croas’, que se formam velozmente no leito do rio, transformando o cenário das belas paisagens em grandes pastagens de gado, que se alimentam a cada dia do que já foi um São Francisco expressivo, hoje debilitado em todo o seu curso d’água de cerca de 2.830 quilômetros. E eles não são os únicos a constatar tal situação. Um dos usos não consultivos – quando não há perdas entre o que é retirado e o que retorna ao curso natural – da bacia hidrográfica pode estar com os dias contados. Acordar antes de o sol raiar ou madrugar perante a solidão; contar histórias que muitos duvidam; exprimir exímios conhecimentos a respeito de aspectos naturais que até ambientalistas desconhecem, o que os tornam doutores sem diploma, são algumas das marcas cotidianas

que correm o risco de se perder diante do futuro incerto que assola a pesca artesanal. A prolongada estiagem que castiga o maior rio genuinamente brasileiro, gerando consequências como a redução no volume de água liberado de três das seis usinas hidrelétricas localizadas na sua calha (Sobradinho, Xingó e Três Marias), todas de grande importância na regularização da vazão, preocupam pescadores que vivem em municípios a jusante delas, que temem acumular perdas tanto materiais quanto sentimentais em face desta que é considerada a pior seca dos últimos 100 anos. O desaparecimento da principal fonte de renda, o pescado, a busca por novas formas de arrecadação, a falta de incentivos, além da forte invasão do mar tornaram-se realidade para trabalhadores dos cinco estados banhados pelas águas são-franciscanas (Minas, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas), impedindo-os de exercer o estimado ofício como o único meio de vida.

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Seca que atinge a UHE Três Marias compromete a pesca nos municípios localizados a jusante do reservatório

ALTO SÃO FRANCISCO VIVE AGORA OUTRA REALIDADE Conhecido pela abundância de rios que concentram grande parte da capacidade geradora de energia do país, revelando-se uma espécie de caixa d’água brasileira – nome, que, por sinal, afamou-o nacionalmente –, o território mineiro sofre com a ausência acumulada de chuvas nos últimos anos, transformando o que antes era motivo de fartura em sinônimo de escassez. Dados do Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos de Minas Gerais – Simge, órgão vinculado ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas – Igam, revelam que as chuvas que caíram até agosto 2014 em algumas regiões do Estado foram 80% a menos que 2013. Na cidade de Três Marias, no centro-oeste do Estado, no Vale do São Francisco e local da usina hidrelétrica que leva o mesmo nome do município, a situação é crítica. Até o início do segundo semestre, as chuvas tinham sido de apenas 400 milímetros. O esperado é 1.200 milímetros anuais. “A precipitação tem ficado abaixo da média. Mesmo com o período úmido que teve início em outubro e deverá ir até março de 2015, as chuvas não serão suficientes para normalizar a situação. Para que isso aconteça, é necessário que chova gradativamente. Não adianta chover de modo isolado, como vem acontecendo. Os reservatórios precisam de tempo para armazenar essas águas”, diz Paula Pereira de Souza, meteorologista do Simge, lembrando que a UHE Três Marias chegou a registrar 2,75% apenas do seu volume útil, pior índice da história, considerando o período até a primeira semana de novembro. A vazão afluente e defluente no mesmo período, ou seja, a água que entra e que sai da represa por segundo, era de, respectivamente, 75 m³/s e 123,5 m³/s. Números muito abaixo da média dos últimos anos.

No norte do Estado, na cidade de Januária, a cerca de 600 quilômetros de Belo Horizonte (MG), o cenário já gera perdas. “A cada 40 anos temos um período similar a este. A diferença é que, no passado, a população era menor. Hoje, o contexto é totalmente diferente. A vendas diminuíram em 50%. O que pescamos a gente vende para suprir o consumo da própria cidade. Na normalidade, distribuímos para toda Minas Gerais”, revela Simeão Reginaldo Ferreira, presidente da Colônia de Pescadores Z-2 que, além de Januária, engloba os municípios mineiros de Janaúba, Manga, Matias Cardoso e Itacarambi. No norte de Minas Gerais, a média anual pluviométrica gira em torno dos 700 milímetros. Até agosto, só havia chovido cerca de 150 milímetros. Em tupi, Pirapora significa ‘salto do peixe’, no entanto, a palavra de origem indígena não faz mais jus ao nome. Falta o ingrediente principal: água. A cidade mineira que leva o mesmo nome já acumula prejuízos de até 80%. “Encontramos agora os peixes mortos, sem cabeça, só o corpo” diz Dênio Maia de Moraes. Impossibilitado de exercer o ofício, o pescador piraporense sugere mudanças no controle das vazões liberadas pela UHE. “O que acontece hoje em Três Marias, que é o reservatório que regulariza as nos-

sas águas, é um descontrole de gestão. Não temos mais cheias como antigamente. O ideal é que a cada dois anos haja uma de grande expressão. Só assim nossos problemas irão se resolver”, conta ele, ao tempo que tenta resgatar o seu barco na cidade de Matias Cardoso (MG), bloqueado por conta das inúmeras pedras que reapareceram neste período de estiagem. “Não estou tendo como usar a minha principal ferramenta de trabalho”, revela. Problemas similares fizeram com que o lendário vapor Benjamim Guimarães, único barco em todo o mundo movido a lenha, e símbolo cultural do São Francisco, interrompesse suas atividades ligadas ao turismo daregião.

DESAPARECIMENTO DO PESCADO É MOTIVO DE PREOCUPAÇÃO A dependência das águas que correm em território mineiro reflete em prejuízos por toda a bacia. Os peixes do rio São Francisco estão diminuindo. Pelo menos nos municípios localizados no entorno das barragens de Sobradinho, na Bahia, e Xingó, entre Alagoas e Sergipe. Por conta da pouca disponibilidade hídrica, ambas as represas liberam, desde abril de 2013, uma vazão

SURUBIM, UMA RARIDADE. “Nos dias atuais, o pescador que pegar um surubim nas águas do São Francisco é que nem um garimpeiro que achou uma grande pepita de ouro”, conta, decepcionado, Miguel Antônio de Souza, 54 anos, pescador da Lagoa das Piranhas, localidade próxima à cidade de Bom Jesus da Lapa (BA), no Médio São Francisco. “O leito do rio, que corta a principal ponte da cidade, está praticamente seco, desaparecendo a cada dia”, lamenta. E junto com ele uma das espécies mais valiosas da bacia, o surubim. “O sortudo que encontra o “prêmio” ainda é taxado como mentiroso. Os colegas começam a falar que é história de pescador”, brinca Miguel. Na cidade de Sobradinho (BA), o desaparecimento da espécie tornou-se também motivo de brincadeira. “Quem achar um surubim, por favor, venda logo, porque aqui está valendo uma fortuna. Vai ficar rico.”, diz um dos pescadores locais. No Baixo São Francisco, ‘Seu Toinho’, como é chamado Antônio Gomes dos Santos, 83 anos, famoso pescador da cidade de Penedo (AL), não larga a foto do grande surubim que constantemente encontrava nas águas da região. “Esta foto é de 2009. Construí minha casa apenas com a venda do surubim”, queixa-se.

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Presidente da Colônia de Pescadores de Neópolis (SE), ‘Dadinho’ realizou levantamento das espécies nativas extintas e em extinção no Baixo SF

defluente de 1.100 m³/s. O patamar mínimo anteriormente estabelecido pelos órgãos responsáveis era de 1.300 m³/s. Resultado: na medida em que o Velho Chico perde as forças, o pescado desaparece em grande número nas suas águas. Em um levantamento não oficial feito pela Colônia de Pescadores Z-7, em Neópolis (SE), foram divulgadas as espécies que estariam em extinção ou que já teriam sido extintas nas águas do Baixo São Francisco. Segundo informações do presidente da Colônia, Cícero Medeiros Lima, mais conhecido como ‘Dadinho’, os peixes que estão desaparecendo são o curimatã (xira), tubarana, mandin-açu, mandin-branco, mandin-amarelo, pacamã-açu, piau-cutia, surubim-pintado, niquim, sarapó, tubi, pitu e lambari, enquanto o piau de listra, surubim de listra, piaba manteiga, piaba olho de boi, piaba marituba, piaba de gancho, piaba de papo e o pirá já não podem ser encontrados na parte alagoana e sergipana do Velho Chico. “Fizemos este estudo para mostrar às autoridades que pescador não tem mais condições de viver apenas da pesca. Estamos em situação de calamidade, e isso não é somente aqui no Baixo. Pode percorrer toda essa bacia que você sentirá o clamor por melhorias”, diz ‘Dadinho’, ao tempo em que conversa com outro pescador, José Jackson dos Santos, que relembra: “Olha a situação da feira do Betume, Dadinho!?, comenta. “Aqui, meu filho, todo domingo era festival de peixes. Olha só como está agora! Apenas três barraquinhas...”, lamenta ele, que tem família no pequeno distrito. O pescador do lago de Três Marias, Norberto Antônio dos Santos, 66 anos, 55 dos quais dedicados à pesca no município de São Gonçalo do Abaeté (MG), concorda com o levantamento. “Conversei com pescadores do Baixo que nunca viram um dourado, pacamã, surubim ou pirá”, diz. Em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), cidades também separadas pelo Velho Chico, são os peixes exóticos que estão salvando o “mês do pescador”. “É a tilápia, a pescada, o tucunaré e o tambaqui que estamos encontramos na região. As espécies nativas sumiram das nossas águas”, revela o pescador Erenildo de Souza, o ‘Leleco’. Os dois anos hidrológicos já completados de baixas vazões agrava a situação vivida pelos ribeirinhos, segundo afirma o professor Luiz Carlos Fontes, da Universidade Federal de Sergipe – UFS. “É um período muito longo com prática de vazões reduzidas frente a um rio acostumado com cheias que chegavam a ultrapassar os 12.000 m³/s. Hoje, após construção e operação das barragens, temos a diminuição de nutrientes e a perda de sedimentos que contribuem para o desaparecimento das espécies nativas do São Francisco, além do aumento da erosão e mudanças na parte biológica do rio. As cheias que estão acontecendo não alteram o contexto triste da bacia. O que está mudando é a qualidade da água”, revela.

O presidente da Colônia de Pescadores Z-12, de Santana do São Francisco, Sergipe, Evaldo Soares Silveira, revela que por conta das reduções de vazão os pescadores sergipanos resolveram entrar na Justiça contra a operadora responsável pelos reservatórios de Xingó e Sobradinho, a Companhia Hidroelétrica do São Francis-

co – Chesf. “O Baixo hoje é uma grande lagoa. Queremos compensações financeiras por parte deles”, diz. Em consenso, todas as dez colônias de Sergipe inseridas na bacia resolveram entrar na Justiça. “A perda está sendo muito grande”, conta o pescador. De acordo com informações obtidas no site do

PLANTAS AQUÁTICAS MUDAM CENÁRIO SÃO-FRANCISCANO Na orla das cidades de Juazeiro e Petrolina as águas volumosas do rio São Francisco estão dando espaço a uma grande concentração de lama e de plantas aquáticas que se alimentam da matéria orgânica dos esgotos das duas cidades. As chamadas Baronesas, Zozó, Rabinho de Raposa ou Véu da Noiva estão se proliferando com rapidez nas margens das duas cidades. “Os peixes entram por debaixo delas e ai fica impossível de pescar. Já não basta o assoreamento, a estiagem, agora temos mais este problema”, diz Erenildo de Souza, o ‘Leleco’. “Toda semana temos que retirar uma grande quantidade delas do leito da lagoa”, acrescenta Maria Alice Borges da Silva, presidente da Associação da Lagoa do Curralinho. O monumento simbólico do Negro D'água na cidade também está comprometido. Antes localizado no meio do rio, hoje a escultura encontra-se praticamente fora d’água. Solução para o problema? “O veneno delas são as enchentes. Como não tem mais enchentes, elas estão aumentando”, diz Gileno Lima dos Santos, do povoado da Saúde, em Sergipe.

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FOTO: IVAN CRUZ

No dia a dia do pescador, pouca expectativa, nenhuma fartura

Operador Nacional do Sistema – ONS, a série histórica da vazão do rio São Francisco iniciada em 1931 na região onde hoje se encontra a represa de Sobradinho teve a melhor média anual em 1979, quando também teve início a operação do reservatório. Na época, a vazão atingiu altos 4.952 m³/s. A mensal alcançou picos que chegaram a 15.676 m³/s. “Naquele tempo, apesar dos prejuízos causados pelas inundações, peixes saltavam para dentro dos barcos. Era muita fartura”, conta Almir Sebastião Costa Ferreira, pescador do município de Barra, na Bahia, no Médio São Francisco. A jusante do lago de Sobradinho, a cerca de 50 quilômetros de Juazeiro, o primeiro pescador a ter carteira registrada, Silvio Pereira da Silva, da Colônia Z-26, remete ao passado para falar da sua situação atual. “Em 1973, antes da construção da barragem, era peixe de sobra. Saíamos da pescaria tendo que deixar peixe para trás porque não cabia nos barcos”, diz. Silva aponta outro fator para o desaparecimento do pescado: a troca dos métodos tradicionais da pesca (tarrafa, anzol, rede de cerco, de arrasto, teia de taboca) pelos métodos ilegais. “Os ‘gancheiros’, como são conhecidos por aqui esses pescadores, utilizam instrumentos irregulares como o arpão, a malha de tamanho sete – a per-

mitida é de tamanho 14 –, e o período da piracema. O surubim e o dourado são retirados da água para serem vendidos ainda filhotes. É por isso que não achamos mais”, denuncia. A piracema é o período de desova dos peixes. Durante quatro meses, entre novembro e fevereiro, todo pescador profissional fica proibido de exercer a atividade. Para suprir o rendimento mensal, o governo federal oferece um seguro-defeso, que equivale a um total de quatro salários mínimos.

“Tem gente que retira a quantia no banco e, em seguida, vai pescar. Ainda tiram sarro de quem não faz o mesmo”, conta Ailton Moreira, presidente da Colônia Z-26, de Sobradinho. Em Neópolis (SE), o presidente da colônia de pescadores da cidade crê que a situação está melhorando. “Precisamos conscientizar os pescadores artesanais de que não pode pescar na época da piracema e com equipamentos irregulares. Antigamente era muito pior. AvançaFOTO: RICARDO FOLLADOR

POETA PESCADOR REVELA EM VERSOS DIFICULDADES DO VELHO CHICO A casa de número 69, no antigo bairro Vermelho, hoje Santo Antônio, em Penedo (AL), tem um morador conhecido de muita gente. Andando pelas ruas da pequena mas histórica cidade alagoana localizada às margens do Velho Chico, Antônio Gomes dos Santos ou, para os mais íntimos, ‘Seu Toinho’, 83 anos, é uma dessas figuras especiais encontradas em meio à vasta extensão do Velho Chico. Um pescador seduzido pela liberdade dos versos. A relação de admiração pelo rio vem desde menino e deve-se à influência do pai. “Ele trabalhava no porto da cidade. Sempre o acompanhava. Admirava a sua relação com o rio. Após a sua morte, eu e meus irmãos tivemos que cuidar da casa. Falei para minha mãe: a senhora não vai passar fome. Vamos nos virar. Foi assim que comecei na pesca”, relembra. Toda essa experiência lhe rendeu bons frutos. “Casei com a dona Luzinete. Construí uma família com nove filhos. Comprei uma casa apenas com a venda do pescado. Lancei um livro de poesias retratando a realidade triste e alegre do Velho Chico”, conta, mostrando com orgulho o exemplar de sua autoria publicado em 2005, sob o titulo de “Pescando Cidadania”. “Aqui está a minha história de vida dentro deste São Francisco”, observa seu Toinho, ao tempo que relembra a sua ida para a Alemanha. “Tinha um barco de turistas atracado no porto da cidade e resolvi recitar um dos meus cantos. Foi o primeiro poema que escrevi. Chama-se ‘Velho Chico’. Uma estrangeira viu e me convidou para ir para a Alemanha. Fui contar poesia sobre o São Francisco por lá. Fui o primeiro a internacionalizá-lo”, orgulha-se. Membro honorário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, em consideração aos serviços prestados à bacia, ‘Seu Toinho’ não esconde a tristeza de ver o seu fiel escudeiro perder as forças. “Você não vê mais um pescador no leito do rio. A herança do pescador que era passada de pai para filho não existe mais. Quem é o pai que quer ver o seu filho passar fome? Os meus desistiram de ser pescadores. Foram em bus-

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ca de um futuro melhor”, relata, ao tempo que canta mais uma das suas poesias, chamada de “Bloco do Pirá”, cuja letra denuncia a extinção de um dos peixes mais importantes do São Francisco, o pirá. Hoje aposentado, Seu Toinho diz ter abandonado a pesca não só por conta da idade, mas também pelos inúmeros problemas do rio. “Hoje não tem mais condições. Ganhei muito dinheiro com pescaria. Gastei muito também, admito. Mas sabia que ia ter mais me esperando. Cada pescaria fabulosa”, diz, recordando os tempos à margem do rio. Ele afirma continuar na luta, mas agora em defesa dos direitos dos pescadores. “Precisam ser respeitados. Esse rio faz parte da nossa família. Não podemos deixar que outros interesses tomem conta dele. O CBHSF está aí para isso. Para nos ajudar. Sozinhos não daremos conta”, conclui.


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CRIAÇÃO DE TILÁPIA VIRA OPÇÃO PARA O AUMENTO DA RENDA A piscicultura em tanques-redes virou opção de prosperidade para “ex” pescadores artesanais que vivem a montante da barragem de Sobradinho, no sertão da Bahia. O cultivo do pescado em cativeiro está sendo a opção mais rentável neste que é considerado o maior lago artificial do país. Neuraci, Edvânia, Joaquim, Dona Maria e Jocecino apostaram todas as economias na formação da Associação dos Criadores de Peixes de Sobradinho – Acripeixess e não se arrependem. Hoje possuem uma pequena sociedade voltada para o cultivo da tilápia. “Foi o meio que achamos para sobreviver. Pretendo largar a pesca artesanal de vez, pois não consigo tirar nem R$ 300 por mês. Aqui ganho mais que um salario mínimo e invisto tudo na compra de novas gaiolas”, conta Neuraci de Jesus Silva, que, juntamente com o marido Joaquim Pereira Alves, conseguiu comprar somente este ano 19 unidades. “Cada uma custa R$ 1.200, cabendo aproximadamente 2.000 alevinos. Vendemos o quilo do peixe a R$ 6,50. Já temos três pessoas trabalhando pra gente. É por conta da piscicultura que estou podendo pagar o meu curso de Enfermagem”, gaba-se. O pai de Neuraci, Francisco Martins Silva, acredita na melhora da pesca artesanal, mas não descarta mudar para a piscicultura. “É o futuro. Saio hoje de casa e volto sem nada. No passado eram 600 kg por semana”, lembra. O incremento da piscicultura partiu da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – Codevasf e da Bahia Pesca que, em 2005, resolveram capacitar pescadores locais com essa nova alternativa de renda. Segundo o chefe da Unidade de Desenvolvimento Territorial da 6ª Superintendência Regional da Codevasf, Luciano Gomes da Rocha, a capacitação foi até 2009. “Desde então, eles começaram a caminhar sozinhos. Sabemos que com a construção das barragens houve mudanças na dinâmica do São Francisco, comprometendo principalmente a reprodução das espécies nativas da região”, diz. Rocha explica que um dos motivos que levaram à implantação do projeto foi trazer o pescador artesanal para esta nova forma de ganho finan-

ceiro, na tentativa de aumentar os estoques de peixes naturais da localidade. “Com a piscicultura, o pescador não precisa sair todo dia para pescar, pois ele tem a noção de quanto vai investir e de quanto vai lucrar por mês, diferente da pesca convencional, que tem dias que eles voltam sem nada nos barcos”, explica. Um dos sócios, Jocecino José dos Santos, concorda com o técnico. “Hoje podemos nos programar. Uma das vantagens é que proporciona mais liberdade ao pescador”, comenta. Antes funcionária de duas empresas frutícolas da região, Edvânia Limoeiro vangloria-se de ter o seu próprio negócio. “Apenas este ano, consegui comprar nove gaiolas. Posso dizer que estou realizada. A piscicultura é o futuro e pretendo estar nele”, diz com satisfação. Ela explica como se dá o funcionamento do trabalho. “Compramos alevinos de 35 gramas, cada saco contendo 1.000 unidades, custando uma média de R$ 350, e gerando cerca de 800 kg por mês. A ração é dada três vezes ao dia, correspondendo a 70% do nosso custo de produção. A venda é feita na própria sede da associação, localizada à beira do lago”, observa. A mais experiente das sócias, Dona Maria das Graças da Silva, 75 anos, também está satisfeita com a nova empreitada. “Depois de tantos anos batalhando na pesca artesanal, vi que é na piscicultura que está o lucro. Não tenho mais idade para ficar saindo para pescar. Ainda mais na situação que o rio se encontra, sem peixes”, comenta, enquanto realiza a técnica da ‘repicagem’, cujo objetivo é separar os peixes pequenos, médios e grandes.

E não são apenas os piscicultores que lucram com o pescado em cativeiro. Em 2013, foi reaberto, no Terminal Pesqueiro da Cidade de Sobradinho, a Cooperativa de Produção e Comercialização do Derivado do Pescado de Sobradinho – COOPES, que realiza o trabalho de limpeza da tilápia.“Tiramos as vísceras e as cooperativas nos pagam R$ 0,10 por quilo. Ao todo, somos 14 mulheres que dependem financeiramente da higiene do pescado vindo dos viveiros”, relata Ana Célia Ferreira dos Santos, a beneficiadora de pescado, como ela mesma intitula a profissão. Ela explica que, além de receber pela limpeza dos peixes, está vendendo também as vísceras. “É um lucro extra. Temos compradores querendo transformar as vísceras em óleo de peixe e até em biodiesel”, diz.

O casal Neuraci e Joaquim, hoje também sócio da AcriPeixess, investe todo o lucro da piscicultura na compra de novas ‘gaiolas’

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PE SC A mos muito com relação a isso. É difícil fiscalizar. Eles não querem voltar é sem nada para casa”, observa Dadinho. Diferentemente das outras regiões da bacia, no Alto São Francisco, em Minas Gerais, ainda é possível encontrar em bom número de espécies naturais do Velho Chico. “Aqui tem muito dourado, piau, pacu, pirá e surubim”, afirma Norberto Antônio dos Santos. Ele considera a pesca predatória e os agrotóxicos como principais causas das mortes de milhares de peixes nativos. “Surubim, principalmente”, revela. No distrito de Itamotinga, que pertence a Juazeiro, por conta do baixo volume de água na Lagoa do Curralinho, fichas estão sendo distribuídas aos pescadores com o objetivo de equilibrar os horários da pescaria. “Tivemos que optar por esta solução. O único lugar que temos para pescar está cada vez mais seco e se todos forem no mesmo horário não haverá peixe suficiente”, explica Maria Alice Borges da Silva, presidente da associação de pescadores local. Ela atesta que o modo de trabalho está funcionando bem, porém é o peixe que está ficando cada vez mais escasso. “O rio está muito assoreado. Em todo canto é possível ver um banco de areia. Onde é que os peixes vão se reproduzir?”, questiona.

LAGOAS MARGINAIS SÃO UTILIZADAS PARA OUTRAS FINALIDADES Espécies de berçário dos peixes em época de cheias e ambiente propício para a captura do pescado, as lagoas marginais do rio São Francisco estão se transformando em palco para outros negócios. “Meu pai sempre dizia que o macho era o rio e a fêmea a lagoa. Um dependia do outro para produzir em grande quantidade o pescado. Sem eles não haveria oferta, e é o que está acontecendo”, conta Dênio Maia de Moraes, pescador de Pi-

rapora, no Alto São Francisco. No Baixo São Francisco, o plantio de cana-de-açúcar virou prioridade. Além disso, inúmeras plantações de arroz irrigado tomam conta do cenário das estradas alagoanas e sergipanas que beiram o São Francisco. No Submédio, próximo às cidades de Juazeiro e Petrolina, a opção está sendo plantar feijão nas lagoas. “Soube que está dando uma boa renda. Quem sabe não é um caminho?”, indaga Maria Alice Borges da Silva, presidente da Associação da Lagoa do Curralinho. A falta de opção é tanta que a pesca virou ofício secundário.

Os imensos bancos de areias que se formam no leito do rio São Francisco, no Baixo SF, estão virando locais para alimentação do gado

FOTOS: RICARDO FOLLADOR

“O SERTÃO VAI VIRAR MAR. O MAR VAI VIRAR SERTÃO” A profecia já dizia que o sertão vai virar mar... Isso já não é apenas uma visão poética. Pelo menos não na região do Baixo São Francisco, entre Alagoas e Sergipe. A influência marinha está fazendo com que pescadores tenham que sobreviver com espécies nativas do mar, adaptando-se às novas formas do ecossistema. Segundo o levantamento feito pelo presidente da Colônia de Pescadores de Neópolis (SE), Cícero Medeiros Lima, o ‘Dadinho’, a incidência de peixes marinhos como a pilombeta, xaréu, robalo, pescada, corvina, camurin, carapeba, bagre e camurupin são cada vez mais frequentes. “Isso acontece porque a água doce já está salobra em alguns municípios”, revela. Na cidade de Ilha das Flores (SE), a pesca de siri virou alternativa para suprir as perdas do pescado nativo. “Precisamos sobreviver de algum modo”, relata José Cornélio dos Santos, o ‘Quelé, presidente da Associação de Pescadores do município, localizado a aproximadamente 18 quilômetros da foz. No pequeno distrito de Brejão dos Negros (SE), vizinho à foz, a presença da água salobra já é vista de modo natural pelos pescadores. “Antes da construção das barragens, tudo isso aqui que você está vendo era água do São Francisco. Depois dos reservatórios, o rio perdeu a sua essência, com a diminuição da vazão, e as marés ganharam espaço, formando o Delta do São Francisco, que nos leva ao encontro com o mar por diversos canais. Tivemos grandes perdas. Isso é fato. Um exemplo é o desaparecimento das comunidades pesqueiras de Costinha e Cabeço, ambas em Sergipe”, conta José Fausto Santos, 50 anos, pescador da região.

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O ARTISTA PLÁSTICO BAIANO GAIO MATOS CUMPRE UMA JORNADA DE MAIS DE CINCO MIL QUILÔMETROS ENTRE NOVE CIDADES RIBEIRINHAS. O RESULTADO, EM IMAGENS E SENTIMENTOS, É UM APANHADO REAL DA SITUAÇÃO ATUAL DO RIO SÃO FRANCISCO, SOB A ÓTICA DAS LEMBRANÇAS DEIXADAS POR CIDADES QUE DESAPARECERAM POR FORÇA DA CONSTRUÇÃO DOS RESERVATÓRIOS DE SOBRADINHO E ITAPARICA.

Vestígios de cidades que se foram FOTOS: GAIO MATOS

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ca n i n d é Das dunas, seu Nilton aponta para um lugar imaginário no meio do lago e lembra da antiga cidade de Casa Nova submersa no fundo das águas do São Francisco. A quantidade de rio preso pela barragem é um mar no meio da caatinga; quase não se vê terra na linha do horizonte. A muralha de concreto que segura a potência do São Francisco fez a água engolir quatro cidades, provocando um êxodo de cerca de 70 mil pessoas, a migração e o desaparecimento de um sem-número de animais. A contenção que deforma a força do rio e ilumina parte do sertão é a mesma que escurece no fundo do lago, velhas memórias. Mais na frente, o São Francisco adoece. Subindo o rio São Francisco, foram percorridos mais de 5.000 km entre nove cidades e localidades, numa pesquisa feita pelo artista plástico baiano Gaio Matos para a 3º Bienal da Bahia voltada a essa situação provocada pelas inúmeras intervenções, desvios e alterações na órbita do rio. Foram mapeados lugares banhados pelo São Francisco, suas memórias e histórias, desde a sua foz entre os estados de Sergipe e Alagoas até a cidade de Remanso, na Bahia.

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Vazões só potencializam problemas ambientais O ENGENHEIRO PEDRO MOLINAS, UMA DAS MAIORES AUTORIDADES DO PAÍS EM RECURSOS HÍDRICOS, DETALHA NESTA ENTREVISTA A PROBLEMÁTICA ATUAL DA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO. FOCA SOBRETUDO NOS EFEITOS DA ATUAL ESTIAGEM, “QUE DEIXARÃO SINAIS QUE PERDURARÃO NO SISTEMA DURANTE DÉCADAS OU SÉCULOS”, E EVIDENCIA A PRÁTICA DAS VAZÕES REDUZIDAS, QUE SÓ POTENCIALIZOU OS PROBLEMAS AMBIENTAIS JÁ EXISTENTES NA BACIA. FINALMENTE, QUESTIONA: SERÁ QUE UM PLANEJAMENTO DE LONGO PRAZO VOLTADO PARA ENFRENTAR LONGAS ESTIAGENS PODERIA TER ENCURTADO O PERÍODO CRÍTICO ATUAL? SEGUNDO ELE, QUESTIONAMENTOS COMO ESSE DEVERÃO PAUTAR UMA NOVA FORMULAÇÃO DA OPERAÇÃO DOS GRANDES RESERVATÓRIOS DA BACIA NO FUTURO. TEXTO: JOSÉ ANTÔNIO MORENO FOTOS: NELY ROSA

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PEDRO MOLINAS


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OS RESERVATÓRIOS DA BACIA DO SÃO FRANCISCO SEMPRE FORAM OPERADOS PARA ATENDER AOS INTERESSES DO SETOR ENERGÉTICO.

O triste momento vivido atualmente pela bacia do rio São Francisco, vítima da forte estiagem e alvo de uma série de problemas ambientais, pode ser o prenúncio de sua morte? Há salvação? Não acredito na morte súbita nem na salvação de um determinado ecossistema e, muito menos, de um ecossistema das proporções da bacia do rio São Francisco. Penso que a atual estiagem (tanto a natural como a induzida pela sobre-exploração hídrica) simplesmente acelerou os processos de degradação ambiental que já estavam em curso na bacia. Os efeitos desta estiagem deixarão sinais que perdurarão no sistema durante décadas ou séculos. Deixando de lado os fatores climáticos, que tipo de interferências humanas mais têm prejudicado o São Francisco ao longo do tempo? Hoje o problema mais grave em matéria de usos e usuários na bacia do São Francisco é a facilidade com que o setor elétrico consegue “exportar água” do rio para atender a demandas elétricas ao longo de quase todo o território nacional. A opção governamental por reduzir continuamente a vazão do São Francisco é efetivamente necessária ou poderia se pensar em outras alternativas? A operação de um sistema de reservatórios como o da bacia do São Francisco tem uma memória imensa, talvez nesta crise ainda esteja embutida uma parcela das decisões adotadas na crise de 2002. Sabendo isto, o planejamento da operação dos reservatórios exige uma grande parcimônia. Decisões tomadas três ou quatro anos atrás ainda repercutem hoje. Neste sentido, para citar fatos recentes, podemos dizer que no começo da crise (final de 2012 e começo de 2013) decisões do Operador Nacional do Sistema – ONS adotadas para mitigar a crise energética que acometia à época o Sudeste se mostram hoje desastrosas e deveriam ter sido evitadas. Adentrado 2013 e sobretudo 2014, a gravidade da estiagem eliminou qualquer opção de operação do sistema que não contemplasse redução de vazões. Podemos dizer que, salvo a recorrente e insensível prática de redução de vazões turbinadas durante os finais de semana e o sistemático cerceamento de informações sobre a operação dos reservatórios, pouco mais poderia ter sido feito em 2013 e 2014 para mitigar a crise atual. Não obstante, a grande questão é a seguinte: será que medidas mais conservadoras de acumulação de estoques de água e turbinamentos menos intensos praticados de forma sistemática ao longo dos últimos dez anos poderiam ter mitigado uma parcela importante dos problemas atuais? Será que um planejamento de longo prazo voltado para enfrentar longas estiagens poderia ter encurtado o período crítico atual? Estes questionamentos deverão pautar uma nova formulação da operação dos grandes reservatórios da bacia no futuro. O CBHSF, nos últimos tempos, tem feito muitos questionamentos sobre a redução para além das vazões mínimas, pelos problemas que a medida acarreta em toda a bacia do São Francisco. O senhor acredita que há um favorecimento do setor elétrico na opção pelas vazões reduzidas? Os reservatórios da bacia do São Francisco sempre foram operados para atender aos interesses do setor energético (salvo escassas restrições pré-estabelecidas). Quando essas decisões não entravam em contradição com as demandas da maioria dos usuários, os conflitos não emergiam e, salvo as comunidades que requerem condições ambientais muito favorá-

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veis para se desenvolver (pescadores, vazanteiros, silvícolas e navegação tradicional), a maioria dos usuários desenvolvia suas atividades com escassas reclamações. Atualmente essa realidade mudou e a operação dos reservatórios adotada pelo setor energético gera conflitos com diversos usos e usuários na bacia. Como o senhor vê o quadro ambiental atual do Velho Chico em função das vazões reduzidas? Quais os maiores prejuízos? A redução de vazões só potencializou os problemas ambientais já existentes na bacia. Isto é, a redução de vazões não é, per si o vilão da história; é um fator que acelerou a degradação de forma drástica na bacia. Parte dessa degradação se extinguirá com a volta das vazões normais, partes destas marcas não regredirão e, eventualmente, abrirão caminho para outros problemas ambientais inexistentes antes da crise.

A REDUÇÃO DE VAZÕES NÃO É, PER SI, O VILÃO DA HISTÓRIA; É UM FATOR QUE ACELEROU A DEGRADAÇÃO DE FORMA DRÁSTICA NA BACIA. O QUE URGE HOJE É PACTUAR UM MODELO DE GERAÇÃO DE ENERGIA ADAPTADO PARA UMA BACIA INSERIDA NO SEMIÁRIDO, ONDE OS USOS MÚLTIPLOS SÃO UMA REALIDADE


Tendo em vista o cenário atual de escassez de água, extinção de peixes e dificuldades de navegação no Velho Chico, como analisa os usos múltiplos das águas? Além da degradação ambiental, a grande vítima desta crise é a constatação de que os usos múltiplos da bacia do São Francisco não são nem um pouco equitativos, e as decisões do setor energético se sobrepõem a qualquer outro interesse de qualquer setor usuário da bacia. A falta de novas matrizes energéticas e de estudos que busquem soluções mais sustentáveis pode levar ao esgotamento precoce do São Francisco? A matriz energética brasileira será pautada pela hidroeletricidade ainda por muito tempo. Nesta crise, dois fatos agudizaram o problema: o aumento da demanda regional de energia desde 2006 e o atraso na entrada em operação das grandes hidrelétricas amazônicas. O que urge hoje é pactuar um modelo de geração de energia adaptado para uma bacia inserida no semiárido, onde os usos múltiplos são uma realidade e onde existe uma forte assimetria entre a facilidade de exportar e importar água. A eficácia na gestão de recursos hídricos brasileiros é o caminho para sanar problemas como a escassez hídrica que afeta diversas regiões do país? A gestão hídrica é imprescindível para o atual nível de uso dos recursos hídricos no país. Não obstante, vários problemas emergentes hoje são consequência da falta de expansão da capacidade de reserva para usos não energéticos. A estiagem paulista e a forte seca no trecho mineiro do São Francisco são problemas que foram seriamente agravados pela falta de investimentos em reservatórios. Há informações de que no oeste baiano existe um grande descontrole na emissão de outorgas para favorecimento da agroindústria. Até que ponto isso pode comprometer o aquífero de Urucuia?

O problema das outorgas é grave em toda a bacia. Se todas as outorgas atuais fossem exercidas, o rio não mais existiria e a situação seria muito semelhante ao “outro oeste”, o far west americano. Sucede que por sorte (ou desgraça?) muitas outorgas são preventivas e poucos sabemos do que efetivamente se consome. As várias transposições em curso do São Francisco podem agravar a problemática vivida pelo rio? Ou há maneiras e sistemáticas de utilização das águas do rio que possam amenizar a situação? O problema das transposições se insere no contexto já citado das outorgas e, particularmente, da facilidade de transpor águas na forma de energia. Esta crise tem que servir para revisar o planejamento da operação dos reservatórios da bacia do São Francisco, de modo a poder solucionar com maior equidade a alocação de águas do rio. Qual a sua opinião sobre a revitalização? Por que razão não se toma medidas concretas nessa direção? Sob o guarda-chuva da revitalização foi acomodada uma longa série de medidas ambientais e sanitárias que melhor se situariam no contexto de um plano hidroambiental de bacia melhor planejado. Não devemos esquecer que a revitalização surgiu como “política compensatória” e, como tal, sempre sofreu fragmentação e falta de planejamento. Hoje, a revitalização é um amplo conjunto de ações que atendem uma longa lista de objetivos, perdendo muitas vezes sua efetividade global. Por outro lado, a revitalização hidroambiental da bacia, mesmo em se tratando de uma medida de amplo consenso, é também uma atividade de difícil execução, permeada de condicionantes e onde sua eficácia está condicionada à intervenção de diversas esferas governamentais. Em síntese, a revitalização é uma tarefa árdua, complexa, de execução em longo prazo, onde se torna mais importante a mobilização para que uma determinada ação possa ser replicada do que executar a mesma ação de forma pioneira e isolada.

O PROBLEMA DAS OUTORGAS É GRAVE EM TODA A BACIA. SE TODAS AS OUTORGAS ATUAIS FOSSEM EXERCIDAS, O RIO NÃO MAIS EXISTIRIA

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FOTO: LIRON STEINMETZ

O projeto Innovate

MARIANNA SIEGMUND-SCHULTZE*

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presença e o trabalho do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) se constituem numa parte da aplicação prática da Lei da Água (n° 9.433) de 1997. Esta lei visa a um manejo sustentável dos recursos naturais em nível de bacia. O Innovate – um projeto abrangente de cooperação científica entre o Brasil e a Alemanha – da mesma forma visa contribuir para um manejo que viabilize a conservação da natureza com o uso dos recursos naturais de uma forma sustentável. Para este fim, estamos tentando desenvolver modelos, soluções, estratégias de ação e tecnologias que levem em conta as mudanças climáticas e também permitam um ambiente econômico propício para a população local. A seguir, vamos apresentar o projeto e alguns resultados parciais de estudos selecionados sobre o estado de recursos hídricos e sua governança participativa. O NNOVATE é um projeto de cooperação científica entre Alemanha e Brasil. O interesse principal é entender as relações entre mudanças climáticas e formas de uso da terra e da água. O projeto visa ajudar a encontrar alternativas sustentáveis para o desenvolvimento regional. O Innovate pretende desenvolver conhecimentos que deem suporte a decisões de políticas econômicas e ambientais no futuro. Um objetivo adicional do projeto é a formação de jovens pesquisadores do Brasil e da Alemanha. Os integrantes do projeto combinam a análise de dados existentes e a geração de seus próprios dados através de pesquisa de campo em disciplinas diferentes. Os resultados do projeto devem: contribuir para a produção de conhecimentos originais para a região que possam servir de base para inovações econômicas e sociais; fundamentar cientificamente a formulação de políticas de desenvolvimento regional sustentável; gerar uma ferramenta de apoio à decisão para ajudar os produtores a planejar melhor sua produção. O projeto Innovate é financiado pelo Ministério de Educação e Ciência alemão (BMBF) e o parceiro brasileiro pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) do Brasil, junto com a Capes, o CNPq e a Facepe. Os principais parceiros do lado brasileiro são a UFPE e a UFRPE no Recife. Alguns membros são afiliados à IPA, Embrapa e IFPE, entre outros. Nas nossas atividades práticas entramos em contato com os diversos atores municipais, estaduais, regionais e nacionais. Temos sete subprojetos, cada um com os seus objetivos específicos, todos contribuindo para os objetivos comuns. Os integrantes são pesquisadores das áreas de solo, rios e água, ecossistemas, sistemas de produção agropecuária, clima, desenvolvimento regional e transformações sociais de uma dúzia de universidades e instituições da Alemanha e do Brasil.

Trabalhamos em áreas de estudo e escalas diferentes. Estudamos o uso da água, e dessa forma as relações entre o uso da água e a qualidade da água. Nossas atividades também envolvem um sistema inovador de purificação da água e aquicultura sustentável em tanques. Temos um foco de estudo na represa de Itaparica, no Submédio da bacia hidrográfica do rio São Francisco. O conhecimento servirá para apoiar o manejo da qualidade e vazão da água também em outras regiões semiáridas. Referente ao uso do solo, trabalhamos sobre as relações entre uso da terra, ecossistema e mudanças climáticas. Testamos várias formas de melhoramentos do solo e inovações na agropecuária, e estudamos a conservação e melhoramentos da biodiversidade. Finalmente, na gestão da bacia hidrográfica, gostaríamos de contribuir para alternativas sustentáveis voltadas ao desenvolvimento regional. Quantificamos mudanças locais sobre alterações climáticas, visamos à valorização socioeconômica em diversos níveis, e definimos, num diálogo com atores locais e regionais, a gestão sustentável do reservatório e da bacia.

ATIVIDADES CONCRETAS DO INNOVATE O grupo de pesquisadores começou a desenvolver uma série de trabalhos de campo em 2012. Isto envolve levantamento de dados de água, solo, plantas, animais, manejo e organização. Da mesma forma tentamos coletar e utilizar dados já existentes, tanto históricos como de monitoramentos atuais ou de planejamentos para o futuro. Apresentamos e discutimos estas

Reuniões do Innovate atualizam as informações da pesquisa

FOTO: MARIANNA SIEGMUND-SCHULTZE

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FOTO: LIRON STEINMETZ

no município de Tacaratu (PE)

informações em várias oportunidades com os atores locais. Por exemplo, em 2013 chamamos atores do município de Petrolândia, tanto da área rural como urbana, para esclarecer a chamada constelação das decisões locais. Este método envolve os atores, as regras e conceitos, os elementos técnicos e naturais e como estes se ajudam ou impedem uma boa gestão. Em grupos animados, incorporou-se tanto a percepção de reassentados (por causa da hidroelétrica de Itaparica) como a visão dos órgãos governamentais, por exemplo. Repetimos a tarefa em nível da bacia. Achamos alguns fenômenos recorrentes. Existem vários níveis de decisão, às vezes sobrepostos, o que leva a que as competências para tomar decisões não fiquem sempre claras. Várias pessoas ou grupos têm interesses semelhantes, mas aparentemente não conseguem (ou não querem) compartilhar esta informação. Existem vários regulamentos e planos, mas muitas vezes não são implementados ou, se são, não há acompanhamento da execução, para que com isso se possa resgatar a experiência e aproveitar o resultado alcançado em longo prazo. Outros formatos de nossas oficinas trazem, por exemplo, resultados da modelagem e os discutem em seminários em vários locais da bacia e ao redor. Uma série aconteceu em agosto 2014 (no Recife, Belo Horizonte e Petrolina) e outra em outubro (Belo Horizonte e Brasília). A quantificação da água e sua qualidade, tanto quanto aspectos econômicos e o planejamento, são tópicos centrais do CBHSF e dos outros atores da bacia, sendo a vazão reduzida uma preocupação muito atual. Mesmo com uma politica de transparência e muitos dados publicados nos sites da internet, nem sempre se acham os dados necessários para a modelagem. Às vezes, até a quantidade de dados disponíveis parece esconder os dados necessários. Em vários casos as séries de dados são descontinuadas, existem falhas, inconsistências e até contradições. Tivemos um cuidado de utilizar dados os mais consistentes possíveis para gerar resultados válidos. É preciso lembrar que modelos testam opções possíveis e não podem prever o futuro. Estamos também à disposição para apoiar a elaboração do novo plano de bacia através dos diversos resultados alcançados dos nossos modelos. Para aprofundar os resultados indicados acima, analisamos o funcionamento do CBHSF num estudo de caso. A governança descentralizada e participativa conforme a lei é uma inovação que tem que ser estabelecida e testada. Como conflita esta forma de gerar recursos com os sistemas estabelecidos, às vezes marcados por elites ou famílias importantes? O que ajuda ou impede esta forma de governança? Perguntamos a várias pessoas, dentre os quais membros do CBHSF. Não chegamos a formar uma amostra (um subgrupo) cientificamente representativa do comitê em si, mas achamos as respostas válidas para uma reflexão do papel, trabalho e impacto do comitê como instituição, tanto como de atividade pessoal dos seus membros e afiliados. Concluímos que a introdução de um órgão participativo provoca a arena inteira da gestão dos recursos. O comitê está desenvolvendo um trabalho importante de consulta e debate. Ainda existem dificuldades devido às culturas e experiências diferentes. Porém, mobilizar um grupo grande de uma área heterogênea e vasta sempre será um desafio e um esforço enorme. Quem fala e como se tomam decisões dentro do grupo é resultado de um processo de negociação e de confiança. Já fora do grupo, o comitê enfrenta outros atores que nem sempre internalizaram a mudança para um processo participativo, pois ela não se aplica em todas as tarefas deles. Assim emergiu uma situação incoerente para as instituições ao redor do comitê. Isto provoca também atrasos na transferência de competências e poder. Modificar o esquema de tomada de decisões traz inseguranças e faz necessário a restruturação das instituições, que na maioria do tempo não funcionam de forma participativa.

FOTO: LIRON STEINMETZ

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Integrantes do projeto Innovate visitam viveiros de plantas em área dos Pankararus

Percebemos que o discurso entre membros do comitê era mais leve quando se falava de assuntos da conservação do meio ambiente, enquanto os assuntos sociais foram quase evitados. Para uma gestão sustentável precisa-se considerar e negociar as dimensões ecológicas, econômicas e também sociais. A última ainda precisa ser estabelecida no discurso do comitê. Enquanto a maioria dos membros do comitê tem uma afiliação permanente (profissional ou de engajamento), o trabalho no comitê é uma atividade temporária e não remunerada. Percebemos que algumas pessoas se identificam bastante com a afiliação permanente, enquanto o comitê era visto como um suplemento com responsabilidades só por parte da diretoria. Chamamos a atenção que incrementar o sentimento de pertencer talvez pudesse ajudar a promover mais os assuntos do comitê nas diversas regiões. Estamos vendo todos os membros como embaixadores do comitê nas várias localidades da bacia, o que poderia garantir uma inserção na população e uma cobertura maior. Acreditamos que a existência do comitê de bacia seja por si já uma grande oportunidade. O CBHSF completou mais de dez anos e, mesmo assim, é relativamente novo. O sistema de governança participativa através de um comitê modificou fortemente o conceito de gerir a água. Agora é tarefa dos vários atores estabelecer, testar e adequar esta cooperação num processo contínuo.

MARIANNA SIEGMUND-SCHULTZE É MESTRE EM AGRONOMIA, DOUTORA EM SISTEMAS DE PRODUÇÃO ANIMAL, AMBOS PELA UNIVERSIDADE DE GÖTTINGEN, NA ALEMANHA. ATUALMENTE, COORDENA O PROJETO INNOVATE, ATUANDO NA GOVERNANÇA DOS RECURSOS NATURAIS.

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Qual o custo ambiental da redução da vazão mínima? YVONILDE MEDEIROS*

FOTO: WILTON MERCÊS

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sta pergunta também poderia ser formulada no sentido inverso como, por exemplo: quais as perdas econômicas dos diversos segmentos usuários da água com a adoção da vazão ambiental? Esta pergunta necessariamente deve ser respondida pela sociedade. No entanto, esse assunto é, no mínimo, mal compreendido pela maioria dos brasileiros. No dia 29 de setembro, por mais uma vez, a redução da vazão mínima foi prorrogada no baixo trecho de rio São Francisco, pela Agência Nacional de Águas – ANA, devido a uma solicitação do Operador Nacional do Sistema – ONS. Quais as razões dessa solicitação e por que esta solicitação tem sempre sido atendida, por mais de um ano? A resposta parece simples: o país necessita das hidrelétricas para atendimento às necessidades de energia da sociedade, da indústria, da agricultura. Outra razão, que complementa a resposta anterior, é a de que a bacia hidrográfica do rio São Francisco está enfrentando anos de condição climática adversa. Entretanto, a resposta não é simples como aparenta. Por isso precisamos refletir sobre ela e tentar responder por partes. Primeiro, o que é vazão mínima? O Conselho Nacional de Recursos Hídricos define a vazão mínima remanescente como a menor vazão a ser mantida no curso de água, na seção de controle (Resolução nº 129 de 29/06/2011 / CNRH). Porém, não deixa claro quanto e quando e com que frequência. Esta definição depende do tipo e porte de atividade ou uso da água e das características do rio ou corpo hídrico utilizado. Cada região no país tem características fisiográficas, sociais e econômicas bastante diferenciadas das demais. Por isso, esta decisão não cabe unicamente ao CNRH. Devido a sua complexidade, requer o envolvimento da sociedade. Neste ponto reside o maior problema: a adoção de uma vazão de restrição mínima não atende às necessidades hídricas do ecossistema aquático, nem de parte da sociedade que depende diretamente do rio, como, por exemplo, as comunidades ribeirinhas. Os eventos naturais, entre estes se inclui o escoamento de água nos rios, varia ao longo do ano de acordo com as estações, chuvosa e de estiagem. A essa variabilidade temporal se denomina sazonalidade. Ou seja, a quantidade de água que escoa nos rios tem variação sazonal. Quando esta variação é eliminada ocorrem impactos na vida aquática. Mais: as comunidades ribeirinhas que ao longo do tempo adaptaram suas atividades a esse regime também sofre impactos.

Modificações nas características de um rio, como alteração na quantidade e sazonalidade das vazões, se refletem de modo desigual nas comunidades. Isto ocorre em função de serem diferentes os significados, importância e valores atribuídos à água por essas comunidades e, também, devido às diferentes capacidades de adaptação ou recuperação às mudanças. As intervenções humanas sobre os diversos ecossistemas aquáticos causam perdas de propriedades ecológicas, as quais, por sua vez, resultam em impactos ambientais que afetam de forma diferente a biodiversidade e os seres humanos. As principais causas de impactos sobre os rios são originadas pela extração ou captação de água; fragmentação dos rios: perda da variabilidade natural e modificação das propriedades físico-químicas da água devido a construção de barragens e/ou a operação de usinas hidrelétricas. Tais modificações do fluxo natural não só reduzem a quantidade de água disponível nos rios, mas afetam a manutenção das funções ecológicas dos sistemas de água doce, comprometendo, assim, sua capacidade de fornecer uma variedade de produtos e serviços ambientais, aumentando a competição e a disputa por água para

atendimento aos seus múltiplos usos, e potencializando os conflitos entre usuários da água. Esta é, sem dúvida, uma questão que deve ser enfrentada com transparência. Assim, torna-se cada dia mais urgente que a sociedade decida sobre o quanto de água deve ser mantida no rio, quando e com que frequência. Esta decisão requer conhecimento claro da sociedade sobre os diferentes usos da água em cada bacia hidrográfica, incluindo entre estes usos o ambiental. Necessária, também, é a decisão sobre as prioridades dos usos e os limites ao atendimento das suas respectivas demandas de água. Neste contexto, ressalta-se a importância da decisão sobre a vazão ambiental, quantidade, sazonalidade e periodicidade, bem como dos possíveis impactos econômicos sobre os demais usos, devido à adoção dessa vazão, que deve ser variável ao longo do ano e não um valor mínimo constante. Talvez o preço seja alto. Mas quanto custará a revitalização do rio São Francisco, a restauração do seu ecossistema aquático e as compensações às comunidades ribeirinhas pelas perdas dos recursos e serviços ambientais fornecidos por esse ecossistema?

YVONILDE MEDEIROS É PROFESSORA DO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA AMBIENTAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA. FORMADA EM ENGENHEIRA CIVIL (UFBA), É MESTRE EM HIDRÁULICA E SANEAMENTO (USP) E DOUTORA EM HIDROLOGIA PELA UNIVERSIDADE DE NEWCASTLE - INGLATERRA. É TAMBÉM PESQUISADORA E COORDENADORA DE PROJETOS DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO NAS ÁREAS DE HIDROLOGIA, PLANEJAMENTO E GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS.

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ACADEMIA NAS DIFERENTES REGIÕES DA BACIA, PROFESSORES E PESQUISADORES DAS UNIVERSIDADES LANÇAM OLHARES CIENTÍFICOS SOBRE A SITUAÇÃO PRESENTE E FUTURA DO RIO SÃO FRANCISCO. SÃO ESTUDOS E PESQUISAS COM FOCO EM VARIADOS ASPECTOS DA REALIDADE DO VELHO CHICO

FOTO: WILTON MERCÊS

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s diversas particularidades que envolvem a bacia hidrográfica do rio São Francisco têm sido motivo de estudos, teses e pesquisas pelas universidades e centros de pesquisas instalados no âmbito da bacia, algumas por interesse dos próprios estudantes e pesquisadores e outros frutos de financiamento oficial. Tamanho interesse se justifica: a bacia hidrográfica do rio São Francisco é a segunda maior do Brasil, com uma extensão superior a 640 mil km², abrigando cerca de 19 milhões de pessoas, o que representa aproximadamente 10% da população total do país. Além disso, caracteriza-se por uma grande e rica diversidade sociocultural, englobando ainda atividades econômicas nas mais diferentes frentes, áreas e dimensões. Em agosto, durante o II Congresso Acadêmico Integrado de Inovação e Tecnologia (Caiite), realizado pela Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco foi uma das instituições convidadas. Na oportunidade, representantes de instituições de ensino no âmbito da bacia participaram de uma programação especial, com debates e exposições sobre estudos executados atualmente

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em áreas como engenharias, especialmente a de pesca; gestão de meio ambiente; recursos hídricos; ciências sociais, entre outras. No final do encontro, definiu-se pela criação de um grupo de trabalho para unificar as ações executadas pelas universidades e instituições de nível técnico e superior, que lançam um olhar cuidadoso e investigativo sobre as águas do Velho Chico para entender sua dinâmica, bem como contribuir para a solução de problemas. A partir do Caiite, pesquisadores e estudiosos têm interagido constantemente no trabalho de construção do grupo.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA ASSENTADOS Na região do Baixo São Francisco, uma das quatro áreas fisiográficas da bacia, o professor Antenor Aguiar, da Universidade Federal de Sergipe, desenvolve o projeto Acqua que, através do subprojeto Águas do São Francisco, realiza atividades de ensino, pesquisa e extensão nas diversas áreas do conhecimento – ciências humanas, da vida e exatas. Em parceria com o Sergipe Parque Tecnológico e patrocínio da Petrobras, por meio do programa

Petrobras Socioambiental, o projeto tem por objetivo geral a recuperação de áreas degradadas das bacias hidrográficas dos rios Jacaré-Curituba e Betume, na região do Baixo São Francisco. Para isso, promove a educação ambiental entre os assentados, irrigantes e comunidade ribeirinha, garantindo a regularização da produção de água, através do equilíbrio ambiental e uso sustentável dos recursos naturais. O projeto, iniciado em julho de 2013, prossegue até julho do próximo ano, “a partir de três eixos fundamentais: recuperação hidroambiental, monitoramento ambiental e educação ambiental”, explica Antenor Aguiar. Para a promoção de recuperação hidroambiental, o projeto realiza a reversão de áreas degradadas por meio do plantio de espécies florestais, para fins de restauração de Áreas de Preservação Permanente (APP), de acordo com as necessidades ambientais e características fisiográficas predominantes da região. Com isso, mais de dez mil mudas de espécies florestais já foram plantadas em áreas de proteção permanente dos rios Jacaré, Betume e no próprio São Francisco. O monitoramento é feito com o acompanhamento qualiquantitativo dos corpos d’água nas bacias hidrográficas dos rios citados, enquanto a educação ambiental acontece com os agricultores assentados nos perímetros irrigados Jacaré-Curituba e Betume, envolvendo ainda os professores e estudantes de escolas públicas dos municípios de Ilha das Flores, Neópolis, Pacatuba, Poço Redondo e Canindé do São Francisco. Com isso, de acordo com o professor Antenor Aguiar, já foram treinadas mais de 700 pessoas, entre agricultores, estudantes e professores da região. O resultado de todo esse trabalho é a apresentação, segundo Aguiar, de cinco dissertações e três teses de doutorado, envolvendo alunos e professores de dois cursos de pós-graduação da UFS: Recursos Hídricos e Desenvolvimento & Meio Ambiente. “Além disso, outros trabalhos de pesquisa também estão sendo executados e os resultados serão compilados em um livro que será publicado em 2015”, anuncia ele. Ainda na região do Baixo São Francisco, a Ufal possui sete campi, divididos entre a capital, Maceió, e os municípios de Arapiraca, Delmiro Gouveia, Palmeira dos Índios, Penedo, Santana do Ipanema e

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ILUSTRAÇÃO SOBRE FOTO DE WILTON MERCÊS

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Velho Chico à luz da

TEXTO: DELANE BARROS


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Marcelo Latuf: orientando pesquisa na Ufob

Viçosa. Destes, cinco municípios estão inseridos na bacia hidrográfica do São Francisco e também realizam estudos direcionados às temáticas socioambientais. O professor Paulo Ricardo Petter Medeiros, que realiza estudos na região desde 1998, tem sido um exemplo importante deste envolvimento. Em 2006, após concluir sua tese de doutorado, cujo tema central foi a vida lacustre do Velho Chico, ele criou o grupo de pesquisa Núcleo Temático de Pesquisa Hidroambiental do Baixo São Francisco, através do qual congrega pesquisadores da própria Ufal e de outras instituições. O grupo de pesquisa tem se dedicado a entender os efeitos provocados pela regularização da vazão no Baixo São Francisco, especificamente sob o ponto de vista químico, físico e biótico, neste último caso na oferta dos nutrientes essenciais para a sobrevivência das várias espécies típicas dos ambientes estuarinos. Além disso, os membros do grupo têm estudado os processos de eutrofização relacionada a atividades de piscicultura no baixo São Francisco. Recentemente, enviaram proposta ao CNPq para financiamento de novos estudos.

DEGRADAÇÃO MOTIVA ESTUDOS Na região do Submédio São Francisco, o professor Marcelo Latuf, da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), é um dos pesquisadores envolvidos nesse processo de aprofundamento das questões do Velho Chico. Ele é orientador de alunos de cursos de pós-graduação e mestrado na instituição. Na Ufob, além dele, o professor Prudente Pereira de Almeida Neto, do Centro de Humanidades, coordena o projeto de pesquisa e extensão intitulado Acompanhamento e articulação do território da bacia do Rio Grande, voltado para o desenvolvimento do território rural. A escolha se deve ao fato de os pesquisadores identificarem que a região enfrenta uma ocupação que data do final do século XIX. Assim, o Oeste baiano revela, em seu histórico fundiário, o mais conhecido caso de avanço de fronteiras agrícolas do agronegócio no Nordeste do país. Eles procuram o esforço comum da geração e sistematização de conhecimentos, o desenvolvimento de capacidades humanas e organizacionais, o desenvolvimento dos territórios rurais e o aperfeiçoamento da gestão e dos investimentos públicos. A aluna de mestrado Nayara Silva Souza desenvolve o projeto Influência antrópica e natural na qualidade da água em trecho do rio das Fêmeas, tendo como foco este importante afluente do Velho Chico no Oeste baiano. De acordo com o professor orientador do projeto, Wanderley de Jesus Souza, o objetivo é fornecer informações que, do ponto de vista técnico, econômico e ambiental, poderão contribuir para o adequado gerenciamento e manejo dos recursos hídricos da bacia do rio das Fêmeas. Ainda no Oeste baiano, no município de Barreiras, o Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal da Bahia realiza o estudo de modelagem bidimensional e análise eco-hidrológica do rio das Ondas. Concebido em 1992, na Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, realizada pela Unesco em Dublin, na Irlanda, a eco-hidrologia surgiu como alternativa para subsidiar o gerenciamento integrado da água, diante dos constantes eventos de degradação dos ecossistemas aquáticos. Um dos propósitos da análise eco-hidrológica está associado à definição das vazões ecológicas em detrimento da atual vazão remanescente adotada pelos órgãos gestores de recursos hídricos. A vazão ecológica corresponde à quantidade de água que deve permanecer no curso d’água, visando à manutenção das atividades dos organismos aquáticos. A professora Yvonilde Medeiros, coordenadora do Grupo de Recursos Hídricos da Ufba, desenvolve o projeto para o cálculo dos impactos hidrológicos decorrentes da implantação do hidrograma ambiental, que objetiva identificar as vazões mais importantes que, em conjunto, fornecem as características essenciais para a garantia da biodiversidade. A adequação da metodologia de avaliação do hidrograma ambiental visa dar mais flexibilidade ao processo de alocação de água, pois, em vez do critério de

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vazão mínima efluente, baseia-se na construção de curvas de demanda dos ecossistemas juntamente com curvas das demandas antrópicas para aperfeiçoar a operação de sistemas de reservatórios. A quantidade, qualidade e distribuição de água requeridas pelos ecossistemas aquáticos dependem das demandas definidas no âmbito da bacia hidrográfica. A professora dedica atenção especial ao rio Salitre, importante afluente do São Francisco em território baiano. Tendo o rio como foco principal, Yvonilde Medeiros orienta projetos diversos, voltados para a definição de parâmetros significativos para avaliação da qualidade dos corpos d’água em região semiárida; gestão estratégica e adaptativa da qualidade de água em rios intermitentes, entre outros. Além disso, estão em curso o Inventário das Manifestações Culturais do Oeste Baiano, projeto aprovado pela Ufba para jovens doutores, e o Trilhas Culturais, desenvolvido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Ufob, coordenado pelo professor Evanildo Santos Cardoso, do Departamento de Cultura e Artes. “Ambos lidam com as populações tradicionais que vivem no entorno dos afluentes do rio São Francisco e seu papel para a cultura, o meio ambiente e a natureza”, resume o professor.

INTERESSE DA ALEMANHA Na região do Alto São Francisco, a qual corresponde, inclusive, à nascente do Velho Chico, desenvolvem-se atividades de apoio aos comitês de bacia hidrográfica, no sentido de viabilizar e ampliar aqueles responsáveis pela recuperação e manutenção da quantidade e qualidade das águas da bacia, especialmente nos ligados às questões de saneamento, como água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem, conforme informação do professor Hildelano Delanusse Theodoro. Além disso, há o projeto de pesquisa Innovate, financiado pelo governo da Alemanha, através da Universidade de Berlim e desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco, cujo objetivo geral é o de buscar formas de governança que promovam ao mesmo tempo o uso sustentável dos recursos naturais e a viabilidade econômica das atividades rurais locais. Os estudos começaram no início do ano e prosseguem até 2016. O projeto é financiado, do lado alemão, pelo Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha, contando com aproximadamente 5 milhões de euros e, do lado brasileiro, por um mosaico de vários fundos. “O CBHSF é extremamente interessante para nós, como parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Pretendemos estudar formas de governança e o colegiado faz parte disto. Entender o seu funcionamento, desafios e sucessos vai nos ajudar a avaliar formas de governança”, explica a engenheira agrônoma Marianna Siegmund-Schultze, da Universidade de Berlim, responsável pelo trabalho.

FOTO: WILTON MERCÊS

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uanto mais atuante for o comitê de uma bacia hidrográfica, menos recursos e condições de operacionalidade ele tem para atuar. A afirmativa, que parece revelar uma contradição, é na verdade a realidade atual no Brasil. Por conta da falta de ajustes na Política Nacional de Recursos Hídricos, o artigo 22 da chamada Lei das Águas (Lei 9.433/1997), entre outros aspectos, acaba engessando as atividades dos comitês de bacias, ao estabelecer um limite de apenas 7,5% dos recursos oriundos da cobrança do uso da água para os gastos com custeio. A questão implica em estrangulamento do orçamento e, consequentemente, das ações das instituições que aumentam com seu protagonismo mesmo diante do cenário atual do país, em que os reflexos da histórica má gestão dos recursos hídricos tornam-se, a cada dia, cada vez mais gritantes. O problema ocorre justamente pela lógica de que, na medida em que um comitê de bacia amplia suas atividades, aumenta também, por conseguinte, o seu custeio, que é feito pelas agências de bacias ou delegatárias, responsáveis pela atividade executiva e de gestão financeira dos recursos arrecadados e destinados às ações dos comitês. “Como os recursos estão engessados, um comitê mais atuante acaba sendo penalizado, pois quanto mais ações ele desenvolver, mais terá que repartir os recursos para cada atividade, seja no que se refere a investimentos, seja em relação ao custeio, sendo que, no caso desse último, o aspecto torna-se mais problemático, por conta do baixo limite”, alerta o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, lembrando que a legislação prevê a destinação de 92,5% para investimentos, estudos e pesquisas e de 7,5% para as despesas de custeio. O presidente do CBHSF ressalta ainda outros

aspectos que comprovam o que ele define como “componente esquizofrênico do sistema”, em que uma atuação mais pujante de um comitê pode representar o ingresso de menos recursos para as próprias atividades da instituição. São os casos, por exemplo, em que as empresas que atuam nas bacias, sobretudo as de saneamento básico, acabam seguindo as orientações dos comitês, realizando as medidas recomendadas para a preservação dos mananciais, previstas pelo Plano de Gerenciamento de Recursos Hídricos. No caso da qualidade da água, muitas empresas estão investindo mais em tratamento de efluentes, passando a pagar menos pelo uso dos recursos hídricos. “Trata-se de um avanço dentro dos propósitos dos comitês que estimulam as empresas a melhorar a qualidade dos efluentes que lançam nos corpos hídricos, mas na prática esse processo positivo implica, como efeito colateral, em queda da receita que, por sua vez, é necessária para uma ação ainda mais incisiva, justamente porque os comitês vivem engessados nos limites previstos, sobretudo para custeio”, diz Miranda. Ele questiona também o porcentual máximo de 7,5% para custeio, já que o mais comum, tanto nas esferas públicas quanto privadas, é sempre deixar, no mínimo, 10% para essa finalidade. “Não se sabe de quem partiu essa ideia de estabelecer 7,5%, mas não há dúvidas de que se trata de um porcentual totalmente equivocado e fora do que é reservado habitualmente pelas instituições”, diz. Para ampliar o porcentual para, pelo menos, 10%, como é mais comum, só mesmo por meio de projeto de lei, que precisa ser analisado e aprovado pelo Congresso Nacional. Em São Paulo, o porcentual já foi adotado para as bacias estaduais. “Antes de tudo, os ajustes necessários à Lei devem ser vistos pelos nossos legisladores com a sensibili-

AG Ê N C IAS

TEXTO: JOYCE DE SOUSA

dade que requer a análise do papel de um comitê de bacia, no qual o trabalho voluntário e não remunerado dos seus membros representa, em verdade, não um custo, mas sim um aporte de valores para o conjunto dos recursos destinados à gestão dos recursos hídricos. Capitulados como a base da pirâmide que compõe o Sistema Nacional dos Recursos Hídricos, os comitês representam a base e a alma desse sistema, devendo, portanto, começar a ter caráter de prioridade o financiamento de suas atividades.”

CONFLITOS Quanto mais atuante for o comitê de uma bacia hidrográfica, menos recursos e condições de operacionalidade ele tem para atuar. A afirmativa, que parece revelar uma contradição, é na verdade a realidade atual no Brasil. Por conta da falta de ajustes na Política Nacional de Recursos Hídricos, o artigo 22 da chamada Lei das Águas (Lei 9.433/1997), entre outros aspectos, acaba engessando as atividades dos comitês de bacias, ao estabelecer um limite de apenas 7,5% dos recursos oriundos da cobrança do uso da água para os gastos com custeio. A questão implica em estrangulamento do orçamento e, consequentemente, das ações das instituições que aumentam com seu protagonismo mesmo diante do cenário atual do país, em que os reflexos da histórica má gestão dos recursos hídricos tornam-se, a cada dia, cada vez mais gritantes. O problema ocorre justamente pela lógica de que, na medida em que um comitê de bacia amplia suas atividades, aumenta também, por conseguinte, o seu custeio, que é feito pelas agências de bacias ou delegatárias, responsáveis pela atividade executiva e de gestão financeira dos recursos arrecadados e destinados às ações dos comitês.

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FOTO: WILTON MERCÊS

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FALTA DE MATURIDADE DO SISTEMA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS GERA ESQUIZOFRENIA DO MODELO DE GESTÃO

FOTO: WILTON MERCÊS

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Comitê atuante, comitê penalizado


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“Como os recursos estão engessados, um comitê mais atuante acaba sendo penalizado, pois quanto mais ações ele desenvolver, mais terá que repartir os recursos para cada atividade, seja no que se refere a investimentos, seja em relação ao custeio, sendo que, no caso desse último, o aspecto torna-se mais problemático, por conta do baixo limite”, alerta o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, lembrando que a legislação prevê a destinação de 92,5% para investimentos, estudos e pesquisas e de 7,5% para as despesas de custeio. O presidente do CBHSF ressalta ainda outros aspectos que comprovam o que ele define como “componente esquizofrênico do sistema”, em que uma atuação mais pujante de um comitê pode representar o ingresso de menos recursos para as próprias atividades da instituição. São os casos, por exemplo, em que as empresas que atuam nas bacias, sobretudo as de saneamento básico, acabam seguindo as orientações dos comitês, realizando as medidas recomendadas para a preservação dos mananciais, previstas pelo Plano de Gerenciamento de Recursos Hídricos. No caso da qualidade da água, muitas empresas estão investindo mais em tratamento de efluentes, passando a pagar menos pelo uso dos recursos hídricos. “Trata-se de um avanço dentro dos propósitos dos comitês que estimulam as empresas a melhorar a qualidade dos efluentes que lançam nos corpos hídricos, mas na prática esse processo positivo

implica, como efeito colateral, em queda da receita que, por sua vez, é necessária para uma ação ainda mais incisiva, justamente porque os comitês vivem engessados nos limites previstos, sobretudo para custeio”, diz Miranda. Ele questiona também o porcentual máximo de 7,5% para custeio, já que o mais comum, tanto nas esferas públicas quanto privadas, é sempre deixar, no mínimo, 10% para essa finalidade. “Não se sabe de quem partiu essa ideia de estabelecer 7,5%, mas não há dúvidas de que se trata de um porcentual totalmente equivocado e fora do que é reservado habitualmente pelas instituições”, diz. Para ampliar o porcentual para, pelo menos, 10%, como é mais comum, só mesmo por meio de projeto de lei, que precisa ser analisado e aprovado pelo Congresso Nacional. Em São Paulo, o porcentual já foi adotado para as bacias estaduais. “Antes de tudo, os ajustes necessários à Lei devem ser vistos pelos nossos legisladores com a sensibilidade que requer a análise do papel de um comitê de bacia, no qual o trabalho voluntário e não remunerado dos seus membros representa, em verdade, não um custo, mas sim um aporte de valores para o conjunto dos recursos destinados à gestão dos recursos hídricos. Capitulados como a base da pirâmide que compõe o Sistema Nacional dos Recursos Hídricos, os comitês representam a base e a alma desse sistema, devendo, portanto, começar a ter caráter de prioridade o financiamento de suas atividades.”

INSEGURANÇA JURÍDICA O presidente do CBHSF alerta ainda para o fato de que os conflitos provocam, por sua vez, um clima de insegurança jurídica, devido à falta de clareza entre os papéis dos integrantes do sistema. “Tudo pelo fato de que o Estado brasileiro, embora tenha criado o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, na prática não aposta, de fato, nele”, diz, Miranda, taxativo. Ele ressalta que a lei brasileira é considerada uma das mais avançadas quanto à gestão de recursos hídricos, “mas o próprio Estado não lhe dá a importância devida”. A existência de bacias que até hoje não dispõem ainda de um plano diretor de gestão, e o caso de algumas estaduais que não recebem qualquer apoio efetivo para atuar, seriam alguns dos exemplos do descaso. No caso dos comitês federais, como o CBHSF, um processo de discussão foi iniciado com a participação do presidente da ANA, Vicente Andreu, dos dirigentes dos comitês e dirigentes das agências de bacias ou delegatárias. Essas reuniões revelam que a criação de consensos em torno das questões que envolvem custeio e investimentos, bem como aumento de arrecadação e natureza das despesas, dentre outras, são bastante complexas, mas já se pode afirmar que progressos têm sido feitos, muito embora a agenda de debates ainda esteja muito longe de ser esgotada.

Gargalos e Soluções

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presidente do CBHSF alerta ainda para o fato de que os conflitos provocam, por sua vez, um clima de insegurança jurídica, devido à falta de clareza entre os papéis dos integrantes do sistema. “Tudo pelo fato de que o Estado brasileiro, embora tenha criado o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, na prática não aposta, de fato, nele”, diz, Miranda, taxativo. Ele ressalta que a lei brasileira é considerada uma das mais avançadas quanto à gestão de recursos hídricos, “mas o próprio Estado não lhe dá a importância devida”. A existência de bacias que até hoje não dispõem ainda de um plano diretor de gestão, e o caso de algumas estaduais que não recebem qualquer apoio efetivo para atuar, seriam alguns dos exemplos do descaso. No caso dos comitês federais, como o CBHSF, um processo de discussão foi iniciado com a participação do presidente da ANA, Vicente Andreu, dos dirigentes dos comitês e dirigentes das agências de bacias ou delegatárias. Essas reuniões revelam que a criação de consensos em torno das questões que envolvem custeio e investimentos, bem como aumento de arrecadação e natureza das despesas, dentre outras, são bastante complexas, mas já se pode afirmar que progressos têm sido feitos, muito embora a agenda de debates ainda esteja muito longe de ser esgotada.

INTERPRETAÇÕES Outro entrave é a falta de uniformidade quanto à interpretação por parte da ANA, em casos de ações dos comitês que poderiam ser inseridas na rubrica de investimentos (contando com mais recursos – 92,5% – em comparação ao custeio, 7,5%). As despesas referentes aos 7,5% de custeio são referentes aos gastos com folhas de pagamento, auditorias independentes, internet, telefonia, contas de energia, dentre outras despesas de custeio administrativo. Já os 92,5% são as despesas do comitê, tanto para suporte às reuniões quanto para os valores de investimento nos projetos. Algumas questões

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vistas pelos comitês como de suporte às suas atividades são tratadas pelos órgãos públicos de recursos hídricos como gastos de custeio. “Neste caso, já tivemos, este ano, uma primeira vitória junto ao Tribunal de Contas da União, que considerou o apoio do CBHSF às ações da polícia ambiental dentro dos marcos do programa interinstitucional Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), capitaneado pelo Ministério Público nos estados da Bahia e de Alagoas, como investimento perfeitamente cabível.”, explica.

DOTES DA CFURH Diante da tendência natural de redução da receita, os agentes do sistema sugerem que a ANA passe a subsidiar os comitês federais, garantindo o seu funcionamento pleno. Antes da criação das agências delegatárias, os valores eram repassados aos comitês como uma espécie de dote proveniente dos principais recursos recolhidos pelo órgão, que são os oriundos da Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH), recolhida pelas companhias hidrelétricas. Os comitês reivindicam o retorno dos dotes, de forma regular e previamente estabelecida por regulamento, e não esporadicamente e sem valor definido, como é feito atualmente. Hoje, de todo o faturamento das hidrelétricas, 6,75% devem ser obrigatoriamente destinados para os estados (que ficam com 45% dos 6,75% recolhido), municípios (45%), Ministério do Meio Ambiente (3%), Ministério das Minas e Energia (3%) e Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (4%). “O que propomos é que 6% fiquem para as instituições que já são beneficiadas hoje com os recursos da CFURH, mas que os 0,75% sejam destinados aos comitês das bacias, diante da tendência de estrangulamento, sobretudo do custeio, dos comitês, que são a base do Sistema Nacional de Recursos Hídricos”, defende Dourado, ressaltando que a questão torna-se ainda mais urgente diante do crescimento do protagonismo, cada vez maior, dos comitês de bacias. No caso da CFURH da Bacia do São Francisco, os 0,75% reivindicados correspondem a R$ 180 milhões/ano.

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FOTO: JOÃO ZINCLAR

o Serra da Canastra (MG), em 2006: tempos de abundância

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AGÊNCIAS DELEGATÁRIAS TAMBÉM BUSCAM ALTERNATIVAS Responsável pela gestão executiva dos comitês de três bacias (uma federal, São Francisco; e duas estaduais, Rio das Velhas e do Rio Pará, ambas em Minas Gerais), a Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas Peixe Vivo (AGB Peixe Vivo) defende a gestão única dos recursos financeiros pelas agências de bacias ou delegatárias. “Como agência única, seria possível fazer uma junção das diferentes fontes de arrecadação pelo uso da água bruta para aplicação nas bacias e atividades dos diferentes comitês, alocando recursos entre uma e outra bacia conforme as necessidades de cada uma”, explica o presidente do Conselho de Administração da entidade, Vitor Feitosa. Atualmente, tanto a ANA quanto os órgãos estaduais que cuidam das questões relativas às bacias e afluentes, interpretam que a lei só permite que os recursos da cobrança pelo uso da água de uma determinada bacia devam ser usados, exclusivamente, nessa própria bacia. “Muitas vezes, temos dinheiro

em caixa oriundo de uma bacia e não podemos alocar para atender às necessidades emergenciais de outra, o que se torna cada vez mais conflitante diante da escassez e limites previstos para o custeio, por exemplo”, diz Feitosa. “É uma lei antiga, e quem estabeleceu este limite de 7,5% para custeio naquela época – a Lei 9.433 é de 1997 – certamente veria hoje o quanto esse percentual é insuficiente”, afirma. Feitosa discorda das propostas focadas no aumento das tarifas de cobrança pelo uso da água bruta. “Os valores estão, sim, defasados e não são corrigidos há anos, ao contrário das despesas que temos, mas, ainda assim, este não deve ser o foco principal das questões relativas à estagnação dos meios de financiamento e investimento das atividades previstas ou feitas pelos comitês, pois a cobrança pelo uso da água é originalmente um processo indutor para a mudança de comportamento dos usuários, alertando-os para a responsabilidade para com as bacias”, justifica, lembrando que nada impede as agências de receberem por outras fontes de recursos, com captação junto a empresas e governos.

A CRISE DE ESCASSEZ HÍDRICA E OS ALERTAS DOS COMITÊS O crescimento cada vez maior do protagonismo dos comitês de bacias hidrográficas no cenário atual é outro fator que volta a acender a luz de alerta sobre o orçamento destinado para ações das instituições, sobretudo quanto às verbas de custeio das agências de água. “Se antes o limite de 7,5% previsto pela Lei 9.433 já era questionado, agora a insuficiência dos recursos previstos passou a ser gritante”, declarou Luís Dourado, coordenador do Grupo de Acompanhamento do Contrato de Gestão do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco. O que mudou foi que com a crise de abastecimento afetando agora também as regiões mais ricas do país, a Política Nacional de Recursos Hídricos e sua atuação diária para a preservação das bacias hidrográficas ganharam mais destaque nas discussões nacionais, fazendo com que os

O diretor-geral do Instituto BioAtlântica, Agência de Água da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (Ibio-AGB), Ricardo Valory, também critica o modelo atual, que, segundo ele, tem apresentado graves obstáculos à sustentabilidade financeira das agências. “A estimativa de arrecadação pela cobrança vem provando ser superestimada, ou seja, arrecada-se menos do que o originalmente previsto; enquanto os custos de operação da agência, em geral já acima do previsto originalmente, são reajustados anualmente, em crescente defasagem em relação à arrecadação”. Valory defende que os estudos da cobrança devam ser discutidos e aprimorados constantemente, para corrigir distorções ou injustiças, tais como usos ou parâmetros que não são cobrados ou ainda elevados descontos que são aplicados a determinados usos em detrimento de outros. Ele alerta ainda para a insegurança jurídica, sobretudo quanto aos artigos das resoluções dos órgãos gestores que regulamentam a aplicação dos recursos da cobrança, bem como os contratos de gestão. “São omissos ou, no mínimo, não são claros, deixando dúvidas e dando margem para mais de uma interpretação, tanto das agências quanto dos próprios gestores, que ainda nos casos omissos se reportam à Lei Federal Nº 8.666, de 21 de junho de 1993, gerando ainda mais insegurança”, diz. Para Valory, a falta de clareza e inseguranças jurídicas “nas regras do jogo”, agravadas pela limitação financeira face às demandas para uma adequada gestão das bacias, acabam tornando conflituosas e desgastantes as relações entre os órgãos gestores, comitês e agências. “Se essas distorções não forem sanadas, teremos a médio e longo prazo um grande déficit financeiro, reduzindo ou inviabilizando a capacidade administrativa e técnica das agências e, consequentemente, afetando negativamente a gestão das bacias e a melhoria da qualidade e da quantidade de água”, conclui.

entraves enfrentados pelos comitês das bacias passem a ser vistos com mais atenção, assim como os alertas que, há anos, vinham sendo dados por tais instituições a respeito da gravidade da questão. De acordo com Dourado, a crise de escassez hídrica do país, sobretudo na bacia do rio São Francisco, está centrada em três fatores desencadeadores: a degradação antrópica do rio, numa ação que já tem 514 anos, desde a descoberta por Américo Vespúcio, em 1501, “sem que tenha havido a necessária preservação, restauração e conservação”; os “imponderáveis” aspectos naturais (mudança do clima, aquecimento global, estiagens, etc.) e, o que, segundo ele, é o pior de todos: “a seca histórica de gestão governamental”, como define. “É o mais grave, pois tem efeito dominó, desencadeando e tornando ainda mais problemáticos os outros dois fatores”. Ele lamenta que “embora a Política Nacional de Recursos Hídricos devesse ser tratada como uma questão de Estado, nunca tenha sido, de fato, assumida por algum governo”.

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MU N D O RIOS

DO

Isar

SURFANDO NA RECUPERAÇÃO TEXTO: JOSÉ ANTÔNIO MORENO | FOTO: DEPOSITPHOTOS.COM

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N

o coração da Bavária, na região sul da Alemanha, o rio Isar, assim como muitos rios alemães, passou por um processo rigoroso de recuperação, gerando resultados duradouros e benéficos para a qualidade e a quantidade de suas águas. Com foco no planejamento e sem deixar de absorver as contribuições da comunidade, principalmente no começo das ações, o projeto devolveu aos recursos hídricos condições adequadas de balneabilidade para uso da população em seus momentos de lazer, além de fornecer garantias na prevenção de enchentes, antes muito comuns na região. Cortando a cidade de Munique, o Isar tem uma área de drenagem de 9 mil km2, ocupando um sétimo da Bavária, com extensão de 270 km e vazão média de 40m3/s. Possui um sistema fluvial muito dinâmico, com vazões muito baixas no inverno e 20 ou 25 vezes maiores no período do verão. O rio nasce a cerca de 2 mil metros de altitude, desce para a planície do lado sul de Munique e depois flui no Danúbio, ao norte. Os principais problemas do Isar decorreram, ao longo do tempo, das mudanças morfológicas. Antes, o rio tinha um sistema muito dinâmico por conta de um amplo sistema fluvial, com diferentes cursos de água que mudavam de cheia a cheia, de vazões elevadas para vazões baixas, mudando durante todo o tempo. Entre século XIX e XX, o rio alterou sua aparência de modo dramático com a instalação de um canal para energia hidroelétrica. Em consequência, o curso d’água foi praticamente todo canalizado. Nos anos 1990, iniciou-se o processo de restauração hidroambiental, num trabalho calcado em planejamento e apuro técnico. O primeiro passo consis-

tiu em retirar todos os diques de concreto e induzir ao desenvolvimento do rio ao sul, durante o período de cheias. Com o tempo, já entrando nos anos 2000, a seção do rio alargou-se de tal forma que tomou de volta toda a área de sólidos e locais de cascalhos, com uma dinâmica favorável ao desenvolvimento da flora e fauna que antes existiam. A sedimentação e o transporte de sólidos foram novamente instalados, o que foi vital para a sobrevivência desse sistema fluvial oriundo dos rios alpinos. Com a renaturalização dos corpos d’água, foram introduzidos alguns tipos de peixes para garantir a continuidade biológica. Ao dar-se mais espaço ao rio, as bordas se alargaram, favorecendo a reinstalação das planícies fluviais, o que quer dizer ainda mais espaço para as águas, melhorando o gerenciamento das cheias: no rio canalizado, o fluxo corre mais rápido e as ameaças de inundações são maiores. A melhoria do controle de cheia e a recuperação da mata ciliar foram consequências diretas das medidas adotadas pelos técnicos alemães. O quadro de estabilização hídrica e recuperação da balneabilidade é hoje uma realidade. O rio Isar é amplamente utilizado pela população e não apenas para banho. Quando há uma vazão elevada, um grande grupo de surfistas usa o rio para surfar em suas ondas, sempre com a assistência de uma grande plateia.

Com informações extraídas do livro “Revitalização de rios do mundo: América, Europa e Ásia”, editado pelo Instituto Guaicuy, Belo Horizonte, em 2010

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MEMÓRIA CURIOSIDADES SERTANEJAS O Museu do Sertão, localizado na cidade de Petrolina, em Pernambuco, conta com um acervo de mais de três mil objetos na tentativa de resgatar e preservar a história do homem sertanejo em todos os seus aspectos. Carrancas de madeira, pilão, chapéu de couro, panelas de barro, sanfona, casco de tartaruga integram o acervo, que dá ênfase ao meio ambiente, à cultura indígena, ao artesanato, à moradia rural, além de temas como política, religião e economia da sociedade sertaneja. Inaugurado em 1973, o museu também contempla personalidades importantes que fizeram parte da história do Nordeste brasileiro, como Lampião, Luiz Gonzaga e Dom Malan, famoso por ter sido o primeiro bispo de Petrolina. O acervo também possibilita um encontro com a fauna e flora e com aspectos da evolução tecnológica que marcou e vem marcando a região. Galeria de fotos de representantes do poder público da cidade de Petrolina, espaço sacro, sala das carrancas e jardim sertanejo são alguns dos espaços encontrados no Museu do Sertão. Além disso, a instituição exibe com destaque uma típica casa sertaneja com seus móveis e objetos datados do período colonial, de 1550 a 1838. Localizado no centro da cidade de Petrolina, o Museu do Sertão funciona de terça à domingo das 9h às 17h. A entrada é franca.

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MÚSICA

ORQUESTRA SANFÔNICA Criada em 2013 pelos músicos Targino Gondim e Celso Carvalho, a Orquestra Sanfônica do São Francisco tem o objetivo de fomentar e difundir a cultura da sanfona e dos sanfoneiros do Vale do São Francisco. A orquestra foi inspirada nas canções e na vida do rei do baião, Luiz Gonzaga, nascido na cidade pernambucana de Exu e uma grande referência musical para a região nordestina e o país. Estilos musicais como chorinho, samba, tango, bossa-nova, forró, xote, baião e marchinhas juninas fazem parte do repertório do grupo musical, que une os mais famosos sanfoneiros do Vale do São Francisco, além de jovens talentos da região. O público juvenil, além de integrar a orquestra, tem a oportunidade de participar das formações práticas e teóricas. Além de Targino Gondim, que tem 18 anos de carreira musical e já conquistou prêmios internacionais, a orquestra conta com outros 15 sanfoneiros, dentre eles nomes como Flavio Baião, Rennan Mendes, Adão Bagaggi, Wanderley do Nordeste, Valmirzinho do Acordeon, Daniel de Itabaiana, Almir do Boqueirão, Manel Geraldo e Manuzinho do Acordeon , Criado na Bahia, mas precisamente na cidade de Juazeiro desde os dois anos de idade, Gondim é também idealizador do I Festival Internacional da Sanfona, evento que reúne anualmente em Juazeiro, na Bahia, os maiores acordeonistas do País e do exterior, em uma grande homenagem a Luiz Gonzaga e ao mestre sanfoneiro Severino Dias de Oliveira, mais conhecido como Sivuca.

REGISTRO AMORES DO VELHO CHICO Uma expedição que circula pelas cidades que margeiam o rio São Francisco, em suas diferentes regiões, da nascente à foz, com o objetivo de contar histórias das pessoas, traduzidas em documentários cinematográficos. São histórias de suas vivências, suas lendas, seus costumes e suas tradições. Com foco central na população ribeirinha, a expedição Amores no Velho Chico prevê visitar um total de 78 cidades, desde Buritizeiro, em Minas Gerais, até Piranhas, em Alagoas. Resguardando histórias, costumes e valores dentre as múltiplas vozes da memória ribeirinha, uma equipe de quatro amigos (uma escritora, uma fotógrafa, um sonoplasta e uma advogada) registra momentos singulares através das imagens fotográficas, do audiovisual e da escrita. As histórias são muitas e vêm sendo acompanhadas através do site criado pelo grupo: www.amoresnovelhochico.com.br. Alias o endereço eletrônico revela muitas outras novidades e encantos de algumas das regiões visitadas. Vale destacar, entre os depoimentos colhidos pelos viajantes, a entrevista feita com frei Luís Cappio, que mora na cidade de Barra, na Bahia. Cappio, que em 1992 iniciou sua peregrinação no Velho Chico, da nascente à foz, numa viagem que durou cerca de um ano, fala da necessidade de preservação do rio e a importância dele para a humanidade. “Eu sou um dos amores do velho chico”, diz ele em seu depoimento.


ARTE LITERATURA O RIO QUE DESAPARECEU O público infanto-juvenil tem um motivo muito particular para se envolver com o universo do rio São Francisco. Trata-se de O Mistério do Sumiço do Velho Chico, livro da escritora Socorro Lacerda, natural de Petrolina (PE), totalmente ilustrado e com um enredo capaz de encantar jovens e adultos. O livro, que pode ser encontrado nas livrarias, conta a história de uma jovem que, ao procurar o rio São Francisco, percebe que ele não está mais no lugar. “O rio tinha sumido! Em seu lugar, peixes desesperados debatiam-se ao lado de pneus, sacos plásticos e muita sujeira. Alguém tinha roubado o rio inteirinho, gota por gota”, conta a sinopse da publicação. Maria do Socorro de Lacerda Barros Granja, conhecida como Socorro Lacerda, é graduada em Letras com experiências em educação infantil. Seu vínculo com a literatura infanto-juvenil vem de berço, uma vez que sua mãe promovia momentos de contação de histórias. A autora já desenvolveu ainda atividades lúdicas ligadas ao universo das crianças e jovens, a exemplo de teatro de bonecos. Além disso, Socorro demonstra um carinho especial pela região em que nasceu, interessando-se por temáticas relacionadas à natureza e ao meio ambiente. Informações: www.cortezeditora.com.br

TURISMO VAPOR INFORMATIVO Depois de funcionar com restaurante e pizzaria, o Vapor Saldanha Marinho, mais conhecido por Vaporzinho, agora atende ao turismo da cidade de Juazeiro, na Bahia. A embarcação passou a ser utilizada, após ampla reforma, como posto de informação para as pessoas que visitam à região. Segundo o gerente de Turismo de Juazeiro, Jomar Benvindo, um dos objetivos é tornar o Vaporzinho um ponto de referência turística da região, fortalecendo a cultura de pertencimento da comunidade regional no que se refere ao patrimônio histórico e cultural da cidade. Símbolo da história das navegações nas águas correntes do rio São Francisco, há anos o vaporzinho deixou de navegar no Velho Chico. Acabou ancorando em espaço definitivo na Orla Nova de Juazeiro (BA). Mais recentemente, passou por reforma, ganhou nova roupagem e agora funciona como Centro de Informações Turísticas, resultado de uma parceria entre o poder público municipal e a iniciativa privada. Com 28 metros de comprimento e capacidade para 12 tripulantes, o vapor foi encomendado pelo imperador D. Pedro II aos Estados Unidos, servindo ao transporte de mercadorias e passageiros. No início, navegava a 23 km/h rio abaixo e 14 km/h leito acima. Segundo pesquisadores, foi o primeiro vapor a flutuar nas águas do rio São Francisco. O nome de Saldanha Marinho foi adotado em homenagem ao então governador de Minas Gerais, que contribui à época com toda a logística da chegada do vapor ao país.

CARRANCAS TRIDIMENSIONAIS Até o dia 30 de novembro, os turistas em visita a Salvador terão a chance de conferir a mostra Sintese, do artista juazeirense Antonio Coelho de Assis, o Coelhão. A exposição reúne esculturas e pinturas a partir do universo imagético das carrancas – símbolos da cultura ribeirinha do Vale do São Francisco. O diferencial é que, em seus trabalhos, o artista procura fazer uma releitura do tema, a partir de uma pesquisa plástica focada na geometrização e desconstrução de elementos culturais da região recombinados em novos formatos. Sem se distanciar da carranca e dos barcos, figuras de origem, o artista apresenta pinturas que instigam os visitantes com ilusões de ótica, e tridimensionais que se constroem a partir das relações de cheios e vazios. “Imagens para serenar o olhar ou causar vertigem para quem quiser mergulhar num jogo de descobertas”, provoca o artista, dizendo que nessa tridimensionalidade, a síntese se dá na forma, na cor e no tema, já que o referencial é o fragmento do todo: a cultura local. Na exposição, as carrancas se desdobram em triângulos, os triângulos em barcos e velas que novamente se desdobram em carrancas e quando se dá conta, é a parte e o todo que se está vendo, num jogo de recombinações dos elementos primordiais. “É olhar a mesma composição e ter vertigem, não conseguindo definir o que de fato se vê”, acrescenta Coelhão, que carrega na sua trajetória referências de vários movimentos artísticos de vanguarda que, misturados ao seu interesse pelo sertão e sua relação com o rio São Francisco, proporcionam experiências sensíveis enriquecedoras. A mostra está em cartaz no Centro Cultural Galeria Ferrão, no Pelourinho, com visitação de terça a sexta, das 12h às 18h; e sábado, domingo e feriados, das 12h às 17h. A entrada é franca.

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F RA N C ISCO SÃO D O SE RE S

Teiús E

TEXTO: GEORGE OLAVO ILUSTRAÇÃO: LUIS AUGUSTO

ntre os seres fascinantes da fauna que habita a bacia do rio São Francisco, destaca-se um grupo que representa os maiores lagartos do Novo Mundo: os teiús. Eles podem atingir até dois metros de comprimento e cinco quilos de peso! São conhecidos popularmente como teiú, teju, teju-açu, tiju, tegu, lagartiu, jacuraru, jacuaru, jacuruaru, jacruaru e caruaru, nomes derivados dos termos indígenas “teîú-gûaçú” (para os Tupinambás) e “yakurua’ru” (termo Tupi). Pertencem ao gênero Tupinambis, da família Teiidae, uma família de répteis escamados da subordem Sauria ou Lacertilia. Compreendem sete espécies nativas da América do Sul: Tupinambis teguixin, T. rufescens, T. palustris, T. longilineus, T. dusenil, T. quadrilineatus, T. merianae. Todas ocorrem no território brasileiro, com distribuição desde o norte da Argentina até o sul da Amazônia, vivendo em diferentes biomas. São comuns nas caatingas e cerrados da bacia do São Francisco. Também podem ser observados em regiões mais úmidas, como florestas e matas-de-galeria, inclusive em regiões de clima temperado. São grandes lagartos de cabeça comprida, boca provida de mandíbulas com inúmeros dentes pontiagudos, língua bifurcada (bífida), comprida e rosada. A cauda é longa, forte e arredondada. No seu habitat natural podem ser agressivos. Quando atacados, geralmente procuram fugir. Se acuados, defendem-se com golpes violentos de cauda e mordidas poderosas. O corpo desses lagartos é recoberto por escamas de coloração geral negra, com faixas e manchas amareladas e brancas, inclusive sobre a cabeça e membros. A região ventral do corpo e o papo são brancos com manchas negras. Camuflados, os teiús tentam passar despercebidos, imitando padrões de coloração do ambiente circundante. São predadores oportunistas e generalistas, forrageiam utilizando a língua bífida para auxiliar o seu olfato. Têm uma dieta onívora. Podem capturar pequenos mamíferos e aves, outros répteis e anfíbios. Podem também consumir plantas (incluindo frutas, folhas e flores), artrópodes, vermes, ovos de aves e até carniça. São famosos invasores de galinheiros. Os teiús apresentam hábitos diurnos, suportam consideráveis variações de temperatura e gostam de se expor ao calor do Sol – são heliófilos, amigos do Sol. Como animais de sangue frio, o calor do ambiente externo ajuda no desempenho do seu metabolismo. Embora sejam animais de hábito terrestre, são bons nadadores e podem permanecer mais de vinte minutos submersos quando caem na água. Também são capazes de escalar rochas e até pequenas árvores, sobretudo os filhotes. Os machos são maiores que as fêmeas na fase adulta, exibindo um papo mais proeminente. As fêmeas constroem ninhos em tocas para colocar seus ovos, ou aproveitam o calor de cupinzeiros, onde põem cerca de 30 ovos, por um período de aproximadamente 90 dias de incubação. Os filhotes geralmente apresentam coloração esverdeada nas fases iniciais do ciclo de vida. Os teiús são alvo de caça para consumo humano e comércio de sua pele. No Brasil, podem ser criados em cativeiro e comercializados com aval do Ibama.




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