Jornal do comitê da bacia hidrográfica do rio são francisco | janeiro 2014 | nº 14
Nota pública contra vazão reduzida marca plenária do CBHSF
Em Nota Pública aprovada por unanimidade em sua última plenária, em Recife, o Comitê do São Francisco volta a criticar a postura individualista do setor elétrico ao requerer a prorrogação
O drama da transposição
Universidade de Berlim
na visão de João Abner
estuda o São Francisco
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Editorial
A continuidade da vazão reduzida no Velho Chico
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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco manifestou mais uma vez a sua grande preocupação com a questão da vazão reduzida no Velho Chico. O assunto veio à tona de uma forma inesperada durante a programação da XXIV Plenária Ordinária do CBHSF, realizada no início de dezembro em Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife (PE). Logo no começo do evento, o Comitê recebeu a informação de que a vazão reduzida para 1.100m3/s havia sido novamente autorizada pela Agência Nacional de Águas – ANA, com prorrogação de mais um mês, a pedido do setor elétrico nacional. A falta de discussão sobre adoção de medida tão extrema foi alvo inclusive de uma Nota Pública aprovada pelo CBHSF, por unanimidade, no segundo dia do evento. Além dessa questão, a plenária teve uma programação baseada em palestras de estudiosos convidados apresentações das Câmaras Consultivas Regionais e debates sobre a revitalização do rio São Francisco. Esta edição do Notícias do São Francisco tem ainda como destaque uma matéria sobre mais um afluente do São Francisco, o rio Salitre, na Bahia, e apresenta uma entrevista com a pesquisadora e engenheira agrônoma alemã Marianna Siegmund-Schultze, da Universidade de Berlim, responsável pelo projeto de pesquisa científica que tem como alvo a bacia do São Francisco e o trabalho do CBHSF.
CCRs prestam conta de realizações
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s representantes das quatro Câmaras Consultivas Regionais aproveitaram a participação na XXIV Plenária Ordinária do CBHSF, que aconteceu entre 5 e 6 de dezembro em Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife, para prestar contas das atividades desenvolvidas em suas regiões. Cada CCR mostrou o que vem realizando em prol da revitalização da bacia do São Francisco, especialmente por meio das obras hidroambientais executadas com recursos advindos da cobrança pelo uso das águas do Velho Chico. Primeiro a falar, o coordenador da CCR do Alto São Francisco, Márcio Pedrosa, detalhou cada um dos projetos realizados na sua área de abrangência – que envolve cerca de 110 mil km2 –, citando o exemplo de municípios mineiros como Pirapora, onde as obras focaram especialmente a recuperação de nascentes, e Guaraciama, onde o projeto realizado tem sido alvo de premiações: “Lá, temos feito um trabalho muito grande com o produtor rural”, disse o coordenador. Já o coordenador da CCR do Médio São Francisco, Cláudio Pereira, além de fazer um balanço das obras realizadas ou em realização, manifestou perante a plenária uma grande preocupação: “O São Francisco está sofrendo uma onda de contamina-
ção na nossa região. Os peixes aparecem mortos e muita gente está sendo hospitalizada. Precisamos tomar uma atitude sobre isso”, disse, recebendo do secretário do CBHSF, José Maciel Oliveira, a promessa de que o assunto será alvo de uma reunião, já agendada pelo Comitê com o Ministério Público da Bahia. A CCR do Submédio São Francisco, representada pelo secretário Elias Silva, (pela ausência do coordenador Uilton Tuxá), evidenciou o grau de satisfação das comunidades beneficiadas com as obras hidroambientais na região. “Muitos projetos não são grandes, mas têm um efeito grande para aquelas populações. No município de Brejinhos (PE), o prefeito chegou a manifestar interesse em firmar uma parceria com o Comitê para replicar o modelo que adotamos para as obras hidroambientais em outras áreas do município”. Finalmente, o coordenador da CCR do Baixo São Francisco, Antônio Avânio Feitosa, que assumiu há pouco tempo a função, manifestou a sua disposição em buscar o apoio das prefeituras de sua região para as ações do Comitê: “É muito importante a relação mais próxima com os prefeitos. Eu me comprometi em concentrar todas as minhas forças para trazer as prefeituras para esta luta”. Segundo ele, um dos caminhos para
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Claudio Pereira alertou para problema de contaminação das águas do Velho Chico
Coordenação geral: Malu Follador Projeto gráfico e diagramação: CDLJ Publicidade Edição: Antonio Moreno Textos: Antônio Moreno, Ricardo Coelho, Delane Barros e Wilton Mercês. Fotos: Wilton Mercês, Leonardo Ariel.
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Abner critica obras da transposição
O hidrólogo João Abner prevê conflitos entre usuários da água por causa da transposição
Convidado especial da XXIV Plenária Ordinária do CBHSF, o professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, critica a “interminável” obra da transposição do São Francisco, antevendo para breve grandes conflitos em relação ao uso da água.
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transposição do rio São Francisco já é uma instituição”, revelou o engenheiro civil, hidrólogo e professor da Universidade Federal de Rio Grande do Norte – UFRN, João Abner Guimarães Junior, durante a sua apresentação na XXIV Plenária Ordinária do CBHSF, realizada no último mês de dezembro na cidade de Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife (PE). O técnico definiu como “interminável” a obra do governo federal, que teve início em 2005 para beneficiar os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Ceará e, até o momento, alcançou apenas a marca dos 51% das obras concluídas, segundo dados do Governo Federal. Para ele, o mau planejamento do projeto faz com que seja “levado água para duas das maiores barragens do Nordeste de forma desnecessária, uma vez que nesses locais já se encontra água em abundância”, declarou, referindo-se ao estado do Ceará, um dos beneficiados do projeto. Abner destacou que todo o viés do projeto altera a matriz energética do Nordeste, principalmente das
regiões contempladas, resultando no aumento do custo da energia do Sistema Nacional. “Os altos custos com energia para bancar o funcionamento das bombas que puxam água dos açudes até as comunidades já estão endividando agricultores e prejudicando a produção deles”, disse. O professor salientou ainda que, diferentemente do que se veicula na grande mídia, as obras continuam em andamento e não estão abandonadas, devendo gerar, em breve, conflitos pelo uso da água. “Dentro da bacia do São Francisco não existe viabilidade dos perímetros irrigados – áreas loteadas entre agricultores com estrutura de irrigação pública –, o que impossibilita a leva das suas águas. Daqui a quatro ou cinco anos, quando as obras estiveram funcionando, os conflitos internos começarão”, pontuou ele, que expôs ao público os gastos das obras inicialmente orçados em R$ 5,5 bilhões, e que hoje ultrapassam o valor de R$ 8,5 bilhões. O estudioso destacou a importância do CBHSF dentro do projeto. “O Comitê do São Francisco tem que se manifestar e saber o que ocorre. As obras devem possuir um norte, e o CBHSF, principalmente
com a revisão do plano da bacia, é fonte essencial para o melhoramento disso“, concluiu João Abner.
Questionamentos
Após a apresentação do técnico, alguns questionamentos foram levantados pelo colegiado do CBHSF. “As informações não procedem. Não são oficiais. Suposições foram levantadas de forma equivocada, e gostaria de expor, quando possível, dados oficiais do governo”, opõe-se José Luiz de Souza, representante do Ministério da Integração Nacional,, órgão responsável pela execução das obras. O professor da Universidade Federal da Bahia – Ufba, Marcelo Latuf, parabenizou a apresentação do especialista e revelou o seu descontentamento com relação ao tratamento que vem sendo dado às organizações técnicas, de ensino e pesquisa dentro do Comitê. “Essa não é a primeira vez que as universidades são desmerecidas aqui no plenário. Gostaria apenas que fosse respeitada a opinião e o estudo de pessoas que lutam em prol dessa bacia”, defendeu ele. O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, fez questão de elogiar a apresentação do hidrólogo. “João
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Vazão reduzida domina debates Revitalização, vazão reduzida, Plano Decenal da Bahia e saneamento básico foram alguns dos assuntos tratados pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF durante a XXIV Plenária Ordinária, que aconteceu em Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife, entre 5 e 6 de dezembro último, mobilizando os membros do colegiado e alguns convidados. Bastante produtiva em suas discussões, a plenária foi marcada pela polêmica decisão da Agência Nacional de Águas – ANA em conceder a prorrogação por mais 30 dias da vazão reduzida no São Francisco, a partir das barragens de Sobradinho (BA) e Xingó (SE).
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Presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, em seu pronunciamento
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mbora “em caráter excepcional”, a prorrogação da vazão mínima de até 1.100m3, segundo ofício assinado pelo presidente da ANA, Vicente Andreu, visa a atender ao quadro problemático vivido atualmente pela região nordestina em vista da estiagem prolongada, com precipitações pluviométricas abaixo da média. Segundo Andreu, esta será a última autorização concedida pela ANA para a prática de vazão reduzida, pelo menos nos moldes em que vem acontecendo. “Finalizado o novo prazo (concedido até o dia 31 de dezembro de 2013), somente será permitida autorização para a prática de vazões defluentes inferiores a 1.300m3 em Sobradinho e Xingó, após encaminhamento do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e apreciação pela ANA de proposta de estabelecimento de regras gerais de operação de reservatório da cascata do rio São Francisco em situação de baixo armazenamento”, diz o documento, lembrando que a Chesf deverá promover ampla divulgação da continuidade da medida, sobre-
tudo nas cidades do Médio e Submédio São Francisco. A notícia de continuidade da vazão reduzida foi recebida com indignação pelo presidente do CBHSF: “Mais uma vez o setor elétrico envia o pedido para manutenção da vazão reduzida, que já dura sete meses, sem mostrar interesse em dialogar com os atores envolvidos e especialmente com o Comitê, que representa os diversos usuários de água da bacia do São Francisco. Não se trata de ser, simplesmente, contra a medida que prolonga a redução. O que queremos é que a questão seja discutida por todos e que seja dado o tratamento compensatório aos vários segmentos atingidos pela medida”, disse Anivaldo Miranda. Como lembrou o presidente, sendo em diversas oportunidades apoiado por relatos da realidade vivida em diversas regiões da bacia, a vazão reduzida tem causado diversos problemas tanto às populações ribeirinhas do Velho Chico, localizadas a jusante das duas barragens (especialmente no Baixo e no Submédio São Francisco), como para
s durante a plenária do CBHSF o desenvolvimento de atividades produtivas, como pesca, agricultura e navegação.
Membros aprovam Nota Pública
Um dos resultados decorrentes da plenária do CBHSF foi a nota pública, aprovada por unanimidade, em desa-
gravo à prática de vazões reduzidas nas águas do Velho Chico para atender às demandas do setor elétrico nacional, sem que haja discussão sobre os reflexos da medida na população ribeirinha e seus segmentos produtivos. A nota veio em consequência da mais recente autorização da Agência Nacional de
NOTA PÚBLICA O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, reunido em sua XXIV Reunião Plenária na cidade de Jaboatão dos Guararapes (PE), recebeu com redobrada preocupação a notícia da prorrogação, por mais um mês, da redução das vazões do rio de 1.300m3/s para 1.100m3/s, o que vai prolongar ainda mais os visíveis impactos socioambientais que tal medida causa ao ecossistema e às populações ribeirinhas, além das perdas econômicas que provoca, atingindo um amplo espectro de segmentos usuários das águas, a exemplo da pesca, abastecimento de água, irrigação e navegação. Além da preocupação com essa prorrogação, o CBHSF lamenta que, mais uma vez, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) tenha solicitado essa prorrogação no final do último dia de prazo para essa prática de reduções das vazões abaixo da vazão mínima de restrição prevista legalmente. Tal atitude revela mais uma vez que tais medidas extremas continuam a ser adotadas na contramão dos princípios da Lei 9.433, a Lei Nacional das Águas, sobretudo no que diz respeito à gestão democrática e participativa das águas. O CBHSF não desconhece
as condições atualmente adversas dos principais reservatórios da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Todavia, lamenta que decisões unilaterais do setor elétrico sejam adotadas sem que se dê oportunidade ao universo dos demais usuários das águas de participar do processo decisório com vistas à busca de alternativas menos impactantes para a solução dos impasses da geração de energia. O CBHSF lamenta, igualmente, que os danos causados aos demais usuários pelo uso hegemônico que o setor elétrico faz das águas franciscanas, não sejam objeto, até agora, no caso das reduções em debate, das devidas ações compensatórias. Finalmente, o CBHSF reitera a urgente necessidade da elaboração de regras claras para a prática dessas reduções traumatizantes e de um processo de médio e longo prazos que modifique a atual matriz energética sanfranciscana, com vistas a uma diversificação sustentável dessa matriz capaz de livrar o rio São Francisco das enormes ameaças que lhe causam essas reduções que, de emergenciais, agora se tornaram efetivamente recorrentes.
Próxima plenária será em Belo Horizonte Concorrendo com a capital sergipana, Aracaju, a cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, será sede da próxima plenária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que acontecerá entre os dias 15 e16 de maio do próximo ano. A cidade foi escolhida no encerramento da XXIV Plenária Ordinária do CBHSF.
Dia Nacional de Defesa do Rio São Francisco Outro resultado advindo da XXIV Plenária Ordinária foi a aprovação da ideia de uma grande mobilização nacional em prol do Velho Chico. A mobilização, intitulada Dia Nacional de Defesa do Rio São Francisco, ocorrerá no dia 3 de junho (dentro da Semana Internacional do Meio Ambiente) e, além do CBHSF, deverá contar com a participação de instituições diversas sediadas no âmbito da bacia, além de representantes dos segmentos produtivos e das populações ribeirinhas. A ideia, como explicou o presidente Anivaldo Miranda, não é lutar contra ninguém, mas criar uma grande manifestação, envolvendo todas as regiões da bacia, que chame a atenção do país para o estado de abandono e degeneração do São Francisco. Além disso, a mobilização deverá focar como bandeiras a defesa por uma nova matriz energética para a bacia, a necessidade de maior participação do Comitê e da sociedade no Programa de Revitalização do Rio São Francisco, a celebração do Pacto das Águas e a revisão do atual sistema de outorga.
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Fluviais Codevasf quer fortalecer pesca artesanal A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – Codevasf realizou no último mês de novembro a soltura de espécies nativas da bacia hidrográfica do rio São Francisco em matas alagadas do município ribeirinho de Piaçabuçu (AL), no Baixo São Francisco. O objetivo da ação é fortalecer a pesca artesanal e beneficiar inúmeros moradores que dependem do exercício da profissão para sobreviver. Entre as espécies que foram lançadas no rio estão o Xirau e o Piau. Os peixamentos realizados pela Codevasf integram as ações de repovoamento de bacias hidrográficas dentro do Programa de Revitalização do Rio São Francisco. Também em novembro, o município mineiro de Iguatama foi agraciado com a ação, levando para as águas do Velho Chico a espécie Curimatã-Pacu.
Sergipe discute sobre turismo A Secretaria de Estado do Turismo de Sergipe – Setur discutiu no último mês de dezembro possíveis ações de dinamização e sustentabilidade no turismo do rio São Francisco, com destaque para a região do Baixo São Francisco. O projeto, denominado “Caminhos do São Francisco”, é uma parceria entre os estados de Alagoas e Sergipe, e prevê a criação de uma nova rota turística que contemplará 24 municípios ribeirinhos através de ações de planejamento da demanda turística para estruturar o fortalecimento dos serviços existentes, além de promover a comercialização e a geração de trabalho e renda das populações que residem às margens do Velho Chico. Os municípios agraciados são: em Sergipe: Brejo Grande, Ilha das Flores, Neópolis, Santana do São Francisco, Propriá, Amparo do São Francisco, Canhoba, Nossa Senhora de Lourdes, Gararu, Porto da Folha, Poço Redondo e Canindé do São Francisco: e em Alagoas: Piaçabuçu, Penedo, Igreja Nova, Porto Real do Colégio, São Brás, Traipu, Belo Monte, Pão de Açúcar, Piranhas, Olho d’ Água do Casado, Delmiro Gouveia e Água Branca.
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Uma mostra para os Chicos Continua aberta ao público belo-horizontino até fevereiro de 2014 a exposição multimídia “Os Chicos – O Rio São Francisco me contou...”, que narra, sob o olhar do jornalista Gustavo Nolasco e do fotógrafo Leo Drumond, ambos mineiros, um pedaço da história do conhecido rio da integração nacional, a partir da narrativa das próprias pessoas que vivem às suas margens. O trabalho rendeu anteriormente um livro chamado “Os Chicos – Prosa e Fotografia”, e é resultado de cinco anos de pesquisa e de aproximadamente 2.700 quilômetros percorridos pelos autores ao longo do Velho Chico. A mostra ficará exposta na Galeria de Artes Gráficas e Fotojornalismo do Oi Futuro, na cidade de Belo Horizonte (MG), até 2 de fevereiro de 2014, sempre de terça a domingo, das 11h às 18h. A entrada é franca.
Ponte sobre o rio São Francisco O Tribunal de Contas da União – TCU aprovou no último mês de dezembro a execução das obras no lote 5A da Ferrovia de Integração Oeste–Leste – Fiol, trecho que contempla a construção da ponte sobre o rio São Francisco, localizado entre os municípios baianos de Serra do Ramalho e Bom Jesus da Lapa. Sob a responsabilidade da Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. – empresa controlada pelo Ministério dos Transportes –, a ponte terá extensão de 2,9 quilômetros e 42,32 metros de altura, tendo investimentos do governo federal da ordem de R$ 135 milhões. Os serviços terão início já no primeiro trimestre de 2014. A conclusão está prevista para ocorrer em até 24 meses. A Ferrovia de Integração Oeste–Leste se constituirá num eixo ferroviário que dinamizará o escoamento da produção de minério de ferro e grãos entre os estados da Bahia e Tocantins, servindo de elo para interligar aquelas regiões aos outros polos do país.
Balanço da Transposição O ministro da Integração Nacional, Francisco José Coelho Teixeira, afirmou neste mês de dezembro, diante da audiência pública promovida pela Comissão Externa para Acompanhar os Programas de Transposição e Revitalização do Rio São Francisco, no Senado Federal, que as obras da transposição das águas do rio São Francisco alcançaram a marca de 51,2% dos trabalhos concluídos, devendo ser entregues até o final de 2015. Na ocasião, o ministro fez um balanço dos gastos com as obras, que já ultrapassam a ordem de R$ 4 bilhões, empregando cerca de 7.760 trabalhadores. O programa do governo federal, que teve início em 2005, pretende beneficiar os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Ceará com as águas da bacia do São Francisco.
Afluentes | Salitre
Avançando com dificuldade Conhecida historicamente por conflitos pelo uso da água, a bacia do rio Salitre é um importante provedor de águas do estado da Bahia, percorrendo nove municípios ao longo dos seus 13.467,93 km2 de extensão. Tendo como grande desafio a efetivação dos instrumentos da Lei 9.433/2007, bem como a integração, em conjunto com o CBHSF, de melhorias ambientais, o CBH Salitre atesta a eficácia na gestão descentralizada das águas desse importante rio tributário do Velho Chico.
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ma bacia marcada por conflitos pelo uso da água. Assim é conhecida a Bacia Hidrográfica do Rio Salitre, localizada no centro-norte do estado da Bahia, na região do Submédio São Francisco. Afluente direto do rio São Francisco, e tendo sua extensão territorial definida em 13.467,93 km², o Salitre está situado a leste do rio Itapicuru, a oeste dos rios Verde/Jacaré e ao sul do rio Paraguaçu, abrangendo, em sua totalidade, nove municípios baianos. Sua nascente encontra-se na localidade conhecida como Boca da Madeira, no entorno do Parque Estadual Morro do Chapéu, também em território baiano. Historicamente, entre as décadas de 1970 e 1980, a discussão inicial pelo uso equacional das águas da bacia resultou em inúmeras mortes no Vale do Salitre, uma vez que a terra rica em calcário e granito acabou atraindo inúmeros agricultores, irrigadores e pecuaristas para a região, conhecida pela excelente permeabilidade dos seus solos. Todo esse excesso no consumo agravou a escassez de água no rio, sucedendo a novos conflitos que perduram até os dias atuais, principalmente por causa da questionável
gestão estadual de recursos hídricos. "A ausência de verbas e de uma infraestrutura definida – a secretaria executiva do comitê é de responsabilidade do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos /Inema – faz com que o CBH dialogue persistentemente com o Estado na tentativa de melhorias para a bacia.”, segundo afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Salitre – CBH Salitre, Almacks Luiz Silva.
O CBH Salitre Oficialmente criado em dezembro de 2006, o CBH Salitre é um órgão colegiado composto pelos segmentos do poder público, usuários da água e sociedade civil organizada, totalizando 36 membros, entre titulares e suplentes. A diretoria é constituída atualmente pelo presidente Almacks Luiz Silva, pelo vice José Carlos Martins de Oliveira e pelo secretário José Humberto Félix de Souza. Toda mediação de conflitos pelo uso da água é atribuição do CBH, que, apesar da pouca ou nenhuma estrutura física e ajuda financeira, já alcançou feitos consideráveis para o local. “Conseguimos nos
Municípios banhados pelo Salitre Várzea Nova, Ourolândia, Campo Formoso, Mirangaba, Umburanas, Jacobina, Juazeiro, Miguel Calmon, Morro do Chapéu.
Almacks quer consolidar na região o papel do Comitê
articular politicamente com diversos entes da esfera municipal, estadual e federal, culminando na aplicação de capacitações técnicas em prol da bacia, bem como na revisão do regimento interno e na construção do termo de referência do plano de bacia”, diz o presidente. Segundo ele, a grande discussão que se faz em nível da bacia é na tentativa de consolidar o papel do comitê. “Utilizamos meios de comunicação locais para introduzir o CBH Salitre como protagonista no debate das políticas hídricas. É necessário esse entendimento entre as comunidades ribeirinhas”, comenta.
Desafios constantes
“Queremos apenas que o comitê do Salitre seja efetivado com a implementação dos instrumentos da lei federal nº 9.433/2007 e que sejam cumpridas as deliberações impostas pelo colegiado, além, é claro, da continuidade do nosso plano de bacia, que hoje se encontra parado por conta da ineficácia do estado”, salienta Almacks Silva. Por outro lado, a antiga e boa relação entre o CBH Salitre e o Comitê do São Francisco já vem proporcionando benfeitorias à bacia do Salitre. “A aplicação de recursos da cobrança pelo uso da água em projetos hidroambientais e na elaboração de planos de saneamento em municípios da região tem contribuído consideravelmente para a recuperação da qualidade das águas”, destaca o presi-
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Entrevista | Marianna Siegmund-Schultze
A bacia sob o olhar acadêmico O trabalho desenvolvido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a riqueza que representa a bacia em si serão temas de estudo por parte de pesquisadoras da Universidade de Berlim, na Alemanha, em parceria com técnicas da Universidade Federal de Pernambuco. Durante a plenária do CBHSF, realizada no início de dezembro em Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife (PE), a engenheira agrônoma Marianna Siegmund-Schultze, da Universidade de Berlim, responsável pelo trabalho, apresentou os detalhes do projeto de pesquisa científica. As atividades práticas devem começar em janeiro de 2014 e se estender até 2016. O objetivo é identificar questões técnicas que contribuam na gestão da bacia. Um dos itens a serem estudados é a identificação do volume atual de água na bacia e qual a perspectiva para o futuro. A iniciativa tem à frente o Instituto Innovate, cuja sede fica na Alemanha, que desenvolve 12 projetos internacionais, sendo dois deles no Brasil.
Qual o objetivo da pesquisa? Temos o objetivo geral de buscar formas de governança que promovam, ao mesmo tempo, o uso sustentável dos recursos naturais e a viabilidade econômica das atividades rurais locais. O objetivo é bem abrangente, vamos poder contribuir só parcialmente. Estamos estudando a situação do uso da água e da terra e testamos futuras opções de manejo e governança desses recursos naturais. Os pesquisadores são das ciências naturais, exatas e humanas. Acreditamos que este conjunto heterogêneo contribui para uma avaliação crítica e proveitosa dos desafios da região, entre disciplinas diferentes e com o público interessado. O foco está no lado pernambucano da região do reservatório de Itaparica, mas para contextualizar analisamos também a bacia hidrográfica do rio São Francisco como um todo. De quanto será o investimento no trabalho? O investimento é grande e envolve energia, tempo, muita vontade e também dinheiro. O projeto é financiado, do lado alemão, pelo Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha, em torno de 5 milhões de euros. O lado brasileiro é financiado por um mosaico de vários fundos. Por exem-
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plo, o Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], a Universidade Federal de Pernambuco, a Universidade Federal Rural de Pernambuco e o Instituto Federal de Pernambuco estão sustentando trabalho de campo, enquanto a maioria das bolsas vem do CNPq, Facepe [Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco] e Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Por que o interesse do grupo pelo Comitê do São Francisco? O CBHSF é extremamente interessante para nós, de um lado, como parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Pretendemos estudar formas de governança e o colegiado faz parte disto. Entender o seu funcionamento, desafios e sucessos vai ajudar-nos a avaliar formas de governança. Do outro lado, a plenária do Comitê reúne vários atores da bacia. O diálogo com estes atores é muito valioso para as várias linhas de pesquisa do nosso projeto. Sentimos um interesse dos integrantes da plenária nos resultados futuros dessa pesquisa. E a qualidade da pesquisa também depende do di-
álogo com os atores envolvidos − usuários dos recursos naturais, sociedade civil e poder público. Qual a aplicação prática da pesquisa na bacia? Começamos em 2012 e a previsão é continuar até final de 2016. Pretendemos elaborar diretrizes que apresentem de forma bem acessível os elementos que foram estudados. Isto poderia servir para aplicações em níveis bem distintos. Por exemplo, um grupo estuda alternativas para melhoria da qualidade do solo. Se esta pesquisa gerar resultados promissores, isto já poderá ser adotado em alguns lotes da região. Outro exemplo: as modelagens da qualidade e quantidade da água da bacia, comparando cenários prováveis do futuro, poderão vir a complementar os prognósticos das mudanças climáticas na região. De forma geral, os resultados poderão servir de apoio ao processo de tomada de decisões, mostrando opções em circunstâncias complexas. Quais os pontos que se pretendem mensurar na pesquisa? Já está sendo mensurada uma série de parâmetros, principalmente nos municípios de Petrolândia, Itacuruba e Floresta. Temos campanhas de amostragem de água, sedimentos
e macrófitas, bem como medição de gases de efeito estufa no reservatório de Itaparica; mensuramos características do solo; estamos catalogando e monitorando a ocorrência de anfíbios e plantas da caatinga; fizemos em torno de 300 entrevistas com pescadores tradicionais e pequenos produtores dentro e fora dos perímetros irrigados; realizamos inúmeras entrevistas com lideranças locais e uma série de oficinas com a comunidade local. Também utilizamos dados secundários, por exemplo, dados históricos de vazões e os planos diretores existentes na região. Quantas pessoas estão envolvidas no trabalho e qual o papel de cada uma? Somos um grupo bem grande: em torno de 100 pesquisadores, metade de brasileiros, metade de alemães. Temos a nossa “Direc” (como é a estrutura do Comitê): composta da coordenação do projeto, em que eu faço parte, e os líderes alemães e brasileiros dos sete subprojetos, digamos, as “câmaras” (gestão da água; uso do solo; técnicas de reúso; biodiversidade; socioeconomia; modelagem e o grupo de apoio à tomada de decisão). Cada líder de subprojeto se comunica com os seus pesquisadores de distintos grupos temáticos. A maior