SECA
CBHSF realiza plenária e discute sobre semiárido
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A severa estiagem de 2012 atinge a bacia do rio São Francisco, gerando graves problemas sociais.
Lider quilombola fala da luta de sua comunidade
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Machado destaca Importância dos comitês. NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
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Editorial
A esperança que brota da seca
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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco dá mais um passo na sua estratégia de comunicação: nasce aqui o jornal Notícias do São Francisco. Seu objetivo é o de tornar-se um efetivo canal de exposição tanto para as ações do CBHSF como para os acontecimentos que povoam o Rio São Francisco em meio a toda a sua grandeza física e humana. Atravessando seis estados brasileiros, além do DIstrito Federal, com cerca de 2,7 mil quilômetros de extensão, o São Francisco é rico em recursos naturais, agrega diferentes povos e grupos sociais e possui um acervo cultural único, que se amplia e solidifica absorvendo símbolos de um regionalismo que remete aos muitos e diferentes “brasis”. O jornal objetiva apreender essa realidade, mas quer ir além: será um veículo para discussão das problemáticas que afligem o Velho Chico e seu entorno, como é o caso da seca, um dos assuntos desta edição. O momento é dramático, todos reconhecem, mas traz à tona a fundamental discussão sobre o futuro dessas águas tão especiais. A esperança é que da reflexão provocada pela seca surjam medidas estruturantes e mais duradouras, renovando a capacidade do São Francisco de continuar a sua função social.
Expediente Jornal Notícias do São Francisco | Julho 2012 | Nº. 1 www.cbhsaofrancisco.org.br Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF imprensa@cbhsaofrancisco.org.br Coordenadora do Programa de Comunicação: Malu Follador Editor: Antonio Moreno Projeto gráfico e diagramação: CDLJ Textos: Suzana Alice, Antonio Moreno, Ricardo Follador, José Emanuel Virgino, Rafael Medeiros Fotógrafos:João Zinclar, Ricador Follador, Raylton Alves e José Emanoel Virgino Este jornal é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 - Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010 - Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citando a fonte.
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Nova sede do Comitê em Penedo: prédio histórico.
Novo espaço para o Comitê em Penedo
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Sub Sede do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) está de cara nova em Penedo. Desde o dia 26 de junho, o escritório passou a funcionar em um prédio amplo e totalmente reformado para atender às suas necessidades com mais conforto e espaço. A nova sede abriga também a secretaria do Comitê, o escritório da Câmara Consultiva Regional do Baixo (CCR) e uma representação da AGB – Agência Peixe Vivo. Localizado no Centro Histórico de Penedo, cidade ribeirinha que possui um dos mais belos acervos arquitetônicos de Alagoas, o prédio é uma relíquia histórica de Penedo, todo em estilo colonial e fachada de grande beleza. Conta com recepção, sala de treinamento e reuniões, auditório, central de processamento, copa, gabinete do secretário, além de diversas salas para uso institucional. “É uma conquista muito grande para o povo ribeirinho a implantação desse escritório do Comitê em Penedo”, observa o secretário do CBHSF, Maciel Oliveira, lembrando que antes a secretaria funcionava em um prédio da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Com a mudança de endereço as atividades e reuniões devem acontecer de forma mais constante. O primeiro evento já ocorreu no dia 26 de junho, na abertura da casa: a 3ª Oficina Participativa de Comunicação Social, que reuniu comunicadores, ambientalistas e técnicos envolvidos com as causas da Bacia e do Baixo São Francisco. No dia seguinte, ocorreu a reunião da Camera Regional do Baixo São Francisco com os seus membros e convidados.
Começam as obras de recuperação hidroambiental na bacia
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este segundo semestre começam as obras de recuperação hidroambiental que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - CBHSF realiza com os recursos originários da cobrança pelo uso da água. As primeiras licitações, lançadas em maio, já se encontram em fase de conclusão, o que possibilitará o início da execução dos trabalhos nos próximos dias. Cinco editais, convocando as empresas interessadas, foram publicados até aqui pela agência da bacia, a AGB Peixe Vivo. Os três primeiros, totalizando recursos da ordem de R$2,6 milhões, se destinam a intervenções no Alto São Francisco, nas bacias do Rio Jatobá, município de Buritizeiro; do Córrego da Onça, município de Pirapora, e do Rio das Pedras e Córrego Buritis, município de Guaraciama, todos em Minas Gerais. As propostas encaminhadas estão em fase final de apreciação, após o que as empresas selecionadas iniciarão as obras. No Médio São Francisco estão sendo licitados dois projetos: o primeiro, no valor de R$800 mil, beneficiará a bacia do rio Itaguari, no município de Cocos, e o segundo, no valor de R$ R$886 mil, a bacia do rio Salitre, no município de Morro do Chapéu. Ambos se localizam na Bahia. Até julho serão lançados mais três editais. Ainda no Médio São Francisco, um projeto beneficiará a bacia do rio Mocambo, em Curaçá, também na Bahia. Os dois outros se localizam no SubMédio São Francisco. São a nascente do rio Pajeú, no município de Brejinhos, e o Córrego Onça, no município de Afogados da Ingazeira, ambos em Pernambuco.
Novas licitações
As licitações, incluindo o Baixo São Francisco, prosseguem pelo mês de agosto até dezembro, quando deverão estar concluídas as licitações de 22 projetos, no valor global de R$20 milhões.
As empresas interessadas devem acessar os atos convocatório no site www. agbpeixevivo.org.br. Os investimentos também contemplam a contratação de empresas para a realização de visitas técnicas, diagnósticos e elaboração dos termos de referência de cada projeto. A empresa Tecnologia e Consultoria Brasileira - TC/BR está concluindo os primeiros projetos e agora está sendo contratada uma nova empresa. Qualquer que seja a executante, a metodologia empregada é aprovada pela Agência Nacional de Águas - ANA, órgão responsável pela coordenação da gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos no país.
Demandas
Os projetos foram indicados pelas Câmaras Consultivas Regionais - CCRs do Comitê, sediadas no Alto, Médio, SubMédio e Baixo São Francisco. A XX reunião plenária, ocorrida em Bom Jesus da Lapa, em novembro de 2011, acatou as indicações apresentadas pelas CCRs, considerando os requisitos de viabilidade técnica e financeira, e foi autorizado o investimento em 22 projetos prioritários. O tipo de intervenção que o CBHSF fará nessas localidades da bacia do Rio São Francisco não é contemplado, geralmente, nas macropolíticas de saneamento, mas cumprem o objetivo fundamental de proteger as nascentes e controlar a erosão – o que significa contribuir para aumentar a quantidade e a qualidade da água. Esses são os primeiros investimentos em intervenções físicas realizados pelo Comitê desde o início da cobrança pelo uso da água da bacia, em agosto de 2010. Em 2011 foram produzidos os diagnósticos e termos de referência para os primeiros projetos técnicos, de modo a possibilitar a realização, em 2012, das licitações e execução das primeiras obras, como explica o diretor técnico da AGB Peixe Vivo, Alberto Simon Schvartzman.
Plenária enfoca a questão do semiárido
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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco realiza sua XXI Plenária Ordinária nos próximos dias 4 e 5 de julho no auditório do Hotel Boulevard, no bairro de Savassi, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Integram a pauta uma apresentação do Ibama sobre a renovação das licenças dos Reservatórios na área do Rio São Francisco e uma discussão sobre as PCHs na Bacia, para além dos assuntos relacionados com a sistemática da gestão do Comitê, Outro ponto importante da pauta é a realização de uma mesa redonda, no dia 5 de julho, a partir das 9h, sobre os problemas de convivência
com a seca nas regiões mais críticas do Rio São Francisco, especialmente no semiárido de alguns estados. Essa discussão, que já vem sendo realizada pelo CBHSF em encontros regionais juntamente com os comitês afluentes do São Francisco, contará com a participação de representantes dos estados envolvidos e também do Ministério da Integração. Constará ainda da programação da plenária, no dia 5, uma visita dos participantes ao aquário do Rio São Francisco no Zoológico de Belo Horizonte. Antes disso, porém, os membros do Comitê decidirão sobre data e local da próxima plenária, última a ser realizada antes do ano eleitoral do comitê.
NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
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Estiagem e má gest bacia do São Franci
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estiagem de 2012, uma das mais severas das últimas décadas, atingiu fortemente a bacia do rio São Francisco, produzindo um grave quadro socioeconômico. Os efeitos penalizam a população, afetada pela irregularidade no abastecimento de água, assim como os rebanhos e as lavouras, acarretando prejuízos aos produtores e abalos na economia regional. Mais uma vez, ficou demonstrado que o fenômeno cíclico da estiagem ainda não conta com estratégias de enfrentamento adequadas, em termos de gestão de recursos hídricos. Algumas políticas públicas, a exemplo do Bolsa Família e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - Peti, têm amenizado a situação social das famílias atingidas, mas ainda falta avançar na implementação de práticas de convivência com a estiagem. Nesse sentido, algumas experiências exitosas que se desenvolvem na bacia demonstram que é possível o manejo sustentável das águas, com ganhos para a qualidade de vida da população. Para discutir a questão da seca, o Comitê do São Francisco reuniu-se com as Câmaras Consultivas Regionais - CCRs e com os comitês de rios afluentes. O primeiro encontro, realizado em Juazeiro a 25 de maio, reuniu representantes do Médio, SubMédio e Baixo São Francisco. O segundo, ocorrido em Belo Horizonte a 15 de junho, contou com os representantes do Alto São Francisco. Abaixo, lideranças regionais e locais expõem o quadro da seca nas diversas regiões da Bacia do São Francisco. SubMédio SF
REBANHOS E PRODUTORES SÃO OS MAIS ATINGIDOS
Drama na agricultura: população perde safras inteiras.
No SubMédio São Francisco a média histórica de chuvas, que é de aproximadamente 600 milímetros por ano, caiu para pouco mais de 250 milímetros em 2012. A estiagem afetou principalmente o rebanho animal, e, em decorrência, os criadores que, quando não tiveram perdas totais, enfrentaram prejuízos na comercialização. A arroba do boi, por exemplo, passou de R$100,00 para R$65,00 O engenheiro Antonio Valadares de Sousa Filho, o Totonho, prefeito de Afogados da Ingazeira (PE) e coordenador da CCR do SubMédio, conta que os produtores estão alimentando os rebanhos com bagaço de cana trazido das usinas da Zona da Mata de Pernambuco e Alagoas, do Cariri cearense e de Juazeiro, na Bahia. Além disso, a Companhia Nacional de Abastecimento - Conab está fornecendo milho para ração pela metade do preço. “É como estamos conseguindo alimentar o gado, para não nos desfazer do rebanho. Senão, seria o caos econô-
mico. Mas isso não é suficiente para evitar o ´efeito sanfona´. A economia regional engorda, e em todo pico de seca volta a emagrecer”. A situação, no entender do coordenador, é consequência de um erro de visão: “A gente sofre de um problema sério, que é o esquecimento. Passou a seca, esquecemos dela, e vamos lembrar somente na próxima. Tem que acabar com esse negócio de lembrar disso somente nos picos de seca. A pouca chuva e a má distribuição da chuva são normais no Semiárido. O que falta é gerenciamento”. Uma ação governamental abrangente e permanente, alinhando os poderes públicos federal, estaduais e municipais, é o caminho que Totonho enxerga como o único capaz de contornar situações de carência como a atual. Os objetivos seriam dois: armazenar água e assegurar o acesso de todos a uma água de qualidade – o que exige o tratamento dos esgotos e dos resíduos sólidos, aí incluídos os problemas dos lixões e dos dejetos dos matadouros públicos, presentes em todos os municípios.
stão atingem a cisco Sofrimento
Num dos afluentes do São Francisco, o rio Pajeú, que corre no estado de Pernambuco, a situação é crítica. Elias Silva, membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pajeú, informa que os reservatórios ao longo do rio estão com dificuldades para abastecer a população, não somente por causa do pouco volume de água, que chegou ao colapso no município de São José do Egito, mas também porque todos os municípios acima, a montante, não têm saneamento básico. A situação motivou a Associação de Desenvolvimento Sustentável do Sertão do Pajeú - Adesus a realizar o controle da qualidade das águas.O Pajeú também enfrenta outros problemas que impactam no volume final de água, como a retirada de mata ciliar, inclusive na nascente, e o assoreamento do rio. “Quem mais sofre com a falta de água é a comunidade rural”, diz Elias, observando que em 2012 a estiagem mais severa comprovou a eficácia de duas metodologias de convivência com o Semiárido
na bacia do Pajeú: as cisternas e as barragens subterrâneas. Ele calcula que o governo federal já implantou na região mais de 200 mil cisternas, com capacidades para 10, 20 e 50 mil litros. “”Quem contou com cisterna ou barragem subterrânea nessa seca, com certeza sofreu menos”. Com relação às barragens subterrâneas, a experiência mais bem sucedida é o conceito Base Zero, desenvolvido pelo engenheiro José Artur de Barros Padilha a partir da Fazenda Caroá, em Afogados da Ingazeira (PE). “É uma coisa simplíssima”, define ele. As ações de baixo custo se aplicam a microbacias com dimensão de até 2 mil hectares, para beneficiamento de até 160 produtores. Consiste no barramento sucessivo das águas de chuva, que é feito com pedras, em formatos semelhantes a luas em quarto nascente ou minguante, com a parte convexa voltada para a nascente do rio e a parte côncava voltada para a foz, de modo a que a água seja retida em camadas rasas do solo, a salvo da evaporação.
Médio SF
SITUAÇÃO FICA PIOR A CADA ANO
Uma disparidade vivida no cenário do semiárido baiano é a seca, uma vez que seus efeitos alteram a paisagem, muito próximo de onde o Rio São Francisco corre mansamente. Em 2012, a estiagem parece estar mais impositiva do que em relação a anos anteriores. Isso faz com que os povos ribeirinhos busquem água doce do rio em lombo de animais, o que é insuficiente para conter a sede da população.Cláudio Pereira da Silva, atual coordenador da Câmara Consultiva Regional do Médio São Francisco e representante das comunidades tradicionais, testemunha o enfrentamento do fenômeno da seca, principalmente por quem está nos assentamentos, bem como os produtores rurais, estes ainda esperançosos de uma solução técnica para o problema. “Podemos considerar a seca como um fenômeno quase que natural. Há anos ela afeta o pequeno, médio e o grande produtores. Também afeta a capacidade de vazão dos rios, dos riachos e das lagoas, que dão o suporte de abastecimento hídrico de todas essas comunidades”, considera. Um dos problemas apontados pelo coordenador é que, devido à grande demanda dos povos, alguns meios de abastecimento acabam perdendo de vez seu potencial hídrico. Um exemplo disso é o riacho de Santana, no município homônimo, na Bahia. “Na época mais crítica, a gente percebe que os municípios da região não se habi-
litaram adequadamente para enfrentar essa situação”, reflete. Para ele, a seca de 2012 caracteriza um evento que vem ocorrendo de forma mais acentuada a cada ano. “Aqui nós temos três meses de chuva e nove meses de seca, mas desta vez acho que tivemos uma quinzena de chuva apenas, o que piora a situação”, observa.
Calamidade
No que tange à gestão da seca, observa-se que as pessoas que viviam às margens do Rio São Francisco acabaram se afastando devido à oferta de cisternas pelo programa Água Para Todos e a possibilidade de se construir “barreiros”. A questão é que as cisternas e as políticas não estão sendo suficientes para atender à demanda, por isso a calamidade tem sido muito grande. Para João Batista Teixeira Marques, eleito coordenador do comitê de gestão municipal do Programa Água Para Todos, há problemas de gestão a serem resolvidos. “Nós vamos às localidades para validar onde a Codevasf poderá construir barreiros. Já validamos cinco locais, mas apenas quatro foram aprovados para atendimento aos animais”, explica. Apenas em uma segunda etapa, os barreiros poderão atender aos seres humanos no período da seca. O pastor Lucas Marcolino da Silva convive com as comunidades rurais há 19 anos. Ele conhece de perto os problemas enfrentados no período da seca. “De uns anos pra cá, a gente vê a escassez de chuva, que quando cai, vem de forma desproporcional. Todos os anos eu acompanho a perda de lavouras em Batalha, em Nova Volta e toda a região”, atesta. Ele conta ainda que as famílias ribeirinhas agora são constituídas majoritariamente de pessoas na terceira idade, uma vez que os jovens migraram para as grandes cidades em busca de oportunidades. Um alento para o futuro dessas regiões atingidas pela seca é a luta das comunidades organizadas, principalmente as quilombolas, que ficam mais próximos às margens do Velho Chico. Pouco a pouco vão se construindo poços artesianos, nascendo uma esperança em relação a adutoras e reservatórios. “Com isso, imaginamos que os jovens voltarão e os que forem nascendo poderão permanecer na terra, para tudo voltar a florescer”, afirma Lucas Silva.
Cistenas já não resolvem a falta de água, que atinge também os animais.
NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
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Alto SF
Crise atingiu todos os produtores agrícolas
Baixo SF
LAMENTO E AGONIA
A estiagem prolongada no semiárido alagoano já levou 36 municípios a decretarem estado de emergência. Agricultores do Baixo São Francisco que geralmente plantam milho e comemoram a fartura no mês de julho, este ano estão lamentando a falta de chuvas que impossibilitaram as colheitas, inclusive no período junino. Em diversos municípios de Alagoas a situação é de lamentação e agonia. A maioria dos agricultores não conseguiu plantar e garantir a estocagem para o consumo próprio e venda dos produtos.Para o Coordenador da Câmara Consultiva Regional do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Carlos Eduardo Ribeiro,
que foi eleito representando a Sociedade Canoa de Tolda, o problema da seca sempre existiu e todas as vezes se repete o discurso das ‘ações emergenciais’. “É algo que sinceramente me deixa reflexivo. O problema da seca terá efeitos agravados pela hoje grande população no semiárido. O que é necessário é discutir além das ações emergenciais. Discutir, por exemplo, sobre a ocupação desordenada do solo que leva à degradação das caatingas, algo produzido por atividades, que passam a interferir no círculo natural do meio ambiente quando, por exemplo, se devasta uma área considerada "improdutiva", substituindo-se a caatinga pele a palma”, observa o coordenador. Para Antonio Joaquim de Santana,
População usa o carro-pipa para abastecimento, mas o “socorro” não é diário
que vive na roça desde que nasceu, o ano de 2012 tem sido um dos piores para a agricultura. Ele cita como exemplo sua própria roça de milho, que deixou de existir. “Infelizmente só pude preparar a terra; não tive como plantar no mês de costume porque certamente não teria colheita”, lamentou. Na propriedade de Antonio Joaquim, localizada no município de Penedo, as margens do Velho Chico, uma cacimba de 13 metros de profundidade, que segundo ele, nunca secou, este ano chegou ao extremo de ficar sem a mínima condição de suprir as necessidades de pequena demanda. “Não posso contar com a cacimba para mais nada. Ela não tem água sequer para irrigar a horta”, diz.
“Este ano a crise tá feia”, afirma o agricultor Juarez Cordeiro da Silva, 64 anos, ao falar sobre a situação da seca na região onde mora, no município de São Francisco, norte de Minas Gerais. Produtor de leite há mais de trinta anos, ele relata a queda de aproximadamente 30% de sua produção. “Estamos acostumados com a estiagem na região, mas esta foi a pior que já tivemos”, diz. De acordo com Marcos Sebastião Veloso, inspecionista agropecuário da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais – EMATER, existem aproximadamente nove mil produtores no município de São Francisco. Segundo estudos realizados pela própria empresa, 100% dos produtores sofreram algum tipo de diminuição na produtividade nesse período de seca. “Houve perda de até 60% na produção agrícola, seja de milho, feijão ou mandioca. Houve também redução na produção da cana de açúcar e total devastamento das pastagens”. Só para ilustrar: se a produção agrícola da região situa-se entre 35 e 40 toneladas por hectare nessa época do ano, desta vez não ultrapassou a 10 toneladas por hectare. “Hoje estamos convivendo com a total falta de água nos rios tributários, afirma Delvane Maria Fernandes, que coordena as ações do Comitê na regional do Alto São Francisco. Ela lembra que comportamentos e atividades prejudiciais ao meio ambiente, como desmatamento, só fazem piorar a situação, que requer medidas emergenciais, mas também – e principalmente - estruturantes.
Fluviais Rio + 20 decepciona
Realizada sob grande expectativa entre 13 e 22 de junho, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi encerrada sem produzir os resultados esperados. O objetivo da Conferência foi a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e o tratamento de temas novos e emergentes. No que diz respeito aos recursos hídricos, pelo menos, a conferência não apresentou novidades, frustrando aqueles que esperavam a definição de políticas mais objetivas e consequentes para a gestão das águas, especialmente no contexto brasileiro.
Próxima parada: Xingó!
Quem tem interesse em navegar pelas águas cristalinas do Velho Chico, contemplar belezas do semiárido nordestino e vivenciar histórias da vida de Lampião e seu bando, a dica é se aventurar pelo Cânion do Xingó. Considerado um dos maiores do mundo, o cânion está localizado na divisa entre Sergipe e Alagoas, dentro do Complexo Turístico do Xingó. Entre paredões que chegam a 50 metros de altura, ele é constituído de formações rochosas que ultrapassam os 60 milhões de anos, ao longo de 65 quilômetros de extensão. O passeio é realizado através de escunas e catamarãs, que partem da cidade de Canindé do São Francisco, a 200 quilômetros de Aracaju. A duração do passeio é de 3 horas.
Rio São Francisco é aqui
Nem todo o mundo teve a chance de conhecer de perto o Rio São Francisco. Mas a solução está na cidade de Belo Horizonte: os quase 2,7 mil quilômetros de extensão do curso d’água, que passa por seis estados brasileiros, além do Distrito Federal, e atravessa diferentes biomas, estão representados no Aquário da Bacia do Rio São Francisco, localizado no Jardim Zoológico da capital mineira. O aquário é integrado por 22 tanques onde habitam peixes de diversas espécies nadando num cenário que dá a impressão se tratar do fundo do Velho Chico. São cerca de 1.400 peixes, de 60 espécies diferentes, onde se destacam o pirambeba, piau-três-pintas, mandi amarelo, cascudo, dourado e matrinxã, além, é claro, do famoso surubim. Já a flora é representada pela mata ciliar que protege o curso d’água. Além disso, uma réplica da Serra da Canastra revela o lugar onde nasce o Velho Chico.
Museu Itinerante
Desde sua criação até os dias atuais, o Museu Ambiental Casa do Velho Chico já percorreu diversos municípios dos estados de Alagoas, Sergipe e Bahia e Pernambuco. A principal intenção é conscientizar a população ribeirinha da importância na preservação ambiental do São Francisco e seus afluentes. O museu foi criado em 4 de outubro de 2001, em homenagem ao aniversário do rio São Francisco. No momento, o museu se encontra na cidade de Pão de Açúcar, Alagoas, para uma temporada de dois anos. O responsável pela iniciativa é o ambientalista Antônio Jackson Borges Lima.
Florisvaldo: memória e disposição de luta.
UM QUILOMBOLA, O RIO, A LUTA E UMA HISTÓRIA
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ó quem convive com a terra e o rio, desde criança, tem arraigada na vida a história de um lugar. Florisvaldo Rodrigues da Silva, 40, líder comunitário remanescente do Quilombo Cariacá, em Bom Jesus da Lapa, Bahia (distante 796 km da capital), é uma dessas pessoas que foram crescendo com a impressão de que onde quilombolas habitavam os donos eram poderosos fazendeiros, deixando as famílias humilhadas viverem ali de favor ou em troca de serviços mal pagos. O rio São Francisco correndo ao lado era um alento, um leito sagrado. “Meu pai era vaqueiro e eu desde novo comecei a plantar capim para os fazendeiros. Quando chegava à época de plantio eles convocavam todo mundo, até as crianças. Era uma obrigação. Ia toda a comunidade, como eles diziam: ‘de rastar poeira’. Às vezes, pagavam a diária, às vezes, não”, lembra Florisvaldo. Os remanescentes quilombolos sonhavam plantar na érea onde moram atualmente, o sequeiro, entretanto, os patrões não deixavam que cultivassem aquelas terras. “Exigiam que a gente plantasse capim nesse local em troca de mantimentos. Até mesmo antes de entregar os mantimentos, mandavam a gente colocar o gado para pastar”, lembra. Florisvaldo conta que as famílias não podiam construir uma casa de alvenaria, ou plantar uma árvore, porque os fazendeiros não aceitavam. “Fui crescendo e comecei a participar das
celebrações da Igreja Católica, assumi a coordenação da comunidade e fazia celebração aos domingos. Chegaram dois padres bons, Roque e Rosivaldo, que ensinaram que a gente precisava celebrar a questão da fé, mas era preciso estar preocupado também com a vida das pessoas”, observa.
Envolvimento
Imbuído de novos ideais, Florisvaldo ajudou a fundar a Pastoral da Criança em 1995 e, no ano seguinte, a Associação da Comunidade, que se uniu às demais associações quilombolas da região. Com a chegada da Comissão Pastoral da Terra, o líder comunitário foi tomando consciência de que era preciso reivindicar a desapropriação daquelas terras, o que veio com o reforço do movimento de trabalhadores assentados e quilombolas. “Foi quando criamos a comissão CRQ (Central Regional Quilombola) e o Conselho Estadual Quilombola. Como coordenador geral desse Conselho, vejo que a demanda é muito grande, das orientações que a gente precisa fazer, da geração de renda e das políticas públicas como um todo. Por isso, precisamos aumentar o número de envolvidos”, destaca. Florisvaldo reclama da falta de interesse do Estado em oferecer água tratada aos quilombolas do Cariacá. Por outro lado, os quilombolas não sabem lidar com a parte técnica que lhes permitiriam construir adutora e reservatório. “São muitas demandas, muitas carências, mas a gente sonha e luta para haver uma melhora. Não podemos desistir”, diz.
NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
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ENTREVISTA | JOSÉ MACHADO O assessor Especial do Ministro da Integração Nacional, José Machado, expressou a importância dos comitês de bacias hidrográficas para as políticas de recursos hídricos do país ao participar, em junho último, em Belo Horizonte, do encontro promovido pelo CBHSF para discutir a problemática da seca na região de Minas Gerais. Machado comentou sobre as medidas emergenciais e estruturantes que vêm sendo realizadas e pensadas pelo governo para o enfrentamento desse amplo período de estiagem na área de influência da Bacia do São Francisco. Confira abaixo a entrevista.
Qual a visão que o senhor adquiriu a partir deste encontro, no sentido de garantir medidas emergenciais de enfrentamento à seca? José Machado – Em relação às medidas emergenciais, o Ministério da Integração está garantindo total apoio aos estados e municípios. O ministro Fernando Bezerra tem se envolvido diretamente com essa questão, e vem liberando recursos dentro das possibilidades institucionais e orçamentárias do governo. Vale ressaltar que esse é um assunto que está diretamente incluído na agenda da presidenta Dilma Roussef. É uma discussão que está no topo da agenda do governo. Não é um assunto secundário e sim prioritário, em particular para o Ministério da Integração. Agora, o ministro está preocupado e trabalhando, para que o tema da escassez hídrica seja tratado em um nível mais geral, para que se combinem ações emergenciais com ações planejadas capazes de equacionar os problemas em longo prazo. O senhor poderia citar algumas dessas medidas estruturantes? JM – Uma delas é o Plano Nacional
“Os comitês representam um braço
importante do estado brasileiro” de Infraestrutura Hídrica. Apesar do Ministério está envolvido nesse momento na construção de barragens, de adutoras, enfim, em diversas obras por todo o Brasil, estamos preocupados em traduzir essas ações no âmbito de um plano nacional. Porque, o problema da seca não é mais só do nordeste do país ou do norte de Minas, mas também do sul brasileiro. Então, é preciso ter uma abrangência nacional e essa é a preocupação do ministro, de ter um planejamento que seja capaz de enfrentar o problema da seca no curto, no médio e no longo prazos. Como o senhor vê a questão dos comitês em apoio a essa política nacional? JM – Eu vejo como fundamental, porque os comitês não são entidades periféricas, eles são centrais dentro da política de recursos hídricos. Os comitês têm que exercer um papel importante de mobilização, de elaboração de propostas, porque a política de recursos hídricos tem como características a descentralização e a participação social. Esses
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problemas não devem ser resolvidos apenas pelo governo federal, mas devem ser solucionados por todos e, sobretudo, nas comunidades e regiões, que têm os comitês como lugar privilegiado de discussão dessas políticas. Os comitês representam um braço importante do estado brasileiro, que tem como premissa a construção de uma democracia permanente e sólida. Os comitês fazem parte dessa concepção de democracia, que é participativa e descentralizada, onde o cidadão, as comunidades, os usuários de recursos hídricos podem e devem participar na tomada de decisões. O grande problema é que esse modelo ainda não é perfeitamente assimilado dentro do processo de decisão no Brasil e a grande maioria dos comitês padece da falta de um apoio mais concreto por parte dos governos de todos os níveis. Isso também, muitas vezes, é culpa dos próprios comitês? JM – Sim, por culpa dos próprios comitês também. Eles precisam melhorar sua capacidade de interven-
ção, de articulação, é preciso marcar uma presença mais contundente, do ponto de vista de se fazer ouvir. Os comitês tem que falar mais alto e para todos ouvirem. É preciso que os comitês mostrem a sua força. Como o senhor vê essa articulação política dos comitês, o que é preciso para melhorá-la? JM – As lideranças precisam investir na mobilização das comunidades, dos representantes das entidades. É preciso fortalecer esse pacto político. Esse é um papel que cabe aos atores que atuam nessas instâncias, sendo necessária a materialização de agendas políticas junto às assembleias legislativas, ao Congresso Nacional, ao poder executivo. É preciso ocupar os espaços, essas lideranças não podem falar por si só, têm que falar para fora, falar para outros ouvirem. Isso é algo que se deve ser construído no dia a dia. Quanto mais houver debates, alianças políticas, melhor será a vida dos comitês e da própria democracia na construção das políticas de recursos hídricos.