Jornal do comitê da bacia hidrográfica do rio são francisco | fevereiro 2014 | nº 15
Navegar
é preciso! Vazão reduzida e assoreamento ameaçam a navegabilidade do rio São Francisco, prejudicando seriamente um dos seus setores mais produtivos.
Páginas 4 e 5
Plano Decenal em processo de atualização
pág. 03
João Abner critica a transposição
pág. 08
Editorial
O drama da navegação
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questão da navegabilidade do rio São Francisco, cada vez mais ameaçada pela continuidade da vazão reduzida, é o principal tema desta edição do Notícias do São Francisco. Em alguns trechos, a navegação está praticamente paralisada. Em outros, demora-se até três vezes mais que antes para cumprir o trajeto. O problema, cuja gravidade já foi por inúmeras vezes ressaltada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, inclusive em suas visitas à Agência Nacional de Águas – ANA, é particularmente sentido pela empresa Icofort, responsável pelo transporte de caroço de algodão num importante trecho da hidrovia. O jornal apresenta também com destaque uma matéria sobre o andamento do processo de atualização do Plano Decenal da Bacia do São Francisco. A matéria foi tema da primeira reunião do ano da Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos – CTPPP, realizada no mês de janeiro em Belo Horizonte, e que serviu também para a escolha dos novos coordenador e secretário da Câmara, respectivamente Regina Greco e Jorge Izidro. No Perfil, a personalidade em questão é o criador do Museu Casa do Velho Chico, Antônio Jackson Barbosa Lima, membro do CBHSF e ferrenho defensor da preservação cultural no universo do São Francisco. Finalmente, o professor e hidrólogo João Abner Guimarães Junior, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fala, em entrevista exclusiva, sobre a problemática da transposição do São Francisco.
CBHSF participa de seminário sobre recuperação ambiental
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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) marcará presença no seminário Recuperação Ambiental, organizado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), a ser realizado nos dias 11 e 12 de fevereiro. O evento faz parte do projeto “Águas do São Francisco”, desenvolvido pela instituição de ensino. O presidente do colegiado, Anivaldo Miranda, irá participar da Mesa Redonda intitulada “Recuperação hidroambiental: experiências e perspectivas”, a partir das 9h30 do dia 11 de fevereiro. Além de Miranda, devem participar da Mesa Redonda os representantes da Petrobrás, empresa patrocinadora do evento, e do governo do estado de Sergipe. O seminário visa promover a difusão e o diálogo das experiências e perspectivas voltadas à recuperação hidroambiental de áreas degradadas nas bacias hidrográficas do Estado de Sergipe, com enfoque no rio São Francisco. Além disso, compartilhar por meio de palestras, oficinas e minicursos o conhecimento técnico e científico atuantes em trabalhos socioambientais. O encontro pretende proporcionar aos participantes
a possibilidade de capacitação por meio de oficinas e minicursos nas áreas de irrigação, gestão de recursos hídricos, monitoramento ambiental, restauração de mata ciliar e educação ambiental. A bacia do rio São Francisco recebe atenção da organização do evento devido a importância em nível nacional, conforme justifica o coordenador técnico do projeto Águas do São Francisco, Antenor de Oliveira Aguiar Netto.
Errata A edição nº 13 do Notícias do São Francisco (dezembro/2013), nas páginas 4 e 5, veiculou uma informação equivocada a respeito da exploração do gás de xisto. Diferentemente do que foi escrito, o gás de xisto não pode ser extraído de aquífero, podendo ser encontrado em formações de xisto argiloso. O produto vem se tornando uma fonte de gás natural nos Estados Unidos, vetado em países como França e Bulgária, e sua exploração está em discussão junto ao governo brasileiro. No final de novembro do ano passado, o governo chegou a autorizar o leilão de 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para gás natural. Divididas em sete bacias sedimentares, os blocos estão
nos estados do Amazonas, Acre, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, Paraná e São Paulo, num total de 168.348,42 Km². O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, ressalta que o colegiado vê com ressalvas a exploração do produto. “As notícias que chegam dos Estados Unidos nos deixam preocupados, devido à técnica utilizada para extração do gás de xisto, a qual pode provocar contaminação das águas. E quando isso acontece, é um dano irreversível. Em acontecendo, quem irá arcar com o prejuízo?”, questiona, concluindo que “o Comitê é contrário a essa prática da exploração”.
Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF imprensa@cbhsaofrancisco.org.br www.cbhsaofrancisco.org.br
Coordenação geral: Malu Follador Projeto gráfico e diagramação: CDLJ Publicidade Edição: Antonio Moreno Textos: Antônio Moreno, Ricardo Coelho, Delane Barros e Wilton Mercês. Fotos: Wilton Mercês, Leonardo Ariel, Ricardo Coelho, Arquivo Icoforte.
Este jornal é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 — Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010— Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.
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CTPPP inicia processo de atualização do Plano Decenal da Bacia do São Francisco A Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos – CTPPP, instância do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, consolidou, no último mês de janeiro (21 e 22), a minuta do Termo de Referência (TDR) para a atualização do novo Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do Velho Chico. A previsão é de que o processo de licitação para contratação da empresa executora aconteça até o início de março deste ano. A reunião foi realizada na sede da agência de águas do CBHSF, AGB Peixe Vivo, em Belo Horizonte (MG).
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Plano de Bacia é um instrumento previsto na lei federal nº 9.433/97, que serve como base para a incorporação, de maneira mais consistente, dos aspectos ambientais, de modo a garantir os usos múltiplos de forma racional e sustentável de uma bacia hidrográfica, em consonância com a gestão integrada e com as políticas de meio ambiente e recursos hídricos, estabelecendo, assim, metas e ações de curto, médio e longo prazo. Ele é constituído pelas etapas de diagnóstico, que faz referência à atual situação da bacia; o prognóstico, que determina os cenários futuros; e o plano de ações, que se antecipa quanto aos problemas relacionados às águas superficiais e subterrâneas. No caso da bacia hidrográfica do São Francisco, o plano passará por uma atualização, uma vez que serão considerados dados e levantamentos técnicos do plano anterior, elaborado para os anos de 2004–2013 pela Agência Nacional de Águas – ANA. “Um plano diretor – assim também pode ser chamado – não tem vigência. Os dados que estão inseridos neste plano (2014/2013) ainda são válidos. As informações é que precisam ser atualizadas. A bacia do SF está com outra realidade. O novo plano apontará, por exemplo, quais investimentos na área do meio ambiente deverão e poderão ser feitos. Irá detalhar os conflitos existentes pelo uso da água e esboçar
Durante a renião foram eleitos os novos coodenador e secretário do CTPPP: Regina Greco e Jorge Isidro.
uma visão futura da bacia”, disse Alberto Simon, diretor técnico da AGB. A representante da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – FIEMG na CTPPP, Patrícia Boson, ressaltou a importância de se ter como base o antigo plano para a concepção deste novo. “A empresa contratada deverá incrementar os levantamentos e encaminhamentos já definidos e implementados pelo CBHSF, pois se trata de uma atualização, e não estamos partindo do zero”, disse. Ainda durante a reunião, os membros da CTPPP – que é formada por representantes dos segmentos de usuários da água, sociedade civil, poder público estadual e comunidades tradicionais – diminuíram o prazo de composição do plano para 18 meses, anteriormente estipulado em 22 meses. “Acredito que este tempo será mais do que suficiente para a sua elaboração”, comentou Victor Sucupira, superintendente adjunto de Apoio à Gestão de Recursos Hídricos da ANA.
Composição Na oportunidade, o colegiado ajustou também a composição do Grupo de Acompanhamento Técnico do Plano (GAT), que será formado por oito representantes de órgãos gestores de recursos hídricos, quatro das Câmaras Consultivas Regionais (CCRs) e dois representantes da CTPPP/CBHSF. Este seleto grupo terá a incumbência de fis-
calizar as ações que estão sendo executadas pela contratada. Os indicados da CTPPP para o GAT serão definidos na próxima reunião da câmara. O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, em e-mail enviado aos integrantes da CTPPP, expôs suas contribuições para a consolidação do Termo de Referência. No documento, ele reafirma a importância de englobar no plano decenal assuntos de interesse da bacia e que hoje estão pautados nas principais discussões políticas que envolvem o CBHSF, a exemplo dos usos múltiplos das águas, as vazões reduzidas, futuras hidrovias, matriz energética, corredor multimodal, aquíferos subterrâneos, canais da transposição, bem como a navegabilidade do rio, as usinas nucleares, a exploração do xisto betuminoso, além da construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs, entre outros.
O plano de bacia do rio São Francisco deverá custar entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões, que serão financiados com recursos da cobrança pelo uso da água. O processo de contratação ficará a cargo da AGB Peixe Vivo.
Deliberação Foi redigida durante o primeiro dia de reunião (21), uma minuta de deliberação que dispõe sobre a suspensão temporária, até a aprovação do plano de recursos hídricos pelo CBHSF, de admissão de novos projetos hidroambientais de demandas espontâneas. O documento não se aplica aos projetos selecionados e aprovados pela Diretoria Colegiada (Direc) nos anos de 2011, 2012 e 2013. A deliberação será colocada em votação na próxima plenária do Comitê do São Francisco, que acontece nos dias 15 e 16 de maio na cidade de Belo Horizonte (MG).
Eleição e calendário Pela primeira vez reunidos no mandato 2013/2016 do colegiado do CBHSF, os membros da CTPPP aproveitaram o encontro para eleger o novo coordenador e secretário da câmara, tendo sido eleitos por unanimidade Regina Célia Greco (coordenadora) e Jorge Izidro (secretário). Eles sucedem o mandato de Ana Catarina Lopes (coordenadora) e Hildelano Delanusse (secretário). O calendário de atividades da CTPPP também foi agendado. Ao longo do ano de 2014, haverá reuniões nos dias 28 de março, 24 de julho e 11 de setembro. Todos os encontros ocorrerão na cidade de Belo Horizonte (MG).
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O drama da navegação que atin A grave situação enfrentada pelo setor de navegação no rio São Francisco, em função da redução da vazão para 1.100m3/seg para atendimento ao setor elétrico nacional, entre outros fatores, deixou de ser uma exceção para se tornar uma constante. A preocupação é revelada por proprietários de embarcações, que já detectam, em muitos trechos, uma ociosidade da ordem de 40%. Devida a pouca profundidade do rio atualmente, ciclos de viagem, antes estimados em 18 dias, chegam a ultrapassar 45 dias. O diretor de logística da empresa de navegação Icofort, Marcelo Teixeira, afirma que o trecho entre Pirapora e Ibotirama está paralisado há bastante tempo, apesar de ser um trecho importante, por permitir a conexão com as regiões Sudeste e Centro-Oeste ao Nordeste. “Isto é um desperdício de um recurso natural, em seus aspectos econômico, social e ambiental e que estão inseridos num ambiente sustentável”, protesta.
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m todos os debates relacionados à questão do transporte brasileiro, especialistas são unânimes em afirmar que o aquático é o mais barato de todos os meios de escoação da produção. É comum, também, apontar que o tráfego terrestre é o mais oneroso, motivo pelo qual o Brasil deveria incentivar o transporte pelas hidrovias. Na contramão do que se tem como ponto dominante, a hidrovia do Rio São Francisco, com 1.371 km de extensão, deveria ser uma das mais utilizadas com esta finalidade, mas não é o que se vê. Tomando-se como parâmetro o caroço de algodão como produto a ser trans-
portado, uma carreta tem a capacidade média de transporte de 24 toneladas do produto, enquanto um comboio pode levar até 3.500 toneladas, ou seja, 145 vezes a capacidade do transporte terrestre, com um custo bem menor. A estimativa é de uma redução no valor do frete em torno de 20%, em comparação com o valor cobrado no transporte terrestre. São 145 carretas a menos nas rodovias, com mais economia, redução no valor cobrado no frete pelo transporte de produtos, menos emissão de gases poluentes, redução no risco de acidentes, dentre outras questões. De olho nesses cálculos, o tráfego aquático é bastante utilizado em países desenvolvidos
para o transporte de grandes volumes de produtos. Projetos para o desenvolvimento da navegação fluvial no Brasil foram desenvolvidos em 1980, mas somente dez anos depois é que começaram a ser trabalhados. De acordo com dados oficiais, o país tem mais de 4.000 km de costas navegáveis e milhares de quilômetros de rios.
Importância A hidrovia do Rio São Francisco está entre as mais importantes do Brasil, visto que representa a ligação mais econômica entre o Centro-Oeste e o Nordeste. O principal trecho da hidrovia está entre os municípios de Pirapora,
nge o São Francisco
em Minas Gerais, e Juazeiro, na Bahia. O diretor de logística da Icofort, única empresa a fazer o transporte de caroço de algodão, Marcelo Teixeira, afirma que o trecho entre Pirapora e Ibotirama está paralisado há bastante tempo, apesar de ser um trecho importante, por permitir a conexão com as regiões Sudeste e Centro-Oeste ao Nordeste. “Isto é um desperdício de um recurso natural, em seus aspectos econômico, social e ambiental e que estão inseridos num ambiente sustentável”, protesta Teixeira. Ainda de acordo com o representante da empresa, a hidrovia funciona no trecho entre Ibotirama e Juazeiro/Petrolina, apesar dos diversos problemas
em sua navegabilidade, especialmente devido à ausência de dragagem continuada em 21 trechos, restrições de defluência na barragem de Sobradinho, em virtude de a liberação de águas vir sendo gerida para produção energética. “Esta situação deixa os demais usuários dependentes da boa vontade do setor energético, uma vez que a Agência Nacional de Águas (ANA) não tem defendido suficientemente os interesses do uso múltiplo das águas, o que garantiria a navegabilidade da hidrovia”, acrescenta. Preocupado com a situação, ele defende a necessidade de pensar em um futuro no qual a reserva de água do Lago de Sobradinho seja garantia de atendimento aos diversos usuários comuns. Devido aos problemas apontados por Teixeira, é possível encontrar trechos da hidrovia com profundidade de até 80 centímetros, um grave problema para a navegação, ou seja, um nível considerado muito baixo para o deslocamento das embarcações. A defluência liberada pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) na jusante de Sobradinho é um dos principais motivos dos problemas na hidrovia. Em diversas reuniões realizadas na sede da ANA, em Brasília (DF), houve vários pedidos para a liberação de um volume de água de 1.300 m³ por segundo, pelo menos, nos finais de semana, o que acabou não acontecendo. Em dezembro de 2013, por exemplo, por mais de uma semana, o nível ficou em aproximadamente 1.100 m³, considerado insuficiente para a navegabilidade. Com isso, ciclos de viagem, antes estimados em 18 dias, chegaram a ultrapassar os 45. Proprietários de embarcações afirmam que seria necessária uma profundidade de, pelo menos, 1,70 m, para garantir o transporte na sua capacidade máxima. A profundidade atual obriga a uma ociosidade das embarcações na ordem de até 40%, para permitir superar os obstáculos da hidrovia. Em muitos deles, os comandantes são obrigados a procurar caminhos alternativos a fim de possibilitar o
trajeto. A Administração da Hidrovia do São Francisco (AHSFRA), empresa do Ministério dos Transportes, tem a incumbência de acompanhar a situação da hidrovia e tem conhecimento dos graves problemas que vêm atingindo a região. De acordo com relatório produzido pela empresa, em 1998 foram transportados 115 milhões de toneladas por quilômetro útil (TKU). Em 2004, esse volume caiu para 54,4 milhões de TKU. No seu endereço eletrônico na internet, a AHSFRA reconhece que a saída para as melhorias das condições da hidrovia é a dragagem. A medida iria promover o desassoreamento. No entanto, não é o que acontece. Em 2011, a prática começou a ser adotada, mas no período próximo ao chuvoso, motivo pelo qual não surtiu efeito. Nos dois anos seguintes, a dragagem simplesmente não aconteceu.
Corredor pode ser alternativa O corredor multimodal representa uma alternativa para suprir as necessidades de utilização da hidrovia do São Francisco. A hidrovia tem uma característica de eixo de integração entre os diversos modais e, por isso, precisa estar em constante operação para que todos os agentes da iniciativa privada acreditem na estabilidade do modal. Somente assim, a partir desta condição segura de transporte, será possível a esses parceiros fazerem seus planos de investimentos na conexão com o modal hidroviário. “O papel do corredor multimodal é fundamental para garantir o escoamento da produção agrícola do Oeste da Bahia, redução dos custos logísticos para grandes volumes destinados ao Nordeste, e também com destino ao Sudeste, a partir de Ibotirama, bem como estimular o desenvolvimento de Juazeiro e Petrolina como plataforma logística do São Francisco”, conclui o diretor de logística da empresa Icofort, Marcelo Teixeira.
Problema preocupa o CBHSF O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, também se associa às preocupações do setor hidroviário quanto aos impactos que a redução de vazões, para atender aos problemas da geração de energia, está causando à navegabilidade à jusante do Lago de Sobradinho. Segundo ele, a falta de planejamento e inovação do setor elétrico tem transformado as reduções emergenciais das vazões em prática cada vez mais recorrente, o que, no limite, poderá acarretar o desaparecimento total do que ainda resta do ramo empresarial da navegação comercial no Rio São Francisco. Miranda acrescenta que os danos vão além dos que foram apontados pelo dirigente da Icofort. “Esse contexto de redução das vazões, todas as vezes que a falta de chuvas deixa o Lago de Sobradinho em condições críticas, coloca em risco, inclusive o megaprojeto do Corredor Multimodal de Transporte, que pretende articular rodovias e ferrovias em um sistema que terá como eixo central a hidrovia do São Francisco”, considera. “O que demonstra o descompasso do planejamento governamental nessa esfera e a urgente necessidade de compatibilização da geração de energia com os demais usos múltiplos da água”, destaca. Anivaldo Miranda acentua que o Comitê já está travando uma grande quebra-de-braço para obrigar os usuários das águas franciscanas, incluídos o setor elétrico e a agricultura de grande porte, para iniciar o longo processo de construção do pacto das águas na Bacia do São Francisco. Para que haja êxito no processo, a iniciativa envolverá também os governos dos Estados cortados pelo São Francisco e o governo federal, além da sociedade civil. “Sem esse pacto, a alternativa será o caos e o conflito pelo uso da água. E isso não interessa a ninguém”, finaliza.
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Fluviais Infográfico sobre o São Francisco é premiado O infográfico “A Luz do São Francisco Dá Vida ao Sertão”, presente no livro “Bahia, Brasil: Espaço, Ambiente e Cultura”, foi o grande vencedor da sétima edição do prêmio Infolide, maior premiação do gênero no país. A cerimônia ocorreu no final de 2013, em São Paulo. Por meio de gráficos e textos, o recurso, criado pela empresa Geodinâmica, apresenta uma verdadeira aula cultural sobre o Velho Chico. As peculiaridades e belezas do rio São Francisco são mostradas desde a sua nascente na Serra da Canastra (MG), no Alto São Francisco, até a sua foz, localizada entre os estados de Alagoas e Sergipe, na região do Baixo São Francisco. De maneira autêntica, o trabalho dá destaque às represas de Três Marias (MG) e Sobradinho (BA), aos santuários sagrados do município de Bom Jesus da Lapa (BA), as atividades econômicas (pesca e navegação) existentes em cidades ribeirinhas como Ibotirama (BA), Xique-Xique (BA), Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), bem como as encantadoras paisagens dos cânions do São Francisco, em Alagoas. As obras da transposição também são retratadas no material. Para conferir o trabalho completo, basta acessar a página www. geodinamica.com.br/arquivo/3473
Gonzagão e o Velho Chico Entre os dias 19 de janeiro e 1º de fevereiro, seis cidades baianas localizadas às margens do Velho Chico foram palco de apresentações do espetáculo "Gonzaga – Da Nascente à Foz", escrita e dirigida por Jackson Cavalcante. Os municípios franciscanos de Juazeiro (19), Sento Sé (21), Xique-Xique (23), Ibotirama (25), Bom Jesus da Lapa (28) e Paulo Afonso (1º/2) receberam a montagem, que traz histórias de força e persistência, fazendo um diálogo entre Luiz Gonzaga e o rio São Francisco. As exibições foram gratuitas. Mais informações: gonzagadanascenteafoz. blogspot.com.br.
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Transposição sob as lentes da Globo A minissérie “Amores Roubados”, exibida pela Rede Globo de Televisão entre os dias 6 e 17 de janeiro, fez comentários sobre à transposição do rio São Francisco. Em uma das cenas, a personagem Antônia, interpretada pela atriz Isis Valverde, atesta que, depois de muitos anos, não se viu avanço na obra. “Milhões foram gastos, que pena, o que a gente vê? Abandono!”, disse. A minissérie, do autor George Moura, é um misto de drama e romance às margens do Velho Chico, dividida em dez capítulos. As cenas principais foram gravadas em cidades nordestinas como Petrolina (PE), Paulo Afonso (BA) e Canindé do São Francisco (SE) e contou com atores consagrados como Murilo Benício, Cauã Reymond e Dira Paes
Encob em preparação O XVI Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas – Encob já tem data para acontecer. Será entre os dias 24 e 28 de novembro de 2014, na cidade de Maceió (AL). Durante os meses que antecedem o evento, cinco reuniões foram agendadas pelos organizadores no intuito de realizar os preparativos do fórum. Este ano, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco estará apoiando toda a organização. A primeira reunião preparatória acontecerá na cidade de Ribeirão Preto (SP), nos dias 13 e 14 de fevereiro. Em seguida, no mês de abril, os realizadores se encontram em Maceió, cidade sede do evento, para o lançamento oficial do XVI Encob. A data ainda será marcada. Nos dias 15 e 16 de maio é a vez de Manaus (AM) receber o colegiado. Em agosto, o Rio de Janeiro (RJ) sedia a reunião nos dias 13,14 e 15. Por fim, nos dias 30 e 31 de outubro, mais uma vez o grupo retorna a Maceió (AL) para os ajustes finais da conferência. Mais informações no site do CBHSF e do Encob.
Imagens do Opará O Museu Oscar Niemeyer, na cidade de Curitiba (PR), vem sediando desde o dia 16 de janeiro a exposição "Opará – Onde Nasce o São Francisco", um retrato da Serra da Canastra (MG) sob o olhar do engenheiro, professor universitário e fotógrafo Marcos Alves. Ao todo, 32 fotos emolduradas e quatro painéis em tecido, todos em preto e branco, destacam as belezas e paisagens da localidade, conhecida por possuir a nascente histórica da bacia do rio São Francisco. Na abertura, houve também o lançamento do livro sobre o tema. A mostra fica aberta ao público até o dia 16 de março, sempre de terça a domingo, das 10h às 18h. O valor da visitação é R$6 e R$3 (meia entrada).
Perfil | Jackson Lima
Um museu que é a cara do rio Bancário desde os 18 anos e atualmente aposentado, Antônio Jackson Borges Lima (67) nasceu na cidade de Igreja Nova, em Alagoas, e se considera um “vigilante do rio São Francisco”. Ele, que atualmente reside em Traipu (AL), às margens do Velho Chico, na região do Baixo São Francisco, é membro suplente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, representando o Poder Publico Municipal, e garante que sua relação intima com as águas franciscanas foi determinante para a criação do Museu Ambiental Casa do Velho Chico, iniciativa que ele mantém com esforço e determinação.
“A
lém de ser do Comitê há muitos anos, eu aprendi a amar o rio tomando banho e pescando no quintal da minha casa, desde criança. Lembro de um São Francisco que era farto”, Jackson Lima recorda com emoção. Ele enxerga no Comitê do São Francisco uma forma de estar colaborando para a minimização dos diversos impactos ambientais causados ao rio pela ação do homem, tais como assoreamento, bancos de areia, falta de peixes e as frequentes e prolongadas reduções de vazão. Também integrante da organização ambientalista Greenpeace há cerca de 20 anos, considera vital ter uma atuação em espaços que possibilitem refletir de forma consciente sobre o papel do homem perante o meio ambiente e o planeta. Ele garante que toda a discussão e o processo de mobilização em prol do bem comum são sempre válidos, mesmo quando envolvem questões polêmicas. “A transposição é um projeto preocupante do ponto de vista socioambiental, mas
Jackson Lima: projeto do museu teve origem na infância.
através dela o Brasil e o mundo voltaram os olhos para o Velho Chico, ainda que seja por causa das mobilizações contrárias à forma com que a obra foi concebida e está sendo executada”, observa. “A degradação do rio é o que mais me chama a atenção. Fico angustiado com essa situação e espero morrer antes dele (rio)”, observa. Um exemplo da sua relação com a história do Velho Chico se reflete no nome carinhoso que deu ao seu sitio, em Traipu, onde mora desde 1998: o "Rancho Opara".
Construção do museu A história de criação do Museu Ambiental Casa do Velho Chico vem de muito tempo. Desde menino, Jackson gostava de guardar peças que lembrassem o São Francisco, desde utensílios e equipamentos a objetos de uso doméstico, passando por recortes de jornais e embalagens de produtos. Em 2001, já com uma quantidade significativa de materiais guardados, resolveu fazer uma exposição, que logo de cara foi visitada por cerca de
seis mil pessoas. Nascia aí o museu e uma das maiores paixões de sua vida. “Vi que tinha nas mãos um patrimônio que não era só meu e pensei em criar algo permanente e itinerante”, lembra. Hoje, Jackson já perdeu a conta de quantos objetos tem em seu acervo, mas garante que a o museu reúne cerca de 30 painéis ilustrativos montados com diferentes materiais colhidos principalmente nas comunidades ribeirinhas, dos quais 18 tratam especificamente de questões ambientais, como garimpagem, depredação de nascentes, irrigação, saneamento básico, queimadas e poluição. Merece destaque no acervo uma canoa indígena, que é, na verdade, um tronco de árvore utilizado por índios que habitavam as margens do Velho Chico. Outro destaque é uma grafonola, aparelho de som que data do início do século XX, mas que funciona até hoje. Itinerante, o museu já percorreu diversos estados nordestinos. Atualmente, está na cidade de Pão de Açúcar (AL). A previsão é que, ainda no primeiro semestre de 2014 faça uma nova excursão pelo território sergipano, passando
por localidades como Aracaju, Propriá, Gararu, Porto da Folha e Nossa Senhora da Glória.
Encalhado na volta Jackson Lima acredita que uma situação ameaçadora para o rio é o assoreamento. “O rio está morrendo pela terra. Precisamos ter um olhar diferenciado inclusive para os rios intermitentes, porque eles levam toneladas de terras e pedras em períodos chuvosos para o São Francisco. Isso prejudica muito a navegação. Para se ter uma ideia, passei esses últimos cinco dias navegando no São Francisco e, agora, voltando para casa, fiquei encalhado e passei um transtorno até chegar ao sítio”, queixa-se. Ainda assim, Jackson acredita na possibilidade de dias melhores para o Velho Chico. É o que o faz persistir nos projetos em que se engaja a favor da revitalização e conservação da bacia do São Francisco, reservando parte do seu tempo para cuidar do museu, garantindo a memória do rio farto e próspero que nunca saiu de sua cabeça.
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Entrevista | João Abner
Transposição perpetua a indústria da seca O engenheiro civil, hidrólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN João Abner Guimarães Junior questiona, nesta entrevista exclusiva, os anunciados efeitos positivos da transposição do rio São Francisco, proposta e executada pelo governo federal. Abner aborda ainda os riscos da chamada “indústria da seca”, critica o alto orçamento das obras da transposição e desenha o cenário do Velho Chico diante das reduções de vazões e dos impactos ambientais.
O senhor foi um dos convidados especiais na última plenária do CBHSF, realizada em dezembro de 2013 em Pernambuco e, na oportunidade, classificou a transposição do rio São Francisco como uma obra “interminável” e que levará água a locais não tão necessários. Com base em que pode-se fazer essa afirmação? As obras da transposição seguem a lógica da velha política hidráulica que vem sendo desenvolvida no Nordeste desde o final do Império pelo Governo Federal, através do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – Dnocs, gerando o maior conjunto de açudes do mundo, principalmente na porção setentrional, acima do rio São Francisco, que detém uma capacidade de armazenamento de 35 bilhões de m³, 50% no Ceará, e uma grande infraestrutura ociosa de irrigação pública de 500 mil ha nessa região e na bacia do São Francisco. Os efeitos práticos na promoção do desenvolvimento regional a partir desses grandes projetos são frustrantes, inconclusos na grande maioria. A transposição, que vai bombear a água, sob condições extremamente desfavoráveis – grandes distâncias e desníveis elevados – para as maiores barragens da região, é uma continuidade desse projeto maior. Vale observar que, antes de atingir 50% do seu cronograma bastante atrasado, duplicando também o seu orçamento para mais de 8 bilhões de reais, o governo já anuncia obras complementares em todos os estados da região. A transposição tem o objetivo de ofertar água para 390 municípios de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Atualmente o São
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Francisco tem, de fato, a capacidade de mandar água para todos esses municípios sem que haja ameaça de impactos ambientais violentos? É um equívoco associar a transposição com o abastecimento humano no Nordeste, sendo este fato a maior fraude do projeto. A população efetivamente beneficiada não chega a 1/4 dos 12 milhões anunciados pelo governo federal. Em Pernambuco, os canais atravessam regiões despovoadas, e no Eixo Norte, com capacidade de ¾ de bombeamento do projeto, as águas escoarão nos maiores rios do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte, em grande parte já perenizados por grandes barragens. Atualmente, apesar da seca extrema, o consumo humano compromete menos de ¼ das vazões regularizadas nas maiores barragens que receberão as águas transpostas do São Francisco pelo Eixo Norte. Dessa forma, a grande maioria das pessoas diretamente beneficiadas pelo projeto de transposição se encontra na bacia do rio Paraíba atendida pelo Eixo Leste, onde se destaca o abastecimento da cidade de Campina Grande, a segunda maior da Paraíba, com 400 mil habitantes, e uma das maiores do interior do Nordeste. Orçadas inicialmente em cerca de R$ 5,5 bilhões, as obras de transposição já ultrapassam o valor de R$ 8,2 bilhões. O que justifica esse aumento? Não se justifica um aumento dessa ordem. Repetem-se, nesse caso, os mesmos vícios dos grandes projetos públicos de infraestrutura no país, devidos, principalmente, à inoperância ou conivência das instâncias de controle do poder público de obras dessa
natureza. Nesse caso, destacou-se um licenciamento hídrico e ambiental falho, fato esse amplamente denunciado, de tal forma que o projeto encontra-se até hoje sub-judice, aguardando julgamento de mérito no Supremo Tribunal Federal. Esse megaprojeto foi licitado no meio do governo Lula a partir de um projeto básico feito apressadamente no final do governo FHC. Passados cinco anos, manteve-se a mesma infraestrutura e não foram feitos os amplos estudos prospectivos necessários a um projeto executivo da complexidade e do porte da transposição. O fatiamento do projeto em um grande número de lotes praticamente eliminou a concorrência entre as maiores empreiteiras nacionais. O que significa a "indústria da seca" no contexto da transposição? A transposição é a perpetuação da malfadada “indústria das secas” no Nordeste, só que em grande escala, tendo como estratégia capturar vultosos recursos do Tesouro e vender falsas soluções, contando para isso com a conivência dos interesses políticos eleitorais subalternos. Observando as frequentes reduções de vazões, os bancos de areia, o assoreamento, o sumiço dos peixes e as dificuldades de navegação, sem falar da transposição, qual o cenário que se desenha para o Velho Chico? O futuro do Velho Chico encontra-se umbilicalmente ligado com a CHESF, que controla 80% das águas do rio,
e, portanto, o seu regime de fluxo depende diretamente do modelo de produção de energia do sistema. Ao longo dos últimos anos, o complexo energético do São Francisco vem passando de uma configuração de produção de energia de base para de ponta do sistema interligado nacional. Isso, na prática, deverá representar grandes oscilações de vazões diárias e também anuais, com reflexos na foz do rio, com todas as consequências nocivas já observadas. Cada vez mais o nível da barragem de Sobradinho vai oscilar, mesmo em anos de chuvas favoráveis. Evidentemente que esse regime será afetado pelos usos crescentes de água na bacia fora do setor elétrico, que terão que ser controlados pelo CBHSF, através de um pacto que se encontra ameaçado pela presença dos usuários externos descompromissados da transposição do São Francisco. O CBHSF é contra a forma com que algumas decisões são tomadas sem que haja a responsabilização pelos prejuízos sofridos pela população ribeirinha. Como o senhor vê a atuação do Comitê diante das frequentes reduções de vazões na bacia do Velho Chico? Como extremamente positiva. O Comitê está cumprindo bem o seu papel nesse caso, tendo, entretanto, como principal missão promover o pacto da bacia como um todo.