JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO JULHO 2014 | Nº 21
A ÚLTIMA CARGA DO RIO
A empresa pernambucana Icofort, a última a utilizar a hidrovia do rio São Francisco para transporte de produtos agrícolas, decidiu suspender, temporariamente, as atividades no modal. A empresa justifica que o Velho Chico chegou ao limite de sua navegabilidade por força do assoreamento e da baixa de vazão praticada atualmente por decisão governamental.
MÉTRICA SOCIAL MOTIVA ENCONTRO
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ACADEMIA DISCUTE O VELHO CHICO
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EDITORIAL
PARADA OBRIGATÓRIA
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esde que teve sua navegação iniciada nos idos do século XVI, por iniciativa do governador geral do Brasil, Thomé de Souza, o rio São Francisco nunca viveu uma crise em sua navegabilidade como a que ocorre agora. Refletindo diretamente a situação crítica enfrentada pelo Velho Chico, a Icofort, empresa especializada no transporte de caroço de algodão e a última a utilizar o São Francisco como hidrovia para escoamento da produção agrícola, resolveu suspender temporariamente suas atividades. A falta de navegabilidade do rio vinha interferindo seriamente nos negócios da empresa, sendo provocada pelo assoreamento das águas do rio e a baixa de vazão. O assunto vem à tona nesta edição do Notícias do São Francisco, que, em outras matérias da pauta, evidencia a problemática na bacia. O tema foi discutido, por exemplo, pelos indígenas reunidos em Porto Seguro (BA), no mês de julho, em torno do III Encontro de Povos Indígenas da Bacia do Rio São Francisco e pautou, ainda que de maneira transversal, a Oficina de Desenvolvimento de Métrica Social, realizada também em julho, em Belo Horizonte (MG). O jornal traz ainda uma matéria sobre 1ª Reunião das Instituições Técnicas e de Ensino Superior da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, a realizar-se em agosto na cidade de Maceió; e apresenta uma entrevista com a promotora Allana Rachel Costa, do Ministério Público de Sergipe (MP/SE), que começou um trabalho de incentivo para transformar proprietários de terras próximas à bacia do rio São Francisco, nos municípios sergipanos, em produtores de água.
Na ANA, discussão sobre metodologia aplicada para definir vazão
CBHSF QUESTIONA PARÂMETROS PARA REDUÇÃO DE VAZÃO DO VELHO CHICO
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metodologia aplicada pelo setor elétrico para definir o volume de água liberado a jusante de Sobradinho, no rio São Francisco, recebeu questionamentos apresentados pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) durante reunião de avaliação dos relatórios do setor elétrico, na sede da Agência Nacional de Águas (ANA), em Brasília, no último dia 16 de julho. O consultor contratado pelo CBHSF, Rodolpho Ramina, requereu clareza por parte do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) sobre parâmetros utilizados para definir o
volume em 25%, abaixo do qual o nível do reservatório de Sobradinho deve ser considerado crítico. O presidente da ANA, Vicente Andreu Guillo, explicou que os dados constam nos relatórios disponibilizados no endereço eletrônico da própria agência na internet. Guillo ainda admitiu a possibilidade de alterar tal metodologia. Durante o encontro, o representante do ONS anunciou que iria requerer a manutenção do nível atual de defluência do rio, de 1.100 m³ por segundo, para o mês de agosto. “Estamos aqui na condição de observador, mas não referendamos esse pedido”, alertou o presi-
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dente do CBHSF, Anivaldo Miranda. Considerado o maior produtor de sementes do país, o Projeto Jaíba também foi tema de pauta da reunião na capital federal. O agrônomo Eduardo César Rebelo relatou a grande dificuldade enfrentada pelo projeto no Alto São Francisco. O motivo, de acordo com o profissional, está no nível atual do reservatório de Três Marias, fixado em 200m³/s. “As lavouras estão acabando”, apelou Rebelo. Diante do relato de dificuldades, ficou definido que será realizado um trabalho de dragagem para permitir a captação de água para o projeto.
Coordenação geral: Malu Follador Projeto gráfico e diagramação: CDLJ Publicidade Edição: Antonio Moreno Textos: Antônio Moreno, Ricardo Coelho, Delane Barros, André Santana e Wilton Mercês. Fotos: Ricardo Coelho, Delane Barros, André Santana e Wilton Mercês. Este jornal é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 — Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010— Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.
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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
Durante encontro, público conheceu experiências de avaliação de indicadores.
OFICINA DISCUTECOMO MELHORAR RESULTADOS DASAÇÕESNO VELHO CHICO OFICINA DE DESENVOLVIMENTO DE MÉTRICA SOCIAL, REALIZADA EM BELO HORIZONTE, APONTA CAMINHOS PARA QUE AS AÇÕES DO CBHSF POSSAM TER RESULTADOS MAIS BALIZADOS E EFETIVOS NO QUE QUEREM ALCANÇAR EM PROL DA BACIA DO SÃO FRANCISCO.
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aímos daqui ricos em informação. Foram apontados vários caminhos, por especialistas aqui presentes, que nos deram base conceitual e teórica para que possamos dar o próximo passo acerca de nossas ações”, disse Patrícia Boson, membro da Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos – CTPPP do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco ao final da Oficina de Desenvolvimento de Métrica Social, realizada de maneira inédita pela instituição no último dia 22 de julho, na cidade de Belo Horizonte (MG). Na teoria, as métricas sociais são utilizadas para mensurar e explicar fenômenos, diagnosticar causas, compartilhar descobertas e projetar os resultados de ações futuras. Na prática, o termo será empregado, no caso do CBHSF, para todas essas perspectivas e também
para identificar os indicadores – critérios – que possivelmente nortearão o Comitê no melhoramento do desempenho no processo de tomada de decisão na aplicação dos recursos da cobrança pelo uso da água e a sua efetividade quanto à melhoria da qualidade e quantidade da água, bem como no envolvimento dos membros dentro da gestão da entidade. “Pesquisadores trouxeram para a discussão suas experiências como avalistas de indicadores e também como desenvolvedores científico-tecnológicos de métrica social”, completou Boson. O professor da Fundação Getúlio Vargas – FGV, Fernando Abrucio, foi um dos estudiosos convidados pelo CBHSF. Segundo ele, a presença de indicadores proporcionará subsídios para aumentar os canais de participação social dos CBHs, legitimando, assim, a discussão, além de fortalecer o papel desses comitês frente às
demandas de políticas públicas. “É preciso ter gestão profissionalizada que envolva mecanismos técnicos da gestão de recursos hídricos. Comitê de bacia, sozinho, não mudará o problema de planejamento atual que afeta o sistema. É necessário atrair a sociedade e os governos, seja ele municipal, estadual ou federal, por meio de instrumentos de gestão por resultados. Ou seja, priorizar esses resultados em todas as ações do comitê, e saber o que fazer com eles. Os comitês precisam falar para a sociedade”, explanou.
INDICADORES Outro palestrante convidado, o engenheiro hidrólogo Antônio Eduardo Lanna, teórico e consultor da área de recursos hídricos, reforçou a importância desses indicadores para o CBHSF. “Sou favorável a indicadores simples e diretos, que digam respeito a segurança hídrica. Se, de fato, está tendo água em qualidade e quantidade correta. Nem para mais (cheia) e nem para menos (escassez). Esses indicadores já estão prontos e serão importantes para o acompanhamento da atualização do plano de recur-
sos hídricos da bacia do Velho Chico”, expressou. Na oportunidade, o engenheiro ainda lembrou que o comitê precisa se ater ao seu real papel de funcionamento, que é deliberativo, de consenso e de compromissos. “As necessidades técnicas cabem à sua agência de águas, neste caso, a AGB Peixe Vivo”, completou. A coordenadora do projeto de comunicação do CBHSF, Malu Follador, também foi uma das debatedoras do evento. Segundo ela, o planejamento é determinante para guiar as ações do comitê. “A comunicação como instrumento-meio, aliada à mobilização social, será capaz de promover uma efetiva participação social”, destacou. O próximo passo será discutir na CTPPP a possibilidade de contratação de um grupo de pesquisadores para que possa desenvolver esses indicadores de sucesso ou até mesmo utilizar o que foram apresentados na Oficina de Métrica Social. “Antes de tudo isso, precisamos responder dentro do CBHSF à seguinte pergunta: O que estamos querendo medir?”, indagou Patrícia Boson.
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A ICOFORT, EMPRESA ESPECIALIZADA NO TRANSPORTE DE CAROÇO DE ALGODÃO E A ÚLTIMA A UTILIZAR O SÃO FRANCISCO COMO HIDROVIA PARA ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA, RESOLVEU SUSPENDER TEMPORARIAMENTE SUAS ATIVIDADES. MOTIVO: A FALTA DE NAVEGABILIDADE DO RIO, PROVOCADA PELO ASSOREAMENTO E A BAIXA DE VAZÃO.
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promessa virou uma triste realidade: em meados de julho, a empresa pernambucana Icofort, a última a utilizar a hidrovia do rio São Francisco para transporte de produtos agrícolas (no caso, o caroço do algodão), decidiu suspender, temporariamente, as atividades no modal. A justificativa da empresa é que o Velho Chico chegou ao limite da navegabilidade por força do assoreamento, bem como da vazão praticada atualmente de 1.100 m³ por segundo. Conforme avisa o diretor de Logística da Icofort, Marcelo Flávio Antunes Teixeira, o impacto da medida será imediato. “Toda a nossa produção passará a ser escoada por via terrestre, representando aumento de danos ao meio ambiente, necessidade de investimentos das rodovias, maior risco de acidentes, sem falar no custo, que irá onerar o produto final entre 20% e 30%”, explica ele, lembrando do impacto social, pois pelo menos 50 traba-
NAVEGAÇÃO INTERROMPIDA lhadores serão desligados de suas funções. A suspensão temporária das atividades da Icofort foi lamentada pelo presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda. “Nas reuniões das quais participamos na sede da Agência Nacional de Águas
[ANA] para debater a apresentação dos relatórios de acompanhamento do setor elétrico, temos alertado sempre para a realidade do rio, de que ele está morrendo. É um paciente na UTI, que precisa de sangue e ainda lhe tiram o pouco que resta”, compara Miranda. Miranda voltou a cobrar do se-
TEMOS ALERTADO SEMPRE PARA A REALIDADE DO RIO, DE QUE ELE ESTÁ MORRENDO. É UM PACIENTE NA UTI, QUE PRECISA DE SANGUE E AINDA LHE TIRAM O POUCO QUE RESTA ANIVALDO MIRANDA
tor elétrico compensações para os usuários que estão sendo duramente prejudicados com as vazões reduzidas. Ele também se manifestou contrário à ideia aventada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico(NOS), durante a última reunião realizada na ANA de se praticar a defluência de 900m³/s. O presidente alertou que tal medida necessitaria de estudo de avaliação de impacto ambiental e outorga especial da diretoria da ANA para ser praticada, mesmo que limitada aos períodos chamados de “carga leve”, ou seja, de zero hora às 7h e aos sábados e domingos.
DRAGAGEM INSUFICIENTE A interrupção das atividades da Icofort no São Francisco estava sendo ventilada desde janeiro, mas a decisão foi postergada devido à interferência do governo federal. Através do Ministério dos Transportes, com o apoio do Ministério da Integração, iniciou-se o trabalho de dragagem no leito do rio, na região
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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
CURTAS de Juazeiro (BA). Mas nem isso conseguiu interromper o processo de assoreamento e as consequências da baixa de vazão. A suspensão temporária das atividades da hidrovia representa uma ameaça ao governo federal, pois, caso os trabalhos sejam suspensos definitivamente, serão necessários altos investimentos para devolver a normalidade a esse modal. De acordo com estimativas da própria Icofort, pelo menos R$ 50 milhões precisarão ser investidos. O alto valor se deve à necessidade de construção de novos estaleiros, de novas barcaças e empurradores, equipamentos essenciais para o funcionamento de grandes estruturas para transporte de produtos em grande escala. “Ainda iremos manter uma estrutura mínima de operação, enquanto acontece
a dragagem do rio São Francisco. Depois disso, avaliaremos a viabilidade ou não. Caso seja possível, deveremos retomar as atividades em janeiro”, estima Marcelo Flávio Antunes Teixeira. Apesar disso, ele se mostra pouco confiante. Primeiro, segundo ele, pelo fato de a prioridade do governo federal ser a geração de energia, na contramão da legislação, que determina atenção primordial ao abastecimento humano e o respeito aos usos múltiplos das águas. Outro fato desanimador é a ausência de chuvas. Atualmente, devido à defluência praticada de 1.100m³/s, o nível da represa de Sobradinho está em 45%, com uma baixa diária de 0,2%. De acordo com cálculos de técnicos da própria empresa, se não chover até o início de novembro esse nível estará entre 20% e 25%.
A HIDROVIA E SEUS DESBRAVADORES Coube a Francisco Bruzza de Espiñosa, sob ordens do então governador geral do Brasil, Tomé de Souza, aventurar-se pela primeira vez pelo rio São Francisco. Esta foi a primeira viagem no Velho Chico que se tem notícia, apesar de o rio ser velho conhecido dos índios que habitavam as suas margens e que se utilizavam de canoas como meio de transporte e para a pesca. Na medida em que progredia a conquista do litoral e posteriormente dos sertões por homens brancos e mestiços que implantavam as atividades agropecuárias na região, crescia a necessidade de se ter uma via de transporte menos trabalhosa e arriscada que os caminhos terrestres. Foi assim que, no século XVII, os colonizadores passaram a compartilhar o tráfego fluvial com os indígenas. Muitos destes já haviam tido longos contatos com os europeus, o que propiciou a divulgação de conhecimentos desenvolvidos sobre a arte de navegar, dando forte impulso à navegação no médio São Francisco. Os indígenas, porém, não se interessavam pelo transporte de carga. Foi a partir do homem civilizado
que surgiram as embarcações de maior capacidade, destinadas ao transporte de cargas. Primeiro vieram os ajoulos, formados pela junção de duas ou mais canoas, suportando um estrado de madeira, sobre o qual se arrumavam as mercadorias. Depois apareceram as balsas e as próprias canoas melhoraram sensivelmente suas estruturas, oferecendo maior segurança e melhor conforto. As embarcações de maior porte, conhecidas no rio São Francisco pela denominação de barcas, somente surgiram em fins do século XVIII. No final do século XIX, iniciou-se a navegação a vapor no Velho Chico. A primeira iniciativa surgiu no estado de Minas Gerais. O vapor “Saldanha Marinho” foi adquirido e montado em Sabará (MG) e, em março de 1869, realizou sua primeira viagem experimental nas águas do rio das Velhas, afluente do São Francisco. Em fevereiro de 1871, ele entrava como pioneiro no rio São Francisco, cursando suas águas no trecho entre a barra do rio das Velhas, até a vila da Boa Vista, situada abaixo de Juazeiro, na Bahia.
Campanha em 2015 Grande sucesso nas redes sociais e na mídia de todo o país a Campanha Nacional em Defesa do Velho Chico, ocorrida no dia 3 de junho, terá maior investimento no próximo ano. Reunida no ultimo mês de julho, em Alagoas, a Diretoria Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco iniciou a discussão com o intuito de ampliar o investimento na campanha do próximo ano, mediante possíveis remanejamentos de rubricas no Plano de Aplicação Plurianual - PAP 2013/2015. O assunto terá discussão mais aprofundada em próximos encontros da Direc. Em seu primeiro ano de realização, a campanha mostrou números surpreendentes, como, por exemplo, um alcance diário de mais de 500 mil pessoas no facebook.
Saneamento básico Em paralelo aos projetos hidroambientais, o CBHSF está aplicando recursos da cobrança na elaboração de planos de saneamento básico de municípios são-franciscanos. Ao todo, 19 cidades distribuídas pelos estados que compõem a bacia (MG, BA, PE, AL e SE) já iniciaram os serviços, que terão duração aproximada de 10 meses. A seleção e escolha dos municípios basearam-se em critérios definidos pelo CBHSF, fundamentando-se no baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e na pouca disponibilidade hídrica dos municípios. O valor global investido pelo CBHSF nesses municípios será de R$ 4 milhões.
Obras I O Comitê do São Francisco iniciou no final do mês de julho mais uma obra de recuperação hidroambiental. As intervenções técnicas estão acontecendo na comunidade de Palmital, localizada na cidade de Bocaíuva (MG), no Alto São Francisco. Com recursos da cobrança pelo uso da água, o comitê investirá cerca de R$700 mil para melhoria das águas da bacia do rio Guavanipan, importante afluente do Velho Chico. Os serviços terão duração de 20 meses.
Obras II Outras três obras de mesma linha serão realizadas em municípios dos estados de Minas Gerais e Alagoas. As cidades de Divinópolis (MG), Lagoa da Prata (MG) e Junqueiro (AL) foram contempladas com serviços ambientais que priorizam a recuperação das águas de importantes mananciais, a exemplo dos rios Jacaré (Lagoa da Prata), Itapecirica (Divinópolis) e Riachão (Junqueiro). Os investimentos totais chegam a R$ 1,7 milhões.
Preparação do Encob O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, participou, entre os dias 5 e 8 de agosto, na cidade de São Pedro da Aldeia (RJ), de mais uma rodada de reunião para a preparação do XVI Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas – ENCOB, a ser realizado entre os 23 e 28 de novembro na capital alagoana, Maceió. O CBHSF é um dos organizadores do evento juntamente com outras entidades do setor de recursos hídricos. Além de Anivaldo Miranda, o membro da CTIL do CBHSF Marcelo Ribeiro também esteve presente à reunião.
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PERFIL
YSSÔ TRUKÁ
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oda sociedade precisa entender que, assim como precisamos viver, precisamos garantir o rio São Francisco vivo para ele nos dar vida”. Esse foi um dos alertas ouvidos pelos participantes do III Seminário dos Povos Indígenas da Bacia do Rio São Francisco, realizado em julho na Aldeia Pataxó Barra Velha, Porto Seguro. A voz desse clamor pertence a Ailson dos Santos, o cacique Yssô Truká, que integra o Conselho de Anciões da Aldeia Truká Tapera, na Ilha de São Félix, município de Orocó, Pernambuco, no Sub Médio São Francisco. Nascido em 1960, na pequena Ilha da Onça, porção de apenas um hectare no leito do rio São Francisco, em Cabrobó (PE), Yssô transformou seu amor pelo rio em motivação pela salvação do Velho Chico. “Minha relação com São Francisco é de pai para filho. Eu preciso zelar pelo meu pai. Os braços do rio são as veias que correm no meu corpo, em cada uma delas corre a vida, que são suas águas”, afirma o cacique com os olhos marejados. Há dez anos, Yssô participou das discussões que culminaram na criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, sendo o primeiro representante das comunidades indígenas. “Peregrinamos por toda a extensão do rio e denunciamos a grave situação. Geramos um diagnóstico e entregamos ao Governo. Estava nascendo naquele momento algo que garantiria a vida do rio”, afirma o índio, lembrando que “o CBHSF é uma conquista social, um espaço político de discussão sobre a situação do rio”.
ÍNDIOS QUEREM AÇÕES CONCRETAS SEMINÁRIO REUNIU CERCA DE 200 LIDERANÇAS NA ALDEIA BARRA VELHA PATAXÓ, EM PORTO SEGURO, E TEVE COMO PRINCIPAL TEMA OS IMPACTOS DA DEGRADAÇÃO SOFRIDA PELO VELHO CHICO NA PERSPECTIVA DOS POVOS INDÍGENAS LOCALIZADOS NA BACIA.
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aputá Tometõ Taputari. Bem-vindo, parente, escrito em língua patxôhã em uma faixa na Escola da Aldeia Pataxó Barra Velha, em Porto Seguro, já revelava a alegria dos índios pataxós em receber em suas terras representantes de comunidades indígenas de outras regiões do Brasil, especialmente dos estados banhados pelo rio São Francisco. O III Seminário Indígena da Bacia do Rio São Francisco aconteceu entre 18 e 20 de julho, com cerca de 200 índios, entre caciques e jovens lideranças. A pauta principal foram os impactos da degradação do Velho Chico no cotidiano dos povos indígenas. “Nós, indígenas, temos uma relação primeiramente espiritual com o rio São Francisco, é parte da nossa cultura e da nossa identidade. Do rio também tiramos nossa subsistência. A preservação do rio é fundamental para a preservação das comunidades indígenas”, destacou Uilton Tuxá, cacique da aldeia Tuxá, de Rodelas,
Bahia, e coordenador da Câmara Consultiva do Submédio São Francisco. Durante o seminário, os representantes puderam expor a realidade de devastação de cada região da bacia. Bartolomeu Pereira dos Santos, o Tambakuí, 62 anos, da comunidade Tuxá de Pirapora, Minas Gerais, é marinheiro aposentado e navegou por mais de 30 anos no Velho Chico. “Percorremos muito o rio entre Juazeiro e Pirapora, em vapor de 47 m. Hoje, só dá para ir de Juazeiro a Ibotirama. A situação está crítica, o rio está em estado de calamidade”.
INTERESSE MAIOR “É muito bom ver as comunidades indígenas reunidas com interesses coletivos acima dos individuais, expondo suas realidades e focando na luta que une as diversas comunidades”, destacou Cícero Marinheiro, 53 anos, da tribo Tumbalalá, comunidade localizada entre os municípios de Abaré e Curaçá, no norte da Bahia. Com as lembran-
ças de quem também já percorreu muito as águas do Velho Chico, ele faz um alerta: “A situação é muito grave. Quando eu era criança, o rio era farto em muitas espécies de peixes e plantas medicinais. Hoje não há mais plantio de vazante, de subsistência. Com as barragens que controlam o volume de água, as comunidades não têm mais uma época certa de cheia. Os índios tiveram que procurar outros serviços para sobreviver”, revelou. O seminário serviu para a troca de experiências e de informações e para levantar uma série de proposta de políticas públicas que podem ser encaminhadas pelo CBHSF para os órgãos e instituições responsáveis. Entre as propostas levantadas estão: indicação ao Comitê para dialogar com o Ministério da Educação, no sentido de incluir na grade escolar o tema da educação ambiental; aprovação de projetos do CBHSF para recuperação de matas ciliares em áreas de proteção indígena; solicitação que o Comitê oficialize as denúncias de degradação do rio no Ministério Público e na Justiça; e solicitação à Agência Nacional das Águas (ANA) para inserção de outorga do uso da água do Velho Chico para as comunidades indígenas da bacia.
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NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
ENCONTROACADÊMICODISCUTE SITUAÇÃODOVELHOCHICO
FLUVIAIS
REPRESENTANTES DAS UNIVERSIDADES LOCALIZADAS NOS ESTADOS DA BACIA SE REÚNEM EM MACEIÓ PARA DISCUTIR A PROMOÇÃO DE AÇÕES VOLTADAS PARA A PRESERVAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO.
Miss São Francisco
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Representantes do CBHSF discutem sua participação no encontro
programação do Congresso Acadêmico Integrado de Inovação e Tecnologia (Caiite), que será realizado entre os dias 18 e 23 de agosto, em Maceió (AL), está praticamente definida. O evento, promovido pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), terá a participação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Durante a programação, a ser realizada no Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso, acontecerá uma rodada de debates com as universidades inseridas na bacia do Velho Chico. O encontro se reveste de importância pelo fato de que será uma oportunidade, de acordo com o presidente do Comitê, Anivaldo Miranda, para se buscar, junto à Academia, o desenvolvimento de estudos e projetos de pesquisa e extensão, com o objetivo de promoção de ações voltadas para a preservação da bacia do São Francisco. Miranda reforça que é papel do Comitê articular todos os segmentos da sociedade civil, dos usuários da água e do poder público em prol da gestão dos recursos hídricos e do desenvolvimento sustentável na bacia do São Francisco. O presidente do colegiado antecipa suas expectativas quanto ao resultado esperado do encontro. “Como as universidades e centros de pesquisa compõem um desses segmentos, esperamos que a Academia possa contribuir
em duas frentes fundamentais: a pesquisa e o suporte técnico e científico para a solução de alguns dos principais conflitos pelo uso da água; as atividades de extensão, que possam ampliar a conscientização ambiental das populações ribeirinhas", afirma.
COMUNIDADE PODE PARTICIPAR As principais instituições de ensino superior que estão na bacia hidrográfica do rio São Francisco são a Universidade Federal de Alagoas (Ufal); Universidade Federal de Sergipe (UFS); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE); Universidade Federal da Bahia (Ufba); Universidade Federal do Oeste Baiano; Instituto Federal de Alagoas (Ifal); Instituto Federal de Sergipe (IFS); e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O coordenador da Câmara Consultiva Regional do Baixo São Francisco (CCR Baixo), Melchior Carlos do Nascimento, observa que pretende ampliar a participação de instituições de ensino na programação do Caiite, nessa interação com o CBHSF. “A Universidade Estadual de Alagoas também participa do Comitê e trabalharemos para envolver as demais instituições em atividade no nosso Estado”, promete Melchior, que também é professor da Ufal.
Em defesa das nascentes foi o tema eleito para este ano no concurso Miss Terra Brasil 2014. O evento, que acontece no dia 22 de agosto na cidade de Divinópolis (MG), já é tradicional na região e reúne candidatas de várias partes do estado de Minas Gerais. O tema foi escolhido tendo em vista o cenário de estiagem que atualmente afeta todo o país, principalmente o rio São Francisco. De acordo com os organizadores do evento, a ideia é que as candidatas a Miss Terra Brasil disseminem reflexões sobre a importância das questões ambientais e da responsabilidade socioambiental.
Corrida no Vale Acontece no dia 7 de setembro, no município pernambucano de Lagoa Grande, a IV Edição do Wine Run Brasil. Trata-se de uma maratona de 21 km extensão às margens do rio São Francisco com duração de, no máximo, quatro horas, tendo como território a região dos vinhedos, no Vale do São Francisco - que é um dos maiores produtores de vinhos no Brasil. A largada está prevista para as 8 horas, na Fazenda Rio Sol. O evento, organizado pela Caixa Econômica Federal, em parceria com outras instituições, oferece, ainda, traslados gratuitos das cidades de Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, até o local da corrida. Informações: www.winerun.com.br
Pescadores do Velho Chico recebem embarcações modernas Mais de 80 canoas de alumínio foram entregues para pescadores nas cidades baianas de Xique-Xique, Muquém do São Francisco e Barra. A ideia é substituir embarcações antigas por barcos mais leves e seguros e que propiciem mais conforto aos pescadores, contribuindo, assim, para o aumento da produção e renda. “Até o momento já distribuímos 300 embarcação e até o final do ano o objetivo é entregar 800 em todo o estado”, afirma o diretor-técnico da Bahia Pesca, Gilvan Lima, um dos responsáveis pela ação.
Pedalando no São Francisco Um grupo de quatro ciclistas de Brasília está se preparando para percorrer o rio São Francisco em toda a sua extensão, da nascente em Minas Gerais à foz na divisa entre os estados de Alagoas e Sergipe. A expedição, prevista para ser iniciada em 2015, tem o objetivo de conhecer de perto a realidade das comunidades ribeirinhas do Velho Chico. Serão percorridos 2,6 mil quilômetros, em 42 dias. O desafio será dividido em duas etapas: a primeira em 2015 e a segunda no ano seguinte. O grupo tem um passado aventureiro, inclusive internacional. Já percorreu, por exemplo, o caminho de São Tiago de Compostela, na Espanha, e uma boa parte do território da Patagônia, na Argentina, além de alguns pontos tradicionais no Brasil.
8 ALLANA RACHEL MONTEIRO BATISTA SOARES
MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE QUER PROTEGER NASCENTES DO SÃO FRANCISCO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE (MP/SE) COMEÇOU UM TRABALHO DE INCENTIVO NOS MUNICÍPIOS SERGIPANOS PARA TRANSFORMAR PROPRIETÁRIOS DE TERRAS PRÓXIMAS À BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO EM PRODUTORES DE ÁGUA. COM ISSO, QUEM TRABALHAR COM O OBJETIVO DE PROTEGER E PRESERVAR AS NASCENTES DEVERÁ SER REMUNERADO PELA INICIATIVA. NESTA ENTREVISTA, A PROMOTORA ALLANA RACHEL MONTEIRO BATISTA SOARES COSTA, QUE RESPONDE PELO NÚCLEO DE APOIO OPERACIONAL ÀS PROMOTORIAS DO RIO SÃO FRANCISCO, EXPLICA COMO VEM REALIZANDO SEU TRABALHO EM DEFESA DO VELHO CHICO.
O que motivou o Ministério Público de Sergipe a entrar nesse trabalho de proteção e manutenção de nascentes do Velho Chico? A Constituição Federal atribui legitimação ao Ministério Público para a defesa do meio ambiente, sendo de fundamental importância o nosso envolvimento ativo em tais questões, fomentando a instituição de uma política pública de longo prazo capaz de reverter o quadro de degradação ambiental nas propriedades rurais, estimulando a sua conservação e do meio ambiente. Desde que assumi a direção do Centro de Apoio ao Rio São Francisco e às Nascentes no MP/ SE analisei trabalhos desenvolvidos nessa área. Então, elaboramos o Projeto Nascentes do São Francisco, que visa recuperar e preservar nascentes, trabalhando os rios afluentes do São Francisco, com base no pagamento por serviços ambientais. Como é desenvolvido o projeto? Ele é traçado em dois eixos, trabalhados concomitantemente. O primeiro é a implantação de uma rede de meio ambiente ativa nos municípios, através da conscientização por meio da realização de audiências públicas com os prefeitos e presidentes das Câmaras de Vereadores em conjunto com as promotorias de Justiça, a fim de realizar um diagnóstico da estruturação técnica, jurídica e financeira dos órgãos e entidades públicas dos municípios. O segundo eixo é o desenvolvimento do projeto-piloto Nascentes do São Francisco por inteiro na cidade de Canindé do São Francisco, para servir como modelo para os demais municípios sergipanos que integram o Baixo São Francisco. Encerrada a etapa de elaboração das legislações municipais que tenham o objetivo de pagar aos futuros "produtores de água", qual o próximo passo? A criação pelo Poder Executivo de decreto regulamentar que estabe-
lecerá o termo inicial para o pagamento por Serviços Ambientais, com a consequente assinatura do Termo de Concordância e Compromisso, que possuirá como metas: a adoção de práticas conservacionistas de solo, com finalidade de abatimento efetivo da erosão e da sedimentação; implantação e manutenção das APPs [Áreas de Preservação Permanente] e da Reserva Legal. Buscamos a implantação desse modelo por verificarmos que, muitas vezes, o baixo sucesso de projetos de recuperação e preservação de mananciais apenas com doação de mudas e instalação de cercas se deve ao fato de impedirem o proprietário rural de utilização das áreas mais nobres de sua propriedade, que são os entornos dos rios, sem que houvesse qualquer contraprestação por isso. O projeto será inscrito junto à ANA. Qual a finalidade e o resultado esperado? A finalidade é a obtenção de apoio técnico e financeiro da Agência Nacional de Águas ao projeto. A ANA possui o programa Produtor de Água, que segue a mesma linha do nosso projeto.
É IMPORTANTE FOMENTAR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE LONGO PRAZO CAPAZ DE REVERTER O QUADRO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NAS PROPRIEDADES RURAIS.
Até que ponto o CBHSF pode contribuir para o êxito do projeto? Como um dos objetivos do CBHSF é implementar política de recursos hídricos em toda a bacia do rio São Francisco, articulando a atuação das entidades intervenientes e deliberando sobre as prioridades de aplicação de recursos oriundos da cobrança pelo uso da água, o Comitê seria um excelente parceiro, podendo contribuir como financiador do pagamento por serviços ambientais já que os demais municípios sergipanos que compõem o Baixo São Francisco são extremamente pobres, o que dificulta a expansão do projeto. O órgão pretende, também, buscar a aprovação do projeto de lei que tramita na Câmara Federal há 7 anos e trata da temática de preservação de nascentes? Os municípios têm autonomia legislativa e administrativa garantida pela Constituição Federal para criar e implantar um programa de pagamento por serviços ambientais (PSA). É claro que, se o PL 792/2007 que tramita da Câmara dos Deputados for aprovado, o trabalho desenvolvido pelo Projeto Nascentes do São Francisco terá ainda maior legitimidade. A senhora confirmou que pretende participar das reuniões da CCR do Baixo São Francisco. Seu objetivo é se integrar mais às ações do colegiado? Sim. Como exerço no MP a direção do Centro de Apoio ao Rio São Francisco, cujas funções são proteger e revitalizar o rio São Francisco, além de prestar apoio às Promotorias de Justiça com atuação no Baixo São Francisco, e como o Comitê é um órgão colegiado, com atribuição de promover o debate de questões relacionadas a recursos hídricos da bacia do São Francisco, acompanhar essas discussões e propostas de soluções para as problemáticas enfrentadas pelo rio é de suma importância.