JORNAL DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO MAIO 2015 | Nº 30
DIFÍCIL
TRAVESSIA Nos dias 21 e 22 de maio, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco realiza em Petrolina/ PE a sua XXVII Plenária Ordinária, que terá como tema central “Crise hídrica: a difícil travessia de 2015"
Mancha negra impacta o São Francisco Páginas 4 e 5
Indígenas e quilombolas discutem o Plano de Bacia Página 7
2 Foto: Almacks Luís
EDITORIAL CRISE HÍDRICA
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esta edição, o jornal Notícias do São Francisco abre espaço para a XXVII Reunião Plenária Ordinária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, que acontece nos dias 21 e 22 de maio na cidade pernambucana de Petrolina. Durante dois dias, entre palestras, apresentações e painéis, os 62 membros do CBHSF colocam em debate o tema central proposto para o encontro: “Crise hídrica: a difícil travessia de 2015”. O objetivo é aprofundar as discussões sobre o acirramento da grave situação hídrica do país, neste ano, que atingiu não apenas o Nordeste, como de costume, mas também as regiões Sul e Sudeste do país. Estão previstas ainda, durante a plenária, apresentações das ações realizadas pelas quatro Câmaras Consultivas Regionais (CCRs) do Comitê do São Francisco, análise do processo de atualização do Plano de Recursos Hídricos da bacia do rio São Francisco, discussão sobre a segunda edição da campanha do Dia Nacional em Defesa do Velho Chico (3 de junho), e debates sobre os efeitos da estiagem no âmbito da bacia hidrográfica. Outro assunto em destaque no jornal diz respeito à grande mancha negra que apareceu no Baixo São Francisco, assustando ribeirinhos e dificultando o fornecimento de água para as comunidades locais. O CBHSF, colaborando para a busca de solução, acompanhou de perto o problema, causado, segundo análises feitas por ambientalistas, pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco–Chesf.
Os planos de saneamento representam menos impacto ambiental e mais saúde para a população
COMITÊ ELABORA PLANOS DE SANEAMENTO PARA MUNICÍPIOS DA BACIA
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ontinua a todo vapor o diálogo entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e prefeituras de municípios da bacia com vistas à construção de Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs), iniciativa que o comitê levará para 25 cidades são-franciscanas, com investimentos de mais de R$ 6 milhões, vindos da cobrança pelo uso das águas do rio. Em abril, aconteceram audiências públicas nas cidades pernambucanas do Submédio São Francisco: Pesqueira (22/04), Afogados de Ingazeira (23/04) e Flores (24/04), além de uma nova rodada de encontros com as prefeituras de Mi-
rangaba, Miguel Calmon, Jacobina e Barra do Mendes, todas na Bahia. “Foi um encontro muito proveitoso, onde a comunidade pode tirar dúvidas e apresentar demandas da região, além de ouvir os diagnósticos levantados pela empresa”, explica o agrônomo e produtor rural Jonas Brito, que participou da audiência pública em Pesqueira, coordenado pela empresa Instituto Gesois, responsável também pelos planos de saneamento das cidades pernambucanas e outras no Baixo São Francisco: Belo Monte, Feira Grande, Igreja Nova e Traipu (AL); e Ilha das Flores, Propriá e Telha (SE). O encontro com as cidades baianas aconteceu dia 17 de abril, em
Jacobina, quando houve um seminário de nivelamento sobre o que é – e para que serve – um Plano de Saneamento Básico. Na Bahia, os PMSBs estão sob responsabilidade da empresa Gerentec Ltda., tendo à frente o engenheiro Antônio Eduardo Giansante. Os Planos de Saneamento Básico representam um conjunto de estudos para averiguar e propor soluções para os problemas de saneamento básico nos municípios, abordando quatro temas: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, resíduos sólidos (lixo) e drenagem de águas pluviais (água de chuvas).
Produzido pela Assessoria de Comunicação do CBHSF
Coordenação geral: Malu Follador Projeto gráfico e diagramação: Yayá Comunicação Integrada Edição: Antônio Moreno Textos: Ricardo Follador, André Santana, Delane Barros, Antônio Moreno e Wilton Mercês
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Este jornal é um produto do Programa de Comunicação do CBHSF Contrato nº 07/2012 — Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010— Ato Convocatório nº 043/2011. Direitos Reservados. Permitido o uso das informações desde que citada a fonte.
3 Foto: Regina Lima
NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
Próxima plenária ordinária do CBHSF acontecerá nos dias 21 e 22 de maio, em Petrolina (PE)
PLENÁRIA DO CBHSF DEBATE O SÃO FRANCISCO O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO REALIZA, NO MUNICÍPIO PERNAMBUCANO DE PETROLINA, NOS DIAS 21 E 22 DE MAIO, A SUA XXVII REUNIÃO PLENÁRIA, QUE TERÁ COMO TEMA CENTRAL A “CRISE HÍDRICA”. OUTROS TEMAS SERÃO DEBATIDOS E APRESENTADOS DURANTE O ENCONTRO.
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Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF reunirá todos os seus 62 membros titulares na XXVII Reunião Plenária Ordinária, prevista para os dias 21 e 22 de maio de 2015, em Petrolina – PE, cidade do Submédio São Francisco às margens do Velho Chico. A cidade foi escolhida pela sua importância social, cultural e histórica para a bacia, sendo um dos centros de desenvolvimento econômico, a partir da utilização das águas do rio para atividades produtivas como agricultura e pesca, além do rico potencial artístico e turístico que também se relaciona com a dinâmica do São Francisco. O tema central da plenária é “Crise hídrica: a difícil travessia de 2015”, aprofundando as discussões
sobre o acirramento, neste ano, da grave situação hídrica do país, como a estiagem no Nordeste e a crise de abastecimento em grandes centros urbanos, e que atingem duramente a bacia do Velho Chico. Também estão previstas, durante o encontro, apresentações das ações realizadas pelas quatro Câmaras Consultivas Regionais (CCRs), análise do processo de atualização do Plano de Recursos Hídricos da bacia do rio São Francisco, discussão sobre a segunda edição da campanha do Dia Nacional em Defesa do Velho Chico (3 de junho), debates sobre os efeitos da estiagem no âmbito da bacia hidrográfica, entre outros temas, como a preocupação do Comitê com os impactos ambientais provocados pelas frequentes reduções de vazão do rio.
Além dos membros titulares (ou dos suplentes, em casos de necessidade de substituição), a plenária do CBHSF, que acontece semestralmente, sempre reúne autoridades e especialistas ligados à gestão de recursos hídricos e ao meio ambiente, como pesquisadores de universidades localizadas na bacia e representantes do Ministério Público. Para a conferência de abertura, por exemplo, que acontece no dia 21 de maio, às 10h, e destaca o tema central da plenária, serão convidados representantes da Agência Nacional das Águas (ANA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Articulação São Francisco Vivo. Entre as deliberações do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco que serão apresentadas aos membros estão as disposições sobre o funcionamento e a competência das Câmaras Técnicas – CTs
e das CCRs, além da renovação da AGB Peixe Vivo para desempenhar as funções de agência delegatária do CBHSF. A plenária também será uma oportunidade para apresentação de ações de revitalização na bacia do Velho Chico, a partir de experiências trazidas pelo próprio Comitê, com suas obras hidroambientais executadas com recursos oriundos da cobrança pelo uso da água do rio. Mas também haverá debates sobre projetos tocados por outros órgãos, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e a Prefeitura Municipal de Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, região do Médio São Francisco. A programação completa da XXVII Reunião Plenária Ordinária, com os nomes dos palestrantes confirmados, pode ser conferida no portal do CBHSF: www.cbhsaofrancisco.org.br.
Foto: Divulgação / IMA
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UMA MANCHA SOBRE O SÃO FRANCISCO MOTIVADA PELA PRESENÇA EM GRANDE QUANTIDADE DA MICROALGA CERATIUM, CONFORME ANÁLISES REALIZADAS PELO INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DE ALAGOAS (IMA/AL), UMA GRANDE MANCHA, COM PELO MENOS 35 QUILÔMETROS DE EXTENSÃO, LEVOU MEDO À POPULAÇÃO RIBEIRINHA DO BAIXO SÃO FRANCISCO, PROVOCANDO O DESAPARECIMENTO DE PEIXES NA REGIÃO, ENTRE OUTROS PROBLEMAS AMBIENTAIS. O CASO GEROU REPERCUSSÃO NACIONAL, AFETANDO O ABASTECIMENTO DE DIVERSOS MUNICÍPIOS ALAGOANOS. APÓS ANÁLISES, A COMPANHIA HIDRELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF) FOI RESPONSABILIZADA POR CAUSAR O PROBLEMA. O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO ENVOLVEU-SE COM O CASO, SOLICITANDO MEDIDAS EMERGENCIAIS.
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Baixo São Francisco está assustado desde meados de abril. É que foi identificada uma imensa e densa mancha no leito do rio São Francisco. O problema modificou a cor e a qualidade da água do Velho Chico. De imediato, mais de cem mil alagoanos deixaram de ser atendidos pela Companhia de Abastecimento de Alagoas (Casal). Nove municípios do Estado tiveram o serviço de água suspenso, pois o líquido chegava às torneiras com a cor escura e cheiro desagradável. O serviço passou a ser feito por carros-pipa. Na semana seguinte, com a melhora da qualidade da água, a empresa retomou a captação de água para atender à população, mas confirmou a retirada de seus equipamentos da área. “O que aconteceu demonstra que o rio São Francisco está se transformando em um lago. Para re-
verter por completo os danos provocados na região, só com uma grande cheia, ou melhor, um dilúvio”, disse o assessor técnico da presidência da Casal, o engenheiro Jorge Brizeno. Ele confirmou que a empresa está investindo R$ 30 milhões no novo ponto de captação, que deverá ser montado no Canal do Sertão, também em Alagoas. A previsão para o início das operações é o próximo ano. “O governo do Estado já autorizou e quem passar na região já poderá ver que começamos os trabalhos de maneira imediata”, garantiu Brizeno.
ALGA MARINHA Provocada pela presença em grande quantidade da microalga Ceratium, conforme análises realizadas pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), a grande mancha, com pelo menos 35 quilômetros
de extensão, levou medo à população ribeirinha e provocou o desaparecimento de peixes na região, conforme atestam pescadores. O micro-organismo é típico de águas salgadas, o que confirma o alto nível de salinidade do Velho Chico na região. Diante da constatação, tanto as equipes técnicas do IMA como da Casal não tiveram dúvida em apontar para o causadora do problema: a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Com as informações em mãos, a Casal pediu ressarcimento de R$ 500 mil pelos prejuízos referentes ao período de oito dias em que o abastecimento ficou suspenso e o Instituto de Meio Ambiente de Alagoas emitiu autuação e, em seguida, auto de infração, no valor de R$ 650 mil. Um prejuízo superior a R$ 1 milhão para a Chesf em um intervalo de apenas oito dias. A empresa procurou adotar as
medidas necessárias e reconheceu o problema como sendo grave, apesar de nunca admitir a culpa. A primeira medida foi praticar uma vazão de 1.300m³ por segundo, em alguns dias. A decisão contribuiu para dissipar a mancha e o abastecimento para a população chegou a ser retomado, mas os danos não foram reparados. O grave problema motivou a reunião de órgãos diversos a fim de encontrar uma solução. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) comandou duas reuniões, no intervalo de uma semana. Na primeira, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Chesf, IMA, Casal, Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Ministério Público Federal (MPF), Secretaria de Meio Ambiente de Alagoas, Ministério Público Estadual (MPE) de Alagoas e Bahia, além de consultores convidados pelo Comitê se reuniram para traçar estratégias voltadas para solucionar o problema. Representante da Chesf, o engenheiro Elvídio Landim rebateu a informação de que a companhia tenha liberado a saída de água de um de seus reservatórios, como informou a equipe técnica da Casal. “O reservatório de Xingó permanece com o mesmo nível, de 23%”, informou
ele. No final do encontro, o MPE alagoano anunciou a instalação de um inquérito civil para apurar responsabilidades, e o MPF, um procedimento investigatório.
INQUÉRITO O promotor Alberto Fonseca, do MP/AL, disse que o objetivo é identificar as causas do problema. “Uma portaria conjunta do órgão requer informações de diversos órgãos. Esse é o procedimento preparatório”, esclareceu o representante da área ambiental do MP. O CBHSF realizou outra reunião, no dia 23 de abril, com as mesmas presenças do encontro inicial, acrescida das representações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Secretaria de Meio Ambiente de Sergipe e MPE da Bahia. O secretário de Meio Ambiente de Sergipe, Olivier Chagas, relatou a grande preocupação do governo ser-
gipano com o problema. Apesar de não ter chegado a prejudicar o lado de Sergipe, ele relatou a determinação do governador Jackson Barreto (PMDB) para efetivar ações de preservação na bacia do Velho Chico. “Sergipe depende muito do rio para abastecer a população e há uma grande preocupação. Essa mancha não nos prejudicou nesse momento, mas não significa que estejamos imunes”, considerou. O secretário executivo do CBHSF, Maciel Oliveira, reforçou que o colegiado prioriza os usos múltiplos das águas são-franciscanas. Membro do Comitê, o engenheiro Roberto Lobo mostrou fotos que confirmam o esvaziamento do reservatório Belvedere, da Chesf, dias antes do aparecimento da mancha. E fez um alerta para o perigo da operação. “Esse caso mostra que há algas tóxicas que podem se proliferar e prejudicar a região inteira”, alertou.
Foto: Delane Barros
ENCAMINHAMENTOS
CURTAS
MAIS UM PROJETO HIDROAMBIENTAL Com o objetivo de aumentar a qualidade e a quantidade das águas, o Comitê do São Francisco iniciou, no ultimo mês de abril, mais um projeto hidroambiental na bacia do Velho Chico. Dessa vez a intervenção será na bacia do rio Verde, importante afluente do São Francisco em Ibipeba (BA), na região do Médio São Francisco. Cercamento de nascentes e adequação de estradas rurais são algumas das ações previstas para a obra, que conta com o investimento de, aproximadamente, R$800 mil e será finalizada em até dez meses pela empresa executora Localmaq Ltda.
REUNIÃO DA CTIL A Câmara Técnica Institucional e Legal – CTIL, do Comitê do São Francisco, se reuniu nos dias 15 e 16 de abril, em Maceió, para tratar de assuntos internos. Dando continuidade ao processo de conflito de uso apresentado pela Sociedade Canoa de Tolda, juntamente com a empresa Estrela Guia (em abril de 2014), foi marcada uma audiência para o dia 25 de maio, em Aracaju – SE, para se ouvir os demandantes e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf. A reclamação dos denunciantes é sobre as dificuldades de navegação no São Francisco, sobretudo na região do Baixo, entre Alagoas e Sergipe, por causa do assoreamento e das frequentes reduções das vazões do rio. A renovação do contrato entre o Comitê e a agência delegatária, a AGB Peixe Vivo, e a atualização do Plano de Bacia do Velho Chico foram assuntos também discutidos no encontro.
AUDIÊNCIA
O grave problema motivou a reunião de órgãos diversos a fim de encontrar uma solução.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) decidiu por três encaminhamentos iniciais para solução do problema. O primeiro deles é a prática de pulsos de vazão, de até 1.500 m³ por segundo. O objetivo é agilizar a dissolução da mancha. Outro encaminhamento é a criação de um grupo de trabalho que reúna membros de vários órgãos e do próprio Comitê. Por fim, o CBHSF também resolveu solicitar à Agência Nacional de Águas (ANA) que qualquer proposta de redução da vazão somente seja pauta do órgão após a mancha desaparecer por completo.
Com o objetivo de encontrar soluções viáveis e ambientalmente corretas para enfrentar a seca na região do Vale do São Francisco, o CBHSF participou da audiência pública promovida pela Comissão de Agricultura do Senado Federal na cidade de Petrolina – PE. Na oportunidade, o representante do colegiado, Luiz Alberto Dourado, expôs a posição do Comitê diante dos graves impactos que vêm acometendo o rio São Francisco. As informações estão disponíveis no site do Senado:www12.senado.gov.br.
PLANO DE SANEAMENTO EM BARRA Visando à preservação dos afluentes do Velho Chico, o Comitê do São Francisco auxilia pelo menos 25 municípios localizados na bacia na elaboração dos seus Planos Municipais de Saneamento Básico – PMSBs. Dentre as cidades beneficiadas está Barra, localizada na região do Médio São Francisco, na Bahia, com uma população de aproximadamente 54 mil habitantes. O município carece há tempos de um sistema de saneamento básico que garanta melhores condições ambientais e promova a saúde de sua população. A primeira reunião para início das atividades de elaboração do PMSB de Barra ocorreu no mês de abril, com participação da empresa contratada Água e Solo. A previsão é de que o plano seja concluído em dez meses.
Foto: Almacks Luís
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PERFIL Foto: Delane Barros
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APOIO À RECUPERAÇÃO
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ascido no povoado Riachão, em Junqueiro, Juca Ferreira nunca saiu da sua cidade. Hoje, aos 67 anos, ele assiste de perto as obras de recuperação hidroambiental promovidas pelo CBHSF, reconhece a importância do trabalho e é um dos mais entusiasmados com as obras na região. “Seu” Juca explica que a presença das árvores é fundamental para garantir água para consumo humano. Ele mesmo revela que já desmatou, mas hoje entende os prejuízos que causou. Como compensação, cedeu parte de suas terras para o trabalho da GOS Florestal na região. Ele entende que os benefícios são maiores que as perdas. “A empresa pediu parte da minha propriedade e eu autorizei logo. Por que não? Vai beneficiar todo mundo por aqui”, diz ele, determinado. Como observador atento das mudanças climáticas, Juca Ferreira diz que percebe claramente as mudanças. “Quando tínhamos as matas densas por aqui, as chuvas chegavam e duravam mais tempo, beneficiavam muito mais. Acabaram com tudo e o resultado é esse: temperatura quente demais e poucas chuvas”, compara. Durante a visita de campo, realizada no povoado no dia 11 de abril passado, ele era um dos mais entusiasmados. Sem problema com a balança, “seu” Juca desceu até as nascentes com a rapidez de um garoto e deixou para trás os “atletas”, que enfrentaram o percurso no limite do cansaço. “Estou acostumado nesse ir e vir”, diz ele, com um sorriso largo no rosto.
População local apoiou as benfeitorias ambientais realizadas em Riachão
NOVA VIDA PARA RIACHÃO A COMUNIDADE DE RIACHÃO, NO MUNICÍPIO ALAGOANO DE JUNQUEIRO, APROVA AS MEDIDAS DECORRENTES DO PROJETO DE RECUPERAÇÃO HIDROAMBIENTAL PREVISTO PELO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO.
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projeto de recuperação hidroambiental promovido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) foi bem aceito pela comunidade do povoado Riachão, no município alagoano de Junqueiro. No local, estão sendo promovidas ações de proteção de áreas de nascentes, plantio e manutenção de mudas nativas e trabalho de mobilização social. Com isso, o trabalho executado pela empresa GOS Florestal, contratada para as atividades na região, garantirá o fornecimento de água para a população do município e áreas próximas. No contrato firmado entre o Comitê e a empresa, através de processo licitatório, estão sendo erguidos aproximadamente quatro mil metros de cerca; plantio e manutenção de sete mil mudas nativas, numa área que compreende 34 mil metros quadrados. Na região, estão nascentes
que abastecem o consumo das populações do próprio município de Junqueiro e da cidade vizinha, São Sebastião, distante 113 km da capital, Maceió, e com população estimada em 60 mil habitantes, de acordo com informações do último censo do IBGE. A região é atendida por nascentes com vazão média de 170 m³ por segundo e que ficam em uma propriedade particular. No dia 11 de abril foi realizado um “momento de campo”, promovido pela GOS Florestal. Com isso, membros do CBHSF, representantes dos poderes Legislativo e Executivo municipais e da comunidade local conheceram a área, que exige dos visitantes fôlego para uma descida de 250 metros. “Realizamos oficinas para orientar a população sobre os motivos que levam à erosão, uma grande inimiga das nascentes”, explica o engenheiro agrônomo da GOS Florestal, Alessandro Vanini.
EROSÃO Durante o momento de campo, Vanini aproveitou para promover uma palestra, na qual explicou os motivos que provocam a erosão, uma das grandes inimigas para a preservação de nascentes. “O pisoteio de gado, a alta declividade do solo e o seu manejo inadequado são alguns dos motivos que levam à erosão. O reflorestamento, por outro lado, é uma das medidas mais benéficas para preservar as nascentes”, explica ele. O também agrônomo Ricardo Ramalho reforçou a importância dos sistemas agroflorestais, os chamados SAFs, ou seja, a harmonização das culturas para garantir a sobrevivência de plantas diversas. Na palestra oferecida na associação de trabalhadores rurais, ele explicou que a prática contribui bastante para a preservação do solo e, consequentemente, das nascentes. A representante do CBHSF durante a visita, Rosa Cecília Lima Santos, destacou que o trabalho do colegiado ao incentivar obras desse tipo é buscar garantir a perenidade de rios, sejam eles afluentes ou não do São Francisco. “O que importa é preservar a água e as nascentes”, resumiu.
NOTÍCIAS DO SÃO FRANCISCO
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FLUVIAIS
Índios e quilombolas reunidos na oficina de Petrolândia: avaliação
ÍNDIOS E QUILOMBOLAS CONTRIBUEM PARA O PLANO DE BACIA
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processo de atualização do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Velho Chico já realizou 50% dos encontros de escuta pública e participação popular. Até o final de abril aconteceram 18 eventos, sendo seis consultas públicas e 12 oficinas setoriais. “Todas as ações estão ocorrendo como previsto. Fizemos um esforço grande para garantir a participação e o resultado tem sido positivo”, avalia Pedro Bettencourt, diretor-geral da Nemus Consultoria, que coordena o processo de atualização do Plano. Entre os destaques deste mês de abril, duas oficinas voltadas às comunidades tradicionais da bacia. “Esse talvez seja o segmento mais politizado em termos de preocupações com a preservação do rio, pois possuem uma relação intrínseca com o meio ambiente, formada pela necessidade de sobrevivência e pelo convívio com a natureza”, destacou Samuel Britto, mobilizador da Articulação Popular do São Francisco. A oficina realizada no dia 6 de abril, em Bom Jesus da Lapa, cidade do Médio São Francisco, concentrou quilombolas, vazanteiros e comunidades de fundo e fecho de pasto de cidades baianas do Médio São Francisco, como Correntina, Carinhanha, Riacho de Santana, Malhada, Santa Maria da Vitória, Paratinga, entre outras, além de órgãos governamentais e organizações sociais. “É preciso
conscientização de todos para a situação crítica do rio, por isso nosso grupo de discussão propôs a inclusão da educação ambiental nos currículos escolares de forma transversal e contextualizada”, defendeu João Conceição dos Santos, de Sítio do Mato, secretário do Conselho Estadual de Povos Quilombolas. A segunda oficina foi realizada em 23 de abril, no Submédio São Francisco, em Petrolândia, no semiárido pernambucano. Norteada por temas como o impasse regulatório de áreas de propriedade indígena e críticas à implantação de barragens e usinas nucleares no leito do rio, a discussão reuniu índios da Bahia e de Pernambuco, a exemplo dos Truká, Tuxá, Pankararu, Aticum, Pankará, Cambiuá, Pankararé. “Precisamos rever o pensamento dessa sociedade que enxerga os índios como intrusos, sendo que, na verdade, estamos protegendo o território que é nosso de origem”, alertou Aílson dos Santos, da aldeia Truká (PE). A próxima Oficina Setorial das Comunidades Tradicionais ocorrerá no dia 6 de maio, em Pirapora (MG). No dia 14 de maio, o município de Porto Real do Colégio (AL) sedia outro encontro. “É preciso estar presente para fazer valer a nossa voz e a contribuição dos povos tradicionais para este Plano”, defendeu Aristóteles Gomes de Sá, da comunidade do Tomba, em Paratinga (BA).
A cidade de Juazeiro (BA) foi uma das que já exibiram o documentário
REMEIROS DO SÃO FRANCISCO Foi lançado no mês de abril, o documentário “Remeiros do São Francisco”, que mostra os primeiros grandes transportes de carga desde a década de 1982 no Velho Chico. No material de 50 minutos de duração, que foi gravado em várias cidades de Minas Gerais, da Bahia e de Pernambuco, é possível acompanhar histórias de remeiros, narrada por eles mesmos, e da navegação no rio. De acordo com o diretor Dêniston Diamantino, que é documentarista, pesquisador e defensor do meio ambiente há mais de 30 anos no Vale do São Francisco, um dos objetivos do documentário é mostrar que, em tempos mais precários e com pouca tecnologia, o São Francisco já foi intensamente navegável.
ACHADO DO SÉCULO XX Uma embarcação da década de 1960 foi encontrada naufragada no Velho Chico, no ultimo mês de abril, próximo à cidade de Penedo, em Alagoas. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan estuda a possibilidade de resgate do navio identificado como Comendador Peixoto, que naufragou no século XX e agora foi descoberto por causa do baixo volume de água no rio São Francisco. O instituto está em fase de diagnóstico do estado de conservação da embarcação, afirmando que a descoberta foi uma grande surpresa. O tamanho do navio ainda não foi divulgado. Se for comprovado que a embarcação está com o casco virado para cima, possivelmente ela estará em melhor estado de conservação.
AS BELAS DUNAS DE PIAÇABUÇU As altíssimas dunas de areia da cidade ribeirinha de Piaçabuçu, localizada em uma região de preservação da foz do rio São Francisco, no estado de Alagoas, foram eleitas como uma das sete mais belas do Brasil. A lista foi publicada no último mês de abril por um dos portais de turismo mais importantes do país, o Guia Viagens Brasil. com. No local, é possível praticar as mais criativas formas de diversão, a exemplo do “ski-bunda”, “ski-pança”, “ski-mix” ou “duplo deck”. Além de Piaçabuçu, integram o catálogo de belezas naturais as dunas dos Lençóis Maranhenses, Genipabu, Jericoacoara, Joaquina, Siriú/Garopaba e Mangue Seco.
MAIS UM ACHADO Uma galeria que pode ser datada dos séculos XVIII e XIX foi encontrada por operários durante os trabalhos de uma obra de requalificação urbanística, no município alagoano de Penedo, no ultimo mês de abril. Ainda em fase de estudos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan acredita que o achado, em formato de túnel, venha a ser uma galeria de águas pluviais utilizada muitos anos atrás. Objetos históricos como pedaços de louças e cerâmica também foram encontrados no local.
ENTREVISTA
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JORGE BRIZENO
Foto: ASCOM / Casal
VAZÃO REDUZIDA PREJUDICA O BAIXO SF
NO ÚLTIMO MÊS DE ABRIL, O APARECIMENTO DE UMA GRANDE MANCHA ESCURA EM UM DOS TRECHOS DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO, ENTRE OS ESTADOS DE ALAGOAS E SERGIPE, MOBILIZOU DIVERSOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS. O ANALISTA TÉCNICO DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DE ALAGOAS – CASAL, JORGE BRISENO, EXPLICA NESTA ENTREVISTA AS POSSÍVEIS CIRCUNSTÂNCIAS PARA O SURGIMENTO DO QUE SERIAM MICROALGAS, BEM COMO REVELA ALGUNS DOS IMPACTOS QUE ESTÃO SENDO SENTIDOS NA REGIÃO DO BAIXO SÃO FRANCISCO EM DECORRÊNCIA DAS VAZÕES REDUZIDAS NA USINA HIDRELÉTRICA DE XINGÓ.
Uma mancha escura tomou conta das águas do rio São Francisco em 28 quilômetros da sua extensão. Mesmo tendo as causas ainda investigadas pelos órgãos responsáveis, inclusive pela Casal, o senhor destaca quatro possíveis circunstâncias para este aparecimento. Quais são? A Casal acredita que alguns fatores contribuíram para a proliferação das algas. Uma insolação forte, muito intensa, que, com o sol causticante, influenciou diretamente no aparecimento dessas algas no lago de Xingó. Além disso, o ambiente do lago é lêntico. Ou seja, de pouca dinâmica de movimento das águas. Outra questão é que temos também as restrições das vazões mínimas para 1.100m3/s impostas à Chesf pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) favorecendo ainda mais para o inédito fato. Por último, houve uma recente limpeza da Barragem Belvedere ou Barragem Leste, pertencente ao complexo de Paulo Afonso, de responsabilidade da Chesf. A companhia fez um esvaziamento em um das comportas da represa que, como resultado, arrastou sedimentos de mais de 30 anos para o interior do lago. Mas, como disse, são apenas hipóteses. Precisamos esperar as conclusões dos demais órgãos ambientais para saber, de fato, o que aconteceu. Por conta do ocorrido, a distribuição de água ficou comprometida em oito cidades de Alagoas, correspondendo a uma população estimada em 105 mil pessoas. Tem previsão para essa situação se resolver? O abastecimento já está normal. A ONS, por conta da problemática, autorizou a Chesf a realizar pulsos de vazões (aumentar a vazão), que contribuíram para que a mancha se dissipasse parcialmente, melhorando a qualidade da água. No dia 8 de abril, auge da afloração das algas, a qualidade das águas do rio São Francisco na região chegou a marcar 127 UC. O normal é entre 15 e 17. O rio saiu totalmente dos padrões do seu enquadramento, que é de classe 2. Ou seja, de boa qualidade. Agora voltou à normalidade, mas vivemos momentos de muita instabilidade. Quando as des-
cargas das vazões reduzirem novamente, pode ser o que o problema retorne. A Casal pediu ressarcimento à Chesf de aproximadamente R$500 mil pelos prejuízos causados ao abastecimento dos oito municípios. Como solução para o problema, um dos encaminhamentos da reunião emergencial realizada no último mês em Maceió, envolvendo diversos órgãos ambientais, foi de que aumentasse de imediato a vazão do lago de Xingó para 1.300m3/s em vez da atual medida de 1.000 m3/sna carga leve (durante a madrugada, domingos e feriados). Assim, diluiria o material tóxico que toma conta do rio.Essa seria a única medida a ser considerada ou existem outras? Em curto prazo, sim. Foi constatado que a alga não é tóxica. Era o que nos preocupava, mas o IMA – Instituto de Meio Ambiente de Alagoas comprovou a inexistência de qualquer agente tóxico. Por isso que solicitamos que a vazão permanecesse em 1.300m3/s até que ela se dissipe de vez. Em outro momento, a Casal já havia anunciado a impossibilidade de continuar abastecendo as populações da região do sertão com regularidade devido à má qualidade da água bruta do lago de Xingó, resultado da baixa vazão. Podemos afirmar que houve irresponsabilidade por parte do setor elétrico ao querer priorizar apenas a geração de energia e esquecer os demais usos da bacia? Dizer que houve irresponsabilidade é
INFELIZMENTE, O RIO SÃO FRANCISCO SE VOLTOU APENAS PARA A GERAÇÃO DE ENERGIA. ISSO É UM TOTAL DESRESPEITO EM RELAÇÃO À LEI DE RECURSOS HÍDRICOS, QUE PREVÊ USOS MÚLTIPLOS.
um pouco forte. Agora, o setor elétrico está no sufoco. Infelizmente, o rio São Francisco, nos últimos dez anos, se voltou apenas para a geração de energia. Isso é preponderante e um total desrespeito em relação à lei de recursos hídricos, que prevê usos múltiplos. Um dos sinais positivo do aumento de vazão é a melhora da qualidade da água que é distribuída à população ribeirinha. Essa medida regulatória de operação dos reservatórios não se torna preocupante se pensarmos do ponto de vista de que apenas o setor elétrico tem autonomia para mudar esse cenário? Sem sombra de dúvida. E é por conta desta instabilidade de reduções das vazões que a Casal e o governo de Alagoas estão implantando um novo canal de captação de água a montante do Complexo de Paulo Afonso. Será no chamado Canal do Sertão, onde a dinâmica das águas é maior, e não teremos essa insegurança com as flutuações das vazões, que estão comprometendo a qualidade e o abastecimento de água dos ribeirinhos. Estamos “largando” Xingó tendo em vista o melhoramento deste abastecimento. Isso não ocorrerá do dia para a noite. Estamos prevendo mais um ano e meio para que aconteça essa mudança. Todos os atores serão previamente informados. Até que ponto a redução da vazão prejudica a região do Baixo São Francisco? Por quê? Prejudica em todos os sentidos. Entre as cidades de Paulo Afonso (BA) e Piranhas (AL) o rio São Francisco virou um grande lago. A navegação está comprometida pelos inúmeros bancos de areia que tomam conta do leito. A partir de Piranhas, por conta do baixo nível do rio, estamos tendo dificuldade de captar água nas nossas bombas. Elas estão no que chamamos de processo de cavitação. Estão sugando água e ar ao mesmo tempo. Isso está danificando o nosso equipamento que, consequentemente, compromete o abastecimento de municípios alagoanos. Ainda temos o processo de salinização das águas do Baixo São Francisco.